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Patrícia Birman ,
O QUE E UMBANDA editora brasiliense
colecão • 97
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Patrícia Birman
O QUE É UMBANDA
40 anos de bons livros
Copyright © Patrícia Birman
Dipa e ilustrações: Ettore Bottini Revisão: José W. S. Moraes
editora brasiliense s.a. 01223 - r. general jardim, 160 são paulo - brasil
ÍNDICE
- A umbanda como um culto de possessão . .
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- O simbolismo da umbanda . . . . . . . . . . . . . 28 - As formas de organização do culto . . . . . . . 73 - Indicações para leitura ................ 107
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Para.Joel, Rubem César, Rosane, Patrlcia e Regina, interlocutores neste e em outros trabalhos.
A UMBANDA COMO UM CULTO DE POSSESSÃO
O exorcismo: santos ou demônios? Possessão é, sem dúvida, um tema fascinante. Por isso começaremos a analisar a umbanda através dela. Todos nós sentimos uma enorme curiosidade, permeada por um certo arrepio, quando presenciamos uma cena de possessão. E não há por que nos espantarmos com esses sentimentos. Afinal, · apresenta-se diante de nós um fenômeno, de · fato, extraordinário. Medo e fascínio, atração e repulsão são formas de nos relacionarmos com fenômenos que são extraordinários porque colocam em cheque várias idéias preconcebidas que cultivamos na nossa cultura. Pois o tema da possessão diz respeito à mudança radical que se processa nas pessoas por
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intermédio do transe. Somos levados a observar um profundo mistério - a pessoa possuída se torna irreconhecível, muda de uma forma tal que nem seus amigos mais íntimos são capazes de dizer que ali está aquela mesma pessoa que eles conhecem. A idéia de possessão não está vinculada somente aos cultos afro-brasileiros. Aqui, em nosso país, esse fenômeno se apresenta em muitos cultos distintos que seguem princípios religiosos variados. Na verdade, falar de possessão entre nós, cidadãos brasileiros, faz parte do nosso feijão-com-arroz. Não é preciso ser espírita, umbandista ou membro de algum candomblé para viver submerso num mundo em que vagam espíritos, em que as interferências dos santos e das almas são permanentemente cultivadas. Daí para a possessão é só um pequeno passo. Alguém ser tomado por um espírito, estar sofrendo do encosto de uma alma penada não é uma coisa do outro mundo, com o perdão do trocadilho; faz parte da "ordem natural" das coisas. Em resumo, a possessão como uma forma particular de contato com o sobrenatural é uma referência constante da cultura brasileira. Temos, pois, um fenômeno que é bastante familiar a todos na nossa cultura, mas que nem por isso deixa de despertar sentimentos contra· ditórios como medo e fascínio. De início, o que quero ressaltar é a estranheza frente à mudança que é tematizada pela possessão.
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E aguda a diferença entre uma. pessoa considerada em estado normal e em possessão. O contraste entre os dois momentos, seja na umbanda, no candomblé, no pentecostalismo ou no espiritismo, sugere o paradoxo que fascina e amedronta: alguém deter o misterioso poder de ser ele mesmo e vários outros, desdobrando-se em personagens diversos com outras faces que não condizem com a sua identidade cultivada no cotidiano. Não há como evitar o sentimento de estranheza frente a um ritual de possessão, assistindo impassível ao momento em que uma pessoa "vira" outra, contradizendo a si mesma numa radical incompatibilidade com o seu comportamento normal. Não são poucos os argumentos que foram produzidos na nossa cultura no intuito de combater essas representações da pessoa humana colocadas pela possessão. Particularmente as religiões cristãs - e, no nosso caso, o catolicismo ~ promoveram ao longo dos . séculos um ataque feroz às religiões de possessão. "Pagãos" e "hereges" foram acusações que receberam durante muito tempo, às vezes temperadas por argumentos que destacavam o caráter "primitivo" dos povos que praticavam esses tipos de culto. Tais combates só foram possíveis em razão do lug~r privilegiado que a Igreja Católica ocupa na nossa sociedade. Não há, portanto, simples divergências, mas poderes claramente políticos que disputam o direito de
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impor determinadas crenças e invalidar outras. As dif icu Idades com os cultos de possessão não ficaram somente no plano religioso. O Estado participou ativamente da repressão aos cultos, às "macumbas", particularmente no período do Estado Novo, com Getúlio. Mas, antes disso, as elites brasileiras já se preocupavam com o "problema" e, desde o século XIX, encontramos cientistas que se dedicaram ao estudo dos cultos afro-brasileiros, no mais das vezes partilhando posturas pouco simpáticas ao fenômeno da possessão. Não serão abordadas aqui todas as conseqüências dessas relações mantidas entre diferentes setores sociais com os cultos mediúnicos. Queremos, antes, assinalar a dificuldade que enfrentam ao depararem com esse fenômeno. E para tanto, serão discutidos alguns problemas colocados pela possessão para dois sistemas de pensamento pertencentes a instituições poderosas em nosso país: o pensamento produzido pela Igreja Católica e o pensamento psiquiátrico. A referência à psiquiatria se explica pela enorme relevância social que seus pontos de vista possuem na sociedade; e em relação à Igreja parece desnecessário explicar, já que é inegável o poder dessa instituição na vida social brasileira. Evidentemente, para o catolicismo oficial, a possessão não tem lugar. Ela é combatida tanto com base em princípios teológicos quanto por
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razões políticas, num esforço inesgotável de manter a autoridade sobre o rebanho de fiéis. Esse combate assumiu em outros tempos um caráter terrificante. No início da Idade Moderna, a fogueira era um castigo pequeno para os possessos que caíam nas mãos da Igreja. Vamos tomar como exemplo um desses casos de terror, para em seguida discutir os princípios que levaram a Igreja a um ataque tão feroz à possessão. A história à qual me refiro é aquela que nos foi relatada no filme Madre Joana dos Anjos, de Kawalerowics. Para quem ainda não viu vale fazer um pequeno resumo. Numa pequena cidade da França, no século XVII, um grupo de freiras pertencentes a um convento de ursulinas começa a sofrer casos sucessivos e cada vez mais intensos de possessão. No final de algum tempo se forma um verdadeiro exército de ·endemoninhadas, chefiado pela própria autoridade máxima do convento, a madre Joana dos Anjos. Após vários episódios dramáticos, o diagnóstico da possessão é estabelecido, juntamente com a forma de seu combate: o exorcismo. O padre Surin, especialista em possessão, veio promover uma guerra total aos demônios. Em nome da fé, empunhando a cruz, tentará expulsálos dos corpos das freiras. O terror da possessão se apresenta com grande verossimilhança: "vemos" a ação dos diabos provocando nas freiras os mais desenfreados comportamentos, atitudes sexuais desregradas em nada condizentes com os votos de
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castidade. Os corpos das freiras tornam-se 6 palco vivo de uma luta, criando-se fronteiras entre o Bem, simbolizado pela ação do padre exorcista, e o Mal, caracterizado como demônio em todos os comportamentos adversos à moral católica. A ação exorcista é que vai dar nitidez e concretitude às fronteiras entre o Bem e o Mal. O padre classifica e denomina os demônios, identifica e relaciona os comportamentos a serem exorcizados e por essa via estabelece a moral cristã'. Exorcismo é assim a categoria chave que explica a relação das Igrejas cristãs com a possessão. Trata-se sempre do mesmo movimento, que possui um duplo sentido: exorcizar os demônios é também separar o Bem do Mal, definir claramente o que pode e o que não pode permanecer no corpo de um cristão. !: evidente que o cristianismo de hoje em dia muito se distancia dessas épocas passadas, em que a Igreja Católica usava o suplício e a fogueira. Embora tenha passado a época áurea dos especialistas em exorcismo e, conseqüentemente, não se façam mais possessos como antigamente, é inegável que foram mantidas, da parte das Igrejas cristãs, as mesmas concepções que deram origem a 'esses especialistas. Exorcizar é ainda um verbo conjugado, se bem que de modo menos violento e, felizmente, com menos conseqüências práticas .. . Se entendermos o exorcismo pela sua carga simbólica poderemos vê-lo como uma dramatização da
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Pomba-Gira.
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moral cristã, ordenada rigidamente em torno da dicotomia Bem/Mal. Todos conhecemos bem a citação bíblica, do Gênesis, que informa o conjunto das concepções judaico-cristãs: "Di!;se também Deus: façamos o homem à nossa imagem e semelhança, o qual presida aos peixes do mar, às aves do céu, às bestas e a todos os répteis que se movem sobre a Terra. E criou Deus o homem à sua imagem: fê-lo à imagem de Deus e criou-os macho e fêmea".
Nessa citação está implícito que todos os homens são iguais e tal igualdade se baseia na semelhança com Deus. A igualdade de princípio não significa que alguns não sejam "mais iguais" do que outros. Em outras palavras, há no cristianismo um modelo ideal de homem, construído segundo determinados critérios morais. O exemplo de Cristo e dos santos realiza esse modelo - estão mais próximos da imagem de Deus, foram os homens que conseguiram, mediante uma vida sem pecados, atingir ao máximo a integração e identificação com o Criador. · · Nas biografias dos santos católicos encontramos descrições de vida em que se exalta o esforço, o sacrifício, o embate permanente com as tentações, num movimento de busca da perfeição cada vez maior e de identidade cada vez mais plena com o \
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modelo de Cristo. A busca da santidade corresponde à prática cotidiana do exorcismo - expulsam-se os pecados, as tentações e tudo aquilo que puder ser identificado com o Mal, o oposto de Deus, o Diabo. O oposto da possessão diabólica é, pois, a comunhão mística, aproximação e identidade cada vez mais realizada com os princípios divinos. A umbanda, que cultiva a possessão como algo benéfico, evidentemente, pensa e age diferente. Ao invés de expulsar as entidades sobrenaturais, consideradas necessariamente maléficas pelos cristãos, adota um outro lema: conviver com elas. Falar em possessão nos cultos afro-brasileiros implica logo qualificá-la. Quem desceu? Pode ser Ogum, Oxóssi, uma cabocla das matas, da cachoeira, um exu desconhecido. Aí, estamos muito longe de só pensar em termos de uma figura·. única - o Diabo. A dicotomia católica que separa Bem/Mal não permite ver na possessão os variados desenhos que formam os perfis das entidades sobrenaturais. Ao invés de termos simplesmente santos ou demônios temos muitos seres, com qualidades e perfis que não podem ser reduzidos a essas duas figuras. · No catolicismo, o poder de mediação dos santos para ajudar nas dificuldades humanas se deve à sua santidade. Estes só podem interceder em benefício dos homens na medida em que alcançaram um estado de pureza reconhecido e
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exorcizaram todos os pecados mundanos. A hierarquia da Igreja também reproduz isso. O papa, homem igual a todos nós, tem contudo um poder espiritual acima de todos. A esse poder está relacionada a idéia de uma vida sem pecados. A forma de tratamento que empregamos para nos dirigirmos ao papa é, pois, "sua santidade''. E aqui vemos a diferença radical entre a concepção católica e a umbandista. Na primeira, o poder de interferir e ajudar os homens está intimamente relacionado com a moral - quanto mais santo, maior o poder. Já na umbanda, ninguém nega o poder de mediação dos exus, . embora ninguém igualmente se arrisque a colocar a mão no fogo pela retidão moral de qualquer um deles. Moral e poder são coisas que, na umbanda, funcionam separadas. Para se ter contato com forças sobrenaturais não é preciso ser nenhum santo - basta que se reconheça em si mesmo a presença de esp fritos e orixás querendo "trabalhar na Terra" e incorporar no seu corpo. São pois duas lógicas muito distintas. Em nome da cruz, o catolicismo expulsa os demônios. Em nome da caridade e da ajuda que os espíritos diversos podem oferecer aos homens, a umbanda ·acata, no corpo dos seus médiuns, várias entidades . espirituais. O umbandista, como fiel de um dos cultos de possessão, é atacado pelas Igrejas cristãs por uma série de razões. Todas são, contudo, instrumen-
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talizadas por aquela visão dicotômica entre o Bem e o Mal. o compromisso diabólico que os católicos vêem na possessão da umbanda justifica formas de combate político que possuem também outras razões mais práticas. Não resta dúvida de que o exercício da possessão, que permite aos fiéis um contato mais rápido e mais direto com as forças sagradas, ameaça o poder do padre, que pretende ter o direito exclusivo de fazer a mediação entre os homens e o mundo das forças sagradas.
O nosso padrão de normalidade O exorcismo não é praticado unicamente por razões religiosas. i: o que nos ensinam os psiquiatras, que fizeram um julgamento quase definitivo: os possessos são alguns dos nossos loucos. Ficou célebre entre nós um médico legista que, na Bahia, tentou provar: que a possessão resultava de um desarranjo psíquico que, por coincidência, _ afetava particularmente os negros, em desajuste com a cultura ocidental. Esse médico, Nina Rodrigues, no final do século XIX, e seus sucessores argumentavam que a possessão podia ser explicada como sinal de doença mental. O comportamento "diferente" das pessoas em transe seria um sinal seguro, uma evidência material da
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presença de desvios psicológicos do padrão de comportamento normal. Os negros, maioria nos terreiros de candomblé, teriam uma particular tendência à histeria e por essa razão é que perderiam a consciência no transe e acreditariam que estavam possuídos por deuses e espíritos. Quem explica a crença, qualquer que seja ela, como resultado de um desvio psicológico parte da suposição de que existe uma única cultura "correta" que corresponde às atitudes dos homens "sãos". Seriam, na melhor das hipóteses, "erros" ou desvios da normalidade, loucura. O padrão cultura.1 a que estão ligados aqueles que assim explicam seria, então, considerado o ponto de referência para se pensar a normalidade. Mas essa visão da psiquiatria, tão etnocêntrica e racista, é claro que não é mais a dominante hoje em dia. Embora tenhamos de reconhecer que a questão da possessão ainda é um problema sério. Em termos mais atuais, a possessão é vista como um conduto cultural ·adequado a manifestações neuróticas graves. E os centros de umbanda e candomblé são comparados a uma "psicoterapia do pobre". A redução do fenômeno de um plano cultural a um plano psicológico,· como vemos, · se mantém. Já devem estar relativamente claras para o leitor as razões da dificuldade da psiquiatria diante do fenômeno da possessão. A principal, e não reconhecida até hoje pela maioria dos psi\.
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quiatras, é que nesse fenômeno estamos lidando com uma concepção cultural, particular do que seja pessoa humana. Se compararmos em duas fórmulas a visão psiquiátrica e a umbandista, teremos de um lado a fórmula "vários espíritos numa só cabeça" e, de outro, "um só espírito para uma única cabeça". A visão psiquiátrica está fundada numa idéia muito cara a todas as práticas de conteúdo psicológica - é a idéia de ego. O ego para a psiquiatria é a instância de consciência do sujeito; que garante a este um comportamento em sintonia simultaneamente consigo mesmo e com a sociedade. Toda a psicologia de base no ego supõe uma adequação do sujeito aos critérios de razão existentes em sua época e um comportamento condizente com os costumes sociais imperantes. Assim, supõe-se um comportamento "racional" e um ego "normal" para aqueles socialmente adaptados, em perfeita sintonia com os valores e preceitos impostos por seu grupo social. A doença mental decorreria da quebra dessa sintonia, produzindo no indivíduo ações "irracionais", ou seja, fundadas em princípios não condizentes com determinados valores da sua sociedade, que estariam, em conse·qüência, em desacordo também com o seu próprio ego. Há um conceito psiquiátrico ·que expressa bem o domínio do ego· nas suas concepções: "egossintônico" - termo com o qual se designa uma
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particularidade do caráter do indivíduo que está em perfeita harmonia com o seu ego, em que este é pensado como um tipo modelar de características adaptáveis à realidade envolvente. A psicologia do ego coloca o indivíduo sob o controle absoluto da sua consciência, o que garantiria uma harmonia com a realidade à sua volta e uma coerência e fidelidade a si mesmo. Tornando tal parâmetro como critério de verdade, a possessão só pode ser vista como uma quebra desse pilar de sustentação do sujeito que é a consciência. O indivíduo em transe sofre uma perda de consciência e, além d~sso, apresenta um quadro de alteração de . comportamento rapidamente identificado pela psiquiatria como doença mental. A ação da pessoa em estado de possessâ'o, "tomada" por um espírito de caboclo ou de exu, e agindo segundo exigem essas personagens, é interpretada como "histeria" - o indivíduo está sendo vítima de um processo psíquico que interfere na coerência do seu ego, gerando em conseqüência essas variações de "personalidade". Para os umbandistas, cada qual possui naturalmente muitas faces, já que a sua pessoa, por destino, é sujeita a espíritos diversos, que a escolheram como "cavalo". Encontramos aí na religião um princípio diverso que orienta a visão do mesmo · fenômeno: ao invés do indivíduo centrado nele mesmo, tendo a sua consciência como fulcro de sua pessoa, ele é integrado num
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sistema . mais global, objeto da ação de forças diversas que podem se chamar Xangô, lansã, preto-velho e .outros mais. O que é difícil perceber, ao se colocar lado a lado essas duas concepções tão diversas entre si, é que ambas possuem uma lógica que tem a sua coerência garantida a partir da aceitação de determinados pressupostos. Em conseqüência, analisam os mesmos fenômenos a partir de formas de pensar que só fazem sentido dentro de seus próprios sistemas. O grande problema é a psiquiatria não se dar conta dessa diferença cultural que condiciona tanto a sua interpretação do fenômeno quanto qualquer outra. Usar a oposição saúde/ · doença para explicar fenômenos culturais não permite entender o que se passa e muito menos relativizar os seus próprios valores. Mas há ainda outras razões que ultrapassam a psiquiatria e que de certa forma se encontram presentes em nosso argumento. Hoje em dia, as ciências humanas têm questionado as afirmações categóricas que colocam o homem como sujeito pleno da sua consciência, como indivíduo racional, centro de si e da sociedade. Nem no plano psico.lógico nem no plano social existe esse homem onipotente capaz de conduzir a seu bel-prazer as instituições sociais e a sua pessoa. Ao contrário disso, ele é fruto de uma lógica inconsciente, própria do sistema cultural em que se socializou e das condições sociais em que vive.
