Universidade Federal do Amazonas Instituto de Ciências Humanas e Letras Mestrado em Sociedade e Cultura na Amazônia
História e Memória da Biblioteca Pública do Amazonas (1870 a 1910)
Manaus 2000
Guilhermina Melo Arruda
História e Memória Memória da Biblioteca Pública do Amazonas (1870 a 1910)
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Natureza e Cultura da Amazônia à Universidade Federal do Amazonas, sob a orientação do Prof. Dr. Evandro Cantanhede de Oliveira
Manaus 2000
Ficha catalográfica A779h
Arruda, Guilhermina Melo História e memória da Biblioteca Pública do Amazonas (1870 a 1910). __ Manaus: Universidade do Amazonas, 2000. 140 p.; il.; 27 cm. Dissertação de Mestrado. 1. Biblioteca Pública História. I. Título
do
Amazonas -
CDU: 027.022(811.3)”1870-1910”(091.02.2)
Dissertação defendida e aprovada em 31 de agosto de 2000, pela banca examinadora constituída pelos professores:
_______________________________________________________ Prof. Dr. Evandro Cantanhede de Oliveira Orientador
_______________________________________________________ Profª Drª Elenise Faria Scherer Membro
_______________________________________________________ Prof. Dr Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro Membro
À Maria de Nazaré Melo Arruda, minha mãe; A Wellington Góes Terra, meu noivo; À Célia Regina Simonetti Barbalho, minha eterna orientadora; À Anabela Costa Haddad, minha amiga, Dedico
Ao professor Dr. Evandro Cantanhede de Oliveira, meu orientador; À Ana Cristina Estevão, Coordenadora da Biblioteca Pública do Amazonas; Ao Departamento de Biblioteconomia da Universidade do Amazonas, meu local de trabalho; Aos amigos que, acreditando em meu potencial, deram-me força para prosseguir, em especial a Ademir de Melo Amaral; E a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho, Agradeço
“ Compraste livros, enchestes estantes, oh Amantes das Musas. Significa isso que és um erudito agora?” (Ausônio)
Lista de Figuras
Figura 1: Vista de Manaus
18
Figura 2: Espaço Urbano de Manaus
19
Figura 3: Nova forma de vestir
22
Figura 4: Processo de Transformação
30
Figura 5: Processo de Europeização
33
Figura 6: Ruínas da Biblioteca de Efésos – Antiguidade
48
Figura 7: Biblioteca Nacional – Rio de Janeiro
66
Figura 8: Quartel da Polícia Militar
72
Figura 9: Catedral Nossa Senhora da Conceição
82
Figura 10: Início da Construção da Sede Definitiva
84
Figura 11: Liceu Provincial – Atual Colégio Dom Pedro II
86
Figura 12: Etapa Final da Construção da Biblioteca Pública do Amazonas Figura 13: Biblioteca Pública do Amazonas nos dias atuais
97 100
Sumário
Considerações Iniciais
09
Capítulo 1 Um Retorno à História
16
1.1 A Construção da “Vitrina”
18
1.2 A Obscuridade do Fausto
38
Capítulo 2 Uma Sala de Leitura em Manaós
45
2.1 O Livro dos Géneses
46
Capítulo 3 Uma Nova Biblioteca para a Província
78
Considerações Finais
101
Referências
114
Resumo
Nesta dissertação, tenho por objetivo resgatar a história e a memória da Biblioteca Pública do Amazonas durante o período de 1870 a 1910 e através desse resgate poder contextualizá-la no processo de constituição da cidade de Manaus. Ainda há o propósito de relacionar a criação da Biblioteca Pública do Amazonas, a partir dos processos sociais que influenciaram tanto na transformação urbanística de Manaus, quanto na formação da elite intelectual da cidade. Isso implica afirmar que se espera, com essa pesquisa, verificar se a criação da sala de Leitura e, posteriormente, a Biblioteca Pública Provincial tiveram uma única finalidade: equiparar a cidade de Manaus às cidades intelectualmente desenvolvidas; ou satisfazer as necessidades da sociedade manauara – grupo social economicamente privilegiado-; ou ainda, executar sua função pública.
Palavras-Chave:
Biblioteca
pública-Amazonas,
Economia
gomífera, Urbanização-Manaus, Sala de leitura, Biblioteca provincial.
Considerações Iniciais
C
om este trabalho, espera-se obter não apenas o grau de Mestre, pois o resgate da memória e história da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas, durante o Período referente
ao “ciclo da borracha”, mais precisamente entre os anos de 1870 a 1910, não se restringe a um mero compromisso acadêmico. A existência de apenas três fontes bibliográficas que tecem a trajetória dessa Biblioteca, contribuiu, sobremaneira, para a realização desta dissertação, pois a história de Manaus, bem como a do Curso de Biblioteconomia da Universidade do Amazonas merecem a existência de um trabalho que se volte verdadeiramente para a historia da Biblioteca Pública do Amazonas. A obra “Nascença e Vivencia da Biblioteca Pública do Amazonas”, escrita por Genesino Braga, em 1971 e reeditada em 1989, é considerada como sendo a primeira bibliografia, cuja versão revela que a Sala de Leitura anexa a Biblioteca Pública do Amazonas, fora uma espécie de presente à comunidade onde, sua função ligava-se à libertação dos manauaras do estado de ignorância. Porquanto é interessante salientar que em sua obra Genesino transcreve a trajetória da Biblioteca sob uma visão romântica onde, Gustavo Adolfo Ramos Ferreira, Presidente da Província do Amazonas, é apresentado como sendo o grande responsável pela criação da Biblioteca na cidade de Manaus. Não obstante, afirmar que a Biblioteca Pública do Amazonas passou por período ora de abandono e esquecimento, ora de reorganização, esse
autor defende a hipótese de que a Biblioteca fora criada para o uso público, satisfazendo assim, às expectativas e necessidades da população manauara, isto é, o usuário real – grupo de pessoas que efetivamente utilizam a biblioteca –, o usuário potencial – grupo de pessoas que poderão vir a freqüentar a biblioteca –, e o não-usuário – grupo de pessoas que jamais usarão a biblioteca, sendo este considerado como os não alfabetizados, os deficientes, os idosos, crianças e outros. Todavia, a verdade é que a história dessa Biblioteca não se firmou por essa razão, haja vista que a época em que se criou a Sala de Leitura como núcleo da Biblioteca Pública do Amazonas, Manaus além de ser considerada como uma grande aldeia, apenas 3% da população tinha condições de decifrar o código da escrita. Diante do exposto, pode-se afirmar que sua criação, deu-se a partir do parâmetro europeu, particularmente o francês onde, a presença de uma Biblioteca era sinônimo de Intelectualidade e modernidade para a cidade que a criava. A segunda fonte bibliográfica que se tem acerca da Biblioteca Pública do Amazonas, corresponde ao artigo publicado, em 1979, pela exprofessora do Departamento de Biblioteconomia da Universidade do Amazonas,
Maria
Sidney
Garcia
de
Vasconcelos
Lins,
intitulado
“Levantamento e análise do ‘status quo’ da seção de circulação da Biblioteca Pública do Amazonas”. Esse artigo, apresenta a trajetória histórica da Biblioteca Pública do Amazonas de forma sintética, mais precisamente em uma única página.
Desta forma, não se pode obter, com esse artigo, alguma informação mais profunda acerca da Biblioteca, pois seu objetivo não se ligou ao seu trajeto histórico. Quanto
a
terceira
obra,
“Biblioteca
Pública
do
Amazonas”,
publicada pela iniciativa do Governo do Amazonas, afirma-se que esta trabalhou o percurso vivido pela Biblioteca Pública do Amazonas, a partir da obra “Nascença e Vivência da Biblioteca Pública do Amazonas”, levando-nos a concluir que seu conteúdo não se diferenciou muito dos escritos de Genesino. Em virtude disso, sentiu-se a necessidade de desenvolver este trabalho, pois através dele visou-se efetuar um regate sobre a trajetória histórica da Biblioteca Pública do Amazonas não mais através da versão romântica ou sintetizada. Porém, em nenhum momento objetivou-se desmerecer as obras escritas anteriormente, haja vista que serviram como base para a construção desta dissertação. Isso implicar afirmar que, através desse novo resgate histórico, visou-se contextualizar a Biblioteca Pública do Amazonas a partir dos processos sociais que lhe deram origem, procurando elencar as causas de sua criação. É valido ressaltar, entretanto, que tal resgate correspondeu apenas às duas primeiras fases da história da Biblioteca Pública do Amazonas, já que o período traçado nesse trabalho, ligou-se à época vindoura do “ciclo da borracha”. Dessa forma, essa dissertação tem como objetivo primacial identificar a trajetória histórica da Biblioteca Pública do
Amazonas no período de 19870 a 1910, abrangendo desde sua criação até a instalação definitiva no prédio da rua Barroso – conhecido como Palácio da Barroso. Para isso, primeiramente, foi feito um levantamento sobre a cidade de Manaus no período áureo da economia gomífera, com o propósito de entender como ocorreu o processo de criação da Biblioteca Pública do Amazonas, compreender a contextualização histórica, social e cultural da capital do Estado naquela época, para que se fossem identificados os fatores que influenciaram na transformação urbanística de Manaus. Para a obtenção das fontes bibliográficas acerca da cidade de Manaus na época da borracha e da Biblioteca Pública do Amazonas, primeiramente coletou-se as informações junto às fontes primárias ou diretas. Segundo D. Grogan1, citado por Carlita M. Campos e Bernadete S. Campello
(1988:16),
por
tal
fonte
entende-se
como
sendo
“as informações que ainda não foram assimiladas pelo corpo do conhecimento científico e tecnológico”. Assim, durante
essa
etapa, o
levantamento
documental ou
bibliográfico foi realizado através de compilações de jornais, leis, decretos, relatórios e mensagens da época.
1
GROGAN, D. The literature. In: _________. Science and technology: na introdution to the literature. 3. ed. London: C. Bringley, 1976. p. 14-49.
Para coletar esses dados, contou-se com o auxilio das seguintes instituições: Biblioteca Pública do Amazonas, Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, Arquivo Público e Museu Amazônico. No segundo momento, o levantamento bibliográfico ou documental deu-se junto às fontes secundárias ou indiretas, utilizando-se assim, “a informação filtrada e organizada de acordo com um arranjo definido, dependendo da finalidade da obra [com] a função de facilitar o uso do conhecimento disperso nas primárias” (CAMPOS; CAMPELLO, 1988). Para
coletar
essas
informações,
contou-se
não
só
com
as
instituições já citadas, mas também com a Biblioteca do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade do Amazonas e acervos de particulares. O que não pode deixar de ser destacado é que tanto no primeiro, quanto no segundo momento, a coleta dos dados visou a obtenção de todo e qualquer tipo de informação acerca da: •
História da cidade de Manaus entre o final do século XIX e
início do século XX, pois foi durante esta época que a cidade sofreu seu primeiro grande surto de urbanização, transformando-se radicalmente a partir da adoção do modelo europeu. •
História da Biblioteca Pública do Amazonas entre os anos de
1870 a 1910 no momento de sua criação e ascensão já na Instalação definitiva no prédio definitivo da rua Barroso onde ocorreu também, sua extinção. Após a recuperação dessas informações, iniciou-se o processo de exposição.
Para
a
organização
deste
trabalho,
três
capítulos
foram
estruturados. No primeiro, intitulado “Um retorno à História”, aponta-se alguns elementos que impulsionaram o processo de modernização da cidade de Manaus, assim como identifico os atores/sujeitos responsáveis pela criação da biblioteca pública do Amazonas, baseando-se na Teoria do Cotidiano. No segundo capítulo, denominado “Uma Sala de Leitura em Manaós?”, visou-se traçar, primeiramente, a história
da Biblioteca
verdadeiramente pública e, em seguida, a criação até ao desaparecimento no núcleo da Biblioteca Pública do Amazonas. A fim de detectar se essa Sala fora construída para assumir sua função pública. Nesse momento, historiou-se o período que envolvia os anos de 1870 a 1882, com o propósito de retratar o curto ciclo de atividade desenvolvida pela Sala de Leitura cujo desaparecimento deu-se sem se saber como e quando. No terceiro capítulo, chamado “Uma Nova Biblioteca para Manaus”, descreveu-se o período referente à ascensão e reorganização da Biblioteca Pública Provincial, percorrendo suas várias fases, ou seja, desde a ascensão até a transferência para o prédio definitivo na rua Barroso. Nesse interin são evidentes os momentos de abandono, ora de franca atividade, em decorrência das sucessivas mudanças de direção e local, sendo este menos apropriado para assumir uma Instituição desse porte.
Capítulo 1 Um Retorno à História
Q
uando houve a criação da Sala de Leitura em Manaus anexa da
Biblioteca
Pública,
1870,
a
cidade
encontrava-se
estruturada sob a forma de uma grande aldeia, não estando,
portanto, pronta para receber o título de Capital da Província. Sendo assim, para entender o verdadeiro motivo da criação dessa Sala, em uma cidade que mais parecia uma grande aldeia, faz-se mister a descrição do período histórico referente ao “ciclo da borracha”, pois foi durante esse período que ocorreu desde a criação até a ascensão da Biblioteca Pública do Amazonas, visando, para isso, apontar não só o lado iluminado2 da economia gomífera, mas também ao lado das sombras3, com o intuito de retratar como Manaus estava estruturada antes e durante os anos de 1870 a 1910, haja vista que para P. L. Berger e T. Luckmann (1995:34)
todo conhecimento e toda realidade somente têm sentido se analisarmos a partir da dimensão social e histórica que os gerou. Isto porque, [...], as verdades que representam somente podem ser encontradas nos seus contextos específicos, nunca nos contextos de caráter geral.
Diante do exposto, pode-se afirmar que, através deste capítulo, objetivar-se-á retratar os dois lados resultantes da implantação do processo urbanístico na cidade de Manaus no período áureo da economia gomífera, pois somente desta forma, saberemos os verdadeiros motivos
2
Entendido como sendo tudo o que encanta, estando relacionado ao aparente, ao que é facilmente identificado e mensurável, deixando transparecer toda uma ilusão de esplendor, como nos é resgatado pela historiografia regional. 3 Compreendido como sendo a representação de tudo aquilo que está escondido, o que não é visível e captado em uma primeira leitura.
que levaram à criação da Sala de Leitura como núcleo da Biblioteca Pública do Amazonas, em uma cidade em franca expansão.
Figura 1 - Vista de Manaus Fonte: MESQUITA, Otoni Moreira. História...1997.
A Construção da “Vitrina” Para o Poder Público, a tentativa de transformar a estrutura física de Manaus, eliminando a imagem de atraso e anti-progresso que a cidade mantinha junto às regiões brasileiras e estrangeiras, sempre foi uma necessidade, conforme é revelado por Ortoni Moreira Mesquita (1997). Todavia,
fatores
econômicos
e
políticos
sobrepunham-se
à
consolidação de progresso do Amazonas, em relação ao resto do Império, pois
no
contexto
nacional
o
Estado
mantinha-se
completamente
inexpressivo, no que dizia respeito às exportações, e ainda mantinha-se sob a dependência política do Pará, inviabilizando, assim, a realização dos projetos que transformariam a cidade. Diante disso, a capital do Amazonas continuava apresentando o aspecto de uma grande aldeia, fato comprovado no relato, apresentado em 1865, pela Senhora Agassiz, que descreveu a cidade de Manaus como sendo uma cidade formada por um “aglomerado de casas, metades das quais prestes a cair em ruínas, [...], castelos oscilantes decorados com o nome de edifício público” (AGASSIZ, 1975: 127,174).
Figura 2: Espaço Urbano de Manaus Fonte: MESQUITA, Ortoni Moreira de. História... 1997.
Quanto à estrutura física da cidade, Edinea Mascarenhas Dias (1988: 10), destaca que esta, na época em que se deu a criação da Sala de Leitura, apresentava-se da seguinte forma:
porto precário, trapiches de madeira, pontes de madeira no centro da cidade, prédios públicos em ruínas ou construídas fora do estilo que a modernidade exigia, ruas estreitas e
desniveladas, calçamentos irregulares e de madeira, sem rede de esgoto, iluminação a gás, sem saneamento, com serviço de navegação deficiente, etc.
No que diz respeito à comunicação entre os cinco bairros existentes na época – Espírito Santo, São Vicente, República, Campinas e Remédios – pode-se afirmar que esta era feita através de pontes de madeira. Ademais,
a
condição
de
pobreza
que
Manaus
enfrentou
durante,
praticamente, todo o período imperial, deu-se em decorrência da precária situação econômica vivida pela região, uma vez que entre 1616 a 1750, as atividades incipientes desenvolvidas se baseavam, exclusivamente, na coleta das drogas do sertão – salsa, pimenta, cacau, cravo, canela, castanha e outros. No período seguinte, mais precisamente entre os anos de 1750 a 1830, as atividades econômicas voltam-se para a agricultura, porém, o retorno obtido não atingiu o resultado esperado, conforme salienta Mesquita (1997). Quanto ao cotidiano da população manauara, pode-se afirmar que era considerado, também, impregnado pela rotina inóspita e impiedosa. Durante a semana, os homens trabalhavam nos seus armazéns, trajando camisas e chinelos acompanhados dos tradicionais aventais, enquanto as mulheres tinham como obrigação o cuidado com suas casas e filhos. Assim Russel Wallace (1997:110) descreve os domingos da época, assim:
as mulheres comparecem elegantíssimas, num multicolorido desfile de musselinas e gazes francesas. Suas belas cabeleiras, cuidadosamente arrumadas e adornadas de
flores, jamais e escondem sob toucas e chapéus. A seu lado, os cavalheiros [...], trajam finíssimos ternos pretos, chapéus de feltro, gravatas de cetim e botinas de verniz de cano bem curto. Depois da missa é hora de visitas de cerimônia, quando todo mundo vai à casa de todo mundo, e lá ficam comentando os escândalos que se acumularam durante a semana.
