CURSO DE DIREITO
“PODER FAMILIAR; GUARDA DOS FILHOS; O DIREITO DE CONVIVÊNCIA E SUAS VICISSITUDES”
JULIO CESAR GALVES GOMES MANGINI MOSQUEIRO RA: 415555-0 TURMA: 003209A03 FONE: 7503-9797 E-MAIL:
[email protected]
SÃO PAULO 2009
JULIO CESAR GALVES GOMES MANGINI MOSQUEIRO
Monografia
apresentada
à
Banca
Examinadora do Curso de Direito da Uni FMU, como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito sob a orientação do Professor Sergio Iglesias Nunes de Souza.
São Paulo 2009 2
BANCA EXAMINADORA:
Professor Orientador:________________________________
Professor Argüidor:_________________________________
Professor Argüidor:_________________________________
3
Aos meus filhos, minha inspiração, meu chão, meu maior motivo, dedico meu amor, este trabalho e minha vida.
4
Agradeço
a
Luciana
que
sempre
acreditou em mim e neste projeto; aos meus pais, Renato e Nair, que me deram a vida; a minha avó, Carmem, que me proveu; ao meu avô, Isidoro, que me serviu de exemplo de pessoa digna; aos meus filhos que
me motivaram e
agradeço também ao Tício e ao Caio, por sofrerem todo tipo de sorte para que possamos ter uma melhor compreensão do Direito.
5
Se quisermos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova. M. Gandhi.
6
1 Resumo
O presente trabalho versou sobre os aspectos jurídicos e psicológicos acerca do Poder Familiar, seu histórico; suas vicissitudes, articulando seu exercício nas diferentes estruturas familiares, conseqüentemente, nas diferentes modalidades de guardas, embasado na idéia do melhor interesse da criança. Também foram abordadas aqui questões intrínsecas ao Poder Familiar, como o papel do psicólogo e da mediação na definição da guarda após a dissolução da sociedade conjugal; convivência entre pais e filhos e, na sua falta, a conseqüente Síndrome de Alienação Parental, personificação da morte simbólica de um genitor da vida do filho, matando também muitas outras possibilidades. Aqui também se visualizou uma esperança para o fim deste mal, que nada mais é do que a possibilidade de ambos os pais exercerem plenamente a parte que lhes cabe quanto ao Poder Familiar e conseqüentemente fazer parte da vida dos filhos.
7
2
Sumário
1
Resumo..................................................................................... 07
2
Sumário.....................................................................................08
3
Introdução................................................................................ 10
4
Evolução histórica: do Pátrio Poder ao Poder Familiar...... 11
4.1
Pátrio Poder na Roma Antiga................................................ 11
4.2
Antigo direito luso-brasileiro.................................................. 13
4.3
Constituição Republicana de 1891......................................... 16
4.4
Código Civil de 1916................................................................ 16
4.5
Estatuto da mulher casada...................................................... 19
4.6
Lei do divórcio......................................................................... 20
4.7
Constituição Federal de 1988..................................................22
4.8
Estatuto da Criança e do Adolescente................................... 23
4.9
Código Civil de 2002................................................................ 24
4.10
Lei da guarda compartilhada................................................. 25
4.11
Estatuto da Família................................................................. 29
5
Guarda e Convivência ............................................................ 34
5.1
A tirania do Guardião............................................................. 34
5.2
Modalidades de guarda........................................................... 36
5.2.1
Guarda mono parental, exclusiva e única............................. 36
5.2.2
Aninhamento ou nidação........................................................ 37
5.2.3
Guarda alternada.................................................................... 38
5.2.4
Guarda Compartilhada ou conjuntiva.................................. 38
5.3
Livre Visitação......................................................................... 41
5.4
Definição da guarda e convivência após a dissolução Conjugal................................................................................... 42
5.5
A Mediação na disputa de Guarda e Convivência................45
6
Formas de exercício do Poder Familiar................................. 47
6.1
Exercício Exclusivo.................................................................. 48 8
6.2
Exercício Conjunto e Exercício Compartido........................ 48
6.3
Exercício Solidário................................................................... 49
6.4
Melhor Exercício...................................................................... 50
7
Síndrome da alienação Parental............................................. 52
7.1
Definição................................................................................... 53
7.2
Diagnósticos do DSM-IV relacionados à Síndrome de Alienação Parental................................................................... 57
7.2.1
Diagnósticos aplicáveis a ambos os genitores e às crianças com SAP.................................................................... 57
7.2.2
Diagnósticos aplicáveis a pais alienadores............................. 58
7.2.3
Diagnósticos do DSM-IV aplicáveis às crianças com SAP.. 59
7.2.4
Diagnósticos do DSM-IV aplicáveis aos pais alienados........ 60
7.3
Alienação pelo outro, segundo Lacan.................................... 61
8
O Movimento Social Organizado em busca da Igualdade Parental..................................................................................... 64
8.1
APASE...................................................................................... 65
8.2
Pai Legal.Net............................................................................ 67
8.3
Pais por Justiça........................................................................ 68
9
Considerações Finais............................................................... 69
10
Bibliografia............................................................................... 71
9
3 Introdução
Nos últimos cem anos a humanidade passou por transformações numa velocidade nunca antes vista. Com o advento da Revolução Industrial, homem e mulher passaram a disputar lugar no mercado de trabalho, em decorrência disso a mulher passou a lutar por seus direitos, surgiu então, como sub-fenômeno da Revolução Industrial, o movimento feminista, que tomou força na segunda metade do século 20. Os efeitos da luta pela isonomia de gênero repercutiram não somente na esfera social, pois os papéis dentro do núcleo familiar também foram revistos. O modelo de família respaldada em casamentos estáveis e que cabia ao homem o papel de chefe da família, foi cada vez mais se tornando minoria na sociedade. No Brasil, influenciado por este fenômeno, ocorreu a evolução do Ordenamento Jurídico com as aprovações do Estatuto da mulher casada (Lei nº 4.121/62); Lei do divórcio (Lei nº 6.515/77); Constituição Federal de 1988; Estatuto da Criança e do adolescente (Lei 8069/90); Código Civil de 2002; Lei da guarda Compartilhada (Lei n° 11.698/2008) e
agora com a discussão dos projetos de lei que visam instituir o Estatuto da Família (Projeto de lei 2.285/07) e a tipificação dos atos causadores da Síndrome da Alienação Parental (Projeto de lei 4.053/08). No entanto, apesar de termos um dos ordenamentos jurídicos mais avançados do mundo, infelizmente isso não reflete uma sociedade justa. Sociedade, e sim mostra uma sociedade em que o poder estatal não consegue atender a demanda relacionada aos litígios envolvendo a busca do exercício do Poder Familiar a das famílias ditas como não tradicionais, onde pai e mãe não vivem em situação marital, o reflexo disso é a não convivência adequada entre pais e filhos que vivem nessa situação, e o Estado prefere ficar omisso ou mesmo com uma postura retrógrada, preferindo tentar dar uma solução simplificada para o fenômeno, instaurando um protecionismo exacerbado a mãe/mulher, sendo este fato duplamente pernicioso, pois além de ferir o Princípio Constitucional da Isonomia também faz com que ocorra um 10
agravamento da questão inicial, pois seja, o desequilíbrio da parentalidade entra os genitores guardiões e não guardiões, fenômeno denominado de Tirania do Guardião, caminho que leva diretamente à Síndrome de Alienação Parental sendo esta um passaporte à destruição do laço paterno, da dignidade humana, da esperança, da vida. Como o Direito pode atender a demanda deste novo desafio? A resposta pode não ser fácil, mas podemos visualizar um caminho, e ele se chama interdisciplinaridade, pois se sozinho o Direito não é capaz de responder as demandas sociais, principalmente as ligadas ás relações familiares, com a união de disciplinas como a Psicologia, a Assistência Social, a Pedagogia1, pode-se imaginar uma possibilidade de um novo Direito, como já se tem demonstrado, menos sectário, mais humano e capaz de fomentar a paz e justiça social.
4 Evolução histórica, do Pátrio Poder ao Poder Familiar
4.1
Pátrio Poder na Roma Antiga
O Instituto do Pátrio Poder já era previsto na origem do Direito Romano através da Lei das XII Tábuas 2, mais especificamente na Tábua IV que tratava do De Iure Pátrio3. Esta lei, que foi um marco na positivação das leis, limitou o pleno poder, natural até então, do Pátrio Poder, mas ainda assim reservou um poder extremamente excessivo a este Instituto. Como, por exemplo, o poder de matar o filho que apresentasse alguma anomalia física. Segundo Cretella, o Pátrio Poder estava diretamente ligado ao Status Familiae em que ao chefe da família, denominado paterfamilias, concentrava o poder, ou seja, o patria potestas, cabe ressaltar que este chefe não necessariamente era o pai, podendo ser o avô, o sogro ou marido 4. A
1
Entre outras. 451-449 a.C. 3 Do Pátrio Poder. 4 CRETELLA, J. J. Curso de Direito Romano..., cit. p. 112. 2
11
definição de estar ou não sob a patria potestas do paterfamilias dependia do status da pessoa frente a essa família, como muito bem definiu Cretella:
Para compreender a família romana é indispensável clara noção das expressões “sui iuris” e “alieni iuris”, pois quanto ao “status familiae” as pessoas de dividem em independentes (sui iuris) e dependentes (alieni iuris), em relação ao Pater.5
Cretella nos mostra que um dos fatores mais importante para a definição do status familiae é o advindo do casamento podendo este ser: - cum manu, onde a mulher deixa seu antigo status familiae e passa para a situação de alieni iuris, ou seja, sob a patria potestas do paterfamilias de seu marido, podendo ser seu avô, seu pai, ou ele mesmo, caso este tenha o status familiae de sui iuris. - sine manu, “que é aquele em que a mulher não cai sob o poder do marido” 6, ou de seu paterfamilias, mantendo sua condição anterior ao casamento.
Outro dado importante quanto ao pátrio Poder na Roma antiga é que somente estavam sujeitos a ele os parentes civis do paterfamilias, denominado de agnatio, sendo que o parentesco puramente sanguíneo, que era denominado de cognatio, somente repercutia efeitos para impedimentos matrimoniais, evitando assim o incesto, não gerando efeitos no direito sucessório.
Portanto as fontes da patria potestas eram: o casamento legítimo cum manu; a descendência no casamento legítimo; a legitimação 7; a adoção. Enquanto que sua extinção se dava principalmente com a morte do paterfamilias, entretanto, excepcionalmente, este fenômeno poderia ocorrer também por emancipação; elevação
5
Idem, ibidem, p. 108. Idem, ibidem, p. 119. 7 Reconhecimento civil do descendente, ou seja, do cognatio. 6
12
do filius a certas dignidades; abandono do filius pelo pater; perda da libertas ou da civitas pelo pater.8
Cabe ressaltar, para efeitos de comparação com o Poder Familiar, que na Roma antiga o Pátrio Poder ainda tinha um poder relativamente excessivo; este poder era exclusivo do homem9; a maioridade ou casamento não extinguia o Pátrio Poder; não bastava o laço sanguíneo para seu efeito, era necessário o seu reconhecimento ou ter nascido fruto de um casamento legítimo, ou seja, a vontade do patriarca era fundamental tanto para sua iniciação (legitimação) como para sua manutenção (emancipação, abandono).
Portanto podemos perceber que o Pátrio Poder romano versava sobre o poder do paterfamilias para com o aliene iuris e não sobre eventuais deveres do primeiro para com o segundo.
4.2
Antigo direito luso-brasileiro
Mesmo considerando as modificações advindas do tempo e dos costumes o Direito Romano teve forte influência no antigo Direito luso-brasileiro, época em que vigorava as ordenações, leis, decretos promulgados pelos reis de Portugal. 10
Pois então, no Direito desta época, o Instituto do Pátrio Poder, inicialmente durava toda a existência e dizia respeito a, somente, os filhos legítimos e legitimados, estando isto disciplinado pelas Ordens filipinas.11
Segundo Venosa: 8
CRETELLA, J. J. Curso de Direito Romano..., cit. p. 117. Patriarca. 10 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 23. 11 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: Parte Especial..., cit., p.38-39 9
13
Este patriarcalismo que veio da Coroa Portuguesa se expressava nos senhores de engenho e barões do café, que deixaram marcas indeléveis na história brasileira.12
José Virgílio Castelo Branco Rocha, nos mostra através de seus estudos as principais características do pátrio poder no antigo direito luso-brasileiro: a) só o pai exercia o pátrio poder, não competindo à mãe senão certos direitos relativos à obediência filial; b) a maioridade iniciava aos 25 anos de idade, mas não cessava com ela o pátrio poder se o filho continuasse sob a dependência do pai; c) o pátrio poder só dizia respeito aos filhos legítimos e legitimados, não alcançando os naturais e os espúrios; o pai podia nomear tutor aos filhos naturais, que eram chamados à sucessão se o pai fosse peão.13
Quanto as atribuições do pai à pessoa dos filhos, Castelo Branco disse que consistia em: a) educá-los e dar-lhes profissão, de acordo com a condição e posses do pai; b) castigá-los moderadamente, e, se incorrigíveis, entregá-los aos magistrados de polícia para os fazer recolher à cadeia por tempo razoável, obrigando-se a sustentá-los; c) repeti-los de quem lhos subtraísse e proceder contra os que os pervertessem ou concorressem para isso; d) exigir e aproveitar seus serviços, sem obrigação de soldada ou salário, salvo se lhos prometeu; e) nomear-lhes tutor testamentário e designar as pessoas que hão de compor o conselho de família; f) substituí-los pupilarmente; g) defendê-los em juízo ou fora dele; h) contratar em nome do filho impúbere, quando o contrato lhe pudesse vir de proveito, e intervir com sua autoridade nos contratos do filho púbere.14
A respeito das relações patrimoniais do pátrio poder na época do antigo direito luso-brasileiro, vigorava o seguinte: a) cabia ao pai a propriedade e usufruto do 12
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. São Paulo: Atlas, 2001. p. 286 ROCHA, José Virgílio Castelo Branco. O pátrio poder..., cit., p. 38-39. 14 ROCHA, José Virgílio Castelo Branco. O pátrio poder..., cit., p. 39. 13
14
pecúlio profetício dado ao filho em administração; b) cabia ao pai a propriedade, a administração e o usufruto do pecúlio castrense ou quase castrense devidos ao filho; c) quanto ao pecúlio adventício, o filho tinha a propriedade e o pai, os usos e frutos, enquanto o filho estivesse sob seu poder. Não se submetiam a tais regras os bens em que o filho adquirisse por seu trabalho ou indústria e os bens adventícios extraordinários, como por exemplo, aqueles que o filho adquiria com a condição de lhe pertencerem, desde logo, a propriedade e o usufruto. 15
Em relação a extinção do pátrio poder, no antigo direito luso-brasileiro ela se dava: a) pela morte do pai ou do filho; b) pelo banimento; c) pelo casamento do filho; d) pela emancipação; pelo exercícios de cargos públicos, se o filho fosse maior de 21 anos de idade; e) pela colação de grau acadêmico; f) pela entrada do pai ou do filho em religião aprovada; g) por ato do pai que abandonasse o filho ou o tratasse com crueldade ou induzisse a maus costumes; h) pela investidura de ordem sacras maiores; i) se o pai expusesse o filho; j) por sentença passada em julgado nos casos em que o pai era compelido a emancipar o filho.16
Com a evolução dos costumes nas relações sociais e familiares, houve a necessidade de adequação deste Instituto, principalmente no que dizia respeito a maioridade, assim, em 1831, veio a Resolução de 31 de outubro que, combinada com a Lei de 22.09.1828, fixou em 21 anos a época em que se devia verificar a maioridade e, conseqüentemente, a emancipação.17
Finalizando este capítulo, é mister considerar o Decreto 181, de 24.01.1890, já na República, que concedeu à viúva o direito de exercer o pátrio poder, perdendo este direito caso viesse a contrair, novamente, matrimonio. A respeito disso Comel discorre:
15
Idem, ibidem, p. 39-40. ROCHA, José Virgílio Castelo Branco. O pátrio poder..., cit., p. 40-41. 17 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: Parte Especial..., cit., p. 143. 16
15
Regra de significativa importância e que consistiu num marco da evolução do pátrio poder, por deixar de considerá-lo como prerrogativa exclusivamente masculina, ainda que o jugo do homem somente viesse a ser definitivamente superado quase cem anos depois.18
4.3
Constituição Republicana de 1891
A Constituição Republicana de 24 de fevereiro de 1891 foi um marco na luta pela democracia, à liberdade e à igualdade de todos perante a lei, conforme seu artigo 72 § 2º:
Todos são iguais perante a lei. A República não admite privilégios de nascimento, desconhece foros de nobreza e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho.
