FRANÇOISE DOLTO VIDA DE FRANÇOISE DOLTO Françoise Marette nasceu em Paris em 1908. Pertencia a uma família de engenheiros – logo homens – com uma boa situação econômica. Ela era a quarta filha de uma família de sete irmãos (duas meninas e cinco meninos). Desde seu nascimento, parece haver estado marcada pelas ambigüidades advindas da sua originalidade e ao mesmo tempo marginalidade. Filha de uma família tradicional Parisiense, ela se rebelou contra as idéias conservadoras de sua época, tornando-se médica e psicanalista. Durante a sua primeira infância, nem tudo foram rosas. F. Marette sofreu muito a incompreensão dos adultos: “me perguntava como, havendo sido pequenos e havendo se feito maiores, os adultos podiam ser tão estranhos, já que tinham filhos. E me dizia a mim mesma: ‘Quando eu for maior, tratarei de recordar da minha própria infância, e com isso refletir como se é desde pequeno’”. Essas vivências dolorosas aguçaram sua capacidade de sempre interrogar e promover entre si e os outros, uma comunicação marcada pela sinceridade – essa sinceridade que apareceu anos depois nas rádios francesas e que a tornaram muito popular. Com idade de 11 anos, na véspera de sua primeira comunhão, sua mãe lhe pediu que rezasse para salvar sua irmã, que havia contraído um câncer ósseo. Sua morte provocou uma reação terrível em sua mãe que fez a Françoise totalmente responsável, lamentando incluso que ela sequer viva em lugar de sua filha predileta. A irmã maior morre. Ela era a preferida de sua mãe. A mãe passa a culpar Dolto: Como você pode continuar vivendo? Por que partiu sua irmã e não você? Conseqüências psíquicas em Dolto: Torna-se um ser em busca de uma redenção (perdão) e sempre se desculpa e pede que a desculpem por viver. Depois de ter concluído o curso de Bacharelado – contra mesmo à vontade de sua mãe - F. Marette teve que esperar sete anos antes de começar seu maior sonho: ser médica. Ela deu sua vez e foi cuidar do seu irmão pequeno Philippe. Mas em 1930 obteve apoio de sua mãe e concluiu o curso de Enfermagem. Começou sua carreira de Medicina quando tinha 23 anos. Em 1934 iniciou uma análise com R. Laforgue, em parte por causa de seus conflitos com a mãe. Em 1942, Françoise se casa com Boris Dolto, um doutor em reumatologia. Boris era tão revolucionário e inovador como Françoise e se lhe considera uma figura chave na evolução da fisioterapia. Aberto de mente e moderno, Boris compartilhou com entusiasmo a carreira intelectual de sua mulher de igual forma que esta se apaixona pelas descobertas de seu marido. Tiveram três filhos: Jean-Chrysostome, Grégoire e Catherine. Fazia parte do círculo de analistas de Jacques Lacan, onde compartilhavam talento, carisma e um desgosto pelas instituições de rigidez teóricas. Desde 1953, Dolto e Lacan trabalharam conjuntamente, num movimento psicanalítico francês, pelo estabelecimento psicanalítico "internacional". Em 1939 foi eleita membro da Sociedade Psicanalítica de Paris; desligou-se em 1959, no momento da primeira cisão, para fundar, com, com Lacan e Lagache e outros a Sociedade Francesa de Psicanálise. Excluída da Associação Internacional de Psicanálise, tal como Lacan,
juntou-se a este na École Freudienne, mantendo ao mesmo tempo uma total independência em relação a ele, no tocante tanto à sua prática quanto a suas teorias. Dolto teve maior influência e interesse junto às crianças e a educação delas de um modo geral e especialmente a escolar formal oficial. Desenvolveu um aspecto da Psicanálise com enfoque psicopedagógico e de educação popular. Estava interessada em utilizar a Psicanálise para melhorar a vida diária de pais e crianças. Algo do tipo: Idéias psicanalíticas para a vida cotidiana. Dolto teve maior influência e interesse com crianças e na educação. A partir de 1967, Dolto respondia as perguntas direto dos ouvintes grandes e pequenos da emissora Europa Uno sob o pseudônimo de Doutora X. Esta emissão de radio atraiu muito público porém a pesar disto a psicanalista não quis prosseguir com o experimento principalmente porque o diálogo quedava interrompido devido às necessidades de uma emissão direta e da publicidade. Em 1976 aceitou fazer outro programa na emissora France Inter chamado "Quando o bebê