Crônicas Artonianas I - Biblioteca élfica.pdf

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Site Luminys http://luminys.tripod.com.br

É com grande orgulho que lhes apresento o primeiro net-book para Tormenta contendo somente contos ambientados em Arton. Um livro sem regras, com narrativas que levarão você para o mundo ameaçado pela “Tempestade Rubra”. O Projeto Crônicas Artonianas foi uma iniciativa do website Luminys: O Primeiro Fanquest de Tormenta, já conhecido por seu folhetim baseado em uma campanha atual de Tormenta. Durante os meses de Maio e Junho de 2002, o site recebeu diversos contos, muitos destes foram cedidos pelos membros do grupo de discussão Lista Tormenta, o maior e-grupo do RPG de Fantasia Medieval da Daemon Editora. E aqui está o resultado! Uma coleção de fantásticas estórias que além de revelar novos talentos da “Literatura RPGística”, irá a cada parágrafo surpreender você. Deuses, espadas mágicas, demônios da tormenta, heróis espalhafatosos, artefatos, romance, comédia, horror e é claro... muita aventura! E não para por aqui, este é o primeiro volume de Crônicas Artonianas. Em breve iremos repetir a dose. Para mais informações acesse o site http:// luminys.tripod.com.br

Boa Leitura... ...Sempre!

Tales, O Efreet

Agradecimentos Desde já agradeço a todos os autores que colaboraram com este projeto, sem a imaginação deles e um dom para escrever estórias que prendem o leitor nas páginas, este livro não seria possível. Os créditos são de vocês! Gostaria de aproveitar este momento, e agradecer também a todos os colaboradores do site e projeto Luminys, que fizeram deste um sucesso de críticas, espero que continue assim. Agradeço aos meus jogadores, devido a sua paciência com um mestre tão impulsivo e precipitado, acima de qualquer coisa, somos amigos há muitos anos e assim se repetirá. Por último um agradecimento mais que especial para Deus – esse mestra muito bem – e para uma mulher que apesar de não jogar RPG é um exemplo de como um verdadeira pessoa deve agir nas mais diversas situações no maior jogo do mundo, o “RPG da Vida”, minha amada e querida Mãe. Você é tudo pra mim! Considerações Não Venda Este Livro! Este livro foi criado com o intuito de apresentar novos talentos da “Literatura RPGística”, prover o aumento da leitura entre os jovens, mostrar o lado sadio do RPG, e divulgar nosso site, que desempenha todos estes papeis citados. Não estamos ganhando dinheiro com isso. Faça sua parte e distribua esse material gratuitamente. Direitos Reservados: Tudo aqui contido são somente para o uso de divulgação. As marcas e nomes aqui citados pertencem a empresa Deamon Editora. E todos os contos deste livro foram autorizados pelos seus respectivos autores. Luminys é o primeiro fanquest do RPG Tormenta 3a Edição, da Daemon Editora. Ou seja, uma novela escrita baseada em partidas deste jogo. O conteúdo deste livro NÃO é oficial e pode eventualmente contradizer algum suplemento oficial que venha a ser produzido posteriormente. Nosso site preza pela boa leitura e pela divulgação do RPG no Brasil. Luminys está atualmente (1 semestre de 2002 ) em sua I Saga, intitulada “Dreamarton”. Com uma trama paranóica, Dreamarton, vem conquistando o público com personagens carismáticos e muito mistério. Duvidas ou sugestões: [email protected]

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Índice Lembranças da Tormenta

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Recrudescência

6

Mares Bravios

9

Destino

11

O destino da Lâmina Vermelha

13

Em busca da Safira de Glórienn

15

Sangue e Areia

17

Throne, o Herói

23

Justiça a qualquer Preço

27

O cristal de Tenebra

32

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Lembranças da Tormenta Por Rafael Albuquerque

Gorendill era um lugar calmo. Pelo menos quando eu pensei em vir para cá. Viver como um pescador, mais um, às margens do Rio dos Deuses era uma forma, eficaz ou não, de relaxar. Relaxar e esquecer. Tentar relaxar e esquecer. Mas para minha surpresa, Gorendill não se mostrou tão calma assim. A cidade cresceu muito nos últimos tempos, especialmente depois que Guss Nossin dissolvera o conselho da cidade. Ela prosperou, se desenvolveu. Virou uma grande cidade, como diversas outras espalhadas pelo continente. E pelo visto, atraiu também grandes figurões dessas mesmas grandes cidades. ········ Aquele homem exerce um certo fascínio nas pessoas quando passa, e acreditem, isso não é de hoje. Acho que quando nasceu, os deuses escolheram o carisma como seu maior atributo. Ele adentra em meu território como se estivesse em sua própria casa. O pior é que realmente não poderia reprimi-lo por isso. Foram anos, juntos e separados, servindo ao Reinado. Servindo à justiça, servindo à lei. Servindo ao Rei. — Oi, Dredd!... Eu não havia dito? Ele se sentia em casa. Agora iria dizer que ouviu sobre minha nova vida, mas não acreditou. — Juro que não levei muito a sério quando ouvi dizer que você havia se tornado um pescador!... Ele fez de propósito. Ele sabia que eu saberia o que ele iria dizer. Sempre foi assim. Um a frente do outro. É exatamente por isso que ele se sentia em casa. ········

— Eu sei, Dredd! Eu sei! E sinto muito por tudo o que você passou e ainda deve passar! — Você sente muito? Ah, agora sim!... — Mas você ainda é um herói! E não pode recusar um pedido de ajuda! Ainda mais para ajudar o Reinado! — “O Reinado”! “O Reinado”! Grandes m... — Você foi grande, Dredd! Não desperdice o talento que recebeu dos deuses! O Imperador-Rei e o Protetorado precisam de sua ajuda! Eles precisam de você! — O Rei precisa de mim? Jura? E o que você quer que eu faça? Quer que eu coloque um brasão no peito e me orgulhe por fazer parte de uma elite egocêntrica e hipócrita, como é toda essa elite real? Eu estou com quarenta e dois anos, Arkam! Quarenta e dois! Entrei no Protetorado quando você era um bebê! E sabe o que eu ganhei em troca? Arkam abaixou a cabeça. Ele sabia o que eu iria dizer. — Nada! Absolutamente nada! O Reinado não se importa com sobreviventes! Só a Academia Arcana, por questões próprias, para poderem “brincar” de experiências bizarras! Não me leve a mal, Arkam, mas não acredito que Thormy se importe comigo a ponto de enviar você para me convencer do contrário! Arkam continuou com a cabeça baixa, pois sabia que teria de admitir o que para ambos era óbvio: — Está certo!... Eu admito!... EU preciso de você! O Protetorado está estático diante de uma ameaça que ele não está acostumado a enfrentar! Os demônios da Tormenta, eles... Eu fiz uma expressão de incomodado. A simples menção do assunto Tormenta sempre me deixava extremamente agitado. Arkam sabia disso, e talvez não me incomodasse se não fosse de extrema importância o fato. E a situação era realmente alarmante.

— Não se sente sozinho aqui, Dredd? A verdade? Talvez eu realmente me sentisse sozinho ali, mas não iria admitir naquele momento. — Talvez!... Mas eu prefiro assim mesmo! — Jura? Não sente falta de nada aqui? — Eu tenho o nada aqui! E ao invés de ficar dando voltas, por que não diz logo que quer minha ajuda pra alguma coisa, “Senhor líder do Protetorado”? Arkam sorriu. Ele é outro que nunca soube quem estava a frente de quem. — Já ouviu as novidades sobre a Tormenta? — Se eu já ouvi? Nobre guerreiro, eu ESTIVE lá! O tom de voz havia aumentado. É sempre assim quando me fazem falar sobre a maldita Tormenta. E me irritava ainda mais quando Arkam tentava me consolar:

4

— Eu preciso que você comande operações contra os demônios da Tormenta! Eu olhei para ele durante longos segundos, próximos de um minuto. Juro. Era como se não acreditasse no que acabara de escutar. — Escuta, Arkam,... você por acaso anda bem com sua sanidade? Eu te digo: eu não! Eu perdi um pouco a minha, sabe por quê? Sim, você sabe! Você sabe o que eu vou dizer não é? Mas eu vou dizer assim mesmo!... Me exaltei. Ali já falava com uma expressão de rancor, raiva, firmeza, e frustração: — Você não sabe Arkam, com toda sua experiência, o que é adentrar um cenário macabro, que perturba a mente a ponto de ferir a alma! Você não imagina, o que é se deparar com grupos de três, quatro, cinco demônios que a sanidade humana se recusa a acreditar que são reais! Ver uma podridão de vermelho

sangue e metal enferrujado, misturados a arquiteturas que lembram ossos retorcidos! Você não sabe o que é estar no Inferno! Nenhum desses aventureiros novatos que me torram a paciência sabem! As Montanhas Sanguinárias, o Deserto da Perdição, a ilha de Galrasia, nada disso é perigo perto de se estar realmente no Inferno! E é isso que a Tormenta é! Mesmo sabendo que era inútil, Arkam tentou se justificar. Afinal, ele havia visto meu estado logo após aquela catástrofe. Alguns chegaram a dizer que eu jamais iria me recuperar. E o pior é que de uma forma ou de outra, talvez essas pessoas tivessem razão. — Eu gostaria de poder... — Você não pode nada, Arkam! Aliás, você só pode o que o “Senhor Rei” mandar! Às vezes eu tenho nojo de ter sido assim também! Sabe o que mais, Arkam? Você não sabe o que é ver o Inferno tomar uma a uma, cada vida de sua equipe! Pessoas que esperavam de você uma solução, mas cujas instruções não receberam, porque você corria como um bicho tentando fugir de um predador para sobreviver, deixando amigos pra trás! E o pior é estar vivo para ouvir isso! — Dredd, eu vou te falar como antigo companheiro: se pudesse, eu anularia o passado, para não te ver desse jeito, amigo, mas eu realmente não posso! O fato é que se você nada pôde fazer antes, agora você pode! Pode fazer com que as pessoas que morreram naquele dia, o tenham feito por alguma coisa! Eu parei para escutar. Talvez aquela tenha sido a primeira vez nos últimos tempos, em que havia parado para escutar alguém. — Os demônios de Tormenta vão avançar sobre nós, e precisamos detê-los enquanto ainda é tempo! Você os conhece, sabe de seus poderes, e é um grande combatente! — Nada que você não tenha dentro do Protetorado! — É verdade! De material humano para combate, eu tenho os melhores comigo! E existem realmente alguns outros sobreviventes, mas a maioria louca demais para poder ajudar! Além do mais, eu não vim procurá-lo por sua habilidade em combate, mas por sua fabulosa perícia investigativa! — E no que isso iria ajudar? Por acaso você quer caçar demônios dentro de uma área de Tormenta? É só entrar lá que eles o recebem de braços abertos! — O problema, Dredd, é que os demônios estão agindo fora das áreas de Tormenta!... ········ Uma vila de pescadores geralmente é um lugar calmo. As pessoas se conhecem e se relacionam o tempo todo. Muitas vezes, dependem até desses relacionamentos para conseguirem sobreviver. São pessoas simples e alegres. E essa simplicidade que os faz comentarem e espalharem rapidamente a notícia da visita de um lendário a outro antigo herói. — Shinobis? Isso parece coisa de tamuraniano! — É outro nome para “ninja”! Esses demônios são peritos na arte da furtividade! Eles estão obtendo sucesso na eliminação de estudiosos da Tormenta! Talude já nos está pedindo proteção para alguns membros e alunos da Academia Arcana! — E vocês já o fizeram?

— Sim! E nossa testemunha foi morta embaixo das barbas de alguns dos meus melhores homens, sem que eles nem mesmo entendessem de onde partiu o ataque! — Sério? Imagina se a população descobre que o Protetorado está incapacitado no meio disso tudo! Seria uma... tormenta, não? — É por isso que eu preciso de você, Dredd! Você pode caça-los, e ensinar outros a fazê-lo! O Reinado dará o que você quiser, dinheiro, homens, estabelecimentos, assistência para sua família em Valkaria! O que você quiser! Eu, naquele momento, refleti. Realmente pagaria qualquer preço pelo bem-estar de minha família, mas no caso, era um preço alto demais. Arkam sabia disso. E para apelar tanto assim, era porque estava realmente desesperado por minha ajuda. — Não sei, Arkam!... Eu realmente pensei em me aposentar e viver como um pescador! Esquecer o passado! Por isso, não me seduz nenhuma dessas suas promessa materiais!... — Eu sei, velho amigo, é por isso que estou apelando para o seu senso de honra! Eu sei que você possui essa desvantagem, que no entanto eu encaro como positiva! No fundo dessa parede, existe um ser humano! Um oficial da lei que sabe de suas responsabilidades perante a sociedade artoniana! Arkam seguiu em direção a seu cavalo, e eu o acompanhei, como antigos companheiros. Eu queria dizer alguma coisa para fechar o diálogo, uma frase de efeito que o líder do protetorado não imaginasse que pudesse dizer, mas era impossível. Um sempre estava a frente do outro. E foi pensando dessa forma, que vi o guerreiro do braço metálico montar em seu cavalo e se despedir dizendo: — À propósito, Carolina já está mesmo se tornando uma mocinha! Ela me mandou dizer que está com saudades do pai, mas para você tomar um banho antes de ir visita-la! Sabe como é, não? Para tirar esse cheiro de peixe horrível! Eu ri. Naquele momento, eu voltei a sorrir. Desde minha tormenta que não fazia isso. — ... Certo! Pode deixar, meu amigo! Até... qualquer dia! - Eu misturava emoções pela primeira vez em muito tempo. E só eu posso dizer como foi horrível observar quando aquele maldito puxou as rédeas de sua montaria, fazendo seu cavalo erguer-se, e partir Gorendill à fora, enquanto gritava: — Até breve! Até breve, comandante Murdock! Comandante Murdock. Há tempos ninguém me chamava assim. Arkam não é um líder à toa. Ele sabe mexer com as pessoas. Afinal, tem carisma como um de seus maiores atributos. Por essa eu, Dredd Murdock, não esperava. Não soube o que dizer e tive de engolir que pela primeira vez em toda história de nossas vidas, um esteve a frente do outro. O maldito sabia que esse dia chegaria. E o pior é que disso, eu já sabia.

FIM

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Recrudescência Por Rafael Albuquerque

Valkaria. A maior cidade de Arton e capital de Deheon. A cidade mais importante do mundo. Hoje é o quarto dia da semana. Estamos em Morag, dia de Marah. Mas, como conheço minha sina, e a deusa em que acredito dizem nem mesmo existir, a última coisa que espero no dia de hoje, é encontrar a minha tão sonhada paz. Valkaria não é a cidade mais importante desse mundo à toa. Aqui vive o Imperador-Rei e toda burguesia real. Infelizmente. Talvez você não me entenda profundamente, e me ache rabugento e anti-social, mas acredite em mim, se você pudesse saber as coisas que são feitas por debaixo dos panos reais, iria ter a mesma reação. Eu sinto pena dessas crianças. Dormem sonhando com o dia em que serão aprovadas como membros do Protetorado do Reinado. Eu sei porque fui uma delas. E o pior, foi que eu consegui. Essas crianças sabem que seu esforço irá trazer fama e reputação, caso sejam bem sucedidas. Até o dia em que se tornarem sobreviventes. Até o dia em que forem enviadas àquelas malditas expedições ao Inferno. E não adiantará tentar argumentar, afinal, tais ordens partirão direto do Rei. E quem é louco de falar alguma coisa do nosso amado Imperador-Rei, não? “O maior Rei que já existiu”. Um Rei tão competente que não sabe onde está a própria filha. Ah, você não sabia disso? É, nem ela agüentou a hipocrisia que impera nos bastidores reais. E bom, ratifico: talvez você me ache rabugento e anti-social, mas acredite, se pudesse realmente saber as coisas que são feitas por debaixo dos panos reais iria, sem dúvida alguma, ter a mesma reação.

de fãs que Esplenda possui. Nada de Loriane; o padrão de beleza dela é a professora mesmo. E olha que ela nem entrou lá. E nem vai entrar, acrescento. Sabia que eles possuem gênios como zeladores? Sim, isso mesmo, gênios. Vai saber mais o que Talude faz prá manter aquilo em pé. Acho que aquele lugar não fica nem nesse mundo! Para falar a verdade, eu acho que Talude também não é desse mundo. Aquele velho é muito sinistro. Aliás, como tudo o que existe por debaixo dos panos. Uma vez eu vi um cadáver lá se levantar e sair correndo pelo corredor. E quem havia feito aquilo não era um mago experiente de lá não, mas um aluno. Sim, eles ensinam a um adolescente como animar cadáveres! E Thormy adora. Tanto que aprova as expedições. Missões que raramente são bem sucedidas, onde se perdem amigos, e pessoas enlouquecem. Eu fui uma delas. Eu liderei uma dessas. E vi como são tratados os sobreviventes. Eles tem projetos para criar asilos para os que sobreviveram à tormenta. Asilos! Vão trancafiar pessoas, dar injeções de drogas e outros atos sádicos que só irão piorar quem já não está bem. Pode uma coisa dessas? Mas acredite, eles não se importarão de fazer algo assim. Já fizeram coisas muito piores, “pelo bem da nação”. Só que na hora que a coisa aperta, eles lembram dos sobreviventes. Arkam está desesperado, e adivinhe de quem lembrou? Arkam. Eu sempre acabo falando nele. E foi com ele que me encontrei naquele dia, para seguir ao Palácio Imperial. Era um momento de retornar ao passado. Era a hora de trazer à tona novamente, minhas lembranças de Tormenta.

········ ········ Eu queria concluir aquele karma o mais rápido possível. Meu desejo era fazer o serviço logo, para sair dali e me encaminhar à Malpetrim, aquela cidade onde se esbarra com um aventureiro a cada dez metros. Está na época da Grande Feira, e o Circo dos Irmãos Thyannate está por lá. Eu sou meio velho para ir em circos, eu sei, mas eu queria levar minha filha. Recrudescência. Era esse o nome do último show deles, quando levei Carolina. É uma palavra que quer dizer “voltar a crescer”. Eles queriam dizer que naquele show, qualquer pessoa voltava a ser uma criança. E, admito, não me senti velho demais para circos ali. Era época em que eu, minha filha e a mãe dela formávamos uma família. Antes que acontecesse o ocorrido. Antes que viesse à tona, a minha própria tormenta. Aliás, eu só estava em Valkaria naquele momento por causa dela. Se tudo desse certo, ela jamais iria precisar se preocupar com dinheiro, poderia ser o que quisesse e estudar em qualquer lugar. Eu disse “qualquer lugar”? Me lembra quando Carolina, em um desses delírios infantis me disse: “Papai, quando eu crescer, vou ser uma grande maga, e estudar na Academia Arcana!” Nós dois rimos bastante quando ela disse aquilo. Mas, claro, por motivos diferentes. Ela, porque acreditava que eu aprovara aquela idéia, eu, porque sabia que ela acreditava realmente que tinha minha aprovação. Minha filha, naquele show de horrores? Mas nem pensar... Eu soube de muita coisa lá de dentro. Sabe aquela professora cheias de fãs, a Esplenda? Pois é, eu a conhecia antes mesmo dela se tornar professora daquele lugar. Mas com tantos lugares, ela tinha de ir parar justo lá? Carolina faz parte dessa legião

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A situação era a seguinte: eles queriam caçar demônios da temida tempestade rubra. Algo natural, pelo que já te falei, mas agora era diferente. Era hora de caçar demônios fora das áreas de Tormenta. Muitos estudiosos da Academia Arcana , principalmente os integrantes daquele maldito C.A.P.T. (magos... é cada nome que eles inventam...), especializado em pesquisa de Tormenta, estavam sendo assassinados, e a “grande” tropa de elite do “competente e adorável” imperador-rei Thormy, estava estática diante da nova situação. Quando os músculos não resolvem, aí é que a coisa complica. Eu estava numa sala, sentado em minha antiga cadeira, numa mesa retangular, que define bem qual a posição de cada um ali. Minha cadeira no caso, hoje em dia é de Arkam, que não se importou em se sentar em um lugar de menor prestígio. Era como se estivesse dizendo a todos quem estava de volta ao comando, ali naquela hora. Uma vez, um novato veio com uma idéia ridícula de fazer uma távola redonda, onde todos se sentariam ao redor dela, mostrando a igualdade entre os homens ali. Uma das maiores besteiras que já ouvi. Aquele nunca mais deu opinião alguma. Nem sei que fim levou, afinal, eu detesto esses “românticos”. Aquilo ali são soldados, não sacerdotes iguais perante um Deus. É preciso saber quem dá as ordens e quem as obedece. Até porque quando a coisa aperta, é sobre o líder que recai a culpa. E não se deve dar corda a esses sonhadores. Daqui a pouco vão falar em resistência pacífica...

Bom, voltando ao que dizia. Ali estava a elite do Protetorado, e mais um pouco. Eu conhecia a maioria dos veteranos. Pessoas como Selena, uma das maiores arqueiras que já vi, e outras como a meia-elfa Allieny , amante de Arkam. Ela é uma guerreira, mas nada excepcional. Não digo que ela não teria conseguido chegar ao Protetorado, mas afirmo que o “peixe” que arrumou foi grande. Com certeza, o maior que poderia ter conseguido. Sir Bacellar, um cavaleiro da confiança de Arkam, e o maior perito investigativo do Protetorado no momento, me deu as fichas das pessoas que haviam sido mortas pelos demônios apelidados de “Shinobis”. Sim, bem coisa de tamuraniano. Ele dizia que não havia ligação objetiva entre as vítimas, pelo menos eles não conseguiam perceber. Ele, principalmente. Olhei a relação das vítimas. Depois, pedi para ver a ficha dos últimos membros promovidos do Protetorado. Li tudo durante meia hora. Sim, meia hora. Foi esse o tempo em que parei o Protetorado numa sala. Então, sem mais demoras, comecei: — Quem foi Ross Ferdinag? Bacellar respondeu de imediato, como que para dizer a mim que era competente e que não via o que poderia descobrir que ele não tivesse já descoberto: — Um de nossos especialista em espécies catalogadas de demônios em suas diversas formas, principalmente os das novas tempestade de Tormenta! — Nunca houvera uma tempestade antiga, Sir... Bacellar, não? E Ray Fairlwell?

Olhei para Allieny. Eu era um canalha por fazer aquilo, mas era a minha forma de vingar o tratamento que me havia sido dado. Olhando para aquela meia-elfa, apenas conclui: — Arkam... seu prato preferido ainda é peixe, não? Bacellar ficou vermelho de raiva, mesmo. Allieny, muito sem graça. E Arkam, bom, não sei se já te disse isso alguma vez, mas eu tenho uma sintonia com ele. Coisa de parceiro. Um sempre sabe o que o outro vai dizer, a não ser na última vez que nos encontramos. Mas ali, ele não reagiu, pois sabia que eu diria aquilo. E pior, sabia que eu tinha coragem para dizer aquilo na frente da tropa. Thierry, taxado de louco por muitos cortou o silêncio que se fez: — Ei, Dredd, não se esqueça de Wayne! O cara foi assassinado também, apesar de ser apenas o assistente de laboratório! Ah, Thierry. Sempre podia contar com ele. Sabe, é uma linha tênue que separa a loucura da genialidade. Foi ótimo ele dizer aquilo. Pois então eu pude responder: — É claro que ele foi! E a resposta do porquê disso é até bem óbvia, meu amigo, assim como a dedução de quem será o próximo a morrer! — Arkam, demônios de Tormenta tem um pequeno problema! Eles perturbam o cérebro , sabe? Não é qualquer um que consegue olhar um troço daqueles e agir em seguida! Arkam logo respondeu de forma prestativa:

Bacellar não conseguia esconder que me odiava por estar ali. Talvez achasse que eu quisesse tomar seu lugar. Usava um capuz sobre a cabeça, que possuía o brasão real Dizem que nunca mais havia retirado aquele capuz, e realmente o motivo daquele ato não me interessava. Vai ver ficou insano trabalhando com a tormenta. Ainda assim, era um ufanista em sua totalidade. Respondeu com uma cara horrorosa: — Era um de nossos dissecadores! Cuidava da descrição das partes anatômicas, não tinha conhecimentos dos demônios em... — Qual era seu cargo antes de ser promovido, Sir Bacellar? Bacellar se assustou com a pergunta. E respondeu meio sem jeito: — Eu.. eu era... ora, o que isso tem a ver com o caso? Arkam tomou a palavra: — Sir Bacellar era responsável pelos cuidados médicos dos feridos em batalha, Dredd, se isso lhe importa tanto!... — E creio que ambos são muito bons amigos, certo, Arkam? O cavaleiro tomou a palavra e resmungou: — Sim, se você quer saber! Arkam é padrinho de minha filha, e foi minha testemunha real, quando fui coroado cavaleiro por Thormy , pelos meus serviços prestados ao Reinado e ao Protetorado! — Nossa, eu voltei vivo de uma expedição e não obtive condecoração alguma! E um médico virou o responsável pela parte investigativa do Protetorado?... Você deve ser bom mesmo, Sir!... Aliás...

— Ah, nós soubemos disso! Talude tem uma magia que nos serve a isso! — “Nós soubemos” é ótimo! Bom, jogue esse troço em todos, inclusive em você! — E você, Dredd? Ah... ele sabia que teria de fazer aquela pergunta, porque eu só iria responder quando ele perguntasse: — Magia em mim? Mas nem pensar! E pode deixar! Acredite, eu não vou precisar!... ········ O lugar era um casebre humilde de Valkaria. Ali, sentado de frente a uma lareira, coberto por um cobertor para se esquentar daquele clima de inverno, estava Sir Bacellar. E o silêncio era total no lugar, mesmo quando um vulto entrou tão furtivamente quanto só seria possível o verdadeiro Galtran o fazer. Era um ser bizarro. Possuía asas negras, como um inseto. É, parecia uma mosca humana, com os ossos à mostra , e um par de garras. Enfim, um troço bem nojento! E, acredite, eu sorri quando aquilo chegou alguns metros próximos de Bacellar para arrancarlhe a cabeça, e um alarme disparou quebrando aquele silêncio mágico. Sim, literalmente mágico. Tão mágico quanto o alarme. E era minha forma de vingar meus amigos perdidos naquela maldita expedição. A eles eu dedicava cada momento em que Bacellar se virou para o bicho demoníaco, que achava que iria surpreendê-lo mas que fora surpreendido na verdade. E quando o cavaleiro esmurrou num golpe com gosto o bicho, com uma marreta que escondia sob o cobertor, eu posso dizer o quanto me senti bem. Afinal, ali naquele momento, o cavaleiro era eu.