Baseado nos princípios republicanos, esta Constituição exigiu a adequação de todo o ordenamento jurídico a estes princípios e a respeito do Pátrio Poder, mesmo que ainda neste não tivesse garantido o principio da isonomia, iniciou-se um movimento a este sentido, como verificaremos no previsto na legislação infraconstitucional.
4.4
Código Civil de 1916
Portanto, sob a égide de uma Constituição que defendia a igualdade de todos perante a lei, numa sociedade predominantemente rural, em que a família era tida como uma entidade patriarcal, hierarquizada, matrimonializada e patriminializada, o primeiro Código Civil brasileiro, instituído pela Lei 3.071, de 01 de janeiro de 1916, constituiu a família sob o princípio da unidade de direção.19 A respeito disso é mister
18 19
COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 23. COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 26.
16
observar as considerações de José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira:
O modelo de família que o legislador teve em vista, ao elaborar o Código Civil em sua versão original, corresponde a uma família dominada pelo princípio da unidade de direção. A família tem um chefe: o marido. Sua estrutura é diferenciada, baseada no princípio de repartição de funções e hierarquizada.20
Nota-se, sobretudo, no artigo 233 que “o marido é o chefe da sociedade conjugal”, ou seja, a ele reservada, de forma solene, a função de chefe da família, sendo confirmada tal investidura pelo fato de a mulher casada ser considerada como relativamente incapaz, portanto, sob o domínio do marido, também denominado poder marital. 21
Portanto o Pátrio Poder previsto no Código Civil de 1916 seguiu a tradição das legislações anteriores ao reservar, prioritariamente, ao marido a prerrogativa de chefiar a família, ou seja, exercer o Pátrio Poder de forma exclusiva. A respeito disso Lafayette Rodrigues Pereira tinha uma interessante opinião: Não poderia a sociedade conjugal subsistir regularmente, se o poder de dirigir a família e reger-lhes os bens não estivesse concentrado em um só dos cônjuges, uma vez que os conflitos diários, não encontrando pronta solução, criariam na família perpétua perturbação.22.
Entretanto, no Código Civil de 1916, à mulher já era reservado a participação em assuntos da sociedade conjugal, devendo-se afastar qualquer atitude arbitrária do marido, pois segundo próprio Beviláqua, apesar da preeminência concedida ao marido, os dois cônjuges se acham no mesmo plano jurídico, e não
20
OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Direito de Família. Porto Alegre: Fabris, 1990. p. 302. 21 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 26. 22 PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direitos de família..., cit., p.125
17
exerce o homem autoridade sobre a mulher.23 Esta visão pode ser entendida se considerado o artigo 240 do Código Civil de 1916.24
Portanto à mulher, apesar de ter, ainda que de forma tímida, conseguido espaço nos assuntos conjugais, somente era reservado o exercício do Pátrio Poder, na morte do marido, em seus impedimentos legais, ou no não reconhecimento, em se tratando de filhos ilegítimos, conforme observava o artigo 38325
A respeito deste ponto, somente estavam sujeitos ao Pátrio Poder os filhos que podiam ser reconhecidos, pois sem reconhecimento não há que se considerar a autoridade paterna.26 Portanto estavam sujeitos ao Pátrio Poder os filhos naturais, os legítimos, os legitimados, os legalmente reconhecidos e os adotivos, excluindo-se os incestuosos, os adulterinos e os espúrios.
Quanto a questão patrimonial o Código Civil de 1916 conferia aos pais a administração27 e o usufruto28 de seus bens, com algumas restrições. 29
A respeito da extinção do Pátrio Poder de acordo com o código Civil de 1916, esta somente poderia se dar com a morte dos pais ou do filho; pela emancipação; pela maioridade, fixada em 21 anos; pela adoção.30 23
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil..., cit., p. 99-100. CC/1916, art. 240: “A mulher assume, pelo casamento, com os apelidos do marido, a condição de sua companheira, consorte e auxiliar nos encargos da família.” 25 CC/1916, art. 383: “O filho ilegítimo não reconhecido pelo pai fica sob o poder materno. Se, porém, a mãe não for reconhecida, ou capaz de exercer o pátrio poder, dar-se-á tutor ao menor.” 26 CC/1916, art. 379: “Os filhos legítimos, os legitimados, os legalmente reconhecidos e os adotivos estão sujeitos ao Pátrio Poder, enquanto menores.” 27 CC/1916, art. 385: “O pai e, na sua falta, a mãe são os administradores legais dos bens dos filhos que se achem sob seu poder, salvo no disposto do art. 225.” 28 CC/1916, art. 389: “O usufruto dos bens dos filhos é inerente ao exercício do pátrio poder salvo a disposição do art. 225.” 29 CC/1916, art. 390: “Excetuam-se (do usufruto): I – Os bens deixados ou doados ao filho com a exclusão do usufruto paterno; II – Os bens deixados ao filho, para fim certo e determinado.” CC/1916, art. 391: “Excluem-se assim do usufruto como da administração dos pais: I – Os bens adquiridos pelo filho ilegítimo, antes do reconhecimento; II – Os adquiridos pelo filho em serviço militar, de magistério, ou em qualquer outra função pública; III – Os deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem administrados pelos pais; IV – Os bens que ao filho couberem na herança (art. 1.599), quando os pais forem excluídos da sucessão (art. 1602).” 24
18
A dissolução da sociedade conjugal, independente da forma, seja pelo desquite, seja pela anulação, não alterava a titularidade do Pátrio Poder, exceto quanto a questão da guarda, sendo que, no caso de desquite amigável, deveria ser considerado o que for pactuado entre os cônjuges31. Já no desquite judicial era previsto três possibilidades distintas: a) Havendo cônjuge culpado, os filhos deveriam ficar com o inocente; b) Sendo a culpa recíproca, adotou se como critério a lei do sexo, ou seja, até os seis anos, os filhos ficariam com a mãe, após esta idade, os meninos passariam a ficar sob a guarda do pai, enquanto que as meninas deveriam permanecer com a mãe, para Comel este critério atendia o conservadorismo machista da época.32 Entretanto ressalva-se, no artigo 327, a possibilidade de o juiz, em qualquer caso, estabelecer a guarda dos filhos sem obedecer a essas regras, baseando-se no interesse e bem estar dos filhos.33
4.5
Estatuto da Mulher Casada
O Estatuto da Mulher Casada34 foi um grande marco pela igualdade jurídica da mulher, pois, mesmo que não tenha conseguido alterar a chefia da sociedade conjugal, modificou importantes dispositivos relativos ao Pátrio Poder do Código Civil de 1916, tendo grande destaque o fim da incapacidade jurídica frente ao casamento. 35
Em relação a novidade advinda do Estatuto da Mulher Casada, a que mais nos interessa neste trabalho diz respeito diretamente ao Pátrio Poder, sendo a alteração
30
CC/1916, art. 392: “Extingue-se o Pátrio Poder: I – pela morte dos pais ou do filho; II – Pela emancipação, nos termos do parágrafo único do art. 9º, parte Geral; III – Pela maioridade; IV – Pela adoção.” 31 CC/1916, art. 325: “No caso de dissolução da sociedade conjugal por desquite amigável, observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos.” 32 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 31. 33 CC/1916, art. 327: “Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular, por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores, a situação deles para com os pais. 34 Lei n.º 4.121 de 27 de agosto de 1962. 35 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 33.
19
do artigo 38036 do Código Civil de 1916, dispositivo que perdurou até a promulgação da Constituição Federal de 1988. Nota-se que ao final deste artigo esta disposto que “na falta de um [...] passará o outro a exercê-lo com exclusividade”, então por lógica que não havendo impedimento por partes dos genitores, o exercício do Pátrio Poder na constância do casamento deverá ser exercido de forma conjunta. Comel considera que esta mudança significou a aquisição, por parte da mulher, do direito subjetivo inerente ao Pátrio Poder, levando em consideração que pelo fato de este ser atribuído ao “marido em colaboração da mulher”, manteve-se a chefia da família pelo marido, só que agora com a previsão da participação da mulher, ficando este fato evidenciado no parágrafo único em que se prevê a predominância da vontade do marido sobre a mulher, ainda que tenha ressalvado a mulher recorrer ao juiz para a solução da divergência.37 Portanto em se tratando ao Pátrio Poder o pai continuava em primeiro plano enquanto que à mulher cabia o papel de coadjuvante.
4.6
Lei do Divórcio
A Lei do Divórcio38 não trouxe alterações significativas quanto ao Pátrio Poder, mantendo o que estava disposto no artigo 380 do Código Civil de 1916. A Lei do Divórcio atuou mais quanto a Guarda em caso da separação, evento que tomou o lugar do desquite. Portanto, segundo Comel, seu maior objetivo foi regular a situação dos filhos submetidos ao Pátrio Poder que viviam fora do convívio simultâneo dos pais.39
36
CC/1916, art. 380: “Durante o casamento, compete o Pátrio Poder aos pais, exercendo-o o marido com a colaboração da mulher. Na falta ou impedimento de um dos progenitores, passará o outro a exercê-lo com exclusividade. Parágrafo único: Divergindo os progenitores quando ao exercício do Pátrio Poder, prevalecerá a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para a solução da divergência.” 37 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 34. 38 Lei n.º 6515 de 26 de dezembro de 1977. 39 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 36.
20
Para a dissolução amigável manteve-se ao que era previsto anteriormente, qual seja a de respeitara decisão conjunta dos pais sobre a guarda dos filhos.40 Nos casos de separação litigiosa e de anulação de casamento 41 definiu-se três possibilidades: a guarda deverá ficar com o cônjuge inocente; havendo culpa recíproca deverá ficar com a mãe; não sendo conveniente que fique com nenhum dos pais, os filhos deveriam ficar sob a guarda a pessoa idônea da família de qualquer um dos cônjuges.42
Curiosamente a única previsão de a guarda ficar com aquele que tiver melhor condições de assumi-la ficou por conta da separação motivada por doença mental grave.43
Outra modificação importante que esta lei trouxe, mesmo não sendo assunto central deste trabalho, foi a respeito da equiparação dos filhos maiores inválidos aos menores, com a finalidade de protegê-los quanto à guarda e aos alimentos. 44
O dispositivo inovador mais importante trazido por esta lei foi o que disse respeito ao pai que não tem os filhos sob sua guarda, sendo introduzido, expressamente, o direito de visita, de companhia e de fiscalização da manutenção e educação, nos termos do artigo 15.45 Este Instituto até hoje é controverso, pois não há que se falar em exercício de Poder Familiar se dele não emergir o direito de 40
LDi, art. 9º: “No caso de dissolução da sociedade conjugal pela separação judicial consensual (art. 4.º), observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos.” 41 LDi, art. 14: “Os casos de anulação de casamento são regulados da mesma forma que os de separação litigiosa.” 42 LDI, art. 10: “Na separação judicial fundada no caput do art. 5.º, os filhos menores ficarão com o cônjuge que a ela não houver dado causa. § 1.º Se pela separação judicial forem responsáveis ambos os cônjuges, os filhos menores ficarão em poder da mãe, salvo se o juiz verificar que de tal solução possa advir prejuízo de ordem moral para eles. § 2.º Verificado que não devem os filhos permanecer em poder da mãe nem do pai, defirirá o juiz a sua guarda a pessoa notoriamente idônea da família de qualquer dos cônjuges.” 43 LDi , art. 12: “Na separação judicial fundada no § 2.º do art. 5.º, o juiz deferirá a entrega dos filhos ao cônjuge que estiver em condições de assumir, normalmente, a responsabilidade de sua guarda e educação.” 44 LDi, art. 16: “As disposições relativas à guarda e à prestação de alimentos aos filhos menores estendem-se aos filhos maiores inválidos.” 45 LDi art. 15: “Os pais, em cuja guarda não estejam os filhos, poderão visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo fixar o juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.”
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convivência e de acompanhar sua vida escolar e educacional, portanto, se a separação não altera o Poder Familiar, exceto de ter os filhos em sua companhia, obviamente que automaticamente deveria ser garantido uma convivência mínima para a manutenção dos laços parentais e a participação efetiva na vida dos filhos, como o de ter acesso as informações curriculares escolar.
Por ultimo, quanto a este tema, vale ressaltar que esta Lei conferiu ao juiz o poder discricionário46 para, no interesse e a bem dos filhos, regular a guarda de maneira diferente ao previsto em lei. Esta discricionariedade deslocou a guarda que antes era simplesmente inerente ao Pátrio Poder para o melhor interesse da criança, parâmetro que predomina até os dias atuais47.
4.7
Constituição Federal de 1988
A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, segundo Comel, atendeu aos clamores da doutrina e causou uma revolução no Direito de Família 48, para se ter uma idéia, somente três artigos constitucionais49 foram responsáveis por impedir a recepção de mais de cem dispositivos do Código Civil de 1916 e de outras leis, refletindo, também, na LICC, no direito processual, dentre outros.
A primeira mudança a ser considerada diz respeito a isonomia dos gêneros, consagrado no artigo 5.º inciso primeiro da Carta Magna 50, sendo considerado, a partir
46
LDi, art. 13: “se houver motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles com os pais.” 47 Pelo menos na teoria. 48 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 39. 49 CF/1988, art. 5.º I; art. 226 § 3.º, 4.º, 5.º e 6.º; art. 227 § 6.º. 50 CF/1988, art. 5.º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;”
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de então, a igualdade jurídica entre homens e mulheres, repercutindo diretamente na titularidade do Pátrio Poder, tendo sido expresso de forma mais especifica e taxativa no artigo 226 § 5.º.51
Outra questão renovada com a Constituição de 1988 foi a mudança do conceito de família, primeiramente através do reconhecimento da união estável como espécie de núcleo familiar, devendo este merecer a proteção estatal, 52 e, ainda, com o reconhecimento da família denominada de mono parental, ou seja, aquela composta somente por um dos pais.53
Por ultimo, foi deveras importante para a consagração do princípio fundamental da dignidade humana a equiparação de todos os filhos, havidos ou não da relação de casamento, outorgando-lhes os mesmos direitos e qualificações, vetando quaisquer tipo de discriminações relativas a filiação e estando em situação de igualdade também em relação ao Pátrio Poder.54
4.8
Estatuto da Criança e do Adolescente
O Estatuto da Criança e do Adolescente, conhecido como ECA55 passou a vigorar dois anos após a promulgação da Constituição de 1988, trazendo desta o princípio da igualdade entre homem e mulher especificamente quanto ao, ainda, Pátrio Poder.56 Segundo Comel: 51
CF/1988, art. 226 § 5.º: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.” 52 CF/1988, art.226 § 3.º: “Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.” 53 CF/1988, art. 226 § 4.º: “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.” 54 CF/1988, art. 227, § 6.º: “Os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” 55 Lei n.º 8.069 de 13 de julho de 1990. 56 ECA, art. 21: “O Pátrio Poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.”