aparece". O programa foi um grande êxito rotundo e a origem de sua fama entre o público francês. A combinação de espiritualidade, empatia, e um talento para conversas diretas junto ao público, fez-lhe muito popular dentro da cultura psicanalítica francesa. Em 1979, acompanhada de uma equipe pequena, Dolto fundou a "Casa Verde" um lugar de socialização precoce onde as crianças desde o seu nascimento até os três ou quatro anos, acompanhadas de seus pais ou avôs, são atendidas por uma equipe de acolhida de três pessoas uma das quais é psicanalista. Dolto faleceu em 1988, deixando trabalhos de dimensões internacionais, mais de dois milhões de cópias de livros vendidos. PENSAMENTO DE FRANÇOISE DOLTO Uma das principais contribuições de Françoise Dolto foi a de reconhecer a criança, desde a mais tenra idade, como um sujeito de si mesma, de acordo com a psicanálise, que considera o paciente como sujeito de seus desejos inconscientes. "Nosso papel como psicanalista, dizia, não é o de desejar algo para alguém, mas de ser aquele graças a quem ele pode chegar até seu desejo". Como médica que desenvolveu uma cura analítica, ela escutava portanto pessoas de verdade, considerando que as crianças de um ano dispõem, à sua maneira, de uma plena inteligência das coisas. Ao fazer isso, ela as retirava do status social de infantes, etimologicamente os que não têm direito à palavra. "É escandaloso para o adulto, dizia ainda, que o ser humano no estágio da infância seja seu igual". F. Dolto não se baseou só na teoria psicanalítica para o tratamento de crianças e adultos. Ela desenvolveu uma teoria do desenvolvimento uma teoria pessoal em torno a conceitos chave, como as noções de: - sujeito; - linguagem; - desejo; - corpo. Sua concepção de pessoa passa por algumas categorias:
- Ser de alteridade – sempre necessito do outro para ser e vir a ser. - Alteridade leva à tolerância. - Direitos da criança. - Deveres dos adultos. Dolto descobriu que uma palavra dirigida a um recém-nascido que ainda não fala pode ter efeitos terapêuticos. Foi por isso que sempre sugeriu aos pais que falassem com a criança de tudo o que lhes dissesse respeito, de "falar a verdade", desde o seu nascimento. Um dos grandes legados de Dolto foi mostrar a importância das palavras ditas às crianças e diante delas. Afirma a necessidade, em todas as circunstâncias, do falar à criança. Mostra que freqüentemente é no corpo e por meio dele que a criança expressa o que, às vezes, não consegue dizer de outra maneira. Para Françoise Dolto, a concepção é um encontro a três e não apenas a dois: "Sozinha, cada criança se dá a vida pelo desejo de viver." O feto está em comunicação inconsciente com a mãe. Os estados emocionais desta, assim como os acontecimentos que ocorrerem, marcam a sua vida psicológica. Os fundamentos de seu pensamento educativo se aproximam aos dos métodos ativos propugnados por psicólogos como C. Freinet, ou por psicanalistas como A. Adler ou A. S. Neill. Também desenvolveu a noção de "castrações simbolígenas" como estágios necessários na evolução infantil. A medida que o desejo se vai organizando, não pode satisfazer-se sempre da mesma maneira; para a saúde da criança em sua constituição psíquica esta forma de satisfação deve mudar de objeto. O processo por meio do qual se dão estes câmbios de objeto se chama castrações simbolígenas. A noção de castração em Françoise Dolto não é a mesma do complexo de castração de Freud. Não se trata de uma ameaça ou de uma fantasia de mutilação peniana, mas de uma privação, de um desmame real e simbólico, concernente a um objeto até então eroticamente investido e que, um dia, tem que ser proibido. Assim, passa-se de um objeto parcial para outro, de um modo de atividades e relações para um outro modo, mais elaborado. "A palavra castração, em psicanálise, dá conta do processo que se realiza no ser humano quando um outro ser humano lhe expressa que a realização de seu desejo, sob a forma que ele gostaria de dar-lhe, é proibida por Lei" (Dolto, 1984) O desejo sempre deve conhecer um tempo de satisfação e um de proibição, porém logo deve haver uma mudança de linguagem, quer dizer deve haver sublimação. Françoise Dolto descreve o desenvolvimento da criança como uma série de "castrações": umbilical com o nascimento, oral com o desmame, anal quando começa a andar e aprender a usar o banheiro. A cada vez, a criança deve separar-se de um mundo para se abrir a um mundo novo. À medida que a criança avança em seu desenvolvimento, vai passando por distintas castrações: - Castração umbilical. - Castração oral. - Castração anal. - Castração especular. - Castração fálica. - Castração Edípica. Cada uma dessas castrações é uma espécie de provação da qual a criança sai mais crescida e humanizada. “Pela conquista da disciplina esfincteriana, a criança descobre, pois, a noção do seu poder, da