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Talvez com muita boa vontade, eu possa começar a achar que magia não é tão ruim assim. O bicho se recuperou do golpe. Mostrou mais do que seu par de garras, mas também suas mandíbulas. Se estivesse sozinho, seria impossível fugir ou mesmo sobreviver. Mas, bom, quando o trabalho é com músculos, não há nada igual a eles. A elite do Protetorado saiu de todos os cantos. Alguns mais sutis, como o mago Julian, saiam de sua invisibilidade num canto do casebre. Outros mais “esporrentos”, como Stronghold, quebravam um pedaço do chão de madeira e apareciam do nada. E outros mais artísticos, como o próprio Arkam, pulavam desferindo cambalhotas e quebravam as janelas. De qualquer forma, era como uma peça de teatro sincronizada. Ao mesmo tempo, independente da forma como chegavam, todos estavam parados envolta da criatura. Todos. Nem mesmo um demônio de Tormenta é capaz de dar conta de toda elite do Protetorado. E, admito, foi divertido ver Arkam dizer, sempre em seu tom mais sério: — Eu quero ele, vivo!... ········ Você deve estar querendo saber o que foi que eu falei no fim daquela reunião, não? Eu te digo. Eu conclui o seguinte: as vítimas eram especialistas em Tormenta, com exceção do assistente, apesar de atuarem em setores diferentes. O demônio sabia quem deveria matar, afinal, ele não matava qualquer um. Várias pessoas trabalham no laboratório a todo momento. Havia algum motivo que unia aquelas vítimas. Era como se o demônio soubesse quem deveria matar, por alguém dali de dentro. Alguém que conhecesse bem o trabalho de Ray Fairlwell, o médico legista. Alguém que soubesse como Ross Ferdinag estava progredindo em seus estudos sobre os simbiontes da Tormenta, como dizia o último relatório escrito em vida pelo pesquisador. E Wayne, o simples assistente, você deve perguntar? Wayne era uma testemunha que viu o que não devia. Sabe o que imaginei que ele deveria ter visto? Um cadáver, dissecado por Fairlwell , tendo as anotações feitas por Ferdinag, e Wayne prestando sua assessoria a ambos. O motivo para unir os profissionais? Provavelmente... um cadáver dono de um simbionte. Mas eles não estariam sozinhos. Haveria um quarto. Alguém que teria acesso ao laboratório, por ter conhecimentos médicos. Alguém da maior confiança de Arkam. Alguém da confiança de Thormy. Alguém que teria uma perícia investigativa competente o suficiente para convencer aqueles homens de que realmente poderia ajudar. Alguém que responderia minhas perguntas olhando para o alto e para direita, ao invés da esquerda. Alguém como Sir Bacellar. E não foi à toa, que quando disse aquilo, o cavaleiro se desesperou. Tentou fugir, mas não havia como escapar de uma sala lotada de membros do Protetorado do Reinado. Por debaixo do capuz, Bacellar possuía uma... aranha, cujo abdômen mais lembrava um cérebro humano. Argh! Eu já estou cheio desse show de horrores! Doutora Jannuzzi, médica de plantão naquele momento, reconheceu aquele simbionte como sendo um psinídeo: um simbionte que mexe com o cérebro das pessoas. E pelo visto, mexe um pouco mais do que todos pensavam. Agora que Bacellar havia cumprido seu papel, era hora de morrer. Talvez o “shinobi” matasse o homem, e levasse o simbionte de volta à área de Tormenta de onde saiu. Ou talvez o psinídeo já tivesse cumprido sua missão, e pudesse morrer também, antes que alguém o descobrisse, quem vai saber? Não havia era como esperar o “shinobi” concluir sua missão, não é?

Não é à toa que simbiontes são proibidos na maioria do Reinado. Não estranhem se o Imperador-Rei de repente ordenar uma caça a eles em todas as cidades do Reinado, e sugerir o mesmo às cidades além da fronteira. Bom, talvez menos em Yuden. É capaz ainda é dele mandar todos os simbiontes pra lá. Mas isso, é outra história que existe por debaixo dos panos reais... ········ Novamente, eu me dirigia a meu cavalo, e Arkam me acompanhava. Minha missão estava cumprida. As promessas de bemestar para minha família seriam honradas, e eles haviam capturado uma espécie viva de um demônio “shinobi”. Sim, parece que o nome ficou mesmo. Agora que o conheciam, não precisariam mais de mim, certo? Bom, Arkam não pensava assim: — Você não quer mudar mesmo de idéia? Você resolveu em pouco mais de meia hora, um problema indefinido há meses! Isso é um dom, Dredd! — Arkam, não! Chega! Vou voltar para minha calma Gorendill, mas antes, preciso relembrar como é ser um pai! Arkam sabia que não haveria volta. Então, se convenceu mudando o assunto de uma forma atípica: — Ela ainda tem aquela idéia de estudar na Academia Arcana? — Mas isso só no dia em que o meu cadáver se levantar do caixão!... Quer dizer... eles bem que são capazes!... — Admita, Dredd, a magia não é algo tão abominável assim! Eu admiti. Afinal, foi com ela que surpreendi aquele demônio ridículo: — Bom, até que não é mesma tão ruim! Mas você ainda precisa dela muito mais do que eu! — É verdade, amigo! É verdade! A magia é como se fosse “um pedaço” de mim, entende? Ali nós rimos juntos. Como antigos parceiros. Arkam fazendo humor negro consigo próprio. Quem diria isso daquele cara taciturno? Sabe, eu aprendi que não importa quantos anos a gente tem, mas sim como nós aproveitamos esses anos. Sempre haverá tempo para aprendermos alguma coisa. Se necessário for, para mudarmos. Por nós mesmos, por nossa família, por nossos ideais. E pensando nisso, saí cavalgando Zzimm, meu velho mas ainda veloz cavalo, mas não antes de Arkam me dizer, ao me ver montar: — E então, Comandante Murdock... nunca mais? — ele sabia o que eu iria dizer. — Nunca diga nunca, guerreiro! — E agora, Dredd? O que vai fazer? Eu havia aprendido que a vida não acabara como eu pensei. Eu podia ajudar pessoas, e tinha uma linda menina que precisava de um pai. Mas disso Arkam sabia, como achava que sabia o que eu iria dizer. E foi ótimo cavalgar para longe, e guardar na memória o rosto de Arkam, na minha revanche. A primeira vez na história, em que eu havia vencido nosso duelo particular de intelecto. E o “pastel” ficou bem embaraçado, quando Zzimm varreu estrada afora, enquanto o ar deixava gravado um eco, que dizia a Arkam: — É tempo de Recrudescer! FIM

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Mares Bravios Por Douglas Reis O mar: a fronteira mortal! Essas são as viagens da nau “Altaneira”, capitânea da Frota Imperial de Deheon, em sua missão de desbravar novos mares, descobrir novas terras, novos povos, audaciosamente indo onde nenhum artoniense jamais esteve. O tradicional lançamento oficial de Okeanna, a base naval de Deheon na ilha de mesmo nome, já ficara para trás, os uniformes de gala há muito substituídos pelas roupas de trabalho mais práticas e confortáveis, e ao redor deles e das quatro caravelas que os acompanhavam agora havia apenas o mar até onde a vista alcançava. Da ponte de comando, o capitão Jules G. Kirlian admirava o trabalho de sua tripulação enquanto singravam o oceano, preparando-se para costear o litoral de Galrásia pelo leste, a primeira etapa de sua nova missão. Saddrek, seu primeiro oficial, subiu do convés e ficou parado a seu lado, esperando instruções. O meio-elfo era eficiente ao extremo, mas podia ser bem irritante às vezes. — Nenhuma ordem agora, imediato! Saí apenas para respirar um pouco de ar puro e divagar. — Posso indagar a natureza de suas divagações, capitão? — Sobre nossas ordens, Saddrek! Após a reforma completa da Altaneira, partir para a implantação de um “Posto Avançado” em Galrásia – o que particularmente considero loucura – e depois seguir para Oeste puro, em busca de novas terras que provavelmente nem estão lá! Eu imagino, – continuou o capitão, amargamente – o quanto dessas ordens foi inspirado no fato de havermos acidentalmente descoberto que a Princesa Rhanna que aparece publicamente é apenas uma ilusão. — Capitão! – a voz do imediato desceu a um murmúrio quase inaudível – Juramos segredo ao Rei Thormy, e certamente os muitos serviços que o senhor já prestou à Coroa não seriam tão desprezados a ponto de... — A proverbial “gratidão dos reis”, Saddrek! – interrompeu Kirlian, amargamente. – Ela pode às vezes ser muito pior do que sua ira! – e acrescentou, banindo esse assunto para o fundo de sua mente – Como estão nossos passageiros? Acomodados e satisfeitos por hora, capitão. Mas ansiosos por começar a trabalhar. — Hunf! — bufou Kirlian antes de retornar à sua cabine. — Cada louco com sua mania! No dia seguinte, a costa de Galrásia já era visível ao longe, e a equipe responsável pela futura implantação do Forte Galron subira ao convés para admirar a vista. No entanto, quando as manobras começaram a ser prejudicadas pelo ajuntamento de seres no exíguo espaço o capitão Kirlian pessoalmente enxotou os passageiros de volta às suas acomodações – na verdade uma parte do deque de carga convertido às pressas em albergue por Mestre Mac, o chefe de reparos da Altaneira. — Quando estiverem em seu belo forte, – disse o capitão – terão tempo de sobra para admirar a vista! Nesse momento Kovaks, lá do cesto da gávea, alertou para uma outra embarcação ao longe e apontava na direção da proa. Saddrek, alerta como sempre, murmurou o encantamento que lhe conferia Visão Aguçada e perscrutou o horizonte na direção indicada. Com sua luneta Kirlian tentou fazer o mesmo, mas o imediato localizou o objetivo primeiro.

— Dois navios na verdade, capitão, de porte equivalente ao das caravelas que nos acompanham, mas pesadamente armadas! Uma delas... – Saddrek franziu o cenho, como se para aguçar ainda mais sua visão e confirmar sua percepção. – Capitão, uma delas é a “Black Kraken”! — Postos de batalha, Sr. Saddrek! Sinalize às outras naus para que mantenham posição, e leve a Altaneira ao combate a todo pano! — POSTOS DE BATALHA! TODOS AO CONVÉS, POSTOS DE BATALHA! – gritou o imediato. E, para Kirlian, acrescentou – Pode ser uma armadilha, capitão. — Talvez. Mas se for, vamos transformá-la em nossa armadilha, imediato. Mande preparar os canhões Azgher, mas não abra suas canhoneiras. Apenas armas normais à vista! Vamos deixar os piratas confiantes por enquanto. ········ Ante a perspectiva de mais um saque os piratas estavam animados além da média, e alguns até mesmo já imaginavam o quanto beberiam por conta das riquezas que aquela flotilha do Reinado deveria estar trazendo. Nunca antes a presa viera diretamente às suas garras, então o clima entre eles era de festa. Konnar “Mão Negra”, o líder dos criminosos, apenas sorria malignamente. Seria sua chance de finalmente derrotar seu mais odiado inimigo, o maldito Jules Kirlian! Da última vez em que se encontraram Mão Negra quase conseguira afundar a Altaneira, mas reforços chegaram a tempo de salvá-la. Desta vez não teriam tanta sorte, a vantagem numérica estava a seu favor. As outras caravelas eram meros transportes, sem armas ou defesas, e provavelmente renderiam um bom saque - mas apenas depois de sua vingança! Sim, Kirlian conheceria o fundo do mar hoje! — Mestre! Senhor do Mal, Sombra de Leen nos Mares! – a voz crocitante de seu espião estragou o “bom” humor de Mão Negra, e o maldito não pararia de bajulá-lo até que recebesse atenção, nem que fosse um chute nos fundilhos. Mas o pirata sempre dava uma chance a ele antes disso, ocasionalmente tinha valido a pena. — É bom que seja importante, Corvo! – rosnou. — M-meu lorde, a Altaneira avança a toda velocidade contra nós, e os outros navios estão mantendo posição. Os dezoito canhões da Altaneira estão preparados, e a tripulação está ansiosa, ansiosa pelo combate! Mestre, eles devem ter algum trunfo, eles aaAAAAAGH!! – ao receber o pontapé de Mão Negra no flanco o espião assumiu novamente a forma do pássaro negro de que tomara o nome e voou para seu posto no cesto da gávea. — O trunfo deles é não ter uma ave agourenta para importuná-los com ninharias! Agora fique aí, e não saia mais até tudo acabar!! Skattar!! – gritou, chamando por seu capanga de confiança. – Sinalize para a “Selako” derivar a boreste logo atrás de nós, vamos encher os flancos da Altaneira de chumbo! ········ — Eles estão derivando a bombordo, capitão. Ambas as naus. — Que pena, eu queria acabar com tudo em uma única salva! Bem, – suspirou Kirlian, resignado. – ...não se pode ter tudo! Imediato, abrir as canhoneiras de proa! Vamos mostrar nossas garras.

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— CANHONEIRAS DE PROA, ABRIR! POSICIONAR CANHÕES AZGHER!! Duas portinholas, uma de cada lado da proa da Altaneira abriram-se e reluzentes canhões dourados três vezes maiores do que os outros surgiram de dentro. Os tripulantes, preparados para o que viria a seguir, procuravam agarrar-se às estruturas mais firmes do convés e voltavam os rostos para a popa. Fechando os olhos e erguendo sua mão direita, Kirlian fechoua bruscamente num punho enquanto ordenou numa assustadora voz sem entonação: — FOGO. Da Black Kraken, ainda muito longe e fora do alcance de canhões normais, a impressão foi que a proa da Altaneira explodira em uma bola de luz. Em seguida a Selako bem atrás deles abriu-se ao meio num estrondo medonho, e o simples calor que emanava de seus restos flamejantes ateou fogo em uma de suas velas. Apavorados alguns dos piratas saltaram ao mar, onde a água fervente acabou com eles. Uns poucos ainda tiveram sangue frio para arriar a vela danificada e tentar apagar as chamas antes que todo o navio ardesse. Mão Negra, no entanto, arregalou os olhos em direção à Altaneira como se a mera fúria de seu olhar pudesse reproduzir os efeitos da arma que acabara de ver em ação. Nunca se intimidara ante a superioridade de um inimigo, e não seria agora que começaria. De sua garganta, apenas um urro quase irracional brotou, que seus tripulantes sobreviventes reconheceram como uma ordem de ataque. — KIIIIIIRLIAAAAAAAAAANNN!!!! Ainda sacudindo de um lado a outro pelo disparo do canhão Azgher de bombordo a Altaneira perdera muito da velocidade que adquirira até então. A tripulação já se pusera de volta aos postos de combate, e na proa baldes de água eram despejados no enorme canhão dourado antes que o calor iniciasse um incêndio. Saddrek temia pelo que poderia ter acontecido se ambos os canhões da proa tivessem disparado, como aparentemente queria o capitão. Agora não teriam chance de fazer outro disparo antes que a Black Kraken chegasse ao alcance das armas normais, o que significava que haveria um combate convencional, nau a nau. — Preparar canhão Azgher número dois! A ordem de Kirlian caiu como um tiro do próprio canhão A no convés! A tripulação voltou rapidamente às posições de impacto enquanto Saddrek transmitia a ordem recebida com evidente receio. — Capitão, tenho que lembrá-lo de que é preciso cumprir uma seqüência de procedimentos após cada disparo dos canhões Azgher, e... — Uma batalha não se vence apenas com tiros, imediato. Observe! – completou, apontando para a Black Kraken. Obedecendo, Saddrek viu que mais dos tripulantes do navio pirata haviam se lançado ao mar à simples visão do outro canhão Azgher preparado para disparar, inclusive o timoneiro! A Kraken começava a adernar sem controle, mas o próprio Mão Negra correra ao timão para recuperar o rumo, e lançar-se numa rota de colisão com a Altaneira.

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— Agora sim, Sr. Saddrek! Postos de batalha, preparar para disparar canhões de bombordo. — POSTOS DE BATALHA! PREPARAR CANHÕES DE BOMBORDO!! Adernando graciosamente a boreste a Altaneira apontou seus canhões de bombordo na direção da Black Kraken, e estabilizou-se para o disparo. Uma salva de nove tiros em seqüência abriu vários rombos em seu casco, dois deles abaixo da linha d’água do navio pirata, que começou a afundar lentamente. Incêndios irromperam em vários pontos do convés e em breve todo o velame ardia sem controle. A Black Kraken estava morta, e os selakos gigantes de Galrásia faziam um festim ao seu redor. Um longínquo lamento no ar chamou a atenção de Saddrek, que cobriu os olhos contra o brilho do sol para buscar sua origem. Um pequeno pássaro negro adejava em direção à Altaneira, precipitou-se ao convés e assumiu a forma de um magro rapaz assim que pousou. Correu a prostrar-se aos pés de Kirlian, falando sem parar com sua voz esganiçada. — Ó poderoso Mestre da Luz, Senhor dos Mares, Magnânimo Lorde do Bem, imploro sua misericórdia! Libertou-me daquele pirata sanguinário, eu agradeço imensamente, e ponhome a seu serviço para qualquer tarefa em que meus talentos possam ser-lhe úteis, Grande Luminar do Oceano! Permita que eu espione a seu serviço... Uma bofetada de Saddrek calou o jovem. O imediato então voltou-se para seu capitão. — Então era graças a esse espião que Mão Negra sabia o que esperar de suas presas! Devo colocá-lo a ferros, capitão? — Não, Sr. Saddrek, não temos tempo para cuidar de prisioneiros. Ponha-o para trabalhar junto com os marujos, faça-o merecer a comida que lhe dermos. MAS... – disse o capitão antes que Corvo irrompesse em agradecimentos – saia da linha uma polegada, moço, e eu mesmo torcerei seu pescoço! Agora vá! Em poucos minutos a Altaneira fazia uma volta para encontrar-se novamente com a flotilha que escoltava. Os poucos reparos que eram necessários já estavam em curso, e Kirlian novamente apreciava o panorama de sua ponte de comando. — Novamente divagando, capitão? – arriscou Saddrek, postando-se a seu lado. – Imaginando que outras aventuras nos aguardam além do horizonte? — Não, imediato. Estava apenas desejando – futilmente, bem sei – que todas elas fossem tão fáceis como essa de hoje! Estarei em minha cabine, Saddrek, acabo de lembrar que ainda não almocei. O comando é seu! Deixado sozinho na ponte, Saddrek Ahr inclinou-se sobre a grade, observando o trabalho da tripulação e permitiu à sua mente divagar...

FIM

Destino

Por B.J. Moraes

Aron tossiu forte, sentindo seus pulmões explodirem em dor. “Estou ficando cada vez pior”, pensou ele. “Não tenho muito tempo”. Respirou fundo com dificuldade e continuou escrevendo. A sala onde estava era iluminada apenas por uma vela, que já havia queimado mais da metade. Aron era um aventureiro. Já havia vivido muitas aventuras, conquistado bons tesouros e ainda vivia para contar a sua história. Depois de sua última aventura, decidiu parar. Voltou para sua casa, começou a dedicar sua vida a cuidar da sua filha e descansar. Os tesouros conquistados durante os anos que tinha vagado pelo mundo bastariam para garantir seu sustento. Mas algo de terrível aconteceu. Inexplicavelmente, Aron caiu doente assim que chegou em casa. Agora ele temia que algo de ruim poderia acontecer. E ele sentia que ela estava chegando. Sua morte. ········ — Que frio! Talvez por estar andando sozinho nas últimas semanas, Han tinha adquirido o hábito de falar consigo mesmo. Ajudava a espantar a solidão. O jovem viajante vindo de Ni-tamura, o bairro oriental de Valkaria, estava rumando para Malpetrim, uma cidade onde esperava encontrar grandes aventureiros, verdadeiros heróis, como o que ele queria se tornar um dia. O vento gelado vindo das Montanhas Uivantes, somado a proximidade do inverno, fazia Han estremecer por baixo da sua roupa simples: calça, botas, uma camisa e um fino manto verde remendado e velho. Ele pensava o quanto estava desprevenido para o frio. A noite estava clara, com a lua cheia brilhando sobre a sua cabeça, iluminando os campos verdes, os bosques ocasionais e ofuscando a luz das estrelas. Han podia ver ao longe algumas luzes, provavelmente da cidade de Gorendill, que ficava no meio do caminho. Estava ansioso por uma cama macia e uma lareira para aquecer seus pés, sem falar em um prato quente de sopa para aplacar a sua fome. Perdido em seus pensamentos, ele segurava o cabo da espada em sua cintura. Não como precaução, mas como costume. A verdade é que ele não tinha muita experiência em batalhas. Han foi então interrompido nas suas divagações por um lobo uivando. Han parou de caminhar, olhando em volta, o coração batendo mais forte. Mas não era nada. Encolheu-se um pouco mais sob o manto e continuou caminhando. ········ Isa aconchegou-se na grande poltrona da sala, na frente da lareira de sua casa, e tapou-se com um cobertor de lã. O fogo crepitava, e como era madrugada, apenas ela estava acordada. Era mais uma noite em que ela perdia o sono. A doença misteriosa do seu pai e o jeito como ele havia piorado nos últimos dias eram um peso muito grande para uma garota de 14 anos agüentar. Ela estava com muito medo de perdê-lo. Ele era tudo que ela tinha: sua mãe morrera quando era muito pequena. Todos clérigos e curandeiros de Gorendill tinham tentado curá-lo, mas a doença era poderosa demais. Angustiada Isa sentiu um aperto no coração. Um vento fez a janela balançar, e uma lágrima escorreu pelo seu rosto.

········ — Finalmente! – disse Han, com um suspiro. Ele observava, do alto de um monte próximo, a cidade de Gorendill, com suas casas aconchegantes, a fumaça saindo das chaminés, e os lampiões pendurados nos postes das ruas. Já era alta madrugada. De repente, ouviu passos atrás de si. Quando virou-se, encarou três figuras sombrias o observando. Tinham o tamanho de um homem e vestiam roupas pretas. Mas seu rostos eram totalmente brancos, com os olhos amarelados olhando nos olhos arregalados do jovem Han. Não havia sequer um fio de cabelo na pele deles, e suas mãos eram finas, pálidas e esqueléticas. Começaram a andar em direção a ele, lentamente, mas sem emitir um som. Han deu um passo para trás, sentindo seu coração pular cada vez mais forte. Tirou a espada da bainha e a levantou na sua frente: notou que tremia. Quando o primeiro fantasma-zumbi se aproximou, Han deu-lhe uma estocada que atravessou seu abdômen. Mas nada aconteceu. O fantasma-zumbi continuou a encará-lo. Estendeu a mão para frente, e Han não teve coragem suficiente para recuar. Quando a mão gélida do monstro tocou sua pele, o jovem sentiu o corpo formigar, como se sua vida estivesse se esvaindo. Sentiu as pernas amolecerem, e caiu no chão, perdendo os sentidos. ········ Quando abriu os olhos, com dificuldade, Han viu que estava perto de um grande rio, que corria lentamente, ainda iluminado pela lua ceia. — Eu não morri... – sussurrou ele, tentando se levantar. Foi então que viu que os três monstros que o atacaram ainda estavam ali. Ele tinha sido arrastado até a margem do Rio dos Deuses, um pouco mais ao sul de Gorendill, mas não sabia por quê. Procurou sua espada. Ela estava a meio caminho entre ele e os monstros. Han estava assustado, e não quis arriscar ir pegá-la. — O que vocês querem? Quem são vocês? – gritou ele. Mas não houve resposta. ········ Aron tossia sem parar, e quase não conseguia respirar. Tinha começado a cuspir sangue, e se debatia na cama. À sua volta, estavam a filha Isa e Gabriele, a ama da casa. Elas tentavam ajudá-lo, mas sabiam que não conseguiriam fazer nada. Ele sabia que iria morrer em breve. Observou Isa, com amor no olhar, e pensou em como ela era parecida com sua mãe: cabelos longos e lisos, traços delicados, olhos castanhos. Era muito meiga, mas a doença de seu pai a havia deixado muito triste. Isa colocou a mão sobre a testa de seu pai. Ele estava ardendo em febre, suando muito. Seus cabelos longos e loiros estavam encharcados de suor. — Meu pai... o que você têm? Que doença infeliz é essa? – dizia ela, em voz baixa, enquanto colocava uma compressa de água fria na testa de Aron. — Filha... – disse ele - a hora está chegando.

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— Não, pai, não fale assim. — Está sim... eu sei... eu quero que você me escute. — Sim, pai. — Quando você era...bem pequena, sua mãe morreu... mas antes, ela me pediu que cuidasse bem de você... que fizesse você... feliz. — E você me fez muito feliz, pai... não fale mais... — Não! Eu tenho que falar. Eu estou morrendo filha... e eu quero que você não fique triste... você tem muita vida pela... frente... — Eu te amo também, meu pai. Nisso ele começou a tossir novamente, mas logo parou. Com um último suspiro, ele fechou os olhos. Isa rompeu em lágrimas, abraçando seu pai. A criada que tantos anos cuidara dela se aproximou e colocou as mãos sobre a menina, chorando também. ········ Mais tarde, Isa caminhou sozinha pela casa, e foi até o escritório onde seu pai guardava seus pertences obtidos em suas aventuras, seus tesouros e seus livros. Apesar de ser um guerreiro, seu pai sempre achou importante ter sabedoria. Foi lá que ela viu uma vela ainda queimando, quase no fim, e um papel sobre a mesa. Ela chegou perto da escrivaninha, e pegou o papel nas mãos que dizia: “Minha Filha, Eu passei muitos anos me aventurando, e sempre acreditei estar fazendo algo certo, enfrentando o mal do mundo. Muitas vezes deixei você em casa, com Gabriele tomando conta de você. Mas afinal de contas, você se tornou uma bela moça, muito inteligente e linda. Eu quero que você guarde a minha espada, minha companheira de batalha, a Maegluin, “azul penetrante” em élfico. Ela tem grande poder contra o mal. Quando decidi me aposentar, cheguei até a acreditar que ela se zangaria se deixasse de usá-la... Isa, minha filha, não fique aflita. Eu sei que minha hora chegou. Gabriele vai tomar conta de você. Fique em paz. Eu estarei com os deuses, zelando por você. Sempre “. “A espada! A maldita espada! Foi ela, foi ela!” Era a única coisa que a jovem Isa conseguiu pensar. Estava cheia de ódio, cheia de mágoa e tristeza. Olhou para a parede e Maegluin estava lá. Sua lâmina era azulada e emanava uma certa força que ela não pôde descrever. Era uma espada belíssima que poderia atrair a cobiça dos maiores ladrões do Reinado, e sua magia poderia talvez até interessar ao Mestre Arsenal. Mas nada disso a importava. Nada, porque a maldita espada tinha, de algum jeito, matado o seu pai! — Eu não sei que tipo de mágica você tem – gritou a menina- mas você nunca mais vai ficar na minha casa! Nunca!!! Com as lágrimas escorrendo por seu rosto, Isa tirou a espada do seu suporte da parede e saiu correndo pela casa, em direção à rua. Nem mesmo pegou um casaco para proteger-se do frio. Passou rápido pela criada, que lhe perguntou aonde ia, sem obter resposta. ········ Han estava desesperado. Tinha certeza de que iria morrer se não fizesse algo. Muitas criaturas do mal estão espalhadas pelo Reinado, e nem mesmo grandes sábios como Talude ou Vectorius sabem os propósitos de todas elas. Sussurrou para si mesmo: — Eu preciso ter coragem... eu preciso ter coragem... Gritou então um brado de guerra de seu povo, e saiu correndo em direção à sua espada. Rapidamente, a ergueu sobre sua cabeça, avançando correndo em direção aos fantasmas-zumbis, que estavam parados, olhando para ele.