23
Tal dispositivo reafirmou o exercício da função paterna em igualdade de condições entre homem e a mulher, o que já determinara a Constituição Federal, coibindo quaisquer discriminações, privilégios ou distinções entre eles, pois investidos ambos nas prerrogativas inerentes a tal Instituto protetivo.57
Além da isonomia de gêneros, o ECA consolidou a retirada do Pátrio Poder do universo exclusivo da sociedade conjugal e da filiação passível de reconhecimento para viabilizá-lo a todo e qualquer pai, mãe e filho.58
4.9
Código Civil de 2002
Para analisarmos o Código Civil de 2002
59
é mister que lembremo-nos que
o Projeto de Lei que culminou neste código, teve início na Câmara dos Deputados em 1975, tramitou por cinco legislaturas, 60 ocorrendo, neste ínterim, os trabalhos constituintes e a promulgação da nova Constituição de 1988.
O Código Civil de 2002 atendendo as mudanças trazidas pela Constituição de 1988, enfim, faz sair de cena a figura do Pátrio Poder, entrando em seu lugar o Instituto do Poder Familiar, termo escolhido por entender que este reflete com mais exatidão o princípio isonômico deste Instituto, sendo que inicialmente a expressão “pátrio poder” estava mantida no Projeto do Código Civil, mas por sugestão do jurista Miguel Reale, esta foi alterada com a justificativa de que a expressão anterior denotava uma prevalência do cônjuge varão sobre a pessoa dos filhos.61 Mas apesar da alteração do termo em si não criou uma novidade a este Instituto, pois não houve alteração de nenhuma de suas características, haja vista que, a isonomia entre os pais, bem como a
57
COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 46. Idem, ibidem, p. 46. 59 Lei n.º 10.406 de 10 de janeiro de 2002. 60 Duas na Câmara dos Deputados; duas no Senado Federal; e finalmente uma última na Câmara. 61 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 53. 58
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equiparação dos filhos, já estavam previstos. Portanto coube ao novo Código Civil disciplinar sobre o que já havia sido instituído na legislação anterior, principalmente na Constituição de 1988.
Outra novidade trazida pelo novo Código Civil, que repercute diretamente no Poder Familiar, diz respeito a antecipação da maioridade de 21 para 18 anos, sendo que não há que se falar propriamente em inovação, já que a Constituição de 1988 já previa a imputabilidade penal a partir dos 18 anos, bem como condição para elegibilidade para o cargo de vereador, portanto não havia outra possibilidade à legislação civil.62
4.10 Lei da Guarda Compartilhada Ao contrário do que possa parecer a Lei da Guarda Compartilhada 63, que alterou dois artigos do Código Civil de 2.002, é de suma importância a este trabalho, pois ainda que não trate diretamente do Poder Familiar, diz respeito a modalidade de guarda que se espera maior possibilidade de exercício igualitário do Poder Familiar por ambos os genitores, seja ele o genitor contínuo ou descontínuo. 64
É mister a análise individual dos dois artigos alterados a começar pelo 1.583 em que a redação antiga era: No caso de dissolução da sociedade ou do convívio conjugal pela separação judicial por mútuo consentimento ou pelo divórcio direto consensual, observar-seá o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos.
62
Idem, ibidem, p. 73. Lei n.º 11.698 de 13 de junho de 2.008. 64 Tomei emprestado esta expressão utilizada por Fraçoise Dolto, especialmente em seu livro: “Quando os pais se separam”, sendo o contínuo aquele que tem o convívio permanente com o filho e o descontínuo o que tem convivência esporádica, prevista no acordo de visitação. É salutar esta nomenclatura para se evitar a confusão já que, na Guarda Compartilhada, ambos os genitores passam a ser guardiões, independente da posse ou convívio. 63
25
Passando a seguinte redação:
A guarda será unilateral ou compartilhada. § 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. § 2o A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; II – saúde e segurança; III – educação. § 3º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos.
Nota-se que há um deslocamento de características inerentes ao Poder Familiar, como a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe concernentes ao Poder Familiar, bem como a supervisão do interesse do filho, a participação em sua educação e suas vicissitudes. A Guarda Compartilhada por si só não garante uma convivência simétrica entre os genitores e seus filhos, mas pode criar condições para tal. Entretanto o que é mais intrigante na análise desta alteração é que buscaram no Poder Familiar elementos para tornar mais justa e igualitária a convivência já referida, entretanto esta busca não percorreu o caminho da execução do já existente Instituto e ou por seu fortalecimento, mas sim em instituir suas características em um modelo de guarda que anuncia o retorno da isonomia parental que se imaginou ter sido instituída com a Constituição de 1988, mas que acarretou simplesmente uma inversão do status quo, ou seja, invertendo-se a tirania que outrora era concentrada na figura masculina através do Pátrio Poder e hoje concentrada na figura do Guardião65 já que este tem prerrogativas que desrespeitam o Instituto do Poder Familiar em detrimento da Guarda.
65
Normalmente papel designado à mãe
26
Continuando com a análise da Lei da Guarda Compartilhada, dizia o artigo 1.584 antes da alteração:
Decretada a separação judicial ou o divorcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la. Parágrafo único. Verificando que os filhos não devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade, de acordo com o disposto na lei específica.
Artigo esse que ficou configurado desta forma:
A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. § 1o Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas. § 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada. § 3o Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar. § 4o A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho. § 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.”
27
Neste artigo, percebemos no segundo inciso que o legislador tentou garantir, através da Guarda Compartilhada, uma convivência mais equilibrada entre os filhos que não coabitam com seus pais de forma simultânea. Entretanto para ter uma avaliação mais apurada acerca da Guarda Compartilhada é mister que se faça uma pesquisa mais aprofundada sobre a eficácia da lei neste sentido analisando se é esta por si só que garante este equilíbrio, por sua natureza, ou se a melhor convivência deriva pelo fato de que os casos em que se decreta, ou acorda sobre ela, já estão em situação de uma solução sobre esta questão, ou, ainda, quando esta é decretada pelo juiz faz com que o guardião passe a temer uma punição caso venha a impedir o outro de participar da vida do filho. São informações importantes que podem evitar um viés no entendimento deste Instituto.
A respeito da expectativa quanto a Guarda Compartilhada afirmou Deirdre de Aquino Neiva:66 "A guarda compartilhada almeja assegurar o interesse do menor, com o fim de protegê-lo, e permitir o seu desenvolvimento e a sua estabilidade emocional, tornando-o apto à formação equilibrada de sua personalidade. Busca-se diversificar as influências que atuam amiúde na criança, ampliando o seu espectro de desenvolvimento físico e moral, a qualidade de suas relações afetivas e a sua inserção no grupo social. Busca-se, com efeito, a completa e a eficiente formação sócio-psicológica, ambiental, afetiva, espiritual e educacional do menor cuja guarda se compartilha.”67
Lucas Hayne Dantas Barreto, bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia68 em seu trabalho de conclusão de curso, que versou sobre a Guarda Compartilhada, iniciou a referida monografia com a seguinte afirmação:
66
Deirdre de Aquino Neiva, advogada e procuradora do Distrito Federal. BARRETO, Lucas Hayne Dantas. Considerações sobre a guarda compartilhada . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 108, 19 out. 2003. Disponível em:
. Acesso em: 19 jan. 2009. 68 UFBA 67
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O Instituto da guarda compartilhada vem à baila para socorrer as deficiências que outros modelos de guarda, principalmente o da guarda dividida - onde há o tradicional sistema de visitas - possuem. Tais modelos, ao privilegiar sobremaneira a mãe, na esmagadora maioria dos casos, levam a profundos prejuízos aos filhos, tanto de ordem emocional quanto social, no seu desenvolvimento. Estes revezes atingem também o próprio pai, cuja falta de contato mais íntimo leva fatalmente a um enfraquecimento dos laços parentais, privando-o do desejo de perpetuação de seus valores e cultura.69
Nas duas afirmações e análises a respeito da Guarda Compartilhada, pode se notar o grau de esperança que este Instituto trouxe aos profissionais que atuam na área, podemos ter uma idéia então quanto aos pais que tanto se afligem sob o tema.
Entretanto deve-se tomar cuidado a respeito das expectativas quanto a Guarda Compartilhada, pois esta, muito menos por ser um Instituto relativamente novo, pelo menos em nosso ordenamento jurídico, e mais por sua estrutura, vem causando confusão e expectativas frustradas em relação à solução do convívio entre pais e filhos. Voltaremos a tratar deste assunto mais adiante, finalizando por hora que, realmente este modelo de guarda demonstra ser o melhor e mais justo, sendo que o que devemos refletir é a respeito de sua possível eficácia isolada para se resolver os problemas de convivência anteriormente mencionados.
4.11 Estatuto da Família O projeto de Lei do Estatuto da Família70 de autoria do deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA), foi proposto pelo IBDFam71, e segundo seu presidente
69
BARRETO, Lucas Hayne Dantas. Considerações sobre a guarda compartilhada . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 108, 19 out. 2003. Disponível em: . Acesso em: 19 jan. 2009. 70 Projeto de Lei 2.285/07 de 25 de outubro de 2.007. 71 Instituto Brasileiro de Direito de Família
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Rodrigo da Cunha Pereira 72 este projeto instalou novos paradigmas jurídicos para a organização das famílias, por discutir assuntos polêmicos ignorados pelo Código Civil, pois apesar de ter sido aprovado em 2002 este já nasceu ultrapassado, em relação as concepções da família, segundo Pereira.73
É certo que a dinâmica social traz mudanças de forma acelerada, principalmente nas ultimas duas décadas, isto somado a mudança da realidade socioeconômica, contribuíram para a transformação de valores e concepções, enquanto que a realidade jurídica não conseguiu ao mesmo passo acompanhar estas transformações, isto sendo considerado de certa forma normal em um sistema jurídico em que a fonte do Direito mais valorizada é a lei, enquanto que a doutrina e a jurisprudência ficam em segundo plano e o costume só reflete efeitos depois de anos ou décadas, sendo que este reflexo se dá, normalmente, no âmbito legislativo, ou seja, fomentando a alteração das leis.
Pelo fato de que o projeto de lei do Estatuto das Famílias lidar com questões polêmicas, assim como na sociedade dentro do parlamento ele também angariou partidários, como também encontrou resistências de alguns parlamentares. O Projeto propõe alterações profundas na estrutura e no sistema jurídico que trata do Direito de Família e ainda há um fator que dificulta o avanço legislativo, que são os apensos que ele recebeu, pois os projetos de lei que foram apensados tratam de propostas polemicas que mesmo sem configurar na proposta inicial do Estatuto da Família, por força de lei, tiveram que tramitar conjuntamente por tratar de assuntos semelhantes.
O Projeto de Lei do Estatuto propõe a ampliação do conceito de família, legitimando todas as formas de famílias conjugais e parentais. No projeto denomina se famílias conjugais àquelas constituídas pelo casamento, pela união estável entre homens e mulheres e também as homoafetivas, sendo este um dos pontos mais 72
Rodrigo da Cunha Pereira doutor em Direito Civil (UFPR), advogado, professor da PUC-MG e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. 73 Revista Consultor Jurídico, 22 de novembro de 2007.
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polêmicos debatido na Câmara. Entretanto é de nosso interesse analisar os pontos em que dizem respeito ao Poder Familiar e ou as modalidades de Guarda, sendo que este Projeto de Lei, tenta inovar quanto a questão da denominação do Instituto do Poder Familiar, passando a ser denominado de Autoridade Parental74. Aos que defendem tal denominação entendem que se no passado o que se questionava era que Pátrio Poder era deveras tendencioso à concentração do poder ao homem, hoje, com este fato já superado, o que se discute é o fato de o Poder Familiar ser mais do que uma relação pura de poder, ou seja, unilateral, e sim uma relação bilateral onde o poder está conjugado com o dever, sendo então um poder-dever, portanto muito mais compreensivo no termo “autoridade” e não pura e simplesmente “poder”, e em relação ao termo “família” entende-se que o termo “parental” passe, também, a ser mais conveniente. No artigo 8775 que define a Autoridade Parental fica clara esta inovação, pois antes mesmo de se definir a quem cabe a Autoridade, fala se no caput deste artigo que a autoridade Parental deve ser exercida no melhor interesse dos filhos, sendo este preceito reforçado no parágrafo segundo, que dá ao filho o direito de participar de seu processo educacional, levando se em consideração seu nível de discernimento. Quanto ao parágrafo terceiro, este, coroa a idéia da nova concepção da relação jurídica entre pais e filhos trazida por este Projeto, ou seja, da idéia de autoridade com forte grau de responsabilidade, sendo que esta nova concepção pode ser notada na possibilidade da perda da Autoridade Parental, caso esta não seja exercida no melhor interesse do filho76, bem como o seu restabelecimento também segue este princípio77.
74
PL/2.285/07 Titulo IV Da Filiação - Capítulo III – Da Autoridade Parental PL/2.285/07, Art. 87: “A autoridade parental deve ser exercida no melhor interesse dos filhos. § 1.° Compete a autoridade parental aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro a exerce com exclusividade. § 2.° O filho tem o direito de ser ouvido, nos limites de seu discernimento e na medida de seu processo educacional. § 3.° Aos pais incumbe o dever de assistência moral e material, guarda, educação e formação dos filhos menores.” 76 PL/ 2.285/07, Art. 94. “Perde por ato judicial a autoridade parental aquele que não a exercer no melhor interesse do filho, em casos como assédio ou abuso sexual, violência física e abandono material, moral ou afetivo.” 75
31
Em relação a titularidade da Autoridade Parental, prevista no parágrafo primeiro do já mencionado artigo 87, não há nenhuma inovação ao que já esta previsto na legislação atual, bem como quanto a situação da dissolução da união dos pais, prevista no artigo 88.78
Em relação a extinção da Autoridade Parental, também não há nenhuma inovação, somente em relação ao, já mencionado, fato em que a perda pode se dar pelo não exercício da Autoridade Parental no melhor interesse do filho. Cabe ressaltar que não há previsão da suspensão da Autoridade Parental, como existe hoje em relação ao Poder Familiar, previsto no artigo 1637 do Código Civil.79
Outro ponto importante e polêmico é o do reconhecimento do papel do padrasto, bem como da madrasta na dinâmica familiar, sendo previsto no Projeto a participação destes no exercício da Autoridade Parental,80 o que hoje é vetado expressamente pelo Código Civil.81 Esta questão é de fundamental importância, por isso merece ser debatida mais profundamente. Por um lado existe uma necessidade adaptativa da nova família e por uma questão natural o novo companheiro 82 passa a desempenhar um papel importante na vida da criança e desconsiderar esta figura é um tanto quanto hipócrita, pois sim devemos reconhecer o papel de padrasto 83 na vida da 77
PL/2.285, Art. 95: “É possível, no melhor interesse do filho, o restabelecimento da autoridade parental por meio de decisão judicial.” 78 PL/2.285/07, Art. 88: “A dissolução da entidade familiar não altera as relações entre pais e filhos.” 79 CC/2002, art. 1.637: “Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.” 80 PL/2.285, Art. 91: “Constituindo os pais nova entidade familiar, os direitos e deveres decorrentes da autoridade parental são exercidos com a colaboração do novo cônjuge ou convivente ou parceiro. Parágrafo único. Cada cônjuge, convivente ou parceiro deve colaborar de modo apropriado no exercício da autoridade parental, em relação aos filhos do outro, e representá-lo quando as circunstâncias o exigirem.” 81 CC/2002, art 1.636: “O pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto aos filhos do relaciona mento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro.” 82 Ou companheira. 83 Ou madrasta.