sua propriedade privada: os seus excrementos, que ela oferece ou não” (Dolto, 1977). Estas castrações são tanto mais humanizantes quanto melhor informada está a criança da submissão dos adultos a estas mesmas proibições. A isto se deve também, segundo ela, que as crianças tenham a intuição com a qual são capazes de reconhecer os adultos com os impulsos arcaicos mal castrados. Dolto escreve: "Não é bom que a criança, sob o pretexto de deixá-la desenvolver-se livremente, não encontre nunca resistência; é necessário que choque com outros desejos que não os seus, correspondentes a outras idades diferentes da sua". No Prefácio do livro “A Primeira Entrevista em Psicanálise”, Françoise Dolto expressa que: “...o sujeito é efetivamente criativo e não apenas submisso às exigências dos adultos, se ele se encontra em comunicação lingüística, verbal, afetiva e psicomotora da sua idade com o seu meio social, se esta ao abrigo de tensões internas, livres, pelo menos nos seus pensamentos e juízos, da dependência do desejo de outrem, se está à vontade no trato com os companheiros de ambos os sexos da sua geração, apto a amar e a ser amado, apto a comunicar os seus sentimentos, apto a enfrentar as frustrações e as dificuldades cotidianas de todas as espécies sem se descompensar, em suma, se ele mostra uma elasticidade caracterial e mímica que caracteriza a saúde mental”. Segundo Dolto, “o tratamento psicanalítico do bebê permite, antes de tudo, contar-lhe a origem da ruptura, pôr em palavras o que ele está vivendo e que não é verbalizado e provoca uma falha no processo de simbolização que se expressa, num primeiro momento, através do sintoma. As palavras são dirigidas diretamente a ele, designam-no como sujeito e oferecem-lhe a possibilidade de habitar seu corpo: não se trata de consolar e muito menos reparar, mas de simbolizar o sofrimento reordenando a história, de modo que a criança tenha assegurada sua identidade através de sua origem e possa assumir as suas prerrogativas de sujeito . Não se trata de tocar a criança, mas sim de apenas falar com ela”. Dolto fazia sessões com bebês que eram assistidas por psicanalistas adultos. Desejava que os psicanalistas dessem continuidade a esta prática. Para Dolto, o fato capital que assinala a ruptura com o estado da infância é a possibilidade de se dissociar a vida imaginária da realidade, o sonho das relações reais. Dolto faz a seguinte consideração acerca de filhos de pais separados: “A verdadeira solução é os pais, responsáveis pela vida de uma criança, continuarem a entender-se para que essa criança viva a fase entre os seus dois progenitores, se possível, e possa estar a par da sua situação; para que saiba que os seus pais, embora divorciados, se sentem ambos responsáveis por ela”. Dolto fala de "compaixão vedante" e "compaixão estruturante". Compaixão vedante seria aquela "regressivadora", que quer poupar o outro de seus próprios sofrimentos; diferente da outra que implica em estar ao lado, a partir de uma identificação que não seja via culpa. Falando da compaixão Dolto afirma: "A ética do humano, na medida do seu desenvolvimento, leva-o a identificar-se com todos os seres da criação. A ética não é a moral. A moral é um código de comportamento; a ética sustenta uma intenção na sua mira, ela é o desejo e o sentido que dele decorre. A moral, seja ela aplicada de forma agradável ou desagradável, seja ou não nociva para outrem, provém de pulsões. A ética é assunto do sujeito, a moral é assunto do ego; o sujeito funda-se sobre o simbólico, enquanto que o ego está no imaginário, está a serviço do funcionamento."