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No início deste século começou um lento processo para revisão dessas formas estabelecidas de pensamento. Com Freud, a psicanálise descentra o sujeito do ego, rompendo a hegemonia desse último, ao conferir ao inconsciente um lugar fundamental para a constituição da subjetividade. Apenas parcialmente, a
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aceitar que o 'sujeito' pode se colocar fora do domínio 'pré-civilizado' ou mesmo a irrupção de um processo patológico? As formas de êxtase reconhecidas como mais ou menos legítimas pelo Ocidente, longe de questionarem essas constatações, reforçam-nas". Em nome da fé, ou da consciência, tanto faz, a possessão sofre junto a esses sistemas de pensamento o exorcismo. Tanto em um quanto no outro a questão da unidade da pessoa se coloca de modo fundamental. De um lado o sujeito deve ser englobado. pelos valores morais, sem admitir em si o que tiver condenado como uma das faces do Mal. De outro lado, a razão como império da consciência nega e expulsa tudo que se assemelhar a uma perda de coerência do sujeito.
O paradoxo umbandista . Voltemos, agora, à fórmula introduzida na discussão sobre possessão. Foi dito que, em relação à representação da pessoa humana, a umbanda tem a possibilidade de empregar a seguinte fórmula: "vários espíritos numa só cabeça". Ora, tal fórmula junta termos que se nos apresentam de forma contraditória. Como é possível sustentar esse paradoxo de "várias pessoas numa só pessoa", ou em outra linguagem, de "vários
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espíritos numa só cabeça"? Essa fórmula paradoxal no seu sentido coloca, em termos gerais, o seguinte problema: como é possível falar de "um" englobando "muitos"? Esta questão da relação entre o Um e o Múltiplo não pertence somente à umbanda. Vamos encontrá-la em todas as religiões. Mas, há na maneira óe a umbanda lidar com esse problema algo que lhe é peculiar, a sua marca, de fato. Comecemos por um exemplo bastante elucidativo. Nas últimas eleições, uma mãe-de-santo que se candidatava a vereadora confidenciou-me que um de seus espíritos, o preto-velho Pai Antônio, desde o início da campanha fora contra o seu envolvimento com a política. No julgamento dele, política nunca é uma boa coisa. Mas, contradizendo os conselhos desse guia, o seu Exu Caveira deu-lhe todo apoio. Tanto assim que ela já tinha resolvido, caso houvesse vitória, dedicar uma grande festa para Exu. Os espíritos deram indicações contraditórias. Como fazer, se não há nada que exija uma orientação única e exclusiva? A diferença entre os pontos de vista de um exu e um preto-velho tem a sua plausibilidade. Afinal de . contas, pertencem a domínios distintos: enquanto um exu tem compromissos com a esquerda, com as "trevas", o preto-velho é sempre considerado um espírito de "luz". E o médium, que deve graças a todos, é obrigado, como nesse exemplo, a conciliar na sua pessoa pontos de vista e orientações diversos.
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Com isso não queremos dizer que não haja critérios para os méd uns avaliarem as palavras e conselhos dos espírito; . As próprias características destes servem de ponto de apoio para uma tomada da posição. Entre o que diz um exu e um pretovelho, certamente é preciso distinguir para si que tipo de interferência na realidade se deseja, ou ainda, quais ·as razões que levaram tal ou qual espírito a dar o seu conselho. i: plausível, por exemplo, considerar que os conselhos de um preto-velho guardam necessariamente um fundo moral e, além disso, são sempre dados com base em uma grande lealdade para com o médium. E, quanto ao exu, todos sabem que este, detentor de um grande poder, é capaz de abrir os caminhos mais difíceis. Os umbandistas são, portanto, súditos de vários senhores e dividem o seu tempo, o seu corpo e a sua pessoa trabalhando para todos, tentando conciliar essas vontades diversas entre si e consigo mesmos. Em termos simbólicos, a possessão representa a tensão que apresentamos como paradoxal - de uma pessoa, em sendo ela mesma, poder se apresentar com muitas faces. Mas a tensão entre o Um e o Múltiplo não se esgota aí. Ela avança pela doutrina e pelas formas de organização da umbanda. No plano da organização social, a religião umbandista pode ser considerada um agregado de pequenas unidades que não formam um ./
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conjunto unitário. Não há, como na Igreja Católica, um centro bem estabelecido que hierarquiza e vincula todos os agentes religiosos. Aqui, ao contrário, o . que domina é a dispersão. Cada pai-de-santo é senhor no seu terreiro, não havendo nenhuma autoridade superior por ele reconhecida. Há, portanto, uma multiplicidade de terreiros autônomos, embora estejam unidos na mesma crença, havendo também um esforço permanente por parte dos 1íderes umbandistas no sentido de promover uma unidade tanto doutrinária quanto na organização. Criam federações, tentam estabelecer formas de relacionamento entre os vários centros decisórios, tentam enfim enfrentar a dificuldade de conviver simultaneamente com formas de organização dispersas e tentativas de centralização. A mesma dificuldade se reflete no plano doutrinário. Entre os terreiros são encontradas diferenças sensíveis no modo de se praticar a religião. Tais diferenças, contudo, se dão num nível que não impede a existência de uma crença comum e de · alguns princípios respeitados por todos. Há, pois, uma certa unidade na diversidade. A diversidade se expressa nas várias e reconhecidas · influências de outros credos na umbanda. Encontramos adeptos de umbanda que praticam a religião em combinação com o candomblé, com o catolicismo, que se dizem também espíritas, absorvendo os ensinamentos de Kardec e, entre
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estes, as variações continuam: centros que aceitam determinados princípios do candomblé e excluem outros, que se vinculam a uma tradição por muitos ignorada etc. Não há limites na capacidade do umbandista de combinar, modificar, absorver práticas religiosas existentes dentro e fora desse campo fluido denominado "afro-brasi lei r'o". Fato é que os umbandistas desenvolveram formas próprias de lidar com essas características da sua religião. A segmentação, a dispersão, a multiplicidade · se combinam de alguma maneira com a unidade, a doutrina, a hierarquia. Essas combinações estão claramente presentes nas formas como os religiosos elaboram a relação dos médiuns com os esp fritos, nas formas pelas quais organizam a multiplicidade de santos num conjunto inteligível e como também conseguem, apesar da segmentação, reunir todos os fiéis numa mesma doutrina. São essas formas, em suma, que pretendemos entender aqui. A possessão é o melhor paradigma dessa tensão entre o Um e o Múltiplo que atravessa todas as questões peculiares à umbanda. Encerra o paradoxo de uma só religião com muitas faces e muitos deuses.
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O SIMBOLISMO DA UMBANDA
Guias e orixás Um amigo umbandista, pai-de-santo de longa data, me confidenciou que nada em sua casa se decide sem que se consulte o seu preto-velho, Pai Joaquim D' Angola. Para qualquer assunto, problemas com as crianças, doenças, uma decisão importante - pronto, "o velho baixa" e resolve. Mas Pai Joaquim, embora tão requisitado, não é o único presente na cabeça desse pai-de-santo. Ele conta com outros guias que também são muito considerados. Tanto é assim que outro dia compareci a uma festa na sua casa em homenagem a Exu_Caveira. Como várias outras festas, essa foi cuidadosa e requintadamente preparada. Lá pude observar que esse exu também conta com uma grande clientela - recebeu muitos presentes, a
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casa estava cheia, com todos os médiuns e convidados se esmerando para dar à ocasião o máximo de brilho. Já um outro conhecido semanalmente consulta o seu exu, Zé Pilintra, exu de tipo malandro com uma vasta popularidade na vizinhança. Embora seja quem, de longe, mais compareça ao terreiro, esse exu disputa as preferências do centro com várias outras entidades. Nessa casa, que, segundo o séu pai-de-santo, é traçada com angolaJ ou seja, mistura candomblé com umbanda, há lugar de destaque para todos os orixás e cada filho-desanto sabe quem é o dono de sua cabeça - se é Ogum, lansã, Oxum ou outros. Como entender tais entidades, seus papéis, a importância e as diferenças que existem entre elas? Qual é a lógica que lhes dá sentido? Os livros de divulgação da doutrina umbandista habitualmente sugerem dois argumentos, complementares. Um, de que as divindades cultuadas na umbanda e no candomblé são de origem africana e que, com a convivência · no Brasil, sofreram um processo de sincretismo com a tradição católica. Assim, para compreendê-las é preciso voltar às origens, restabelecendo o sentido que possuíram no passado, até hoje presente nas casas mais tradicionais. Outro argumento nos diz que a umbanda "desvirtuou" o sentido original das crenças africanas e nela é possível reconhecer outras influências, como a indígena, o espiritismo
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branco, que devem então ser incluídos no estudo de suas origens. A busca das origens e o estudo dos processos de sincretismo entre as várias tradições presentes nesses cultos não me parecem suficientes para dar conta do sentido que possuem tais práticas re.ligiosas. Não importa muito saber se em tempos passados um orixá tinha tal ou qual característica de origem africana mas sim compreender que a característica de ontem não significa a mesma coisa agora. O sentido dos símbolos muda junto com a sociedade que os utiliza. Para entender o porquê e o sentido dessa experiência religiosa que implica tantos recursos ao sobrenatural, partiremos da maneira como os umbandistas ordenam a sua doutrina de modo a conter tantos guias, divindades e espíritos. Com efeito, o que causa espanto a qualquer pessoa é o número incrivelmente grande de espíritos que são capazes de incorporar num único médium. E, por mais que um determinado médium tenha uma vasta capacidade de incorporação, jamais conseguirá esgotar todo o repertório de santos e espíritos existente. Mostramos há pouco que os médiuns e pais-de-santo cultivam as suas preferências - cada qual tem um espírito a quem recorre com mais facilidade e que considera de modo especial, não· importa qual o motivo. As preferências se dão, contudo, numa certa lógica que tentaremos entender aqui.
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Aparentemente, é tudo muito simples. Os livros de umbanda nos ensinam que existe uma hierarquia no "astral", da qual emana o valor de todas as entidades sobrenaturais. Nessa hierarquia temos, segundo uma ordem de importância, primeiro o deus supremo, denominado Oxalá, que corresponderia ao Deus católico. Em seguida, vêm os orixás, divindidades de origem africana, que estariam relacionadas com determinados domínios da Terra. Os orixás seriam santos que nunca "encarnaram". Vinculados a estes, seguem os espíritos de diversas "linhas", que podem ainda se subdividir em "reinos" ou "falanges". Para exemplificar, daremos uma classificação. Renato Ortiz escolhe uma classificação que considera das mais consistentes entre os vários autores umbandistas, retirada do livro Umbanda de todos nós, de Matta e Silva (Ortiz, 1978). Essa classificação nos apresenta um conjunto de santos e orixás divididos em sete linhas que, por sua ' vez, subdividem-se em mais sete, e assim por diante. Teríamos, então:
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Oxalá
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Caboclo Urubatão Ubirajara Ubiratâ' Aymoré Guaracy Guarani " Tupy "
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..
/emanjá
......
Xangõ
Cabocla Yara lndayá Nanã-Burucu Estrela-do-Mar Oxum lansã " Sereia do Mar "
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.. .. ..
Xangô-Kaô Sete Pedreiras Pedra.Preta Pedra-Branca " Sete Cachoeiras Agodô "
Ogum
.
Ogum de Lei Yara Megê " Rompe-Mato " Malê " Beira-Mar " Matina ta "
Oxóssí
Crianças
Pretos· Velhos
Caboclo Arranca-Toco Jurema " Araribóia Guiné " Arruda Pena-Branca Cobra-Coral
Tupãzinho Ori Yariri Doum Yari Damião Cosme
Pai Guiné Pai Tomé Pai Arruda Pai Congo de Aruanda Maria Conga Pai Benedito 1 Pai Joaquim
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Mas, de fato, as classificações variam. O exemplo acima, como vemos, não apresenta o exu como um orixá da umbanda. E várias das entidades que aí se encontram vinculadas a uma determinada linha vão aparecer ligadas a outras na concepção e na prática de médiuns diversos. O que é interessante reter é a idéia de fifJha. Cada orixá é concebido de uma determinada maneira, com algumas qualidades e ligado a um domínio espedfico da natureza. As entidades que se manifestam "na linha" de um determinado orixá são representadas com seus atributos básicos. Constituem-se como variantes de um tipo fixado. Temos, então, um sistema que classifica espécies de acordo . com determinados domínios, como: Xangô, divindade que se associa aos trovões, aos raios; Oxum, deusa associada às águas doces, ao arco-íris; lemanjá, que domina as águas etc. Cada entidade tem a possibilidade de se desdobrar em variantes de um número infinito, mantendo a relação com o domínio do seu orixá. E essas variantes, por sua vez, podem combinar-se entre si. Quem freqüenta os meios umbandi'stas e candomblecistas pode observar que os orixás também se apresentam como signos importantes na construção dos apelidos de determinados rei igiosos. Armando de Ogum, Luís de Xangô, Marisa de Oxum e assim por diante. Não há dúvida de que aquele que associa o seu nome a um determinado orixá está não só afirmando uma filiação a um \.