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criança e do adolescente, papel este que muitas vezes é dificultado justamente pelo seu não reconhecimento legal. Por outro lado, deve se tomar cuidado para que o guardião tirano não utilize da pessoa do padrasto para consumar a SAP 84, pois se a aprovação desta medida pode ajudar no dia a dia da nova família, por outro pode ser uma porta de entrada da exclusão do genitor não guardião. É mister que se abra um parêntese aqui, pois mesmo não fazendo parte do Projeto de Lei do Estatuto da Família se faz necessário citar a lei 85 recentemente aprovada pelo Congresso que altera o art. 57 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, para autorizar o enteado ou a enteada a adotar o nome da família do padrasto ou da madrasta. Deve se ter cautela para analisar esta nova possibilidade, pois assim como o reconhecimento da participação do padrasto na vida do enteado, a possibilidade de adoção do nome deste, tanto pode ser o reconhecimento de uma vida de dedicação e amor, como pode ser a consumação injusta da Síndrome de Alienação Parental. Portanto é fundamental da avaliação do caso concreto.
Por fim, ainda que pareça não ter relevância para o tema deste trabalho, pois este visa analisar o Poder Familiar em respeito aos filhos, vale ressaltar que neste Projeto de Lei, em um Capítulo e Título86 diferente do que se trata da Autoridade Parental, especificamente, existem dois artigos que merecem nossa atenção. O primeiro é o artigo 17 87, que investe de titularidade jurídica a qualquer pessoa capaz integrante da entidade familiar, ou seja, não se restringindo ao casal. O segundo é o artigo seguinte 88 trata da gestão da família, que até então era um ato inerente ao Poder Familiar, neste projeto propõe se o desmembramento desta função da Autoridade Parental, ou seja, distribui a gestão da família a todos os membro civilmente capazes, pois merece uma reflexão mais aprofundada sobre esta questão. 84
Síndrome de Alienação Parental. Lei nº 11.924, de 17 de Abril de 2009. 86 PL/2.285/07, Título III – Capítulo I Das disposições comuns 87 PL/2.285/07, Art. 17: “Qualquer pessoa integrante da entidade familiar tem legitimidade para defendê-la em juízo ou fora dele.” 88 PL/2.285/07, Art. 18: “Art. 18. A gestão dos interesses comuns da entidade familiar incumbe aos integrantes civilmente capazes, de comum acordo, tendo sempre em conta o interesse de todos os que a compõem.” 85
33
5
Guarda e Convivência
5.1
A tirania do Guardião
Entende se que a guarda deriva do Poder Familiar e esta deve ser exercida baseada no melhor interesse do menor, entretanto o fenômeno que ocorreu paralelo com a luta por igualdade de gênero para o exercício parental foi o de um relativo esvaziamento do Poder Familiar e uma hipertrofia do Instituto da Guarda, pois na prática, exerce o Poder Familiar plenamente quem tem a guarda do menor, ou se autorizado por quem a tenha.
Inúmeros são os atos tidos como tiranos por parte do Guardião sendo um deles, e muito comum atualmente, o de mudança de domicilio sem consulta, ou pior, sem nenhum aviso ao genitor não guardião, ficando este sem saber onde o filho reside, conseqüente não podendo ter nenhum tipo de convivência com este. Para resguardar a relação jurídica do genitor não guardião com o filho, o deputado federal Paulo Baltazar89 apresentou um projeto de lei90 no ano de 2006 que tipificava como conduta ilícita a mudança de endereço sem comunicação ao genitor não guardião, podendo o genitor guardião ser penalizado com a perda da guarda, 91 mas infelizmente o Deputado não obteve êxito na aprovação deste projeto, demonstrando o legislador, mais uma vez, sua visão limitada e retrógrada.
Quanto a tirania do guardião, podemos perceber este poder exacerbado nas palavras de Evandro Luiz Silva no livro: 92 89
Paulo César Baltazar da Nóbrega , deputado federal pelo PDT, estado do Rio de Janeiro. Projeto de Lei 6937 de 2006. 91 PL/6937, art. 2.º: “Fica acrescentado o § 2º ao art. 1.584, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, (Novo Código Civil), renumerando-se o parágrafo único como § 1º, que passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 1.584 ... § 2º A perda da guarda poderá ser determinada pelo juiz quando o o seu detentor mudar de residência sem a devida comunicação ao genitor ou à justiça, no prazo de 15 dias. 92 Evandro Luiz Silva é psicólogo e Mestre em Psicologia, ambos pela Universidade Federal de Santa Catarina, com formação em Psicanálise. Mediador, Perito e Assistente Técnico em processos nas Varas de Família há mais de 11 anos. 90
34
A guarda acaba por definir a quem caberá decidir tudo na vida da criança, bem como responder por ela. Na guarda exclusiva, o cônjuge que a detém – cujas as visitas ao filho são preestabelecidas - não pode interferir nas decisões tomadas pelo cônjuge que a detém [...] .Embora alguns juízes e advogados discordem deste entendimento, na prática é assim que acontece. [...] O Pátrio Poder ou Poder Familiar são figuras inexpressivas na prática. 93
Para dar um entendimento melhor desta afirmação, Silva exemplifica com o fato de que o psicólogo somente pode atender o menor de idade com a autorização do guardião, salvo se esta autorização for suprimida pelo juiz94
Silva prossegue com a seguinte afirmação:
Não ter a guarda é quase como ficar de espectador na vida do filho, vendo o guardião decidir tudo, tendo que pedir permissão para, por exemplo, ver o filho além daquele dia de visita estipulado pelo juiz, que em muitos casos é quinzenal. A relação, como o próprio termo inapropriado de “visita” propõe, é social e não parental.95
Considerando que durante muito tempo o Pátrio Poder era prerrogativa exclusiva do homem, passando depois a uma participação mínima da mulher e, finalmente, a uma simetria 96 de gênero na titularidade do Poder Familiar, o mesmo não podemos falar da guarda, que há tempos é prerrogativa preferencial da mulher dando à ela um poder desproporcional e, portanto, incompatível com o Princípio Constitucional da Isonomia; do Poder Familiar e muito menos com o melhor interesse do menor, surgindo assim o Guardião Tirano, que, através das prerrogativas inerentes a guarda e a sucumbência do Poder Familiar, tem o poder até de excluir o pai da vida do filho, isto com a conivência do Poder Judiciário, sendo este fenômeno conhecido como
93
SILVA, Evandro Luiz. Perícias psicológicas nas varas de família..., cit., p. 49. SILVA, Evandro Luiz. Perícias psicológicas nas varas de família..., cit. 49. 95 Idem, ibidem, p.50 96 Teoricamente. 94
35
Síndrome de Alienação Parental97, assunto que discutiremos em um capítulo especifico, mas não poderia deixar de ser citado aqui, pois ele é uma conseqüência dos atos de tirania do guardião.
Obviamente que a tirania do guardião também pode ser exercida pelo pai, pelos avôs, ou até por outros que fazem o papel de guardião, mas diante de outros fatores e o protecionismo em demasia dado à mulher, faz com que este fenômeno ocorra quase que totalitariamente decorrente dos atos espúrios da mãe guardiã.
5.2
Modalidades de guarda
5.2.1
Guarda mono parental, exclusiva e única
É, ainda, a modalidade mais comum em que a guarda é conferida unilateralmente, normalmente, a um dos genitores. Esta forma de guarda já se mostrou ineficaz para o bom desenvolvimento da criança e deveria ser aplicada somente em casos em que tivesse somente um dos genitores ou quando um deles não tem possibilidade/interesse em exercê-la, pautado no melhor interesse da criança. Infelizmente não é isto que ocorre, sendo que hoje a guarda unilateral é regra, bem como sua concessão à mãe também seja regra, ou seja, para concessão de guarda diferente da unilateral deve haver motivos relevantes, assim como para não se dar a guarda à mãe, deve esta estar impossibilitada de detê-la.
Quando esta modalidade de guarda se dá na situação da presença de ambos os genitores, e havendo o interesse de convivência pela parte não agraciada pela guarda, ou quando esta guarda é concedida a outra pessoa que não o genitor, ao não guardião é concedido o direito de visitas, como o próprio termo diz e já citado anteriormente, cabe uma relação social e não parental. Sendo, habitualmente, a 97
Síndrome de Alienação Parental: SAP
36
convivência estipulada em fins de semana alternados, quinze dias nas férias de inverno e quinze dias nas férias de verão, feriados alternados; aniversário do genitor e data comemorativa que dizem respeito a sua parentalidade 98.
A respeito das visitas muito bem frisou a insigne Dra. Maria Berenice Dias99:
Como encontros impostos de modo tarifado não alimentam o estreitamento dos vínculos afetivos, a tendência é o arrefecimento da cumplicidade que só a convivência traz. Afrouxando-se os elos de afetividade, ocorre o distanciamento, tornando as visitas rarefeitas. Com isso, os encontros acabam protocolares: uma obrigação para o pai e, muitas vezes, um suplício para os filhos.100
Portanto na Guarda Exclusiva é que o guardião mais tem condições de exercer sua tirania, desrespeitando o Poder Familiar, o princípio da Isonomia, o melhor interesse da criança, as sentenças101 judiciais e, conseqüentemente, instaurar a SAP.
5.2.2
Aninhamento ou nidação
Esta modalidade de guarda é aquela em que os filhos continuam fixados na residência sendo os pais que a alternam, ou seja, as alternâncias de convivência entre pais e filhos se dão através das idas e vindas dos pais, mantendo os filhos na mesma residência.
Apesar de existir, mesmo muito raramente, quem a defenda, não perderemos tempo em discuti-la, pois além de ela não ser prevista em nosso ordenamento, não é 98
Dias das mães e dias dos pais. Maria Berenice Dias. Desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, advogada militante e vice-presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito das Famílias-IBDFAM. 100 DIAS, Maria Berenice. Síndrome da alienação parental, o que é isso? . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1119, 25 jul. 2006. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2009. 101 Ou acordo judicial. 99
37
viável para nossa cultura e muito menos solução para a tão sonhada isonomia parental entre os gêneros, não passando de uma possibilidade que só tem espaço na teoria.
5.2.3
Guarda alternada
Na guarda alternada os genitores se revezam na titularidade da guarda, exercendo-a integralmente e isoladamente no período em que for conferida a ele. Normalmente o revezamento se dá de forma igualitária ocorrendo a alternância semanal, mas pode ser fixada de forma distinta a esta. Nesta modalidade de guarda existe uma menor possibilidade de um comportamento tirano por parte do guardião. Há quem a defenda por acreditar que é a forma de guarda mais justa, mas também tem quem acredite que ela gere instabilidade na vida do menor, sendo um fator prejudicial a sua formação.
Desde que os genitores consigam se entender, fazendo com que a rotina não seja radicalmente alterada, como morar em bairros próximos, por exemplo, esta modalidade de guarda pode ser conveniente para o bom desenvolvimento da criança e do adolescente., mas há que se considerar o caso concreto, não podendo ser uma regra geral.
5.2.4
Guarda Compartilhada ou conjuntiva
Esta modalidade de Guarda mesmo já sendo praticada anteriormente, ainda que em número quase que inexpressivo, foi regulamentada pela chamada Lei da Guarda Compartilhada102, em Junho de 2008. Nesta modalidade de guarda pode ou não ocorrer a alternância de posse ou convivência, mas isto não deve ser confundido com a Guarda Alternada, pois enquanto que na Guarda Alternada existe uma 102
Já apresentada no inicio desse trabalho.
38
alternância simultânea de posse e guarda, na Guarda Compartilhada somente se alterna a posse, ficando os genitores simultaneamente como titulares da guarda. Vale lembrar outra confusão que se tem a respeito da Guarda Compartilhada é que esta modalidade não deve se confundir com livre visitação, pois pode ocorrer ou não este pacto de convivência na vigência da Guarda Compartilhada, mas não é uma característica intrínseca a ela.
A Guarda Compartilhada fomentou grande esperança em pais e mães que não conseguem, por não ter a guarda, participar da vida de seus filhos. Segundo Leila Maria Torraca de Brito103 a Guarda Compartilhada possibilita a validação social do exercício da paternidade e da maternidade.104
Na esteira do otimismo trazido pela Lei da Guarda Compartilhada, alguns juízes ainda insistem em andar na contra mão, decidindo arbitrariamente pela guarda exclusiva, ainda que o clamor da sociedade enseje o contrário.
Dois argumentos utilizados por aqueles que são contra a aplicação da Guarda Compartilhada são de que esta só deva ser aplicada em caso de bom entendimento entre os cônjuges a respeito disso Torraca muito bem pontuou dessa forma:
Na concepção de outros profissionais do Direito entrevistados, a Guarda Compartilhada só é viável quando os pais mantêm um bom relacionamento. No entanto, cabe recordar que, com freqüência, um divórcio onde os ex-cônjuges continuem se relacionando bem não costuma ser regra; ao mesmo tempo em que, com este argumento, volta-se a unificar o que diz respeito a conjugalidade e o que se refere a parentalidade. É preciso enfatizar que o vínculo de filiação e o exercício parental não podem depender de critérios de negociação entre os cônjuges: ao contrário, devem ser assegurados pelo Estado, como prevê a Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989). Compreende-se, assim, 103
Leila Maria Torraca de Brito. Psicóloga, mestre e doutora em Psicologia pela PUC/RJ. Professora do IPUERJ – UERJ. 104 BRITO, Leila Maria Torraca. Guarda compartilhada..., cit. P. 53.
39
que nem sempre é possível, nesses casos, buscar acordos, cabendo ao juiz – como intérprete dos princípios que estruturam cada sociedade – a designação do exercício unilateral de responsabilidades... ...Assim, entende-se que é justamente quando o guardião interpõe obstáculos à participação daquele que não possui a guarda que a determinação da Guarda Compartilhada vai marcar, ou definir o primeiro, que ele não é o único na relação de parentalidade com a criança.105
Como visto o fato de os genitores não conseguirem entrar em acordo a respeito dos filhos menores não deve ser considerado motivo impeditivo de concessão da Guarda Compartilhada, pelo contrário, é mais um fator para que ela seja deferida.
Outro argumento é de que em caso de os genitores residirem distantes entre si, impossibilitando assim um convívio mínimo com ambos, então não se deve conceder a Guarda Compartilhada, pois, nestes casos, não teria razão para tal. Entendendo que a Guarda Compartilha visa suprimir o fenômeno causado pelo enfraquecimento do Poder Familiar e suas conseqüências como a não possibilidade de convivência e, também, a não participação do não guardião106 na vida educacional dos filhos, leva-nos a conclusão de que também nestas situações a Guarda Compartilhada é o melhor remédio jurídico, já que, com o avanço da tecnologia é possível instantaneamente entrar em contato com qualquer lugar do mundo com um custo reduzido. Portanto é possível o genitor que mora distante conseguir, através da mediação tecnológica, manter um contato com os filhos e, assim, poder participar de sua vida.