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Han precisava defender sua vida. Mas algo o parou no meio do caminho. Seu corpo ficou estático, e ele não conseguia mexer sequer um músculo. Seu desespero aumentou quando seus braços abaixaram até a sua frente e ele viu a espada sendo quebrada pela força da magia negra daqueles monstros. Eles começaram a se aproximar, e Han sabia que eles iam sugar toda sua vida. Todos seus sonhos, toda sua história. Foi quando ele ouviu passos. Passos apressados vindos do norte, ficando cada vez mais fortes. Com o canto do olho ele viu um suave brilho azul nas sombras da noite. Era Isa. Ela corria desesperada, com a espada de seu pai nas mãos, indo em direção ao Rio dos Deuses bem longe de sua casa, para jogar a maldita espada nele. Assim ela nunca mais seria encontrada por ninguém, levada pelas águas até o fundo do Mar Negro. Mas o acaso, ou outra força, a trouxe até aquele lugar. O poder da espada foi sentido pelos fantasmas-zumbis, que libertaram Han de sua magia. Eles afastaram-se, com medo. Han sentiu uma nova força dentro de si, como um fogo que ardia sem ser abalado pelo vento ou pelo frio. Isa viu a cena à sua frente e ficou sem saber o que fazer. Seu propósito de destruir a espada foi esquecido por alguns instantes. Han viu Maegluin nas mãos da garota e percebeu que era dali que vinha o poder que ele e os monstros haviam sentido. Correu até Isa e tirou a espada de suas mãos, tomado por uma súbita onda de coragem, e novamente avançou em direção as criaturas. Eles tentaram recuar, mas a luz azul da espada se tornou mais forte, e eles não conseguiram escapar dos golpes de Han, que rasgavam seus mantos negros e destruíam sua carne amaldiçoada. Rapidamente, os três inimigos foram eliminados, e começaram a queimar em chamas negras e silenciosas até não restar mais nenhum vestígio de sua aparição. Han respirava ofegante, com as costas encurvadas, agora com a espada apoiada no chão. Lembrou-se da menina, e olhou em sua direção. Isa estava assustada, os olhos arregalados e a respiração presa. Não sabia o que fazer, nem o que pensar. — Garota, eu não sei quem você é, eu não sei de onde veio, mas a espada que você trouxe salvou minha vida. Obrigado. — Você não entende... essa espada... ela é amaldiçoada... ela matou meu pai! — Amaldiçoada? Você deve estar brincando! Você viu como ela derrotou aqueles monstros? Você viu como ela os apavorou? Eu não sei quem a fez, mas com certeza seu poder é do bem, e é forte! Isa não sabia o que responder. Talvez estivesse enganada. Talvez a espada fosse realmente boa, e por isso seu pai a amava tanto. Mesmo que ele tivesse pedido que ela guardasse a espada... mesmo assim... com certeza ele ficaria mais feliz se ela continuasse a enfrentar as coisas más, como ele havia falado em sua carta. — Como é o seu nome? – perguntou ela ao jovem nitamuriano. — Han. Eu sou um aventureiro. Algo naquele rapaz a lembrou de seu pai. O espírito livre, sua vontade de andar pelo mundo, sua busca por heroísmo. Ele deveria ficar com a espada. — O que você está fazendo aqui, Han? – disse ela, enxugando as lágrimas do seu rosto. — Eu estava indo para Malpetrim, e ia parar uma noite em Gorendill, quando fui atacado. E você? O que está fazendo aqui a esta hora? — Eu prefiro não falar. – disse Isa enchendo os olhos de

lágrimas novamente.- Han, não me pergunte por quê, mas eu quero que você fique com esta espada. — Como é? ! Você deve estar brincando? Quem daria uma espada dessas a um estranho? Bem, eu não sei o que dizer. Muito obrigado, moça. É a espada mais bonita que eu já vi, e a mais poderosa também. Eu não vou me separar dela NUNCA! A menina sorriu, compreensiva, e disse que tinha de voltar para casa. Ela e Han voltaram caminhando para Gorendill, silenciosos. E Han, feliz, viu as runas élficas na bainha da espada, onde leu: “Maegluin”. — Nunca vou deixar de usá-la... nunca... – repetiu ele, para si mesmo. E antes de guardá-la, percebeu novamente seu brilho azulado, e sorriu.

FIM

O Destino da Lâmina Vermelha Por Dauros

Ela abriu os olhos. Os primeiros raios de sol começavam a aparecer entre as folhagens das árvores acima, anunciando aquele que deveria ser o último dia de sua jornada. Estavam viajando há quase quinze dias, e a última cama decente que tivera foi numa hospedaria, que na verdade era a casa de uma família à beira da estrada, com alguns quartos para alugar. Ficaram somente por uma noite, e quando o dono da casa descobriu quem eles realmente eram, já era tarde demais. Mais alguns dentes para a repugnante “coleção” do meio-elfo. O restante do grupo estava à sua frente, já prontos para seguir viagem. O chamado havia sido igual aos outros, sendo uma carta com apenas um anel e um bilhete, dizendo: “Sigam o silfo”. Sempre que colocavam o anel, um Elemental do Ar surgia, seguindo em uma direção, rumo à moradia de seu Empregador. Todos sabiam que os lugares onde O encontravam eram apenas temporários, para despistar possíveis ladrões que seguissem o grupo, atrás do já famoso “acervo” que Ele dispunha. Chegaram no final da tarde, a uma construção que parecia ter sido um templo de Sszzaas, num passado distante, devido às serpentes desenhadas e esculpidas por todos os lados. Havia marcas de batalha pelo lugar, que parecia ter sido atacado, e queimado logo depois. A grande pedra que selava a entrada havia sido retirada, mostrando que Aquele que os havia chamado já devia estar a sua espera. Dentro do salão principal, sentado no trono, que devia ter pertencido ao sumo-sacerdote do lugar, estava Ele. Sua presença era sempre assustadora. Mesmo sendo uma mercenária que cavalgava um Dragão Negro, tendo a morte como profissão, ela sempre se sentia em perigo na Sua presença, e sabia que seus

companheiros, por mais céticos que fossem, se sentiam da mesma maneira, pois estavam diante de um dos maiores guerreiros do Mundo, cujo nome, em histórias, tirava o sono de crianças e na vida real, a coragem de heróis. Eles pararam diante do trono. Para um leigo, poderia parecer que aquela magnífica armadura havia sido abandonada, sem nada nem ninguém em seu interior. Permaneceram ali, à sua frente, em silêncio, esperando que algo fosse dito. Ele então finalmente se moveu, e como parecendo dar vida à armadura, falou: — Sejam bem-vindos. Como vocês já imaginam, tenho uma nova missão para vocês, da mesma natureza das anteriores. Todos sabiam do que se tratava, afinal de contas, todas as missões para as quais Ele os contratara envolvia, de alguma forma a mesma coisa: resgatar, encontrar ou roubar algum tipo de item mágico. As missões em si não eram tão difíceis, já que a maioria das informações sobre o que fazer, como agir, e onde procurar o tal item, eram dadas por Ele. Cabia-lhes basicamente a execução, que em si não era difícil. O pagamento era também em itens mágicos, normalmente muito úteis para eles, como aquela sela mágica para Dragões, que não permitia jamais que o “cavaleiro”, no caso ela, caísse durante o vôo. — Como todos sabem, – prosseguiu ele – o reino secreto dos Anões, Doherimm, ou a Montanha de Ferro, como é mais conhecida, recebeu recentemente a visita de uma comitiva diplomática a serviço do Rei Thormy, a fim de estreitar as relações

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entre humanos e anões, devido aos perigos que ambas as raças vêem se aproximar. Era verdade, pensou ela, todos estavam sabendo disso. Os baixinhos deviam estar realmente começando a se preocupar com os perigos do “mundo de cima”, para se arriscarem permitindo que estranhos entrassem em seu esconderijo secreto, como prova da boa-fé de seu governante na aliança com os humanos. Idiotas! Para ela, os barbudos estavam pedindo para serem traídos. — Mas o que poucos sabem, é que o Rei mandou outra comitiva, para o reino de Tapista, para tentar fazer com que os minotauros também entrem nesta Aliança. Thormy até pediu aos anões que os acompanhassem a Tapista para facilitar essa negociação. — Ótimo... e o que nós temos a ver com isso? – Perguntou o meio-elfo, em nome de todos. Seu empregador nunca havia demonstrado o gosto por contar histórias. Estava falando muito mais que o habitual. — Acontece, que o acordo será selado na maneira dos minotauros: eles darão aos anões e aos humanos, os Chifres de Goratikis, duas lanças que pertenceram ao maior herói de sua raça, para mostrar a confiança deles nessa união. — E você as quer. – disse o ex-paladino. O clérigo permanecia fleumático como sempre. — Exato. – respondeu ele – o Clã DeBruce foi convidado para integrar a comitiva. Silverius DeBruce parece ter o respeito do Rei Aurakas de Tapista. — E o que esse velho tem a ver conosco? – ela perguntou. — Vocês irão tomar o lugar dele. Silverius irá acompanhado da mulher, do primogênito e de um criado pessoal. Eles estarão passando por uma estrada ao norte daqui, no final da próxima manhã. Providenciei um disfarce adequado, que não poderá ser descoberto por nenhum mago que eventualmente esteja na comitiva. Ele então olhou para um pequeno pacote que estava ao seu lado, que magicamente flutuou até as mãos do ex-paladino. — A cerimônia de entrega será na capital de Tapista, Tiberus. É claro que vocês não poderão tomar as Lanças até que tenham deixado o lugar. Mas, que fique bem claro: toda a comitiva deve ser destruída. Como, fica a critério de vocês. E quando Ele se calou, o silêncio tomou a sala. Todos pensavam a mesma coisa: a missão era bem diferente das demais. Na verdade, era muito mais perigosa que qualquer trabalho que eles houvessem executado. Nenhum deles conseguia admitir que não sabia se poderiam realizar este serviço. Se estavam juntos porque não queriam arriscar as próprias vidas, então por quê... Seus pensamentos foram interrompidos pela voz Dele. — Este serviço pode estar parecendo por demais delicado, ou arriscado. Antes de ouvir suas respostas, gostaria de lhes dizer qual será o pagamento, caso realizem o trabalho com êxito. — E qual seria? Perguntou ela. — A liberdade.

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Ela prendeu a respiração. Será que...? — É o que todos imaginam. Eu lhes concederei um meio para cancelar a maldição que os mantém unidos. Eles se entreolharam. Essa era a coisa que mais ansiavam, sem dúvida. A liberdade! É claro que, secretamente, eles não desejavam o fim da maldição simplesmente para que pudessem se separar, não precisando mais temer pela própria vida, caso um dos outros estivesse correndo perigo. Cada um ansiava, fervorosamente, assassinar os demais, acabar com os outros, para se vingar, oferecer em sacrifício, exercer a “justiça”, ou apenas conseguir alguns dentes; executando o ódio mortal nascido desta convivência forçada. Ela sentiu seu ódio crescer, afinando-se com a esperança de divertir-se com a morte dos companheiros, e então voar livre montada em seu Dragão. — Então assim será. – disse o clérigo da Morte, rompendo o silêncio. Eles ouviram, bem baixo, um som agudo e suave, como um leve sibilar de uma serpente. — Vocês devem partir agora, a fim de alcançar a comitiva. Quando tudo estiver terminado, vocês deverão usar esta esfera, que ao ser quebrada, os transportará para uma de minhas fortalezas. Vão. E sem mais nada dizer, eles se retiraram, deixando a enorme figura sozinha. Com a saída do grupo de aventureiros, uma silhueta idêntica à sentada se destacou das sombras, caminhando lentamente para perto da outra. O ranger das várias junções da armadura, e o som abafado dos pesados passos sobre o chão, quebraram o silêncio mórbido do salão. As duas figuras se encararam, e dando a farsa por terminada, Ele disse: — Está feito. E o que estava ao trono, usando agora a sua verdadeira voz, respondeu: — Sssim... Agora, devemos esssperar. – e continuou – Para onde elesss serão mandadosss, quando usarem a esssfera? Ele respondeu: — Algum ponto das Montanhas Sanguinárias, de onde não possam voltar. Ninguém deve saber o que realmente aconteceu. Assim, humanos e anões trocarão acusações de assassinato, enquanto os minotauros reclamarão seus artefatos roubados. A paz entre as raças será finalmente destruída, e pela Glória de Keenn, esse mundo será consumido pela guerra... E ela, mais uma vez, partiu confiando ir rumo à liberdade, sem saber que, novamente, ia de encontro ao destino que a marcara durante toda sua vida... FIM

Em Busca da Safira de Glórienn Por SpellGoblin Splinter E as laminas se encontraram em uma mistura de raiva e temor. O sangue dos meus companheiros já falecidos manchavam o campo de batalha. Eu queria vingá-los, a fúria tomava meu corpo e a luta era desigual. Não acreditava que aquele grupo de bugbears me oferecia alguma ameaça, muito menos a meus parceiros, o acreditamos até que a primeira criatura desferiu um ataque certeiro no pobre mago Makanim. A fúria que me dominava deu lugar à sensatez, me concentrei e ataquei o gigante goblinóide e destruí o horrendo rosto da criatura. Bem, isso me deu o tempo necessário para fugir dos outros inimigos e encontrar um lugar seguro. O lugar seguro era uma cabana abandonada; cheguei, fechei meus olhos e caí como uma pedra inerte no gelado chão de pedra da cabana. Flinn Anoitecia quando o chão começou a tremer, provavelmente um exército se aproximava, levantei e me vesti. A marcha do provável exército se fazia mais forte. Alcancei meu bastão e me preparei para uma batalha, não era o mais inteligente sair e lutar contra um exército, mas algo me dizia que era o inevitável. Algo acima de meus próprios conhecimentos. Splinter Minha cabeça explodia de dor. Abri meus olhos e vi um elfo, provavelmente um clérigo de Gloriénn, a julgar pelo símbolo em sua vestimenta. Não esbocei nenhuma reação imediata, talvez por medo ou talvez pela maldita dor de cabeça. Flinn Um Homem Rato???!! O que aquela coisa estava fazendo na minha cabana? Ali parado igual uma das estátuas de Zentura, a medusa que vive em Vectora. Eu fui o primeiro a dizer algo. Perguntei o que estava fazendo ali. Antes da criatura ter a chance de responder a porta foi derrubada. Splinter A cabana não era abandonada e um ogro acabava de arrombar a porta. Hunf, belo lugar seguro. Sem muito tempo para falar eu me concentrei e disparei minha melhor rajada de vento, mandando o bastardo bem longe. Se minha cabeça não estivesse carcomida por dentro até que eu comemorava. Limpei o sangue que ainda manchava meu rosto e saí dali. Flinn O pequenino era poderoso, isso não se percebia; afinal, ele era um homem rato. Ele não se mostrou aterrado. Admirando um ao outro de uma forma bizarra, eu voltei à realidade e alertei a possibilidade de que um exército estaria se aproximando. Como se ele já não soubesse. Nos teletransportou e antes mesmo de minha mente dar-se conta do fato estávamos numa floresta. Splinter A floresta estava escura, mesmo com o sol brilhando, seus raios atingiam as copas das árvores e não tocavam o solo, deixando uma mistura de temor e frio. Rumei para minha morada. Sem muitas opções o elfo me seguiu. O suor escorria pelo meu

rosto enquanto o dia se fazia mais quente ao passar do tempo. O longo caminho nos deu tempo para conversar e conhecernos, sem escolha. Flinn Splinter era um homem rato, ninguém da primeira vez que olha um homem rato se apaixona. Mas ao contrário das minhas expectativas ele era uma boa criatura, bom apreciador de vinhos e ótimo contador de histórias. Contava seus feitos heróicos e como era querido por seus amigos, agora mortos pelas garras da Aliança Negra. Há esse tempo já havíamos descoberto que o exército era mesmo goblinóide e que grande parte de Arton-Sul fora dominada por Twor Ironfist. Splinter Meus amigos mortos, me restava esperar o destino bater a minha porta, oferecendo-me algum desafio ou então a morte seria minha próxima visitante... Flinn Estávamos em uma taverna, bebendo vinho, escutando o bardo cantarolar suas canções mágicas e pensando no futuro, quando uma linda humana adentrou a taverna, o chão de madeira gastada já ruindo quando qualquer um passava acusou a presença da moça. Ela se sentou num banco no canto mais claro da Taverna do Leprechaum, onde o sol entrava por uma janela no teto. Todos os homens da taverna a comiam com os olhos, a mulher vestia uma roupa que não deixava muito à imaginação: uma blusa que deixava qualquer um de boca aberta de tão minúscula e uma saia tão pequena quanto a blusa de seda fina. Splinter Eu fui falar com a moça, seu nome era Lumina, ela estava buscando uma tal Sahfira de Glórienn, chamei imediatamente Flinn, ele devia saber de tal artefato, sendo um clérigo de Glórienn. — Sim, sei sobre a Sahfira de Glórienn. É o mais poderoso artefato criado pela grande deusa. Seus poderes são inúmeros, entre eles a imortalidade e a força de mil gigantes. Provavelmente Flinn estava exagerando um pouco sobre a tal safira, talvez não. Lumina indagou sobre a localização do objeto, mas a resposta do meu companheiro elfo foi negativa. Flinn Eu realmente não sabia onde a Sahfira estava, mas me propus a procurá-la junto a Lumina. Splinter também aceitou o desafio. Fomos ao templo mais próximo, onde um outro clérigo da Deusa me disse que talvez o artefato estaria escondido em algum templo em ruínas em Arton-Sul. Nos restava rumar a Lamnor... ········ Flinn Rumávamos ao sul, em busca da Sahfira de Glórienn. Eu, Splinter o homem-rato e Lumina, a aventureira que nos acompanhava em nossa jornada. Depois de 4 dias de viagem ao sul, resolvemos descansar e passar a noite na floresta em que está-

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vamos e montamos as tendas numa clareira. O clima frio, normal naquelas regiões era acalmado pela chama da fogueira, e pelas musicas de Lumina. Flinn parecia cada vez mais atraído pela bela jovem humana, apesar de haver jurado amor somente a sua deusa Glórienn. O fogo crepitava, enquanto Lumina tocava sua melódica flauta doce, seu rosto era anguloso, seus lábios finos faziam perfeita harmonia com sua mandíbula (forte mas delicadamente feminina). Os olhos azul cobalto refletiam a luz da fogueira. Eu olhava diretamente ao fogo, desviado pela silhueta de minha companheira. Quando suas canções haviam terminado, todos estávamos acordados e conversamos, aos goles da última garrafa de vinho que Lumina trazia consigo. Mesmo em quatro dias de viagem, poucos para conhecer nossa agora nova amiga. Nossa surpresa quando o fogo já estava morto, a clareira era banhada pelos primeiros raios de sol matutinos e os pássaros cantavam. Vimos que a conversa se havia estendido além do devido, meu corpo não mostrava sinal de cansaço, talvez minha mente sim. Nossa presença atraía a atenção de pequenos animais, com qual Lumina brincava enquanto eu e Splinter terminávamos de guardar as tendas. Ela fazia tudo muito rápido e com extrema precisão, algo espantoso... Antes que pudéssemos terminar de guardar os equipamentos, um grupo de Lobos da Floresta se aproximou. Os lobos provavelmente famintos atraídos pelos pequenos animais, fáceis presas, não hesitaram em atacar nossas cansadas carnes... Flinn Empunhamos nossas armas, Lumina com sua espada, Splinter com seus feitiços e eu empunhando meu arco abençoado por Glórienn. Lumina desferiu o primeiro golpe, ela erra seu alvo. Se não estivéssemos cansados como estávamos, esses caninos não seriam pareis para nosso poder. Os lobos avançando e retrocedendo, numa rotina cansativa. Os três lobos cinzas nos rodeavam, nos cansava atacar e errar o alvo todas às vezes, os bichos incrivelmente ágeis tinham vantagem. Splinter Enquanto nos colocava de pé, as duras penas. A idéia da morte me veio à mente, mais nunca pensava em render-me. Caí de joelhos enquanto um dos lobos vinha dar-me o golpe que me mataria. Antes do golpe final do animal, uma flecha lhe atravessou a cabeça, era Flinn quem me salvara a vida. Flinn Depois de haver matado um dos lobos, o que atacara Splinter. Voltei minha cabeça à direção de Lumina, queria a certeza de que estava bem. Lumina lutava animadamente com o animal, e parecia desfrutar a batalha. Quando se cansou de ‘brincar’ com o lobo, desferiu um frio e certeiro golpe na cabeça do animal, que caiu morto no chão. Faltava um lobo que matar, esse devorava a carne de seu companheiro que jazia morto no chão, Splinter lançou-lhe uma magia que o congelou, poupando-lhe a vida. Splinter Partimos rápido da clareira, antes que o lobo se descongelara. Todos cansados e com fome, avistamos os muros da grande cidade-fortaleza: Khalifor, a ultima barreira a Arton-Sul. Flinn — Chegamos aos portões da majestosa Khalifor caros amigos. — exclamou alegremente Lumina. Entramos na cidade depois de uma conversa com os guardas, algum tipo de festival estava em andamento, a música alegre e o ruído do povo me

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acalmou (já que esperava uma cidade com um ambiente de medo). As barracas e tendas montadas em um grande pátio vendiam tudo: bebidas, comidas típicas sulistas e itens poderosos. Descobrimos que o nome do evento era Festival da Cabeça de Truta, ele acontecia quando a Junta da Cabeça da Truta resolvia enviar expedições ao Sul. Splinter Enquanto perguntávamos sobre a Sahfira de Glórienn, o festival continuava alegre, as expressões felizes da gente de Khalifor era um bom sinal. Sem resultado em nossas pesquisas sobre a Sahfira, nos esperava uma boa caneca de vinho na Cantina do Berço do Inverno. Enquanto as canções tocavam, Flinn perguntou sobre meus antigos companheiros. A conversa se estendeu até que Lumina me perguntou qual era o nome do nosso grupo.Nós não tínhamos um nome. — Se deduz que cada grupo tem um nome, podíamos dar um nome para nosso grupo...-Lumina indagou, com um olhar sonolento. — Buscamos a Sahfira, não? Sahfir’s podia ser nosso nomeFlinn disse, orgulhoso de sua idéia. Claro, Sahfir’s não estava mal. Flinn No dia seguinte, a cidade ainda estava agitada, com mercantes, comerciantes de estabelecimentos da cidade e aventureiros buscando, obviamente, aventuras. Partíamos a Arton-Sul no mesmo dia em que o exército da Junta da Cabeça da Truta. Saímos logo que começou a escurecer, o exército que nos acompanhava era de médio porte, em sua maioria mercenários. Splinter Viajamos por três dias junto ao exército da Cabeça da Truta, quando nos separamos, nós íamos ao leste e eles ao oeste. Estávamos sós com os milhares de perigos em Lamnor. Nossa primeira parada foi uma vila em ruínas, onde jaziam centenas de aldeões, a vila se chamava Vellaha, segundo dizia a placa de madeira desgastada na entrada. A vila era média, tinha algumas casas e fazendas e um templo abandonado. Flinn Entramos no templo, não era um templo de Glórienn, eu podia sentir... Um símbolo pintado no chão alarmava o perigo de armadilhas, que nós clérigos élficos conhecemos como o Lohad, uma cruz em vermelho. Adverti que aí haviam armadilhas, Splinter começou a caminhar com mais precaução no chão de mármore. Lumina confiava tanto em sua própria capacidade que nem se molestou em tomar cuidados... Splinter O altar caído, as figuras de um deus desconhecido pintadas com bigodes e barba, ações goblinóides... sacrilégio. O ódio de Thwor Ironfist era grande, maior que seu próprio corpo descomunal, um animal destruidor... Flinn Ao explorar o templo descobrimos um mapa, que indicava onde estava a “cidade perdida”. O lugar indicado no mapa era na verdade uma caverna. Ao entrar, flechas chegaram a nossos corpos, um sono profundo nos atingia... Splinter Acordamos em um quarto escuro, onde a única fonte de luz era uma vela com a chama quase apagada. Uma elfa nos cuidava, e pedia mil perdoes pela atitude dos guardas...

”— Temos que cuidar nossa preciosa Sahfira” -disse a elfa, abaixando a cabeça. Lumina pulou da cama, exclamando que já havíamos encontrado a Sahfira. Flinn Depois de levantar da cama, fomos a ver a tal Sahfira da qual a elfa falava, a visão da Sahfira era maravilhosa, uma bela elfa deitada em sono eterno. Espera, essa não era a Sahfira que procurávamos ... Splinter Saímos frustrados da cidade subterrânea, mas com uma informação preciosa: A Sahfira verdadeira estava em Lenórien, a ex-capital élfica... A viagem até lá foi cheia de surpresas, encontramos o exército da Cabeça da Truta, que também rumava a Lenórien, salvamos um grupo de humanos de um terrível Orc e finalmente encontramos Lenórien Flinn A visão da Capital era amedrontadora, meu coração élfico se encheu de ódio, desejava vingança, queria arrancar o fígado do responsável com meus dentes e oferecê-lo à minha deusa, como vitória élfica... Era a hora de buscar o palácio real, aí estaria o maldito goblinóide... Splinter A cidade infestada de goblinóides, eu passei desapercebido e dizia que o exército e meus companheiros eram prisionei-

ros de Thwor, fácil passe para o Palácio Real do General Bugbear... Lumina “adotou” um kobold filhote que havia perdido seus pais, o coração dela era valoroso e bondoso suficiente para aceitar um kobold nojento como amigo. Flinn Ao chegar ao palácio real, fomos recebidos pelo próprio Thwor, meus olhos ardiam nas chamas do ódio que eu sentia pelo responsável de tal sacrilégio... Reconheci a Sahfira no peito do Goblinóide gigante, alertei meus amigos. Splinter gritou ordenando o exército atacar os milhares de soldados do General bugbear... O espanto nos olhos de Thwor Ironfist me deu um prazer incomparável, tínhamos montado a perfeita armadilha. Soltei uma gostosa gargalhada e voei em cima do General, tirando-lhe a Sahfira do pescoço... Splinter O exército fazia bem seu trabalho, Flinn já tinha a Sahfira em mãos, nossa missão estava completa. Thwor parecia uma criança mimada, a qual começam a destroçar seus brinquedos. O gigante goblinóide desferia socos e chutes sem direção, Flinn gargalhava e seu novo amuleto brilhava, aceitamos o fato que a Sahfira só podia ser usada por clérigos de Glórienn (não sabíamos se era verdade, mas deixamos que Flinn o usasse...) um brilho cortava a noite escura de Lamnor, um raio vindo dos céus chegava até o amuleto, e vimos uma flecha... sorrimos... tudo havia acabado FIM

Sangue e Areia Por Ivan Almeida Azgher parecia estar feliz naquele dia. Afinal, o sol brilhava alto e fazia muito calor no Deserto da Perdição. A areia parecia queimar a sola de suas botas e pés. Acostumados a climas temperados e subtropicais, estavam descascando e com a pele bronzeada e doendo. Essa situação os deixava irritados. Apesar de serem grandes guerreiros, quase já não tinham mais forças para continuar a viagem. Poucos tinham coragem de cruzar o Deserto da Perdição. Diziam que era morte certa perambular por essas terras áridas, pois apenas os guerreiros nativos conheciam os caminhos certos para não serem pegos pelas tempestades que, conforme as lendas, levava as pessoas para outros mundos. Entretanto, eles não ligavam para isso. Não ligavam para nenhum desses boatos. Pois estavam lá por um bom motivo. Muitos grupos de aventureiros lutavam por grandes ideais, para protegerem o mundo e as pessoas. Mas eles não. Lutavam apenas para sobreviver e por não terem nenhum objetivo. Apenas viviam a vida, erguendo suas armas por alguns tibares, em troca de aventuras e combates, ora ajudando alguém, ora traindo e matando. Por isso eram conhecidos como Os Lobos Solitários. Mas agora era diferente. Tinham um objetivo. Desde o embate com o famoso Grupo do Mal devido a um desencontro, eles não tinham uma aventura tão perigosa – e longa.

Há 5 anos saíram de uma taverna de beira de estrada – atraídos por rumores sobre um antigo mago que necessitava dos serviços de mercenários experientes – e passaram por diversas aventuras – desde o caso do xamã das Uivantes, o qual controlava um dragão de raça branca, até a encrenca com uma tropa do exército de Yuden, passando por necromantes, bárbaros, pelas sombrias florestas e os habitantes misteriosos de Pondsmânia... Então, através de um druida errante da Grande Savana, norte do Rio dos Deuses, tomaram conhecimento do Oásis de Thyatis. Um lugar onde quem se banhasse em suas águas teria a vida eterna. Com a imortalidade, poderiam fazer o que quisessem, sem se importar com os deuses e com ninguém. À frente do grupo, portando uma espada bastarda, estava Lancelot. Homem geralmente reservado, mas forte e corajoso. Costumava não demonstrar muitas emoções em seus olhos verdes, tendo os cabelos loiros fortemente amarrados em um rabode-cavalo, não possuindo franja. A tatuagem de um deus ficava escondida sob um pano amarrado em seu braço direito e usava partes de armadura desse mesmo deus. Antes de se tornar um mercenário, Lancelot já foi um sacerdote de Keenn, o Deus da Guerra, e por muitos anos desembainhou sua espada em batalhas sem sentido. Entretanto, ele não escolheu essa carreira por opção pessoal; apenas pela necessidade, pois perdeu a família num ataque de bandidos.