Durante os meses de janeiro e junho, realizavam-se as tradicionais festas
do
Espírito
santo
e
de
Nossa
Senhora
dos
Remédios
e
esporadicamente, ocorriam alguns espetáculos no Teatro Fênix. A outra forma de divertimento eram os bailes oferecidos pela sociedade manauara4 a alguma pessoa ilustre que chegava ou partia da cidade, como uma forma de homenageá-la. As outras atividades culturais que também mereciam destaque, correspondiam aos eventos promovidos, segundo Genesino Braga (1989), pelas sociedades existentes na época, principalmente pela
Ateneu das Artes, destinada à proteção e difusão das artes e também educativa e beneficente, a ela se devendo a criação da primeira escola noturna de Manaus; a Sociedade Nacional Beneficente do Amazonas, de beneficência e caridade; e a Sociedade Emancipadora Amazonense, que se batia pela abolição da escravatura e promovia e estimulava a alforria dos escravos (BRAGA, 1989:30).
Enumerando-se as atividades comerciais desenvolvidas em Manaus, pode-se
dizer
que
estas
por
apresentar
apenas
75
lojas,
eram
inexpressivas.
4
Entendida como sendo o grupo social constituído de pessoas economicamente privilegiadas.
Figura 3: Nova forma de vestir Fonte: DIAS, Edineia Mascarenhas. A ilusão... 2000.
Para fazer suas compras, os membros da sociedade manauara passou a adquirir suas [...] chitas francesas e chapelinhos de veludo no ‘Centro Comercial Amazonense’ á Rua da Boa Vista, junto ao Cais de Tamandaré; e as luvas de pelica de Jouvain, as botinas e tranças crespas das senhoras eram adquiridas na ‘Elite de Paris’. Na loja de Antônio Joaquim da Costa e Irmãos, à Rua Brasileira, havia coques enfeitados e de todas as cores para as longas madeixas femininas, bem como paletós de alpaca inglesa, ao preço de sete mil réis, para cavalheiros. Os perfumes franceses, com as marcas de Coudray e de Piver, o tão procurado ‘Fleurs d’Amour’, estavam à mostra na ‘Ville de Paris; e o bom vinho Bourdeax, os queijo do Reno, a manteiga Lepeletier e o forte chá inglês eram obtidos no empório ‘Flor de Manaus’ (BRAGA, 1989:26).
Em virtude de Manaus ser geograficamente isolada, a viabilização das atividades comerciais dependia única e exclusivamente dos barcos oriundos de Belém, Santarém e, às vezes, de São Luís e Recife que, além
de
abastecerem
a
cidade
de
gêneros
alimentícios,
industriais
e
ferramentais, traziam também as notícias oriundas do Império e do mundo. Por essa razão, a chegada desses barcos era esperada por todos com bastante entusiasmo e expectativa, a ponto dos expectadores cancelarem qualquer atividade, mesmo que já iniciada, somente para recebê-los. Essa dependência dos manauaras, em relação a tais barcos, é destacada num episodio descrito pela senhora Agassiz, onde relata:
Estavam as danças muito animadas quando, entretanto no porto, o paquete vindo do Pará, ficou todo iluminado e soltou girândolas e foguetes em sinal de regozijo. A alegria chegou ao auge; as quadrilhas interrompidas, sucederam-se ruidosas manifestações de jubilo. A maioria dos assistentes passou a noite em claro e dirigiu-se para bordo do navio para receber os jornais (BRAGA, 1989:27).
Quanto
às
atividades
industriais,
utilizando-se
de
produtos
resultantes das atividades extrativistas, apesar de serem desenvolvidas com um pouco mais de intensidade, também não conseguiam satisfazer as expectativas do Poder Público. Por essa razão, afirma-se que foi somente com a economia gomífera que o Amazonas começou a ter condições para concretizar os projetos traçados em épocas anteriores , já que através dela, durante o final do século XIX e início do Século XX a cidade de Manaus conseguiu dar seu primeiro grande surto de urbanização.
Com as técnicas de beneficiamento da borracha conhecidas como o processo de vulcanização5, o látex ficou mais resistente à variação da temperatura. Conseqüentemente, a borracha deixou de ser usada apenas na impermeabilização de peças de vestuário, passando a ser a matériaprima ideal junto à fabricação de pneus. As indústrias européias e americanas demonstraram interesse pela obtenção da goma elástica para a confecção de seus produtos, visto que o produto possibilitaria a fabricação não só de pneus, mas também de materiais hospitalar, bélico e naval. Logo, a borracha passaria a ser vista com mais ambição pelos estrangeiros. Para comprovar essa afirmação, destaca-se Sônia Conti Gomes (1983:22) onde diz que
a extração da borracha no Norte do País, iniciada ainda nos primórdios do Império, alcançou grande desenvolvimento na ultima década do século XIX, com a inovação do uso industrial da borracha, principalmente na fabricação de pneus, [...], alcançando o Maximo na década 1901/10.
Faz-se necessário destacar que a borracha, passou a ser uma exigência
imediata,
sua
exportação
começou
a
crescer
de
forma
vertiginosa, exigindo, com isso, mão-de-obra para desenvolver a coleta do látex. Porém, o grande problema era que não existia
mão-de-obra
suficiente. Assim, para suprir tal falta, o Poder Público decidiu desenvolver
5
Processo descoberto, simultaneamente por Charles Goodyear (EUA) e Hancock (Reino Unido), a partir da mistura da borracha com enxofre e calor. Em decorrência de ter sido associado ao deus Vulcano, tal processo recebeu este nome.
uma política que atraísse o maior número possível de trabalhadores para a região. Inicialmente, o objeto voltou-se para a atração dos trabalhadores europeus, no entanto, apesar do Brasil ter despendido consideráveis somas para que tal fato ocorresse, o “norte do país recebera apenas um número muito insignificante de imigrantes” (MESQUITA, 1997:231). Conseqüentemente, a mão-de-obra asiática, japonesa e chinesa, passou a ser o grande interesse do Poder Público, mas como na tentativa anterior, não se conseguiu obter a resposta almejada. Todavia, a partir da última década do século XIX, a história começou a mudar, pois ao saber da situação de miséria vivida no nordeste brasileiro, em decorrência das repetidas secas que assolavam o sertão, o Poder Público passou a ver na mão-de-obra nordestina a oportunidade ideal para a obtenção de lucro e progresso para a região. Assim sendo, deu-se início à campanha para atrair um contingente humano relativamente grande para a coleta do látex nos vários seringais amazônicos. Tam campanha, constituiu no oferecimento de passagens para quem quisesse se estabelecer no Amazonas. Para os nordestinos, o processo de imigração passou a ser uma ótima oportunidade, pois lhes traria sorte em dose dupla, pois ao mesmo tempo que se libertavam das constantes secas que assolaram o sertão feroz, a partir da mística de fortuna, da lenda de riqueza fácil, do novo “Eldorado”, viram na extração do látex melhores condições de vida.
Segundo Arthur Cezar Ferreira Reis (1997:47), foi por esta razão que “grossos contingentes de nordestinos [...], alcançaram os altos rios, empurrando a fronteira legada pelos portugueses e empreendendo o cometimento sensacional do que podemos chamar ciclo da borracha ou do ouro negro”. Faz-se necessário destacar que, a economia gomífera, à medida que ia atingindo seu clímax, fez com que Manaus deixasse de ser vista como sendo um centro urbano – utilizado apenas como ponto de partida e chegada de viajantes que objetivavam única e exclusivamente capturar a mão-de-obra indígena para benefício próprio –, passando a ser vista como uma cidade cosmopolita. Foi nesse período que Eduardo Gonçalves Ribeiro assumiu o Poder Público e através de suas idéias vistas pela sociedade manauara como dinâmicas e modernas, unidas ao rápido retorno financeiro oriundo da exploração do látex, conseguiu dar início ao processo transformado da cidade de Manaus. De acordo com Liz de Miranda Corrêa (1966), assim que Eduardo Ribeiro assumiu o Poder Público, com a finalidade de transformar a grande aldeia em uma grande cidade, apresentou um projeto administrativo, constituído pelos seguintes pontos básicos:
[...] 1º.) Saneamento do solo, esgotos, águas fluviais, abastecimento d’água; 2º.) Remoção e destruição do lixo e limpeza pública; 3º.)Vacinação e revacinação; 4º.) Casas para as classes proletárias; 5º.) Remoção do Hospital de caridade, arrasamento do cemitério de São José, construção de hospitais para loucos e leprosos.
No entanto, o que o Poder Público não esperava era que o nível populacional que passou a residir no perímetro urbano de Manaus crescesse de forma veloz. Embora o processo imigratório tenha sido extremamente relevante para o desenvolvimento da cidade de Manaus tanto no aspecto econômico como urbano representou um grande obstáculo para a transformação qualitativa da cidade de Manaus, já que proporcionou o aumento junto ao número de pobres e mendigos no perímetro urbano. Contudo, no aspecto social despertou um forte preconceito junto à presença do povo nordestino, devido ter sido, sobretudo, a população cearense que manteve o monopólio junto ao processo imigratório, rumo ao Novo Eldorado. Todavia, a maior parte desses imigrantes não fora aproveitada para as atividades nos seringais, já que os seringalistas optaram somente pelos homens sadios, não escolhendo, portanto, a leva dos voluntários que se encontrava debilitado, apresentando doenças física ou espiritual, em decorrência da “sua condição de flagelados da seca, portanto sem recursos materiais, e muitas vezes pela sua situação de depauperamento físico sem condições para o trabalho” (DIAS, 1988:77). Diante desse fato, o Poder Público visou eliminar tudo que fosse ameaça à imagem de uma cidade “civilizada”, haja vista que o aglomerado de voluntários que não conseguiram deslocar para os seringais, certamente, seria um obstáculo para o desenvolvimento da
cidade. Por esta razão, o deslocamento dessas pessoas do perímetro urbano foi a medida mais indicada. Assim, criaram-se as chamadas colônias agrícolas, afim de deslocar para os vários locais do interior essas pessoas, como forma de diminuir o índice populacional que se localizava na parte central da cidade de Manaus. Todavia, a outra porção que não conseguiu ser deslocada para as referidas colônias, permaneceria na cidade, pelo fato de não ter tido a oportunidade de conseguir trabalho ou pela idade avançada, ou pela invalidez, encontrou nas ruas a única alternativa de vida. Em decorrência disso, continuar com os casebres, pobres e mendigos vagando pelo centro de Manaus, significava permanecer com a imagem negativa que tanto o Poder Público, quanto a sociedade manauara pretendiam eliminar, pois tais “obstáculos” traziam a visão de uma cidade “problemática, conflitiva, tensa [...]~, trazendo à luz apenas o lado idílico de uma decantada civilização”, como destaca Francisca Deusa Sena da Costa (1997:90). O que não pode deixar e destacar é que durante esse momento, em decorrência da economia gomífera encontra-se no seu período áureo, Manaus passou não só a vivenciar a ampliação e remodelação de seu espaço, mas também a receber inúmeros visitantes. Em virtude disso, o Poder Público preocupou-se em fazer de tudo para saneá-la, embelezá-la e modernizá-la, a fim de eliminar definitivamente a imagem de uma grande aldeia.
O motivo levou a tal preocupação, ligou-se ao fato de que esses visitantes, na grande maioria, ao desembarcarem na cidade, objetivarem efetuar negócios ou estabelecerem-se definitivamente em Manaus para desenvolver algum tipo de serviço, junto às atividades comercial, industrial, educacional ou administrativa. Por isso, Manaus não poderia mais continuar com a mesma estrutura, pois começara a se tornar o pólo de atração de importação e exportação da borracha, devendo portanto, apresentar-se de forma ordenada e limpa. É interessante salientar que trazer o progresso e a modernidade para Manaus, significou impor à cidade um novo modelo urbanístico, a fim de redefinir suas feições, uma vez que os antigos prédios, ruas desniveladas e demais aspectos existentes, não inspiravam simpatia aos visitantes que nela chegavam. Nessa época, segundo João Nogueira Mara (1988:20), a cidade possuía como
edifícios públicos – a Fazenda, o Quartel da Guarnição a Enfermeira, e o Palácio do Governo. Seis fábricas entraram em funcionamento, olarias e padarias. As olarias abasteceram a cidade de tijolos, telhas e ladrilhos para as construções.
A política de embelezamento escolhida pelo Poder Público baseou-se no modelo promovido pelo Barão Haussman, já que naquela época foi o projeto urbanístico desenvolvido na cidade de Paris que passou a ser sinônimo de progresso, beleza e modernidade, uma vez que tal reforma foi Marshall Berman (1987:30),
universalmente aclamada como verdadeiro modelo de urbanização moderna, naquela época. Como tal, passou a ser reproduzida em cidades de crescimento emergente, em todas as partes do mundo.
Porém modificar apenas o aspecto físico da cidade não era suficiente. Assim, estabeleceu-se rapidamente um mudança nos hábitos e costumes da sociedade manauara, dando início, desta forma, ao processo de aculturação
da
cultura
local,
uma
vez
que
se
buscou
modificar,
significativamente, o modo de vida da época.
Figura 4: Processo de Transformação Fonte: MESQUITA, Otoni Moreira de. História ... 1997.
Com a finalidade de comprovar tal fato, primeiramente, retratar-se-á o aspecto social e, em seguida, o aspecto educacional que abrangeu à sociedade manauara durante o período histórico referente
à criação da
Sala de Leitura como núcleo da Biblioteca Pública do Amazonas.
Para se igualar à capital francesa, a sociedade manauara não hesitou em eliminar seus hábitos e costumes antigos, pois queriam excluir todo e qualquer vestígio que elencasse a cidade de Manaus como antigo Lugar da Barra, por esta razão,
Manaus despiu-se de suas vestes indígenas, abandonou sua água de moringa para água de vichy, trocou perfumes de flores e raízes silvestres por sofisticados frasquinhos parisiense, desprezou seus aluás e o saboroso guaraná por bombons franceses e pelo shopp alemão (COSTA, 1996:21).
Ademais, por considerarem intermináveis os lucros da economia gomífera, devido a borracha ser bastante procurada pelas fábricas da Europa e dos Estados Unidos, os membros da sociedade manauara, para satisfazer seus caprichos, sendo muito deles considerados fúteis, não se importavam em gastar valores exorbitantes. Com a abertura de bares, restaurantes, hotéis, teatros, cafésconcerto,
clubes
noturnos,
cabarés,
jantares
seguidos
de
saraus,
temporadas líricas no Teatro Amazonas, divertidas festas em homenagem a alguma pessoa ilustre Manaus passou a dormir cada dia mais tarde. Com as novas oportunidades de lazer, a sociedade manauara aprendeu não só a se embriagar com os melhores e mais refinados vinhos, licores e champanhes oriundos da Europa, mas também de gastar sua fortuna com as prostitutas vindas de varias partes do mundo. É valido salientar que em decorrência de Manaus passar a ser conhecida como a cidade do prazer, influenciada pelo frenesi francês, afirma-se que, diariamente, desembarcava na cidade um número grande
de mulheres se dizendo francesas, a fim de enriquecerem às custas do capital da borracha. A atitude não correspondia à realidade, pois a maior parte das mulheres verdadeiramente francesas aos desembarcarem em Manaus, não se dirigiam aos bordeis para ganharem dinheiro e sim, dedicavam-se ao comércio de roupas, jóias e bijuterias, quando não eram fabricantes de chapéus e costureiras habilíssimas (CORRÊA, 1966). Diante dessa nova realidade, as boas mães de família optavam em não mais aparecerem às janelas, freqüentarem à igreja ou dirigirem-se aos teatros para não serem confundidas com as chamadas cocotes, bem como passaram a temer pela saúde física e financeira de seus filhos e maridos. Todavia, o que não se pode esquecer é que ao mesmo tempo que Manaus passou a oferecer inúmeras oportunidades de lazer, contribuindo para que a vida dos membros da sociedade manauara se tornasse mais animada e frenética, passou a ser muito cara, aumentando ainda mais o número
de
pobres
no
perímetro
urbano
da
cidade,
conforme
é
demonstrado na citação a seguir:
o chopp consumido em Manaus era de origem alemã e custava 15$000 réis e uma xícara de “mau café” no botequim do Teatro Amazonas custava 500 réis. Importavam também da Europa o queijo, a manteiga fresca, frutas, hortaliças e até mesmo peixes. Manaus importava tudo para o seu consumo, e todos os gêneros de primeira necessidade custavam o olho da cara, [...], os gêneros de outros ramos de comércio, modas armarinhos, roupas, [...], eram pouco mais caros do que em São Paulo (MESQUITA, 1997:184).
Com o intuito de dar mais sentido ao processo de europeização, os membro da sociedade manauara passaram a transplantar a mesma indumentária utilizada pelas pessoas que residiam no Velho Mundo, apesar de sentirem na pele que tais trajes não eram apropriados ao clima da região.
Figura 5: Processo de Europeização Fonte: http:// www.wimax360.com
Com base em Bittencourt (1969:70), comprova-se que a busca de equiparar a indumentária manauara à francesa foi um fator realmente levado a sério:
Embora [...], a temperatura media de Manaus fosse mais baixa uns 2,5ºC que a de agora, o calor às vezes era grande. Mas, não menor era a elegância da época – as mulheres espartilhadas e vestidas até os pés em pesadas sedas; os homens transpirando em seus fraques, croisé e casacas, muitas vezes talhados em Londres, cartola ou chapéu-côco, colete, peito engomado e colarinho alto sob a forte canícula ou nos animados bailes, tão
freqüentes nos palacetes particulares, em suntuoso estilo ‘fin-desciècle’.