Mas para isso o guardião contínuo deve facilitar este contato inclusive respeitando as decisões que sejam convenientes serem tomadas conjuntamente. Entendemos que muitas pessoas somente colaborarão para tal se constrangidos através da possibilidade de sofrerem coerção, caso impeçam o outro genitor de exercer o Poder Familiar, ainda que estando distante.
105 106
BRITO, Leila Maria Torraca. Guarda compartilhada..., cit. P. 61-62 Ou do guardião descontínuo.
40
Portanto percebe-se que a Guarda Compartilhada é a melhor alternativa para a possibilidade de uma melhor convivência bem como um justo e equilibrado exercício do Poder Familiar, independentemente da situação de entendimento entre os genitores ou mesmo a distância entre as residências destes. Entretanto é salutar que reflitamos sobre a importância da valorização do Poder Familiar, independentemente da modalidade de guarda, lembrando que este Instituto deveria imperar sobre a guarda, mas infelizmente sucumbiu a ela.
5.3
Livre Visitação
A livre visitação, apesar de não ser prevista em nosso ordenamento, pode ser pactuada entre os genitores. Sendo motivo de discórdia entre os profissionais de psicologia, pois enquanto que alguns acreditam que é a única forma de manter uma relação isonômica entre os genitores e filhos, outros acreditam que gera instabilidade na relação dos filhos com o guardião contínuo, inclusive atrapalhando a vida social deste.
Quanto a questão legal nada impede que os genitores acordem para a livre visitação, mas não há que se falar que esta modalidade de convivência possa ser imposta pelo Estado.
Quanto aos benefícios e malefícios que a livre visitação pode causar, partindo do princípio que esta modalidade de convivência somente ocorrerá através de um pacto entre os genitores, podemos concluir que o relacionamento entre estes, pelo menos em relação aos filhos, é equilibrado o bastante para o bom convívio, levandonos a imaginar também, que possivelmente a Guarda que está definida nesta relação seria a Compartilhada, sendo assim, e observadas algumas regras mínimas, há de se considerar uma boa alternativa para uma melhor convivência. Entretanto, vale 41
relembrar que não devemos acreditar que a livre visitação é agraciada automaticamente pela Guarda Compartilhada, a respeito disso assim afirmou Eliana Riberti Nazareth:107
Guarda compartilhada é visitação livre? Esse é um dos enganos mais comuns: igualar o compartilhamento da guarda à livre visitação. Compartilhar a guarda é muito mais do que isso e não apenas isso. É colocar os pais e colocarem-se como pais em uma postura totalmente diferente. É assumir responsabilidades. É comprometer-se em proporcionar as melhores condições possíveis ao adequado desenvolvimento biopisicossocial dos filhos. E nem sempre a visitação livre é o melhor para a criança108
5.4
Definição da Guarda e convivência após a dissolução conjugal
Hoje a resolução sobre a guarda quando esta é definida pelo Poder Judiciário tem como regra a concessão da Guarda unilateral à mãe, somente na existência de relevantes motivos para que isto não ocorra é que se leva em consideração a possibilidade de que a criança ou o adolescente fique aos cuidados do pai seja com o deferimento da Guarda Exclusiva ou mesmo da Guarda Compartilhada.
Levando em consideração que a Guarda e Convivência devem ser definidas visando o melhor interesse da criança, nos remete a pergunta: Quem pode definir qual o melhor interesse da criança? Antigamente, em se tratando de questões que se referiam ao campo psicológico ou mental, a justiça se restringia a considerar somente o parecer dos psiquiatras, com o avanço da Psicologia como ciência da mente, esta ganhou espaço nos tribunais, surgindo então a Psicologia Jurídica, a respeito disso afirmou Evandro Luiz Silva:
A Psicologia Jurídica é a disciplina que trata da atuação do psicólogo no campo do Direito. Em última instância, trata das relações do sujeito com a lei. Foi a
107 108
Eliana Riberti Nazareth; Psicóloga; psicanalista; terapeuta de família e de casal; mediadora. NAZARETH, E.R. In. GRISARD FILHO, W. et al. Guarda Compartilhada... cit. p. 94.
42
partir do estabelecimento do saber científico da Psicologia que houve a demanda para a Psicologia Jurídica. Assim, se entendermos por Psicologia a ciência que estuda os processos mentais e o comportamento humano, poderíamos definir a Psicologia Jurídica como a ciência que vem estabelecer e descrever relações entre os processos mentais e comportamentos do homem em relação ao que é legal, que é justo, que está dentro da ordem do Direito.109
Estabelecida a Psicologia Jurídica como ramo de atuação sistematizada da Psicologia dentro ramo do Direito, principalmente nos processos judiciais, esta passou a ser de suma importância nas decisões a respeito das disputas envolvendo a guarda e a convivência com os filhos, pois apesar de o juiz não ficar adstrito ao laudo técnico, este terá que fundamentar os motivos de refutação dos mesmos, sendo assim, existe uma grande influência do parecer do psicólogo no processo de disputa de guarda e de convivência110. E para dar elementos para este parecer surgiu então como importante meio de atuação e de parâmetros da atuação do psicólogo jurídico, a perícia psicológica.
Silva define a perícia psicológica na Vara da Família desta forma:
É uma avaliação/investigação psicológica, realizada por perito psicólogo, determinada pelo juiz, com o objetivo de verificar a relação entre pais e filhos (ou de quem está pedindo a guarda da criança), seus vínculos, os processos mentais comportamentais, as dinâmicas, enfim, promover uma investigação psicológica utilizando-se das técnicas da Psicologia. O objetivo final é responder aos quesitos formulados nos autos, levando subsídios, na forma de laudo pericial, para que o juiz, juntamente com as demais provas dos autos, possa dar sua decisão. Como já dito, o psicólogo nada decide, porém não podemos fechar os olhos para as decisões, que na grande maioria tem o laudo psicológico como base, como mostram as pesquisas trabalhadas pelas psicólogas Rodrigues, Couto e Hungria, no artigo “A influência dos laudos psicológicos nas decisões judiciais das Varas de Família e Sucessões do Fórum Central da Capital de São Paulo”111 onde mostram que o laudo contribuiu em 94,23% das decisões judiciais na cidade de 109
SILVA, Evandro Luiz. Perícias psicológicas nas varas de família..., cit., p. 10. Juridicamente conhecido como regulamentação de visitas. 111 In SHINE, Sidney. Avaliação Psicológica e a Lei, 2008, p. 31-32. 110
43
São Paulo. Comparando com outras pesquisas realizadas no Recife e na Espanha, as autoras concluem que a concordância das decisões com os laudos periciais são quase unânimes.112
Portanto se temos por um lado um dado em que demonstra que a justiça ainda é deveras retrógrada na decisão sobre a disputa de guardas, por outro temos o dado de que 94,23 das decisões judiciais em que houve laudo psicológico esta convergiu para o parecer do perito, podemos então levantar algumas hipóteses básicas que possam responder a esta contradição como: a quantidade de processos que é utilizado este recurso ainda é pequena; não há um protocolo de procedimentos nas perícias capaz de torná-la eficazes; a um pensamento retrógrado do psicólogo na perícia que leva em consideração que a guarda não deva ficar com a mãe somente se ela não se mostrar capacitada para tal.
Esta questão é polêmica, dividindo opiniões nos tribunais; entre os profissionais da Psicologia; bem como entre os profissionais do Direito. Encontramos também profissionais que tem o entendimento de que por ser uma ciência relativamente nova a Psicologia Jurídica ainda sofre por não ter um procedimento próprio, tomando emprestado alguns conceitos e procedimentos da Psicologia Clínica, fato que faz com que seja importantíssimo ao psicólogo jurídico se despir destes conceitos/procedimentos, sobre isto Sidney Shine113 disse:
Encontramos a primeira dificuldade em esclarecer, frente à demanda jurídica por avaliação, quem é o cliente e o que se pede. Encontramos nosso segundo grupo de dificuldades, ao refletirmos sobre os impasses éticos de tal atividade. Em primeiro lugar, a falta de um modelo conceitual coerente que integre a utilização das técnicas psicológicas de validade comprovada com a assunção de um critério legal pertinente. Falta uma abordagem que integre o conhecimento psicológico no arcabouço institucional legal. Contudo não poderia ser diferente em relação a uma prática recente. Não existe um modelo preexistente, ela se constrói por
112
SILVA, Evandro Luiz. Perícias psicológicas nas varas de família..., cit., p. 16. Sidney Kiyoshi Shine, psicólogo (USP 1983), Psicanalista (Sedes Sapientiae 1992), especialista em Psicologia da Criança e Estudo psicanalítico da relação do casal pela Clínica Tavistock (1995) 113
44
tentativa e erro ou aproximações sucessivas a partir daquilo que se reconhece. No nosso caso, avaliação psicológica para determinação de guarda é o modelo clínico (A literatura faz referência à psicologia experimental no que diz respeito aos processos de percepção aplicados ao testemunho). A dificuldade maior do psicólogo é poder fazer bom uso do modelo clínico em função do que percebe ser a questão legal (disputa de guarda) e a sua função institucional (perícia).114
Contribuindo para esta reflexão Eduardo Ponte Brandão 115 traz outro elemento ao debate que é a questão da necessidade do entrosamento da Psicologia e o Direito, sobre isto Brandão faz a seguinte afirmação:
De nada adianta se restringir à especificidade de seu campo, se o psicólogo desconhece, por exemplo, os critérios jurídicos que norteiam a decisão de uma guarda ou deveres e direitos parentais. As referências usadas pelo psicólogo devem comunicar se com a do juiz, sejam as opiniões convergentes ou não, caso contrário, ele não poderá contribuir para o desenlace das dificuldades e dos conflitos com os quais o Judiciário se embaraça.116
Portanto como podemos perceber muito há que se fazer para o aprimoramento da tutela jurisdicional em termos de litígios familiares, mas se existem muitas queixas a respeito da Psicologia Jurídica, duvidas não há quanto a sua necessidade, ou seja, ela tomou seu lugar e dela não podemos abrir mão e sim contribuir para sua evolução.
5.5 A Mediação na disputa de Guarda e Convivência
O sistema litigioso, ou adversarial, é o modelo utilizado por nosso sistema judicial, ele acaba ensejando que as pessoas esperem sempre que o Estado decida por ela, situação muito mais cômoda do que ter que trabalhar a questão para uma
114
SHINE, Sidney. A espada de Salomão..., cit. P. 242-243 Eduardo Ponte Brandão, psicólogo, mestre em Psicologia (PUC-RJ), psicólogo do Poder Judiciário/RJ. 116 BRANDÃO, E. P.. (Org.) Psicologia Jurídica no Brasil....cit. p.51 115
45
alternativa mais viável, sendo que para isto fatalmente tem que, não só abrir mão de alguns interesses particulares, como rever alguns conceitos. Para contribuir a isto os profissionais do Direito, em sua formação, são preparados para aturar no litígio, se compararmos a carga horária das disciplinas “preparatórias para o embate” com a carga horária das disciplinas que ensinam uma via alternativa de resolução de conflitos117 perceberemos que o operador do Direito se forma “para a briga”, isto acaba sendo mais um fator contra a igualdade parental, pois o cônjuge ferido que quer se vingar do outro através dos filhos precisa de alguém que lhe abra os olhos mostrando outras alternativas e não que concorde com suas mazelas ou, pior, acabe incentivando sua insanidade. Por isso a mediação é a melhor via para a pacificação das partes, sem imposições e sim com conscientização. Um famoso advogado defendeu a Mediação a mais de cem anos atrás, infelizmente ele não conseguiu influenciar seus colegas da mesma forma que influenciou as pessoas de uma forma geral, assim disse Mahatma Gandhi118:
Depois de anos de exercício da advocacia, eu tive um aprendizado que me levou a descobrir o lado melhor da natureza humana e entrar nos corações dos homens. Eu percebi que a verdadeira missão de um advogado era unir rivais de festas a parte.119
Se a mediação for feita por profissionais preparados e dispostos a colaborar, possivelmente chegarão a um resultado satisfatório para ambas as partes inclusive, e principalmente, para os filhos do casal. Sobre o assunto Nazareth disse:
Daí a necessidade de Mediação feita e assessorada por mediador profissional da Psicologia que conheça o desenvolvimento infantil e o funcionamento familiar, e que, junto com os pais, confeccionar o melhor arranjo levando em consideração os mais diversos elementos. A Guarda Compartilhada exige uma confecção sob medida que atente para vários fatores como a idade da criança, possibilidades objetivas e subjetivas dos pais, exame das características da convivência antes da 117
Como a Mediação e Conciliação, por exemplo. Mohandas Karamchand Gandhi. 1869/1948. 119 Disponível em: < http://www.pensador.info/p/frases_de_mahatma_gandhi/1/>. Acesso em: 10 nov. 2008. 118
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separação, entre outro. Estamos acostumados a delegar responsabilidades. Estamos habituados, quando nos vemos em situação de conflito, a, por exemplo, esperar que o Estado, representado por um juiz, nos diga e determine o que fazer por meio de uma sentença judicial. Um Sistema que desempenha a função complementar de interferir exageradamente promove a dissociação de qualidades fundamentais dos seres humanos que se referem a planos diferentes do existir. Impede que se dê a necessária aproximação entre aspectos de quem se concebe como indivíduo autônomo, autor de sua história e de seu destino e cidadão, autor de seus atos sociais.120
Portanto, o processo de mediação é muitíssimo importante nas definições de Guarda e Convivência, mesmo para os casos que não exista um litígio e sim acordo, pois com a mediação o acordo será muito mais amadurecido tendo maior possibilidade de êxito.
6
Formas de Exercício do Poder Familiar
Antes de analisarmos algumas formas de exercício do Poder Familiar, é mister que lembremos que não devemos confundir o Poder Familiar121 com a Guarda. Outra característica importante é que a forma de exercício depende do ato a ser praticado e a disposição dos genitores, ou seja, depende da urgência do ato a ser praticado; sua complexidade e perpetuidade e de sua influência na vida do menor, portanto sendo considerada sua necessidade e reversibilidade. Alguns atos, independentemente da Guarda, merece ser decidido por ambos os genitores, outros, por serem corriqueiros e sem relativa importância podem ser decidido unilateralmente mesmo que os genitores vivam maritalmente. Então vale ressaltar que a forma de exercício do Poder Familiar é dinâmica, sendo variável quanto as características do ato e a disposição dos genitores, não importando qual a modalidade da guarda.
120 121
NAZARETH, E.R. In. GRISARD FILHO, W. et al. Guarda Compartilhada... cit. p. 94-95. Que é de titularidade simétrica entre os genitores independente de quem tem o filho sobre os seus cuidados.
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6.1 Exercício Exclusivo
As situações em que o Poder Familiar é exercido de forma exclusiva deveriam se restringir as situações por total impossibilidade real do outro, seja por falta ou impedimento provisório ou permanente. Esta forma deveria ser exceção e não a regra, como acontece em casos de que a guarda é individual e o guardião atua com tirania.
Portanto, o exercício exclusivo propriamente dito somente dirá respeito a falta ou impedimento de um dos genitores, como o previsto no artigo 1631 do Código Civil122 Vale ressaltar que os termos “falta” e “impedimento” dizem respeito a impossibilidade real da não participação do genitor no exercício do Poder Família, como prisão por mais de dois anos, enfermidade que impossibilite o discernimento e ou a expressão da vontade. Não se confundindo com o impedimento gerado pela vontade do guardião, ou seja, a falta do genitor decorre da tirania do guardião.