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Após largar a Ordem por motivos pessoais, vagou solitário por Arton, sem ter um lugar para onde retornar, até ser contratado por um mago para matar um feiticeiro possuidor de um poderoso artefato. Entretanto, ele teria que trabalhar em conjunto com um elfo. Esse elfo era Louis. Filho de nobres da corte em Lenórien, Louis perdeu a família na invasão goblinóide, mas, em vez de fugir, formou um grupo com alguns sobreviventes e ficou em Lamnor por alguns anos, matando goblinóides e tentando sobreviver. Ainda hoje seus feitos com o arco são lembrados pelos habitantes do sul. Com a morte do grupo, rumou para o Reinado e passou a sobreviver do arco até o dia em que conheceu o ex-clérigo, tornando-o parceiro de aventuras e discussões. Como era de se esperar de um elfo, Louis era arrogante, orgulhoso, persistente e, por vezes, meio manipulador, chegando em várias ocasiões a discutir devido à falta de ambição dos Lobos Solitários. Atrás dele seguia um anão de cabelos e barba negros, olhos cinzas, vestindo uma cota de malha e portando um machado de guerra. Seu nome era Gayllant, o mais distante dos integrantes. Estava nos Lobos apenas pelas batalhas, bebidas e ocasionais cortesãs. Gayllant nunca conheceu a Montanha de Ferro dos anões. Abandonado em um cesto de palha nas Montanhas Sanguinárias, foi criado entre os bárbaros, mas foi banido da tribo anos atrás por motivos que não costuma comentar. Desde então anda pelo mundo. Agora, ele está à procura da imortalidade. Protegendo a retaguarda, trajando um sobretudo levíssimo especial, feito por mãos élficas, e com uma espada curta descansando à cintura, Lestakendioren, Lestak para os amigos, era o mais otimista do grupo. Nem mesmo o calor podia abater sua vontade de cumprir a missão. Apesar de sua aparência exótica, com seus longos cabelos negros, barba rala e olhos azul-cromáticos com pupilas verticais, ele era considerado o mais idiota dos quatro, fazendo trocadilhos infames nas piores situações. Assim como Louis, Lestak também era um elfo e, assim como ele, após a queda de Lenórien, ficou por Lamnor, com um grupo de resistência secreta, desempenhando o papel de um batedor. Após alguns anos, rumou para o norte, na esperança de ganhar a vida do modo mais fácil, como um ladrão aventureiro. Até o dia em que, em uma de suas aventuras, ouviu falar dos Lobos Solitários. Juntou-se a eles após salvá-los diversas vezes. “Azgher, seu desgraçado!” gritou Louis, em um acesso de loucura. O elfo apontou seu arco para o sol, fechou os olhos e disparou uma flecha, desviando a atenção deles. “Silêncio, Louis!” Lancelot, sem olhar para trás, esboçava ligeira irritação. “Guarde suas flechas para quando precisarmos delas.” Apesar de se manifestar pouco, as vezes em que o exclérigo transmitia uma espécie de ponderação ao grupo, que não possuía um líder, pois todos se completavam em suas habilidades, sendo Louis o que discutia os contratos e recompensas, Lancelot e Gayllant os guerreiros, e Lestak o ladrão. Entretanto, se houvesse um, ele o seria. Nesse momento o projétil caiu na areia e o elfo o pegou. “Eu não agüento mais! Estamos andando por essas terras condenadas por mais dias do que me lembro, suportando esse fogo infernal! E não aconteceu nada! Além disso, estamos quase sem água e comida! O máximo que encontramos foram alguns camelos que nos renderam alguma carne fedorenta! Fora que a água está no quase no fim!” Enquanto Louis reclamava, Lestak chegou perto e o tocou no ombro, na tentativa de acalmá-lo.

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“Não toque em mim!” disse o elfo, bastante mal humorado. Sem se importar com o nervosismo do arqueiro, Lestak apenas disse: “Vocês perceberam que até agora não aconteceu nada com a gente? Quero dizer, cadê as tempestades que eles dizem acontecer por aqui? Cadê a fauna daqui, os coiotes, as cobras, os escorpiões? Parece que aqueles animais foram colocados ali apenas para nos alimentar. Talvez os deuses estejam nos guiando...” “Lestak, você esqueceu que os deuses não ligam pra nós? Esqueceu que Keenn me manipulou? Que Glórienn abandonou você e Louis? Que Khalmyr sequer guiou a vida de Gayllant?” Lancelot guardava um certo ressentimento dos deuses. “Concordo, mas ainda acho estranho tudo isso.” Lestak refletiu. Louis, sentado, mais calmo e comendo um pouco de carne, interrompeu a conversa dos dois. “De acordo com os relatos do druida e dos nativos das tribos da Grande Savana, os quais acolhiam os supostos viajantes de outros mundos vindos daqui, o Oásis fica exatamente ao norte do lugar de onde partimos, o extremo norte da Grande Savana, na exata direção do marco zero, e que ninguém nunca voltou para contar história... O que você acha, Gayllant?” o elfo se dirigiu ao anão. Gayllant, assim como Lancelot, não proferia muitas palavras. Era adepto do famoso lema dos sacerdotes de Keenn: “Bata primeiro, pergunte depois.” Afoito a batalhas, geralmente gritava frases do tipo “Mata!”, mas agora até mesmo ele precisava pensar. “Ahn... de onde venho temos o costume de crer que possuímos um destino irrevogável, o “Fio da Vida”. Mas nós não sabemos qual é esse destino. Assim, lutamos. Se for o destino eu morrer nesse deserto, não há nada que eu possa fazer... Mas, e se não for? E se eu puder controlar o meu Fio da Vida sendo imortal? Como dizia Lancelot, “Não vou me entregar sem uma boa luta!”.” As palavras do anão encheram todo o grupo de ânimos e, pela primeira vez em mais de uma semana, todos riram. Por pouco tempo. ········ Eles eram conhecidos como os salteadores da tribo de Sar Allan. Homens que peregrinavam pelo deserto e que, de acordo com os bardos, conseguiam tirar água de pedra. Hassan era um deles, e ouviu rumores trazidos por outros salteadores que se mesclavam à terra, sobre um grupo composto por um humano, dois elfos e um anão que estavam andando pelas redondezas. Montou em seu cavalo e saiu ao encontro deles. No horizonte ofuscado pelo calor do meio-dia, Lestak, com sua visão aguçada, conseguiu distinguir alguém montado, e avisou o pessoal. “Um salteador! E parece estar sozinho!” forçando a visão, o elfo ainda tentava encontrar mais alguém. “Preparem as armas!” Lancelot, já de espada em punho, tomava as rédeas de um provável combate. Um homem envolto em panos, com o rosto coberto e uma espada de lâmina curvada às costas, desceu de seu cavalo e apresentou-se. Seus olhos castanhos examinavam os aventureiros. “Bem vindos ao Deserto da Perdição, viajantes. O meu nome é Hassan Abdazgher.” “Um sacerdote do deus do sol...” Lancelot completou, abaixando a espada. “Se não me engano, você é um daqueles fanáticos que abandonou o próprio sobrenome apenas para servir seu deus, pois Abdzagher significa ‘servo de azgher’ na sua língua, não é mesmo?”

A resposta veio com a lâmina da cimitarra de Hassan que, num rápido movimento, encostou no pescoço do ex-clérigo. “Não zombe de mim, homem. Além disso, você está errado. Esse nome me foi dado pelo meu povo. Sou de uma família de sacerdotes. Mas isso não interessa, pois é meu dever levá-los até minha tribo.” “E se não quisermos?” num tom irônico, Lancelot retribuiu a ameaça. Esperava poder usar sua espada para fazê-lo engolir a ofensa. “Pois bem, fiquem aqui e morram. Azgher ainda está no meio de sua caminhada, e vocês sabem que o clima daqui não é dos mais agradáveis. Além disso, se eu quisesse matálos, já o teria feito.” “Nós estamos aqui há tempo suficiente para sabermos o que fazer!” Louis respondeu alto. “Outros como eu já os tinham avistado alguns dias atrás, mas resolvemos observá-los um pouco.” disse Hassan tranqüilamente. “Como nós não conseguimos vê-los?” Lestak se sentiu embaraçado, afinal, possuía uma ótima visão. “Azgher nos dá o poder de nos escondermos de olhos estrangeiros em nossas terras, através dos poderes arcanos...” Nesse momento todos se amaldiçoaram em pensamento, pois não gostavam de magos e de magia. Tinham uma mentalidade de guerreiro quanto a isso. Antes que alguém fizesse qualquer outra pergunta, Hassan subiu em seu cavalo e fez um gesto para que o seguissem. A medida em que o grupo guardava suas armas e acompanhava o nativo, Lestak chegou perto de Gayllant, que se manteve calado durante a conversa, e perguntou: “Onde foi que o Lancelot aprendeu essa coisa de “servo de não sei quem”?” “Esqueceu que ele foi um sacerdote?” respondeu o anão, dando uma rápida olhada no céu, franzindo as sobrancelhas. “Mas era da guerra!” Lestak retornou, não convencido. “Dá no mesmo! Agora me deixe em paz, elfo! Em breve teremos comida e água, mas fique de olho nesse homem. Um covarde que esconde o rosto deve possuir segundas intenções...” ········ A viagem durou quase o dia todo. Em pouco tempo Tenebra já vinha cobrar seu tributo. A luz das chamas iluminava o acampamento, e um leve mas gélido vento soprava, fazendo com que grãos de areia dançassem a volta das silhuetas negras que surgiam. “Ali! Meu povo!” Hassan apontou na direção do acampamento. “Pois bem, nos leve ao seu líder.” com uma expressão séria, disse Lancelot. “Eu o farei, mas antes experimentarão nossa hospitalidade e comida.” “Por que está sendo tão camarada conosco?” perguntou Lestak, desconfiado. “Eu já disse. É o costume. Meu dever é ajudar os viajantes incautos destas terras.” “Sem nada cobrar? Que eu saiba, nada neste mundo é de graça!” desta vez o anão perguntou, em tom de intimidação. “Vocês apenas têm que merecer o que iremos oferecer.” a afirmação do salteador soou como um enigma. “Como?” Louis perguntou. “Logo saberão...” Neste momento Hassan desceu de sua montaria, prendeu-a

em um tronco e seguiu em direção a uma grande fogueira, no centro do acampamento formado por tendas de tecido e madeira. A medida em que o grupo andava, eram timidamente observados com um misto de curiosidade e admiração pelas mulheres presentes, também cobertas com andrajos e véus. Elas já tinham visto outros forasteiros como eles, mas sempre era novidade. Perto do fogo o frio diminuiu consideravelmente e, antes de se sentarem, foram apresentados aos anciões. Como nem todos compreendiam o Valkar, Hassan falou na língua de sua terra natal. “Grandes Anciões, estes quatro são os guerreiros vindos de terras distantes a que os rumores se referem.” Apenas um dentre eles se manifestou, o resto apenas observou-o se levantando, com ligeira dificuldade. Dirigiu-se aos quatro, que estavam de pé, examinou-os dos pés a cabeça, causando pequena desconfiança neles e, em seguida, sentou-se no lugar onde estava. Seu Valkar saía com um forte sotaque, mas era compreensível. “Vejo que, a julgar pelas armaduras e pelo equipamento, estão à procura de algo. Com certeza não vieram com o propósito de nos roubar, nem tão pouco são de outro mundo. Por favor, sentem-se. Temos água, carne, sopa e pão. Sirvam-se, e depois conversaremos.” O convite não foi recusado. Os Lobos sentaram-se perto da fogueira. Em seguida, mulheres trouxeram os pratos mencionados, e não puderam esconder seus sorrisos ante a aparência estranha dos convidados, principalmente a do anão. Eles encheram seus cantis, beberam a sopa verde, comeram e guardaram alguns pedaços de pão e carne. Gayllant sentiu saudades do hidromel. Durante a refeição os habitantes do deserto conversavam animadamente em seu idioma, o que deixou Lestak curioso. Ele ficou observando atentamente cada palavra proferida por eles, apesar de não entender nenhuma. Lancelot e Louis comiam em silêncio. Já Gayllant não possuía tanta etiqueta... Após o término, Hassan, depois de tomar um gole d’água, dirigiu-se a Lancelot e perguntou o motivo de sua jornada. “Estamos a procura do lendário Oásis de Thyatis. Sei que vocês conhecem essas terras e, se puderem nos ajudar, seremos gratos.” O pedido do guerreiro fez com que todos os presentes ficassem em silêncio e surpresos. Menos os anciões, que já esperavam por essa pergunta. Sabiam que aqueles eram os Escolhidos. Haviam sido avisados através dos elementos que eles eram os forasteiros que iriam desvendar os segredos do lugar que os deuses esconderam e que só eles sabiam onde ficava. “Pelo silêncio vocês sabem onde está!” Lancelot se levantou, encarando, com expressão firme, os homens do deserto. A espada já estava em suas mãos. Antes que alguém dissesse qualquer coisa, Hassan desembainhou sua cimitarra e partiu brandindo-a em direção a Lancelot. Outros três, com armas escondidas por entre as roupas, fizeram o mesmo. Era a hora do teste, para ver se eles eram dignos de continuarem a jornada. Os dois trocaram alguns ataques até que Lancelot aparou um golpe de Hassan com facilidade, empurrando-o e derrubando-o na areia com a força de seus braços. Um outro pulou a labareda da fogueira e avançou em Lestak. O elfo desembainhou sua espada curta e pulou para trás, fugindo do golpe. Com uma rapidez impressionante desarmou o homem e deu um chute giratório em seu rosto, que caiu em uma cabana, derrubando-a.

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Gayllant não esperou ninguém o abordar. Correu contra o inimigo, derrubou-o com um encontrão e, com seu machado, fez um arco no ar que cortou a noite e a mão direita dele. Enquanto o homem gritava de dor, Hassan levantou-se com uma cama-de-gato e deu uma rasteira em Lancelot, que caiu com a espada longe de suas mãos. No momento em que o salteador ia desferir o golpe, uma flecha de Louis atingiu sua espada, que caiu no chão. O elfo ainda atingiu um oponente que ia em direção a ele e já preparava outra flecha para Hassan, quando ouviu uma voz. “Parem, já foi o suficiente!” Um senhor, aparentando ser mais idoso que os presentes, apareceu de dentro de uma cabana. Suas roupas eram brancas, e ele portava em seu turbante e vestimenta ouro puro. Havia grande idade em seus olhos e sua aura transmitia um sentimento de paz. Os Lobos olharam com surpresa. Não gostavam de ser interrompidos em um combate, e ainda estavam tensos. Os olhos azul-escuros de Louis encaravam aquele que, com certeza, era um feiticeiro poderoso. O cabelo cor-de-mel do elfo esvoaçava ao vento que soprava forte naquele momento, apontando na direção dele, como que anunciando sua chegada. O feiticeiro fez um gesto, e os desafiantes abaixaram suas armas e se afastaram dos mercenários, dando-os uma trégua. Em seguida, algumas mulheres foram em socorro do guerreiro que havia perdido sua mão. “Este combate foi para testá-los. Vocês lutaram com alguns dos melhores homens de nossa linhagem. Claro que eles, nem vocês, mostraram toda a sua habilidade. Mas o motivo disso tudo é que vocês são os Escolhidos.” “Escolhidos?” Louis perguntou, prestando atenção em cada gesto do feiticeiro. “Escolhidos dos Deuses. Vocês têm a permissão de chegar ao Oásis. Saibam que outros como vocês passaram por isso, mas morreram nas mãos de nossos homens, pelo rigor do deserto ou, se realmente chagaram lá, não retornaram mais. Nós sabemos o caminho, mas nunca entramos no Oásis. Não nos é permitido fazê-lo.” “Não nos venha com besteiras!” Meio que debochando rosnou o anão. “As forças superiores disseram que chegariam até nós seres de raças, convicções e motivações diferentes e conflitantes. Seres que não tinham objetivos e que, impulsivos, sairiam motivados por cobiça e poder, até aqui.” Os Lobos ficaram em silêncio. “Receberão túnicas e cavalos. Cavalguem na direção do vento, e lá estará o que procuram. Mas não se esqueçam: o teste ainda não acabou. Vocês podem ter sido escolhidos, mas a jornada ainda não chegou ao fim. Embora tenham merecido nossa ajuda, por provar serem corajosos, não é certeza de que merecerão a imortalidade por parte dos deuses.” “As atitudes que tomarão de agora em diante definirão se haverá um novo começo, ou será o fim.” ········ Cavalgaram por mais quatro dias. Trajavam as túnicas, estando as armaduras guardadas nas sacolas de suas montarias. Já sabiam sobreviver no deserto, conhecendo alguns de seus segredos, e não mais reclamavam tanto do calor. Estavam em silêncio, refletindo as palavras do feiticeiro. Toda aquela conversa de Escolhidos e teste deixou-os meio preocupados. Lancelot cavalgava a frente deles, vez por

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outra olhando para trás para ver se não havia acontecido nada. Tinha o pressentimento de que ainda tingiria sua espada de sangue antes de banhá-la no lago do oásis. Lestak lutava para ajeitar seu cabelo, que agitava sem parar, mesmo usando turbante, enquanto Louis preocupava-se em olhar adiante, prestando atenção à mudança do vento, cuja corrente seguia numa direção definida. Gayllant resmungava para si da dificuldade de andar a cavalo. Após mais algumas horas de viagem, uma mancha verde apareceu no horizonte. Todos imediatamente a reconheceram; haviam finalmente chegado ao Oásis de Thyatis! De longe puderam avistar suas árvores e sua vegetação que insistia em sobreviver naquele ambiente. Milhares de árvores, desafiando as terras áridas e exibindo-se para os aventureiros. Eram muitos quilômetros de uma beleza indescritível, pois aquele não era um lugar comum – era um lugar sagrado, reservado para pouquíssimos. E os Lobos Solitários eram um deles. Desceram e amarraram suas montarias. Mal podiam conter sua alegria, exceto Gayllant. Lancelot estava feliz, mas tentava manter-se sério. “Preparem as armas. Nós podemos ter chegado aqui, mas não encontramos o lago ainda.” “Ei Lancelot, como disse aquele caduco, somos os “Escolhidos”. Não vai acontecer nada com a gente! Pare de se preocupar! Não estamos numa guerra!” “Pode ser, mas nunca é demais prevenir.” “Eu concordo com o Lestak, Lancelot. O que mais pode acontecer conosco?” Louis estava ofuscado com suas ilusões de poder diante da perspectiva de tornar-se imortal. “Você sabe muito bem que sempre que abaixamos a guarda alguma coisa aparece!” “Não me venha com essas filosofias bélicas! Se fosse assim por que você não continuava na Ordem da Guerra?” “Isso é problema meu, elfo! Só estou falando pra estarmos preparados caso aconteça um combate!” Lancelot falou com voz alterada. “Desculpe estar interrompendo a conversa das duas meretrizes, mas acho que deveríamos descansar!” com a voz mais firme que seus companheiros, falou Gayllant. “O barbudo está certo! Parem de discutir e vamos descansar um pouco!” Lestak completou. “Nós já estamos aqui e temos tempo suficiente para ver onde está o lago depois.” Louis e Lancelot viram a expressão daquele anão que enfrentava os nortistas sem medo, e resolveram não desafiá-lo. Então pararam, sentaram-se, comeram e descansaram um pouco para, logo em seguida, retornar à procura. Os primeiros sinais de escuridão anunciavam a chegada da noite, quando encontraram o lago. Suas águas calmas refletiam a luz noturna. Mas algo estava errado. Havia uma mulher ali. ········ Estava banhando-se despida no lago. Gotas de água escorriam por seus longos cabelos castanhos e suas curvas perfeitas. Parecia ignorar a presença dos quatro. “Parece que temos companhia.” disse Lestak, retirando o turbante utilizado durante o trajeto. “Ela deve ser um avatar, ou uma semi-deusa. Talvez seja uma das famosas ninfas de Marah! Vamos!”

“Espere, Lestak!” Louis falou com moderação, pois não sabia se o companheiro era vítima de algum feitiço, dado sua pressa em ir ao encontro dela. “Pode ser uma armadilha, ou até mesmo a continuação do “teste”.” “Não me venha com esse papo de novo! Estamos no meio do nada, com uma mulher pelada a mostrar-se diante de nós, e não faremos nada? Sem chance! Você pode ficar com o Lancelot e o Gayllant que eu vou até lá!” Louis tentou impedí-lo, mas conteve-se diante do olhar curioso de Lancelot. Gayllant não esboçava nenhuma reação; apenas queria mergulhar no lago e ir embora. Enquanto o elfo ia em direção à tentação era observado com atenção pelos três. O guerreiro chegou perto do arqueiro e comentou: “Eu me pergunto por quê não foi você o afoito...” “Prefiro as loiras.” respondeu Louis, deixando escapar um rápido sorriso. A esta altura o ladino chegou na mulher. “O que faz neste fim de mundo, bela donzela?” A mulher virou-se para ele. Era uma jovem de traços leves e delicados, quase divinos. Seus olhos azuis espelhavam seu encanto. Seus lábios convidavam o mais casto dos homens ao pecado. “O que faço aqui não importa. Queres tomar banho comigo?” uma voz de mel saía da boca da jovem. Os dois se beijaram. O resto dos Lobos observava a cena em silêncio. Lancelot já havia desembainhado a espada de suas costas. Gayllant estava de braços cruzados, com seu machado apoiado por entre eles, e Louis pensava em como Lestak podia ser tão idiota a ponto de fazer aquilo sem se cuidar. Justo ele que, diziam, anos antes de conhecê-lo, havia conseguido sobreviver a uma incursão solitária ao palácio de Sallini Alan, em Triumphus. Lestak começou a tirar a roupa. Ele não percebeu quando a face da jovem mudou. Em questão de segundos seu corpo atingiu o dobro de seu tamanho e seu semblante tornou-se monstruoso. Garras, grandes como espadas, saíram de suas mãos enrugadas. Seu rosto esboçava um focinho tosco, com dentes tortos e pontiagudos. Seus olhos tornaram-se vazios e asas retorcidas surgiram de suas costas. Seres de coração, coragem e vontade mais fracas, com certeza enlouqueceriam à simples visão de tamanha monstruosidade. Pegou o elfo pelos braços e o lançou longe. Tudo foi tão rápido que ele nem teve chance de se defender. “Resposta errada, tolo mortal! “ um grunhido sobrenatural emanou do ser demoníaco. A força aplicada foi tão grande que Lestak foi parar longe da batalha iminente e da vista de seus companheiros. Imediatamente Lancelot e Gayllant correram em direção ao monstro. O humano foi o primeiro a desferir um golpe. Sua espada cruzou com rapidez e precisão o ar, mas foi aparada apenas por uma das mãos da criatura. O guerreiro tentou esconder seu medo depois do primeiro ataque. Em toda a sua carreira como aventureiro, já havia enfrentado todo tipo de criaturas, desde orcs e goblins, passando por mortos-vivos, e até mesmo alguns dragões, entre eles um preto e um branco. Mas nunca aquilo. Gayllant, tentando aproveitar a distração que seu companheiro havia proporcionado, pulou em direção e ela utilizando sua técnica favorita, o bom e velho ataque em carga que o salvou muitas vezes contra os bárbaros das montanhas em tempos passados. Sabia como ninguém utilizar essa técnica que,

aliada a um poderoso golpe de machado, cortava uma árvore com apenas um golpe. Entretanto, não foi suficiente. Com a outra mão livre, não foi difícil para as garras bestiais experimentarem as entranhas do anão no momento em que pulava para atacar. Não havia armadura para transpassar, sendo a túnica sua única “proteção”. Antes de cair no chão ele se amaldiçoou por não estar trajando sua armadura. Cego pela oportunidade de combate, não pensou em utilizar estratégias, mesmo diante de um inimigo singular. Engasgado no próprio sangue, desmaiou. Louis não teve tempo de ficar atônito com a cena. Embora não nutrisse nenhum sentimento especial pelo companheiro caído ou por qualquer outro, ainda sim um código de honra tentava faze-lo proteger ele e os demais integrantes do grupo. Rapidamente, seguindo seus instintos, preparou uma flecha, mirou no monstro e lançou-a. Não sabia se iria acertá-la, mas tinha que tentar. Infelizmente era apenas uma flecha comum, que foi facilmente inutilizada com o uso de um escudo humano. Lancelot já havia levado uma ou duas flechadas em seus tempos de clérigo, mas sempre era dolorido. A criatura o jogou no chão e começou a correr em direção ao autor do disparo, que se embrenhava árvores adentro através do oásis. O ex-sacerdote tentava, a muito custo e dor, tirar a flecha de suas costas, quando Lestak apareceu, mancando e sangrando. A queda havia sido feia. “Rápido, Lancelot! Dê-me sua espada!” Sem entender direito, o guerreiro obedeceu. Jogou sua arma para o elfo, que a pegou desajeitadamente e se dirigiu às águas. “Se esse lago nos torna imortais, talvez afete nossas armas, tornando-as mágicas ou algo do tipo. Aquele demônio com certeza é invulnerável à armas mundanas como as nossas.” Mergulhou a espada e, nesse momento, aconteceu uma transformação debaixo das águas. Uma luz branca saía do fundo dela, ofuscante a ponto do elfo ter que fechar os olhos. Repentinamente, um grito ecoou pela noite. Era o grito de Louis. Nesse momento, Lancelot fraquejou. Seu maior parceiro de batalhas, tavernas, mulheres e viagens desde a época de guerras, estava morto. Há anos seu orgulho o impedia de demonstrar muitos sentimentos de companheirismo, mas agora era tarde. “NÃO! BASTARDO!” gritou com toda a força dos pulmões. Levantou-se, retirou a flecha, não se importando com o sangramento e pegou a espada rudemente da mão de Lestak. Seu rosto expressava fúria. Não uma fúria que representava deuses como Keenn; era uma fúria de homem. Não notou que sua espada havia mudado. Runas marcavam a lâmina, mais fina e com tom mais prateado. Estava mais leve, e a empunhadura era envolta em tons dourados. Uma arma digna de deuses. O demônio ouviu o brado do guerreiro o desafiando, e soltou um grito de aprovação enquanto voava na direção dele. Muitas flechas estavam cravadas no corpo da aberração. Além disso, havia muitos cortes nela, indicando que o combate fora feroz. Lestak mergulhou sua espada no lago. Ele próprio não mergulhava porque sabia que aquela devia ser a última parte do “teste”. Finalmente havia acreditado nas palavras do velho. Tinha que merecer a imortalidade. Lembrou que Louis ainda não tinha sua arma encantada; pegou a flecha que havia atingido Lancelot e também a afundou no lago.

