poder e ser cap�tulo do vol. i de an�lise de temas sociais toda historia do poder (kratos) tem demonstrado que nenhum poder estaciona espontaneamente. o poder � difuso e prepotente, insaci�vel e avassalador, tende a crescer sempre, e s� a oposi��o de outro poder o restringe. o ser � difusivo e filosoficameente se pode dizer que tudo tende a ser plenamente si mesmo, al�m de seus limites actuais, da sua est�ncia intr�nseca, potencialmente in infinitum. assim como se pode dizer hoje, ante os actuais conhecimentos da f�sica, que o campo potencial de um ente f�sico tende at� os limites do universo, tamb�m se pode dizer que todo ser tende, enquanto ser, a avassalar tudo. neste caso n�o h� limites apenas em si mesmo, limites tra�ados por uma espont�nea limita��o de sua pr�pria natureza, mas sim como conseq��ncia de uma coopera��o dos obst�culos, que outros seres, levados pelo mesmo �mpeto fundamental do ser, oferecem aos outros, cuja din�mica nos explicaria a heterogeneidade do universo. esse poder difuso do ser �, tomado em si mesmo, limitado pela forma (e conseq�entemente, por sua natureza, como complexo de forma e mat�ria, no sentido cl�ssico do termo), mas ilimitado em seu �mpeto afirmativo, n�o obstante contido em seus limites est�veis da forma e inst�vel de sua accidencia, pelos obst�culos opostos pelos outros seres, que, em id�nticas condi��es, apresentam o mesmo antagonismo de ilimita�ao e limita��o, que era a ess�ncia gen�rica dos seres, na exposi��o filos�fica de pit�goras, como se v� pela defini��o que lhe deu filolau. a conten��o dentro dos limites obedece � lei da harmonia, que surge da subordina��o das partes analogadas a uma normal dada pela totalidade, que � o producto dos opostos analogados em reciprocidade. desse modo, h� em todos os seres a presen�a de duas leis (logoi) que os orienta: a lei da conserva��o e a lei da expans�o. a primeira tende a manter o equil�brio din�mico da harmonia, e a segunda � a tend�ncia difusa do ser em afirmar-se, que � o poder . essas leis regem todo o mundo do existir e tamb�m a vida psicol�gica e social do homem. todo kratos tende a conservar-se, mas tamb�m a expandir-se, e depois, a conservar as conquistas realizadas. na vida social, o portador do kratos sente despertar-se-lhe o �mpeto prim�rio e fundamental, e tende a aumentar o seu poder e conservar os postos obtidos, e pela contribui��o da intelig�ncia e da afectividade, apoiada nos tempetamento e caracteres, tende ele a criar toda a gama astuciosa e cruel do aumento constante do poder. para muitos, a doutrina que expusemos pode ser argumento em favor do poder, porque este encontraria a sua justifica��o em leis fundamentais do homem, leis ontol�gicas do pr�prio ser, pois sabemos, como nos demonstrou a filosofia concreta, que, n�o havendo meio termo entre ser e o nada absoluto, o ser naturalmente � afirmativo e absolutamente afirmativo, e como n�o pode ao ser, tomado enquanto em si mesmo, sobrevir o nada, sua afirma��o � absoluta. quanto � lei da limita��o, � esta dada pela natureza espec�fica do ser composto, que leva a subordina��o das fun��es particulares ao interesse da totalidade, de modo que todas as fun��es est�o analogadas ao todo e obedecem a normal do interesse deste. pode parecer que essa doutrina justificaria a opress�o. realmente, tal poderia acontecer e tem acontecido. mas a humanidade n�o � formada de partes virtualizadas numa totalidade; ou seja, cuja subordina��o seja total, a ponto de perderem a plenitude de sua forma, para constitu�rem apenas um elemento componente de uma totalidade. o ser humano � uma pessoa, e como tal possuidor de uma intelig�ncia, de uma consci�ncia e de liberdade, do exerc�cio de escolha, embora pressionado por �mpetos diversos e dos mais poderosos. os homens s�o m�nadas de uma totalidade n�o f�sica, porque a sociedade humana n�o � um organismo, como o � o corpo de um ser vivo. se podemos falar de que a fam�lia � uma c�lula social, de que certos conjuntos funcionais da sociedade s�o �rg�os de um grande corpo, toda essa linguagem biol�gica e org�nica n�o � empregada univocamente, mas analogamente. a sociedade humana n�o � um organismo univocamente, como o de um ser vivo, mas apenas analogamente, porque h� aspectos semelhantes por entre aspectos diferentes, e n�o uma identifica��o formal. o homem � uma excep��o no universo f�sico que
conhecemos, � capaz de avaliar a si mesmo e seus semelhantes, e de escolher por entre modos de vida e de elevar-se em dignidade, n�o s� pessoal como colectiva. a n�o cega obedi�ncia a uma lei universal n�o implica a anula��o, mas, sim, a aplica��o de uma outra lei, a lei da liberdade, que testemunha a intelig�ncia e a capacidade de julgar, e, pela capacidade de ac��o, de executar o deliberado. at� nos animais se manifesta o apoio-m�tuo, a ajuda m�tua. no homem tudo isso se torna consciente e se os animais n�o podem ultrapassar os limites formais nem vencer os obst�culos opostos pelo emprego de meios h�beis para demover o que lhe impede a marcha ascencional, por car�ncia intr�nseca, o homem pode, porque � munido da mente, que lhe permite escolher, pesar e medir possibilidades, preferir e preterir, dar uma direc��o aos seus actos e inibir-se por sua pr�pria escolha. pois bem, aqueles que n�o s�o capazes de desviar seus �mpetos de escolher entre a escravid�o a um desejo, a um apetite, e a liberdade de escolha e de ac��o, n�o s�o fortes, n�o s�o os mais elevados exemplares da ra�a humana, mas fracos moveis de apetites irracionais. grande � aquele que � capaz de erguer o gl�dio poderoso e n�o deixar que ele se abata sobre a cabe�a do vencido. grande � o que vence em si o �mpeto de dom�nio, de opress�o, e reconhece o que � de direito (do que e conveniente a natureza dinamicamente considerada de cada um de seus semelhantes), e procede com justi�a, dando a cada um o que � seu direito. s� assim o homem se afirma em toda a sua grandeza. podem muitos, de esp�rito obnubilados pelos sofismas filos�ficos e pol�ticos, julgar grande o poderoso opressor de seus irm�os. mas essa grandeza � mis�ria e falsidade, porque � injusti�a, e ofende a plenitude do acto humano, cuja realiza��o completa � o �nico ideal que pode erguer o homem em dignidade, e torn�-lo realmente n�o um senhor do mundo, mas um criador de grandeza e n�o de mesquinhez. n�o resta d�vida que os apetites humanos, da ordem da sensibilidade e da afectividade, viciam a intelectualidade humana, e levam-no ao acto vicioso. mas tudo � fraqueza e submiss�o ao que � animal em n�s, e n�o ao que � humano. � por amor e respeito ao que � humano que o homem deve superar seus apetites inferiores e realizar-se plenamente. precisamos salvar o homem e n�o perd�-lo. n�o temos mais oportunidade de descer a escala e animalizarmo-no. ou nos afirmamos como homens, ou pereceremos numa guerra de todos contra todos. a salva��o humana � tamb�m colectiva, portanto.