6.2 Exercício Conjunto e Exercício Compartido
Os atos complexos e que tem uma relativa perpetuidade merece uma atuação conjunta dos genitores, não se admitindo um agir sem a concordância do outro. Imaginando que para os atos mais corriqueiros não fosse dispensada a necessidade de atuação conjunta causaria um verdadeiro pandemônio dificultando o dia a dia desse menor, podemos aceitar o exercício compartido, em que um executa, mas o outro valida este ato, ainda que de forma tácita. Entretanto alguns atos como: permissão para casamento; adoção; emancipação, entre outros, que não se imagina que possa ser 122
CC/2002, art. 1.631: “Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.”
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realizado unilateralmente, mas não são somente estes que deveriam ser praticados conjuntamente, pois deveríamos considerar como efeitos perpétuos, por exemplo, a escola em que a criança estuda; a religião praticada; a participação em processo de psicoterapia; mudança da residência para outra comarca; bem como situações em que influenciam definitivamente a vida da criança.
Vale ressaltar que o que diferencia o exercício Conjunto do Exercício Compartido é que enquanto no primeiro os dois efetivamente decidem e executam o ato conjuntamente, no segundo os dois decidem conjuntamente, mas o ato pode ser praticado por somente um, como por exemplo, a matrícula em uma escola, ou ainda um decide e executa e o outro aprova, ainda que de forma tácita.
Infelizmente o que acontece é que dependendo da guarda e da disposição do guardião, este age com tirania sem considerar a opinião do outro, ou seja, não respeitando a participação do outro no exercício do Poder Familiar.
6.3 Exercício Solidário
Esta forma de exercício do Poder Familiar é a mais usada atualmente, ainda que não tenha previsão em nosso ordenamento jurídico e seja uma afronta ao princípio da isonomia constitucional, pois é a personificação da tirania do guardião. Nesta forma de exercício o ato se dá de forma isolada e individual sem a anuência do outro genitor. A respeito da nomenclatura desta forma de exercício Comel explica:
O termo solidariedade, no sentido comum, traduz a noção do que é total, por inteiro, uma totalidade; revela-se numa mutualidade de interesses ou numa interdependência. Juridicamente, a solidariedade configura a consolidação em unidade de um vínculo jurídico diante da pluralidade de sujeitos ativos ou passivos de uma obrigação a fim de que somente se possa cumprir por inteiro ou in solidum. Por isso, vem assinalar o modo de ser de um direito, ou de uma
49
obrigação, que não podem ser fracionados e devem ser sempre considerados na totalidade. Nesse sentido, então, tem-se que o exercício solidário do Poder Familiar é aqueele em que cada um dos pais pode desempenhá-lo sozinho, independentemente de concordância ou participação do outro, uma vez que é 123
detentor da totalidade.
Não há uma unanimidade doutrinária para esta nomenclatura, mas boa parte entende que o exercício solidário é aquele em que se pratica isoladamente o ato, tomando para si a responsabilidade total do Poder Familiar, obviamente que o a maioria dos atos parentais são aqueles corriqueiros normais de convivência, e não há que se imaginar que para todo ato precisaria pedir a anuência do genitor ausente, mas sim que existe a aprovação por presunção. No exercício solidário há a carência da presunção assim como da aprovação ainda que de forma tácita, pois a existência do outro é desconsiderada.
6.4 Melhor Exercício
Só teremos uma convivência mais simétrica se ambos os genitores deixarem de colocar seus sentimentos mesquinhos acima do interesse de seus filhos. Permitir que o outro genitor por mais que tenha errado como cônjuge desempenhe seu papel parental e que possa dar o melhor de si ao filho, é muito mais do que um dever, é um ato de amor.
Fazendo uma leitura psicanalítica a respeito das relações parentais poderíamos afirmar que o Poder Familiar estaria ligado a função de pai e que o cuidar do filho no dia a dia, ou seja, desempenhar efetivamente a guarda estaria ligada a função de mãe. Claro que aqueles que julgassem esta afirmação baseado no senso comum logo refutariam esta idéia e diriam que reconhecer isto seria uma regressão em termos de igualdade parental, ou seja, andar na contramão da luta pelos direitos iguais. 123
COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 190
50
Talvez ai esteja a essência de toda a celeuma entorno da luta entre pais e mães pela simetria de participação na vida do filho.
A afirmação aristotélica de que a igualdade se efetivaria em tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual na proporção de sua desigualdade não serve para equacionar por si só a problemática da luta pela isonomia entre os gêneros, especialmente na questão da parentalidade. Não que esta afirmação não seja válida, mas reduzir a questão a esta preposição é cair em erro, aliás, erro que continuamos cometendo. O homem e a mulher são diferentes, assim como o pai e a mãe também o são, mas como poderemos mensurar esta diferença? Qual o tratamento desigual a ser oferecido neste caso? Boa parte do protecionismo exacerbado a mulher/mãe é decorrente desta máxima, a respeito disso Celso Antonio Bandeira de Melo afirmou:
O caráter de termo de chegada, pois entre um e outro extremo serpeia um fosso de incertezas cavado sobre a intuitiva pergunta que aflora ao espírito: Quem são os iguais e quem são os desiguais? A dizer, o que permite radicalizar alguns sob a rubrica de iguais e outros sob a rubrica de desiguais? Em suma: qual o critério legitimamente manipulável – sem agravos à isonomia – que autoriza distinguir pessoas e situações em grupos apartados para fins de tratamento jurídicos diversos? Afinal, que espécie de igualdade veda e que tipo de desigualdade faculta a discriminação de situações e de pessoas, sem quebra e agressão aos objetivos transfundidos no princípio constitucional da isonomia?124
Será que o problema nasceu no momento em mulher na luta pela igualdade tomou o homem como modelo para esta igualdade? A respeito disso afirmou Comel:
O movimento de libertação das mulheres, por outro lado, ao tentar estabelecer o nível de igualdade, fê-lo mediante grande equívoco, colocando como molde à mulher o modelo masculino: mulher será igual ao homem. O padrão de referência seria o masculino, no qual se encontrariam as virtudes e qualidades
124
MELLO, C. A. B. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade... cit, p. 10-11
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que a mulher deveria incorporar na própria personalidade, para ser igual ao homem.125
Ao encontro disto afirmou Rodrigo da Cunha Pereira:
A mulher continua sendo objeto de igualdade, enquanto o homem é o sujeito e o paradigma desse pretenso sistema de igualdade. Isto, por si só, já é um paradoxo para qual o direito ainda não tem resposta: qualquer tentativa de normatização sobre a igualdade terá como paradigma um discurso masculino.126
Não podemos afirmar com certeza se foi este equívoco que levou à aproximação dos papéis sociais: masculino e feminino, mas com certeza foi um dos principais fatores. Obviamente que isto refletiu na quebra da divisão do papel do pai e o da mãe, mas não podemos esquecer que dificilmente nos tornaremos seres andrógenos, ou seja, sempre haverá diferenças. Bem como sempre existirá a diferença na função de pai em relação a função de mãe, mas isto não significa que não possa ocorrer adaptações bem sucedidas no desempenho dessas funções, entretanto um ser humano é concebido por uma mãe e por um pai e deles ele se torna dependente, de várias maneiras, não só para seu desenvolvimento físico e intelectual, mas também para seu desenvolvimento psíquico e emocional, portanto a melhor forma de exercício do Poder Familiar é aquela em que tanto o pai quanto a mãe possam participar da vida do filho e dar o melhor de si a ele.
7
125 126
Síndrome de Alienação Parental
COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 190 PEREIRA, R. C. Direito de Família..., cit, p.115.
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7.1 Definição
Síndrome de Alienação Parental, também conhecida como SAP, foi o termo proposto em 1985127 pelo psiquiatra norte-americano Richard Gardner128 para o resultado das ações, geralmente promovidas por parte do guardião, que visam o afastamento do filho para com o um dos genitores129, normalmente o não guardião. Podemos ter um melhor entendimento do que é a SAP pelas explicações do próprio Gardner: A Síndrome de Alienação Parental (SAP) é um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças. Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a “lavagem cerebral, programação, doutrinação”) e contribuições da própria criança para caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou a negligência parentais verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e assim a explicação de Síndrome de Alienação Parental para ahostilidade da criança não é aplicável.130
Portanto, neste fenômeno a criança ou o adolescente toma para si os sentimentos e conceitos de um genitor a respeito do outro, justamente por esta razão a SAP também é conhecida como “implantação de falsas memórias”. Este fenômeno é cruel, desumano e destrói não só o genitor alienado, como também a própria criança que tem seu desenvolvimento psíquico comprometido ocorrendo este de forma atrofiada, estando exposto a um maior risco de desenvolver toda a sorte de estruturas psíquicas131, bem como de dinâmicas psicossomáticas132. 127
IN. Gardner, R. A. (1985a), Recent trends in divorce and custody litigation. The Academy Forum, 29(2):3-7. 128 Richard A. Gardner: Psiquiatra, professor titular do Departamento de Psiquiatria Infantil da Faculdade de Medicina e Cirurgia da Universidade de Columbia, New York, New York, EUA. 129 Ou outro genitor; ou os dois genitores, se a guarda esta com terceiros. 130 GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental (SAP)? Trad. Rita Rafaeli... cit. pag. 02 131 Psicose; perversão; borderline; histeria; Transtorno obsessivo compulsivo.
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Muitos questionam sobre o uso termo “síndrome”, sendo que atualmente, e principalmente, os advogados evitam utilizar este termo nas petições, temendo o risco de não serem considerados pelos magistrados, portanto utilizando somente a expressão “alienação parental”.
Alguns entendem que a Alienação Parental é um fenômeno antecedente à instalação da SAP, para termos um melhor entendimento deste pensamento e da diferenciação entre estes dois estágios verificaremos o que afirmou Igor Nazarovicz Xaxá133:
Embora intimamente ligadas, uma é o complemento da outra e seus conceitos não se confundem. Alienação Parental é a desconstituição da figura parental de um dos genitores ante a criança. É uma campanha de desmoralização, de marginalização desse genitor. Manipulada com o intuito de transformar esse genitor num estranho, a criança então é motivada a afastá-lo do seu convívio. Esse processo é praticado dolosamente ou não por um agente externo, um terceiro e, não está restrito ao guardião da criança. Há casos em que a Alienação Parental é promovida pelos Avós, por exemplo, sendo perfeitamente possível que qualquer pessoa com relação parental com a criança ou não, a fomente. A Síndrome de Alienação Parental diz respeito aos efeitos emocionais e as condutas comportamentais desencadeados na criança que é ou foi vítima desse processo. Grosso modo, são as seqüelas deixadas pela Alienação Parental.134
Portanto segundo Xaxá a diferença se dá sob uma divisão por estágios, ocorrendo primeiramente a Alienação Parental, e como conseqüência desta a Síndrome de Alienação propriamente dita. Há ainda aqueles que não aceitam o termo “Síndrome”, mas somente “Alienação Parental” para todo o fenômeno, independente do estágio, por entenderem 132
Fobias; paranóias; obsessões, etc. Igor Nazarovicz Xaxá, Bacharel em Direito; militante do movimento que luta pela igualdade parental; pai da Anna Júlia. 134 XAXÁ, I. N. A Síndrome de Alienação Parental e o Poder Judiciário... cit. p. 19. 133
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que pelo fato de ainda não existir um reconhecimento formal pelos órgãos oficiais de catalogação internacional de doenças, esta não deva, ainda, ser definida como uma síndrome. Neste sentido afirmou Alexandra Ullmann 135:
Alguns entendem a Alienação como uma Síndrome por apresentar um conjunto de sintomas a indicar uma mesma patologia, enquanto que outra corrente exclui o termo Síndrome da definição por determinar que, como não há „reconhecimento‟ da medicina nem código internacional que a defina, não pode ser considerada uma Síndrome. Fato é que, independentemente de ser ou não uma Síndrome, assim subentendida, o fenômeno existe e cada vez mais é percebido e verificado independentemente de classe social ou situação financeira.136
Entretanto há aqueles que têm um entendimento diferente dos dois propostos anteriormente, o próprio Gardner defende a utilização do termo “síndrome” independentemente de qualquer catalogação, pois segundo ele dizer que a SAP não existe porque não é listada no DSM-IV é como dizer em 1980 que a AIDS (síndrome de imuno-deficiência adquirida) não existia porque não foi listada até então em livros de texto médicos de diagnósticos-padrão137. Devemos considerar que o atual DSMIV138 foi publicado em 1994 e sua alteração depende fundamentalmente da publicação de artigos científicos sobre o assunto, o próprio Gardner nos informa que o número de publicações sobre a SAP vem crescendo consideravelmente já estando próximo de 200139, portanto é fato o reconhecimento da SAP, senão nesta atual versão, certamente será na próxima140 que já esta em vias de ser publicada.
135
Alexandra Ullmann Teixeira Lima: Psicóloga; advogada; militante na área da Família. ULLMANN, A. IN: XAXÁ, I. N. A Síndrome de Alienação Parental... cit, p. 19 137 GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental (SAP)? Trad. Rita Rafaeli... cit. pag. 04. 138 Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais – quarta edição (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - Fourth Edition) publicado pela Associação Psiquiátrica Americana (APA) em Washington em (1994), corresponde à quarta versão do DSM e é a principal referência de diagnóstico para os profissionais de saúde mental dos Estados Unidos da América e de Portugal na prática clínica. 139 GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental (SAP)? Trad. Rita Rafaeli... cit. pag. 04. 140 DSM – V. Nova versão a ser publicada em breve. 136
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Outra defesa que Gardner faz sobre o equívoco de não se querer utilizar o termo “síndrome”, diz respeito ao afastamento do entendimento desta denominação sobre o prisma do senso comum e consideração como o fenômeno é conhecido dentro da área da saúde, qual seja, de que uma síndrome é uma doença que tem um grupo de sintomas múltiplos que ocorrem em grupo e tem uma especificidade em causa subjacente, podemos melhor entender através da explicação do próprio Gardner:
Alguns que preferem usar o termo Alienação Parental (AP) alegam que a SAP não é realmente uma síndrome. Essa posição é especialmente vista nos tribunais de justiça, no contexto de disputas de custódia de crianças. Uma síndrome, pela definição médica, é um conjunto de sintomas que ocorrem juntos, e que caracterizam uma doença específica. Embora aparentemente os sintomas sejam desconectados entre si, justifica-se que sejam agrupados por causa de uma etiologia comum ou causa subjacente básica. Além disso, há uma consistência no que diz respeito a tal conjunto naquela, em que a maioria (se não todos) os sintomas aparecem juntos. O termo síndrome é mais específico do que o termo relacionado a doença. Uma doença é geralmente um termo mais geral, porque pode haver muitas causas para uma doença particular. Por exemplo, a pneumonia é uma doença, mas há muitos tipos de pneumonia- p.ex., pneumonia pneumocócica e broncopneumonia - cada uma delas tem sintomas mais específicos, e cada qual poderia razoavelmente ser considerado uma síndrome (embora não haja o costume de se utilizar comumente esse termo).141
Portanto para Gardner a SAP é um subtipo de Alienação Parental, mas não é a único. Podemos considerar, por exemplo, a alienação parental em decorrência de violência doméstica142: neste subtipo de alienação pode ocorrer a mesma série de sintomas, entretanto não compartilham da mesma causa subjacente sendo que da SAP é a programação para a exclusão psico-afetiva do genitor por outrem143 enquanto que no exemplo esta exclusão se daria pelos próprios atos do genitor, ou seja, devido ao seu transtorno de conduta.