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santo mas também acrescentando à sua pessoa atributos pertencentes ao orixá, dono da sua cabeça. Quem se diz "de Ogum" se associa à imagem do santo guerreiro, vencedor de demandas - à bravura, à luta se junta a imagem de um corpo fechado, imune aos ataques do mal. Já Oxum lembra a vaidade, o feminino etc. As referências aos orixás se constituem, pois, como emblemas importantes tanto para a construção dos espíritos das respectivas linhas quanto para a construção da imagem e identidade do filho-desanto. Na figura de um filho-de-santo, pronto para receber as suas entidades no terreiro, destacam-se os colares, também chamados de guias, que são indicativos dos orixás que ele possui. Cada cor se associa a um deles, formando sobre o peito dos mais antigos um enorme volume de contas coloridas. Não é qualquer um que pode exibir uma grande quantidade de guias - o seu número se associa à importância do médium, à sua antiguidade no terreiro, ao seu posto na hierarquia. Dificilmente alguém terá um número de guias maior que a mãe ou o pai-de-santo da casa, que, por princípio, é quem conta com o maior número de espíritos na sua cabeça. Mas percebemos que somente algumas das entidades ordenadas no conjunto daquela classificação são objeto de uma relação mais especial com os médiuns. Citei, há pouco, dois pais-de-
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santo que, na hora de resolverem seus problemas, apelam para um guia determinado, embora trabalhem para muitos. Com efeito, os umbandistas, apesar de fazerem obrigações para todos os orixás - nas cachoeiras, nos cemitérios, nas matas, nas encruzilhadas, ofertando-lhes velas, comidas e flores em arranjos caprichados-, destacam apenas alguns deles para a resolução de seus problemas cotidianos. Em outras palavras, de acordo com uma ordem "prática", alguns guias possuem maior importância que outros. Quais são os critérios que distinguem uns de outros? E, finalmente, que guias são esses? Em termos práticos, os umbandistas privilegiam os espíritos que "dão consulta", isto é, que são capazes de, incorporados no corpo do médium , interagi r com os participantes do terreiro, ajudando-os a resolver seus problemas. Os que "dão consulta" formam um certo conjunto à parte, pela importância que possuem na vida cotidiana dos terreiros. E: interessante observar a metamorfose por que passam as entidades que dão consulta incorporadas nos médiuns. Ao longo do tempo, vão adquirindo contornos cada vez mais precisos; suas formas, seus estilos tornam-se, com o passar do tempo, marcas inconfundíveis da sua presença. No final de alguns anos, são verdadeiras personagens de "carne e osso" conhecidas não só no âmbito do terreiro mas também na sua vizinhança, no
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bairro. Algumas chegam a ocupar a cena no estado, como foi o caso do Seu Sete da Lira, exu que incorporava numa senhora da periferia do Rio de Janeiro que ganhou fama e espaço na televisão. Cada centro tem uns poucos personagens assim. Os freqüentadores lá aparecem semanalmente para obter uma consulta com um deles. Num terreiro que conheci, o guia mais famoso era um caboclo, "Seu Pena-Branca". As pessoas da casa eram capazes de enumerar grande quantidade de curas que ele teria realizado. Sabiam dizer do que o guia gostava, que tipo de problema ele melhor resolvia, qual o seu temperamento. Eram capazes também de reconhecer a sua voz e os seus gestos · mais comuns. Existe uma separação nítida entre as entidades que "dão consulta" e as demais. Somente as primeiras se transformam em personagens com vida própria nos terreiros. O instrumento de tal transformação nada mais é do que a materializaçâ'o de uma idéia que, de início, só existe na mente do religioso - a consulta materializa o espírito para todos. Caboclos, pretos-velhos, exus e crianças formam o conjunto do qual são retirados os espíritos que dão consulta. Há algo de peculiar que une esses tipos de espíritos entre si. E são essas particularidades que dão à umbanda ·o que ela tem de mais específico na sua dinâmica. A eficácia social que possui essa religião se baseia em grande parte no papel
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atribu ido a esses quatro tipos de espíritos. Uma característica marcante dos orixás na concepção do candomblé é que todos pertencem à natureza. O mundo natural é dividido em domínios regidos por suas respectivas divindades. Já o pensamento umbandista, através desse conjunto, redimensiona· a natureza e introduz espíritos pertencentes ao domínio da "civilização". Cria, portanto, uma outra forma de pensar o mundo sobrenatural e o sagrado. Basicamente, teríamos o mundo pensado em três domínios distintos: a natureza, o mundo civilizado e o terceiro seria o avesso da civilização, que podemos chamar de mundo marginal e periférico. Teríamos assim quatro tipos de espíritos originários de três domínios: Natumza
Mundo civilizado
Mundo marginal
caboclos
pretos-velhos crianças
exus
Passemos a descrevê-los concebidos de acordo com esses três domínios. Caboclo é o nome dado aos índios na umbanda. A concepção desse tipo se apóia nitidamente numa idéia romântica da natureza, vista como uma fonte de emanação de qualidades que se vinculam ao estado selvagem. Os caboclos, por essa razio, são representados como personagens altivos,
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orgulhosos, indomáveis. Quando desce um caboclo no corpo de um médium é impossível não reconhecê-lo: solta gritos, bate com as mãos no peito, anda pelo centro de cabeça erguida, como um verdadeiro senhor das selvas. E desse jeito eles se apresentam porque, afinal de contas, são os nossos índios, "selvagens e primitivos". Orgulho e altivez são qualidades que possuem os homens ainda não contaminados pela civilização. E lugarcomum dizermos que os nossos índios, ao contrário dos africanos, sempre resistiram à escravidão. Os seres da natureza, informam-nos os livros escolares, são fortes, brutos e indóceis, já que não se sentem relacionados nem comprometidos com os valores da civilização. A representação que os umbandistas fazem dos espíritos de índios está expressa nos nomes que lhes atribuem. Geralmente são nomes que indicam como estes são e a que lugar pertencem. Por exemplo: Caboclo Arranca-Toco, Caboclo TiraTeima, Caboclo Rompe-Mato; esses nomes, bastante comuns, inclusive, dão relevo a um movimento de força bruta e, ao mesmo tempo, uma relação com a natureza, lugar onde essa força pode ser exercida com plenitude e autonomia. Outra série de nomes de caboclos tende a enfatizar a condição de índios desses espíritos, e para isso relaciona-os com tribos indígenas que já existiram ou ainda existem no país. A língua tupi é a fonte privilegiada para alimentar esse
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exercício de denominação; surgem assim vanos caboclos Mirim, Ubiratã, Jacira, Jurema, Tupinambá etc. Outros vão ter seus nomes formados a partir do destaque de uma parte da imagem do índio, tomada como emblema - são os vários Pena-Branca, Seté Flechas etc. Os orixás tradicionais do candomblé se apresentam, predominantemente, como caboclos na umbanda, já que estes são identificados com vários domínios da natureza: selva, cachoeira, águas, pedreira. Em oposição aos seres da natureza, os caboclos, temos os pretos-velhos, associados, juntamente com as crianças do astral, ao domínio da civilização. Os pretos-velhos se apresentam no corpo dos médiuns como figuras de velhos, curvados pelo peso da idade, falando errado, pitando um cachimbo, bebendo vinho numa cuia, numa imagem que pretende retratar fielmente o ex-escravo africano das senzalas brasileiras no século passado. A elaboração desse tipo faz sobressair com vigor a condição de pretos e escravos. Por vezes, ouvimos nos terreiros referências aos pretos-velhos como grandes feiticeiros - teriam aprendido no período da escravidão mandingas infalíveis que usavam para se defender da maldade dos senhores brancos. A essa feição intimidante associada à magia negra se contrapõem as qualidades que mais se destacam nesse tipo: os pretos-velhos são vistos como bondosos, humildes, generosos e paternais. Tratam
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a todos como filhos e são chamados pelos integrantes dos terreiros como pais ou avós. O predomínio dessas qualidades afetivas na construção dos pretos-velhos como personagens da umbanda se dá pelo fato de serem eles pensados como elementos subordinados (escravos) numa área em que a nossa sociedade os coloca como predominantes das relações afetivas e de parentesco - a área doméstica. Assim, apesar de grandes feiticeiros, os pretos-velhos são aqueles que foram vencidos pelo afeto e sentimentos paternais, estabelecendo com os seus senhores uma relação de lealdade, como humildes servidores da casa-grande. A criação desses personagens sabiamente salienta em seus nomes os seus traços mais marcantes. Marca-se nos nomes o vínculo com relações familiares, o lugar doméstico que o escravo ocupa e a origem africana. Temos, assim, Pai Joaquim D' Angola, Vovó Catarina, Vovó Maria Conga, Pai Antônio da Guiné, Tia Rita etc. Vejamos agora os exus. Não há quem ignore a força e o perigo potencial dos exus. Representam o "outro lado" da civilização, o lado marginal e -ambíguo. O seu domínio, afinal, é exatamente o inverso do privado e familiar. Os exus nada têm a ver com os valores da casa, da família - deles, portanto, não se espera lealdade nem afeto. !: impossível chamar um exu de "vó" ou de "pai" como acontece com os pretos-velhos. A sua área por excelência é a rua. Quando se quer fazer uma
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r obrigação ritual para eles, os locais escolhidos são marcados por uma certa condição marginal, como os cemitérios e as encruzilhadas. Os exus são referidos habitualmente como "povo da rua". E é interessante essa forma de denominá-los; podemos retirar daí algumas associações. Povo da rua lembra facilmente a massa anônima que circula pela cidade, os trabalhadores, as pessoas comuns que ocupam o espaço público nas suas idas e vindas. Fica claro que na elaboração do tipo exu existe uma oposição fundamental entre o domínio da casa e da rua. O primeiro é marcado pelas relações de afeto e de parentesco e o segundo pela marginalidade, pelo anonimato e relações impessoais. Freqüentemente os e?
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alguns exemplos de nomes de exus que explicitam o compromisso dessas entidades com a área urbana marginal. Representam, pois, o avesso da civilização, das regras, da moral e dos bons costumes. Por último, fechando o quadro das entidades que mais dão consulta na umbanda, temos as crianças, relacionadas como Cosme e Damião ou lbeji. O conjunto dos tipos, como é possível acompanhar pela descrição que vamos fazendo, é organizado de maneira que cada um se relaciona de algum modo com os outros, através do contraste de algum traço que lhe é fundamental. São elaborados, pois, não como tipos isolados, mas em articulação com os demais. As crianças, cor:no é de se esperar, são tipos mais próximos dos pretos-velhos, já que dividem com eles o espaço doméstico. Também como eles são dependentes dos adultos, brancos. Nos terreiros, os médiuns possu idos por crianças exageram nos gestos que denotam infantilidade - usam chupetas, falam tatibitati, brincam, melam a todos com doces. Por oposição aos adultos, as crianças não possuem nem senso de moral nem de responsabilidade. Por isso, são mestres em fazer brincadeiras nem sempre inocentes mas que se explicam pelo fato de que "ainda não cresceram". Seriam assim pequenos selvagens no interior do domínio civilizado. Pouco evolu idas em · relaçâ'o aos adultos, nâ'.o são, contudo, humildes como se exige dos escravos. São brancas e no futuro serão
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patrões. Por isso primam pela irreverência, além de serem exigentes e mandonas. Dizem os médiuns que castigo aplicado por criança é muito mais duro do que qualquer outro. Mas, por outro lado, o fato de serem crianças dá a esses espíritos um poder de limpeza particular. Terminar a gira com crianças é uma forma de afastar espíritos muito atrasados, como os obsessores e todas as vibrações negativas. São chamadas por nomes como Luizinho, Rosinha, Mariazinha, . que são, se retirarmos o diminutivo, os nomes originalmente u5ados pela elite branca portuguesa em nosso país. O conjunto assim formado se ordena, pois, pela interação de três domínios básicos: a natureza, o mundo civilizado representado pelo espaço familiar e doméstico e o mundo marginal situado no espaço da rua e áreas periféricas. E os três domínios são organizados de acordo com algumas oposições; retomemos o quadro inicial:
Natuf'f/Za
Mundo civilizado
(caboclos)
(exus) (pretos-velhos/ crianças) avessos ã ordem domesticados humildes (escravos) desobedientes irreverentes (crianças) dependentes marginais do homem branco
selvagens orgulhosos independentes do homem branco
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Observemos que os tipos pertinentes aos dom ínios são todos subalternos. De um modo ou de outro, as entidades consideradas são vistas como "pouco evoluídas". Há aquelas que são pouco evoluídas porque ainda não cresceram, como as crianças; outras, porque não são moralmente confiáveis, como os exus, ou os caboclos, que ainda não tiveram acesso à civilização; e os que, como os pretos-velhos, são primitivos porque pertenceram a uma civilização mais "atrasada" na África. Ora, para se pensar alguém, algum costume, como menos evoluído do que outro, é necessário ter em mente um critério comparativo. E aí perguntamos: quem e que culturas são considerados mais evoluídos do que os personagens que os umbandistas fazem baixar nos terreiros? Não é difícil adivinhar que o ponto de partida para tal comparação e o seu valor de referência é a cultura do homem branco, ocidental e dominante. Este é considerado mais racional do que os caboclos e africanos, moralmente mais evoluído que os exus e mais adulto que as erianças. E assim que os espíritos são todos subalternos e inferiores em comparação com a imagem ideal de homem e civilização que está implícita na ordenação desse conjunto. A imagem ideal do homem branco é colocada como ponto de chegada de um processo evolutivo por que passa toda a humanidade. Essa teoria ..1
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evolucionista, evidentemente, não é privilégio do umbandista. Está presente de diversas maneiras, em nosso senso comum, além de ter sido por um bom tempo o pensamento dominante na ciência. A u·mbanda está cheia de referências desse gênero - pessoas consideradas "ignorantes" são vistas como "pouco evoluídas", idéias "mais elevadas" não cabem ria mente de espíritos "atrasados" que, por sua vez, estão mais próximos de instintos "primitivos" e apegos materiais. Há nessa concepção algo de aparentemente paradoxal. As entidades mais valodzadas na umbanda são pensadas pelos próprios umbandistas como seres inferiores e subalternos ao homem branco. Só podemos supor, então, que a subalternidade tem um valor positivo para a religião. E é exatamente isso que acontece. Podemos dizer que o poder religioso da umbanda decorre disso, de uma inversão simbólica em que os estruturalmente inferiores na sociedade são detentores de um poder mágico particular, advindo da própria condição que possuem. O grande trunfo da umbanda é esse - inverte os valores da hierarquia que ordena os espíritos, e esse "menos" em vários aspectos passam a "mais" em outros. O homem branco, imagem ideàl colocada no topo da ordem evolutiva, não tem os poderes que possuem seus subalternos. Esses grupos estruturalmente inferiores ganham por meio da inversão simbólica um poder mágico
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inigualável. Vários antropólogos já chamaram atenção para essa característica da religião umbandista, em que os fracos e socialmente despossu ídos vão ter, através do santo poder mágico, sabedoria e força, virando pelo avesso as razões que legitimam a hierarquia social (Velho, 1975; Da Matta, 1979; Fry, 1982). Ao mesmo tempo que a umbanda acata os valores sociais dominantes em que determinados grupos sociais são vistos como "inferiores" e "primitivos", ela retira desse estigma a sua força. Mary Douglas (1976), antropóloga inglesa, chama atenção para fenômenos semelhantes que ocorrem em outras sociedades. O mesmo movimento que nas sociedades cria a ordem, estabelecendo o padrão e a norma, cria o seu avesso como fonte .de desordem e perigo. Os magos e feiticeiros vão nutrir-se nessa fonte - as áreas que na sociedade se estabelecem ·como marginais em relação ao centro, desorganizadas em relação ao padrão estabelecido. Nada mais distante da concepção católica a respeito dos santos do que a concepção umbandista. Do ponto de vista cristão, é conceber o poder desvinculado dos valores morais. O que dizer de um exu, uma pomba-gira, por exemplo, ser objeto de admiração, contar com muitos fiéis e ser louvada em prosa e verso dentro dos terreiros? A concepção de hierarquia na umbanda contém esse aspecto paradoxal - separa
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pela inversão simbólica a fonte de poder dos santos da fonte que emite os valores morais cultivados e aceitos. O poder vem dos. fracos, enquanto a ordem e a moral vêm do outro extremo da hierarquia - dos poderosos, dos brancos. Não é à toa que os rituais umbandistas possuem um certo sabor de transgressão. Aos olhos da sociedade abrangente, são vistos como situações em que se cultiva as fontes da .desordem e do perigo. Mas o que o coração dos umbandistas sente é um enorme prazer em participar de uma gira com todas as entidades em terra. Batem palmas, cantam, dançam e são possuídos pelos espíritos de pretos-velhos, exus, caboclos e outros, renovando para eles próprios uma outra fonte de poder na sociedade.