Para o autor, durante o processo de europeização, os membros da sociedade manauara, em virtude de passarem longas temporadas na Europa,
a
fim
de
estudar,
passear
ou
adquirir
propriedades,
ao
regressarem a Manaus, começaram a fazer uso das línguas francesa e inglesa com muita naturalidade. Entretanto, à medida que o tempo passava, a própria sociedade manauara foi se conscientizando da impossibilidade de se manter com a mesma elegância que o povo europeu, já que o clima quente e estável da cidade assim não o permitia. A partir disso, pouco a pouco a sociedade que se apresentava à européia, começou a incrementar novos hábitos na forma de se vestir, adotando para quase todas as ocasiões e atividades, uma indumentária mais despojada e quase homogênea, com tecidos mais claros e leves, sendo o branco a cor predominante. As mulheres deixaram de usar chapéus, sendo raras as que continuaram a usar e quando usavam, optavam pelos feitos de palha, acompanhados por um guarda-sol de cores alegres. A alimentação foi outra variável que, progressivamente, foi sendo modificada, haja vista que começaram a adotar o estilo inglês, alguns elementos nativos, como banana cozida, farinha de tapioca e outros. Com isso, a própria sociedade manauara passou a absorver um modo de vida ora valorizando os traços europeus, ora resgatando os modos de
origem nativa. Havia vestígio dessa absorção nas obras públicas e no modo de vestir, não conseguindo seguir, portanto, adequar-se ao novo estilo de vida. Quanto ao processo educacional, na época em que a Sala de Leitura foi criada, a Instrução Pública encontrava-se de forma precária e insuficiente, não conseguindo satisfazer às necessidades da população. Na época, Manaus possuía apenas sete escolas destinadas aos ensinos profissionalizantes, fundamental e médio. Neste, destacava-se apenas o Liceu Amazonense onde os alunos, obrigatoriamente, estudavam o
“Latim,
Português,
Francês,
Inglês,
Geometria,Contabilidade,
Escrituração Mercantil, Geografia, História, Filosofia, Retórica, Poética e Pedagogia”(BRAGA, 1989:27). Ainda com base no mesmo autor, no que diz respeito à estrutura educacional, observa-se que
O Seminário São José, com 17 jovens matriculados, [ensinava] Primeiras Letras, Gramática Latina, Português, Historia Sagrada e do Brasil, Geografia, Aritmética, Catecismo e Música Vocal; O Asilo Nossa Senhora da Conceição, mantida pelo Vigararia, exclusivo para o sexo feminino [ministrava] Primeiras Letras, até Análise Gramatical, Música, Canto Religioso, Piano, Francês, Elementos de Geografia, de História Sagrada e do Brasil, Catecismo e Prendas Domésticas; e o Estabelecimento de Educando Artífices, com 106 rapazes matriculados, que ali aprendiam não só Primeiras Letras, mas também (sic), as Artes e os Ofícios de Música, Marcenaria, Encadernação, ou de Sapateiro, Pedreiro e Alfaiate” (BRAGA, 1989:29).
O que contribuiu para que a estrutura educacional ocorresse dessa forma ligou-se à base desse sistema, haja vista que o ensino estabelecido pelos jesuítas, correspondeu à sustentação da cultura transplantada da
Europa, estando, portanto, totalmente desvinculado da vida produtiva da sociedade e do seu estágio de desenvolvimento. Conseqüentemente, a instrução oferecida na cidade de Manaus, enquanto elemento natural de ligação entre cultura e desenvolvimento, no que se refere às práticas criativas e inovadoras, apresentava pouca relevância, por não ser condizente com a realidade local. Porém, tal fato, em decorrência de que os freqüentadores não só dessas escolas, mas também das demais instituições profissionalizantes pertenciam,
à
sociedade
manauara,
não
trazia
nenhum
tipo
de
preocupação, pois conseguia satisfazer as necessidades desse segmento social. De acordo com Raimundo Martins de Lima (1999:72), devido o sistema educacional manauara ter sido transplantado da Europa, a escola servia mais
à reprodução, a conservação e à transmissão de valores culturais obsoletos, bem como a limitar-se à ilustração das camadas sociais dominantes [...] do que à formação de hábitos novos em direção as posturas mais criativas e transformadoras.
Por essa razão, o processo de ensino, em virtude de ter sido baseado na cultura transplantada da Europa acabou por produzir uma instrução totalmente desvinculada da realidade regional, não conseguindo, portanto, atingir qualitativamente sua missão, servindo apenas para compor a ilusão de desenvolvimento.
Por cultura transplantada, entende-se como sendo o processo não só de imposição, mas também de preservação do modelos culturais importados, fazendo da ação escolar algo que se destinava apenas à formação do espírito ilustrado. Para comprovar tal fato, destaca-se Dias (1988:27) onde, ao se referir à superação da ignorância e ao analfabetismo da sociedade manauara descreve que o Poder Público
nesse sentido [...], [encarregou] a Diretoria Geral da Instrução Pública em 1898, de fazer um estudo obre a organização do ensino em países europeus, diga-se França e Portugal, a fim de que essas experiências estrangeiras pudessem ser aproveitadas no processo de reformulação da educação local.
A Instrução Pública estabelecida na cidade de Manaus, na época da criação da Sala de Leitura anexa a Biblioteca Pública do Amazonas, não se voltava para a população como um todo, prova disso é que dos 38.720 habitantes, Manaus apresentava 30.910 que não dominavam o ato de ler e escrever, totalizando apenas 3% a porcentagem dita alfabetizada, conforme demonstra o levantamento efetuado no ano de 1890 (DIAS, 1988). Para Otaíza de Oliveira Romanelli (1996:24), a educação
ao mesmo tempo que, [...], deu à camada dominante a oportunidade de se ilustrar, [...], se manteve insuficiente e precária, em todos os seus níveis, atingindo apenas uma minoria que nela procurava uma forma de conquistar ou manter ‘status’.
Com base no exposto, pode-se afirmar que, na verdade, o que se estabeleceu no contexto amazônico foi uma cultura espúria, já que
correspondeu a uma “cultura de imitação sem criatividade, moldada nas idéias e valores alheios, [...], não se adequando às condições brasileira” (GOMES, 1983:80).
A Obscuridade do Fausto Durante a mistificação da lenda da riqueza fácil, a cidade de Manaus passou a receber, diariamente, um contingente de pessoas oriundas das mais diferentes localidades, independente das suas condições física e espiritual para o trabalho nos seringais. Não demorou muito para a parte central da cidade ficar repleta de casebres, pobres, doentes, mendigos e desocupados que, em decorrência de não conseguirem trabalho, passaram a viver vagando pelas ruas, ameaçando a imagem de harmonia e beleza que o Poder Público e a sociedade manauara almejavam, haja vista que
os problemas a serem resolvidos como abastecimento, higiene, habitação, [ampliaram-se], pois no espaço urbano questões como roubo, vadiagem, prostituição, jogo, mendicância e doenças de toda ordem [contradiziam] a idealização de cidade ordenada em sem problemas (DIAS, 1988:63).
A transformação urbanística de Manaus, oriunda da economia gomífera, ao mesmo tempo que proporcionou a redefinição das feições da cidade, tornando-a mundialmente conhecida como capital da Borracha, criou suas próprias contradições.
Destaca-se isso pois, para eliminar a imagem de atraso e antiprogresso, segundo o projeto urbanístico apresentado pelo Poder Público, fazia-se necessário destruir os aglomerado de casebres que proliferavam na
parte
central
da
cidade.
Partindo
desse
princípio,
tal
projeto
correspondeu a uma política de exclusão espacial dos trabalhadores e pobres do perímetro urbano. Com base em Costa (1997), por tal exclusão, entende-se como sendo a construção de hospitais, casas de beneficências, asilo, hospícios e penitenciárias para abrigar os doentes, mendigos e vadios, bem como o deslocamento dos trabalhadores para os bairros mais afastados do perímetro urbano. O que não se pode esquecer é que, em decorrência do cemitério, hospital, hospício e hospital colônia (destinado para leprosos) serem considerados sinônimos de doença e mal-estar, o Poder Público resolveu constituí-los em locais ainda mais afastados da cidade, acarretando sérios danos à população, pois para que algum tipo de assistência chegasse às referidas localidades, os voluntários necessitavam viajar cerca de quinze dias de barco. Como o interesse voltava-se apenas para o espaço central da cidade, destinado ao comercio importador e exportador a população que passou a viver nesses bairros, começou a enfrentar uma situação de miséria, abandono, e esquecimento total não possuindo nenhum tipo de infraestrutura que garantisse um vida digna, já que
os novos bairros que [surgiram diferenciavam-se] do ‘fausto’ da cidade não só pelo aspecto do terreno pela forma de arruamento, fachada das casas, pela distância em relação ao Porto, à grandes casas comerciais (importadorasexportadoras), ao Mercado, aos Hospitais, aos bancos, aos Teatros, Cinemas e etc, mas também pela distribuição desigual dos serviços urbanos (DIAS, 1988:70).
Destaca-se isso, pois nesses bairros não existia água potável, sistema de iluminação, saneamento básico, coleta de lixo, calçamento, nem mesmo mercado para a população obter seus alimentos, tornando-se vitimas fáceis das epidemias da época, como a febre amarela e beribéri as mais comuns. Ademais, as pontes de madeira que serviam de ligação para os
moradores,
encontravam-se
sempre
em
péssimo
estado
de
conservação, dificultando, sobremaneira, a comunicação extremamente difícil com o centro da cidade, como destaca Dias (1988). O Poder Público, com o intuito de não mais poluir as águas do Rio Negro, designou que os resíduos recolhidos na parte central da cidade, fossem jogados nos bairros distantes, piorando ainda mais a vida das pessoas que lá residiam, pois ficavam sujeitos a varias e sérias doenças. Para a parte da população que não se deslocou para os bairros afastados, o Poder Público mandou erguer vilas operárias e cortiços disfarçados por uma fachada em alvenaria, bem como hospedarias, porões e casebres para poder abrigá-las (COSTA, 1997:91). É
interessante
salientar
que
tais
vilas
e
cortiços,
mesmo
apresentando uma bela fachada, medindo 5m de altura, em um estilo eclético,
obedecendo
assim,
o
padrão
da
época,
na
verdade,
correspondiam a uma grande farsa, pois sua parte interior, conforme
Annibal
Amorim
(1975:27)
correspondia
ao
conjunto
de
“salas insignificantes, alcovas que mal comportavam três pessoas, quartos em puxadas, sem ventilação e capacidade para conter ar respirável em quantidade suficiente [...]”. Isso leva-nos a concluir que, na época, para o Poder Público, o que interessava era única e exclusivamente equiparar a cidade de Manaus às cidades cosmopolitas. A estrutura faustosa desses abrigos escondia uma série de quartos úmidos, construídos em madeira, sem renovação de ar, sem luz, água encanada, cujos quartos, além de serem bastante pequenos, obrigando as pessoas a dormirem amontoadas, davam para um mesmo corredor, onde ao final deste, encontrava-se um único banheiro e uma única cozinha para uso coletivo, não oferecendo assim, nenhuma condição de higiene para as pessoas que ali residiam. O que não se pode deixar de destacar é que os cortiços e vilas, por mais bem disfarçados que se apresentassem, continuavam prejudicando a imagem de uma cidade limpa, ordena e moderna. Com a finalidade de deslocar a população carente definitivamente da parte central da cidade, o Poder Público como estratégia, estabeleceu um aumento do valor dos alugueis, porém mais uma vez houve resistência por parte da população. A estratégia seguinte, correspondeu à criação, no dia 1º de junho de 1872, pela lei n.º 247, do chamado Código de Posturas Municipais da
Cidade de Manaus, cuja função ligava-se à mudança dos hábitos e costumes da população a partir de punições. Através desse código, foi dado aos trabalhadores a possibilidade de não permanecerem nos cortiços, vilas e porões podendo construir suas próprias residências, desde que não fossem casas cobertas de palha, haja vista que este tipo de material, além de ser considerado anti-estético, carregava consigo a imagem da civilização nativa, como ressalta Costa (1997). Desta forma para as pessoas que não gostariam de permanecer nos cortiços e vilas, para residirem no perímetro urbano, não poderiam
fazer escavações ou tirar pedras em todo o litoral da cidade [...]. Em relação ao espaço urbano, [destacavam-se] os seguintes itens: ficavam sujeitos a multa de 5 mil-réis os donos de carros ou carroças que chiarem pelas ruas ou praças da cidade; não era permitido [...], assoalhar-se as roupas às janelas, ruas e praças, armar cordas para estenderem nos mesmos lugares, bem como lavá-las nos igarapés que cortam esta cidade [...]; não era permitido retirar água de igarapé do Aterro para vendê-la à população (MESQUITA, 1997:44).
Quanto à questão da saúde pública, André Vidal de Araújo (1974), destaca que entre os anos de 1895 a 1914, a cidade de Manaus presenciou 1.921 casos de febre amarela, tendo 102 mortos; 232 casos de varíola, com 151 mortos; 102 casos de sarampo; 1950 casos fatais de beribéri, bem como a lepra, tuberculose e sífilis passaram a ser concebidas como doenças sociais. Um outro fator que começou a preocupar o Poder Público, foi a desordem pública. Em decorrência do aumento populacional, os problemas
relacionados também
à
mendicância,
aumentavam,
vadiagem,
havendo
a
prostituição
necessidade,
e
embriaguez,
portanto,
de
se
estabelecer a ordem e a segurança de outra forma,pois uma noite de cadeia não conseguia mais resolver os problemas sociais, pois ao saírem da prisão [...] o vadio voltaria a praticar a vadiagem, o mendigo a mendicância, os bêbados a freqüentar as tavernas e botequins. [Com isso,] a prisão correcional seria a solução, onde o contraventor tivesse uma educação disciplinar orientada no sentido de sua recuperação moral, [funcionando] como um mecanismo de transformação dos indivíduos (DIAS, 1988:80)
Paralelo à prisão correcional, através do Decreto n.º 1, de 23 de fevereiro de 1892, o Poder Público passou a contar com o chamado Agente de Segurança, cuja função ligava-se à manutenção da ordem e tranqüilidade pública, para resgatar a população da ação dos bêbados, mendigos, doentes, vadios e prostitutas que ameaçavam a paz das famílias pertencentes à sociedade manauara. É valido salientar que, assim como criaram a prisão correcional, o Poder Público para solucionar o problema junto à presença de menores nas ruas de Manaus, criou a Escola Correcional para abrigar menores que passavam o dia nas ruas e praças da cidade, uma vez que suas famílias não tomavam nenhuma atitude para coibirem suas presenças nas ruas da cidade. No que se refere às oportunidades de lazer, pode-se ressaltar o seguinte fato: enquanto que para a sociedade manauara a cidade oferecia inúmeras oportunidades glamourosas de divertimento, para a população
carente, ressaltava-se apenas as participações em touradas, carrosséis, arraiais, cabarés de última categoria, circos, espetáculos teatrais nos Teatros Julieta e Alhambra ou em hotéis pardieiros, foguetes juninos, banhos em igarapés, passeios de bondes aos domingos, rinhas, cinemas e futebol. É notório no processo transformador proposto por Eduardo Ribeiro e seus sucessores as prioridades apenas para a parte central da cidade, no momento
em
que
esta
passou
a
atender
não
aos
interesses
e
necessidades da sociedade manauara, mas também a ser considerada como centro exportador da goma elástica, lugar de realização dos grandes negócios referentes às atividades exportadoras e importadoras. A outra parte, desprestigiada pala política, foi banida dos planos de humanização do Poder. Isso implica afirmar que, o projeto urbanístico de estabelecido em Manaus, por mais que se considerassem boas as suas intenções, na verdade não deixou de ser uma maquilagem da realidade, um artifício para camuflar a pobreza, fruto do descaso. Inclusive a Sala de Leitura anexa a Biblioteca Pública do Amazonas foi resultante, não da preocupação com o desenvolvimento da população em si, mas para satisfazer os caprichos da sociedade manauara, cuja estrutura tinha como base o modo de vida europeu, conforme veremos no capítulo seguinte.
Capítulo 2 Uma Sala de Leitura em Manaós
ara que o resgate histórico referente à trajetória da sala de
P
leitura como núcleo da Biblioteca Pública na cidade de Manaus ocorra de forma qualitativa, fez-se necessário, primeiramente,
considerá-la dentro do contexto geral, fundamentando-se na criação das primeiras bibliotecas verdadeiramente públicas. Desta forma, poder-se-á constatar se a biblioteca
construída na
cidade de Manaus, deu-se para assumir a sua função pública ou, para satisfazer a elite intelectual manauara, ou, simplesmente, para construir a ilusão de uma Província intelectualmente desenvolvida, tendo como modelo o padrão de modernidade oriundo da Europa que estabelecia a criação de uma Biblioteca Pública. A preocupação em traçar a trajetória das primeiras bibliotecas públicas deu-se, devido ao fato de que, antes do surgimento das primeiras bibliotecas verdadeiramente públicas, ou seja, resultantes da reivindicação do povo, tem-se o aparecimento das bibliotecas que passaram a ser usadas pelo público, porém, devido terem sido criadas como bibliotecas particulares, não poderiam ser consideradas como públicas, haja vista que não foram criadas para esse fim, conforme veremos a seguir.
O Livro dos Gêneses No início, não se fazia distinção entre arquivo e biblioteca, cabia a uma única instituição desempenhar ambas as funções. Entretanto, à
medida que os anos passavam, sentiu-se a necessidade de separar os dois segmentos. A partir dessa separação, o arquivo passou a ficar responsável pela reunião e conservação dos documentos não elaborados, ou seja, os que se voltavam para a realidade da época, enquanto que a biblioteca passou a conservar os documentos elaborados, isto é, os produtos intelectuais e espirituais das gerações diversas. Quanto à história da biblioteca de caráter público, é interessante salientar que, inicialmente, estas foram criadas a partir da iniciativa de particulares e não da reivindicação do público em geral, como deveria. Isso implica afirmar que, em decorrência de tal fato, essas bibliotecas apresentaram um caráter, eminentemente, particular que, devido terem sido estruturadas a partir de necessidades especificas, não atenderiam as necessidades do público em geral, não estando, portanto, disponíveis a todos os cidadão, como pregava o discurso. Durante a Antiguidade, o caráter elitista encontrava-se de forma camuflada, embora defendendo o uso das bibliotecas por todos, sabia-se que eram poucas as pessoas que dominavam a prática da leitura.