141
GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental (SAP)? Trad. Rita Rafaeli... cit. pag. 02-03. 142 Idem, ibidem. P. 02. 143 Normalmente o guardião ou quem faz o papel de cuidador.
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Segundo Gardner a SAP pode ser dividida em três níveis sendo eles o leve; moderado e severo. Os principais sintomas que a criança apresenta são: campanha denegritória contra o genitor alienado; racionalizações fracas, absurdas ou frívolas para a depreciação; falta de ambivalência; fenômeno do “pensador independente”; apoio automático ao genitor alienador no conflito parental; ausência de culpa sobre a crueldade a e/ou a exploração contra o genitor alienado; a presença de encenações „encomendadas‟; propagação da animosidade aos amigos e/ou à família extensa do genitor alienado144. Vale lembrar que, nos casos leves, esses sintomas podem não ocorrerem em sua totalidade, mas com a progressão para o moderado ou severo, a possibilidade da ocorrência da maioria, ou totalidade, dos sintomas é muito alta.
Vale lembrar que todas as ações que possam desencadear a alienação parental são ações que afrontam o Poder Familiar, portanto defender o Poder Familiar é evitar o surgimento deste fenômeno que tanto mal causa a sociedade, mesmo que ainda não percebido.
7.2 Diagnósticos do DSM-IV relacionados à Síndrome de Alienação Parental
Mesmo que a SAP não seja diretamente reconhecida no DSM-IV, podemos fazer uma correlação de transtornos que ocorrem simultaneamente a SAP com alguns já previstos no DSM-IV, como veremos a seguir.
7.2.1 Diagnósticos aplicáveis a ambos os genitores e às crianças com SAP
144
GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental (SAP)? Trad. Rita Rafaeli... cit. pag. 03.
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A primeira relação feita pro Gardner foi em relação ao Transtorno psicótico compartilhado145, fenômeno em que ocorre o compartilhamento psíquico da ideação paranóide, esta hipótese é muito bem explicada por Gardner desta forma:
Este diagnóstico do DSM-IV é aplicado em alguns dos casos severos de SAP em que o programador é paranóide, e a campanha denegritória da criança incorpora a mesma ideação paranóide. De certo modo, a maioria dos casos moderados, e mesmo alguns dos exemplos leves de SAP são exemplos do fenômeno de folie à deux. Entretanto, não se não pode justificavelmente considerar os exemplos leves e moderados de SAP para autorizar o rótulo de psicose - que implica em ruptura completa com a realidade. Em casos severos vemos delírios persecutórios genuínos, que podem justificavelmente ser considerados paranóides. Com maior freqüência, o sistema delirante fica circunscrito ao genitor alienador. É importante anotar que esse diagnóstico único pode ser aplicado a ambos - ao alienador e à criança alienada.146
Outra relação está na questão dos problemas nas relações pais e filhos147 propriamente dita, que é prevista no manual.
7.2.2 Diagnósticos aplicáveis a pais alienadores
Podemos relacionar vários transtornos previstos no DSM-IV com os, geralmente, percebidos nos alienadores, sendo os mais relevantes o transtorno delirante148; o transtorno de personalidade paranóide149; transtorno de personalidade borderline150 e, finalmente, o transtorno de personalidade narcisista. 145
DSM-IV: 297.3 Transtorno psicótico compartilhado. A. Um delírio acontece em um indivíduo no contexto de uma relação próxima com outra pessoa(s) que esteja com um delírio já estabelecido. B. O delírio é similar em conteúdo ao daquela da pessoa que já está com o delírio estabelecido. 146 GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental (SAP)? Trad. Rita Rafaeli... cit. pag. 09. 147 DSM-IV. V61. 20. Problema nas relações Pais – filhos. 148 DSM-IV. 297.71 Transtorno delirante. A. Delírios não-bizarros (isso é, envolvendo situações que ocorrem na vida real, tais como ser seguido, envenenado, contaminado, ser amado à distância, ser traído pela esposa ou amante, ou ter uma doença) com a duração de pelo menos 1 mês. 149 DSM-IV. 301.0 Transtorno de personalidade paranóide. A. Uma desconfiança e uma suspeita difusas dos outros tais que seus motivos são sempre interpretados como malévolos, começando na idade adulta e presentes em uma variedade de contextos, sendo indicado por quatro (ou mais) do seguintes sintomas: 1. ter suspeitas, sem base suficiente, de que os outros são exploradores, prejudiciais, ou que o estão enganando;
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Segundo Gardner, no caso dos alienadores, estes transtornos podem apresentar sintomas antes dos eventos que acarretam a SAP, normalmente eclodindo com o fim do relacionamento com o outro genitor, ou, caso apareçam antes da separação, sendo a causa, inclusive, da própria separação.151
7.2.3 Diagnósticos do DSM-IV aplicáveis às crianças com SAP
Gardner nos mostra a potencialidade destrutiva da SAP, especificamente em relação às crianças afetadas por ela, ao nos indicar essas relações entre as psicopatologias já catalogadas e as que ocorrem com quem é vítima desta Síndrome. 152
Os transtornos detectados nas crianças vítimas da SAP, diferente daqueles encontrados nos alienantes, tanto podem atuam como causa como também são conseqüências da Alienação. Entre eles podemos destacar o transtorno de conduta153; transtorno de ansiedade de separação154; transtorno dissociativo não explicado155 e,
2. ficar preocupado, com dúvidas injustificadas, sobre a lealdade ou a confiabilidade dos amigos ou colegas; 3. ficar relutante em confiar nos outros por causa do medo despropositado de que a informação seja usada de forma maliciosa contra si; 4. ler significados aviltadores ou ameaçadores escondidos em observações ou em eventos benignos; 5. carregar persistentemente rancores, isto é, ser implacável com insultos, ofensas ou deslizes. 6. perceber ataques ao seu caráter ou reputação que não são aparentes aos outros e ser rápido em reagir irritadamente ou contra-atacar; 7. ter suspeitas periódicas, sem justificação, a respeito da fidelidade do esposo ou do parceiro sexual. 150 DSM-IV. 301.83 Transtorno de personalidade borderline (TPB) 151 GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental (SAP)? Trad. Rita Rafaeli... cit. pag. 14. 152 GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental (SAP)? Trad. Rita Rafaeli... cit. pag. 14-17. 153 DSM- IV. 312.8 Transtorno de conduta: A. Um padrão de comportamento repetitivo e persistente no qual os direitos básicos dos outros, assim como normas/regras sociais importantes, adequadas à idade, são violados. Manifestado pela presença de três (ou mais) dos seguintes critérios nos 12 meses anteriores, com a presença de pelo menos um dos critérios nos últimos 6 meses: a. Agressão às pessoas e aos animais; b. destruição de propriedade; c. defraudação ou furto; d. sérias violações de regras. 154 DSM-IV. 309.21 Transtorno de ansiedade de separação A. Ansiedade inadequada e excessiva envolvendo o afastamento de casa ou de figuras importantes de vinculação, evidenciado por três (ou mais) dos seguintes sintomas: a. aflição excessiva e recorrente frente à ocorrência ou previsão de afastamento de casa ou de figuras importantes de vinculação; b. relutância ou recusa persistente em ir à escola ou a qualquer outro lugar em razão
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finalmente, o transtorno de ajustamento, principalmente em seus subtipos: com humor deprimido156; com ansiedade157; combinado com ansiedade e humor deprimido158; com alteração de conduta159; combinado com alteração das emoções e de conduta160.
7.2.4 Diagnósticos
do
DSM-IV
aplicáveis
aos
pais
alienados
Gardner explica que no caso dos genitores vítimas da SAP, o diagnóstico em relação se dá posteriormente a instalação da Alienação. Pois se considerarmos diagnósticos de psicopatologias anteriores ao evento e que estas contribuíram de forma decisiva na consumação do fenômeno, poderíamos concluir que não estaríamos diante de um caso de SAP e sim de outro subtipo de alienação parental 161. A polaridade entre passividade e surtos de violência é uma das características de pais que afligem deste mal, sendo, segundo ele, evidências de um possível transtorno de personalidade esquiva162 ou do transtorno de personalidade dependente163, além de outras situações que derivam do grande sofrimento a que estes estão submetidos.
do medo da separação; c. repetidas queixas de sintomas somáticos (tais como dores de cabeça, de estômago, náusea ou vômito) quando a separação de figuras importantes de vinculação ocorre ou é prevista. 155 DSM-IV. 300.15 Transtorno dissociativo não especificado: Essa categoria inclui os transtornos em que a característica predominante é um sintoma dissociativo (isto é, um rompimento nas funções geralmente integradas da consciência, memória, identidade ou percepção do ambiente) que não encontre os critérios para nenhum transtorno dissociativo específico. Os exemplos incluem estados de dissociação que ocorrem nos indivíduos que foram sujeitos a períodos de persuasão prolongada e coercitiva (por exemplo: lavagem cerebral, reforma do pensamento ou doutrinação quando cativo). 156 DSM-IV. 309.0 Transtornos de ajustamento com humor deprimido. 157 DSM-IV. 309.24 Transtornos de ajustamento com ansiedade. 158 DSM-IV. 309.28 Transtornos de ajustamento combinado com ansiedade e humor deprimido. 159 DSM-IV. 309.3 Transtornos de ajustamento com alteração de conduta. 160 DSM-IV. 309.4 Transtornos de ajustamento combinado com alteração das emoções e de conduta 161 GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental (SAP)? Trad. Rita Rafaeli... cit. pag. 17-18. 162 DSM-IV. 301.82 Transtorno de personalidade esquiva. 163 DSM-IV 301.6 Transtorno de personalidade dependente.
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7.3 Alienação pelo outro, segundo Lacan e sua tipificação
Assim como ocorre biologicamente o ser humano advêm, primeiramente de uma relação simbiótica, e nesta relação o ser em formação passa de uma situação de inexistência para uma relação de existência parcial-dependente, para, então, depois de um longo processo de desenvolvimento, passar a ser um ser teoricamente completo. Nesta fase de existência parcial-dependente164, bem como na fase de desenvolvimento, o ser precisa do outro para sobreviver e se desenvolver, e está necessidade se satisfaz principalmente na retirada do que é do outro para passar a fazer parte do que é meu, ou seja, do que á parte de mim. Este processo é chamado de alienação, pois eu somente existo através do outro, eu não existo completamente por mim mesmo. Bruce Fink165 nos traz uma interessante noção lacaniana do sujeito e sua Alienação pelo Outro:
O sujeito é aquilo que um significante representa para outro significante, somos alienados na medida em que nossas necessidades e prazeres são organizados e canalizados em formas socialmente aceitáveis pelas demandas de nossos pais (o Outro como demanda); na medida em que nosso desejo surge como desejo do Outro. Lacan define o sujeito como uma posição adotada com relação ao Outro enquanto linguagem ou lei; em outras palavras, o sujeito é uma relação com a ordem simbólica. À medida em que a noção de Outro de Lacan evolui, o sujeito é reconceitualizado como uma postura adotada com relação ao desejo do Outro (o desejo da mãe, do pai ou ambos), uma vez que aquele desejo provoca o desejo do sujeito. O sujeito- falta a ser – é visto, portanto, como consistindo numa relação com o desejo do Outro, ou como uma postura adotada com relação a esse desejo, fundamentalmente emocionante, porém ameaçador, fascinante e, no entanto, esmagador ou revoltante. Embora uma criança deseje ser reconhecida pelos pais como merecedora do desejo deles, esse desejo é ao mesmo tempo hipnotizante e mortal.166
Portanto, de acordo com a teoria lacaniana a alienação é um fenômeno natural e imperioso no desenvolvimento psíquico humano, inicialmente somos fruto do 164
O ser não se julga completo e sim como parte do outro e assim dependente dele. Bruce Fink: Psicanalista; professor adjunto de Psicologia da Duquesne University. 166 FINK, B. O sujeito lacaniano... cit. p. 9-10 165
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desejo de nossos pais, imaginemos então a potencialidade alienadora que uma mãe com a guarda exclusiva e com a complacência do Poder Judiciário pode ter sobre uma criança! Pode parecer uma preposição por demais determinista na visão de alguns leigos, mas esta teoria psicanalítica merece nossa atenção, principalmente pelo fato de que ela nos ajuda a compreender a SAP, para tanto, vejamos um exemplo trazido por Fink:
Vamos imaginar, e esta é uma história puramente fictícia, que Albert Einstein ouviu por acaso uma conversa, que talvez não fosse para ser ouvida por ele, onde o pai dizia para a mãe: “Ele nunca será nada”, e sua mãe concordava, dizendo: “É verdade; ele é preguiçoso como o pai dele.” Podemos imaginar que Albert não era ainda crescido o suficiente para entender todo o significado das palavras ou adivinhar seu sentido. No entanto, elas acabaram sendo armazenadas em algum lugar e ficaram adormecidas pro muitos anos, para somente serem reativadas e atormentá-lo de forma implacável quando ele tentava progredir na escola secundária. Por fim, as palavras adquiriram sentido e causaram sua reprovação em matemática na escola secundária – esta parte da história é aparentemente verdadeira – embora a ele não faltasse, com certeza, capacidade para compreender a matéria.167
Pegando carona no exemplo hipotético de Fink podemos analisar de forma análoga duas questões envolvendo um caso de SAP causado pela mãe guardiã e o exemplo do pequeno Albert. Primeiro que o efeito da alienação pode ser retardado ou duradouro, ou seja, a criança pode até não apresentar os sintomas na infância, mas estes podem vir a surgir na adolescência 168 ou mesmo na idade adulta, sendo que pode se apresentar das mais variadas formas. Segundo que assim como o exemplo apresentado por Fink, o sujeito tem a possibilidade de superar parcialmente a alienação, Albert, como a história da ciência nos mostra, superou seu estigma de ser um fracassado, assim como o ser alienado pode voltar a retomar o controle de sua vida e emoções. Xaxá em sua monografia nos traz este exemplo real:
167 168
FINK, B. O sujeito lacaniano... cit. p. 27. Período de grande importância da função de pai.