Entre a hierarquia e a igualdade: um especialista em passagens Imaginemos uma hipotética ida a um terreiro. Lá chegando, em pouco tempo alguém da · casa viria nos perguntar se desejamos consultar algum guia em especial. Causaria estranheza se disséssemos que só estamos ali por curiosidade. Dificilmente iríamos embora sem, antes, levar um passe, receber alguma recomendação de uma ou mais
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entidades que estivessem incorporadas nos médiuns. Sim, porque é raro alguém comparecer a um centro de umbanda sem estar interessado em utilizá-lo para resolver algum problema. Para isso, vai recorrer a um médium incorporado, de preferência com alguma entidade sua preferida. Há terreiros cujas sessões de consulta provocam um grande afluxo de pessoas, de tal modo que seus responsáveis organizam filas na porta, distribuem fichas por ordem de chegada, o que lembra de perto as nossas experiências com o serviço público - atendimento demorado, burocracia etc. A imagem do INAMPS nos vem imediatamente à cabeça. Depois de vencidos esses obstáculos, chegando ao guia a que se deseja consultar, as pessoas perdem qualquer pressa - a consulta é longa, fala-se com o espírito como se fosse um grande amigo. E, de fato, é essa a representação dominante. Os espíritos na umbanda sã'o chamados de santos protetores. A sua função, como o nome indica, é oferecer proteção aos seus clientes, interferindo por eles junto às forças sobrena~urais, fechando o seu corpo contra os · inimigos, limpando-os de carregas, isto é, maus espíritos, e abrindo os seus caminhos. Não há problema que não caiba numa consulta. Os médiuns de umbanda sempre têm para contar muitas histórias em que o impossível foi conseguido. Ninguém melhor do que os beneficiários
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desses milagres para relatar seus casos. Dona · Lourdes, numa visita que fiz ao centro que ela freqüenta, fez questão de me mostrar a cicatriz de uma hérnia que teria sido operada pelo Caboclo Urubatão. Outra senhora me disse que todos os seus filhos tiveram suas infâncias acompanhadas e protegidas pela Vovó Maria Conga. Outro me contou como conseguiu vencer o alcoolismo e o desemprego através da ajuda de Pai Joaquim D'Aruanda. Em tais histórias, percebemos que a relação que o cliente estabelece com o médium incorporado é bastante singular. Habitualmente, os médiuns atendem a uma clientela fixa, que possui um vínculo com os espíritos que neles se incorporam. E a representação que os clientes fazem do "guia" é a de um padrinho que se adquiriu para sempre.. Vários autores (Brown, 1977; Fry, 1982; Ortiz, 1978) já destacaram, com razão, que uma das relações básicas que a umbanda estabelece no plano simbólico é a · relação de apadrinhamento. A pessoa, quando recorre à umbanda, espera obter . proteção no plano sobrenatural através do vínculo que forjar com algumas de suas entidades. Essas passarão a interferir a seu favor. Os umbandistas acreditam que exista um nível dos acontecimentos que sofre injunções que vão além daquelas que podem ser previstas e controladas pelos homens. Se há um plano da vida de cada um que pode ser determinado pela economia,
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pelas relações sociais, há também um certo nível que escapa a tudo isso, que não pode ser explicado por nenhuma causa de natureza universal. i: aí que a umbanda se propõe a atuar, porque é esse nível que pode ser influenciado por forças mágicas. Por que, na crise econômica que estamos vivendo, o fulano, entre tantos colegas, foi "premiado" com o desemprego, quando outros tiveram sorte diferente? Esse acaso, para os umbandistas, é determinado. Pertence à área de atuação do sobrenatural. Quando protegidos pelos santos, os indivíduos passam a usufruir de uma boa relação com a sorte. A magia, como explicou Evans-Pritchard, não é fruto de um pensamento irracional, mas uma crença na determinação do acaso (Pritchard, 1978). Vencer o acaso, ter a sorte sempre a seu favor depende, contudo, de um esforço no sentido de garantir para si a proteção dos espíritos. Em outras palavras, a norma é que se institua entre o cliente e o médium incorporado uma relação de troca mútua de favores. O santo aceita proteger seus clientes se estes, por sua vez, "pagarem" a proteção recebida. Os filhos-de-santo que contam com a proteção de muitos espíritos são geralmente pessoas muito ocupadas. Estão sempre envolvidos com algum trabalho para o santo, multiplicando esforços para servir a todos. Arreiam obrigação para as suas entidades, fazem
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oferendas diversas para os orixás, cuidàm do corpo tomando "banhos de descarrego", preparam cuidadosamente cada sessão do terreiro - providenciando velas, bebida, roupas do santo - volta e meia defumam a própria casa, plantam ervas especiais para os banhos e obrigações e, além de tudo isso, são obrigad9s em cada sessão do terreiro a passar a noite inteira acordados trabalhando para os santos, atendendo à clientela no árduo dever de prestar caridade. Cada obrigação que "se arreia", seja na mata ou no cemitério, implica um preparo cuidadoso. E isso dá trabalho. Por exemplo, uma receita que transcrevo de um livro de divulgação de umbanda: "Oferenda para Ogum Local - Na entrada da mata Oferenda - Um churrasco de costela, cerveja branca, farinha, 1 charuto e fósforo.
Modo de preparar - Prepara-se o churrasco untando-se antes com azeite de dendê, temperando-o na forma normal e levando-o ao fogo para assar. A farinha é preparada em gema de ovo batida e levada ao fogo para corar com azeite de dendê. Coloca-se, depois, a farinha numa bandeja e sobre esta o churrasco e em volta rodelas de tomate e ovo -cozido. Prepara-se o local, cobrindo-o com papel de seda branco e vermelho coloca-se a oferenda, abrindo-se a cerveja, que é depositada ao lado, juntamente com o copo com um pouco
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Caboclor,nena ·Branca.
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de bebida; acende-se o charuto, que é depositado do outro lado da bandeja, deixando--0 sobre a caixa de fósforos aberta". (Sem autor - Banhos de descarga e amacis. Rio, Ed. Eco, s. data)
Quando se aproxima a data comemorativa de algum orixá, as obrigações dobram; o terreiro promove festa, o que implica também fazer comida para todos os convidados, além das comidas do santo. O trabalho avança pela madrugada adentro vários dias antes da festa - que por sua vez, dura uma noite inteira, terminando com dia claro. Cotidianamente, os religiosos estão servindo a seus guias e orixás. E, quanto mais ·dedicação demonstrarem maiores serão os benefícios que poderão obter. i= uma relação de troca que, evidentemente, não se passa entre parceiros iguais. Os homens, por princípio, são muito mais sujeitos a dificuldades do que aqueles que se encontram no plano sobrenatural. Dependem, pois, dos favores destes. As diversas obrigações, os despachos, as oferendas são meios que os umbandistas usam para manter as entidades espirituais com boa vontade e dispostas a retribuir o que recebem. Cria-se uma relação vertical, com os homens esforçando-se para manter aberto o canal de acesso para cima. Um filho-desanto cuidadoso usará todos os recursos que puder para contar com a benevolência dos orixás, porque sabe que se for relapso sofrerá as canse-
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qüências - os santos de sua cabeça, raivosos por não estarem sendo bem servidos, vingam-se e desgraças e mais desgraças passam a se suceder na vida do infeliz, até que ele pague as d ívidas que acumulou. Há nessa concepção uma idéia de hierarquia os "pequenos" devem .servir aos "grandes" - e também a idéia de uma multiplicidade de poderes que não se somam num só: são vários santos . particulares e cada qual com suas exigências específicas. As oferendas são planejadas levando-se em conta o desejo e as particularidades de cada um, fora as exigências que são de viva voz colocadas para os fiéis. Haja trabalho para agradar a todos! Sem dúvida, é possível fazer uma analogia entre o lugar do favor na umbanda e o nosso sistema social. A forma de a umbanda se relacionar com o sobrenatural é através de uma ponte construída penosamente por meio de mil e uma obrigações (inclusive a possessão), feitas para agradar os orixás. O caminho de volta nessa ponte são os favores e a proteção. Como afirma Peter Fry, essas relações de favor são equivalentes às existentes no cotidiano da vida social brasileira: "Questiono por exemplo, se há uma grande diferença entre o eleitor suplicante que promete seu voto em troca de uma casa do BNH e um cliente da umbanda que faz um acordo com o espírito de Exu para ganhar um emprego'~ (Fry, 1982)
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Por essa semelhança que salta aos olhos, o mesmo autor interpreta a umbanda como uma dramatização ritual de alguns princípios que ordenam a vida social. Mas estes princípios não correspondem à ideologia "oficial" promovida pelo Estado e suas camadas dominantes. "Oficialmente" o favor e a proteção não têm lugar junto aos ideais de uma sociedade moderna, igualitária, que se pretende composta por cidadãos 1ivres e iguais nos seus direitos. Isto posto, façamos uma outra pergunta: por que é o umbandista que tem as condições ideais e necessárias de modo a poder dar e "vender" proteção? · Num primeiro momento a resposta é óbvia: como médium, ele tem acesso às forças sobrenaturais. Mas há ainda outras razões. Vimos que o médium. de umbanda tem na sua cabeça santos e orixás de todos os domínios. Ele é capaz de colocar em terra um santo relacionado com os valores da casa, cómo o preto-velho, que valoriza acima de "· tudo aqueles a quem vê como "parentes"; e é · :'também capaz de se relacionar com o domínio da tua, onde impera a impessoalidade e é exigida a esperteza dos exus; e, por último, possui inúmeros caboclos, cada qual ligado a um poder específico da natureza. Não é de maneira alguma gratuita a insistência dos clientes da umbanda em pedir a pais-de-santo poderosos que lhes dêem um diagnóstico preciso
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de seus males. Esse diagnóstico nada mais é do que o estabelecimento de uma relação entre o problema e um domínio específico no qual este pode ser resolvido. Para alguns será dito que o seu problema é com lemanja; para outros, será o espírito de criança o responsável e assim por diante. O pai-de-santo, capaz de controlar e ter acesso a todos os dom fnios, é um verdadeiro especialista em passagens, entre os vários mundos que existem na sua sociedade e no universo (Fernandes, 1982). Sabe controlar as fronteiras do mundo humano e com o sobrenatural, sabe repartir a própria cabeça entre os vários santos servindo a todos, sabe o que convém a cada um de seus senhores, sejam estes da natureza, da civilização ou do mundo perigoso da marginalidade. De fato, a forma pela qual a umbanda concebe o mundo com o seu conjunto de orixás divididos entre domínios com características bem marcadas tem profundas analogias com princípios que encontra, mos presentes na vida social (Da Matta, 1979). Tomemos por exemplo a diferença tematizada pela umbanda entre o domínio dos pretos-velhos e crianças e o domínio dos exus. Em um temos a ordem da casa, onde se valorizam a hierarquia, as relações de família, os laços afetivos que devem ter prevalência sobre a diferença e o conflito. No outro se apresenta o domínio da rua, onde o princípio que impera contrasta claramente com o primeiro - ao invés dos laços de parentesco determinando o lugar das pessoas e estabelecendo uma hierarquia entre
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elas, temos regras impessoais que recaem sobre um conjunto de pessoas vistas individualizadamente. A oposição casa/rua nâ'o é utilizada somente pelos umbandistas para representar domínios distintos que eles reconhecem na sua sociedade. Como demonstra Roberto Da Matta, essa concepção se encontra difundida entre todos os grupos sociais que reconhecem formas de ser e de agir distintas, de acordo com as regras de cada um desses domínios em que se encontrem. Esse autor, que analisa a sociedade brasileira através de seus dramas e rituais, demonstra que na oposiçâ'o casa/rua podemos encontrar a vigência de dois princípios opostos: um igualitário, que promove a crença na lei e na idéia de homens livres e iguais; o outro, hierarquizante, em que as pessoas são vistas como partes de famílias ou de grupos diversos, prevalecendo o status sobre a impessoalidade das regras (Da Matta, 1979). Nesse sentido é que o umbandista, vendo a sua sociedade composta por domínios diferenciados, é capaz de se nutrir em cada um deles e auxiliar a · todos no complicado mister de viver nas regiões urbanas da sociedade brasileira. Ele tem a competência de controlar as fronteiras do mundo humano com o sobrenatural, sabe relacionar as forças da natureza com a cultura, a vida com a morte, o branco com o negro, os valores universais com os interesses particulares, os poderes de cima com os poderes de baixo. Em suma, a sua especia-
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lidade é lidar com as varias faces da sociedade em que vive, retirando delas a sua força . . Numa interpretação muito sugestiva, Zélia Lóssio Seiblitz descreve um ritual num terreiro na Baixada Fluminense em que um pai-de-santo, candidato nas últimas eleições, promoveu uma gira para se fortalecer no embate eleitoral: "O ponto culminante foi a segunda parte, quando se bateu para Ogum e a entidade desceu em vários médiuns e pessoas da assistência. A um gesto do babalorixá fez-se silêncio. Ele então improvisou breve discurso onde disse o motivo da gira - o seu fortalecimento - e para isto pediu a todos os presentes que fizessem uma corrente a Oxalá para que todos seus objetivos fossem alcançados. Os filhos-de-santo, em torno, de braços estendidos, ampliavam as vibrações. Então, cada um dos quatro babaloríxás puxou um ponto curto, dando um passe no candidato. Ao último passe recebido o babá 'virou no santo', colocando mais um Ogum na terra, em meio aos outros que estavam incorporados nos médiuns. Com a valentia e a dignidade do santo-guerreiro, empunhou a espada e antecipou a luta que pretendia travar na Câmara. Os atabaques soaram mais forte e os médiuns formaram um grande exército de defensores do povo. Verdadeira consagração do candidato, redefinia-se ali uma aliança que explorava os mortais eleitores e colocava, entre eles/do lado deles, vários tipos de Ogum: Iara, Megê, Beira-Mar. Após o último intervalo bateu-se ainda para Exu, e outra vez
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o candidato recebeu a entidade. Desta vez já não era o candidato vitorioso, vencedor de demandas, era o responsável pela abertura de caminhos, garantindo um mandato que, por mais difícil que seja, terá os obstáculos afastados". (Seiblitz, 1982)
Esse exemplo das eleições vem a calhar. Afinal, estas representam um momento democrático na vida da sociedade. Nessa hora de escolha pelo voto há um embate político e, por isso, o umbandista citado recorreu aos vários espíritos de Ogum para travar a guerra santa das idéias. E se eleito, ninguém melhor do que Exu para ultrapassar as artimanhas colocadas pelo poder e lhe garantir, na Câmara, a abertura dos caminhos para o difícil mister da representação popular.
Caridade e demanda - os dois pólos da identidade social umbandista , Aqui enfrentaremos um ponto bastante sensível para os umbandistas: como eles se vêem e são · vistos na sociedade. A identidade social desse segmento da nossa população é um tema relevante, pois ela repercute nos papéis sociais que lhes são atribuídos. Como já vimos, o médium de umbanda lida com forças sobrenaturais que possuem a singularidade
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de serem representadas como subalternas - são forças tidas como primitivas, marginais e sempre vistas como distantes dos núcleos de onde emanam os poderes e as razões civilizadas. Há, contudo, um preço social a pagar pelo fato de se ter poderes às vezes tão perigosos. Esse preço é, como sabem todos os umbandistas, o enfrentamento cotidiano de Üm estigma. São, com freqüência, vistos como pessoas suspeitas, despertam desconfiança e sofrem, volta e meia, acusações as mais variadas. Mas o estigma e o tratamento pejorativo que é dado à religião não é a sua única face. Existe uma outra, certamente menos visível, pela qual o umbandista comunga com os valores dominantes na sua sociedade. Vê a si próprio e luta para ser visto por todos como uma pessoa de respeito, cumpridora dos seus deveres e incapaz de fazer mal a alguém. Apesar de cultivar uma imagem social positiva e próxima aos valores dominantes, nem por isso abre mão daquilo que na sua identidade social lhe traz tantos problemas - a sua relação com as forças sobrenaturais identificadas negativamente pela sociedade. Há, portanto, um problema que é de difícil solução: entre ficar com a imagem de sua pessoa ligada aos seres e poderes da periferia · e permanecer com uma identidade social não estigmatizada, o umbandista pretende ficar com as duas alternativa~. Como já vimos, ao contrário do católico, que
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exorciza de si tudo que escapar do único caminho correto e compatível com a sua identidade com Cristo e com o Criador, o umbandista escolhe conviver com os variados perfis e poderes de seus santos, independentemente do nível moral atribuído a eles. No entanto, não é fácil lidar com os aspectos contraditórios porém constitutivos da sua identidade social. Se não é possível expulsar o que a sociedade aponta como negativo, o que fazer? Vejamos o caso de dona Selma, mãe-de-santo feita há trinta anos, respeitada e querida na sua casa por todos os clientes e médiuns. Ela não pode se furtar de ouvir, ainda que raramente, comentários depreciativos sobre a sua atividade. Pelas costas a chamam de "macumbeira", "pomba-gira", e os que fazem isso, afirma, certamente já foram atendidos no seu terreiro. Mas, o que a deixa indignada é quando, além da ofensa, levantam alguma suspeita. Foi o caso de uma jovem freqüentadora do t~rreiro que acusou-a de ter ajudado uma outra a "roubar" seu marido, por intermédio do Exu Tiriri. Dona Selma evidentemente negou. Ela jamais faria um papel desses. O esp frito de Exu pode fazer, mas ela, experiente nas coisas do santo, não deixa. São trinta anos, o que não é pouco - não há entidade, seja de onde for, que ela não possa enfrentar e que não obedeça às suas ordens dentro do terreiro. Mas ela reconhece que há outros que fazem coisas assim - gente sem
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princípios que, em troca de qualquer dinheiro, prejudica os outros. Essas acusações não são rarás na umbanda. Ao contrário, o cotidiano dos terreiros é povoado por fofocas dos mais diversos teores. Muitos comentários se dão em torno de acusações de demandas, trabalhos de magia que visam "derrubar" alguém por intermédio das entidades. Yvonne Maggie (1975) explorou, no seu livro Guerra de orixás, os conflitos internos de um terreiro que emergiam na forma de acusações mútuas entre filhos e pai-de-santo e entre uma casa e outra. Esse "clima" de acusações mútuas, evidentemente, depende em parte da idéia que se faz da religião. Uma vez acreditando-se que esta leva a um contato permanente com forças a-éticas, também não é estranho supor que alguém está se utilizando de espíritos contra uma outra pessoa. O que se pode contrapor a essas acusações que nascem num campo fértil é a integridade moral de · cada pessoa em particular. Depende, pois, da constituiçâ'o moral de cada um aceitar ou não a utilização desses recursos escusos. Por essa razão não é raro vermos, lado a lado, as mais violentas acusações e declarações enfáticas sobre o caráter incorruptível, sobre a bondade a toda prova dos integrantes de um determinado terreiro em contraposição aos "outros", sujeitos à suspeição. Seguindo essa linha de raciocínio, podemos \..
