Prezada Estelita: Algumas observações sobre Saussure e a criação de nomenclatura específica: acho importante registrar também que foi o contexto histórico/ cultural que possibilitou o desenvolvimento de investigações em torno da lingüística. Ferdinand de Saussure foi um lingüista cujas proposições teóricas estavam ligadas ao Estruturalismo. Desenvolveu seus estudos no Círculo Lingüístico de Paris e teve muita influência de muitos teóricos, por exemplo, Bloomfield. Isso para mostrar que nada surgiu de repente, nem a partir de uma única pessoa, mas que os próprios termos que surgiram na lingüística estavam em um contexto histórico e cultural que possibilitaram o surgimento dessa ciência da linguagem. Estelita, em teu texto há uma afirmação que é a seguinte: “Há séculos existe a preocupação com a educação dos surdos, o que gerou a criação de diversas metodologias educacionais. Algumas destas metodologias foram capazes de perceber a importância das LS para a educação dos surdos, o que levou a avanços seja no uso ou nos estudos destas línguas.” As metodologias educacionais, entre outras coisas, descrevem/explicam uma determinada prática pedagógica através dos tempos. Será que foram as metodologias que proporcionaram avanços no uso ou nos estudos destas línguas (cf afirmas no parágrafo anterior), ou foi o movimento surdo, as mudanças educacionais, culturais... que possibilitaram algumas práticas pedagógicas diferenciadas? O teu texto é propositivo, no sentido de uma ampla utilização de termos mais específicos para os estudos das LS. Afirmas que: “Os lingüistas vêm utilizando os termos fonética e fonologia para tratar de eventos das LS, desconsiderando o significado de sua raiz, fon-, que é som, elemento ausente da estrutura da Libras. Isto se dá apesar de Stokoe (1965) haver proposto o termo “quirema” em substituição a “fonema”, para designar elementos de LS. Há duas justificativas comumente dadas para o desuso do termo proposto por Stokoe: uma delas defende que o conceito de quirema equivale ao de fonema e que o uso de dois nomes para o mesmo conceito é desnecessário e apenas tumultua as discussões; a outra argumenta que o novo termo é também incorreto, pois sua raiz remete a mão, sendo que há vários outros aspectos e várias outras partes do corpo envolvidos na realização das LS.” Observação inicial: o próprio Stokoe utilizou, em edições e análises posteriores, os termos fonética e fonologia, por entender que os estudos das línguas de sinais estavam inseridos no contexto das discussões da lingüística.
Penso que a motivação no uso dos mesmos termos não é somente a questão da redundância e/ou da imprecisão na utilização dos termos, mas um viés histórico-cultural em que nos colocamos como usuários de uma língua e não como árbitros. Em minha tese de doutorado, pensei muito sobre esse assunto e analisei da seguinte forma: As línguas de sinais são denominadas línguas de modalidade gestual-visual (ou espaçovisual), pois a informação lingüística é recebida pelos olhos e produzida pelas mãos. Apesar da diferença existente entre línguas de sinais e línguas orais, no que concerne à modalidade de percepção e produção, o uso do termo ‘fonologia’ tem sido usado para referir-se também ao estudo dos elementos básicos das línguas de sinais. Historicamente, entretanto, para evitar subestimar a diferença entre esses dois tipos de sistemas lingüísticos, Stokoe (1960) propôs o termo ‘Quirema’ às unidades formacionais dos sinais (configuração de mão, locação e movimento) e, ao estudo de suas combinações, propôs o termo ‘Quirologia’ (do grego ‘mão’).1 Outros pesquisadores, incluindo Stokoe em edição posterior (1978), têm utilizado os termos ‘Fonema’ e ‘Fonologia’. O argumento para a utilização desses termos é o de que as línguas de sinais são línguas naturais que compartilham princípios lingüísticos subjacentes com as línguas orais, apesar das diferenças de superfície entre fala e sinal (Klima e Bellugi,1979; Wilbur, 1987; Hulst, 1993). O que me motiva a utilizar os mesmos termos é a inserção da discussão das Línguas de Sinais, especificamente da Libras, no âmbito da Lingüística. A proposta de Saussure abriu uma outra perspectiva teórica, criou um outro campo de investigações. Os estudos nas LS estão vinculados às teorias lingüísticas, em que há ramificações e aprofundamento para a modalidade visual-gestual. Realmente a proposição de outros termos é redundante e imprecisa. Por outro lado, há questões de ordem prática a considerar: será que estamos utilizando outra perspectiva teórica ou estamos filiados à mesma, com uma expansão na utilização dos termos? O que dizer de tantos outros termos que aparecem nas teorias e que são largamente utilizados também nas LS? Por exemplo, a palavra “Língua” de Sinais... Visema está relacionado à percepção da língua e não à produção (quirologia está relacionado à produção). Para cada novo termo, um conceito, uma explicação... Como ficariam as traduções para outras línguas dos termos propostos? Enfim, essas são algumas questões provocativas e analíticas! Abraços, Lodenir
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Quirologia: Arte de conversar por meio de sinais feitos com os dedos; dactilologia (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, 1986).