Figura 6: Ruínas da Biblioteca de Efésos – Antiguidade Fonte: http://1.bp.blogspot.com/_Oa2uhFlFr08/SZ9VixisepI/AAAAAAAAA4/LTF0S278EaI/s400/ruinas+de+efeso.bmp
Na Idade Média, surgiram as bibliotecas dos mosteiros, cujo funcionamento seguiu o mesmo exemplo das bibliotecas existentes durante a época clássica, entretanto, com uma nítida diferença: assumiam claramente o papel de um organismo privado. Ademais, durante esse período, além das obras ficarem restritas aos monges, as principais bibliotecas foram transformadas em verdadeiros labirintos, para que o acesso ao público fosse dificultado. A comprovação disso, liga-se não só à sua localização – em claustros, sacristias, perto de jardins e sempre com suas portas fechadas –, mas também nas regras de utilização – na prestavam atendimento às crianças, aos escravos, aos iletrados, bem como os que recebiam a permissão para adentrar, só o faziam diante da presença de uma pessoa que havia sido treinada para dificultar-lhe o acesso ao acervo.
Como o advento da Idade Moderna, as bibliotecas passaram por modificações tanto na sua estrutura, quanto na sua natureza, pois através da invenção da imprensa, os documentos deixaram de ser produzidos sob o processo caligráfico – volume por volume – para serem produzidos em serie. Conseqüentemente, o volume de documentos cresceu de forma vertiginosa, contribuindo para que se chegasse ao homem comum a oportunidade de obter uma formação intelectual, através das coleções de livro. O
acervo
bibliográfico
cresceu
expressivamente,
forjando
uma
adaptação condizente com a nova realidade, lembra-nos Alfredo Serral (1975:148)
os sistemas medievais de conservação dos livros em armários, arcas, estantes de tampo inclinado, não são mais compatíveis com o número de livros impressos. [mediante tal foto], adotam-se prateleiras encostadas ou embutidas nas paredes e, com o passar do tempo à uma parte inferior acrescenta-se outra (a galeria) à qual se atinge por meio de rampas ou escadas.
É interessante salientar que, com as máquinas, embora tenha sido considerável a explosão informacional, o acesso às fontes bibliográficas continuava privilegiando poucos. A solução veio através de dois acontecimentos: o primeiro liga-se à abertura das bibliotecas particulares ao público, em meados do século XV, por iniciativa de seus próprios proprietários, nas cidades de Munique, Genebra, e Königsberg.
O segundo destaca-se a atitude dos livreiros que, com o intuito de polarizar o uso das suas livrarias, resolveram criar as chamadas “Salas de Leitura”, ou “Gabinetes de Leitura”, em 1761, dando oportunidade ao público viajar pelo mundo dos sonhos, do prazer e, sobretudo, da cultura, em troca de uma pequena mensalidade. Porém, a primeira biblioteca como concebemos hoje, ou seja, resultante da reivindicação do povo, historicamente falando, surgiu a partir não só do processo obtido a partir da invenção da imprensa – que trouxe
a
profanação
dos
textos
impressos
–,
mas
também
do
desenvolvimento das indústrias que gerou a Revolução industrial –, do suporte dado pela Revolução Liberal, da Revolução Francesa e, também, do processo de urbanização entre os séculos XVIII e XIX. Cita-se a imprensa, pois através dela, observou-se que “de repente, pela primeira vez desde a invenção da escrita, era possível produzir material de leitura rapidamente e em grandes quantidades...”, conforme salienta
Alberto
Maguel
(1999:
159).
Tal
fato
contribuiu
para
a
popularização dos documentos que antes eram restritos à minoria economicamente privilegiada. Com a Revolução Industrial, destaca-se a necessidade de qualificar a mão-de-obra disponível, a fim de possibilitar o manuseio das máquinas, mas para isso, fazia-se necessário o domínio junto à prática da leitura. Desta forma, durante essa Revolução, ser alfabetizado passou a ser uma
exigência,
pois
através
do
ensino
formal,
os
funcionários
conseguiriam não só dominar e conservar as máquinas, mas também
atingirem, naturalmente, a ascensão social, como relata José Teixeiira Oliveira (1993). Por esta razão, madalena Sofia Mitoko Wada (1985:16), afirma que “[...] a biblioteca pública surgiu como meio de aperfeiçoamento dos trabalhadores que já estavam fora do ensino formal” portanto, o livro, ao mesmo tempo que passou a ser obtido de forma mais fácil, fez com que mais pessoas aprendessem tanto a ler, quanto a desenvolver a prática da leitura. Segundo Roger Chartier (1996), em decorrência do fato de que, antes do século XVIII, o número de indivíduos que tinha acesso à educação
apresentava-se
de
forma
bastante
reduzida,
o
processo
referente ao ato de ler era obtido através da leitura “selvagem”. Por este tipo de leitura, o autor entende como sendo aquela praticada de forma ingênua, não-domesticada e pré-reflexiva. Durante esse período, para a população camponesa ou a pertencente às classes mais baixas, esse tipo de leitura correspondia a única forma de acesso ao conhecimento. Com base em Guglielmo Cavallo e Roger Chartier (1999:141), observa-se que
[...] com uma carga semanal da trabalho de seis dias, do nascer até o pôr-do-sol, não havia tempo nem motivação para que se lesse mais, [...]. Uma competência de leitura rudimentar limitava-se a tabelas de sangria, regras do clima e do plantio e livros de orações, que se difundiam nas feiras e com propaganda barata, assim como os livrinhos populares religiosos e mundanos.
O que não se pode deixar de destacar é que, na visão desses autores, a prática oriunda a partir da leitura em voz alta encontra-se associada ao analfabetismo coletivo, pois esse processo apesar de resultar na chamada literalização, não proporcionava o estado de alfabetização. Porém após o século XVIII, o acesso à informação sofreu modificação – deixou de ser algo sagrado, passando a ser instrumento de trabalho –, o que viabilizaria a prática de leitura àqueles menos privilegiados. Isso implica afirmar que com a popularização do documentos, a partir da exigência liberal em trazer igualdade e liberdade a todos os cidadãos, houve um relativo aumento do número de leitores. Faz-se necessário salientar que, dentre esses leitores, tanto os públicos femininos, juvenil e infantil passaram a ter permissão para iniciar ou ampliar o universo da leitura, como prestadores de serviço, sobretudo, entre
os
lacaios,
governantas,
cabeleireiras,
criadas
de
quarto,
comerciantes e artesãos. Uma vez ampliado o número de leitores, a abertura de algumas associações literárias e livrarias, somada à abertura de bibliotecas particulares para o uso público foi algo incontestável. Logo, a prática de leitura deixou de ser um monopólio apenas dos que administravam, julgavam ou dirigiam as cidades (CHARTIER, 1996). Novas práticas de leitura foram ampliadas durante esse período. Enquanto que a preocupação da população, no início do século, ligava-se mais ao seu modo de vida, principalmente, trabalho, porém, ao final
deste, a leitura de entretenimento, sobretudo, romance passou a ser o tipo mais preferido. Todavia, o alto preço dos livros tornou-se um obstáculo junto à prática de leitura. Desta forma, as bibliotecas tornaram-se um lugar certo para freqüência e uso, pois garantiriam a democratização do saber, conforme afirma Maria Cecília Diniz Nogueira (1986). A Revolução Liberal, contribuiu para a formação da biblioteca pública, pois a partir da exigência liberal, a educação e o conhecimento passaram a ser entendidos como uma questão que deveria ser igualitária a todos os cidadãos,
determinando,
assim,
a
intistucionalização,
extensão
e
profundização do aparato escolar. Na
época,
essa
contribuição
fortaleceu
as
manifestações
de
resistência ao regime, já que passaram a lutar pela universalização da educação antes restrita a poucos e, partindo desse princípio, a biblioteca pública foi colocada como sendo um instrumento assegurador da educação. Com base em Nogueira (1983), a origem da biblioteca pública, datando de 1850, deu-se na Inglaterra, no bojo das Revoluções Industrial e Liberal. O Estado apresentava as condições econômicas, políticas e culturais já amadurecidas para o estabelecimento de uma biblioteca aberta a todo e qualquer individuo. Com os movimentos revolucionários se fortaleceu a necessidade e criação de tal espaço cultural. Porém, não se pode deixar de destacar a Revolução Francesa como sendo, também, responsável pela criação dessa biblioteca, abrindo espaço para institucionalizar-se a Instituição Elementar como fator obrigatório e
gratuito, abrindo esse direito a cada cidadão, uma conquista que se respaldava no lema de Igualdade, Fraternidade e Liberdade (SERRAI, 1975), mas também pelo seguinte fato: Durante o período histórico que se desenrolou essa Revolução, as bibliotecas particulares passaram a ser concebidas como “inimigas da República”, tornado-se assim, um dos alvos automáticos da referida Revolução. Assim,
os
livros
pertencentes
à
tais
bibliotecas
foram
todos
confiscados e transferidos para os depósitos – bibliotecas que se localizavam sobretudo em Paris, Lyon e Dijon –, a fim de aguardarem seu destino. Nesse tempo, em vez de serem visitados por pessoas, passaram a receber apenas ataque de umidade, da poeira, de insetos e de outras pragas. Posteriormente, o Estado resolveu dividir o acervo confiscado em duas partes, sendo que uma foi distribuída ao exterior, enquanto que a outra deveria ser colocada à venda. Todavia, em decorrência dos bibliófilos franceses não possuírem o recurso financeiro exigido para a aquisição dos documentos ofertados, foram os ingleses e alemães que os compraram, beneficiando-se sobremaneira, com tal situação. Quanto aos documentos que não se conseguiu nem vender, nem distribuir, foram encaminhados às bibliotecas públicas para que ficassem à disposição de todos os cidadãos. Com base em Simone Balayé6, citada por Manguel (1999:272), observa-se que
6
BALAYÉ, Simone. La bibliothèque nacionale des origines à 1800. Genebra: [s.n.], 1988.
Durante a primeira metade do século XIX, as horas de acesso a essas bibliothèques publiques eram restritas, havia exigências quanto a maneira de trajar de seus freqüentadores – e os livros preciosos novamente acumularam poeira nas estantes, esquecidos e fechados.
O que justifica a não utilização desses acervos pelo público, liga-se ao fato de que estas bibliotecas foram resultantes da imposição do Estado em reunir
os
livros
que
antes
pertenciam
às
bibliotecas
particulares,
refletindo, desta forma, as necessidades de seus antigos donos, não estando, portanto, condizentes com a realidade e expectativa do público, tornando-se, assim, um elemento estranho aos cidadãos e, como tal, passaram a ser rejeitadas, uma vez que não faziam parte da comunidade. Por esta razão, somente as bibliotecas que surgiram na segunda metade do século XIX, nos paises anglo-saxônicos, poderiam ser consideradas como sendo as primeiras bibliotecas verdadeiramente públicas, uma vez que foram criadas a partir das reivindicações do povo, ou seja, em conformidade com suas necessidades, cujas atividades voltavam-se para a comunidade em geral. Isso implica afirmar que essas bibliotecas se voltaram não só ao usuário real – grupo social que, efetivamente, faz uso da biblioteca – e potencial – grupo social que poderá vir a se tornar em efetivo –, mas também ao não-usuário7 – grupo social que jamais se tornará efetivo, nem mesmo potencial –, conforme expõe Victor Flusser (1980).
7
Entendido como sendo o grupo de cidadãos marginalizados, ou seja, o público infantil, analfabeto, recluso, livre, hospitalizado, deficiente, físico e visual, etc.
É importante frisar que as bibliotecas públicas para que atinjam verdadeiramente o caráter público, deveriam romper o isolamento do nãousuário, cuja cultura corresponde à cultura do silêncio, sem o direito de se expressar ou expressar o mundo, criar ou recriar algo livremente. Entretanto, para que tal isolamento fosse rompido, essas bibliotecas necessitariam desenvolver, de forma qualitativa, algumas funções básicas, sendo que estas se caracterizariam, de fato, como públicas, passando assim, a serem um instrumento libertador, como salienta Waldomiro de Castro Santos Vergueiro (1990). Isso
implica
afirmar
que
uma
biblioteca
para
tornar-se
verdadeiramente pública, faz-se necessário assumir as seguintes funções: educativa, cultural, recreativa e informacional. Antes de descrever essa categorização, é interessante salientar que, na prática, as funções acima destacadas encontram-se inter-relacionadas, não sendo possível trabalha-las isoladamente. Porém como nossa interação liga-se à exposição dessas funções de forma
didática,
visou-se
apresentá-las
separadamente
para
que
o
processo de compreensão ocorra com maior qualidade. Como afirma Susana P. M. Muller (1984) a função educacional não deve ser entendida como sendo a mesma a escola ou da educação de massa, pois a biblioteca deve visar ao benéfico da sociedade através da prática de leitura, sem outras pretensões, ou seja, apenas utilizar o uso dos livros.
No entanto, pela evolução histórica dos papeis e objetivos atribuídos às bibliotecas, observa-se que, sobretudo ao final do século XIX, a missão básica da biblioteca era a educação. Daí a razão de afirmar que a origem da biblioteca de caráter público correspondeu, eminentemente, à função educacional, haja vista que esse tipo de biblioteca nasceu a partir das reivindicações da população em obter um maior acesso à educação (NOGUEIRA, 1986). De acordo com Walkíria Toledo de Araújo (1985), a biblioteca pública, desde seus primórdios até os dias atuais, constitui-se em uma instituição educativa por excelência. Todavia, não deve oferecer seus serviços apenas aos usuários real e potencial, nem voltar-se unicamente a educação formal – entendida como sendo a pesquisa escolar, já que lhe é inerente o papel de educar os indivíduos nem processo permanente, estando relacionada com a aprendizagem sistemática, adquirida através de meios de comunicação de massa e de órgãos socioculturais. Partindo desse pressuposto, pode-se frisar que a função educativa desenvolvida pela biblioteca pública deve ser entendida como sendo as atividades que servirão, exclusivamente, como complemento, suporte e apoio à educação formal, sem, contudo, deixar de atender à educação não-formal e a informal8.
8
Para Ana Maria Cardoso de Andrade (1979), a educação não-formal é vista como sendo aquela desenvolvida em entidades ou instituições, com métodos tradicionais, com métodos tradicionais de aula, por está desvinculada do sistema regular, voltando-se para a educação de adulto, treinamento profissional e outros, enquanto que a educação informal passa a ser sinônimo de educação contínua, porém, sem vinculo a nenhuma instituição sob a forma de cursos de formação esporádica.
Isso implica salientar que a biblioteca pública deve se preocupar não só com os estudantes, visto que, atualmente, 90% dos usuários freqüentadores da biblioteca são constituídos por alunos, sobretudo dos níveis fundamental e médio, como destaca Oswaldo Francisco de Almeida Júnior (1997), mas também com os usuários potencial e, sobretudo, os não-usuários, pois a democratização do saber deve ser a meta da biblioteca que se diz de uso público. Para isso, necessita-se modificar os objetos da biblioteca, alterandose sua postura, suas atitudes e atividades para abranger a comunidade em geral, isto é, o público alfabetizado, o neo-alfabetizado e o nãoalfabetizado, pois desta forma, a prática da leitura deixará de ser um privilegio apenas da classe social economicamente favorecida, dando ao público marginalizado a oportunidade de obter informação que outrora era negada. Contudo, lamentavelmente, até hoje, os próprios bibliotecários, desconhecendo a extensão dessa função, permanecem excluindo a classe marginalizada da população, quando suas práticas voltam-se apenas para a parcela da população que sabe fazer uso da biblioteca. É interessante ressaltar que a formação do bibliotecário também e contextualiza nesse jogo político, pois durante seus cursos de graduação foram preparados para servirem como agentes de informação técnicocientífica apenas para pesquisadores, especialistas, professores, alunos e administradores (MARTINS, 1982; LIMA, 1982).
A parte cultural é denominada a segunda função básica da biblioteca pública. Essa função deve ser entendida como sendo todo e qualquer tipo de manifestação artística oferecida à comunidade, dando segundo Ana Maria Cardoso de Andrade e Maria Helena de Andrade Magalhães (1979:55), aos indivíduos a oportunidade
de contato, participação, apreciação das artes, proporcionando ambiente agradável, estimulando e agindo, tanto quanto possível, como contra-peso à cultura comercialmente orientada de nossos dias.
Isso implica destacar que a biblioteca deveria oferecer desde uma programação de música clássica, ópera, ballet, até algumas seções de cinema, vídeo e TV, abrangendo, também, um acervo de literatura em nível variado, palestras, debates, exposições, conferencias, concertos, cursos e tudo o que for em prol da proclamação da cultura. Entretanto, a função cultural da biblioteca pública não tem por finalidade ocupar espaço de museus, galerias de arte, ou instituições afins, nem mesmo servir como influenciador de opiniões, pelo contrário, visa conceber a cultura como algo que leva apenas ao refinamento, deixando de lado a incultura, a ignorância e a rudeza da população. A função recreativa ou de lazer, embora tenha sido criada na mesma época que o processo cultural, é vista como sendo a que mais vem perdendo espaço pelos meios de comunicação, uma vez que a mídia relega o hábito de leitura para o segundo plano. Com o intuito de promover o gosto pela boa leitura, a leitura recreativa ou como forma de entretenimento, visa ainda atender a uma
importante necessidade social, que é o relaxamento das tensões sociais, propiciando o equilíbrio psíquico. Através de uma leitura descompromissada e de livre escolha que proporcione ao público que a procura recreação e prazer, possibilitará a quebra da rotina de todos que se encontram absorvidos pelas pressões exercidas pela vida moderna, como destacam Andrade e Magalhães (1979). Isso não implica afirmar que essa função colocará a biblioteca num estado
de
desordem,
pelo
contrário,
através
da
aparente
leitura
descompromissada, ela poderá tornar-se indispensável para a comunidade que irá freqüentá-la apenas para a obtenção de uma leitura que desperte a imaginação, a ficção, a criatividade ou, simplesmente, prazer estético, como
uma
forma
de
evasão
das
conturbações.