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entender uma classificação da umbanda que a separa em duas vertentes opostas: a umbanda e a quimbanda. Fala-se também em "macumba", como um termo pejorativo para umbanda, que equivale à quimbanda. Essa última se dedicaria aos trabalhos "para o mal", ao contrário da primeira. O interessante dessa história é que é sempre a casa do vizinho a suspeita de praticar quimbanda, e deve ser difícil encontrarmos alguém que assuma como autodefinição a classificação de quimbandeiro. Por tais acusações percebemos a ambigüidade que existe na identidade social do umbandista. Ao mesmo tempo, é também visível a existência de formas de lidar com os problemas que essa ambigüidade ocasiona. Com efeito, ela tem um sentido integrado à crença religiosa como um todo. Na defesa que a mãe-de-santo fez da sua pessoa, acusada de ter trabalhado "para o mal", destaca-se um argumento: os espíritos que descem num terreiro de umbanda subordinando-se à vontade do médium desenvolvido, · ou seja, aquele que já fez o seu aprendizado. As pessoas decentes não deixam · uma entidade sem luz fazer bobagens. Postula-se, portanto, uma diferença entre o médium - indivíduo que está sujeito às normas da sua sociedade, que possui valores éticos, profissão definida - e ele mesmo em estado de possessão, quando são os espíritos e orixás que se manifestam. Os espíritos fazem parte do médium mas este
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pode se destacar deles, como bem explicitam as cenas de possessão. Como vimos, o conjunto formado pelos espíritos que "dão consulta" é ordenado de tal forma que supõe uma subordinação hierárquica a um elemento que se encontra fora dele - o homem branco, fonte de todas as comparações que estabelecem o caráter "pouco evoluído" dos espíritos umbandistas. O médium em pessoa, fora do transe, tende a se identificar com esse modelo. Vale dizer que este jogo de identidades possíveis tem então uma forma particular de se realizar entre duas imagens básicas: uma, ·que aciona a idéia de respeitabilidade, do umbandista sintonizado com os valores da sua sociedade; a outra, de um sujeito capaz de manipular o acesso que possui aos santos da sua cabeça, marcados pelo estigma do primitivismo. Há pouco falamos do umbandista como um especialista em passagens, como aquele que se encontra na privilegiada posição de poder produzir o contato entre a natureza e a cultura, a ordem e a desordem, a periferia e o centro. E agora estamos vendo que essa su'a capacidade aplica-se também à sua própria pessoa. Se, por um lado, ele pode ser identificado com a. imagem do homem branco, racional, evoluído, de outro, pela possessão, ele pode acionar uma outra imagem que é o reflexo invertido da primeira. Essas duas imagens são simbolicamente separadas pelo ritual de possessão,
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que garante a passagem de uma à outra. Há ainda um outro elemento de fundamental importância para entendermos esse jogo de imagens constitutivo da identidade social do umbandista - é a caridade, em nome da qual se exerce toda a sua prática religiosa. A função de um centro de umbanda, segundo os seus praticantes, resume-se numa só - fazer caridade. De fato, os religiosos da umbanda entendem como função da religião prestar caridade aos necessitados. As consultas são meios de se prestar caridade. Ao lado destas, os umbandistas se preocupam em desenvolver outras formas de ação caritativa - alguns centros distribuem alimentos aos pobres, outros, mais estruturados, organizam campanhas de doações de roupas e bens diversos. A caridade, por um lado, está relacionada com a face "branca" e "evolüída" dos médiuns, e por outro, é mais um nome do exercício da possessão - meio pelo qual os umbandistas exercem o poder mágico. Há, então, na categoria caridade elementos pelos quais é possível para o umbandista conciliar essas faces contraditórias da sua identidade social. Ele é o mais branco dos brancos por fazer cotidianamente aquilo que na cultura deles é visto como um dos símbolos de um alto grau de elevação moral; mas é também negro, pelas entidades negras que trabalham e pertencem à sua cabeça, e pelo mesmo motivo, é índio, malandro, criança, guerreiro valente, abridor de caminhos
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- junta, pois, numa só pessoa estes aspectos conflitivos, sem precisar negar a existência de nenhum deles. A articulação numa mesma pessoa de aspectos ditos primitivos e evoluídos, a-éticos e moralizantes, civilizados e selvagens tem uma nítida analogia com uma outra idéia muito cara à nossa cultura, que ··é a idéia de nacionalidade, que passaremos a desenvolver a seguir.
Entre brancos, negros e índios - a umbanda coqio o paradigma da nação brasileira Assisti a uma mesa-redonda, promovida por uma federação umbandista, cuja discussâ'o versava sobre a importância das entidades espirituais, caboclos e pretos-velhos. Estavam presentes vários pais e mães-de-santo, além de alguns líderes reconhecidos da religião. A grande questão que mobilizava a todos era a seguinte: quem é mais importante para a religião - caboclos ou pretosvelhos? Resumindo a discussâ'o, que foi longa, teríamos o plenário dividido em torno dos seguintes argumentos: os caboclos são mais importantes porque eles foram os habitantes originais do Brasil, antes era tudo deles, são espíritos mais brasileiros do que os ex-escravos africanos. Cada um de nós tem sangue índio nas veias, e por tudo
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isso não existe umbanda sem caboclo. Os que estavam a favor dos pretos-velhos contra-argumentavam: embora seja inegável a contribuição dos índios, foram os africanos que construíram o país pelo trabalho escravo. Tudo que temos hoje, todo o progresso se deve ao trabalho deles. Fiquei surpresa com os rumos que a discussão tomou. Afinal, o que estava em pauta eram espíritos, pertinentes à religião, ou grupos sociais, integrantes da nação brasileira? Qual era o ponto de referência, a nação ou a religião? O debate ilustra bem o significado dos espíritos para a umbanda: são pensados como tipos nacionais. A discussão visava estabelecer qual o tipo que melhor encarnava a idéia da nação brasileira. Diga-se de passagem que não se chegou a nenhum acordo que estabelecesse a exclusividade de um em detrimento do outro. A soluçã'o foi verificar que cada entidade, a seu modo, era representativa da nação brasileira.· Erigir o negro e o índio como tipos nacionais não é, mais uma vez, algo feito com exclusividade. Encontramos essa mesma relação ·simbólica presente na representação de nação de outros segmentos soc1a1s. Brasileiros freqüentemente associam a sua nacionalidade ao samba, a comidas como vatapás e feijoada, que são elementos culturais a princípio restritos a determinados segmentos étnicos, como os negros. Quando nos apanhamos dando exemplos distintivos da nacionalidade
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brasileira, o que aparece são os símbolos do negro e do índio em nosso país. Peter Fry foi quem chamou atenção para essa relação que estabelecemos entre símbolos étnicos e os símbolos nacionais. Comparando-nos com os Estados Unidos, ele demonstra que lá, ao contrário daqui, os símbolos étnicos permanecem como tais - ninguém usa como símbolo da nação americana algo peculiar de um dos grupos que a compõem (Fry, 1982). O compromisso da umbanda com a idéia da nacionalidade brasileira não é de hoje. Desde a década de 20 encontramos referências explícitas à umbanda como a "legítima religião brasileira". Uma das justificativas utilizadas pelos adeptos da religião era que esta, ao contrário do candomblé, que aceitava somente a influência africana, integrava a influência das "três raças" aqui existentes: a branca, a negra e a indígena. Diana Brown (1977), que fez um longo e importante trabalho sobre a umbanda enquanto movimento social, destacou a presença dessa ideologia da nacionalidade, particular!Tlente intensa entre os seus membros dirigentes. Relaciona-a com o clima populista, incentivado por Getúlio Vargas no período democrático que se seguiu ao Estado Novo. Outro pesquisador, Renato Ortiz, atribui como uma das funções da religião a integração do negro à sociedade nacional, o que faria com que este perdesse a religião como símbolo de uma outra cultura, de origem africana (Ortiz, 1978). \.
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Todos nós, a bem dizer, privamos de intimidade com a concepção de nacionalidade que está sendo exposta. A idéia das "três raças" harmoniosamente entrelaçadas compondo a nação brasileira encontrase nos livros escolares, na literatura, na produção musical e' também difundida no nosso senso comum. O tema nação, seja tratado pela umbanda ou por qualquer outro segmento social, coloca em pauta um problema que vimós desenvolvendo ao longo deste texto, ou seja, a relação entre a unidade e a multiplicidade, de um lado, e a questão da hierarquia, do outro. De fato, a idéia de nação coloca em pauta a questão da unidade: como falar de uma nação com várias . "raças"? Como falar de um único povo, o brasileiro, num conjunto que prima pela variedade? Na idéia de nação o Um deve prevalecer sobre o Múltiplo, e as formas de fazer isso não têm sido sempre·as mesmas. A solução que a nossa idéia de nação apresenta - uma nação composta por três raças - precisou utilizar como recurso a noção de complementaridade, isto é, cada uma das "raças" presentes teria participado na formação de um único tipo, o brasileiro. Particularmente um autor merece ser referido como ideólogo dessa concepção de nacionalidade: Gilberto Freyre. Em Casa grande & senzala (Freyre, 1973), ele desenvolve o argumento central da sua obra, a idéia de que o brasileiro é o resultado feliz da conjugação do negro, do
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índio e do branco. Cada uma dessas "raças" teria trazido a sua contribuição particular para a formação da nossa nação e do tipo único do brasileiro. Nessa forma de conjugar o Um com o Múltiplo · vemos que se apresenta uma hierarquia. De fato, as "contribuições" por parte de cada um desses segmentos, que Gilberto freyre destaca, são condizentes com o lugar que ele lhes dá numa hierarquia baseada num critério evolutivo: os mais evoluídos - os brancos, naturalmente - contribuíram com o empenho civilizador, a racionalidade ocidental. Sofrendo a miscigenação com o negro, o branco modificou-se, adquirindo traços mais emocionais, adoçando a rispidez que por vezes acompanha a frieza da racionalidade. E finalmente o índio temperou essa mistura com a força, a ligação com a natureza, o espírito Vivre e resistente à escravidão. O tipo brasileiro, assim, se fez pela articulação desses elementos provenientes de "raças" que pertencem a uma escala evolutiva com os atributos que lhes são correspondentes. Um outro autor já citado, Roberto da Matta, explora essa representação que fazemos do "brasileiro" e que se encontra tão difundida. Mostra como a nossa identidade social se articula num "triângulo de heróis": . "Podemos ser a um só tempo e simultaneamente o branco colonizador e civilizador, o preto escravo que corporifica a forma mais vil de exploração do trabalho -
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a escravidão - e, finalmente o lndio, dono original da terra, marcado por seu amor à liberdade e à natureza. E, além disso, somos - além da ideologia das três raças que acabamos de apresentar e que surgem também num triângulo - soldados, fiéis e foliões . .. ". (Da Matta, 1979,p. 202)
Ao lado dessa explicação sobre a umbanda alimentando a representação de nacionalidade brasileira pelos "tipos" de seus orixás, é interessante detectar também a semelhança dessa idéia de nação com outras que vimos desenvolvendo aqui, pertinentes à umbanda. Há uma nítida analogia entre o tipo brasileiro, compreendido como uma conjugação das três raças, e o médium umbandista. Este, tal qual aquele, integra em si mais de uma "raça" (é o problema da multiplicidade) mas, da mesma forma que a nação, apresenta-se como um todo hierarquizado - há lugar para todos, mas cada qual no seu lugar, e, por isso, é o branco que oferece a moral civilizada, os valores adequados, a ordem a sér seguida. Como já menCionei anteriormente, o mesmo mecanismo que permite associar o brasileiro com a feijoada, com o samba e com a mulata permite ao umbandista destacar entre as suas partes aquelas vistas como "inferiores", já que estas só fazem sentido, como no caso dos símbolos de brasil idade, dentro de um sistema que lhes dá pesos e valores distintos, numa hierarquia, portanto .
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AS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DO CULTO
Construindo um terreiro As casas de culto de umbanda, na sua maioria, possuem a peculiar propriedade de serem quase invisíveis aos olhos dos leigos. Ao contrário das igrejas cristãs, que ocupam pontos de destaque na geografia urbana, os terreiros são difíceis de encontrar, o que é compatível com o lugar social da religião na nossa sociedade. E isso não depende da vontade de seus dirigentes. Por eles certamente suas casas teriam destaque igual ao que possuem as igrejas, socialmente mais legítimas. O problef11a é, pois, de uma outra natureza. Como são fundados os terreiros? A resposta a essa questão nos dirá bastante a respeito das razões
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da sua pouca visibilidade social. Os terreiros se iniciam a partir do movimento de um médium no sentido de ganhar autonomia de seu pai ou mãe-de-santo. Geralmente é um médium que se considera já "preparado", que tem cabeça feita, e mais, alguma clientela estabelecida. Passa a dar passes, a atender conhecidos em sua casa. De início, poucas horas na semana, ocupando dentro de casa um espaço pequeno. Aos poucos, a sua . clientela aumenta e ele já conta com algum auxiliar no santo. Mais um tempo, e está criada a necessidade de ter a casa aberta, organizada e independente da movimentação doméstica. Os recursos com que conta um terreiro emergente são bastante escassos. Deve ser por isso que os terreiros que se iniciam na sala de estar do pai~de santo acabam com uma construção no terreno da própria casa. E · o caso, por exemplo, de dona Esmeralda, que para arrumar um espaço mais compatível com a sua clientela e com o número crescente de médiuns mudou-se da sua sala para o subsolo de seu barraco, espaço este "inventado" com a força dos braços de todos os seus médiuns e parentes, que cavaram o chão construindo a nova sala de culto, com entrada independente e oficializada perante uma das federações de umbanda. De forma semelhante foi construído o terreiro de um pai-de-santo conhecido, que se mudou para os fundos de seu quintal e, na frente, montou a casa de culto.