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O monstro lançou-se em um ataque violento. Porém, o humano estava fortalecido pela fúria e, mesmo as garras não conseguiram tocá-lo, tal sua maestria com a espada, conseguindo apará-las e impedi-las de feri-lo. Irritada, suas asas bateram mais forte, fazendo-a alcançar o céu noturno. Em seguida, sua boca se abriu, revelando uma luz que logo mostrou ser uma destruidora bola de fogo, que iluminou a noite. “É INÚTIL!” desviando dela através de uma cambalhota, gritou o guerreiro após se levantar. A criatura riu. Não era um riso normal; era uma risada que fazia os homens se arrepiarem de horror e que irritava os ouvidos. “Morra.” respondeu ela, e continuou a soltar seus disparos flamejantes. Não apenas pela boca, mas através também de suas mãos. Minutos depois as chamas começaram a tomar conta do ambiente. Eles já estavam no meio das árvores. Se ficassem em campo aberto, morreriam. Enquanto o fogo ardia ao redor deles, Lestak teve a idéia de subir em uma árvore ilesa, e atacar dali, já que ela não resolvia descer. Então ela parou de cavalgar o ar e pousou na frente do guerreiro. O elfo estava semi-oculto pela pouca folhagem da árvore, mesmo com a luz das chamas. Possuía essa habilidade em elevado grau. “Não há escapatória para você, desgraçado!” disse Lancelot, apontando a espada. “Ainda teimando em viver? Vocês, mortais, não são mesmo inteligentes... Não é você que está cercado pelas chamas? As chamas da morte, que consumirão sua ousadia de vir aqui desafiar o que não conhece! Vou acabar com isso!” Era o momento certo. Enquanto ela avançava uma vez mais em direção à Lancelot, Lestak pulou e cravou a espada em suas costas. A dor foi sentida na hora, e desta vez era a aberração que gritava de dor. O guerreiro nem pôde rir de alegria. Num acesso de raiva, o monstro jogou o elfo no chão e ia desferir o golpe fatal. Não havia tempo para ele salvar o amigo. Foi quando um disparo rasgou o ar e atingiu a cabeça do monstro. Era uma flecha. A flecha de Louis. O elfo estava cheio de escoriações e cortes, com um torniquete na perna, improvisado com a túnica suja e rasgada. Apesar de estar manchado de sangue, o tiro havia sido certeiro. Lestak riu de alegria ao ver a criatura cair no chão. Lancelot correu com sua espada e terminou a luta, decepando o monstro e, para ter certeza da vitória, cravando sua espada no coração dele. Quando tudo terminou, só havia a luz e o barulho do fogo crepitando na vegetação. ········ “Louis, você está bem?” Lancelot chegou perto, na intenção de apoiar o amigo, que estava cambaleante. Lestak levantou-se com uma cama-de-gato, pegou sua espada e perguntou a Louis: “Como você conseguiu sobreviver? E como matou ele?” “Nem eu sei direito. O que sei é que estava correndo, tentando atraí-lo enquanto vocês pensavam em alguma coisa. Travamos um breve combate. Levei muitos ferimentos, mas consegui desviar da maioria dos golpes. Só que um deles me pegou e quase morri. Havia desmaiado, verdade, mas, quando voltei a mim, vi que vocês precisavam de ajuda. Peguei meu arco, andei até o corpo de Gayllant e encontrei uma flecha. Foi essa flecha que eu usei na criatura.”

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“O que importa é que estamos vivos.” disse o ladino, feliz. “Menos Gayllant. “ retornou o arqueiro, com tristeza na voz. Abaixou a cabeça por um breve instante, mas depois tornou a levantá-la. “Não era o destino dele tornar-se imortal. Seu fio já havia sido tecido. Há muito tempo...” “Pois bem, vamos acabar logo com isso. As areias do deserto sepultarão nosso companheiro.” Lancelot tentava esconder seu sentimento. Estava feliz pela batalha ter acabado e pela volta do amigo. Segurava a empunhadura da espada com menos força. Os três chegaram mais uma vez ao lago. Olharam aquelas águas, motivo de tanto risco e trabalho. Tinham enfrentado o deserto, a fome, os perigos, e agora a recompensa finalmente havia chegado. Sabiam que não estavam com a mesma mentalidade do início da jornada. “Quem vai primeiro?” perguntou Lancelot. “Eu vou.” respondeu Lestak. “Afinal, já estou pelado mesmo...” Quando o elfo ia pular nas águas, todos os focos de incêndio começaram a subir aos ceús, unindo-se num único ponto e formando um gigantesco pássaro de fogo: a Fênix. “Parabéns, mortais. Vocês passaram no teste. Mostraram que têm bondade no coração e virtudes. Apesar das inconstâncias, provaram-se dignos. Agora, têm o direito de banhar-se no meu oásis, o oásis de Thyatis, deus da ressureição. Assim como eu posso devolver a vida, posso impedir que tirem-na. Através destas águas, suas armas tornar-se-ão quase tão poderosas quanto um artefato, e um Dom Divino será dado a vocês: a vida eterna. De agora em diante, não mais envelhecerão. Serão menos suscetíveis a sofrerem danos mundanos e, no caso de “morrerem”, ressuscitarão indefinidamente. Os deuses e mesmo eu não controlam esse poder; ele é apenas de vocês. Seus nomes dificilmente constarão nas lendas, uma vez que não têm vínculos com quem quer que seja. Entretanto, serão sempre Imortais. Vão, e sigam seus caminhos.” ········ Quando a Fênix se dissipou no ar, uma sensação de completa alegria tomou conta dos três. Tinham o que queriam, e era isso que importava. Não eram mais as mesmas pessoas. Haviam aprendido a serem melhores homens, cultivando virtudes como o companheirismo. Após um banho sagrado, que curou todas as feridas dos combatentes, dormiram. Quando acordaram, com os primeiros raios de sol, tinham conhecimento de que era o início de uma nova vida. Nada seria como antes. Ao abrirem os olhos, viram que estavam no meio do deserto. Na verdade, estavam no mesmo lugar da noite anterior; o oásis havia simplesmente desaparecido... Prepararam suas coisas, encontraram suas sacolas e começaram a andar em direção ao sul. Os cavalos haviam sumido. Horas de caminhada depois, uma figura apareceu no horizonte. De longe dava-se para ver que não era um ser qualquer. Diziam ser a mais perigosa criatura do mundo, e talvez fosse verdade. “Olha Lancelot, um dragão...” disse Lestak, apontando a espada. “O que vamos fazer?” perguntou Louis. Em resposta, o guerreiro desembainhou sua espada e largou a sacola que estava carregando. “Nossas verdadeiras aventuras começam agora!” E começou a correr em direção ao dragão. FIM

Throne, o Herói Por Douglas Reis

Cai da noite o manto estrelado eis o mal a se infiltrar. Até com o dia clareado se o mal se arraigar, permanecerá! Mas cavalga já entre nós, o campeão que há de nos salvar! Com determinação feroz, de todo o mal exterminar! Contra o caos que ameaça o mundo foi mandado tal herói. Abençoado pelos deuses com sua lança traz punição aos maus. Throne é o nome desse grande herói! Throne é aquele que nos valerá! Throne trará a todos justiça! Throne os fracos defenderá! Throne! Throne! Throne! Throne!

········ - Socorro! Em nome de Khalmyr, alguém me ajude!! Amarrada a uma árvore petrificada, Penélope gritava a plenos pulmões, a esperança de ser ouvida e resgatada apenas um mero fiapo ao qual desesperadamente se agarrava. O rugido que vinha de dentro do covil a meros cem metros de si foi o que a fez lançar esse desesperado pedido de ajuda, pois com a fera acordada já nada mais tinha a perder. — Ora... — rosnou a criatura, arrastando seu corpanzil draconiano para fora da caverna que passara a habitar. — É um bom começo, escolheram uma bem gordinha. — Soc... EI!! — indignou-se a vítima. — “Gordinha” é sua mãe, seu lagarto fedorento! — com as mãos presas, a corpulenta jovem pode apenas chutar alguma poeira na direção do dragão que recentemente instalara-se no vale. Penélope realmente não podia ser chamada de “gordinha”. “Gordona” começava a se aproximar da verdade, embora “baleia” fosse uma metáfora não de todo desmerecida, dada sua altura de 1,89m e seus quase 200 quilos de peso. Vivia sozinha em uma pequena fazenda perto da vila Klydd, no vale do mesmo nome em algum lugar da União Púrpura. Mas sozinha dava conta de todo o trabalho em sua propriedade, então não se dignava a retrucar aos insultos que eventualmente recebia do povo da vila. Mas quando o dragão vermelho chamado Harlakk surgiu aterrorizando a vila e exigindo tributo para não devastar tudo, Bastian Klaw - o gestor da vila - conspirou com outros líderes para entregarem Penélope e assim ficarem com sua propriedade. Desta forma, os próximos tributos poderiam ser pagos com seus bois e carneiros e o restante da produção seria lucro.

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— De fato, ela é! — respondeu Harlakk, não contendo contudo uma olhadela ao redor para ver se sua mãe não estava por perto ouvindo. — Mas não vem ao caso. Você devia estar feliz, afinal pela primeira vez em sua vida alguém vai chamá-la de “gostosa”! — Isso dito, arreganhou a bocarra e preparou-se para devorar a mulher em uma só mordida. Bem, talvez em duas ou três. Mas uma lança cravou-se no chão bem entre o dragão e sua indefesa vítima, por pouco não empalando a língua pendente de Harlakk. Ato contínuo, uma possante voz alteou-se pela ravina. — Cessai vosso frêmito, indômita criatura!! — Iiihh, outro? — rugiu o dragão, entediado. A lança magicamente desencravou-se do chão e retornou às mãos de seu lançador, um imponente cavaleiro numa brilhante armadura dourada, montado num belo garanhão todo branco. De um bolso na sela sobressaía parte de um grosso livro vermelho. — Eu sabia! O último herói que devorei também tinha lido o “Frases Heróicas e Palavras Impressionantes” do Mago D´Zilla. Apeando de sua montaria, o herói usou sua lança como vara de salto e lançou-se ao ar, caindo bem onde a arma anteriormente cravara-se. — Nada tema, madame! Throne, paladino dos deuses, não permitirei que essa criatura pulisa... pusali... — “Pusilânime.” - ofereceu o dragão. — Isso, obrigado! ... inflija-lhe qualquer malefício! — Aposto que nem sabe o que significa “pusilânime”. — zombou a fera, preparando o bote. Impulsionada pelos poderosos músculos do pescoço, a cabeçorra do dragão estendeu-se velozmente contra o herói que, no entanto, repeliu o ataque com um ágil golpe com o cabo de sua lança bem entre os olhos do monstro. Mesmo tendo sido lançado a vários metros de distância, o herói recuperou o equilíbrio bem antes de o dragão parar de ver estrelas diante de si. — Ai!! Malditos heróis e seus golpes de sorte!! — rugiu vesgo Harlakk enquanto Throne cortava com a lâmina de sua lança as amarras que prendiam Penélope. — Estou saaalva! Obrigada, meu heróói! — agradeceu a pobre e indefesa vítima, abraçando seu salvador. — Sim...madame... agora... por favor... ARFF!! — quando Penélope aliviou o aperto, o herói continuou — agora afasta-te do prélio, pois letais serão os ‘evlúfios’ que dele emanarão! — É “eflúvios”, seu intelectual de meio tibar! — rugiu o monstro, lançando uma baforada flamejante ainda às cegas, mas perto o bastante para causar preocupação. Penélope correu para longe (um feito admirável para alguém de suas proporções) enquanto Throne cobriu-lhe a fuga. — Você apenas substituiu minha refeição, Throne. Só tenho que decidir se a assarei antes ou depois de usar um abridor de latas! — Se prezasses tuas coronárias, ao menos isso agradecer-me-ias, vil criatura! ”Epa! Acho que não gostei dessa!” — pensou a ex-vítima por detrás de rochas afastadas do embate. Os adversários agora circulavam um ao outro, procurando avaliar suas verdadeiras capacidades. Throne viu

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que o dragão era ainda bastante jovem, um adolescente pelos padrões daquela raça, sua arrogância natural ainda não temperada pelos séculos de vivência. Harlakk só via um humano pretensioso com mais sorte do que tinha direito de ter. Novo ataque flamejante foi detido meramente pelo rodopiar da lança nas mãos do cavaleiro. — Uma arma mágica! É isso que o faz tão confiante? — riu o dragão. — Em breve sua arma e sua armadura estarão em minha coleção, e você não passará de uma divertida lembrança! — Só ouço bravatas, e ainda quedo-me íntegro! Se não tivessem indicado-me a direção errada, já o teria exterminado por agora! — COMO É?!! - gritou Penélope lá de seu esconderijo, abandonando-o na verdade e aproximando-se dos combatentes. — Quem indicou o caminho errado para você? — O gestor Bastian Klaw, madame. — disse Throne, sem desviar os olhos do dragão. — Prometeu-me até mesmo dez bois para salvar-te a vida, recompensa que não posso é claro acei... — COMO É?!! — gritou o dragão, abandonando a postura de combate. — Quando estive naquela vila miserável esse sujeito disse que eram tão pobres que não tinham nem mesmo uma cabra para o tributo, quanto mais bois! — Bom, agora ele tem! MEUS bois, o maldito, miserável... — ...trapaceiro, calhorda, tratante,... — Meus caros... — tentou interromper Throne, mas a torrente de impropérios prosseguiu. — ...velhaco, pilantra, cafajeste,... — Empreste-me o livro! — disse o dragão, estendendo sua garra e agarrando o livro sobressaindo no bolso da sela. Folheando-o, prosseguiu: — Salafrário, sicofanta, sibarita,... — MEUS CAROS!! — finalmente os altercantes voltaram suas atenções para Throne, que prosseguiu. — Creio que tenho uma idéia que pode solucionar... elegantemente essa situação. ········ Bastian Klaw e seus asseclas bebiam alegremente na pequena taverna da vila Klydd, enquanto comemoravam a fortuna recém-adquirida. — E tudo o que precisamos fazer foi nos livrarmos daquela gordona de quem ninguém gostava mesmo! Hihihiehe! Heheheaha! Hahahahahahah! — e assim dizendo tomou sua caneca de cerveja. — A dona Penélope voltou!! — gritou um garoto na única rua da vila. Klaw cuspiu sua cerveja e correu para fora, juntamente com seus úmidos asseclas, e viu o herói que mandara para o lado oposto ao do covil do dragão entrar andando na vila trazendo seu cavalo pelo cabresto com Penélope montada nele! Incrédulo, aproximou-se com a mais dissimulada das atitudes. — Saudações a todos! — anunciou o herói — Quero apresentar-lhes nesta alvissareira ocasião o mais novo casal de vossa vila!

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— O... o... — os olhos de Klaw ameaçavam saltar-lhe das órbitas, tamanho foi o susto. — ...o senhor... casou-se com-com-com... com nossa Penélope? — Não, senhor, não tive a honra! Fui apenas o celebrante, conforme ditam minhas atribuições de paladino dos deuses. O noivo é ele! — finalizou, apontando para cima. Klaw seguiu-lhe a indicação... e caiu de costas no chão. Harlakk pousou ao lado do cavalo de Throne, dobrou suas asas coriáceas e transformou-se, assumindo uma forma humana. Então ajudou Penélope a desmontar, enlaçou-a pela cintura e fitou o gestor Klaw com um sorriso que nada tinha de simpático. — Bem que eu achei seu focinho meio comprido! - disse romanticamente Penélope ao reparar no grande nariz adunco da forma humana do dragão. Se Harlakk importou-se com a observação não o demonstrou. — Harlakk declarou-se arrependido de sua atitude anterior, — continuou Throne, ajudanto o gestor a levantar-se — e quer estabelecer-se em sua vila. Na verdade, ele pretende concorrer para o cargo de gestor num futuro próximo. — Ma... mas... é um cargo... vitalício... - disse Klaw quase caindo de novo. — Ora, tenho certeza - atalhou Harlakk — que poderemos contornar isso de forma... criativa! — o sorriso do dragão estendeu-se quase de orelha a orelha, e Klaw chegou a ver-se refletido em seus dentes. Engolindo em seco, foi afastando-se de fininho enquanto o povo da vila acorria para saudar o novo casal. — Bem, creio que tudo está ajustado agora! — regozijou-se Throne. — Posso seguir adiante em minha peregrinação, pois o mal jamais descansa! Adeus, sejam felizes! Adeus! Throne montou seu cavalo e cavalgou lentamente pela vila enquanto as crianças corriam ao seu redor, rindo e gritando vivas para ele. — A palavra de um dragão jamais é rompida! Eu a farei feliz enquanto durar sua curta vida humana. — rosnou o dragão. — Ah, querido, sobre isso, preciso dizer uma coisinha... há muitos anos eu... fui uma aventureira errante e... consegui a realização de um Desejo por Thyatis. — Sei. Grande... !!!! O-o-o... aquele que... Deus da-da... — Ressurreição. Eu pedi a Imortalidade, o que quer dizer que teremos um loooooongo futuro juntos... meu amor! — Eu quero a mamãe! — gemeu Harlakk.

FIM

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Justiça a Qualquer Preço Por Henrique Martins Certa vez estava eu em uma antiga taverna nas proximidades de Valkaria, quando comecei a prestar atenção as palavras de Elyot, o halfling bardo mais famoso de smallvile (a menor vila do reino de Hongary), contava ele que há muito tempo atrás o todo poderoso deus Khalmyr estava meio chateado e entediado com a monotonia e a morosidade dos processos divinos. Todos os dias, pelo menos um de seus assessores vinha lhe dizer que tal processo já estava há anos parado, que tais decisões pareciam não ser tão justas e outras tantas reclamações. Sendo então ele o deus da Justiça, teria que tomar alguma providencia, e que esta teria de ser imediata e complacente com os ritos ordinários dos processos da época. Por sinais muito lentos, demorados e exaustivos. O problema que havia em questão não era encontrar uma solução e sim fazer com que esta fosse cumprida o mais rápido possível e não poderia ser ele, Khalmyr, que teria que dar essa solução, pois senão estaria ele contestando o próprio sistema de justiça que havia criado. Khalmyr então desceu até ao nosso plano como avatar, não na forma em que todos o conheciam: aquele grandioso cavaleiro carregando sua magnífica espada. Veio como um simples camponês e procurou um dos mais antigos conhecedores dos costumes artonianos, a pessoa que sabia até quais eram as mais estranhas e incompreensíveis instituições “jurídicas” da “lei” de Khalmyr. Não. Não estou falando de seu sumo - sacerdote, Thalen Devendeer, estou falando de Hagnoel, profundo conhecedor das tradições e rituais do culto a Khalmyr e figura importantíssima na fundação da Ordem da Luz. Famoso em todo reinado por afugentar os mais ardilosos mortos - vivos apenas com a pronuncia do nome de seu adorado deus, o todo poderoso Khalmyr. O simples camponês bateu na porta da humilde residência de Hagnoel e chamou: — Senhor Hagnoel ? esperou um instante até que alguém abriu a porta e disse: — Quem é ? Atendeu à entrada da porta da pequena casa de não mais que dois ou três cômodos um senhor aparentando ter por volta de 60 anos de idade. — Senhor, sei que deve estar ocupado, mas posso ter um minuto de sua atenção, senhor ? Aquele senhor idoso de barbas tão brancas quanto a neve das uivantes ficou até surpreso com tanta humildade e respeito que havia no olhar daquele simples camponês de pés descalços e voz mansa como o leito do pequeno riacho que escorria bem a poucas dezenas de metros da frente de sua casa. — Claro que sim meu caro rapaz. Entre, venha tomar comigo um chá de ervas que acabei de preparar. Pela sua aparência vejo que não moras aqui por perto, não é? — Sim, é verdade. Não moro por aqui, estas terras não são muito boas para se plantar. Foi dizendo enquanto adentrava a casa. — Então o que o trouxe até minha humilde residência? — Vim por causa de vossa sabedoria senhor. Venho perguntar - lhe o que deve ser feito para que a justiça possa ser mais rápida e mais justa... que nosso senhor Khalmyr me perdoe, mas estou descontente com as últimas decisões que alguns sacerdotes vem tomando em minha terra natal. — Filho a justiça de nosso senhor não é como a justiça dos homens, receio que as tradições de Khalmyr tenham sido detur-

padas por seus seguidores. Por causa disto afastei-me da Ordem Da Luz, não concordava com algumas coisas, infelizmente não pude fazer nada a respeito, a realidade deve ser aceita. — Mas senhor! Não posso deixar as coisas assim, tenho que fazer algo! Disse em tom de voz imponente o simples camponês. — Bem meu filho, já é noite e está ficando frio lá fora, vamos tomar um chá. Se quiser pode passar a noite aqui, você é bem vindo em minha casa. Espere um pouco que vou até a cozinha buscar o chá e alguns doces de Hershey, são deliciosos! Você já deve ter provado algum desses por ai. Enquanto Hagnoel retirava-se da pequena sala, Khalmyr ficou pensando em como faria para mudar a atual situação que se encontrava seus seguidores. Inconformado e furioso, não conseguia pensar direito e por estar um tanto cansado naquele frágil corpo, decidiu que passaria a noite por ali mesmo e que amanhã tentaria encontrar uma forma de solucionar os problemas. Após tomarem o chá e conversarem sobre outros assuntos menos importantes, Hagnoel deu-lhe alguns lençóis e lhe desejou boa noite. Adormeceram facilmente, pois de tão tranqüila que era aquela região quase não se ouviam barulhos a noite. ········ — Senhores, este pergaminho contêm as normas que me foram ditas pessoalmente por nosso deus, Khalmyr. Os ideais de justiça e ordem devem ser seguidos sem nenhum questionamento, devemos defendê-los com nossa própria vida se preciso for. Salve Khalmyr, nosso deus! Exaltou o homem com belas vestimentas de sumo-sacerdote sobre um imponente altar a frente de varias fileiras de clérigos e cavaleiros. E todos no recinto bradavam: — Salve! Salve! Salve! As vozes poderiam ser ouvidas a varias dezenas de metros dali, por toda a floresta poderiam ser ouvidos as exaltações. Bielefeld nunca deve ter tido uma festa tão grande quanto foi a de fundação da Ordem da Luz, uma das organizações benignas mais notórias em Arton. — Que Khalmyr nos proteja e nos conduza a busca da ordem e da justiça a que todos desejamos um dia alcançar. ········ Hagnoel acordou assustado e ao mesmo tempo surpreso. Havia sonhado com o dia da fundação da Ordem da Luz. Não conseguia lembrar-se nitidamente do sonho, porem sabia que tinha sonhado com o dia da fundação da ordem. Levantou-se e foi ao encontro do camponês que estava na sala. Já de pé o camponês sorriu e disse-lhe: — Bom dia, como foi a noite? — Foi agradável, o único fato curioso que me ocorreu foi ter sonhado com o dia da fundação da Ordem da Luz. Fazia muito tempo que já não me lembrava deste dia. — Que interessante, e como foi o dia da fundação, senhor ? — Há foi uma bela festa, muita comida, muitas canções de louvor a nosso deus, tivemos um torneio de bravura e varias donzelas se apaixonaram por cavaleiros de nossa ordem naquele dia.

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— Deve ter sido magnífico! — E foi, mas o momento mais importante foi a leitura do Sagrado Pergaminho de Khal... e uma expressão de espanto assolou a face do homem que um dia foi um dos mais importantes membros da ordem. — O que foi ? O que está acontecendo? Assustado perguntava o jovem rapaz. — O Pergaminho! Disse o velho. — O que tem o pergaminho, senhor ? — O Pergaminho é a chave para os problemas! — Como assim o pergaminho é a chave para os problemas ? — Você não entende. Vou lhe contar a historia desde o inicio. Alguns dias antes da fundação da Ordem da Luz, eu havia tido um sonho onde Khalmyr me dizia para escrever um pergaminho, este deveria conter todas as normas a ser seguidas por seus devotos, este pergaminho continha cerca de 20 normas, desde como celebrar os cultos de adoração até como deveriam ser feitas as orações oficiais de nosso deus e além do pergaminho Khalmyr ordenou-me que deveria eu, juntamente com outros seguidores, fundar uma ordem de clérigos e cavaleiros para proteger e difundir os ensinamentos do Sagrado Pergaminho de Khalmyr. — Tudo bem, até aqui eu entendi, só ainda não sei o que o pergaminho tem haver com tudo o que acontece hoje em dia? — Deixa-me continuar que você vai entender. ········ Como conseguirmos saber o que realmente acontece a nossa volta? Será que tudo que acreditamos tem realmente algum sentido? O que nós estamos esperando para irmos ao local prometido? Por que acho que na verdade ainda não sei nada? Hagnoel questionava-se intimamente. Se Khalmyr é onisciente, onipresente e onipotente, qual será o motivo de haver tanta injustiça? Crenças criadas a partir de suposições às vezes podem nos colocar em duvida sobre a fé em que acreditamos, Hagnoel estava em um desses momento de duvidas. Perguntas estas que não saberia a resposta antes de sucumbir ao sono eterno. Somente quando fosse para o tão almejado reino celestial de Ordine, morada de Khalmyr e seus mais fervorosos fieis, poderia saber as respostas. — Onde mesmo tinha parado? — No pergaminho, explique o que aconteceu. — Haamm, lembrei, após a leitura do pergaminho ficou decidido que este ficaria guardado na Urna do Destino. Esta urna ficaria na Sala da Contemplação e somente o sumo - sacerdote poderia uma vez por ano entrar nesta sala para fazer um limpeza e orar para que Khalmyr falasse pessoalmente com o sumo sacerdote. — Por que será que não consigo me lembrar disto? Perguntou-se Khalmyr. — O que disso filho? — Nada! Não disse nada não senhor, continue. — Então uma vez por ano o sumo - sacerdote entrava, fazia uma limpeza, orava e Khalmyr dizia-lhe os novos objetivos a serem alcançados no corrente ano. Parou de falar e vez uma cara de quem estava tentando lembrar de algo. — Até aqui tudo bem , eu só ainda continuo a não entender qual a ligação que isto tem com os problemas que estamos enfrentando hoje! Disse Khalmyr interrompendo os pensamentos de Hagnoel. — Mas é agora que eu vou explicar, um ano antes de partir, a penúltima vez que presenciei a entrada do sumo - sacerdote na Sala da Contemplação, não consegui sentir a presença de Khalmyr na hora em que abriram a porta. No momento fiquei até constrangido e pedi perdão por ato tão desrespeito e por minha