62
“Meus pais se separaram quando eu tinha dois anos de idade. Minha mãe rasgou todas as fotos. Eu não sabia nada sobre ele, não tinha lembranças. Ela dizia que ele não prestava, tinha traído e tentado matá-la. Quando eu tinha uns oito anos, meu pai foi nos visitar. Foi um encontro estranho e tenso. Estava com raiva daquele homem. Quando minha mãe disse que ele voltaria no jantar do dia seguinte, fiquei ansiosa. Bolei perguntas. Quando ele não apareceu, minha mãe falou: “tá vendo, não disse que ele não prestava? Ele veio aqui apenas para diminuir a pensão”. Na verdade, minha mãe combinara com ele de nos levar (eu e minha irmã) para a praia. Ele ficou no sol nos esperando e não aparecemos. Nunca mais voltou. Minha mãe disse a ele que era melhor se afastar porque sua visita fez muito mal a nossa estabilidade emocional. Sobre a pensão, também era uma mentira. Minha mãe havia se casado novamente, mas não tinha avisado o meu pai que continuava a lhe pagar pensão e, neste episódio, além de nos visitar requereu à Justiça a exoneração. Só fui reencontrar meu pai onze anos mais tarde, aos 19 anos de idade, nos EUA, onde ele morava com a segunda esposa e seus filhos. E isso só foi possível porque eu rompi com a minha mãe. Hoje em dia, posso dizer que meu pai é meu confidente, amigo e companheiro de todos os momentos. Foi um relacionamento construído em base mais sólida, a verdade. Muita gente acha que as mulheres fazem isso porque são possessivas em relação aos filhos ou que é só vingança contra o ex-marido, mas que as crianças são bem tratadas. É falso. Uma pessoa que faz isso não respeita o filho com o ser humano. Um genitor que é capaz de alienar também comete maus tratos sem maiores pudores. Já ultrapassou o limite da moralidade mesmo”. Karla, Jornalista. Brasília – DF Filha de Sócrates169
Notamos pelo depoimento de Karla que o relacionamento com o seu pai foi retomado, ou seja, assim como no exemplo anterior, a alienação foi superada, pelo menos no que diz respeito a sua essência, mas não é por isso que podemos desqualificar o quanto ela deve ter sofrido, o quanto isto deve ter afetado sua auto estima, seus relacionamentos interpessoais, seus sonhos ou mesmo sua visão de mundo. Não podemos aqui dar respostas a estas dúvidas, seria leviana tal tentativa, mas podemos imaginar que assim como Albert, Karla sofreu muito, e ainda pode
169
In: XAXÁ, I. N. A Síndrome de Alienação Parental e o Poder Judiciário... cit. p. 69-70
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sofrer por conseqüência de sua alienação, mesmo que ela não saiba que a dor é decorrente dela, ainda que, teoricamente, superada.
Portanto, de acordo com a teoria lacaniana podemos entender o poder de manipulação que fica concentrado no genitor guardião, sendo este poder potencializado socialmente se o guardião for a mulher. Vimos também o quanto a alienação parental é prejudicial também a criança ou adolescente, deixando marcas para o resto de sua vida. Diante disso nos resta clamar para que o Direito dê a devida importância ao combate deste ato criminoso, pois a alienação parental deveria ser considerada uma espécie de tortura devendo ser veemente combatida. Como ainda não há este entendimento, foi necessário tipificar especificamente os atos que causem a SAP como conduta ilícita, esta tentativa se dá através do Projeto de Lei 4053 de 2008170, apresentado pelo Deputado Federal Régis de Oliveira 171, em que, finalmente, aquele que cometer atos que possa desencadear a SAP será punido devidamente. O projeto esta para ser analisado pela Comissão de Seguridade Social e Família, tendo recebido o parecer favorável do relator anterior, mas devido a troca dos membros da comissão, a nova relatora deverá dar um novo parecer e este deverá ser submetido à apreciação de toda a comissão. Muitos pais, psicólogos e advogados militantes na área da família aguardam com grandes expectativas a aprovação deste Projeto de Lei, e isto ocorrendo será mais uma vitória na luta a favor da igualdade parental.
8
O Movimento Social Organizado em busca da Igualdade
Parental
Com a predominância da desigualdade parental e o conseqüente aumento de casos de SAP, de forma natural, e com a contribuição da mediação da internet, aqueles 170
PL/4053/2008 de autoria do Dep. Regis de Oliveira. Regis Fernandes de Oliveira: Dep. Federal; PSC/SP; advogado; professor universitário; administrador de empresas. 171
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que se sentem prejudicados por este fenômeno tem se reunido em associações civis, das mais organizadas até as quase que informais. Os debates e ações se dão através de sites de relacionamentos, sites próprios, listas de emails, programas de conversação em tempo real172, justamente por isso essas organizações deixaram de ser regionais passando a atuar, e ter participantes, em todo o país. Além dos pais, madrastas e padrastos que sofrem com a não igualdade parental, 173 esses movimentos também abrigam profissionais da área do Direito e da Psicologia, sendo que uns contribuem com a longa experiência que tem a respeito do assunto, outros em início de carreira, aprendem com os colegas e com a vivência a dolorosa, difícil e bruta realidade. Formado por heróis e heroínas, muitos praticamente se doam por completo a esta luta, e mesmo depois de conseguirem seu intento, ou seja, conseguir voltar a fazer parte da vida do filho, continuam a atuar junto ao movimento, em solidariedade aos companheiros de dor e luta, não é difícil de compreender este fato, pois somente quem já passou por isso sabe o tamanho da dor de não poder ser pai ou mãe, mesmo na existência do filho.
8.1 APASE174
A APASE hoje é a mais representativa ONG na luta pela igualdade parental no Brasil, com participação de membros de praticamente todos os estados brasileiros a atuação desta ONG não se restringe a orientação aos pais, a APASE fomenta o debate e estudo sobre a parentalidade, através da publicação de livros com a parceria da Editora Equilíbrio. A coletânea dos livros publicados pela APASE já é referência para quem quer se aprofundar na área. Além disso, esta organização também atua junto aos poderes públicos a fim de exigir políticas publicas que incentive a igualdade parental, podemos dar destaque na atuação de membros da APASE 175 na aprovação da Lei da 172
MSN; Skype e outros. Ou melhor seria dizer: que sofrem com a tirania do guardião. 174 Associação de pais e mães separados. 175 Principalmente de seu Presidente Analdino Rodrigues Paulino. 173
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Guarda Compartilhada176 e agora na luta pela aprovação do Projeto de Lei 177 que tipifica os atos e condutas que acarretam a SAP. Em seu site178 a história desta organização está assim definida:
As APASES do Brasil tiveram origem na APASE de Florianópolis. Em março de 1997 foi constituída a Apase Florianópolis, sociedade civil sem fins lucrativos e pioneira no Brasil. O fundador com sua ativa atuação, vinculada ao site da APASE, conseguiu chamar a atenção da mídia, dos operadores do direito e da sociedade brasileira para a problemática dos filhos de casais separados. O levantamento e discussão do problema trouxe como uma das primeiras conquistas a percepção pela ala mais bem informada e mais preparada do judiciário brasileiro e dos Operadores do Direito o interesse pelo assunto, que os levaram a estudar melhor o problema e a tomar atitudes e decisões mais de acordo com a nossa legislação já existente, que de certa forma era ignorada. Também principalmente pelo seu esforço e dedicação foi apresentado e dado andamento ao Projeto de Lei que cria a Guarda Compartilhada. Um ano após foi reconhecida como de Utilidade Pública Municipal pelo Decreto número 5385/98, de 29/10/1998, publicado no Diário Oficial do Estado de Santa Catarina de 11/11/1998. Quando constituída tinha dois objetivos principais, formar grupos de autoajuda para a troca de idéias sobre procedimentos junto às Instituições Oficiais para resolver conflitos entre casais que estavam disputando judicialmente a guarda dos filhos, e difundir a idéia de que pais também podem e têm condições de criar filhos com dedicação idêntica à de mães. No decorrer das demandas judiciais dos associados, o grupo que constituiu a Apase Florianópolis teve experiências marcantes que conduziram a solução dos conflitos para caminhos inesperados, que resultaram em soluções viciadas, omissas e que não refletiram a verdade dos fatos, com grandes prejuízos para os filhos.179
176
Lei n.º 11.698 de 13 de junho de 2.008. Já abordada neste trabalho. PL/4053/2008. Já mencionado neste trabalho. 178 www.apase.org.br 179 Nossa história. Disponível em: < http://www.apase.org.br/>. Acesso em: 19 jan. 2009. 177
66
8.2 Pai Legal.Net
Não sendo considerada uma ONG propriamente dita o Pai Legal.Net é um site180 muito bem elaborado, que possibilita o contato entre pais e profissionais da área, podendo assim contribuírem mutuamente sanando dúvidas; desabafando; possibilitando assim conseguir meios de se resolver os problemas relacionados a questão da convivência entre pais e filhos. Além do “Fórum e Ajuda”, encontra-se no site também colunas assinadas por profissionais da área representando o campo do Direito; da Psicologia; da Psicanálise e mais importante, e acima de qualquer profissionalismo, é formado por pais e mães que desejam uma melhor realidade para todos que querem desempenhar seu papel, servindo como exemplo, seu idealizador e organizador conhecido como Paulo Habl, que se fosse denominado pelo mesmo nome da coluna que ele assina181 seria então descrito como sua mais elevada expressão.
No Pai Legal.Net temos a seguinte auto-definição: Somos pais que resolveram arregaçar as mangas e construir um site para atender as nossas necessidades de pai na criação de nossos filhos, seja lutando pelo nosso direito à convivência com eles após a separação do casal como também pela qualidade de nossa paternidade. O público-alvo do PaiLegal é o pai, em quem temos concentrado as nossas atenções. Mães e filhos têm também colaborado para alcançarmos o nosso objetivo - de sermos e ajudarmos outros homens a serem pais plenos. A visão do PaiLegal é a renovação do papel do pai, reabilitando e incentivando os homens a fazerem de suas crianças indivíduos honestos, seguros, justos, empreendedores e felizes, e conseqüentemente construindo uma nação forte e próspera. A missão do PaiLegal é tornar-se o melhor site para se encontrar informação sobre o pai e a paternidade de excelência, de forma clara, inovativa, assertiva, justa e honesta. Colocado no ar em fevereiro de 2002 (Veja entrevista para Revista Almanaque), o PaiLegal constituiu-se referência nacional para o entendimento sobre Guarda Compartilhada do ponto de vista Psicológico, Psicanalítico, Jurídico e Social. O PaiLegal não é uma associação e sim grupo privado de trabalho para a 180 181
www.pailegal.net Homem & Pai.
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promoção do debate, da investigação e do estudo cético da paternidade e da guarda compartilhada. Nos acessam profissionais, professores e estudantes que usam para inspiração e referencia em seus trabalhos, o material vivo expresso no grupo de discussão como também opiniões, análises e teses publicadas no site. Cooperamos e estimulamos outras associações com fins de promoção do debate nacional e a reformulação do código civil, que apesar de ter removido o arcáico privilégio da mãe em relação a guarda dos filhos, deixa um vácuo onde podem ocorrer muitas injustiças, principalmente ao pai participativo. Além do material científico existente no PaiLegal muitos textos são opiniões próprias derivadas de experiências pessoais. Por ser a Guarda Compartilhada um modelo ainda novo no Brasil a existência de ambos tipos de textos se faz necessária para poder fomentar o debate e estimular as ações. Use os nossos recursos. Conte comigo e os profissionais e entusiastas da paternidade que formam a Equipe PaiLegal. Somos todos voluntários e trabalhando para, junto com você, conseguirmos deixar um mundo mais justo para os nossos filhos. Dê a sua opinião e faça sugestões, enfim - participe! Juntos, vamos ajudar o pai a ser cada vez mais legal. De um pai participativo na vida de seus filhos, que sabe o quanto amor temos para dar e a dor de se ter subtraído o direito de criar nossos filhos,.182
8.3 Pais por justiça
A ONG Pais por Justiça, nome inspirado no grupo de pais de Londres que tornaram notória a luta pela convivência com os filhos ao escalarem prédios públicos fantasiados de super heróis. Com participantes em vários estados brasileiros este movimento nasceu da indignação de um grupo de pais que se viram em situação semelhante de não poder participar da vida do filho. Esta ONG nasceu de uma comunidade do Orkut em 2007, e, inicialmente, motivou vários pais a ir à luta, mas infelizmente pela falta de resultados práticos e devido ao intenso sofrimento a que estavam expostos, os dirigentes deste movimento não conseguiram dar continuidade a proposta inicial. Isto não acontece somente com a “Pais Por Justiça”, este paradoxo trágico ronda todas as ONGs que lutam pela igualdade parental, qual seja: os motivos que faz com que os pais vão a luta são os mesmos que os imobilizam ou que impeçam 182
Quem somos. Disponível em: < http://www.pailegal.net/quemsomos.asp>. Acesso em: 30 jan. 2009.
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que eles possam se organizarem ou interagirem, isto por falta de tolerância ou fé no outro. Fácil julgar e condenar as pessoas que estão em situação de extremo sofrimento, difícil e entender e tolerar a pessoa por sua condição. Pois perder a fé nas instituições é o mesmo que perder a fé em si mesmo, assim como perder a fé no outro, ainda que este outro esteja em situação similar, pois, como já dito, já não se acredita em si mesmo e o outro sou eu. Uma pequena expressão encontrada em seu blog183 muito bem representa a situação em que a Pais Por Justiça se encontra hoje:
Esta é nossa luta contra os absurdos cometidos contra nossa paternidade, contra nossos filhos, contra nossos direitos e os direitos deles!184
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Considerações finais
Diante do apresentado podemos ter uma noção da dinâmica metamórfica do antigo Pátrio Poder até sua transformação em Poder Familiar e a possibilidade de uma nova inovação, podendo este passar à Autoridade Parental. Ter o entendimento do que se refere este Instituto, saber diferenciá-lo do Instituto da Guarda e, ainda, não perder de vista o princípio que alimenta estes dois Institutos, conhecido como “o melhor interesse da criança e do adolescente” é fundamental para a busca de uma convivência saudável aos pais e filhos. Estamos no inicio do terceiro milênio, em sua existência o ser humano demonstrou sua capacidade de criação e por diversas vezes mostrou também que pode atuar de forma solidária e de ajuda mútua, aja vista as situações de catástrofes naturais. Infelizmente ainda demonstra, também, sua capacidade de intolerância; destruição e egoísmo, demonstração esta que nãos e resume às guerras e fome pelo mundo, ela esta bem mais próxima do que pensamos. Esta no pai que não quer que o filho possa amar sua mãe e com ela conviver, esta na mãe que acha que o 183 184
http://www.paisporjustica.blogspot.com Nosso movimento. Disponível em: < http://www.paisporjustica.blogspot.com/>. Acesso em: 20 abr. 2009.
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filho é propriedade sua, e acredita que com seus atos o único atingido é o pai que a ajudou a dar a vida a este filho e se esquecendo que este foi concebido em um ato de amor, de união. E da mesma forma que foi preciso a união dos dois para esta concepção, também se faz necessária a união para que ajudem este ser a crescer e se transformar em uma pessoa digna, capaz de amar, pois ser amado o faz acreditar que o amor possa prevalecer aos infortunos da vida, “ainda que não seja eterno posto que é chama” diria o poeta, aliás deveríamos aprender a viver como os poetas, sempre acreditando no amor, pois se a verdade liberta o amor constrói. Ao conceber um ser, concebemos um projeto; um sonho; uma promessa, e a realização deste projeto-sonhopromessa é o sinônimo de construir, pois estaremos construindo um novo ser, então lembremo-nos: só o amor constrói.
E o seu antônimo destrói, machuca e impossibilita o projeto de virar uma realização, por isso, lembremo-nos deste projeto e sua potencialidade que nos foi conferido a transformar numa realidade e se falhamos como pai/mãe que tenhamos a dignidade de reconhecer o erro e em uma ação de humildade e amor ao nosso projeto, que tenhamos a nobreza de dar ao outro a oportunidade de fazer sua parte neste projeto, independente do que ele signifique pra nós hoje.
E para aqueles que como profissional depararem com a situação do desfalecimento do projeto humano, independente do papel a desempenhar, seja como profissional do Direito, da Psicologia, ou da Assistência Social, que se faça como se o projeto fosse dele, pois ao assumir a missão de sua profissão e ao trilhar este caminho, verdadeiramente passa-se a integrar este projeto e tenha a certeza que a ele pode-se fazer a diferença fomentando a paz e o bem!
Paz e bem!
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