Através
dessa
operacionalização, esse mesmo público solicitava apenas uma leitura descompromissada, começará a se interessar pelos demais gêneros literários existentes no acervo da biblioteca, podendo tornar-se um usuário real. O grande entrave para que isso não aconteça, será o processo de seleção do material colocado à disposição da comunidade pois
[...] não se pode pretender que as pessoas acostumadas a outras formas de entretenimento se transformem repentinamente em leitores e muito menos que se possa dirigir o sue gosto literário” (Andrade e Magalhães 1979:57)
Por esta razão, inicialmente, os bibliotecários deverão oferecer atividades que atraiam a população marginalizada para a biblioteca, a fim
de reverter a imagem de templo que esta traz consigo, rompendo, portanto, a distancia entre a comunidade e a biblioteca, fazendo desta algo relevante junto não só ao processo educacional, mas também ao entretenimento. Nesse objetivo, o público infantil não pode ser esquecido, pois a biblioteca deve ser entendida como sendo uma instituição complementar às tentativas da família e da escola, para isso, deve contar com um local sortido de livros, jogos, brinquedos e gibis apropriados para cada faixa etária, TV e vídeo, palco para representações, a fim de despertar o raciocínio, coordenação motora e, sobretudo, o gosto pela leitura. Por fim, destaca-se a função informacional, cuja origem deu-se a partir da Segunda Guerra Mundial, mais precisamente, após os anos 50. Inicialmente, essa função foi implantada nos Centros Referenciais dos Estados Unidos sendo logo em seguida, difundida na Inglaterra. Para se manter como uma instituição relevante à comunidade, a biblioteca percebeu que deveria fornecer a informação de forma cada vez mais confiável, rápida e, principalmente, com qualidade. É valido ressaltar que a função informacional da biblioteca foi resultante de duas finalidades. Primeiro, encontrar um meio de se manter importante, necessária e indispensável à comunidade; e segundo, pelas razões de subsistência ameaçada, em decorrência da falta de verbas. Com o propósito dessa função, caberia à biblioteca, oferecer ao público em geral, informação, tornando-se, portanto, de vital importância
para a comunidade, mesmo que tal solicitação fosse uma informação do cotidiano, conhecida com utilitária. Por esse tipo de informação, Oswaldo Francisco de Almeida Júnior (1997:56), entende-se como sendo aquela que não se encontra apenas no suporte tradicional, sobretudo no livro, pois
A ênfase portanto, do trabalho do bibliotecário deve estar voltada para a disseminação das informações e não para promover, exclusivamente, o acesso dos usuários ao suporte dessas informações. Desenvolver essa função implica na prestação de serviço para a comunidade de forma imediata, facilitando o acesso as informações de diversas naturezas, como: endereços de pessoas ou instituições, indicação de emprego, pontos turísticos, preços de hotéis, etc (NOGUEIRA, 1983; VERGUEIRO, 1988). Todavia, a realidade das bibliotecas públicas brasileiras, continuam apresentando um caráter elitista, uma vez que conservam o bem público biblioteca apenas à pequena parcela que pode e sabe utilizá-la, fecham suas portas a quem realmente precisa delas, isto é, o não-usuário. É evidente a contradição de sua prática, pois defende o caráter público, no entanto, negligencia sua função pública quando não se volta para a comunidade em geral – que não se identifica com o ato de ler –, não
sendo
reconhecida,
portanto,
pelos
cidadãos
que
a
cercam,
contradizendo-se nos papeis a serem desempenhados , uma vez que ela se reserva ao direito de cumprir suas funções de forma a não responder
aos interesses da população em geral, não acompanhando, assim, as transformações sociais. Cabe
à
cumprimento
biblioteca das
transformar
quatro
funções
cidadãos básicas
–
críticos,
a
educacional,
partir
do
cultural,
recreativa e informacional –, pois dessa forma passará a desempenhar verdadeiramente seu papel público, colocando-se como um espaço para a contestação e desnudamento dos interesses ideológicos, local adequado para fortalecer dinamicamente as transformações sociais, sendo capaz de contribuir para as alterações no âmbito das sociedades que, através do conhecimento, desvelam o mundo e buscam a qualidade de vida para todos. O que, sem dúvida, justifica a negligência dessas bibliotecas, liga-se à concepção errônea arraigada na sua criação, uma vez que são frutos não da reivindicação da população em si, mas da elite intelectual da época, devido ser apenas essa classe que mantinha um certo domínios junto à prática da leitura. Por esta razão, para Zita Catarina Prates Oliveira (1994:26)
[...] as bibliotecas públicas brasileiras constituíam um universo fragmentado e sem coordenação, atendendo a uma parcela reduzida da população e prestando um serviço de informação de limitada utilidade. O que justifica tal fato, liga-se à criação dessas bibliotecas já que foram
originadas
pela
iniciativa
dos
jesuítas,
conhecidas
conventuais, através do padre Manoel da Nóbrega, em 1549.
como
A primeira biblioteca brasileira foi instalada em uma sala da Igreja da Ajuda, que ficava ao lado do Colégio dos jesuítas, em Salvador, com o nome de livraria. Como finalidade, essa biblioteca, cujo acervo fora construído em nível universitário, destinava-se à formação dos alunos e aperfeiçoamento dos mestres, não se voltando, portanto, para a comunidade em geral. Ademais, ao final do século XVIII, os magistrados, professores e administradores brasileiros que se formaram em Coimbra, ao regressarem ao Brasil, querendo manter o mesmo estilo de vida vivido na Europa, deram início, segundo Mitsi Westphal Taulor (1986:17-8),
à formação das sociedades literárias, acadêmicas, gabinetes de leituras e liceus. As bibliotecas de tais entidades retratavam a formação humanística de seus idealizadores e mantenedores e, [...] no século XVIII, [...]. As bibliotecas do Brasil colônia como se pode perceber se destinavam a ilustração dos (sic) elite cultural, representada inicialmente pelos religiosos, aos quais vieram a se juntar os bacharéis.
Durante o período de 1549 a 1759, os jesuítas detiveram o monopólio da educação, e mesmo opôs a reforma pombalina que os expulsou, os alicerces por eles lançados não chegaram a se anular, já que sua influência marcou enormemente o estilo e a trajetória do sistema educacional brasileiro. Tendo
a
catequese
como
sendo
a
finalidade
especifica,
tais
bibliotecas, apesar de serem consideradas públicas, mantinham o caráter elitista. Por esta razão, seus acervos serviam apenas para reproduzir a ideologia dos colonizadores.
Um fato que comprova isso corresponde ao número de alfabetizados existentes na época, já que segundo Lívia Marques Carvalho (1991) a maior parte da população, não mantinha a tradição escrita tornando o ato de ler uma variável existente apenas no cotidiano apenas da classe economicamente privilegiada. Porém,
faz-se
necessário
destacar
que,
durante
esse
período
histórico, a grande parte da população não dominava o código da escrita, decido a cultura vigente ser baseada na tradição oral, não sendo, portanto, a escrita algo relevante à população de um modo geral, sendo, portanto, incorreto afirmar que a maior parte das pessoas era analfabeta. Com a chegada da Família Real a face da colônia sofreu uma relativa transformação. Dentre esta, tem-se a instalação da primeira imprensa e a transferência da Biblioteca Real de Lisboa9 para o Rio de Janeiro, com cerca de 5000 volumes, em 1825, sendo esta
Instalada no Hospital da Ordem Terceira do Carmo, foi inaugurada em 13 de maio de 1811. teve sua consulta limitada apenas aos estudiosos até 1814, sendo a partir dessa data franqueada ao público (TAYLOR, 1986:189). Todavia, é valido ressaltar que, apesar de ter sido esta a primeira biblioteca que permitiu acesso livre de eu acervo ao público, não é considerada a primeira biblioteca pública brasileira, pois não foi criada para este fim.
9
Atual Biblioteca Nacional
Figura 7: Biblioteca Nacional – Rio de Janeiro Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/ f/f3/Biblioteca_Nacional_aerea.JPG
Por iniciativa de Pedro Gomes Ferrão Castelo Branco foi criada a primeira biblioteca pública brasileira na Bahia, inaugurada nio dia 04 de agosto de 1811, com o intuito de remover o primeiro e maior obstáculo que se oferece a instituição pública: escassez de livros e falta de noticias do Estado das artes e ciências da Europa. Na intenção de acelerar a formação do acervo dessa biblioteca, os sócios foram convidados a doarem ou emprestarem suas coleções particulares,
uma
iniciativa
do
próprio
Castelo
Branco
onde,
na
oportunidade da fundação da referida biblioteca, doou todos os seus livros, acrescido da quantia de 50$000 réis. Pela origem das doações do acervo, vinda de particulares ou adquiridos segundo o parecer de seus fundadores, neste predominou as
obras de autoria de filósofos ilustrados, iluminado as áreas do direito, filosofia, política e legislação; textos modernos de química, física e mineralogia, botânica e medicina; obras de
autores célebres em matemática e astronomia; uma coleção de referencia que impressionava pela quantidade diversificada e quantidade de dicionários bilíngües e especializados, [...], as obras mais representativa da literatura latina e francesa clássica e uma admirável coleção da periódicos científicos, onde figurava o que havia de melhor na França e Inglaterra (TAYLOR, 1986:19-20).
Por essa atitude, observa-se que o acervo formado continuava não se enquadrando na necessidade da comunidade em geral, por uma simples razão: as obras de referencia até os demais volumes encontravam-se, ou sob a forma bilíngüe, ou especializada, comprovando que as pessoas que dele faziam uso correspondia a um público que, no mínimo, dominavam um outro idioma e uma atividade específica. O que não se pode esquecer, também, é que, na época, a criação da biblioteca pública encontrava-se associada ao termo de cultura erudita. Disfarçadamente, acidade que erguia uma biblioteca de caráter público, elevava-se ao mesmo patamar de intelectualidade, sobretudo, das cidades européias. Por essa razão, as bibliotecas públicas no Brasil não surgiram para desempenhar
verdadeiramente
suas
funções,
já
que
não
foram
estruturadas a partir da reivindicação da população, como deveria ser, e sim para elevar à cidade ao estado de modernidade. A prova maior disso, está na localização de prédios que se destinavam à biblioteca pública. Em decorrência de terem sido construídos em bairros nobres, leva-nos a interpretar que seu funcionamento voltavase às pessoas pertencentes a tais localidades.
Um outro fator que, sem dúvida, leva-nos perceber que a grande preocupação pela criação da biblioteca pública no Brasil baseava-se apenas em um valor ilustrativo, corresponde à luxuosidade de seus prédios imponentes, erguidos da época, quanto mais imponência mais divergência. Mediante tal fato, a população pertencente, sobretudo, às classes mais baixas via-se inibida em adentrar em um prédio que mais parecia um templo, em vez de uma biblioteca que se destinava à comunidade em geral. No caso da biblioteca pública do amazonas, a sociedade manauara visando transmitir uma imagem moderna, a partir do modelo europeu, conforme visto no capítulo anterior, viu-se na obrigação de criar uma biblioteca pública na Província do Amazonas.
A Busca pela Modernidade Durante o período em que ocorreu a criação da Biblioteca Pública do Amazonas, a realidade de letramento da população brasileira, encontravase bastante tímida, uma vez que o número de alfabetizados, em 1890, não passava de 14%, enquanto que entre os anos de 1900 a 1920 não ultrapassou os 25,5%, como destaca Gomes (1983). Mediante o exposto, constata-se que o acesso à educação era privilégio de poucos em detrimento da grande maioria. O descaso com a educação ultrapassa os limites de demanda intelectual da cidade. A
Instrução
Pública
encontrava-se
de
forma
precária,
diante
das
expectativas de mudança. A prova maior disso, encontra-se inserida no discurso proferido pelo Presidente da Província Gustavo Adolfo Ramos Ferreira onde, segundo Genesino Braga (1989:27) foi proclamado da seguinte forma:
há defficiência da organisação nos diversos planos até agora seguidos no ensino primário e secundário, [...], porque elles não satisfazem as necessidades da população, não attendem as suas circunstancias, nem se achão em harmonia com as leis geraes do desenvovimento humano.
No entendimento desse autor, a figura de Ramos Ferreira passou a ser sinônimo da criação da Sala de Leitura na cidade de Manaus anexa a Biblioteca Pública, uma vez que sua contribuição social, política e administrativa voltou-se não só para as melhorias da área educacional, através de vários Projetos de Lei, visou melhorar e ampliar as condições de ensino da Província do Amazonas, mas também para a implantação da idéia de se criar tal Sala. No início, a idéia de criação da Sala de Leitura em Manaus surgiu apenas como uma sugestão, durante o pronunciamento ocorrido em 1868, na Assembléia Legislativa Provincial, sendo, posteriormente, vista como uma necessidade ou mesmo, apelo. O fato de ser amigo pessoal de João Wilkens de Matos, Presidente da Província entre os anos de 1868 a 1870, certamente facilitou para que Ramos Ferreira desse início à criação da referida biblioteca de forma tão rápida.
Com o intuito de agilizar a instalação dessa biblioteca, o deputado Aprígio Martins de Menezes, na Assembléia Legilativa, apresentou, na sessão de 30 de abril de 1870, um breve discurso sobre a necessidade da criação da Biblioteca Pública. Em seguida, na seção de 14 de maio do corrente ano, o deputado Irênio da Costa enviou à comissão de redação o requerimento para que se validasse a discussão final acerca da criação da biblioteca. Após três dias, o Presidente da Província, Clementino José Pereira Guimarães, converteu em Lei a sua criação. Finalmente, no dia 17 de maio de 1870, pela Lei n.º 205, tem-se a criação da Biblioteca Pública do Amazonas, com a finalidade única de servir como uma Sala de Leitura,voltada às necessidades das pessoas cultas ou em processo de educação, conforme é mostrado em BIBLIOTECA ... (19??): “Art. 1º - Fica desde já creada, no edifício em que funciona o Lyceu, uma sala de leitura, que servirá de núcleo para a Biblioteca Pública da Província(13). Uma vez criada e publicada a lei referente à criação da Sala de Leitura, deu-se início aos procedimentos para a organização do seu acervo10, a fim de disponibilizá-la ao uso público, bem como a nomeação de Ramos Ferreira para a sua direção, tanto que o obrigou a afastar-se das suas atividades políticas.
10
Resultante de doações de particulares e através da aquisição junto às gráficas brasileiras e estrangeiras, cujo recurso financeiro fora obtido por meio de campanhas comandadas pelo próprio Ramos Ferreira.
Uma vez equipada, a Sala de Leitura, com um acervo constituído por 1200 volumes, foi inaugurada no dia 19 de março de 1871, em uma solenidade presidida pelo novo Presidente da Província, José Miranda da Silva Reis. Conforme apresentado na Lei de sua criação, a Sala de Leitura foi instalada provisoriamente em uma das salas do pavimento superior do velho sobrado do Liceu, localizado na Travessa da Imperatriz, levando-nos a concluir que esta ainda não possuía sua sede própria. Em 1872, por ordem do Presidente da Província, tem-se a construção de um prédio que serviria para abrigar as aulas do Liceu, a diretoria da Instrução Pública e a Biblioteca, sendo relevante salientar que tal local iria ser construído não por causa da biblioteca, e sim por causa da Instrução Pública que, também não possuía sua sede definitiva. Após a construção desse prédio, em março de 1874, o sucessor de José Miranda da Silva Reis, Domingos Monteiro Peixoto, anunciou que a sala de Leitura do Amazonas passaria a funcionar no prédio localizado na Praça 28 de Setembro – atual Quartel da Polícia Militar.
Figura 8: Quartel da Polícia Militar Fonte: BRAGA, Gemesino, Nascenças... 1989.
Nessa época, a Sala de Leitura, funcionando com 01 (hum) Diretor e 01 (hum) Porteiro, passou a abrir suas portas das 9 as 15 horas, exceto nos finais de semana. No início de seu funcionamento, tal Sala apresentou um nítida dicotomia, expressas no seu Regimento Interno, já que as regras de funcionalidade ao mesmo tempo que defendia o uso público, determinava o perfil das pessoas que deveriam fazer uso do referido local, conforme demonstra o Regimento de 1871 onde defende o uso da Sala de Leitura para todo e qualquer cidadão, desde que: “1 – apresentar-se devidamente vestido; 2- não fumar, não conversar, não atrapalhar por forma alguma o silencio e a tranqüilidade da sala. Essas exigências traziam transtornos para a maior parte da população pois ao tentarem usufruir desse espaço que se dizia público, esbarravam na burocracia e nas etiquetas determinadas pelo seu regimento, haja vista
que pela suas condições financeiras, sentiam-se de fazer uso desse espaço, pois não conseguiam se apresentar devidamente vestidos. Um outro item que comprova a dicotomia entre a prática e o discurso estabelecido pela Sala de Leitura, refere-se ao padrão de educação exigido para o uso do ambiente, já que este fora estabelecido segundo as práticas da sociedade manauara. Pelos paradigmas estabelecidos, a população de Manaus jamais faria uso dessa sala, uma vez que não tinha condições nem para se trajar corretamente, nem mesmo para se comportar de acordo com a regra, pois não tiveram a oportunidade de receber a mesma educação doméstica que a comunidade economicamente privilegiada. Por esta razão, afirma-se que a criação da Sala de Leitura em Manaus foi resultante da preocupação da sociedade manauara em satisfazer suas próprias necessidades, haja vista que desde suas regras até seu acervo apresentavam-se de forma direcionada, sobretudo com obras oportunas da Europa, estando portanto, no idiomas inglês e francês. Como defender, então, o uso público da Sala de Leitura se, na época, seu acervo encontrava-se, basicamente, em outro idioma, bem como apenas 3% da população era letrada, tendo desta forma, condições para usufruir de tal local? A resposta, certamente, encontra-se na adequação da sociedade manauara ao modelo francês, já que durante o final do século XVIII e início do XX, Manaus encontrava-se sob uma forte influência da belle epoque.