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Essa forma de montagem dos terreiros remete a duas questões; uma, a sua autonomia, e a outra, a maneira pela qual conseguem obter e acumular prestígio de modo a se transformarem em instituições públicas com uma razoável importância dentro do espaço social que ocupam. A primeira questão, a autonomia dos terreiros, se deve aos princípios simbólicos que ordenam o poder dos religiosos de umbanda. Tomemos o caso de dona Esmeralda. O que permitiu que seu terreiro crescesse foi o reconhecimento paulatino dos seus guias como aqueles mais capacitados a resolver os problemas das pessoas a sua volta. Os médiuns que se foram filiando â sua casa contavam primordialmente com os guias da mãe-desanto e a eles recorriam constantemente. O desenvolvimento da mediunidade dos iniciantes se fazia também na dependência dos mesmos santos. Embora no final de algum tempo todos os médiuns passem a contar com os santos das suas próprias cabeças, as graças que obtiveram na umbanda vão ser tributadas ao papel da mãe-desanto. Há, portanto, uma autoridade religiosa inquestionável na figura do pai ou da mãe-de-santo que é vista como a fonte de todos os bens que seus filhos conseguiram alcançar. Na relação de troca que se estabelece com os espíritos, as obrigações maiores cabem aos "guias da cabeça da mãe", e as menores aos próprios guias dos médiuns. De forma análoga, o investimento maior dos médiuns
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é no terreiro de "sua mãe" e não na sua própria casa. Não é difícil de concluir que o médium que quiser abrir a sua casa simbolicamente prepara-se para considerar os "guias da sua cabeça" suficientes para tratar dos seus problemas. A partir daí a sua tendência é de investir em seus próprios guias, obtendo mais prestígio, dando mais consultas, para finalmente abrir o terreiro. Com esse ato de independência, a sua autoridade não reconhece ninguém acima da sua posição. Interpreta a doutrina, segue e modifica rituais, certamente amparado no que aprendeu, mas sempre ciente de que tem legitimidade para, dentro de sua casa, fazer o que considerar mais correto. E a cada mudança que empreender, somente seus próprios guias serão juízes. Os terreiros nascem portanto da divisão de outros, num movimento permanente que se inicia com a formação do médium. Cada um, aliás, é potencialmente um futuro pai-de-santo. Com esse princípio de divisões sucessivas, a umbanda na verdade é um conjunto de terreiros independentes, na sua maioria pequenos. A outra questão que levantamos se refere às formas utilizadas pelos umbandistas para tornar viável a organização do culto. Devemos considerar, de início, que não é nada fácil criar uma instituição religiosa que tenha credibilidade e reconhecimento. E, apesar disso, elas existem e seu número não pára
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de crescer. E é com um enorme orgulho que os pais-de-santo apresentam as suas casas. Quanto maiores e mais bonitas mais fica claro para todos o longo percurso que eles foram obrigados a percorrer. Um elemento fundamental na edificação material e simbólica das casas de umbanda é o reconhecimento progressivo do poder e eficiência junto aos santos, acatado por todos que lá comparecem. Tal reconhecimento, de fato, é o que "faz" a casa e lhe dá condições de crescer. Há, contudo, um efeito que volta sobre si mesmo, formando uma cadeia tal que, em pouco tempo, não se consegue perceber o que é causa e o que é conseqüência. Quanto mais prestígio o religioso acumular mais recursos virão ter à sua mão, recursos esses que, por sua vez, irão contribuir para aumentar o seu prestígio. Esse círculo de efeitos foi esquematizado · por Peter Fry (1982) da seguinte maneira:
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.....i
00
público em geral clientes ricos
reconhecimento festas dinheiro serviços mágicos
paidesanto
serviços rituais de reconhecimento
evidência de sucesso terreiro dinheiro
evidência de sucesso
filhosdesanto
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Segundo esse autor: "O pai-de-santo é o centro de uma rede de distribuição onde serviços mágicos são trocados por dinheiro com os clientes ricos, festas são trocadas por reconhecimento da parte do público em geral e dos filhos-de-santo e o dinheiro investido no terreiro torna-se um símbolo de sucesso'~ (Fry, 1982, p. 15)
Para que possa produzir-se este círculo de efeitos, é preciso fundamentalmente que o pai-desanto consiga credibilidade para a sua atuação religiosa. E é o seu público que vai lhe garantir isso. Esse público que se origina muitas vezes de uma pequena rede de relações: os parentes mais próximos, um ou outro amigo. A capacidade do pai-de-santo vai se apresentar na medida em que, com tão poucos recursos materiais e simbólicos, ele tiver condições de fazer reverter esse pouco em benefício do terreiro. Um dos problemas pertinentes a essa forma de acumulação de prestígio decorre da possibilidade de dispersão dos médiuns. Porque, como vimos, a tendência existente nos terreiros de umbanda é de estes, em um determinado momento, pararem . de acumular e iniciarem um prqcesso de segmentação, com os médiuns formados naquele período de tempo se encaminhando no sentido de abrir as suas próprias casas. Essas situações freqüentemente provocam conflitos internos, desconfianças, já
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que por natureza são delicadas. O movimento de saída de um médium pode ajudar a romper essa cadeia de efeitos que garante o prestígio da casa. Voltamos, pois, ao nosso velho problema - a tensão entre a Unidade e a Multiplicidade. A segmentação como forma de renovação d9s terreiros leva-os a permanecerem, via de regra, pequenos. São grupos organizados em torno da autoridade inquestionável do pai/mãe-de-santo, o que introduz uma outra ordem de questões que examinaremos a seguir - as várias formas de se praticar a umbanda e os limites das variações doutrinárias.
As várias linhas de um mesmo riscado As umbandas existentes são ricas em variações doutrinárias e seus participantes são exímios mestres em inovar, em assimilar influências, em compor rituais. Procedem, em suma, de acordo com o movimento · duplo já apontado: manter uma certa unidade sem abrir mão das múltiplas variações. A autonomia dos centros é sem dúvida o ponto nodal dessa permeabilidade à variação que encontramos na umbanda. E aqui cabe um reparo: não há dúvida de que todos os grupos sociais são sujeitos a influências culturais diversas. Mas o
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processo de assimilação de influências vai estar de um certo modo condicionado à forma de organização interna do grupo. Porque na dinâmica das relações sociais não há qualquer influência cultural - tanto através da televisão como dos jornais ou das promoções do governo - que seja simplesmente "engolida" sem o devido processo de "digestão", isto é, adaptada às experiências de vida dos grupos, refletida à luz de sua história e de suas tradições .. Na minha interpretação, o processo de "digestão" que implica refazer e reordenar o sentido de produtos culturais diversos é mais simples no meio umbandista devido às suas particularidades no plano da organização. i: mais fácil para um paide-santo adaptar uma reza que escutou num programa de rádio, incorporar um novo "ponto . cantado" que apreAdeu num festival de cantigas de umbanda do que uma comunidade de fiéis, numa paróquia católica, realizar qualquer modificação nos rituais de sua igreja. Na umbanda, o que observamos é um campo mais permeável às influências, já que nele não encontramos as barreiras impostas pela existência de uma hierarquia única que reúna todos os fiéis nos mesmos gestos. Num interessante trabalho de pesquisa,· Liana Trindade levantou junto a cinqüenta médiuns de umbanda várias versões sobre a divindade Exu (Trindade, 1982). Fica patente nos discursos
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produzidos que são fruto de um processo de "mistura" e "cruzamento" das várias doutrinas, numa solução que salienta o papel reinterpretativo dos indivíduos envolvidos, conforme destacou Cantor Magnani (1982). Estes, com freqüência, transpõem para a divindade as suas experiências, as suas concepções de vida que, por sinal, estão intimamente relacionadas com o lugar que ocupam na sociedade. Como exemplo passo a citar um dos depoimentos obtidos pela pesquisadora: "Depoimento do senhor J., mulato, 53 anos, sem profissão definida, natural de Cuiabá, pai-de-santo em terreiro umbandista: Exu são espíritos de pessoas que não tinham nada, como Exu Pretinho, que se manifesta em mim. -Ele era um menino pretinho que foi uma criança deixada pela mãe, foi criado assim, um dia com uma pessoa cuidando, outro dia com outra. Igualmente eu mesmo, minha vida foi assim': (Trindade, 1982, p. 34)
Na visão que esse senhor apresenta de Exu são mantidos os elementos básicos da concepção umbandista. Lembremos que essa entidade se relaciona com áreas periféricas e marginais, em oposição às entidades que pertencem ao domínio da natureza, como os caboclos, e ao domínio da casa, como crianças e pretos-velhos. Mas, conservando o lugar estrutural do exu no sistema umbandista, é possível, como fez esse médium,
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acrescentar aspectos inusitados, criando um personagem rico em características particulares, com uma densidade que só é possível porque é fruto da experiência de vida do sujeito. Um outro exemplo interessante, citado no mesmo trabalho, é o depoimento de um senhor branco, lojista, natural de São Paulo: "Exu Anastácio foi mineiro na época dos irmãos Naves, foi acusado injustamente de fazer contrabando de arroz. Ele e a mulher foram mortos na prisão. PombaGira morava na Freguesia do ó, era operária, a sua mãe era prostituta e ela acabou na prostituição''. (Trindade, 1982,p. 34)
Essas duas versões de exu que mencionamos dão destaque a aspectos biográficos desses espíritos quando em vida. Os exus nada mais eram do que pessoas comuns em posições sociais difíceis um negro, que iniciou sua vida como "menor abandonado" e um operário, vítima do sistema judiciário, que acabou pagando por um crime que não cometeu. Sem dúvida que tais situações nos soam familiares, mas ninguém mais hábil para destacar essas dificuldades na . biografia de um exu do que aquele que vive identificado com a sua posição. Parte-se de uma categoria, exu, que como estamos vendo se refere a um lugar estrutural entre outros existentes na nossa sociedade - o lugar
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dos pobres que estão sempre sujeitos a serem marginalizados - e essa categoria é então preenchida e dotada de significações retiradas do cotidiano das pessoas que se identificam com esse lugar. Os exus, portanto, podem ser negros numa versão, diabos redivivos em outra, malandros numa terceira, operários, nordestinos, ciganos e assim por diante. Então, as variações interpretativas, a invenção, a recriação na umbanda são um processo dinâmico e constante. Novas entidades, novas características, novos tipos estão permanentemente em elaboração a partir da mesma matriz. E: impossível enumerar todas as possibilidades interpretativas que surgem nesse contexto religioso. Nada nos impede, contudo, de, grosso modo, relacionar com certos contextos sociais determinadas ênfases e padrões interpretativos. De fato, os terreiros freqüentados por camadas mais populares tendem a ver as entidades de culto sem comprometê-las com uma visão moralizante. E, ainda, é nesses terreiros que o caráter polivalente e ambíguo das entidades ressalta mais. Nos terreiros onde há prevalência das camadas médias é maior o lugar dado a interpretações que destacam o valor- moral das entidades e é maior a preocupação com a "evolução" dos seres espirituais e terrestres. Essa diferença, que ressalta a experiência e as preocupações de classes sociais distintas, vai
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refletir-se numa outra questão: as variações doutrinárias. Como se comporta a umbanda face à diversidade de influências e às variações doutrinárias e rituais? Essa diversidade, que adiante analisaremos no seu conteúdo, não é vista por todos da mesma maneira. Podemos destacar dois comportamentos básicos frente a ela. Um, que considera a diversidade como parte da própria religião. Outro, que a considera parte, mas parte defeituosa e que deve ser eliminada o mais rápido possível. Essas duas maneiras de encarar a diversidade correspondem também à divisão social apontada: as camadas médias tendem a ver o múltiplo como defeito, ao contrário das camadas mais populares, que não encaram a multiplicidade de uma forma depreciativa. -. ComecemCi>s por esta última alternativa. Uma idéia importante que as camadas populares usam para pensar a religião é a idéia de destino. As pessoas viram no santo porque esse é o destino delas: é algo predeterminado. Da mesma maneira, uma pessoa ter ou não ter guias na sua cabeça não depende de nenhum esforço pessoal. Ou se · tem ou não se tem. A mediunidade pode ser cultivada mas não "inventada" - para isso os pais-de-santo ouvem o veredito dos espíritos que, por um conhecimento inacessível aos homens, podem dizer quais são os santos da sua cabeça e o destino de cada um. Uns poucos são chamados
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para "botar roupa" e vir "fazer caridade" nos terreiros. Caminha junto com essa idéia de destino a avaliação que se faz das diferentes formas de se praticar o culto. Por exemplo: se uma determinada pessoa pratica umbanda "traçada" com o candomblé e um amigo seu segue uma orientação mais voltada para o espiritismo, isso se deve apenas à diferença de destinos - os santos de uma possuem mais afinidade com o candomblé, os da outra sâ"o "de mesa". Nenhuma das duas elegeu essas afinidades. E assim refletiu um filho-de-santo, justificando a sua mudança de um terreiro de umbanda para um "traçado" com candomblé: "Se um orixá da pessoa tem mais dom pro candomblé então a pessoa se prepara no candomblé . . . se tem mais dom para a umbanda a pessoa vai para a umbanda, se tem mais dom para a quimbanda então vai para a quimbanda".
Vê-se que em nenhum momento esse médium considerou o candomblé melhor ou pior que a umbanda, mas tratou simplesmente de encontrar aquele adequado à sua pessoa, de acordo com o seu dom particular, determinado pelos santos da sua cabeça. Recordemos que o umbandista acredita na existência de muitas linhas e falanges que formam um conjunto diferenciado, composto por várias
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espécies de seres sobrenaturais. Cada linha possui a sua particularidade e nisso elas se assemelham às religiões, que de certo modo podem ser comparadas a linhas. As linhas dos espíritos na umbanda se traçam, se cruzam, se encontram de diversas maneiras, formando novas configurações, novos personagens que, apesar de tudo, guardam identidade com os princípios da religião. Não foi visto que os seres humanos são concebidos como sendo também "traçados", já que contaram nas suas composições com virtudes e defeitos de espíritos de procedências distintas? Tanto pessoas qUanto espíritos e religiões são pensados pela umbanda como sujeitos a influências de linhas e falanges. As linhas "irradiam" energias que determinam modos e comportamentos em quem as recebe. Um caboclo na linha de lemanjá difere de outro na linha ou na vibração de Ogum. A presença dessas linhas diversas nas pessoas e na religião não depende da participaçâ'o humana somos simples objetos de forças do destino. As discussões sobre as várias vertentes rei igiosas vão dar-se no interior dessa concepção; destacandose não uma "opção" do indivíduo, mas o reconhecimento de várias forças que forjaram o destino daqueles que se encontram nesse ou naquele culto. E as voltas do destino podem se manifestar por meios prosaicos. Por isso, muitos dizem com inegável sinceridade que pertencem a um deter-
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minado tipo de terreiro porque foi lá que se viram bem atendidos, que seus orixás julgaram conveniente etc. As razões e contextos particulares à vida dos indivíduos apresentam-se como legítimos pelo simples motivo de que são estas as razões de seus orixás. Sendo assim, não há a preocupação em estabelecer um critério de verdade que diga qual é o orixá "certo", o terreiro "verdadeiro". Ao invés de oposições com base em questões de princípio separando e organizando os umbandistas em correntes de pensamento, encontramos um conjunto em que a segmentação é a regra, sem, contudo, ser operada por causa de princípios únicos e exclusivos, mas em razão de critérios particulares, relativos e contextualizados que correspondem ao destino de cada um na Terra. Esse modo de encarar a variedade de práticas na sua religião difere tanto dos terreiros com predominância das camadas médias entre os seus participantes quanto de alguns candomblés de tradição nagô, cujos integrantes são verdadeiros especialistas - em elaborar critérios de distinção separando-os de outras vertentes no interior do culto afro-brasileiro. Para o candomblé nagô, a fidelidade à origem africana é um dos princípios distintivos mais importantes, separando o candomblé puro dos misturados. O ·a fã de pureza e fidelidade à tradição nem sempre é entendido pelos médiuns de umbanda. Por isso não .é raro encontrarmos pessoas que \.
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observam: se fulano é nagô e apesar disso tem um caboclo ou preto-velho na sua cabeça não pode prender os guias, tem que deixar descer e incorporar, mesmo sendo de outra linha. E muitos fazem exatamente isso. Não são poucos os terreiros que praticam umbanda às segundas· e quartas e candomblé às terças e quintas. Os responsáveis se explicam: seus santos e orixás exigem o trabalho para as duas linhas. A umbanda mais praticada, que se dissemina sem nenhum controle, é essa - misturada, que não dá importância à pureza, seja esta de cunho moral, com a pretensão de impor códigos doutrinários, seja de caráter ritual. Através da representação das diferenças religiosas como linhas possíveis e legítimas comandadas pelos espíritos e orixás, torna-se sempre possível para o umbandista compor, somar, articular princípios diversos na sua prática. Cada uma dessas influências imprime a sua marca na prática religiosa, dando um tom diverso à argumentação, direções inusitadas a seus rituais, compondo, em suma, padrões diversificados de se praticar a religião. Encontramos, pois, umbandas misturadas com o candomblé, o catolicismo, o judaísmo, com cultos orientais, espiritismo, com a maçonaria, o esoterismo ... E claro, no entanto, que algumas influências estão mais presentes do que outras, como é o caso do candomblé, do espiritismo e do catolicismo.