Dolto afirma: "Para 'fazer o bem que se deseja’, é necessário poder falar de seu desejo de mal. Aliás, é isso que a cultura faz, em seu conjunto. Ela permite satisfações imaginárias (arte, literatura, esporte, ciência) e dá apaziguamento aos desejos, ao mesmo tempo que permite um enriquecimento de trocas na sociedade. Há no ser humano contradições, e todo desejo precisa poder ser falado. Há a realidade, há o imaginário, e também há essa vida simbólica que é o encontro de um outro com quem nos compreendemos, e com quem não estamos mais totalmente sozinhos diante de nossas contradições internas." A teoria da “imagem inconsciente do corpo”, que explicou detalhadamente em toda sua complexidade em 1984, é uma das mais importantes idéias de Dolto. A originalidade desta teoria se baseia na idéia de que, ao contrario do que se produz no caso de nosso esquema corporal, desde o estagio fetal se estrutura inconscientemente uma imagem do corpo, que é “a encarnação simbólica inconsciente do sujeito desejante” (Dolto, 1984). Entenda-se assim: Simbolização das sensações corporais, com respeito a vários aspectos (os que conformam a imagem do corpo) e se si chama inconsciente é porque simplesmente com o passar do tempo fica reprimida, em particular a partir do estádio do espelho (antes não era consciente) e definitivamente logo depois da resolução Edípica. Daí a idéia de organizar o melhor possível esta evolução da imagem inconsciente do corpo por meio de uma educação, uma humanização, o que ela chamou de “as castrações simbolígenas”. Françoise Dolto desenvolveu o conceito de Imagem Corporal para falar de uma dimensão corporal – não a realidade carnal do contato com o mundo físico, que para a autora seria o Esquema Corporal – mas de uma dimensão que é animada pela comunicação relacional com os outros, as trocas linguageiras de sujeito para sujeito (Dolto). É certo que esse Esquema Corporal, do qual fala Dolto, é o meio para o sujeito objetivar sua imagem corporal, entretanto, a estruturação da imagem corporal se dá pela historicidade de cada sujeito, nas suas relações com os outros: "A Imagem Corporal é a síntese viva de nossas experiências emocionais: inter-humanas, repetitivamente vividas através das sensações erógenas eletivas, arcaicas e atuais. É a cada momento, memória inconsciente de todo o vivido relacional, ao mesmo tempo, ela é atual, viva, em situação dinâmica, simultaneamente narcísica e inter-relacional: camuflável ou atualizável na relação aqui e agora" (Françoise Dolto). “O nosso Esquema Corporal é uma realidade de fato, sendo de certa forma nosso viver carnal no contato com o mundo físico" (Françoise Dolto). ”O Esquema Corporal é, em princípio, o mesmo para todos os indivíduos (aproximadamente de mesma idade, sob um mesmo clima); a Imagem Corporal, em contra partida, é peculiar a cada um: está ligada ao sujeito e a sua história. Ela é especifica de uma libido, em situação de um tipo de relação libidinal” (Françoise Dolto). “Daí, resulta que o Esquema Corporal é, em parte, inconsciente, mas também pré-consciente e consciente, enquanto a Imagem do Corpo é eminentemente inconsciente”. (Françoise Dolto) A imagem do corpo seria a marca ou o vestígio, de uma modalidade particular de satisfação do desejo, de uma linguagem em particular, em distintas etapas do desenvolvimento. Estas marcas continuariam ativas durante toda nossa vida e nos permitiriam satisfazer nossos desejos dentro do contexto cultural.
O princípio do prazer pelo qual se guia a criança, se sustenta no apaziguamento das tensões internas e ao mesmo tempo que na elaboração de uma rede imaginária de comunicação. Esta rede é o que constituiria a imagem do corpo. Estas imagens do corpo se manifestam permanentemente em todas as expressões do corpo, determina nossos comportamentos involuntários, sintomas, gostos, atrações, repulsões, formas de falar e de dizer, etc. Com efeito, esta imagem inconsciente do corpo não é única nem estática, senão que se compõe de vários elementos: - uma imagem de base; corresponde a uma noção de existir, de ser. Integra a noção de que seu corpo e seu ser estão unidos, que são o mesmo. - uma imagem funcional; é uma imagem ativa, é a imagem das pulsões em busca de objetos simbólicos para a satisfação do desejo. - uma imagem das zonas erógenas; é a imagem de um corpo sentido como orifício palpitante de prazer ou satisfação. Integra a relação com alguém em quanto é prazeroso ou desprazeroso. - uma imagem dinâmica; busca articular e unir as três imagens anteriores de maneira coerente. Não tem imagem que lhe seja própria, sua representação seria a palavra desejo, é o sujeito com direito a desejar. A idéia essencial é que existe uma vivência relacional arcaica que marca nossa memória a medida que nos estruturamos. Dolto coincide com Lacan, quando afirma que esta estruturação só é possível a partir do momento no