Como as “Salas de Leitura”, também conhecidas como “Gabinetes de Leitura” já eram uma constante nos grandes centros culturais europeus, a criação da Sala de Leitura em Manaus representou a concretização do sonho de um pequeno grupo que fazia questão de permanecer com os mesmos hábitos e costumes adquiridos na Europa. Pode-se afirmar, também, que a presença do Real Gabinete de Leitura Portuguesa, criado em 1837, bem como a fundação Biblioteca Fluminense, em 1847, ambas no Rio de Janeiro, cujos acervos reforçavam a preservação da cultura transplantada, principalmente, da Europa, influenciaram, sobremaneira, para a criação da Sala de Leitura em Manaus. Para comprovar isso, destaca-se Nelson Schpochinik (1993:156) onde, ao referir-se ao Gabinete Português afirmou o seguinte:
seu acervo contava com 50.000 volumes, entre os quais a ‘Camoneama completa e outras publicações em diversos idiomas, de Sciencias, legislação literatura e artes, inclusive muitas raras e manuscriptos; muitos periódicos e vocabulários de línguas vivas e mortas, de obras de direito civil, criminal, canonico, público, das gentes, natural e allemães, latinos e gregos, de matematicas, geographia, historia, viagens, romances, etc.
Quanto à Biblioteca Fluminense, destaca que seu acervo era constituído por
[...] volumes de ‘sciencias, litteratura e artes, nas línguas portugueza, franceza, hespanhola, allemã, italiana, etc; manuscritos e mappas; os principaes jornais de todo o Imperio e muitos estrangeiros entre eles Le Siècle, Journal des Débats, L’Illustrations, La Sylphide, Gazette Médicale, Gazette des Hospotaux, Comptes rendus de l’Academie des
Sciences, Panorama, Revista Universal Lisbonense, Diário do Governo, Revolução de Setembro (SCHPOCHINIK, 1993:157).
É interessante ressaltar que um outro fato que contribuiu para a criação
da
europeizado,
Sala
de
ligou-se
Leitura ao
em Manaus, dentro
costume
estabelecido
de
pelos
um contexto membros
da
sociedade manauara em enviar à Europa seus filhos para estudar, ou para passar longas temporadas nas capitais do Velho Mundo, ou mesmo para adquirir um imóvel. Ao regressarem, entretanto, com o intuito de manterem o mesmo padrão vivido no exterior, os membros da sociedade manauara viram ma criação da referida Sala a oportunidade ideal para cultivar o modo de vida, hábitos, crenças, e costumes do Velho Mundo, bem como manter a imagem de uma cidade moderna, mesmo que ilusoriamente. Afirma-se portanto, que a Sala de Leitura em Manaus não foi criada para atender a comunidade em geral, como deveria ser, já que surgiu para servir às necessidades da sociedade manauara, pois não só seu Regimento Interno, mas também seu acervo voltavam-se para as pessoas alfabetizadas ou em processo de alfabetização. Isso implica frisar que o funcionamento dessa Sala destinava-se apenas ao público letrado, haja vista que somente essa classe tinha as condições mínimas para fazer uso do local, sendo portanto, um espaço eminentemente elitista. À medida que o tempo passava, o Regimento Interno da Sala de Leitura, mesmo apresentando algumas mudanças, continuava irredutível,
no que diz respeito à exclusão do público em geral, já que seu artigo 6º passou a descrever que “só terão ingresso na Bibliotheca as pessôas de ambos
os
sexos,
maiores
de
14
annos,
que
se
apresentarem
decentemente vestidas”. Todavia, segundo Braga, a criação da Sala de Leitura em Manaus foi algo extremamente relevante à população em geral, pois livrou-a da ignorância e do desconhecimento. Daí a razão pela qual a versão apresentada por esse autor é vista como sendo algo romântico, pois apesar de destacar as diferenças sociais da época, coloca a Sala de Leitura como uma instituição vantajosa para o desenvolvimento da Província, cujo mentor passou a ser Ramos Ferreira, devido ter sido um
Homem de fé inegável, ação enérgica e inabalável às suas convicções o ilustre filho da gleba amazônica não repousava das lides árduas que lhe impunham a ordem nova implantada na seara da alfabetização e da educação dos menores seus contemporâneos. Todas as suas horas, a cultura, o seu trabalho, os seus parcos haveres, estavam a serviço do plano de desenvolvimento do ensino entre os seus irmãos da ongínqua Província do Império (BRAGA, 1989:37).
Independente da versão apresentada, romântica ou realista, faz-se necessário destacar que a Sala de Leitura como núcleo da Biblioteca Pública do Amazonas, manteve um curto período de existência, uma vez que fora desaparecendo progressivamente sem se como e quando e como, conforme salienta Maria Sidney Garcia de Vasconcellos Lins (1979). A prova disso, está inserido no discurso proferido pelo Presidente da Província,
Sátiro
de
Oliveira
Dias,
em
1880,
onde
declarou
que
“a biblioteca que se diz haver sido fundada, existe apenas no nome”. Porém, as autoridades só foram perceber que a referida Sala, realmente, não existia somente no ano de 1882, quando José Lustosa da Cunha Paranaguá assumiu a Presidência da Província, no dia 17 de março do corrente ano. Logo, foi somente a partir da iniciativa de Paranaguá é que o assunto da
Biblioteca
Pública
do
Amazonas
voltou
a
ocupar
governamental, conforme veremos no próximo capítulo.
a
atenção
Capítulo 3 Uma Nova Biblioteca para a Província
C
om a extinção da Sala de Leitura sem registros que pudessem explicar a razão de tal fato, Manaus ficou desprovida de um dos símbolos que garantiriam a imagem de uma cidade
intelectualmente desenvolvida. Todavia, com a nomeação de José Lustosa da Cunha Paranaguá para a Presidência da Província, em 1882, a existência de uma biblioteca em Manaus voltou a ser uma preocupação governamental. É valido frisar que alem da criação da Biblioteca Pública Provincial, a Construção de algumas obras, ditas como importantes e imponentes para o progresso do Amazonas – Teatro Amazonas, fundação do Museu Botânico
Amazonense, restabelecimento
do
Instituto
de
Educandos
Artífices, entre outras, fizeram parte das prioridades do seu governo. Pelo fato de não permitir que a nova biblioteca continuasse com a mesma estrutura da Sala de Leitura, José Paranaguá passou a defender que esta deveria se apresentar “com amplo sentido da serventia geral, de livre acesso, aberta a todos os estudiosos, aos pesquisadores das ciências e da história, de franquia ilimitada” (BRAGA, 1989:61). Com essa nova perspectiva, através da Li n.º 582, de 27 de maio de 1882, foi criada a Biblioteca Pública Provincial do Amazonas, com o firme propósito de cooperar para o progresso da Instituição Pública da Província. Quanto à política de aquisição do acervo que comporia a Biblioteca, pode-se afirmar que do editores parisienses, foram encomendadas varias obras e coleções. Para isso, contou-se com o auxilio de Ramiz Galvão12,
12
Bibliotecário pertencente à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
que se responsabilizou pela seleção do material que deveria ser comprado. Em Paris, ou auxílio veio do Visconde de Nioac, Manuel Antônio da Rocha Freire, cuja função era a de fiscalizar a compra dos quase 1.000 volumes adquiridos, bem como remeter, devidamente encaixotados, o acervo no vapor “Paraense”. Durante a construção do acervo que comporia a nova Biblioteca, após ser procurado pelo escritor Franklin Dória, Paranaguá resolveu organizar uma
seção
contendo,
exclusivamente,
obras
sobre
a
Amazônia,
atualmente conhecida como acervo amazônico. Para compor tal seção, 82 volumes foram comprados através do livreiro B. L. Garnier e das demais livrarias brasileiras. Enquanto os livros não chegavam, deu-se início a uma campanha para arrecadar fundos, a fim de arrecadar fundos para as possíveis despesas. Por outro lado, algumas pessoas doaram de suas bibliotecas particulares alguns volumes, como intuito de contribuir para a formação do acervo da nova biblioteca. Conforme exposto em Braga (1989:64), além dos acervo particulares verifica-se que
Das repartições públicas vieram valiosas ofertas. O ministério da Marinha ofereceu vários mapas, dentre as quais se destacam as preciosas cartas hidráulicas do Rio Juruá, em 10 folhas, e o mapa do Amazonas. O Ministério dos Negócios e da Fazenda ofertou uma coleção de legislação brasileira e outras publicações da Tipografia Nacional; e a nossa Assembléia Legislativa Provincial
ofereceu a coleção completa dos seus anais, desde o ano de 1852 em que se inaugurava a Província e se constituía o nosso poder legislativo.
Uma vez equipada nascia, assim, a Biblioteca Pública do Provincial do Amazonas, cuja inauguração ocorreu em 1883. porém, dois dias depois de sua inauguração é que suas portas foram abertas ao público somente dois dias depois. A solenidade de inauguração da Biblioteca, comemorada na noite do dia 25 de março, no Teatro Provincial13, representou um acontecimento histórico para a cidade de Manaus, uma vez que tal data além de celebrar o aniversário da Constituição Política do Império, foi marcado pela “entrega de duas cartas de alforria a escravos negros [dando] o tom abolicionista do Governo Paranaguá” (BIBLIOTECA... 19??:14). Mediante tal fato, Manaus passou a ser a segunda cidade brasileira a abolir a política abolicionista, proporcionando assim, a liberdade dos escravos. Porém, o que não se pode deixar de frisar é que, a alforria dos escravos, justamente no dia da reinauguração da Biblioteca Pública do Amazonas, na verdade, correspondeu a uma estratégia desenvolvida, provavelmente, pelo Presidente da Província e o primeiro diretor da Biblioteca Pública Provincial, o abolicionista Lourenço Pessoa. Afirma-se isso, pois, entregar a carta aos escravos na inauguração da Biblioteca, sem duvida, contribuiria qualitativamente para o fortalecimento da imagem intelectualizada da sociedade Manauara.
13
Posteriormente denominado Teatro Amazonas.
Quanto à sua localização, pelo fato de ter sido instalada no pavimento inferior – ala oriental – do consistório da Igreja Nossa Senhora da Conceição – catedral de Manaus –, a Biblioteca Provincial além do privilegio de encontrar-se em uma excelente localização, leva-nos a concluir que tanto a igreja, quanto a biblioteca tinham como finalidade a elevação do espírito humano, sendo que a primeira destinava-se a Deus e a segunda à cultura e erudição.
Figura 9: Catedral Nossa Senhora da Conceição Fonte: Biblioteca... [19??].
No que se refere ao acervo da Biblioteca Provincial, observa-se que não existe, com precisão, algum tipo de informação acerca da sua quantidade exata. Na estimativa de mesquita (1997), ela era constituída de 4.000 volumes, para Maria Sidney Garcia de Vasconcellos Lins (1979), esta foi instalada com um acervo de aproximadamente 3.000 volumes.
Ademais, Mavignier de Castro (19??), afirma que sua composição resultava em um pouco mais de 6.000 volumes. Todavia, em BIBLIOTECA... (19??:15), o total de documentos encontrava-se em torno de 5.000 volumes. Para Braga (1989) a biblioteca era formada por 3.000 volumes e a compilação de vários mapas geográficos. Provavelmente, a razão que impedia a explicação de tal fato foi o incêndio ocorrido na madrugada do dia 22 de agosto de 1945 o qual destruiu não só o prédio da rua Barroso, mas também a maior parte do seu acervo, restando apenas 60 volumes, devido encontrarem-se fora do prédio na noite do acidente. Ao iniciar suas atividades, através do artigo 5º do regulamento vigente na época, verifica-se que
A Biblioteca [estaria] aberta ao público ao publico todos os dias úteis desde as 5 horas da tarde até às 9 horas da noite, excepto nos dias santificados e de festa nacional, carnaval, semana Santa, e os que decorrem de 1 a 6 de janeiro e de 25 a 31 de dezembro14
É interessante salientar que, não obstante o público poder freqüentar a Biblioteca, existia ainda uma política que determinava o perfil dos usuários que deveriam freqüentar o referido espaço. A partir de tal política, destaca-se que os jovens menores de 21 anos não tinham acesso às obras que ofendiam a moral e a Religião, também eram proibidos de
14
Regulamento Interno da Biblioteca Provincial de 1883.
fazer uso dos manuscritos que eram reservados ao Presidente de Província, necessitava-se obter a permissão do mesmo. O que não se pode deixar de destacar é que, apesar de estar muito bem instalada e freqüentada, a Biblioteca Pública Provincial continuava sem sua sede própria. Por esta razão, com o intuito de solucionar tal problema, José Paranaguá começou a lutar pela construção do prédio que serviria de sede para a Biblioteca. Para isso, no início dos trabalhos legislativos de 1883, em seus relatórios, expunha preocupações sobre a necessidade da construção de um local que abrigasse definitivamente a Biblioteca Pública Provincial. Através de Mesquita (1997:332), verifica-se que os apelos de José Paranaguá surtiu efeito, uma vez que “em 4 de junho de 1883 a Lei n.º 608, [autorizou] ‘despender’ a quantia de 0:000$00 réis para a construção de um edifício para a Biblioteca Pública Provincial”.
Figura 10: Início da Construção da Sede Definitiva Fonte: http://4.bp.blogspot.com/_C-pOxEqowo0/ R2GKQJSssBI/AAAAAAAAALI/LqkGpf0KYXE/s200/01+(10).jpg
Porém com a saída de José Paranaguá da Presidência da Província, apesar do projeto ter sido aprovado, assim como as plantas do prédio que se destinaria à sede da Biblioteca Pública já estarem prontas, a dotação orçamentária para o andamento da construção do referido prédio não foi renovado. Somente no dia 16 de maio de 1884, pela Lei n.º 640, teve-se a autorização para o término da construção do prédio que se destinaria à sede da Biblioteca. Nesse mesmo ano, Lourenço Pessoa, Diretor da Biblioteca, é substituído por Antônio Manoel de Souza Oliveira, que teve um mandato exíguo sendo, em 1885, substituído por Carlos Pereira de Pinto, cujo mandato estendeu-se até 1887. Quanto ao trajeto da Biblioteca Pública Provincial, verifica-se que esta, desde sua criação, encontrava-se subordinada à Instrução Pública, contudo, através da Lei n.º 780, datada do dia 25 de janeiro de 1887, a referida biblioteca tornou-se uma Diretoria autônoma. A partir dessa data, tem-se uma mudança, também, no quadro funcional da biblioteca, com a criação da de mais um cargo, o Amanuense, cuja função ligava-se à fiscalização dos serviços desenvolvidos na biblioteca. O fato de que foi somente em 1965 que se tem a criação do Curso de Biblioteconomia no estado do Amazonas, leva-nos a concluir que as pessoas que eram indicadas para dirigirem a Biblioteca, além de pertencer
eminentemente ao sexo masculino, deveriam possuir um certo amor às letras e ao serviço que se desempenharia. Entretanto, a intelectualidade do diretor da Biblioteca sempre fora relegada para o segundo plano, já que o cargo de Diretor passou a representar uma acomodação política. Assim, as pessoas que assumiram a Biblioteca não mantinham a mesma preocupação de efetuar, corretamente, o processo técnico dos documentos, nem conservar o patrimônio bibliográfico adquirido até o momento. Com o intuito de demonstrar tal fato, destaca-se Braga (1989:20), onde relata que:
Bons e maus dirigentes estiveram a nortear as tarefas naturais de seu objetivo. Muito deles foram guindados ao posto de chefia por simples acomodação política, sem cultura, sem conhecimento do serviço, sem ideal; outros, bem poucos estes, ao mesmo conduzidos de qualquer forma, empenhara, entretanto, boa parcela e de seu intelectualismo, de sua operosidade e de seu interesse pela educação, em lutas árduas para fazer reerguer, reconstruir, reorganizar, para a utilização dos estudos, o rico patrimônio bibliográfico [...].
No ano de 1887, houve a inauguração do prédio que abrigaria a Biblioteca Provincial, sob o comando do Presidente da Província, Ernesto Adolpho de Vasconcellos Chaves, todavia em virtude de não ser exclusiva da Biblioteca, pois acomodaria a instalação do Liceu Provincial, destaca-se que esta não correspondeu ao eu prédio próprio.
Figura 11: Liceu Provincial – Atual Colégio Dom Pedro II Fonte: BRAGA, Genesino. Nascença... 1989
Apesar do prédio ter sido inaugurado em 1887, a Biblioteca Pública foi transferida para lá somente no ano seguinte, através da ordem do cônego Raimundo Amâncio de Miranda, 3º vice-presidente da Província. Nesse prédio, sob a direção de Jorge
Augusto de Brito Inglês –
considerado o 1º diretor nomeado –, a Biblioteca Provincial em virtude de oferecer seus serviços apenas aos alunos, elite intelectual e poucos particulares, continuou conservando o papel de biblioteca escolar, fato que desviava as suas verdadeiras funções. Funcionando regularmente, a Biblioteca Provincial, permaneceu em atividade até o final do período monárquico, com o advento da República, começou a presenciar momentos ora de abandono, esquecimento e decadência, ora de reorganização. O fato que, certamente, enveredou para o seu decadentismo foi à extinção da Diretoria da Biblioteca, por ordem de Eduardo Gonçalves Ribeiro, Governador do Amazonas.