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Entre estas percebemos dois movimentos que caminham em direções opostas. De um lado, uma certa tendência a valorizar a eficácia da religião associada ao seu poder sobre as forças periféricas e perigosas. De outro, a tendência a valorizar os critérios morais e a hierarquia com base numa ordem evolutiva dos espíritos, dos homens e da sociedade. Como se fossem dois pólos dos quais tendencialmente os terreiros se aproximam mais ou menos. Assim, os centro sob maior influência do candomblé, além de assimilarem de forma significativa seus rituais, suas divindades e oferendas, dão valor sobretudo às práticas identificadas · como de "origem africana", símbolo ao mesmo tempo da religião e da fonte inesgotável de poder mágico, ligado ao "primitivismo". Percebe-se nessa umbanda praticada com a influência do candomblé a explicitação de critérios estéticos, rituais que vão ter como referencial a Africa. São terreiros que valorizam os atabaques, as roupas coloridas, as oferendas que implicam matança de animais, os trabalhos perigosos que envolvem cachaça, pólvora, enxofre e tudo mais que puder aumentar o valor e eficácia mágica dos seus filhos-de-santo. Os centros marcados por uma certa filiação com o espiritismo dão mais lugar às elaborações que dizem respeito à moralidade do culto, à sua face "branca", através de uma ênfase toda especial · na teoria da reencarnação e nos vários níveis
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evolutivos a que são submetidos os homens. Seus rituais procuram valorizar tudo aquilo que se apresente como mais elevado e mais despido das contingências materiais da . vida. Os símbolos de elevação espiritual tanto podem ser uma música de órgão ou uma luz azulada quanto qualquer outro símbolo que na nossa cultura se identifique com o "civilizado", "erudito", "puro", moralmente elevado. O branco, a luz de vela, a uniformidade na vestimenta dos médiuns, a ausência de atabaques e de espíritos "atrasados" são uma marca notória em tais centros. Certa vez, uma mãe-de-santo me falou que ela havia iniciado a sua vida mediúnica num centro "de mesa" mas, como era analfabeta e não tinha escola, não pôde continuar lá. A "elevação" espiritual exigia nesse centro pessoas "cultas", capazes de receber espíritos de médicos, advogados, que são "mais evoluídos" do que os espíritos que baixam num terreiro de umbanda. Explicitou dessa forma uma certa analogia entre o "destino" de câda um, propiciado pelos espíritos, e a sua situação de classe. · Os centros de umbanda que se dizem cristãos tentam disseminar um critério moral para distinguir as diferenças religiosas. E junto com isso acionam também o ponto de vista evolutivo, fazendo uma analogia dos "mais evoluídos" com pessoas de status social superior. Evidentemente que aqui encontramos a maior participação das camadas
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médias na religião umbandista. Nesse tipo de centro há lugar para tentativas de dotar a umbanda de um sentido unívoco, vendo a multiplicidade segundo um critério que a apresenta mais como um defeito do que uma qualidade benvinda na religião. Vale a pena mencionar que, para os umbandistas, neste último caso, a umbanda nasceu de um movimento dirigido no início do século por Zélio de Morais, pessoa de um círculo de intelectuais · de classe média em Niterói, que se atribuiu a missão de salvar a mediunidade das influências "nocivas" advindas das práticas africanas, implantando a "verdadeira religião brasileira". Em tal movimento predominava a intenção de fazer da umbanda cristã a única verdadeira e legítima, excluindo os terreiros e centros mais africanizados. As tentativas de "codificação" da umbanda, no sentido de· homogeneizá-la, partem geralmente de setores mais intelectualizados. São os intelectuais da religião que buscam não só a codificação mas também e;> estabelecimento de um ceritro decisório único, que subordine os terreiros, e do qual emanem os princípios doutrinários. Mas, por mais que a variação na umbanda nesse caso seja vista como um "defeito" da religião que ainda não teria conseguido estabelecer para todos um único critério de verdade em matéria de ritual, de moralidade, de doutrina - esses umbandistas têm, ao longo do tempo, aprendido
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a conviver com as diferenças. Se não é e nunca foi possível eliminá-las, o jeito é conviver com elas. Contudo, é importante insistir: entre as tendências mais populares - que valorizam a diversidade como uma manifestação positiva do destino - e as tendências mais comprometidas com uma visão moralizante - que procuram excluir do culto o que vêem como "pouco evoluído" - há graus variados de combinações. São tendências e não cultos que estabelecem fronteiras rígidas nesse conjunto de práticas ·religiosas da umbanda. A regra, mais uma vez, é a mistura, apesar de todas as tensões que esta possa engendrar. São as várias linhas de um mesmo riscado.
Unir para vencer. O projeto das federações de umbanda* Contra as várias "I inhas" e lutando por uma religião unificada, temos as federações de umbanda. Estas, que analisaremos · agora, constituem o movimento básico no sentido oposto ao da dispersão e segmentação, que se origina nos terreiros. Vejamos, pois, esse lado da moeda. *
e'ste capítulo é um resumo das reflexões que Zélia Lóssio Seiblitz, Leni Silvestein e eu estamos desenvolvendo numa pesquisa sobre as federações de umbanda no Rio de Janeiro.
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As federações de umbanda surgiram como propostas que visavam responder simultaneamente a dois problemas. Um deles, já mencionado, era o de encontrar uma forma que contornasse a autonomia dos terreiros de modo a poder organizar os praticantes dos cultos afro-brasileiros num conjunto articulado e com um centro decisório único. O outro problema, de caráter político, era o de enfrentar a repressão do Estado sobre a umbanda e os cultos afro-brasileiros em geral. Os umbandistas consideraram necessário promover uma organização que pudesse contrapor-se de modo eficaz às medidas discriminatórias e repressivas praticadas pelo Estado contra essas religiões. Esses dois 'motivos distintos, com maior ênfase em um ou no outro no decorrer de quatro décadas, têm colocado permanentemente para os umbandistas o problema da organização religiosa. A primeira tentativa de criar uma hierarquia religiosa para o conjunto dos umbandistas se deu em 1937 e veio acompanhada de um modelo ideológico de "embranquecimento" dos cultos de origem africana. A União Espírita de Umbanda do Brasil, fundada por Zélia de Morais, propunha uma religião destituída dos símbolos africanos e que, ao mesmo tempo, valorizasse uma orientação doutrinária com base no Evangelho. De forte influência do espiritismo, essa federação surgiu, pois, no interior de um movimento que se atribuía ·como missão disciplinar e normalizar os cultos nos
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terreiros. Esse movimento, estudado por Diana · Brown (1977), foi fruto de um interesse crescente da classe média pela umbanda, onde até então predominavam os segmentos populares. A classe média na umbanda foi quem se armou de recursos materiais e simbólicos no sentido de se apropriar das tradições, redefinindo os seus rumos. Referindo-se aos fundadores desse movimento, por volta dos anos vinte, Diana Brown afirma: "Eram espíritas insatisfeitos e entediados com o que , consideravam ser uma ênfase doutrinária superintelectualizada do espiritismo. Isto os conduziu aos terreiros afro-brasileiros, situados nas favelas ao redor das cidades ( . .. } Estes ilmbandistas pioneiros ansiavam por localizar as origens da umbanda na respeitabilidade das grandes tradições místicas do mundo e encaravam como sua missão salvar a umbanda das influOncias negativas associadas ao seu passado africano, purificando-a de suas práticas africanas". (Brown, 1977, p. 33}
A União Espírita de Umbanda do Brasil, resultante desse movimento e fundada com esse intuito, não conseguiu preservar nem ao menos internamente a sua pureza ideológica - em pouco tempo foi atingida tanto pelo movimento inverso da parte dos terreiros quanto pelo surgimento de outras federações. A tentativa de estabelecer uma hierarquia que contasse com a obediência ritual e doutrinária dos terreiros também fracassou, e com
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isso logo surgiram outras federações disputando com a primeira a sua parcela de poder sobre a umbanda. Em resumo, a dinâmica da dispersão, própria das formas de organização dos cultos, não pôde ser evitada nem mesmo entre aqueles que tentavam colocar em prática um projeto de centralização e unificação doutrinária. Em 1950, várias outras federações foram formadas. Nestas não havia nenhum projeto ideológico claramente definido como encontramos na primeira. Mas, se não era mais possível definir um centro único, dada a realidade dispersa e segmentada que já se anunciava nas próprias federações, era possível tentar uni-las num outro organismo, uma espécie de confederação. Nessa época foi realizada a primeira tentativa de coalizão entre as federações. Mas durou pouco. Ao longo dos anos, podemos dizer com certeza que a umbanda oscilou permanentemente entre tentativas de unificação e movimentos de separação das cúpulas. Enquanto isso, a presença da umbanda na sociedade aumentava. Na década de 60, por exemplo, houve um reconhecimento oficial do poder de influência da religião pela sua indicação na pesquisa do censo. (Antes, não estava prevista a indicação de opção por esse culto.) ~ dessa época também a eleição do deputado Atila Nunes com base em votos dados por umbandistas. A primeira tentativa de união entre as federações \..
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existentes foi sucedida pela criação de uma série de órgãos confederativos que multiplicavam as confederações ao lado da própria multiplicação de federações. Cada vez ficava mais difícil efetivar o projeto de unir os umbandistas. A última tentativa nesse sentido que demonstrou maior eficácia se deu·no início da década de · 70, com a formação de um órgão colegiado CONDU (Conselho Deliberativo de Umbanda) que conseguiu congregar as federações, as quais, no conjunto, eram as que tinham maior respeitabilidade e reconhecimento religioso (Pechman, 1982).
Mas o CONDU, embora conte cõm um número significativo de membros associados, não agrega nem 50% das federações existentes. Ao invés de um único centro aglutinador, o que se tem são várias tentativas dispersas entre si. Ao invés de uma única doutrina, continua cada terreiro com a sua autonomia, "cruzando" linhas e influências. E, então, cabem as perguntas: por que e para que os umbandistas insistem nesse projeto? Quais são os seus contornos no momento atual? Em que direção atuam com eficácia? Com efeito, apesar da tensão que enunciamos entre as tentativas de unificação e os movimentos de dispersão, as federações cumprem um papel nada desprezível, tanto no plano da organização política quanto no plano da arregimentação ideológica. Vejamos, inicialmente, o papel político
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das federações. Para entendê-lo precisamos voltar a nos referir à repressão do Estado sobre a umbanda. Não são passados .tantos anos assim - e a memória disso está presente em muitos terreiros - que os praticantes dos cultos afro-brasileiros tinham os seus atabaques retidos rias delegacias, que os terreiros eram invadidos pela polícia e que, para abrir uma casa, era necessário registrá-la na delegacia. A relação do Estado com essas religiões foi sempre discriminatória, quando não diretamente repressiva. Para isso contou com decidido apoio da Igreja até recentemente. Qualquer dirigente umbandista justifica a existência das federações como uma reação a essa política repressiva - elas viriam preencher um papel de defesa dos umbandistas num meio social discriminatório. Contudo, não simplifiquemos. A relação dos umbandistas com a pol ftica é bem mais complexa. O surgimento das federações se deu no quadro de um Estado autoritário.que lhes colocou, desde o início, um dilema que pode ser resumido em duas formas distintas de atuação política: clientelismo e dependência do Estado; ou autonomia e organização dos terreiros. Explicitemos o sentido dessas fórmulas. De modo semelhante ao que ocorreu na formação dos sindicatos brasileiros, os umbandistas desenvolveram junto aos terreiros uma função assisten,,._ . ~ ..i
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cial que tinha como garantia da sua eficiência um amparo da parte do Estado. Diante da repressão, as federações tinham como possibilidade oferecer aos terreiros uma "proteção", por meio de vínculos cultivados com a burocracia estatal. Estar filiado a uma federação significou ·e ainda significa para os terreiros uma garantia contra as investidas policiais. Essas. formas de garantia tiveram ainda maior eficiência do que possuem hoje na medida em que, até 64, eram as federações os órgãos que providenciavam perante o Estado a legalização dos terreiros. Ao invés de "representantes" autônomos da religião eram mediadores da relação dos terreiros com o Estado. De fato, pela posição em que se encontram, as federações exercem com facilidade essa função mediadora. Por contarem com uma abrangência política maior do que cada terreiro em particular, são órgãos privilegiados para se relacionar com políticos, com as agências diversas como prefei. turas, assembléias legislativas, cartórios, delegacias, órgãos assistenciais etc. O acesso mais fácil a esses serviços possibilita às· federações existirem em função do papel de mediação burocrática entre as necessidades dos seus filiados e as fontes estatais capazes de supri-las. A forma de exercer tal mediação sofre variações significativas no conjunto das federações. Algumas dão ênfase ao papel assistencial, usam mesmo denominar-se /tiA'dicatos da umbanda" -, buscam
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criar vínculos com ambulatórios médicos, investem na legalização dos terreiros e procuram funcionar como "quebra-galho" de todos os problemas que lhes chegam. Outras, essas em minoria, passaram de tal modo a se confundir com o Estado que se especializaram em coagir os terreiros, obrigando-os à compra de "proteção" e contando, para tanto, com auxílio dos órgãos repressivos. i: a representação decididamente às avessas. O sentido da participação política dos umbandistas em parte deriva da condição mediadora que assumem as federações. Mas, na verdade, não é esse o único sentido presente nas atividades desses órgãos. Um outro, que deriva também da atuação discriminatória do Estado, é a luta por um lugar não estigmatizado para a rei igião. Aparentemente há entre esses dois sentidos uma contradição insolúvel: um leva ao caminho do clientelismo e dependência do Estado e o outro leva à criação de um movimento autônomo de organização dos , terreiros. Mas, de fato, as coisas não se passam bem assim. Na variação que encontramos no papel de mediação exercido pelas federações, é possível perceber que para a grande parta das instituições existentes a atividade assistencialista se soma sem contradição com uma pai ítica voltada para os "direitos" dos umbandistas. A política da proteção e a luta contra a discriminação religiosa são vistas, ambas, como formas de defesa dos umbandistas num m~io ~~~ali~h~~ti~Pl m'eio do favor e da
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proteção, as federações contribuem de forma real para lhes garantir o direito de existirem; direito este que, por não estar claramente estabelecido, é considerado um privilégio e, como tal, necessita da intervenção nas relações com o Estado. O direito de não ter o terreiro invadido pela polícia, o direito de bater atabaques durante a noite é apresentado pelas lideranças umbandistas tanto como algo obtido por uma luta social quanto por um favor, graças à intervenção particular junto à delegacia local, a um deputado etc. Entre o direito e o privilégio, as federações umbandistas ficam com os dois. E essa política dúbia, fruto de uma sociedade autoritária, acrescenta dificuldades no projeto de unificação do culto. Se cada federação, por conta própria, a partir dos vínculos particulares com os políticos pode resolver os problemas de seus filiados, por que irá investir numa unidade de todas? Por outro lado, se existe o poder local, ancorado na amizade com o deputado da área, ou na relação com o cartório, existe também a realidade de uma fraqueza diante · da necessidade de intervenções num plano mais abrangente - a união continua em pauta na medida em que os dirigentes umbandistas reconhecem que cada federação, por maior que seja seu poder de mediação, não consegue ter o poder de barganha que teria um único . órgão centralizado que falasse em nome de todos. Mantém-se, então, a tensão entre a
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'unidade e a multiplicidade como formas combinadas e também conflitivas de participaçâ'o política. Vejamos agora o papel desses órgãos centralizados no plano ideológico. As tentativas de unificação da umbanda no plano doutrinário e ritual foram ao longo do tempo adquirindo uma subordinação ao papel político desempenhado pelas federações. Em outras palavras, diante das divergências doutrinárias, das quais nenhuma federaçâ'o escapa, o projeto de união política é suficientemente forte de modo a não ser atropelado pelas divergências de caráter propriamente religioso. Mas então, em que consiste a atuação no sentido de uma codificação doutrinária da umbanda? Os dirigentes umbandistas não conseguiram com efeito impor aos terreiros nenhuma regra de caráter religioso. Mas, apesar disso, exercem uma influência expressiva. A dispersão entre os umbandistas, cada qual na sua casa, e muito freqüentemente em briga com o seu vizinho, foi e tem sido contrabalançada pela presença das federações. Estas funcionam como centros -difusores e produtores de doutrinas. Se podemos falar de pontos de vista comuns no interior da umbanda, isto se deve, ao menos em parte, ao papel exercido pelas federações. Enquan-to que os terreiros criam e recriam as práticas religiosas, as federações aglutinam essas informações, produzem reflexões sobre elas e as difundem
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num nível mais abrangente. Por meio de contatos, cultos coletivos, festas, publicações, programas de rádio, as federações de forma modesta mas permanente influem no sentido de criar entre todos os praticantes da religião uma linguagem comum. E, dessa maneira, ajudam a gerar entre os umbandistas a consciência de que formam um coletivo que existe para além das fronteiras de suas próprias casas. Várias atividades convergem nessa direção. Uma delas são as giras de confraternização: sob o comando de uma ou mais federações, reúnem-se vários terreiros na participação do culto. Cantam, dançam e recebem suas entidades num espaço ritual que consegue abrigar religiosos de várias linhas. Em tais eventos religiosos há algo que, ao menos momentaneamente, estremece as formas tradicionais do exercício religioso. Unir os umbandistas de diferentes terreiros numa mesma gira significa passar por cima das particularidades rituais e doutrinárias de cada um deles e partir de uma forma de participação comum com um ritual que seja aceito ·por todos, num grande coletivo umbandista. Não há dúvida de que esse tipo de atividade contribui para estabelecer um certo padrão para os umbandistas. Mas encontramos ainda outras atividades também importantes. Uma delas, fartamente utilizada, são os festivais de cantiga de umbanda. Nestes, os terreiros se apresentam como
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concorrentes, defendendo num concurso público o valor estético e ritual de suas músicas e danças. Por meio da animação, das músicas, das torcidas concorrentes, do clima de festa cria-se uma ponte de comunicação entre os terreiros, promovem-se e difundem-se posturas, rezas, músicas e também critérios comuns de se pensar a prática religiosa. Agindo no mesmo sentido, há também os programas de rádio que, em grande número, estão vinculados às federações. Os radialistas da umbanda se constituem como instrumentos preciosos no movimento de homogeneização dos cultos. Seus programas, assim como as atividades já descritas, criam um campo de relacionamento comum, em que são discutidos com seus ouvintes os problemas da religião, e forma-se uma rede de informações que espanta pela rapidez com que funciona. São centros informando os "irmãos" de suas festas, são avisos os mais diversos que circulam por esse meio, ao lado de uma atividade permanente de doutrinação e de defesa dos umbandistas contra a discriminação social. Por meio das federações, portanto, se instituiu uma estratégia que deu à umbanda não só uma linguagem comum, mas também propiciou aos umbandistas uma maior visibilidade social - os cultos afro-brasileiros adquiriram um caráter mais público, tornando-se mais respeitáveis aos olhos da sociedade abrangente. Os efeitos religiosos, em suma, se somam aos
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efeitos pai íticos na avaliação que fazemos das federações de umbanda. As tentativas de união, sem dúvida, possibilitaram aos umbandistas maior consciência crítica em relação ao processo de discriminação social que sofrem, ao lado do reconhecimento de que todos formam um coletivo que pertence à mesma religião, apesar das diferenças entre eles. Resumindo, então, a importância da dinâmica federações/terreiros se deve a dois níveis das atividades que aí se apresentam. Um, no plano político, em que as federações ao mesmo tempo fortaleceram uma ação cliente! ística e uma maior consciência dos umbandistas em prol dos seus direitos religiosos. Outro, no plano religioso, em que, apesar das diferenças e da multiplicidade de "linhas", os terreiros tiveram nas federações um instrumento que estabeleceu uma linguagem comum entre eles, e que faz com que se reconheçam como pertencentes a uma mesma religião. O dilema da união versus segmentação mais uma vez não foi abolido. As tentativas das federações no sentido de alterar essa dinâmica falharam todas. Contudo, nem por isso a tensão entre o Um e o Múltiplo deixou de produzir seus efeitos relevantes.