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falta de fé. Acontece que depois de algum tempo, conversando com outros colegas da ordem, eles confessaram que também não conseguiram sentir a presença de Khalmyr naquele dia. Decidimos então aumentar nosso tempo dedicado as orações e intensificar ainda mais nossas obras e pregações. Tentando trazer o maior numero de fieis para nossos templos. No ano seguinte, apesar de todos nós termos vistos a Urna do Destino na hora da abertura da Sala da Contemplação, poucos conseguiram sentir a presença de Khalmyr. Muitos abandonaram a ordem julgando não ser mais dignos de pregar a palavra de Khalmyr... inclusive este velho fiel que vos fala. Algumas lagrimas descem pelos olhos do velho clérigo que se retira da sala em direção a cozinha, sentado em uma cadeira e com a cabeça abaixada, ouve o jovem camponês da sala disser : — Obrigado senhor era tudo que precisava saber, agora mesmo partirei para Bielefeld e descobrirei o que realmente aconteceu, até mais, eu volto! Saiu apressadamente em direção a porta e só parou a alguns metros fora da casa quando ouviu Hagnoel disser: — Hei, jovem, leve contigo este medalhão irá te proteger contra o mal. Hagnoel jogou o medalhão para frente em direção ao camponês e nos pouco segundos que esteve no ar Khalmyr viu um intenso brilho ser emanado do medalhão, era a mais pura energia que havia visto na forma de avatar naquele plano onde os humanos chamavam-no de Arton. Era a sua própria energia, a representação de seu poder divino no plano material. Sem pensar duas vezes, agarrou o medalhão e deu um estridente assobio, em poucos segundos um majestoso cavalo de guerra saiu de dentro da floresta e Khalmyr montou-o partindo sem ouvir Hagnoel disser-lhe: — Boa sorte! Garoto... engraçado... nem me disse seu nome, quando voltar eu lembro de perguntar. Entrou e foi preparar sua refeição. O cair da noite nunca havia lhe parecido tão negro, tinha a impressão de que a própria deusa Tenebra estava próxima, espalhando a escuridão por toda parte. A lua era a única fonte de luz que ajudava um pouco a enxergar a estrada. Khalmyr já não usava mais a forma de um simples camponês, estava agora na forma de um bravo guerreiro montado em seu cavalo de guerra. A espada que carrega nem de longe lembra a poderosíssima Rhumman, que está guardada em algum lugar em Doherimm, o reino subterrâneo anão; mas serve para combater os perigos desconhecidos a que está próximo a enfrentar. Cansado de tanto cavalgar, o guerreiro decide parar na próxima vila para poder descansar. Não demora muito e vê ao longe um pequeno vilarejo o qual parece ter uma estalagem próximo a estrada. Ao entrar viu que além de estalagem também funcionava uma taverna no mesmo local. Apesar de não estar muito interessado na diversão daqueles viajantes e hospedes que estavam ali estalados, uma jovem elfa chamou a sua atenção. A elfa que se apresentava no pequeno e rústico palco da taverna. Sua voz era belíssima, havia nela uma presença de espirito que encantava qualquer indivíduo, mesmo os que não apreciavam a arte de forma tão refinada quanto os nobres de Deheon ficaria extasiados com tanta desenvoltura e autoconfiança. Seu cabelo vermelho dava-lhe um charme tão grande que chegava a provocar a inveja das outras fêmeas que encontravam se no recinto. Khalmyr ficou um tanto quanto interessado naquela bela elfa. Após a apresentação a elfa desceu do palco, foi em direção ao balcão e pediu uma taça do saboroso vinho elfico. Khalmyr que estava bem ao seu lado disse-lhe: — Bela apresentação, você tem talento, parabéns! — Obrigada, agradeço sinceramente os elogios. — Eu é que agradeço por ouvir tão bela voz e tão bela repre-

sentação, além de que a canção foi muito bem escolhida. Combinou perfeitamente com sua voz senhorita, haamm... Qual é mesmo o seu nome? — Pode me chamar de Enyla, Enyla Eagle. E você, como se chama? — Haamm... Khalmyr ainda não tinha pensado em um nome, ele nunca tinha precisado de outro nome. Disse-lhe meio desconcertadamente: — Meu nome é... é... Rimalk, isso Rimalk é o meu nome. — Muito prazer em conhecê-lo Rimalk, desculpe-me mas tenho que ir dormir. Vou acordar cedo amanhã para pegar a estrada. — Para aonde está indo? — Para casa, para Bielefeld, de onde não devia ter saído. — Também estou indo para lá, você não quer companhia? — Amanhã veremos. Boa noite. A elfa subiu as escadas da estalagem e desapareceu da visão de Khalmyr, ou melhor Rimalk. Rimalk pediu um quarto e foi descansar. Pela manhã quando acordou, desceu e pagou a hospedagem, ao sair encontrou Enyla próxima a seu cavalo, acariciando-lhe a crina. Ela logo que viu o guerreiro disse: — Que lindo esse seu cavalo, Rimalk. Gostaria de ter um como o seu. — Obrigado, esse é o... Ventania. Corre como o vento. — Que ótimo, ter um cavalo veloz ajuda muito. Vamos então seguir viagem? Enyla montou em seu cavalo e saiu na frente, Rimalk foi logo atras dela com seu cavalo, que agora tem até um nome, Ventania, uma expressão de alegria formava-se em sua fronte enquanto pensava como são engraçados e estranhos os humanos e essas outras raças que convivem com eles neste plano material. Partiram em direção ao sul, ao reino de Bielefeld. Estando a horas cavalgando começam uma boa conversa: — De onde você é, Rimalk? — Sou de longe, muito longe, sou de Ordine, você não deve conhecer. — É verdade, nunca nem ouvi falar, fica perto de reino está cidade? — Não é uma cidade, é um reino, e fica, digamos, ao norte. Depois do Deserto da Perdição. — Nossa muito longe mesmo, nunca ouvi ninguém disser que conseguiu atravessar o Deserto da Perdição, você é o primeiro que conheço. Falar nisso tenho um amigo que é de lá do deserto, marcamos de nos encontrar em Grael, no reino da União Púrpura. — Por mim tudo bem, termos que passar pelo reino da União Púrpura mesmo, é bom que você reencontra seu amigo. ········ A vida nunca nos diz exatamente o que está acontecendo a nossa volta, quase sempre estamos diante de situações que não compreendemos e no final das contas vem alguém e nos diz que tem que ser assim por que foi vontade de um ser superior que nos criou, e este tem razões e desígnios para cada um, segundo a sua vontade. Vontade está que está exatamente agora querendo tirar a vida de uma pessoa “inocente”, isso mesmo, uma pessoa que não tem, digamos: culpa, deve perder a vida por que é vontade de algum deus que a sua vida lhe seja tirada. Sorte está pessoa está agora preste a ser salva por outro deus! Engraçado como as coisas funcionam, não acham!? Rimalk e Enyla estavam aproximando-se de Grael, capital do reino da União Purpura, quando faltava somente mais um dia de viajem; até agora tudo tivera sido tranqüilo, nenhum grupo de orcs ou goblins assaltantes, nem tempestade, nem terremoto nem nada

contribuiu para incomodar os dois viajantes que seguiam num galope calmo e ritmado, conversando sobre diversos assuntos: — Muito bem minha cara elfa, até agora não me deu um verdadeiro motivo para não acreditar nos poderes dos deuses. — Não é que eu não acredito, o problema é que não consigo mais aceitar as razões que as pessoas colocam para adorar seus deuses, como podem adorar algo que não faz nada por você. — Como nada? Indignou-se Rimalk e continuou: — Não vê o Deus-Sol Azgher, que ilumina toda a Arton e aquece-nos depois de tão frias as noites, que por sinal, já esta quase a aparecer. À noite então, forma mais clara do poder de Tenebra, que dá a oportunidade de vários animais terem a chance de caçar com a chegada de seu manto negro, servindo de camuflagem natural. Quais razões você quer mais para acreditar nos poderes dos deuses em beneficio de todos ? — Você não sabe o que eu e minha família passamos, Rimalk. Você não sabe o que é ser abandonada por seu deus, ter que fugir de sua terra para não morrer ou ser escravizado por goblinoides bárbaros, nojentos e asquerosos. EU VI minha casa ser invadida por soldados, minhas irmãs serem violentadas, minha mãe e eu seremos levadas para servirem de escravas e meu pai ser morto e jogado em um fosso sem saber porque tudo aquilo estava acontecendo. Que deuses tão poderosos são estes que deixaram um clérigo fiel e fervoroso como meu pai era, ser morto e sua família ser totalmente destruída ? Com estas palavras Khalmyr pensa em absoluto silencio em como podem ser cruéis os seres vivos e qual pretensiosos são os deuses que se sentem no direito de controlar as vidas destes seres que na maioria das vezes são vitimas de atos cruéis, insanos e terroristas totalmente baseados nas crenças fundamentalistas de deuses da guerra, matança, egoísmo, avareza, inveja, intolerância, horror e maldade. — Me desculpe, se soubesse não teria tocado neste assunto, você é livre para acreditar no que quiser e não é justo obriga-la a aceitar nada. Continuemos nossa jornada, pois sendo já quase noite temos que parar em algum lugar para descansar. — Está tudo bem, vamos parar logo adiante, pode ser ali naquela pequena vila. À medida que se aproximavam notavam uma grande movimentação no meio da vila, talvez uma festa ou reunião dos moradores, pensaram. Chegando mais perto virão que realmente era uma reunião dos moradores no centro da vila. Todos estavam esperando ansiosos por alguma coisa, comentários e conversas sobre algum famoso ladrão da região ter sido pego era o cerne de toda a empolgação. Os moradores pareciam bem felizes com a situação. No centro de toda aquela agitação havia uma espécie de palanque, o qual ostentava uma armação de madeira em forma de portal de onde descia um pequeno pedaço de corda com um nó parecendo um laço. Três cadeiras estavam à direita da armação e um homem bem forte estava próximo à escada que dava acesso ao palanque, impedindo que qualquer outro subisse A multidão, em sua espera ansiosa, assistia a subida ao palanque de uma pessoa muito bem vestida. Acompanhado de mais três soldados, dirigiu-se se ao centro do lugar com um pergaminho em sua mão e com voz alta e ressonante, disse calmamente: — Senhoras e senhores, nobres e camponeses presentes, está noite foi pego em flagrante delito, na residência do ilustre Sir Albert, o mais procurado ladino de toda região. Conhecido como o “gato”, devido a sua inscrição CAT sempre deixada nos locais onde comete seus furtos. Está noite daremos fim a essa onda de crimes que assolava nossa pequena vila. Chamemos então para fazer parte da comissão julgadora nosso Regente, Sir Albert.

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Um homem forte e alto, mas com aparência madura e imponente sobe ao palanque e senta-se no centro das três cadeiras. O anunciante continua: — Chamemos também o representante de nossa milícia local, Major Kane. Outro forte e alto, mas com aparência bem mais jovem e com roupas militares, sobe e dirige-se as cadeiras e senta-se à esquerda do regente. — Para finalizar chamaremos a representante da Ordem da Luz de nossa vila, a Clériga Lenia. Uma mulher já de idade bem avançada sobe com dificuldades as escadas do palanque e senta-se na ultima cadeira que restava. Todos esperam silenciosos o inicio da “sessão”. Enyla e Rimalk observam tudo atentamente e esperam para ver o que vai acontecer dali em diante. O regente faz um sinal de positivo com a mão direita e o anunciante continua: — Estando então formada a corte julgadora, traremos agora ao tribunal o criminoso, guardas tragam, por favor, o acusado. De dentro de uma das carroças que estavam ao lado, guardas retiram uma pessoa com uma espécie de mascara negra, suas vestes são também totalmente negras. O criminoso usa roupas que se assemelham a uma antiga lenda Tamuriana sobre guerreiros especialistas em assassinatos, espionagens, invasões e etc, conhecidos como shinobis, ninjas ou algo parecido. Ao chegarem ao centro, os guardas posicionam-se à frente da armação de madeira e o anunciante diz: — Senhoras e senhores com a palavra nosso Regente Sir Abert. O homem levanta-se, caminha em direção ao centro do palanque, passa pelo criminoso sem ao menos dar uma olhada em seus olhos, vira-se para a multidão e diz com uma voz grossa e estridente: — Nesta noite, meus guardas pessoais surpreenderam este que está agora à frente de vos, dentro de meus aposentos, estava ele terminado de escrever com uma talha a sua tão famosa inscrição. Popularmente conhecido como CAT ou gato, não sei ao certo. O importante é que este indivíduo, usando está ridícula mascará negra, estava em posse de uma jóia pertencente a minha família a varias gerações. Seu crime deve ser punido com a mais severa das sanções de nossos costumes. Eu proponho que seja enforcado esse criminoso. A multidão explode em uma espécie de alegria e entusiasmo, todos estão ansiosos pela decisão dos outros participantes da corte julgadora. O regente pede silêncio e pergunta aos outros dois juizes: — Qual é a vossa decisão ilustríssimos colegas ? — Eu decido que seja enforcado. Disse o Major Kane. Todos os habitantes do vilarejo fizeram pequenos comentários sobre Kane e suas façanhas, sobre a tranqüilidade que ganhara a vila após assumir a guarda do vilarejo que , com exceção de alguns furtos, deva-se isso a ação do gato, não tinha acontecido mais crimes nesta vila. — Eu abstenho-me, não acho que precise ser enforcado, desnecessária tamanha violência. Mas como pelos costumes o ofendido pode pedir à pena que julgar necessária para reparar o dano causado está a seu favor, Vossa Excelência, com todo perdão, eu prefiro abster-me da decisão. Ouviu-se um sonoro urro de desaprovação para a clériga, os habitantes locais já não mais observam o mesmo respeito de outros tempos para com os seguidores de Khalmyr naquela região. Após a manifestação alguém começou a disser baixinho e como num efeito dominó toda a multidão começou a gritar: — Enforca! Enforca! Sir Albert levantou seu braço direito energicamente e todos calaram, fez um sinal de positivo para os guardas e estes suspenderam o acusado em uma cadeira e colocaram-no enfrente ao nó

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da armação onde seria enforcado. O regente disse em voz alta: — Que seja feito a justiça! Enyla virou-se para Rimalk e disse: — Que injustiça, como pode ? Por causa destas coisas eu não sigo nenhum deus, o senso de justiça que estas pessoas possuem é muito diferente do meu. — Eu concordo contigo quanto à injustiça. Deturparam e direcionaram todos as normas para satisfazerem suas vontades e interesses pessoais. Não posso deixar isto acontecer! ········ Éthos “habito”, “costume”. Palavra de origem grega que juntamente com outro termo parecido, Êthos, característica individual e particular que serve para diferenciar um objeto dentre vários outros, serviram de base para a criação do conceito de Ética, concepções individuais subjetivas que determinam o caráter dos indivíduos dentro de sua sociedade. Será isto que está faltando para se poder alcançar à verdadeira justiça? Ao meu ver, parece que sim. Um salto incrivelmente acrobático teve que ser dado para que Rimalk conseguisse subir ao palanque da execução que estava para se iniciar, como é de se esperar, todos ficaram surpresos e apreensivos para saber o que aquele cavaleiro queria. — Isto não pode acontecer, não permitirei que façam isto. Disse o Rimalk. — Mas o que é isto? Quem é você? Como ousa praticar tão grave desrespeito perante a corte, seu bárbaro? Disse o Regente. — Eu sou Rimalk, clérigo de Khalmyr, e o que vocês estão fazendo é um absurdo, como podem falar de justiça sendo que não deixaram o acusado nem ao menos o acusado se defender. — Se defender para que? Não é necessário, ele foi pego em minha residência por meus mais leais e honrados guardas, eles não teriam motivos para mentir. — Sim, que seus guardas o tenham pegam pode até ser verdade, mas como saber se o acusado não tem uma explicação para tal fato sendo que nem o deixam falar? — Está certo. Vamos ver então o que nosso prisioneiro tem a nos disser. O Regente vira-se para o acusado e pergunta-lhe: — Quanto às alegações, você se considera culpado ou inocente? Alguns segundos de silencio e o regente pergunta novamente: — Culpado ou inocente? Vamos, responda! — Inocente. Ouve-se uma voz fina e graciosa, todos no local ficar perplexos, o mais procurado dos ladrões da região é uma mulher, e parece ser bem jovem. O regente fala para seus guardas: — Tirem esta mascará para que vejamos o rosto desta mulher. Os guardas retiram a mascará e assim que todos conseguiram ver o rosto do acusado, tiveram uma surpresa. O gato era mesmo uma mulher e, além disso, alguns a reconheceram, era a filha de Sir Albert, que há muito tempo tinha sido levada embora com sua mãe. Sir Albert estava atônito sua própria filha tinha se voltado para o mundo do crime e da maldade, o que faria ele agora já que não poderia condenar sua própria filha a morte? A população do vilarejo começou a fazer comentários sobre como se resolveria esta situação, pois apesar de ser filha do regente, este teria que dar uma sentença à criminosa. Rimalk então pergunta: — Por que a senhorita considera-se inocente? A jovem de cabelos vermelhos e longos, com olhos e traços orientais, nitidamente herdados de sua mãe, nascida e criada na ilha de Tamura, ergue sua cabeça e diz calmamente: — Eu não estava roubando meu pai, não que ele não mereça, mas eu estava apenas escrevendo minha marca em sua casa.

Os guardas é que pegaram qualquer coisa na casa e disseram que estava comigo. Major Kane levanta-se e diz enraivecido: — Como ousas dizer que meus comandados estão mentido... Sua ladrazinha sem vergonha! — Não fale assim com minha filha, cretino, ela não devia estar mesmo roubando. — Agora estais a defender esta criminosa, antes queria vêla enforcada, só por que é sua filha não quer que sofra as conseqüência, ou vais mudar de idéia? Sem ter o que disser Sir Albert abaixa a cabeça e senta-se em sua cadeira sem saber o que irá fazer, pois sua sentença já foi dada e sua filha está prestes a ser enforcada. Khalmir não está acreditando no que vê, apesar de não concordar aceita que o major está certo, porém ainda continua sendo uma injustiça condenar um suspeito com tão poucas provas. A jovem diz não ter roubado, mas não tem como provar que estava somente escrevendo na parede da casa de seu pai. Major Kane levanta-se e fala para todos: — Vejam só isto, amigos e companheiros, está jovem disse não ter roubado nada na casa de nosso estimado regente, mas estava a escrever, como ela mesmo disse, sua marca, sinal de que se não tinha roubado ainda faria depois de terminar. E mesmo de não fosse roubar, somente a sua permanência na casa sem conhecimento de seu pai já a qualificaria como criminosa. — Espere um momento. Disse Rimalk. Pelo que eu entendo das leis um filho que adentra a casa de seu pai, mesmo sem seu consentimento, não é crime. Outro fato importante que deve ser ressaltado é de que, como está escrito nas leis do Pergaminho Sagrado, os filhos têm direitos sobre os todos os bens pertencentes ao pais, já que estes tem a obrigação de prover-lhes tudo que é necessário. Sendo assim então não fica caracterizado crime a ação da garota. Estou certo senhora clériga? — Sim está certíssimo, mas antes tenho que fazer uma pergunta para está moça, por que estava escrevendo o nome de criminoso procurado? Não vai me disser que você é mesmo o gato? — Sim sou a Gata. Fui eu que cometi todos os outros crimes. A expressão no rosto de cada um dos presentes vai da surpresa à indignação. E todos começam a discutir sobre a condenação ou não da moça, sobre a decisão do regente, se ele seria capaz de sentenciar sua própria filha a morte e outras coisas mais eram ditas, até que o regente levantou-se e disse para que todos ouvissem: — Não posse condenar minha própria filha a morte, por isso eu entrego meu cargo e passa-o ao meu substituto imediato, senhora Lenia, considere-se a nova regente desta vila e como é seu dever, dê a sua sentença. Todos ficaram apreensivos quanto à decisão de Sir Albert, ela tinha sido o melhor regente de todos os que já tinham passados por ali, a clériga levantou-se e disse: — Apesar de ter confessado todos os outros crimes, não há provas suficientes para condená-la a morte por enforcamento, pena está que eu particularmente não concordo, mas não podemos deixar de aplicar a justiça. Eu a condeno ao banimento, a partir de hoje você senhorita Hyromi e todos os seus descendentes estão expulsos de nossa região. Caso venha a ser encontrada em nossos domínios será considerada como espião inimigo, sendo lhe aplicada à pena de morte. Peço ainda ao jovem rapaz que interveio no julgamento, como posso ver por suas vestes também é um servo de Khalmyr, que a leve daqui, pois ao que parece está somente de passagem em nossa pequena vila. — Pois não, senhora, agradeço a confiança a mim depositada e partirei agora mesmo.

Rimalk desamarra a moça e leva-a até seu cavalo e parte junto com Enyla para o rumo de Bilefeld. Somente após escurecer, Rimalk diz para a nova companheira: — Pois bem, preciso de sua ajuda. — Desculpe, eu nem agradeci, sua coragem, peça o que quiser que eu te ajudarei. — Então vamos parar de cavalgar e conversar melhor. Enyla desça, por favor, que tenho que conversar contigo e com a... Como é mesmo seu nome? —Hiromy, Aliel Hiromy. — Muito bem Hiromy, eu quero que você e Enyla façam me um favor, seria possível vocês me ajudarem? — O que temos que fazer? Perguntou Enyla. —Vocês devem ir até a cidade de Norm, em Bielefeld e esperar até que eu apareça, enquanto isto eu vou ter que voltar em meu reino para buscar um objeto e mais ajuda, por que pelo que eu vejo não conseguirei sozinho completar minha missão, por isso preciso que vocês estalem-se na cidade e fique de olhos abertos que em no máximo um ano eu vou voltas para cumprir minha missão e vocês serão muito bem recompensadas. O que me dizem? — Por mim tudo bem. Disse Hiromy. — Por mim também, mas tem uma coisa não temos dinheiro para ficar na cidade durante todo este tempo, como vamos fazer? — Procurem por Dougar Flemming, no Castelo da Luz, e digam meu nome ele saberá o que fazer. Tchau, eu encontro com vocês daqui a um ano. —Mas antes de ir diga-nos qual é sua missão? — Tenho que reencontra o Pergaminho Sagrado da Justiça. Tenho fortes suspeitas que foi roubado. — E nós temos que ficar de olhos abertos para saber de alguma, é isso que você quer, não é? Khalmyr monta em seu cavalo e sai dizendo: — Boa sorte, e que Khalmyr as ajudem em sua missão. Bem está é mais ou menos a historia que Elyot me contou. Vocês querem ou não tentar encontrar o pergaminho, devo lembrá-los que já vai completar quase um ano que Khalmyr voltou para Ordine e ontem mesmo eu vi as duas mulheres andando pela cidade. O que dizem? — Eu aceito ir procurar o pergaminho, elfo idiota, mas vou ficar com metade do dinheiro que a gente conseguir. Senão Trok arranca sua cabeça e come ela no jantar. Está certo bárbaro e você Guliver, o que me diz? — Parece - me interessante este tal pergaminho, pode servir como um material de pesquisa, concordo em procurarmos tal artefato, talvez até contenha algum poder magico. Pois então vamos antes que Khalmyr retorne, Elyot já está nos esperando em sua casa. Elyot camarada estão aqui meus dois amigos que falei, vamos então? — Ótimo! Obrigado por nos acompanharem, vai ser muito bom poder viajar com vocês, daqui até Norm são quase duas semanas de viajem, é muito tempo poderemos conversar muito, por falar nisso vocês já ouviram aquela do dragão que....

FIM

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Cristal de Tenebra Por Cristiano DeLira

A Face de Tenebra se encontrava no alto do céu, em sua fase cheia. Quando uma tábua no teto foi rompida, o luar invadiu aquele templo abandonado. Do buraco feito no teto, quatro vultos observaram o local. Era um antigo templo, com um altar e colunas com desenhos de ofídios. Uma corda desceu levemente, ficando pendurada a poucos metros do chão. Pela corda começaram a descer, um por um os quatro vultos. O primeiro a descer era um jovem, moreno, com os cabelos castanho-claros e olhos castanho-escuros. Trajava roupas comuns, duas camisas e uma calça de pano, além de bota, trazia um gato no ombro, além de um bastão às costas. A segunda a descer demonstrou ser uma meia-elfa. Tinha a pele branca, os olhos vermelhos e compridos cabelos negros soltos ao vento. Trajava um peitoral de armadura com um grande “H” pintado nele, por cima de roupas comuns e tinha uma espada às costas. O terceiro era mais jovem do que os dois primeiros, mal saído da adolescência. Tinha a pele branca, os olhos e os cabelos castanho-claros. Trajava um peitoral com um “H” pintado nele, juntamente com roupas comuns e uma espada katana às costas. O último era tão jovem quanto o terceiro. Tinha a pele branca, os cabelos ruivos e os olhos verdes e trajava um robe negro. Trazia um bastão, ornamentado com um cristal na ponta superior, preso ao cinto. — Khalmyr! Isso é tenebroso. — murmurou o último dos quatro. — Era um templo de um culto Sszzaazita, pelo menos até alguns dias atrás, quando foi descoberto pelo Protetorado do Reino e destruído. — falou o primeiro. Se esse templo sszzaazita já foi desativado, o que fazemos aqui Axel? — perguntou o último olhando apreensivo para o salão onde se encontrava. — Como é que é? Eu devia ter imaginado! Se você sugeriu os dois é porque eles deveriam ser tão vagabundos quanto você, Duende! Nem sequer sabe qual é a missão! Eu não devia ter vindo! — falou a meia-elfa afastando-se em direção ao altar. — Você se ofereceu, Suanny. — falou o terceiro. — Só nós três fomos designados. — Quietos os dois. — falou Axel, o primeiro. — Embora tenha sido desativado, não sabemos o que tal local aguarda. Janotas, estamos aqui para encontrar um artefato, um cristal, que aparentemente veio da lua. O sacerdote-chefe daqui o viu cair do céu. Aquele zumbi que interceptamos algumas semanas atrás estava levando tal recado a Jasmira. Aparentemente o cristal amplifica os poderes mágicos das trevas e isso pode ser perigoso nas mãos da Sociedade da Noite Eterna. Kildred, Suanny e Janotas, devemos fazer uma busca total na área. O Protetorado não encontrou nada no local, além dos cultistas e uma vítima. Kildred, Suanny e Janotas dispersaram-se para melhor investigar o local. O salão estava totalmente devastado, ainda havia sangue e a poeira formava algo parecido com uma fina neblina. Os bancos estavam devastados e dois pilares estavam caídos sobre os mesmos. O salão tinha uma forma circular, com paredes sem cantos. A batalha do Protetorado havia sido grandiosa. Eles haviam impedido um sacrifício humano. O altar apresentava muitas manchas secas de sangue, provavelmente resultado de antigos sacrifícios. Desenhos e esculturas de cobras e serpentes decoravam o local. — Nossa! Isso aqui está muito escuro. — disse Janotas, balançando o cajado e murmurando palavras num idioma anti-

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go. O cristal começou a emitir uma luz, iluminando parcialmente o local onde ele estava. — Axel! — chamou Kildred. Axel aproximou-se do jovem. Ele tinha descoberto uma pequena abertura no chão do salão, próximo à parede sudeste. Axel aproximou-se do local. Estava oculto por um dos pilares derrubados e por destroços de madeiras, certamente antigos bancos. Kildred observou Axel e perguntou: — O que é que você acha? — Uma câmara subterrânea... Isso não seria de surpreender aqui. — respondeu Axel. — Mas vejamos o que há lá... Axel murmurou algumas palavras rapidamente e criou um globo de luz em sua mão, jogando o mesmo em direção ao chão do local. Axel e Kildred olharam pelo buraco, vendo o que aparentemente era um corredor. O alcance da luz não permitia que vissem o fim do mesmo. Levantando-se, Axel estava prestes a chamar os outros dois colegas quando um estrondo ecoou pelo local. — Não fui eu! — respondeu Janotas, erguendo o bastão levemente. — É claro que não, imbecil! Veja! — falou Suanny afastando-se da parede. A parede onde Suanny estava próxima começou a tornarse azulada, como se congelasse. O salão começou a ficar um pouco frio e a parede começou a congelar-se. Suanny aproximou-se do centro do salão, para onde rumaram Axel, Janotas e Kildred. Um outro estrondo ecoou pelo local e o gelo começou a rachar. — Estão congelando a parede para poder derrubá-la mais facilmente. — falou Kildred. — Seja lá quem estiver lá fora, está realmente tentando entrar aqui. — Entrar é uma coisa, ficar é outra totalmente diferente. — disse Suanny desembainhando a espada. — Não, Suanny. Antes vamos ver com quem estamos lidando... Escondam-se! Atrás do pilar, rápido! — falou Axel. — Digno de um covarde... — falou Suanny. — Se você está pensando que eu... — Vamos logo! — falou Axel puxando Suanny até o pilar, ocultando-se por trás do mesmo, onde Janotas e Kildred já aguardavam. — Ora, se você está pensando que... — Suanny já começava a ficar furiosa. Um estrondo maior seguido do som de demolição e algo se quebrando interrompeu a discussão. Os quatro, improvisadamente, olharam por cima do pilar derrubado. Pelo buraco na parede entrou um vulto. A nuvem de poeira não permitia a visualização, nem o reconhecimento do recém-chegado, que pela voz parecia ser uma mulher. — Muito bom trabalho, Lordezinho. — a voz apresentava um tom sensual. — Eu conheço essa voz... — rosnou Suanny. — Silêncio! Ou vão nos escutar... — falou Kildred. Suanny olhou com certo rancor para o garoto, já que ele era mais novo que ela, mas calou-se, pois pretendia descobrir quem estava invadindo de tal forma o templo abandonado. A mão segurava firme a espada. Um grunhido pôde ser ouvido, um grunhido que ecoou de forma assombrosa. — Eu não me esqueci de você não, Heuque. Graças à sua força a parede foi derrubada.