Em decorrência disso, a Biblioteca que se encontrava em uma das salas dos pavimentos superior do Liceu, pouco a pouco foi sendo esquecida passando a servir apenas como um incomôdo de livros, permanecendo nesse estado durante os quatro anos do governo do “O pensador” - apelido dado a Eduardo Ribeiro. Somente ao final do seu governo – mais precisamente, meses antes de ser substituído – Eduardo Ribeiro resolveu reorganizar a Biblioteca Pública do Amazonas, provavelmente, para resgatar a imagem de um Governador preocupado com o incentivo da cultura e das artes. Desta forma, pelo decreto n.º 86, de 17 de outubro de 1895, com base no artigo 6.º da Lei n.º 134, de 7 de outubro do corrente ano, Eduardo Ribeiro declarou:
Art. 1º - Fica reorganisada a Bibliotheca Publica do Estado com o pessoal seguinte: Um Director, Um secretario, Um porteiro e Um continuo15 e se regerá na conformidade do regulamento com que este baixa. Art. 3º - Revogar-se as disposições em contrario.
Durante o processo de reestruturação da Biblioteca, apesar de todos saberem que o acervo encontrava-se completamente maltratado e desfalcado, Eduardo Ribeiro nomeou Pedro Epifânio Regalado Batista para assumir a sua direção, bem como autorizou a sua transferência para uma casa alugada, localizada entre a Praça da constituição – atual praça Roosevelt – e a rua Guilherme Moreira.
15
Pessoa responsável pela limpeza e conservação do edifício, além de ter que prestar auxílio ao porteiro e demais funcionários.
Em suas novas instalações, a fim de cooperar com a Instrução Publica do Estado, a biblioteca Publica do Amazonas passou a funcionar, exceto aos domingos e feriados, das 11 às 14 horas e das 18 às 20 horas. Mesmo rompendo a barreira do tempo a Biblioteca continuava delineando as pessoas que não se adaptavam a sua política de funcionamento. Para comprovar isso, destaca-se o artigo 9º do seu Regimento Interno, que dizia: “Só serão admitidas na bibliotheca as pessoas de ambos os sexos, maiores de quatorze annos, que se apresentarem decentemente vestidas”. Mediante o exposto, concluiu-se que a existência de uma biblioteca em Manaus não se voltou para desenvolver verdadeiramente sua função pública, pois em nenhum momento se colocou a favor do não-público. Quando o tenente Fileto Pires Ferreira – sucessor de Eduardo Ribeiro – assumiu o Governo do Amazonas, por meio de uma mensagem enviada ao Congresso dos Representantes, em março de 1897, confessou-se desanimado com o estado que se encontrava a Biblioteca Pública, afirmando o seguinte:
pelo Relatório do Diretor desta Repartição, para o qual chamo a vossa especial ettençao, verei o estado de desmoronamento, ou melhor, de aniquilamento em que se acha a Bibliotheca Pública. Desprovida de quase todos os elementos necessários e encontrando os poucos existentes em verdadeira ruína, só trabalho novo, methodico e regular poderá levantar o estabelecimento a um gráo de prosperidade capaz de preencher os seus elevados patrióticos fins, [...]. Sem obras de certo valor, truncadas as melhores que existem, sem revistas scientificas e literárias, nenhum interesse desperta e nenhuma frequência pode ter a Bibliotheca. Relativamente ao movimento, são desanimadores os dados fornecidos pelo Director, pois dános frequencia de 3 leitores diários! (BRAGA, 1989:91-3).
Por esta razão, com o intuito de dar um impulso maior ao funcionamento dessa Biblioteca, como solução, pelo Decreto n.º 208, de 8 de dezembro de 1897, resolveu vinculá-la à Diretoria de Estatística, pois desta forma, eliminaria sua condição de repartição pública isolada (LINS, 1979). Com tal vinculação, o Poder Público sentiu a necessidade de obter um local mais amplo que a abrigasse a Repartição de Estatística e o Arquivo Público. Assim, o local escolhido foi uma casa, localizada na rua do Progresso, atual Monsenhor Coutinho. A instalação deu-se no dia 1º de janeiro de 1898, com a presença do Chefe do Executivo. Durante a mudança, sob a responsabilidade de Wilson Silveira Coelho, faz-se necessário frisar que o acervo da Biblioteca, em virtude de ter passado por inúmeros momentos ora de desleixo, ora de abandono, encontrava-se completamente maltratado e danificado. Certamente, o que contribuiu ainda mais para o estado de desleixo e abandono do acervo da Biblioteca Pública, foi mais a inauguração, nos últimos momentos do século XIX, dessa vez da “moderna” biblioteca instalada em uma das salas do Gymnasio Amazonense, antigo Liceu. Tal biblioteca, funcionando sob a direção de Monteiro de Souza, pedagogo emérito e apaixonado pelas artes e letras, comportava um acervo de mais de 2000 volumes, obtidos por doações e compras nas livrarias de Manaus e do Distrito Federal.
Além
das
“enciclopédias
e
dicionários
especializados
a
obras
cientificas e obras raras, [tal biblioteca], se enriqueceu mais ainda com a anexação
do
acervo
bibliográfico
do
extinto
Museu
Botânico”
(BIBLIOTECA... 19??:16). Em virtude disso, para satisfazer suas necessidades, o público que antes
freqüentava a Biblioteca Pública, progressivamente, começou a
optar pela biblioteca do Ginásio Amazonense, pois esta disponibilizava muitos mais recursos, no que se referia às pesquisas, estudos e recreações. Outro fator positivo equacionado a essa biblioteca ter a preferência do público foi seu ambiente, pois além de ter sido instalada em um amplo espaço, suas mobílias – mesas, cadeiras, estantes e demais pertences –, estavam devidamente adaptados às exigências de um ambiente de estudo. Sem oportunidade de competição, a Biblioteca Pública do Amazonas foi, mais uma vez, transformada em um mero deposito de livros, completamente esquecida em uma das salas da casa da rua do Progresso, cuja freqüência, na época, registrava-se apenas 1 leitor por dia. No estado de abandono, destaca-se o descaso com o acervo, dos 4.342 volumes que restavam, 172 encontravam-se inutilizados; 37 correspondia às coleções incompletas; 233 faziam parte dos livros em mau estado; 2.951 tinham sido encaminhados à encadernação e apenas 681 tinham sido comprados pelo Governo.
Assim como os administradores anteriores, Fileto Pires Ferreira durante o pouco tempo em que permaneceu no Governo do Amazonas, pouca coisa fez pela Biblioteca Pública do Amazonas, conforme é destacado na mensagem ferrenha, proferida pelo Sr. Pedro Freire – responsável pela Secretaria de Estado – ao governador, onde disse:
[...] é tempo de pensar seriamente na necessidade de dotarse esta capital com uma Bibliotheca bem organisada, [...], consigando na lei orçamentária verba suficiente para acquisição de um prédio opropriado, [...]. o prédio em que ela tenha que ser installada demanda de construcção adequada ao seus fins, com acomodações regulares para salas de estudo”16
Ademais, em um outro relatório, dessa vez apresentado pelo outro Secretario de Estado – Francisco Público Ribeiro Bittencourt –, verifica-se que a Biblioteca Pública encontrava-se em um estado lastimável, pois inicia seu relato da seguinte forma: “Do que foi a Bibliotheca de Manaus, só resta hoje um simulacro”. Com a nomeação do Cel. José Cardoso Ramalho Júnior para o Governo do Amazonas, em abril de 1898, com prioridade, visou estabelecer um diagnostico do estado em que se encontrava a Biblioteca Pública do Amazonas. No ano seguinte de seu governo, a Biblioteca Pública, mesmo ganhando um novo diretor – Júlio Nogueira –, não havia ainda conseguido se desvincular da Diretoria de Estatística uma vez que
[...] o Governador Ramalho Júnior alertava para a necessidade de se estabelecer reformas na biblioteca, 16
AMAZONAS. Secretaria de Interior. Relatório
iniciando-se pelo seu desligamento da Repartição de Estatística, com o qual não apresentava nenhuma relação de dependência lógica. Além disso, observava que o prédio não era apropriado e de fazia necessária um novo regulamento que estabelecesse horários mais flexíveis (MESQUITA, 1997:333).
Assim, pela Lei n.º 254, de 9 de agosto de 1899, efetiva-se o desligamento da Biblioteca Pública da Repartição de Estatística. Contudo, somente no dia 3 de janeiro de 1900, pelo Decreto n.º 375-B, cuja base ligou-se à Lei n.º 254, de 9 de agosto de 1899 é que a Biblioteca tornouse uma Diretoria Autônoma. Por tal reorganização, entendia-se como sendo não só a nomeação da nova direção, sob o comando de Raul de Azevedo, mas também a autorização para dar início ao processo de reorganização da Biblioteca, que passou a funcionar das “8 ás 11 da manhã e das 6 ás 10 da noite” e a aquisição de um prédio próprio. A partir de tal Decreto, tem-se uma relativa mudança no quadro funcional da Biblioteca Pública , ampliou-se o quadro pessoal com 1 Diretor, 1 Sub-Diretor, 1 Chefe de Secção, 6 Amanuenses, 1 Porteiro, 1 contínuo17 e 4 serventes. Para a aquisição desse prédio e de seus utensílios, Ramalho Júnior conseguiu abrir mais um crédito de 615$000 réis. Posteriormente, pelo Decreto n.º 398, de 10 de fevereiro de 1900, tem-se à aprovação do “regulamento da Diretoria da Biblioteca Pública, e abrindo crédito, no
17
Funcionário Destinado a prestar qualquer tipo de serviço para a Biblioteca.
orçamento vigente, de cento e dezenove contos e quatrocentos e quarenta mil réis ‘para p seu aparelhamento’” (BRAGA, 1989:105). Entretanto, ao final do mandato de Fileto Pires, a Biblioteca Pública sem perspectiva de melhoramento, continuou instalada na velha e esquecida casa da rua do Progresso. Durante a administração seguinte, sob o comando de Silvério José Nery, Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha foi nomeado para assumir a direção da Biblioteca Pública. Nessa época, a Biblioteca Pública encontrava-se em estado de calamidade, pois durante sua trajetória histórica, em decorrência de não possuir sua sede própria, acrescida do desinteresse da maior parte de seus diretores, seu acervo sofreu sérios danos, resultantes ora dos inúmeros desvios dos livros das suas estantes, ora do desinteresse em conservar os volumes existentes. Para comprovar o desinteresse não só dos governantes, mas também dos diretores da Biblioteca, com base em Bento Tenreiro Aranha, citado por Braga (1989:78), observa-se que
Com a ascensão do regime republicano esta instituição, que tanto já se recomendava às intellectualidades do nosso selecto e crescente meio social, foi pouco a pouco se extinguindo, devido às mudanças de uma para outra casas e aos enormes desvios de livros de suas estantes, por incúria, desleixo e desídia dos seus diretores, sem se exceptuar um só, animados pela proteção cega de chefes de um desenfreado partidarismo, sem ideal, nem fé política republicana, [...]. A Bibliotheca do Amazonas, se tivesse continuado a ser dirigida em dedicação, zelo, probidade e patriotismo, como fora nos anos de 1883 a 1889, seria hoje senão a primeira das existentes no Brasil, indubitavelmente estaria já classificada naquela mesma plana.
Iniciado o Governo de Silvério José Nery, esta com a finalidade de proporcionar a melhoria da imagem da Biblioteca Pública do Amazonas, no ano de 1902, providenciou que todos os livros e demais objeto pertencentes a ela fossem devidamente arrumados, a fim de receber um aspecto de ordem e método. O que não se pode esquecer é que quando Antônio Constantino Nery, assumiu o Governo do Amazonas, “em outubro de 1904, voltou a ser extinta a Diretoria da Biblioteca, retornando à condição de secção, e anexada
à
Diretoria
de
Estatisitica,
Arquivo
e
Biblioteca”
(LINS,
1979:143). O que justificou a decisão de Constantino Nery, pode ser observado, claramente, em sua mensagem, proferida no dia 10 de junho de 1905, onde declarou que:
Em razão da deficiência das obras, muitas das quais achamse truncadas e da falta de um edifício apropriado, eram nullos os serviços ultimamente prestados. A isso attendendo, auctorizei a annexação provisoria desta instituição à Repartição de Estatisitca, até que seja determinada a construção do edifício, que já foi iniciada no terreno da propriedade do Estado, situado entre as ruas Municipal18, Barroso e Henrique Martins, obedecendo em um plano as exigências do objectivo (BRAGA, 1989:106-7).
Enquanto sua sede definitiva não ficava pronta, a Biblioteca Pública do Amazonas, com seu acervo ainda mais danificado e maltratado, fora novamente transferido.
18 Atual Avenida Sete de Setembro.
Desta vez, o local escolhido foi um prédio que se localizava na avenida Eduardo Ribeiro, cuja numeração, atualmente, corresponde ao número 453, sendo que nesse prédio, a Biblioteca Pública do Amazonas permaneceu durante seis anos. Em virtude das suas instalações precárias, novamente a Biblioteca, pouco a pouco, foi se transformando em um deposito de livros, passando por momentos ora de total abandono, ora de esquecimento. Iniciada a construção do Palácio da rua Barroso, em 1906, o Governo do estado do Amazonas designou a verba de 200$000 de réis para o andamento da referida obra, sendo necessário mais verba para a sua conclusão. Em 1907, o mesmo valor fora destinado, conforme anunciou Constantino Nery:
Entre as obras em andamento e em vias de conclusão, consta-se s Bibliotheca, um dos nossos mais importantes edifícios, que a par de sua beleza architectonica, reune as melhores condições de olidez, e, adeantada como está, aguardando a cobretura metálica, é provavel que seja concluida antes de terminar o corrente ano (BRAGA, 1989:107).
Na intenção de trazer melhorias ao acervo da Biblioteca Pública, Constantino Nery adquiriu a biblioteca particular do Dr. Fernando Castro e uma coleção do escritor Alberto Rangel. Por esta razão, o acervo da Biblioteca Pública do Amazonas ganhou mais de 3.374 volumes resultantes da soma entre os 2.606 documentos oriundos da biblioteca do Dr. Fernando Castro e 768 de Alberto Rangel.
Com a saúde abalada, Constantino Nery resolveu renunciar o cargo de Governador do Estado do Amazonas e, em seguida, parte para a Europa. Quando seu sucessor assumiu o Governo, o Coronel Afonso de Carvalho, o prédio da rua Barroso encontrava-se praticamente construído, faltando apenas o acabamento do pavimento superior.
Figura 12: Etapa Final da Construção da Biblioteca Pública do Amazonas Fonte: http://2.bp.blogspot.com/_uW-3Rk4F_QY/SOk47kVgFJI/ AAAAAAAAA9E/gkqNge87Gk8/s400/082%5B1%5D.jpg
No entanto, no lugar de deslocar a Biblioteca para o seu prédio definitivo, Afonso de Carvalho resolveu transferi-la para o pavimento inferior do prédio, mas o Arquivo Público e a Repartição de Estatística, levando-nos a concluir que a existência de uma biblioteca em Manaus continuava representando, exclusivamente, o estado de intelectualidade ao estado.
Como tentativa de justificar o ocorrido, Afonso de Carvalho, no dia 10 de julho de 1908, em sua mensagem, declarou o seguinte:
[...] a mudança da Biblioteca para o seu prédio próprio não se consumara for falta de espaço, pois o andar superior ainda não estava concluído, e, também, por que essa transferência implicaria despesas com as quais o Estado não poderia arcar (BIBLIOTECA...19??:19).
Em decorrência de ter passado pouco tempo no Governo, Afonso de Carvalho só realizou esse feito, já que no dia 23 de julho de 1908, Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt assumiu o Poder Público. No contexto nacional, nessa época, o país encontrava-se passando por sérias dificuldades financeiras. Por esta razão, Antônio Bittencourt, para continuar as obras do pavimento superior da Biblioteca Pública, teve que passar por uma delicada situação. Não conseguindo mais contar com as verbas governamentais, e isso logo no início de seu Governo, Antônio Bittencourt declarou: “O edifício em construção, à rua Barroso, estava com as obras de acabamento paralisadas, por falta de recursos” (BRAGA, 1989:112). A fim de efetuar o processo de catalogação de todos os livros existentes na Biblioteca, criou-se uma comissão onde, Manuel Francisco da Cunha Júnior fora nomeado para presidi-la. Através da Lei n.º 573, de 15 de setembro de 1908, o serviço público passou por uma nova organizaçao, resultando no agrupamento da Biblioteca, Estatística, Imprensa Oficial e Numismática em única Diretoria.