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INDICAÇÕES PARA LEITURA
Para entender de umbanda nada melhor do que dar um mergulho no livro de Roberto Da Matta Carnavais, malandros e h8róis, que fornece um quadro interpretativo extremamente rico de cultura brasileira. O livro de Peter Fry Para ingl§s ver aborda os cultos afro-brasileiros relacionando-os com os vários assuntos: sexualidade, identidade étnica, organização política e cidadania. t de leitura indispensável. O livro de Yvonne Maggie Guerra de orixás analisa a religião umbandista a partir de uma situação específica: um terreiro em crise, ameaçado de dissolução: Com esta abordagem nos oferece uma visão rica dos mecanismos rituais e simbólicos da umbanda. Numa outra perspectiva temos o livro de Renato Ortiz A morte branca do feiticeiro negro, que dá um quadro geral do sistema de crença umbandista. A umbanda enquanto movimento social e suas conotações políticas é o objeto do livro de Diana Brown Umbanda: politics of an urban re/igious movement, ainda não traduzido para o português. Da mesma autora temos o artigo "O papel histórico da classe média na umbanda", em Religião e Sociedade, n'? 1; e com preocupação similar, o artigo de Tema Pechman "Umbanda e política no Rio de Janeiro", em Religião e Sociedade, n~ 8, também de leitura obrigatória.
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Biografia Patrícia Birman, carioca, nascida em 1949, formou-se em Psicologia e, depois de algumas hesitações, mudou-se com armas e bagagem para o campo da Antropologia Social. Atualmente trabalha no ISE R (Instituto Superior de Estudos da Religião), faz pesquisa sobre as religiões afro-brasileiras no Rio e cursa o doutoramento em Antropologia Social no Museu Nacional da UFRJ.
Caro leitor: Se você tiver alguma sugestão de novos títulos para as nossas coleções, por favor nos envie. Novas idéias. novos títulos ou mesmo uma "segunda visão" de um já públicado serão sempre bem recebidos.
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COLEÇÃO PRIMEIROS PASSOS 1 • Soclalfsmo· Arnaldo Spíndel
2 • Comunismo Arnaldo Spindel 3 • Sindicalismo Ricardo C. Antu· nes 4 - Capitalismo A. Mendes Catani 5 • Anarquismo Caio Túlio
Costa 6 - Liberdade Calo Prado Jr. 7 • Racismo J. Rufino dos Santos 8 • Indústria Cultural Telxeira Coelho 9 • Cinema J. Clau· de Bernardet 10 • Teatro Fernando Peixoto 11 • Energia Nuclear
J. Goldemberg 12 • Utopia Teixeira Coelho 13 · Ideologia Ma· rilena Chauí 14 • Subdesenvolvi· mento H. Gonzalez 15 • Jornalismo Clóvis Rossl 16 • Arquitetura
Carlos A. C. Lemos 17 • História Vavy Pacheco Borges 18 • Ques-
tão Agrária José G. da Sllva 19 • Comunidade Ec. de Base Frei Betto 20 • Educação Carlos R. Brandão 21 • Burocracia F. C. Prestes Motta 22 • Ditaduras Arnàldo Splndel 23 · Dialética Leandro Konder 24 • Poder Gérard Lebrun 25 • Revolução Florestan Fernandes 26 - Multinacionais Bernardo Kuclnskl 27 Marketing Aaimar Aichers 28 • Empregos e Salários P. A. de Souza 29 • lnte1ectuais Horácio Gonzalez 30 • Recessão Paulo
Sandroni 31 • Religião Rubem Alves 32. Igreja P. Evaristo. Car· deal Arns 33 - Reforma Agrária
J'. Ell Veiga 34 • Stalinismo J . Paulo Netto 35 • Imperialismo
A. M endes Catani 36 • Cultura Popular A. Augusto Arantes 37 • Filosofia Caio Prado Jr. 38 • Mé-
todo Paulo Freire C. R. Brandão 39 - Psicologia Soctal S. T. Maurer Lane 40 • Trotsklsmo J. Roberto Campos 41 · Islamismo Jamll A. Haddad 42 • Violência Urbana Regis de Morais 43 • Poesia Marginal Glauco Mattoso 44 • Feminismo B. M. Alves/J. Pitan· guy 45 • Astronomia Rodo1pho
Caniato 46 ·· Arte Jorge Coli 47 • Comissões de Fábrica R. Antunes/ A. Nogueira 48 ·• Geografia Ruy Moreira 49 • · Direitos da Pessoa Oalmo de Abreu Oallarl 50 • Familia Danda Prado 51 • Patrimônio Histórico Carlos A_. C. Lemos 52 • Psiquiatria Alternativa Alan lndio Serrano 53 - Literatura Marisa lajolo .54 • Polít1ca Wolfgang Leo Maar 55 • Espiri.. tismo Roque Jaclntho 56 - Poder Legislativo Nelson Saldanha
57 • Sociologia Carlos B. Martins 58 • Direito lntemacional J.
denave 68 • Rock Paulo Chacon
69 • Pastoral João Batista Libanio 70 - Contabilidade Roque Jaclntho 71 • Capital Internacional Rabah Benakouche 72 • Positivismo João Ribeiro Jr. 73 - Loucura João A. Frayze-Perel ra 74 • Lef. tura Maria Helena Martins 75 • Questão Palestina Helena SaJem 76 • Pl.lnk Antonio Bivar n · Propaganda Ideológica Nelson Jahr Garcia 78 • Magia João Ribeiro Jr. 79 • Educação Física Vitor Marinho de Oliveira 80 • Música J. Jota de Moraes 81 • Homossexualidade Peter Fry/E.duard
MacRae 82 • Fotografia Cláudio A. Kubrusly &3 • Polftica Nuclear
Ricardo Amt 84 · Medicina Alternativa Alan índio Serrano 85 •
Violência Niio Odalia 86 • Psicanálise Fabio Herrmen 87 • Parla· mentarismo Ruben Cesar Kelnert
88 • Amor Betty Milan 89 - Pes. soas Deficientes João B. Cintra Rlba!:l 90 • Desobediência· Civil Evaldo Vieira 91 • Universidade
Poesia Fernando Paixão 64 • Ca-
Luiz E. W. Wanderley .92 • Questão da Moradia Luiz C. O. Ribeiro/ Robert M. Pechman 93 • Jazz Roberto Mugglati g4 · Biblioteca Luiz Mllanesl 95 • Participação Juan E. Dlaz Bordenave 96 • Ca-
pital Ladis lau Dowbor 65 • Mais. Valia Paulo Sandroni 66 • Recur-
poeira Almlr das Areias 97 - Umbanda Patrícia Bfrman.
Monserrat Filho 59 • Teoria Ota· viana Pereira 60 • Folclore Car· los Rodrigues Brandão 61 • Exi&tencialismo João da Penha 62 •
Direito Roberto Lyra Fiiho 63 •
sos Humanos Flávio de Toledo
67 • Comunicação Juan Díaz Bor-
ASAIR: Alfabetização Ana Maria Poppovic Angústia André Gafarsa Arqueologia Ulplano B. Menezes
Astrologia Juan
Müller Auto·
zo Educação Ambiental José M. Almeida Jr. Educação Indígena Araci l. Silva Educador Ru-
nomlsmo Maurício Tragtenberg Autoritarismo Carlos Estevan Martins Biologia Warnlck Kerr
bem Alves Estados Unidos Paulo Francis Estudar Paulo Freire Fetiche Lillana Segnlnl Física Ernest Hamburger Fome Ricardo
Candomblé Lenl Myra Slversteln Capitalismo Monopolista de Es· tado J. M. Cardoso de Mello
Abramovay Geologia Conrado Paschoale Geopolítica Ruy Mo.. reira Inflação J. B. Amaral Fiiho
Carnaval , Roberto da Matta Ci· bernética Jocelyn Bennaton Cldadanla Sérgio Adorno Ciência Rubem Alves Comunicação Rural Juan D. Bordenave Contra· cultura Carlos A. Pereira Corpo Ana Verônica Mautner Critica Marlene Bilinsky Curandeirismo Zelia Selblitz Democracia Ruben Casar Keinert Economia Polftlce L. G. de Mello Belluz-
Judaismo Anita Novinsky Lingua-
gem Carlos Vogt Literatura Popular Joseph M. Luyten Maçonaria Arnaldo tAindlin Mediclna Popular Elda Rizzo de Oliveira Metafisica Gerd A. Bornhein MP.. seu Marlene Suano Nacionalida· de Guilherme R. Ruben Naclona. Rsmo Toledo Machado Papel Otávio Roth Planejamento Empre.
sarial Rogério Machado Planeja-
menta Familiar R. Darcy de 011· velra Planejamento Urbano Cân-
dido M. Campos Politlca Cultural Martin C. Feijó Prevldôncla Social Moyses Quadros Psicologia Arno Engelman Psicomotricidade Eduardo Ravagnl Religião Popular Rubem . C. Fernandes Repressão Sexual Marilena Chaui Serviço Social Ana Maria Estevão Silên· cio André Gaiarsa Sistema Rogério Machado Solo Urbano Sér· gio Souza lima Taylorismo Eduardo Moreira/Luzia Rago Te. levisão Walter Salles Jr. Teologia Rubem Alves Terrorismo
Sérgio Souza Lima Trabalho Ernildo Staine Blanco.
Vinho
Abelardo
Que pode haver d.e maior ou menor que um toque?
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VOCÊ CONHECE O PRIMEIRO TOQUE?
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PRIMEIRO TOQUE é uma publicação com crônicas, resenhas, comentários, charges, dicas, mil atrações sobre as coleções de boíso da Editora ·Brasiliense. Saí de três em três meses. Por que não recebê-lo em casa? Além do mais, não custa nada. Só o trabaJho de preencher os dados aí de baixo, recortar, selar e pôr no correio.
NOME: ............ ·... , .. . .. .' ................... .. ......... .. END.: . ...... ... ........ . ................. .. ............... . BAIRRO: ...................... . ... FONE: ............... . CEP: ............ CIDADE: .................. EST.: ....... . PROFISSÃO: ........... .. .............. IDADE: ........ . editora brasiliense s.a. 01223 - r. general jardim, 160 - são paulo P-97 .
AltiilttU&IE
Arquitetura Arte Astronomia Biblioteca Burocracia Capital Capital Internacional Capitalismo Capoeira Cinema Comissões de Fábrica Comunicação Com. Eclesial de Base Co1mmismo Contabilidade Cultura Popular Desobediência Civil Dialética Direito Direito Internacional Direitos da Pessoa Ditaduras Educação Educação Física Empregos e Salários Energia Nuclear Espiritismo Existencialismo Família Feminismo Filosofia Folclore Fotografia Geografia História Homossexualidade Ideologia Igreja Imperialismo Indústria Cultural Intelectuais Islamismo Jazz Jornalismo Leitura Liberdade
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e Magia Mais-Valia Marketing Medicina Alternativa Método Paulo Freire Multinacionais ' Música Parlamentarismo Participação Pastoral Patrimônio Histórico Pessoas Deficientes Poder Poder Legislativo Poesia Poesia Marginal Política Política Nuclear Positivismo Propaganda Ideológica Psicanálise Psicologia Social Psiquiatria Alternativa Punk Questão Agrária Questão da Moradia Questão Palestina Racismo Recessão Recursos Humanos Reforma Agrária Religião~ : • Revoluçao ' " Rock Sindicalismo Socialismo Sociologia Stalinismo Subdesenvolvimento Teatro Teoria Trotskismo Umbanda Universidade Utopia Violência Violência Urbana
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. ·canher&i, fambém ,.
a coleção tudo é hisfória ({LTIMOS LANÇAMENTOS 5 7. OS JESUÍTAS - j osé Carlos Sebe . 58. A REPÚBLICA DE WEIMAR E A ASCENSÃO DO NAZISMO · ., - Angela M. Almeida 59. A REFORMA AGRÂRIA NA NICARÁGUA - Cláudio T. Bornstein 60. TEATRO OFICINA - Fernando Peixoto 61. RÚSSIA {1!)17-1921) OS ANOS VERMELHOS - Dà1tiel A . R. Filho 't 62. A REVOLUÇÃ O .'rfEXICANA (1910· 1917) - Anna M. M. Correa .63. À.MÉRICA CENTRAL: DA COLÔNIA À CRISE ATUAL - H5ctof Pérez Brignoli fi4. A GUERRA FRIA - Déa R. Fenelon 65. O FEUDALISMO - Hilán'o Franco Jr. 66.- URSS: O SOCIALISMO RJ!.AL - Daniel Aarão Reis Filho 67. OS LIBERAIS E A CRISE DA REPL'i3TICA VELHA _.:_. Paulo Gilbf rto F. Vizentini 68. A REDEMOCRATIZA ÇÃO ESPANHOLA - Regina/do .Moraes 69. 4. ETIQUEli'. NO ANTIGO REGIME - Renato }anine Ribeiro 70:' CONTESTADO: .A GUERRA DO NOYO MUNDO :;_ Antonio P. Tota . . . 71. A FAMÍLIA BRASIIEIR.A - Eni de Mesquita Samara 72. A ECONOMIA CAFEEIRA - }oíé Roberto do Amaral Lapa '73. -ARGÉLIA: A GUERP • u •· r.rnunu.rnlhrrr • - Mustafo Yazbek '74. REFORMA AGR.ÁR.J - Le'opoldo Jobim 75. OS CAIPIRAS DE S, 76. A CHANCHADA N - Afrânio M. Catan
ecHtora brasiliense