— Vamos logo! — uma voz profunda, como se viesse de um fosso profundo, cortou o diálogo. — Por Wynna! — exclamou Axel. — É a voz de um cavaleiro da morte. Quando a nuvem de poeira baixou, o luar iluminou levemente o grupo recém-chegado. Havia uma garota, bonita e com o corpo esbelto. Tinha os olhos verdes, os longos cabelos castanho-claros caindo sobre a metade direita da face e usava um vestido curto de cor vermelha. Ao seu lado estava um esqueleto que trajava uma armadura negra, como se tivesse sido queimada pelo mais quente dos vulcões. Dois pontos vermelhos brilhavam nas órbitas dos olhos. O terceiro acompanhante era outro esqueleto, mas trajava roupas rasgadas, parecidas com mantos de um monge. Dez pessoas entraram em passos lentos após os três. Possuíam a carne em decomposição e trajavam roupas rasgadas. Dois cães com a carne em decomposição e dois pontos vermelhos no lugar dos olhos também entraram no local. — Um heucuva, um cavaleiro da morte, dez zumbis e dois cães infernais. Mas o que é a garota? — perguntou Kildred. — Uma vampira... — murmurou Axel. — Uma vampira bacante. São da Sociedade da Noite Eterna... — O que vamos fazer? — perguntou Janotas. — Kerryne... — rosnou Suanny segurando o punho da espada. Mal se pôde ver quando Suanny se levantou e saltou sobre Kerryne, derrubando-a no chão. Suanny saltou para trás acrobaticamente com a espada em punho. Axel olhou surpreso para a situação. Suanny agira inesperadamente. O gato saltou do ombro de Axel, que disse: — Que droga, Suanny! Éksis procure um local seguro, mas fique perto. — disse Axel ao gato, que saltou entre alguns escombros. — O que vamos fazer? — perguntou Janotas. — Manobra 12, Janotas! Rápido! — falou Kildred levantando-se. — É pra já... — falou Janotas girando o bastão e apontando-o para os membros da Sociedade da Noite Eterna enquanto murmurava algumas palavras. Um brilho circular envolveu o chão em que estavam os membros da Sociedade da Noite Eterna e sete zumbis foram de encontro ao chão. Os cães pareciam que estava sobre uma camada escorregadia de gelo. O Heucuva estava fora da área de alcance e apenas olhou para os três que acabavam de surgir por trás de um pilar. O Cavaleiro da Morte manteve-se parado, apenas observando. Janotas pôs o bastão no ombro, como uma mira e disse: — Primeiro, um Terreno Escorregadio de Neo. Depois, uma Explosão de Fogo! Um fio de fogo saiu de dentro do cristal e dirigiu-se à área afetada pelo Terreno Escorregadio de Neo. O Cavaleiro da Morte deu um salto, saindo da área escorregadia e parando mais ao sul do templo. O fio de fogo atingiu um dos zumbis, explodindo em uma área de 30 metros. Um dos zumbis desintegrou-se com o ataque, enquanto os outros saíram fumegando e avançaram na direção dos três. Os cães não demonstraram sentir nada. Apenas latiram, correndo em direção aos três atacantes. Axel levantou-se e saltando por cima do pilar caído, avançou com o bastão em direção aos zumbis. Kildred viu o Cavaleiro da Morte aproximando-se da área e com a katana empunhada, disse: — Janotas, toma conta deles que eu vou cuidar do cavaleiro da morte. — Pode deixar. — Janotas criou um pequeno tufão de vento com Ataque Mágico que arremessou os dois cães contra a parede, do outro lado do templo. Kildred avançou na direção do Cavaleiro da Morte, atacando-o com sua espada katana. O Cavaleiro bloqueou o ata-

que. Kerryne levantou-se, com um filete de sangue no canto direito da boca. Olhando para Suanny com um sorriso sádico no rosto, ela limpou o sangue com as costas da mão e disse: — Su-su. Que surpresa agradável... E nosso querido Axel Brownie, veio também? Estou “morta” de saudades. — Ora, sua meretriz! — Suanny avançou impulsivamente contra Kerryne. Kerryne esquivou-se do ataque com a espada, enquanto garras cresciam em seus dedos. Com as garras da mão direita, Kerryne conseguiu acertar a armadura de Suanny, rasgando-a diagonalmente em sua parte frontal. O ataque atingiu superficialmente a carne, causando leves arranhões, quase imperceptíveis. Suanny vendo-se atingida avançou com mais ódio ainda. Axel corria entre os zumbis rapidamente, girando o bastão e atingindo-os. Janotas estava atirando leves Ataques Mágicos de fogo contra alguns dos zumbis. Três já haviam sido derrotados no combate, sobraram apenas seis. Kildred foi arremessado no chão, próximo a Axel. Ao levantar-se em um salto, ele viu apenas o Cavaleiro da Morte abrindo a boca e estufando o peito, como se inspirasse profundamente. — Cuidado Kildred! — gritou Axel prevendo o ataque do Cavaleiro. Um jato de vento frio, misturado com pequenas partículas de gelo, foi emanado da esquelética boca do Cavaleiro da Morte. Um Sopro Gélido. A temperatura contida no sopro estava abaixo de zero o suficiente para congelar um ser vivo rapidamente, matando-o. Kildred não pôde ver nada, pois foi arremessado longe por Axel que saltou, empurrando-o. O jato frio pegou Axel em cheio, juntamente com um zumbi. Uma nuvem fria condensou-se na área, ocultando Axel e o zumbi. Janotas ficou estarrecido e Kildred levantou-se furioso, correndo até a nuvem. Um zumbi se colocou em sua frente, mas Kildred o cortou ao meio de forma abrupta e rápida. A nuvem começava a se espalhar, desaparecendo no ar. Um vulto pôde ser avistado dentro da nuvem. Estava imóvel e caiu no chão. Embora não pudesse ter sido visto, ouviu-se o barulho de gelo quebrando e alguns pedaços de gelo saíram da pequena nuvem. Uma risada profunda ecoou no salão. — Teve mais sorte que seu amigo, humano! Mas ela acabou... O Cavaleiro da Morte abriu a boca e uma comprida língua saiu em forma de chicote na direção de Kildred. Kerryne arreganhou os compridos caninos ao sentir a espada cortar-lhe o flanco. Com os olhos injetados de sangue, Kerryne fitou furiosa Suanny. Suanny gostou de ver que tinha tirado aquele ar arrogante de Kerryne e sorriu. — O que foi, meretriz bacante? Não está mais gostando de ser a rata? — Está na hora de mostrar quem é a rata, orelhuda! — Kerryne atacou com as garras e as presas expostas. Suanny avançou com um olhar de ódio contra a vampira, com a espada empunhada firmemente. Após bloquear o ataque da língua com a espada de Kildred ficara com uma espécie de muco fervescente, que parecia queimar. Janotas preparava-se para atirar mais alguns Ataques Mágicos nos cinco zumbis restantes, quando sentiu algo cair em seu ombro. Era Éksis. — Éksis, meu filho! Quer me matar do coração, é? O que foi? Eu não... Um dos cães infernais abriu a boca e Janotas viu uma pequena chama formando-se no interior da boca do cão. Ele ia atirar um sopro flamejante. Janotas mal teve tempo de se esquivar, sentindo o calor de perto e tendo a ponta de seu robe chamuscada. Kildred atingira o Cavaleiro da Morte em seu flanco, o que resultou num contra-ataque mais potente do Cavaleiro.

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Kildred foi arremessado contra a parede. Por pouco a espada não atravessou o peitoral de armadura de Kildred, mas machucara seu corpo o bastante. O Cavaleiro da Morte abriu a boca e a língua atacou novamente Kildred, que ainda não se levantara. Suanny caíra no chão, arremessada por Kerryne. — Quem é rata aqui? Pelo que eu sei, a orelhuda é você, garotinha! Kerryne chutou a mão de Suanny jogando sua espada longe e preparou-se para atacar com suas garras. Não estava mais brincando, ia direto no pescoço. Um golpe rápido de bastão foi o bastante para bloquear o ataque de língua do Cavaleiro da Morte. Kildred observou espantado, Axel colocara-se entre ele e o Cavaleiro da Morte. Ao ficar em pé, Janotas olhou para o cão que estava ainda soltando o sopro de fogo. Éksis saltara de seu ombro e já se encontrava em cima da escultura de um dos pilares que restara em pé. — Valeu, irmãozinho. Eu tinha me esquecido desses esquentados... — falou Janotas, quase desabafando. — Mas, espera aí! Cadê o heucuva e o outro cão? Kerryne preparava-se para atacar fatalmente Suanny, e o Cavaleiro da Morte estava pronto para lançar outro sopro gélido. Um uivo vazio e profundo, como vento em um tubo, ecoou no salão. Era o outro cão infernal. O Cavaleiro da Morte parou o ataque e olhou para trás, Kerryne olhou para frente. Suanny vendo a oportunidade, deu um golpe de artes marciais em Kerryne, com as duas pernas juntas, ela arremessou Kerryne para frente. Suanny correu em direção à sua espada. Kerryne deu uma acrobacia e caiu em pé. Sorrindo, ela disse: — Continuamos nossa brincadeira depois, ratinha orelhuda! — O quê? — exclamou Suanny surpresa prestes a pegar a espada. O Cavaleiro da Morte guardou a espada e fez um gesto aos zumbis restantes, que avançaram em massa sobre Axel e Kildred. Próximo à entrada do túnel subterrâneo que fora descoberto por Kildred, estava o heucuva e o segundo cão infernal. O Cavaleiro da Morte e Kerryne adiantaram-se em direção ao heucuva. Suanny pegou a espada e correu atrás de Kerryne. — Não pense que vai escapar assim, meretriz! — Cuide dela, bacante! — disse o Cavaleiro da Morte. — Pode deixar, Lorde Sithloth. Kerryne virou-se para trás e apontou a mão em direção a Suanny, lançando um Terreno Escorregadio de Neo. Suanny foi ao chão. O heucuva saltou no buraco, seguido do Cavaleiro da Morte e de Kerryne. Kerryne criou uma bolha gigante de água próximo ao buraco. O Cavaleiro da Morte, dentro do túnel, abriu a boca e lançou outro sopro gélido. A bolha congelou-se, tapando a abertura com uma grossa camada de gelo. Livres de tais obstáculos, os três começaram a caminhar corredor adentro... Axel derrubou dois zumbis com um único golpe nas pernas. Os outros três avançaram nele, mas Kildred colocou-se entre eles, cortando o peito do zumbi mais próximo a Axel. O zumbi caíra no chão, estava derrotado. Suanny aproximou-se do bloco de gelo criado na entrada do túnel, mas o cão infernal que estava próximo ao bloco, saltou sobre ela. Suanny esquivouse, girando rapidamente sobre si mesma e revidando com a espada, que atingiu o flanco do cão infernal, reduzindo-o a pó fumegante. O outro cão infernal lançava um sopro de fogo em Janotas, que se protegia por trás de um pilar do salão. Murmurando algumas palavras, Janotas saltou de trás do pilar e apontou o bastão para o cão. Um Ataque Mágico de terra era o suficiente. Uma grande mão de rocha solidificou-se a partir do chão e caiu por cima do cão infernal, que se desfez em pó. Janotas respirou aliviado, sentando-se no chão. Ao lembrar-

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se de Axel e Kildred, ele levantou-se rapidamente e olhou na direção onde os dois estavam. O último zumbi acabara de ser cortado por Kildred. Kildred olhou pra Axel e disse: — Axel, se aquele sopro era tão fraco a ponto de você estar intacto, por que fez aquele escândalo todo? Pensei que tinha morrido! — E teria lhe matado. Graças ao Khalmyr, meu pai era um dragão de prata. Herdei a invulnerabilidade ao frio dele, assim como os poderes mágicos. Por que acha que sou um Feiticeiro? — perguntou Axel, sorrindo. — Éksis, meu jovem. Venha cá. Éksis saltou do pilar onde se encontrava e foi até Axel, subindo no seu ombro. Janotas aproximou-se dos dois, ofegando. — Acho que gastei minha energia mágica quase toda nesse combate, ainda bem que tenho Sally, meu bastão feiticeiro. — Janotas deu um beijo no bastão. — E Suanny? — perguntou Kildred. — Nossa como você tem uma tendência a lembrar-se de desgraças, Kildred! Nunca vi! Tanta coisa boa no mundo... — falou Janotas. Axel riu, mas procurou Suanny com o olhar. Encontroua tentando cortar o bloco de gelo que fora criado na entrada do túnel subterrâneo. A luz da lua que entrava pela abertura feita pela Sociedade da Noite Eterna iluminava bastante o local, principalmente para uma meia-elfa. Suanny golpeava furiosamente o bloco, embora somente pequenas lascas se soltassem do gelo. Axel, Kildred e Janotas aproximaram-se. — Droga! Eles escaparam! Maldição! — Suanny parou de falar, ofegante. Vendo os três olhando pra ela, continuou. — O que foi? O que estão olhando? Se fossem mais competentes, eles já teriam sido aniquilados. — Eu não vi você fazer muita coisa... — falou Janotas. — Axel, Kildred e eu acabamos com os dez zumbis e um cão infernal. Bem, você só acabou com um cão infernal e depois de apanhar bastante daquela vampira... — Como é que é?! Ora, seu... — Suanny avançou sobre Janotas, mas Axel a segurou, puxando para trás. Suanny recuou três passos olhando furiosa para Axel. — Calma aí, Suanny. Ou vai querer deixar Kerryne escapar desse jeito? Sem um troco? Já imaginou o que ela vai dizer pros outros membros da Sociedade da Noite Eterna? Vai fazer você de Bufão. — falou Axel dirigindo-se ao gelo. — Temos que dar um jeito nisso aqui... Posso usar uma magia de fogo, mas vai demorar muito. Sugestões, pessoal? — Que tal meter essa sua cabeça no gelo? — perguntou Suanny. — Mais alguma? — perguntou Axel ignorando Suanny. — Ah é! Pode quebrá-la, de tão oca que é. Embora o corpo nem fosse sentir muita falta... — Suanny encostou-se na parede, bronqueada. — Como é que tu agüenta, hein, filhote de dragão? — perguntou Janotas baixinho. — Ah, você precisa ver quando ela está naqueles dias... — disse Axel. — Hã, que tal uma magia Erupção de Aleph? —perguntou Kildred. — Claro, pode lançar senhor mago! — falou Janotas num tom irônico. — Nem eu, nem Janotas ainda aprendemos essa magia, Kildred. — falou Axel. — Bem, é que eu tenho umas bolas experimentais do Hugho aqui. E, segundo ele, ela causa efeitos parecidos com essa magia. — Kildred enfia a mão no bolso da calça e retira um pequeno saco. De dentro do saco, ele retira uma bola pequenina. — Bem, só precisa de um pouco de terra...

Kildred pegou um punhado de areia do chão e dirigiu-se ao bloco de gelo, colocando a terra bem no centro do mesmo, com a bola enfiada no centro da areia. Suanny aproximou-se e perguntou: — O que é que o idiota vai fazer? — E um pouquinho de fogo, mas essa parte eu deixo com vocês. É só atear fogo... Mas, Hugho disse que a gente mantivesse distância. É experimental, foi testado poucas vezes. — falou Kildred descendo do bloco de gelo. — Tudo bem. — disse Axel criando uma chama em seu dedo indicador. — Agüenta aí, filhote de dragão! — falou Janotas. — O que foi? — perguntou Axel. — Se o Hugho mandou manter distância, então deve ser bastante considerável. Agüenta só um pouquinho... — Janotas correu até o outro lado do salão escondendo-se por trás de um pilar. — Você está exagerando. — falou Axel. — O aprendiz de mago está com a razão dessa vez, Duende... — disse Suanny afastando-se juntamente com Kildred até a posição de Janotas. — Bem, se até Suanny recuou... — falou Axel indo até os três. — Eu não recuei por medo, mas sim por precaução! Posso sobreviver a muitas coisas, mas se eu sair machucada não vou poder pegar aquela filhote de sanguessuga. — justificou-se Suanny. — Tudo bem. Então, lá vai... — disse Axel. Uma pequena chama foi criada na mão de Axel, que a arremessou no gelo, tentando acertar o globo inventado por Hugho. Axel manteve, através de energias mágicas, a chama acesa em cima do mesmo. Mas apenas uma fumaça saiu do mesmo. Kildred, Janotas e Suanny se encolheram atrás do pilar, esperando uma grande explosão. Não ouvindo nada, eles abriram os olhos e levantaram. — O que foi que houve, Duende? — perguntou Suanny. — Acho que não funcionou... — disse Axel. — O fogo está queimando lá, mas não aconteceu nada. — Mas nem teu fogo presta, né, Duende! — reclamou Suanny. — Estranho, o Hugho me jurou que daria certo. — falou Kildred. — Não, normal. Fico até aliviado, pensei até que ia... O gelo explodiu, transformando-se em uma torre de lava que perfurou o teto, jorrando para cima como uma rajada de água de Ataque Mágico. Axel olhou espantado o efeito da invenção de Hugho, enquanto Suanny ficou paralisada no canto. Kildred agachou-se atrás do pilar e Janotas pulou no chão. A torre demorou cerca de um minuto e desfez-se, evaporando no ar como uma nuvem de vapor escaldante. Quando a iluminação voltou ao normal, Kildred e Janotas levantaram-se. Axel apenas olhava boquiaberto, juntamente com Suanny. — Acabou, Kildred? — perguntou Janotas. — Como é que eu vou saber? — perguntou Kildred. — Bem, foi você que arranjou isso. Então pelo menos deveria saber... Já que não sabe, vai lá verificar! — falou Janotas empurrando Kildred. — Por que eu? Manda Axel, ele é um filho de dragão. Ele é invulnerável a essas coisas. — falou Kildred afastando-se. — Sou invulnerável somente a frio. Lava não é incluída nas minhas habilidades. Mas tudo bem, eu vou... — falou Axel adiantando-se. Axel caminhou em direção ao buraco, seguido de longe por Janotas e Kildred. Suanny retomara o controle de seus mo-

vimentos algum tempo depois e, envergonhada por ter se paralisado de medo, adiantou-se até o buraco. Axel olhou o buraco no teto. Dava pra ver a lua e as estrelas, e umas poucas nuvens. Axel deu um assobio e olhou pra baixo. Ele engoliu a seco e disse: — Acabar, eu acho que acabou. Mas... Bem, acho melhor vocês verem com seus próprios olhos... Janotas e Kildred entreolharam-se e avançaram em direção ao buraco. Suanny, que já estava no buraco juntamente com Axel, olhava espantada pro fundo dele. Janotas e Kildred, após chegarem ao buraco, olharam para baixo. A torre de lava havia feito um buraco não somente no teto, mas no chão do corredor subterrâneo. Havia cavado bastante fundo, dando para construir um outro andar subterrâneo além do já existente. Uma poça de lava borbulhava no fundo do poço. Janotas olhou pra Kildred e perguntou: — Tem mais algum item maravilhoso aí, ou eu posso respirar aliviado? — Como vamos passar para lá, Axel? — perguntou Kildred, ignorando Janotas. Suanny saltou no buraco e segurou-se nas bordas opostas. Balançando, ela saltou no túnel e disse olhando as mãos, queimadas levemente: — Cuidado com as bordas, estão um pouco quente! — Ela não está achando que a gente vai fazer isso aí não, né? — perguntou Janotas. — A gente te dá uma mãozinha. — disse Kildred. — Como? — perguntou Janotas. Janotas arrependera-se profundamente de perguntar ao ver-se suspenso sobre aquele poço de lava, segurado pelas mãos apenas por Kildred e Axel, que o balançavam. Kildred e Axel soltaram Janotas, que caiu rolando no corredor próximo a Suanny, que mantinha um sorriso arrogante no rosto. Kildred saltou e segurou-se nas bordas, soltando logo em seguida. Caiu sentado no chão do corredor subterrâneo devido ao impulso que tinha pego. Assoprava as mãos com intensidade e disse: — Essa meia-elfa é doida! Esse negócio está fervendo! — Eu sempre achei que você era insensível, mas isso é demais. — disse Janotas tirando um pote de dentro do bolso do robe. — Isso é uma poção de cura condensada até adquiri forma pastosa, invenção do Niltrem. Vai ajudar. — Obrigado. — disse Kildred pegando um pouco e passando nas mãos. As queimaduras sumiram instantaneamente. — Ah, a magia. — disse Janotas. — Muito mais segura. Se as invenções feitas com engenhocas fossem saudáveis haveria um deus engenhoqueiro no Panteão. Axel saltou ao lado deles no corredor. Janotas olhou para Axel e estendeu o pote com a pasta. Éksis miou no ombro de Axel, que sorriu, pegou o pote e disse: — Eu joguei um Ataque Mágico de Água nas bordas antes de saltar. Axel avançou rapidamente em Suanny, segurando as mãos dela. — Ei! O que está fazendo? Eu não preciso disso! — Eu sei. — disse Axel. — Mas você vai precisar de sua mão sem queimaduras para manejar a espada tão bem como você faz, menina. Suanny corou levemente enquanto Axel passava as mãos com pasta nas dela. Ficou sem reação, imóvel olhando fixamente para Axel. Axel passava cuidadosamente a pasta nas mãos dela, fazendo as queimaduras sumirem. Axel sorriu e disse: — Viu só, são muito mais bonitas assim. Suanny olhou embasbacada para Axel, com o rosto co-

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rado e sentindo o coração saltar pela boca. Ao tomar noção do que estava se passando, ela fechou os olhos, séria, e disse com um tom de voz aborrecido: — Hunf! Não ligo pra isso, não sou uma dessas princesas cheias de mimos. — Ela tem razão! Está mais pra dragão de tão mal-humorada... — sussurrou Janotas para Kildred, que começou a rir baixinho. — Vamos indo! — disse Axel adiantando-se. — Janotas, ilumine o caminho. — Deixa comigo! — Janotas murmurou algumas palavras. O bastão feiticeiro de Janotas criou um feixe de luz, podendo iluminar alguns metros à frente, como uma lanterna engenhoqueira. O grupo começou a caminhar silenciosamente pelo corredor, não se ouvia nenhum ruído e podia sentir-se a tensão no ar. Suanny e Kildred iam com a espada empunhada, prontos para qualquer ação. Janotas ia por último, iluminando o caminho. Axel ia à frente, com Éksis em seu ombro. Tentava ouvir qualquer ruído ou notar algum movimento mais adiante. O corredor fazia uma curva para a direita. No novo corredor que surgia, havia sangue na parede ainda pingando e corpos retalhados de cobras no chão. Axel olhou a cena e disse: — Cuidado! Isso era um templo sszzaazita. Cobras e animais peçonhentos devem ser abundantes aqui, como perceberam os nossos adversários. Tomem cuidados! — Veja só, Axel! É uma porta. — disse Janotas iluminando uma porta dupla. A porta era feita de madeira antiga, e estava um pouco destroçada como se tivesse levado uma grande pancada em seu centro. Uma cobra estava espetada entre uma das farpas da porta e outra encontrava-se no chão ao lado da porta, com a cabeça esmagada. Kildred aproximou-se lentamente da porta e tirou a cobra encravada numa lasca com a espada. — Nossa, foi uma ofídiocina! — falou Kildred. — Nossa! Ele sabe que cobras são ofídios! — falou Janotas com ironia. — Engraçadinho! — murmurou Kildred. — Foi recente, vejam aquela cobra! — falou Suanny. No chão, uma cobra tinha espasmos violentos. Ela estava sem sua cabeça. Kildred ia dizer algo, quando hesitou e perguntou: — Vocês ouviram isso? — O quê? — Escutem, parece uma voz... — falou Kildred silenciandose de novo. — Parece muito fraca como num choro... Kildred hesita, tentando ouvir novamente e olhando pra porta, diz: — Vem de trás da porta! Tem alguém aí dentro chorando. Oi! — Você é louco? — perguntou Suanny tapando a boca de Kildred. — Assim vamos perder o fator surpresa! — Olha quem fala! — exclamou Janotas pra Axel. — Socorro! — a voz veio baixa, mas audível o suficiente. Vinha de trás da porta. — É uma garota. — falou Janotas. — Na certa é uma armadilha, daquela cascavel da Kerryne. — falou Suanny. — Seja o que for, precisamos investigar... — disse Axel. Axel aproximou-se da porta e chutou-a. A porta caiu no chão, de tão frouxas que estavam as dobradiças. Conseqüência do golpe na porta dado por um dos mortos-vivos. A poeira subiu com a queda da porta, criando uma névoa de meia estatura. Um halfling ver-se-ia em sérias dificuldades com aquela névoa. Janotas iluminou o local com sua lanterna improvisada, enquanto

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Kildred e Suanny aproximavam-se com a espada empunhada. Era um aposento espaçoso, onde havia várias camas e instrumentos de tortura. As camas ficavam do lado direito e os instrumentos do lado esquerdo. Um pilar no meio do aposento sustentava o aposento. Do lado esquerdo, uma corrente prendia uma elfa pelo pescoço e pelos punhos. Tinha os cabelos castanho-claros e os olhos azuis, a pele era branca e estava abatida. Como se estivesse ali muito tempo. Mostrava alguns arranhões e cortes no corpo e manchas arroxeadas podiam ser vistas nos braços e pernas. O que antes devia ter sido uma túnica, agora era um vestido curto até metade das coxas e sem mangas, totalmente esfarrapado e sujo. Ela olhou para o grupo que acabava de entrar e ia abrir a boca, quando desmaiou. — Que sacrilégio! — disse Janotas. — Que tipo de pessoas teriam coragem de fazer uma coisa dessas com tão linda ninfa? Eu odeio os sszzaazitas! Eles são criaturas maléficas sem coração! — Tirem-na de lá. — falou Axel. — Hã, filhote de dragão. Nada me deixaria mais satisfeito do que isso, com exceção das possíveis recompensas pessoais que possam ser oferecidas por essa moça. Mas temos um pequeno problema. Não temos a chave. — falou Janotas. Axel olhou para Janotas e ia dizer algo, quando desistiu e caminhou até a elfa caída. Pegando nas correntes da jovem elfa, ele aproximou-se das algemas e murmurou algumas palavras. Um feixe de luz e fogo saíram de seus dedos, aproximando o feixe das algemas, ele conseguiu soltar a trava inferior. A trava inferior protegia o pino que unia as duas partes da algema do lado contrário à da tranca da chave. Ao soltar a trava inferior ele puxou o pino da algema, que se abriu. Fazendo o mesmo com as outras duas algemas, ele conseguiu soltá-la. Apontou pra Janotas e disse: — Dá-me aquela poção. — Claro, garoto! Além de feiticeiro é metido a ladrão! Por isso é que é o líder do grupo! Wynna te abençoe, meio-dragão! Wynna te abençoe! — falou Janotas. Janotas retirou um tubo pequeno de dentro do bolso interno de seu robe e o deu a Axel, que despejou o conteúdo na boca da elfa. Axel fechou a boca dela e o nariz, fazendo-a engolir involuntariamente. Poucos segundos depois, ela abria os olhos. Os vergões e cortes tinham desaparecido. Ao ver Axel, ela adocicou a voz e perguntou: — É você o meu herói? — Nós salvamos você, garotinha! — falou Suanny com um olhar sério e ameaçador e enfatizando no “Nós” e no “garotinha”. — Oh, muito obrigada. — respondeu a elfa timidamente. — Sou Mildred. E vocês quem são? — Somos aventureiros, senhorita. — respondeu Axel levantando-se e ajudando a elfa a levantar-se. — Estamos aqui para encontrar um artefato mágico. Se me permite perguntar, o que fazia aqui? — Minha caravana foi atacada por um grupo de sszzaazitas. Somos servas de Lena, não podíamos revidar por isso tentamos fugir. Eu e um jovem Paladino de Lena fomos capturados. Ele foi sacrificado logo que chegamos. Segundo o que ouvi dizer, eu seria a próxima... Mas, faltando dois dias para o sacrifício todos aqui sumiram e isso foi há três semanas. Tenho me alimentado graças aos dons que minha querida deusa me concedeu, mas se não fosse por isso acho que eu já estaria morta... Mas graças a vocês eu estou livre! Obrigada! Mildred deu um abraço em Axel. Suanny interveio logo:

— Ótimo! Agora, já que você está muito bem, nós podemos ir indo! Volte pra casa! — Você adentrou numa área de Tormenta? — perguntou Janotas referindo-se à sanidade mental de Suanny. — Como é que ela vai embora daqui sem nossa ajuda? Esqueceu do fosso de lava, foi? — Não é problema da gente, deixe-a se virar! — exclamou Suanny, furiosa ao ver Mildred abraçando mais ainda Axel, com medo de ficar só. — Assim ela vai nos atrapalhar! Nem lutar sabe! — Calma, Suanny. — falou Axel. — Vamos fazer o seguinte, ela fica aqui... — Não! Por favor, não! — suplicou Mildred começando a chorar. — Sou uma clériga de Lena, posso ajudar com minhas magias. Por favor, não me deixem aqui sozinha. — Mildred começou a abraçar mais forte Axel. — Calma criança... Calma... — falou Axel. — Você vem conosco, então. — Não jogue com os dados de Nimb, Duende! — Calma, ciumentazinha. — falou Janotas com um tom irônico. — Ela só está emprestando a espada para nós. Vai se juntar ao nosso grupo voluntariamente. Uma clériga pode ser útil contra mortos-vivos, pensei que já tinha pago essa matéria. Deixe seu ciúme um pouquinho de lado e... — Ciumenta, Eu?! — Suanny explodiu. — Eu não tenho ciúme desse protótipo de gente com nome de duende! Se ela quer vir, pode vir... Assim aprende como uma mulher de verdade age! Agora, se ela nos atrapalhar vocês vão se ver comigo! Faça-a parar de chorar, Duende! E vamos logo que eu tenho contas a acertar com aquela bacante maldita! Suanny saiu de dentro do aposento com as veias pulsando de tanto ódio. Sentia o corpo fervendo de raiva. Maldito meio-dragão. Janotas e Kildred entreolharam-se. Axel soltou-se de Mildred, que ainda fungava levemente e disse: — Vamos indo, fique junto de Janotas e tome cuidado! — Está certo. Obrigada. Lena há de abençoá-los. — disse Mildred humildemente. Suanny estava parada próxima a uma outra porta, tentava sentir alguma presença sobrenatural. O corredor prosseguia mais adiante, fazendo uma curva para a esquerda. Os corpos de cobras já diminuíam gradativamente. Axel aproximou-se e perguntou: — O que foi? Sentiu algo? — Estou com medo de entrar aqui e encontrar outra garota indefesa e desprotegida. — Suanny, pelo amor de Wynna! — falou Axel balançando a cabeça. — Éksis, sente alguma coisa por trás dessa porta? O gato miou balançando a cabeça negativamente e aponta pra frente. Axel e Suanny olharam pro corredor. Janotas iluminou a porta, enquanto Kildred apenas observava o local. Mildred permaneceu no lugar, apreensiva. Que tipo de grupo de aventureiros era aquele? — Eles seguiram adiante... — murmurou Axel. — A porta está aberta, Duende. — falou Suanny apontando para a divisória da porta, que mostrava estar apenas encostada. Axel abriu levemente a porta, revelando o que deveria ser uma cozinha e um refeitório. Várias mesas estavam dispostas pelo local e no canto inferior da sala, um caldeirão e várias caixas com comida. Muitos ratos infestavam o local, saindo de dentro da caixa de comidas. Sete ratos gigantes também estavam no refeitório e olharam pros aventureiros. Dois dos ratos gigantes deram um guinchado alto eriçando o pêlo. — Olha só! — exclamou Janotas. — Só querem ser um demônio da Tormenta! Mildred deu uma risada devido ao comentário cômico de Janotas. Suanny olhou com a cara amarrada pra Mildred,

como um aviso de que caso não se calasse poderia perder a língua. Ignorando a iminente rixa, Axel fechou a porta e trancou a porta encravando uma pedra no chão, próximo à abertura. O grupo continuou em frente, dessa vez com Axel na frente, seguida de Suanny e Kildred. Janotas e Mildred vinham logo atrás. Após a curva o corredor prosseguia em frente. Após algum tempo, a lanterna de Janotas iluminou o que parecia ser uma saída, mas pegara em algo que refletia. — O que será aquilo? — perguntou Kildred. — Está ficando frio aqui... — murmurou Mildred levemente. Saindo do corredor, o grupo deparou-se com um jardim. No meio do jardim havia uma fonte. Rodeando o jardim havia uma calçada com pilares com cobras esculpidas nelas. Duas árvores estavam plantadas no lado oposto do jardim. Moitas e arbustos estavam podados, exibindo desenhos de ofídios. Um grande buraco no teto, possivelmente natural permitia a visão do céu aberto. A lua acabava de sair de trás de uma nuvem, iluminando melhor o local. Uma imensa cobra estava no meio do jardim, próximo à fonte. Era uma versão gigantesca de uma cobra naja, devia ter o porte de uma sucuri. Cobras menores podiam ser vistas espalhadas pelo jardim. Todas, assim como tudo no jardim, congeladas. — Por Lena! — exclamou Mildred. — O que houve aqui? — Acho que nosso amiguinho com bafo de dragão branco passou por aqui. — falou Janotas. — Pelo menos deixou o caminho limpo. Wynna me livre de ter que enfrentar aquela naja gigante. — De quem você está falando? — perguntou Mildred a Janotas. — Se estiver com medo é só desistir! Ninguém vai lhe odiar por isso. — disse Suanny friamente adiantando-se pela calçada, onde o gelo era menor. — Tomem cuidado. — disse Axel seguindo Suanny. Kildred começou a seguir os dois pela calçada, junto à parede. Mildred foi logo em seguida, com Janotas por último. Havia outra porta no lado por onde eles prosseguiam. Mas estava congelada. Uma outra porta na parede do lado esquerdo estava congelada, mas com metade destruída. Era para lá que o grupo rumava. — O que está havendo, Janotas? Quem fez isso? — perguntou Mildred. — Há um outro grupo tentando pegar o mesmo artefato. Ele é composto por mortos-vivos. Uma vampira bacante, um heucuva e um cavaleiro da morte. Foi o último quem fez essa “congelante” surpresa aqui. — Cavaleiro da morte? O que é isso? — perguntou Mildred. — Quando um cavaleiro viola algum código, ele pode estar passível da punição divina. O castigo geralmente é torna-lo um Cavaleiro da Morte, condenado a cumprir uma missão ou preso a um lugar. Lembro de uma história envolvendo um lorde que virou um Cavaleiro da Morte, mas me parece que ele foi derrotado por aventureiros com uma espada encrenqueira chamada Slash Calliber. — Ah... E um heucuva? Esse nome é familiar. — perguntou novamente Mildred. — É a mesma condição de um Cavaleiro da Morte, só que em vez de ser um cavaleiro a quebrar um código, foi um clérigo. Geralmente o castigo é o mesmo, cumprir uma missão ou ficar preso a um lugar. — falou Janotas. — Essa garota não se decide mesmo! — falou Suanny. — Já te trocou por outro, Duende. Só você mesmo pra se meter com esse tipo de gente. — Suanny... — falou Axel. O grupo chegou até a porta destruída e entrou por ela. Era um escritório, com um pequeno altar, uma mesa e algumas cadeiras. Um tapete estava estendido pela sala e algumas esculturas de ofídios eram visíveis em cima de móveis. Por trás da

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mesa principal havia outra porta, menor. Um calafrio percorreu o corpo de Suanny, Axel e Kildred, que usavam uma camisa comum sob efeito da magia Calafrio. Um barulho veio de trás da porta, como se algo tivesse batido contra a parede. Suanny empunhou a espada em posição de defesa, juntamente com Kildred. Janotas preparou o bastão. O silêncio voltou a tomar conta do local. Como nada aconteceu, Axel sussurrou: — Vamos entrar! Kildred, você e Suanny vão à frente e abrem a porta. Janotas, prepare suas magias. Mildred, nós vamos precisar de suas magias de cura. Preparem-se! Vão! Kildred e Suanny chutaram a porta e entraram no aposento. Era um quarto, com uma cama luxuosa e uma mesa. No exato momento, o aposento se encheu de poeira, pois a parede oposta desabou. O heucuva acabara de derrubá-la, revelando uma passagem secreta. Axel afastou a poeira com uma pequena rajada de vento. Kerryne apenas acenou para Suanny, dizendo: — Chegaram tarde, queridinhos! — Malditos Helsen! Cuide deles, Uregran! — disse Sithloth, o Cavaleiro da Morte. O heucuva, Uregran, rugiu como resposta e olhou pros caçadores. Sithloth entrou na passagem aberta, seguido por Kerryne. Uregran jogou a cama e a mesa na frente da passagem e se colocou entre os Helsen e a passagem secreta. Kildred avançou na direção do heucuva, seguido de Suanny. Quando as duas espadas tocaram o corpo de Uregran, abriram um corte em suas roupas, mas que pouco ferira o heucuva. Furioso, Uregran girou com os braços abertos, atingindo Suanny e Kildred. Suanny foi arremessada contra a parede e Kildred conseguiu esquivarse por pouco. Esse pouco é o suficiente, para Kildred contraatacar com um golpe com a sua espada katana. O golpe atingiu Uregran de forma certeira, mas o heucuva não demonstrou ficar muito machucado por causa disso. Antes que pudesse ser acertado por outro golpe, Kildred saltou para trás. — Mas o que está havendo? Eu acertei o maldito duas vezes certeiro no flanco, era para pelo menos estar caído... Espera aí! Droga, esqueletos só levam dano massivo com ataques concussivos. Ataques cortantes e perfurantes não são muito eficientes... Suanny estava desacordada, ela tinha batido com a cabeça. Axel vendo a situação dela, disse: — Kildred toma conta aí da situação! Pega aí o meu bastão! — Valeu, irmão! — falou Kildred pegando o bastão arremessado por Axel. Kildred deu um sorriso enquanto guardava a katana. — Agora sim, seu esqueleto mulambento! Agora nós vamos nos entender! — Mildred, preciso de você! — falou Axel. Mildred entrou no aposento dirigindo-se até o local onde Axel e Suanny estavam. O heucuva moveu-se, demonstrando que não ia deixar tão facilmente. Mas, Kildred colocou-se no caminho empunhando o bastão de Axel. — Isso é madeira de Tollon, bonitinho! Agora você vai ver o que é bom! — Cure-a, por favor. — pediu Axel. — A cabeça está com um corte. — Está certo. — disse Mildred fechando os olhos e murmurando baixinho uma oração numa linguagem antiga. A mão de Mildred começou a brilhar levemente e ela colocou-a sobre a testa de Suanny. Axel olhava apreensivamente, esquecendo da batalha. Kildred com o bastão avançou sobre o heucuva, tentando desferir um golpe certeiro. Uregran bloqueou o ataque com o braço e contra-atacou, mas Kildred esquivouse novamente, contra-atacando com uma seqüência de golpes. Surpreso, Uregran tentou recuar, mas Kildred desferiu um golpe que lhe acertou a cabeça, transformando-a em pó. O corpo

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do heucuva caiu no chão e seus ossos viraram pó, ele já estava derrotado antes do “golpe final”. Quando Suanny abriu os olhos, Axel e Mildred estavam ao seu lado, enquanto Kildred e Janotas removiam a mesa e a cama da frente do buraco. Havia passado pouco tempo, cerca de três minutos após o fim da luta de Kildred. — O que houve? — perguntou Suanny. — Você bateu com a cabeça, mas Mildred a curou. — falou Axel. — Fico feliz que esteja melhor, Suanny. — Ora, isso não é hora pra isso! Onde estão aqueles malditos da Sociedade da Noite Eterna? — perguntou Suanny levantando-se. Kildred e Janotas tinham acabado de derrubar a cama no chão e a abertura estava novamente exposta. Suanny caminhou em direção à entrada e disse, enérgica: — Vamos logo! E... — voltando ao tom de voz normal. — Obrigada, Mildred. — Nossa, ela disse um “Obrigada”! — sussurrou Janotas. Kildred abafou a risada. Suanny entrou no túnel seguido de Axel, Kildred, Janotas e Mildred. Axel, com seu bastão já devolvido e com Éksis em seu ombro, adiantou-se pelo corredor. O corredor fora escavado irregularmente na rocha e apresentava certa umidade, demonstrando que pouco era usado. Teias de aranha podiam ser vistas nas bordas superiores e algumas abertas ao meio, que certamente ficaram no meio da passagem de Kerryne e o Cavaleiro da Morte. Janotas iluminava tudo com muito cuidado. Espalhados pelo chão estavam alguns corpos de cobras. — A única coisa boa daqueles dois é o fato deles limparem nosso caminho. Olha só isso... — falou Janotas iluminando o corpo de uma cobra que se encontrava aberta ao meio. — Silêncio, Janotas. — falou Kildred. — Temos que manter a atenção... — Assim você vai ficar igualzinho a Suanny... — sussurrou Janotas. — Assim você está baixando o nível, mago! — falou Kildred num murmuro. — Silêncios, os dois! — falou Suanny num tom ríspido. Janotas deu um sorriso. O corredor terminava numa porta de ferro, que estava entreaberta. O interior da câmara demonstrava estar iluminado. Um calafrio percorreu novamente o corpo de Suanny, Kildred e Axel que se entreolharam. Já sabiam o que fazer. Suanny e Kildred aproximaram-se na frente, seguindo a mesma estratégia utilizada no escritório. Ouvia-se o tilintar leve de metal, como várias moedas se chocando. Quando Suanny e Kildred entraram silenciosamente através da abertura cedida pela porta, eles pararam surpresos. Axel, com Éksis em seu ombro, foi o próximo a entrar, juntamente com Janotas e Mildred. Quatro tochas na parede iluminavam diante deles uma pilha de moedas. Milhares de Tibares de ouro, junto com cetros, coroas e outros itens. Kerryne, a vampira bacante, colocava algumas moedas no bolso, enquanto Sithloth, o Cavaleiro da Morte, vasculhava um baú. Todos dois alheios à presença dos Helsen. — Estamos ricos, Lorde Sithloth! — Concentre-se em sua missão, bacante! — falou o Cavaleiro da Morte com frieza enquanto retirava uma pequena caixa do baú. — Acho que encontrei o cristal... Sithloth abriu a caixa, revelando um cristal negro metálico que emanava uma pequena luz negra. Sithloth olhou com certo prazer aquele cristal, podia sentir o poder das Trevas forte nele. Os pontos vermelhos de Sithloth chegavam a brilhar com uma maior intensidade, num tom mais escuro. Só percebeu algo aproximando-se muito rapidamente quando era tarde demais. O cristal já havia sido pego de suas mãos. Sithloth olhou para seu ladrão e viu

Éksis com o cristal em sua boca, em cima da pilha de moedas. — Mas o que esse gato...? — balbuciou Sithloth com ódio na voz. — São os Helsen! — exclamou Kerryne com um sorriso olhando pra porta. — Não achou que ia se livrar tão fácil da gente, não é meretriz? — perguntou Suanny avançando contra Kerryne com a espada em punho. — Maldito gato! — falou Sithloth abrindo a boca. — Éksis, cuidado! — advertiu Axel. Da boca de Sithloth a língua comprida saiu velozmente, estatelando nas moedas. Éksis saltara para a direita, esquivandose. Aproveitando que Sithloth estava recolhendo sua língua, Éksis correu até Axel, dando-lhe a pedra. Quando Lorde Sithloth olhou para Axel, ele estava com a mão flamejante e jogava algo derretido no chão. Axel olhou para Sithloth e disse com firmeza: — Antes destruído, que nas mãos erradas! — Maldito! Vai pagar por isso! — Sithloth puxou a espada. — Veremos! — disse Axel puxando o bastão. Kildred fez menção de adiantar-se também, mas a câmara subterrânea começou a tremer e da pilha de moedas saiu uma enorme cobra com cabeça humana, e presas pontiagudas. Suanny e Kerryne pararam de lutar por alguns instantes, mas quando a surpresa passou, se entreolharam e Suanny atacou Kerryne, que criara garras em suas mãos. Axel fitou o monstro que acabara de surgir e Sithloth aproveitou a distração do meio-dragão para atacálo. Axel esquivou-se do golpe por pouco. Éksis estava no colo de Mildred, que observava terrificada a situação. Kildred e Janotas se entreolharam. Kildred sorriu e disse: — Esse é meu! Kildred avançou em direção ao monstro. Janotas pôs a mão no queixo e disse: — Eu deveria ter chegado a essa conclusão antes... Isso é um tesouro sszzaazita. Não há tesouros sem guardiões e os mais comuns guardiões de tesouros sszzaazitas são nagas. Cobras constritoras com cabeças humanas... — Ele olhou para Mildred, como se estivesse esclarecendo alguma dúvida dela. — Ahnn... — falou Mildred abraçando Éksis. — Você não vai ajuda-los? — Não posso. Estou sem energia mágica, só posso contar com Sally meu bastão. Mas ela só consegue lançar magias de baixo nível. Praticamente Truques. — Eu posso tentar usar uma magia de cura... A deusa Lena dá esse dom a todas as servas dela. — disse Mildred estendendo a mão para tocar em Janotas. Sithloth desferiu um golpe em Axel, que tentou se esquivar, sendo acertado no ombro. Axel revidou com um golpe certeiro de seu bastão no peito de Sithloth. Suanny conseguiu acertar um golpe forte em Kerryne, rasgando-lhe a barriga. Kerryne olhou surpresa para Suanny, rosnando ao ver o ferimento. O ferimento cicatrizou-se como sob efeito de uma magia de cura, era a regeneração vampírica em ação. — Maldita, era minha roupa favorita! — gritou Kerryne. — Teve sorte de não ter sido sua cara! — ameaçou Suanny. — Experimenta, orelhuda! Kerryne avançou em Suanny velozmente, mal dando tempo dela bloquear o ataque. Embora tenha conseguido bloquear, ela não pôde impedir um murro no seu estômago, jogando-a longe pelo chão. Kerryne saltou, quase num vôo, caindo por cima de Suanny. A meia-elfa empurrou-a com os pés num golpe de artes marciais, mas a vampira deu um mortal e caiu em pé. Seus olhos estavam rubros, como os da meia-elfa só que num tom brilhante. Suanny levantou-se num salto com as pernas e

foi em direção a vampira. Kildred desviava dos ataques da cauda da naga, que ela estava utilizando como chicote. A cada desviada, ele tentava contra-atacar rapidamente com um golpe de sua espada katana. Os golpes mal cortavam a áspera pele do ofídio. Axel bloqueou um ataque de espada, feito de forma vertical por Lorde Sithloth. Axel já apresentava alguns cortes em seu corpo e Sithloth possuía a armadura amassada. Axel contra-atacava Sithloth que bloqueava o ataque com sua espada, enquanto Sithloth atacava com a espada e Axel bloqueava com seu bastão. A luta tomara um ritmo frenético e os dois já ofegavam bastante. Mais frenético que a luta deles estava a de Kerryne e Suanny. As duas lutavam com toda a força e ódio, embora a vampira estivesse ganhando algumas vantagens graças aos seus poderes. Kerryne atacava Suanny com suas garras, que eram bloqueadas pela espada de Suanny, enquanto esquivava-se dos ataques da meia-elfa. Suanny já tinha o corpo cheio de marcas de garras e Kerryne, embora não apresentasse nenhuma marca, tinha sua roupa rasgada mostrando a eficiência dos ataques de Suanny. Em determinado momento, Suanny recuou para trás e esbarrou em Axel, que também parara para respirar um pouco. — Tem alguma estratégia brilhante, Duende? — perguntou Suanny. — Estamos com certa desvantagem aqui. — No momento só me lembro das suas estratégias de partir pra cima. — Aarghhhhh... — gemeu Kildred. Kildred havia sido enrolado pelo corpo da naga que começava a apertar o seu “abraço”, visando esmagar os ossos do jovem. Um projétil de fogo atingiu a cabeça da naga, atordoando-a. Janotas agitou seu cajado, estava de volta à ativa. Isso relaxou os músculos da naga, libertando parcialmente Kildred, que escapou do ataque constritivo da naga. Ao cair na pilha de moedas, ele caiu exausto com o corpo todo dolorido. Recuperada, a naga avançou com a cabeça sobre Kildred, visando mordê-lo. Suanny e Axel levaram um ataque conjunto dos dois mortos-vivos que os jogou contra a porta. Axel, ainda caído no chão, ergueu as mãos e atirou um projétil de fogo nos dois. Lorde Sithloth esquivou-se do ataque, mas Kerryne foi pega. Aquele ataque era o que faltava para esgota-la. Kerryne caiu por cima da pilha de moedas, debilitada. Consciente ainda, mas totalmente fadigada. Mal conseguia mexer-se. A meia-elfa também estava igual. Ela tentava se levantar, mas estava sem forças. Sithloth sorriu maquiavelicamente e avançou em direção ao caído Axel e à caída Suanny. — Vai pagar por ter destruído o cristal de Tenebra, caçador! O chão abaixo de Lorde Sithloth ficou escorregadio enquanto ele caminhava, fazendo-o cair. O chão estava sob efeito da magia Terreno Escorregadio de Neo. Um jato de água criado com Ataque Mágico o jogou contra a pilha de moedas. Janotas voltara com força máxima para o combate. Ele olhou para Mildred e disse: — Rápido, vai lá e capricha nas magias de cura! Ah! Cura o Axel primeiro, tá. — Certo. Mildred correu em direção a Axel e Suanny, pondo a mão na testa de Axel e iniciando uma oração. Lorde Sithloth estava sendo “distraído” por Janotas que lançava magias de nível fraco utilizando a energia do bastão. Kildred esquivou-se rapidamente, rolando pelo chão. Mas a mordida da naga abocanhara alguma coisa, pois ela estava com algo em sua boca. Kildred arregalou os olhos quando viu na boca da naga o saco onde estavam as bolas de Erupção de Aleph inventadas por Hugho, o goblin engenhoqueiro da Sociedade Helsen. Lorde Sithloth atacou Janotas com a língua. Janotas esquivou-se, mas caiu no chão. Axel acabara de se levantar e Suanny estava sendo cura-

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da por Mildred. Lorde Sithloth olhara com rancor àquela cena. — Um sopro gélido, Sithloth! Use um sopro gélido! — falou Kerryne, sem forças. — Oh, não... — balbuciou Axel. Aquilo mataria a Mildred, Janotas e Suanny. — Janotas! — gritou Kildred. — Uma bola de fogo na cabeça da naga! E é pra ontem! Ela está com as bolas engenhocas de Hugho na boca! Janotas acabara de se levantar. Kildred corria em direção aos amigos, próximos a porta. Janotas estendeu o bastão e começou a murmurar algumas palavras, ia usar o restante de sua energia mágica naquele projétil de fogo feito com Ataque Mágico. Axel, ouvindo o aviso também, estendeu a mão e atirou um projétil de fogo com Ataque Mágico. Os dois projetos acertaram simultaneamente a cabeça da naga, que caiu no chão. O saco da invenção de Hugho entrou em chamas. Kildred passou correndo e abriu a porta. — O que está fazendo, infante? — perguntou Suanny levantando-se. — Não viu que... — Sim, eu vi. Só que você, Duende e o aprendiz ali esqueceram que precisam de Terra pra haver efeito? Essa balbúrdia toda foi à toa, não adiantou de nada! Machos... — exclamou Suanny. — Eu estava com medo de não encontrar areia, por isso enchi o saco todinho com areia antes de sairmos da sede. — O quê?! — exclamou Suanny. — O que é aquilo? — perguntou Mildred. O saco estava com um tom vermelho brilhante, como se fosse explodir. Lorde Sithloth abriu a boca, inspirando ar para atirar um sopro gélido no grupo. Mais rápido do que podiam, o grupo começou a correr em disparada pelo corredor. O sopro gélido veio logo em seguida, atingindo poucos metros do corredor. Somente o vento frio chegou ao grupo. Lorde Sithloth disse, com um tom arrogante na voz: — Covardes! — Por Tenebra! — exclamou Kerryne vendo o saco incandescente. O grupo saiu do corredor subterrâneo, atravessando o quarto e o escritório do sarcedote-chefe do templo sszzaazita. Ao saírem no jardim, eles viram o gelo da parede sul, à esquerda deles, derretendo com a rocha incandescente. Janotas ia começar a atravessar o jardim, quando Kildred o segurou. — O que foi? — perguntou Janotas. — Vamos escalando. — falou Kildred apontando pra Suanny. Suanny começava a escalar pela parede, levando consigo um lençol comprido retirado da cama do sacerdote-chefe do templo. Ao chegar no topo, Suanny viu que estava de volta a um monte nas Montanhas de Teldiskan. Podia ver o topo do templo sszzaazita por cima da copa das árvores, com duas esculturas de serpentes gigantes nas duas extremidades do mesmo. Suanny amarrou o lençol no galho de uma árvore e o jogou no buraco. Axel acabara de subir da forma convencional, sem o lençol. Podiase ver o chão ficando vermelho incandescente mais à frente. Axel e Suanny puxaram o lençol, ajudando Mildred a subir mais rapidamente. O próximo foi Janotas. Kildred já estava vendo as serpentes ganhando vida e a parede da esquerda borbulhando como um líquido, quando o lençol caiu pra ele. A serpente gigante, que acabara de sair de seu estado de inanição, viu Kildred escalando a parede e dirigiu-se até ele. O bote atingiu apenas a parede. Kildred havia sido puxado pelos amigos a tempo. — chão está rachando! — exclamou Janotas. — Isso vai explodir, vamos sair daqui! — falou Axel. O chão começou a borbulhar, soltando pequenas gotas

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de lava. A terra estava fervendo, como um vulcão preste a entrar em erupção. Axel, Suanny, Kildred, Janotas e Mildred correram através das árvores, tentando sair daquele bosque. O bosque ficava situado sobre um monte próximo às Montanhas de Teldiskan. O coração parecia que não ia agüentar e o suor escorria como água, o local estava fervendo. Os cinco corriam desesperadamente, tentando salvar suas vidas. Éksis se enfiara dentro da camisa de Axel para não cair. A torre de fogo subiu alto, como se quisesse alcançar os céus. A terra tremia e lava escorria por todo o monte. O monte, do templo sszzaazita, de bosque passou a um temporário vulcão. A lava queimava toda a vegetação presente no monte. Já a uma distância segura, os Helsen e Mildred apenas observavam aquele espetáculo assustador. — Melhor irmos andando, antes que a lava chegue até nós. — falou Axel. — Concordo. — disse Janotas. — Vou com vocês até Valkaria. De lá tentarei entrar em contato com o templo do qual faço parte. Eles precisam saber o que houve com a caravana... Obrigada por tudo mesmo. Muito obrigada. — disse Mildred dando um beijo no rosto de Axel, que ficou todo vermelho. — Ei, porque só nele? — reclamou Janotas. — Tudo bem. Obrigada. — falou Mildred sorrindo e dando um beijo no rosto de Janotas, que não escondia a satisfação. — Hunf! — bufou Suanny. Axel sorriu com a atitude de Suanny, ela não queria criticar Mildred, pois esta ajudara bastante o grupo. — Missão cumprida, não é Suanny? — perguntou Axel. — Não totalmente. — Por que não? — perguntou Axel, tirando Éksis de dentro de sua camisa. — Porque não conseguimos pegar o Cristal de Tenebra. Mas devo admitir que você foi corajoso, Duende. Muitos hesitariam covardemente em destruir aquele artefato. — falou Suanny olhando pro horizonte. — E quem disse que não conseguimos? — Axel enfiou a mão no bolso e tirou um cristal negro que emanava uma fraca luz negra. — Mas... E...? — balbuciou Suanny. — Eu queimei um globo de vidro que estava naquela pilha de tesouros. — falou Axel guardando o cristal novamente. — Eu devia ter imaginado, você não tem mesmo coragem para destruí-lo. — falou Suanny com um tom de voz sério, tentando disfarçar o orgulho que sentia naquele momento de Axel. Ele fora fantástico. — Você não tem jeito mesmo, né? — perguntou Axel Suanny olhou pra ele pelo canto do olho e embora não demonstrasse, sorria internamente. Axel voltou a olhar para frente, estavam chegando a uma estrada. Mais alguns dias e estariam em Valkaria. Janotas e Kildred começaram a entoar uma canção feita por um hobbit em tempos antigos. E enquanto a lua descia em direção ao oeste, a canção ecoava pela noite naquela estrada... ??? “A estrada em frente vai seguindo, deixando a porta onde começa. Agora longe já vai indo, devo seguir e que nada me impeça. Em seu encalço vão os meus pés, até a junção com a longa estrada. De muitas sendas através, que vem depois? Não sei mais nada...” ??? FIM

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