qual todas estas experiências arcaicas se verbalizam, quer dizer, se simbolizam. Dolto afirma que “... o esquema corporal especifica o indivíduo enquanto representante da espécie, quaisquer que sejam o lugar, a época ou as condições nas quais ele vive. É ele, o esquema corporal, que será o intérprete ativo ou passivo da imagem do corpo, no sentido de que ele permite a objetivação de uma intersubjetividade, de uma relação libidinal linguageira com os outros que, sem ele, sem o suporte que ele representa, permaneceria para sempre um fantasma não-comunicável”. AS CASAS VERDES Dolto não ficou popular apenas por suas participações em programas de rádio, mas também por que criou as “Casas Verdes”. Essas casas de acolhimento a crianças de 0 a 3 anos de idade – sempre acompanhadas de um adulto responsável por elas - remontam a uma Paris de 1978 – sendo um período pois de recente memória. O objetivo é uma profilaxia precoce, nunca deixando que as crianças experenciem a solidão evitável. Entretanto essas Casas Verdes são um lugar marcado pelo tempo de transição – antes da criança entrar em programas de educação infantil. Os sentimentos de abandono são prevenidos e ao vivê-los prepara-la para essa existência... As Casas Verdes acolhiam crianças e adultos e mostravam a importância dessa troca de experiências, da importância dessa relação, dessa colaboração e da separação progressiva inevitável. Ensinava a separar-se. “O grupo social coopera muito melhor na medida em que ha significado, nas palavras, das diferenças. A diversidade obriga a uns e outros a colaborar entre todos no respeito a cada um” (Dolto, 1985). Este passo dado pelo núcleo familiar – levando a criança para a sociedade – impregna a Casa
Verde numa ação sentida/pensada concretizando uma una mediação lingüística. Se baseia em um pressuposto ético principal: Todo sujeito, muito precocemente, trata de comunicar-se com os demais ao seu em redor. Restabelece-se então um lugar social, “o convite à linguagem compreensível, à camaradagem com crianças diferentes, à ajuda mutua [...]”. (Dolto, 1986). “Estamos nos balbucios de um descobrimento essencial: que o ser humano é um ser de linguagem desde sua concepção; que há um desejo que habita em todo ser humano; que tem potencialidades que nós apoiamos ou «negativamos»” (Dolto, 1985). Toda violência em torno a esta busca de contato humano – empreendida pela criança junto ao adulto – e quando não se consegue - causa um trauma, uma “micro-neurose precoce”. O não dito e esses mal entendidos afetam a autonomia do desejo da criança, contribuem para que se produzam transtornos afetivos, inclusive prejudicando aspectos cognitivos/afetivos. O isolamento do pequenino com seus pais, provocados pela vida urbana, provoca o aparecimento de sinais de socorro e por isso de sofrimento. A Casa Verde, ao propor trabalhar com a prevenção dessa solidão dolorida, acaba prevenindo a violência e as dores advindas dos dramas sociais. Assim, a alteridade e a linguagem que a significa produz provocações na criança, estimulando uma precoce autonomia, menos dolorida, menos amarga. A proposta da Casa é a de que se experencie um movimento libertador, evitando uma alienação familiar. “Assim, sua mãe pode também, em sua vida cotidiana, ir se liberando da escravidão em que a maioria das mães se deixam envolver [...], presas de um interesse exclusivo por seus filhos, com o perigo que isto acarreta para sua educação.” (Dolto, 1986). Assim os adultos responsáveis pelas crianças – na maioria das vezes os pais – significam presença de tranqüilidade e de amor para os pequenos. Justamente isso ocorre numa faixa etária onde se começa a explorar-se, a atentar-se para seu ritmo próprio no contexto familiar. CONCLUSÃO Ainda que freudiana Dolto desenvolveu teorias inovadoras e práticas clínicas que tem aprofundado e ampliado, ao radicalizar-los, nossos conhecimentos da natureza humana, sobre tudo ao sublinhar a importância de permanecer alerta às características únicas do desenvolvimento infantil. Centenas de lugares tem sido batizados com o nome de Françoise Dolto, ruas, praças, parques, bibliotecas infantis, creches, jardins de infância, colégios etc. Françoise Dolto se considerava tanto uma psicanalista como uma cidadã preocupada pelos demais e seu trabalho tem contribuído com mudanças profundas na maneira em que se percebe o universo infantil na atualidade não só por parte dos psicanalistas senão por toda a sociedade em seu conjunto. Algumas obras de Françoise Dolto em português: • As Etapas Decisivas da Infância, Ed. Martins Fontes; • Destinos de Criança, Ed. Martins Fontes; • Os Caminhos da Educação, Ed. Martins Fontes; • Sexualidade Feminina, Ed. Martins Fontes; • Tudo é Linguagem, Ed. Martins Fontes; • Solidão, Ed. Martins Fontes. • Quando Surge a Criança (três volumes), Ed. Papirus; • A Causa dos Adolescentes, Ed. Nova Fronteira.