De acordo com seu regulamento, resultante do Decreto n.º 884, de 22 de outubro de 1908, o quadro funcional destinado a atender à secção estabelecida pela junção da Biblioteca e Numismática passou a ser constituído por “1 Bibliotecário, 1 Porteiro e 1 servente”. Pelo que afirma Braga (1989), observa-se que, como meta, Antônio Bittencourt objetivava não só concluir as obras e os serviços para que se iniciasse o funcionamento da Biblioteca Pública em sua sede própria, mas também resgatar à população um espaço, cuja consulta e estudo
fossem
oferecidos
de
forma
gratuita,
já
que
“[...] não [compreendia] uma cidade de algum vulto e desenvolvimento moral, intellectual e physico notável, sem a sua fonte de consultas exposta á visitação pública [...]” (113). Por esta razão, mesmo sem possuir o número de estantes suficientes e mobílias adequadas, Antônio Bittencourt resolveu reabrir, em seu prédio definitivo, a Biblioteca Pública para uso público. Sob o comando do seu 10º Diretor, Bento Aranha, cujo cargo foi assumido oficialmente, no dia 26 de julho de 1910. Mesmo classificado o acervo da Biblioteca como um precioso montão de lixo, digno de lástima onde, suas velhíssimas estantes encontravam-se arrebentadas e inúteis, deu-se início ao último processo de transferência da Biblioteca Pública do Amazonas. Uma vez transportado o acervo, durante 41 dias, a equipe de Bento Aranha, contando com a colaboração de Floro Osório Ferreira Pinto, bibliotecário que fora contratado desde janeiro de 1900 para atuar na
Biblioteca Pública, selecionaram, catalogaram e organizaram os livros nas estantes para que o acesso à informação fosse mais eficaz e qualitativa. Ao final do serviço, teve-se no dia 5 de etembro de 1910, em sessão solene: a reinauguração da Biblioteca Pública do Amazonas que fora instalada no salão da Ala Sul do Palácio da Rua Barroso. Durante esta ato, estiveram presentes algumas autoridades estaduais, merecendo destaque as seguintes: Antônio Bittencourt – Governador do Estado do Amazonas; Sá Peixoto – Vice-Governador; Antonio Francisco Monteiro – Presidente do Congresso Legislativo e o Coronel Joaquim Pantaleão Teles de Queiroz – Inspetor da Região Militar. Finalmente reinaugurada, a Biblioteca Pública do Amazonas teve suas portas abertas ao público no dia 06 de setembro de 1910, permanecendo assim até os dias atuais, cuja trajetória histórica de funcionamento
continua
oscilante,
apresentando
momentos
ora
de
decadência, ora de reorganização, devido a não preocupação, por parte de seus responsáveis, de desenvolver verdadeiramente sua função pública.
Figura 13: Biblioteca Pública do Amazonas nos dias atuais Fonte: http://www.manausonline.com/images/img_30050501b.jpg
Conside onsiderações Finais
realização deste estudo representou um grande esforço, na
A
tentativa
de
traçar
a
trajetória
de
um
dos
elementos
característicos da história da cidade de Manaus: a Biblioteca
Pública do Amazonas. Objetivamente, buscou-se resgatar a história e a memória da Biblioteca Pública durante o período referente ao “ciclo da borracha”, abordando os anos de 1870 a 1910. Com base em Mario Lacerda de Melo e Hélio A. de Moura (1990), observou-se que, apesar de sua curta duração, a economia gomífera foi responsável pela elevação de Manaus em uma das dez maiores capitais do País na época, haja vista que o índice populacional que crescia a passos lentos antes da extração do látex, subiu de forma vertiginosa. Para a obtenção de uma informação mais precisa acerca do aumento populacional,
destaca-se
José
Ribamar
Bessa
Freire
(1987)
onde
apresenta a expansão demográfica da seguinte forma: em 1870, Manaus era constituída por 5.000 habitantes, passando para 20.568, em 1890, para 30.757 em 1900 e para 60.000 em 1907. Revela lembrar, a esse propósito, que a economia gomífera trouxe para Manaus não só o estado de esplendor – com seus serviços públicos, construções públicas e particulares, traçado urbano –, mas também um lado escuro, cuja comprovação pode ser obtida em FREIRE (1987) onde destaca que, na época, Manaus apresentando o total de 10.358, menos da metade era alvenaria, bem como 5.710 eram concebidas como casebres, barracões, estâncias e casas de taipa, levando-nos a concluir que a
moderna Manaus, no seu interior, era repleta por problemas das mais variadas espécies. Para abordar tanto o lado esplendoroso, quanto o obscuro da economia gomífera, através do capitulo Um Retorno a História, como propósito,
visou-se
identificar
os
fatores
e
atores/sujeitos
que
influenciaram na criação e ascensão da Biblioteca Pública do Amazonas. Nesse primeiro momento, constatou-se que a vontade dos dirigentes em transformar a grande aldeia em uma grande cidade, a partir do padrão de modernidade européia vigente na época, sobretudo, o desenvolvimento na França, correspondeu a uma fase de alienação para a cidade de Manaus. Por tal transformação, entende-se como sendo a política de imposição de
valores,
crenças
e
costumes
que,
pelo
fato
de
terem
sido
transplantados, a rigor, não condiziam com a realidade local. Servindo apenas para a ilusão de modernidade. Partindo desse pressuposto, Márcio Souza (1977) detaca que o processo de modernidade tão almejado pelo Poder Público e sociedade manauara – classe economicamente privilegiada –, na verdade, resultou na descaracterização da cidade, não deixando de ser uma maquilagem da realidade, um artifício para iludir. Trazendo à tona suas próprias contradições, primeiramente, o projeto de embelezamento implantado na cidade de Manaus, gerou comentários semelhantes ao de E. Bradford Burns (1966), onde disse que os benefícios oriundos da borracha foram tão marcantes para Manaus ao ponto de que
“um morador da cidade do ano de 1870 teria muita dificuldade em reconhecê-la na primeira década do século 20” (23). Em seguida, constata-se que o abandono da classe marginalizada, evidente na política de deslocamento para bairros afastados é destacada como
sendo
a
segunda
contradição
resultante
do
processo
de
modernidade transplantado para a cidade de Manaus. Sem
dúvida,
o
afã
pela
modernidade,
trouxe
conseqüências
desumanas para grande maioria da população manauara. Em completo abandono, por parte do Poder Público, a classe marginalizada não sabia o significado de uma vida digna
–
com infra-estrutura básica, sistemas
hospitalar e educacional, de iluminação pública, de abastecimento de água, bem como mercado e matadouro públicos para o abastecimento junto aos gêneros alimentícios e demais serviços –, pois passou a ser completamente ignorada. As dificuldades, advêm de todas as ordens. Ademais, o deslocamento de pessoas de um local para o outro, além de ser feito através de pontes, devido estas terem sido construídas em madeira, encontravam-se sempre em estado deplorável, acarretando grandes prejuízos à população que residiam nos bairros afastados. Assim, afirmar que a população marginalizada vivia em uma situação de miséria por opção era pura demagogia, pois suas ruas encontravam-se sempre repletas de mato, poças d’água, com desnível e sem calçamento; sofriam pela falta de sistema de iluminação pública; saneamento básico;
mercado público, água encanada; limpeza pública; transporte; serviço hospitalar, tornando-se vitimas fáceis de epidemias. Como se não bastassem elencar todas as dificuldades acima, o Poder Público, com o intuito de não continuar poluindo as águas do Rio Negro, determinou que os lixos recolhidos nas ruas centrais da cidade fossem deslocados para os bairros mais afastados, fazendo deles, portanto, meros depósitos de lixo. Apenas o núcleo da urbe, ou melhor, o centro que servia tanto de residência
para
a
sociedade
manauara,
quanto
para
o
comércio
exportador e importador gozava de privilégios governamentais. Porém, o que não se pode esquecer é que, por mais que Manaus tenha mergulhado de corpo e alma na franca camaradagem dispendiosa da belle-epoquè – através dos seus cafés-concerto, teatro, praças, boulervards, paisagens naturais e modo de vestir – jamais conseguiu estabelecer o estilo de vida almejado. Isso implica frisar que, consciente ou inconscientemente, através da incorporação de elementos nativos com os costumes transplantados, houve a distorção não só a cultura européia, mas também a cultura local, não conseguindo, portanto, implantar nem os valores alheios, nem eliminar as raízes nativas. Após traçar, sobretudo, o lado obscuro da economia gomífera, como imaginar a criação de uma Sala de Leitura anexa a Biblioteca Pública do Amazonas na cidade de Manaus, se a maioria da população nem escola
freqüentava, vem como não tinha condições para obedecer as regras estabelecidas no Regimento Interno dessa Sala? Através do segundo capítulo, Uma Sala de Leitura em Manaus?, procurou-se questionar os motivos que levaram à criação de um local que ao mesmo tempo que se dizia público, passou a funcionar sob um caráter elitista. Para compreender o surgimento da Sala de Leitura em Manaus, visou-se, primeiramente, resgatar a história das bibliotecas públicas, elencando suas quatro funções básicas, a fim de averiguar se tal sala voltou-se para o não-usuário. Uma vez trabalhada a evolução das bibliotecas verdadeiramente públicas, observou-se que, na verdade, a Sala de Leitura em Manaus foi resultante da preocupação da sociedade manauara que se preocupava apenas em garantir a sua satisfação intelectual, bem como proporcionar ao Amazonas a imagem de erudição e desenvolvimento, pois um dos símbolos que garantia o estado de modernidade, era, justamente, a criação de um espaço que servisse como núcleo da Biblioteca Pública. Com o firme propósito de mascarar a dura realidade, Manaus se viu na obrigação de criar um tipo de espaço que proporcionasse tal finalidade, pois o Poder Público almejava, antes de tudo, transformá-la em uma cidade moderna. A partir disso, houve a preocupação em apenas criar a referida Sala e, posteriormente, a Biblioteca Pública Provincial e não como se daria seu funcionamento.
O terceiro capítulo, Uma Nova Biblioteca para Manaus, trabalha o período histórico que envolve desde a ascensão da Biblioteca Publica Providencial ate seu deslocamento para o Palácio da Barroso. Através dele, constatou-se que tal biblioteca foi criada em Manaus somente para garantir a imagem de uma cidade intelectualmente evoluída. A comprovação disso, liga-se à forma que se deu sua política de funcionamento, bem como a estrutura interna desse espaço, já que desde a indicação de seus diretores, até o cuidado com o acervo da biblioteca demonstram o descaso para com a população. Quanto aos seus diretores, destaca-se que, devido terem assumido a direção da Biblioteca por acomodação política, praticamente, portaram-se de forma inerte e, que é o pior, coniventes com o sistema. No que diz respeito o acervo, nota-se um completo despreparo junto à sua conservação e, principalmente, deslocamento. Ademais, destaca-se falta de compromisso na construção de sua sede definitiva e, depois, a Assembléia Legislativa. Por essas exposições, pode-se afirmar que a Biblioteca Pública do Amazonas, desde sua criação até seu deslocamento ao Palácio da Barroso, apresentou uma nítida dicotomia entre sua teoria e prática, pois durante os anos de 1870 a 1910, jamais desenvolveu verdadeiramente sua função pública, haja vista que defendia seu uso para todo e qualquer usuário, porém, através de seu Regimento Interno passou a delinear o perfil das pessoas que poderiam usufruir tal espaço.
Vale relembrar que não foi somente a Biblioteca Publica do Amazonas que foi criada para camuflar a realidade, pois a maior parte das bibliotecas públicas criadas no Brasil, entre os anos de 1890 a 1930, apresentavam uma infra-estrutura inadequada, devido a falta de verba regular impedia a organização e manutenção das bibliotecas localizadas no Brasil. Além do mais, segundo Eliany Alvarenga de Araújo (1994:675),
as bibliotecas deste período eram fruto do esforço isolado de alguns poucos, em geral, professores, que lutavam pela mesma objetivando com isto a manutenção de um instrumento educacional auxiliar para a escola. A respeito das finalidade das bibliotecas observa-se que sempre se relacionavam ao desenvolvimento e propagação da instrução escolar.
Assim, educacional,
das
quatro
cultural,
funções
informativa
básicas e
da
recreativa
Biblioteca –,
tais
Pública
–
instituições
desenvolviam apenas uma: a escolar. Ademais, por importarem os hábitos e costumes da Europa, passaram a representar meros depósitos da cultura estrangeira, tornando-se um elemento estranho a população em geral, servindo apenas como um objeto de decoração. Afirma-se isso, devido não só a grande maioria da população, na época, não ter domínio do código da escrita, mas também pelo fato de que o acervo dessas bibliotecas eram constituídos por obras vindas, sobretudo, das editoras européias, estando, assim, nos idiomas inglês e francês. Desta
forma,
os
usuários
que
utilizavam
tais
espaços,
minimamente, deveriam ter conhecimento dessas línguas, levando-nos a
concluir que somente os membros da classe economicamente privilegiada tinham as condições para freqüentar e utilizar tais locais. É interessante salientar que, a transformação das bibliotecas públicas brasileiras em depósitos da cultura européia é justificada pelo fato de que durante esse período, a ausência de uma indústria livreira no país impedia o desenvolvimento dessas bibliotecas. No caso da realidade manauara, porém, a aquisição de obras estrangeiras fazia parte de um contexto, cuja finalidade, ligava-se à busca do modo de vida europeu, pois para a população da época, quanto mais se atingia a imagem européia, mais a província apresentaria o aspecto moderno. Apesar de Braga (1988) defender a versão de que a criação da Sala de Leitura e, posteriormente, a Biblioteca Pública Provincial foi resultante da reivindicação da população, na verdade, sabe-se que tal reivindicação visava apenas a satisfação do público letrado, cuja formação fora obtida no Velho Mundo onde, ao regressarem, visavam continuar mantendo os hábitos e costumes adquirido durante o período que viveram na Europa. Paralelo a isso, devido o fato de que a existência de uma biblioteca pública elevava a cidade ao estado de intelectualidade, a sociedade manauara se viu na obrigatoriedade de criar uma Sala de Leitura na cidade, haja vista que esta já era uma constate nos grandes centros culturais europeus, bem como proporcionaria a Manaus o status de uma cidade moderna.
Contudo, para que a Biblioteca Pública do Amazonas se tornasse de fato pública, desde sua criação deveria ter se voltado para a comunidade em geral, ou seja, para os alfabetizados, aos que se encontravam em processo de alfabetização e, principalmente, aos não-alfabetizados. Nos dias atuais, a dicotonomia entre a teoria e a prática continua sendo uma realidade para a Biblioteca Pública do Amazonas. Assim, com o intuito de se tornar realmente pública, tal biblioteca deve deixar e ser um órgão alienador, passando a ser libertador, conforme destaca Vergueiro (1990). Porém, para que tal transformação ocorra, faz-se necessário que a Biblioteca Pública do Amazonas descentralize suas atividades, pois em decorrência de sua localização – parte central da cidade –, de sua arquitetura – quanto mais pomposa melhor –, bem como de sua estrutura – voltada apenas para as pessoas alfabetizadas ou em processo de alfabetização –, faz com que a classe marginalizada – analfabetos, deficientes,
crianças,
idosos,
doentes
e
outros
–
sintam-se
desprivilegiados em fazer uso de tal espaço, pois não se vêem preparados para freqüentar um ambiente que mais se parece com um templo sagrado. Assim, é fundamental que as atividades da Biblioteca Pública do Amazonas se voltem para a classe desfavorecida, haja vista que desta forma, proporcionará, pela prática da leitura, a transformação de todos os indivíduos que se chegarem a ela.
A partir disso, sugere-se que a Biblioteca Pública do Amazonas, com o intuito de atender, sobretudo, a classe marginalizada, desenvolva suas atividades de forma centralizada e descentralizada, haja vista que as pessoas que se localizam em bairros distantes ou de difícil acesso dificilmente se sentirão motivadas e atraídas para freqüentar esse espaço. Além do mais, existem pessoas que, por motivos diversos, encontram-se também, impossibilitadas de se deslocarem para a referida biblioteca, como é o caso dos doentes, idosos, crianças, presidiários, deficientes e outros. No que diz respeito às atividades centralizadas, destaca-se que a Coordenação da Biblioteca Pública do Amazonas poderia desenvolver as seguintes atividades: Exposições das mais variadas espécies, Oficinas de arte para desenvolver a criatividade do público; Hora do conto, a fim de despertar o hábito de leitura, sobretudo, das crianças e adolescentes, devido representarem os futuro cidadãos; Gibiteca e Brinquedoteca para atrair os públicos infantil e juvenil; Videoteca, abordando não só o aspecto recreativo, mas também informativo; Curso de teatro com o intuito de proporcionar a auto-estima, criatividade e raciocínio dos jovens e crianças; Programação cultural e periodicamente e Serviço de referência orientado para atender as mais variadas necessidades dos usuários, não se voltando, assim, apenas para a pesquisa escolar. Devido tais atividades não conseguirem atingir a população em geral, devido questões financeiras ou, mesmo, motivadoras, grande parte das pessoas continuarão não indo à biblioteca. Por esta razão, é
fundamental que a Biblioteca Pública do Amazonas vá ao encontro dessas pessoas, pois deverá, acima de tudo, proporcionar a disseminação da informação a todo e qualquer individuo que dela precisar. Para
isso,
instrumentos:
pode-se
utilizar,
Carro-biblioteca,
como
sendo
que
estratégia, este
os
seguintes
corresponde
a
um
automóvel, preferencialmente, ônibus ou Kombi, onde no lugar de bancos, passa-se a ocupar algumas estantes contendo livros. Com esse carro, a Biblioteca Pública do Amazonas poderá levar a informação para as pessoas que se encontram nos bairros mais afastados, proporcionando desta forma, a transformação desses indivíduos. Faz-se necessário, também, que a Biblioteca Pública do Amazonas se preocupe com as pessoas que moram nas comunidades ribeirinhas, haja vista a população que se encontra as margens dos rios faz parte do público-alvo que esta deve atingir. Por esta razão, nada mais justo que a Biblioteca Pública, através do Barco-Biblioteca, visite as comunidades existentes nessas áreas. A Caixa-Estante é considerada como sendo um outro instrumento que deve ser utilizado pela Biblioteca Pública do Amazonas, pois com ela, as pessoas que se encontram impossibilitadas de se deslocar para o prédio da biblioteca, devido estarem em hospitais, asilos, presídios, orfanatos, e outros locais, poderão, também, receber a informação. Face ao exposto, observa-se que a Biblioteca Pública do Amazonas continua não desempenhando seu papel público, pois não se preocupa com a população em geral, dando espaço apenas para o público
letrado ou que se encontra em processo de educação, assumindo, desta forma, unicamente a função escolar.
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