Palavra Evanescente

  • October 2019
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Revista Mack. Arte 11/8/05 06:34 PM Page 117

PALAVRA EVANESCENTE – UM ESTUDO DO DESAPARECIMENTO DOS TEXTOS EM ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS

A

THE

VANISHING WORD – A STUDY OF THE TEXT DISAPPEARING IN PRINTED ADVERTISING

Celso Figueiredo Neto*

Resumo: Estudo estatístico realizado com anúncios premiados nos anuários do Clube de Criação de São Paulo entre 1975 e 2001 demonstrou expressiva queda no número de palavras tanto no título quanto no texto. O presente artigo investiga as causas dessa aparente evanescência da palavra na comunicação publicitária impressa brasileira. Palavras-chave: Publicidade; texto; comunicação. Abstract: Statistic Study on awarded printed ads between 1975 and 2001 shows expressive fall in the number of words either in it’s title or in the text itself. The present article evaluates the causes of this vanishing of the words in Brazilian printings. Keywords: Advertising; text; communication.

1. INTRODUÇÃO studos baseados em anúncios para publicação na mídia revista, premiados com medalha de ouro pelo Clube de Criação de São Paulo e constantes dos anuários do Clube de Criação entre os anos de 1981 e 2001, demonstraram que a evolução desses anúncios apresenta gradativa e significativa diminuição no volume da linguagem verbal bem como redução do número de palavras do título. Nos 43 anúncios analisados, percebeu-se uma queda superior a 120% no número de palavras do título e a impressionante diminuição de 379% no número de palavras do

E * Universidade Prespiteriana Mackenzie E-mail: [email protected]

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Revista Mackenzie Educação, Arte e História da Cultura, ano 3/4, n. 3/4, 2003/2004, p. 117-120

texto. Se em 1981 havia grandes textos sustentando os anúncios, em 2001 essa linguagem verbal fica restrita apenas ao nome do anunciante. Essa constatação chega aos dias atuais, quando se encontra grande parte dos anúncios destituídos de mensagens verbais, resumindo-se, muitas vezes, a uma imagem e à assinatura do anunciante. A presente comunicação pretende, além de constatar essa minimização do uso da mensagem verbal, investigar o processo comunicativo no sentido da tentativa de avaliar se essa evanescência das palavras de fato provoca perdas no processo argumentativo/persuasivo e se a força persuasiva – depositada no jogo icônico – é por si só suficiente para atingir os objetivos da comunicação publicitária. Esta pesquisa partiu da constatação de que o texto vinha perdendo mais e mais espaço para a imagem no ambiente do anúncio publicitário impresso. Pareceu, inicialmente, que imagens contendo comparações, como metáforas, metonímias, catacreses, hipérboles e as mais variadas formas de analogia, vinham ganhando espaço em anúncios tradicionais, nos quais essas mesmas figuras de linguagem apareciam nos títulos e textos anunciando o produto. Decidiu-se, assim, realizar um estudo em que fosse possível comparar diferentes anúncios de uma perspectiva diacrônica. Diante da imensa massa de publicidade existente, fez-se necessário estabelecer uma forma de recorte que viabilizasse tal estudo. Há diferentes tipos de anúncios que servem a objetivos distintos dos anunciantes, características próprias de cada categoria de produtos e serviços e fase da vida de cada marca. Cada um desses fatores possibilitaria um diferente recorte em nosso estudo. Foi escolhido um caminho que, por um lado, carrega grandes doses de subjetividade, mas, por outro, mantém o trabalho dentro de critérios qualitativos e não pessoais do autor, conforme a ótica dos melhores profissionais do mercado publicitário. O critério deste trabalho foi fazer um levantamento estatístico de todos os anúncios premiados com “ouro” nos 27 anuários editados pelo Clube de Criação de São Paulo, num período de vinte anos, compreendido entre 1975 e 2001. Portanto, fez-se a análise quantitativa de anúncios considerados os melhores, ou seja, resultantes de avaliações qualitativas feitas pelos mais destacados publicitários brasileiros nas duas últimas décadas. Assim, foi possível perceber a evolução do gosto e da concepção do que é “boa propaganda” segundo o olhar de seus mais importantes produtores. Um fato relevante é que o sistema de eleição das peças a serem premiadas pelo Clube contempla a hipótese não haver, em determinados anos, nenhuma peça digna do ouro. Da mesma forma que houve, em períodos mais férteis, várias peças premiadas com o “ouro”. Se no primeiro anuário houve apenas um “ouro”, no segundo foram dois e, no terceiro, seis. Já no quarto e quinto anuários, não houve “ouro” para nenhum anúncio. Outra decisão relevante que norteou este estudo foi contabilizar apenas anúncios de campanhas distintas. Como se sabe, algumas campanhas possuem grandes quantidades de anúncios. Elas mantêm mesmo argumento e diagramação básicos, porém mudam o título e imagem. O texto, entretanto, é praticamente igual em todas as peças, sendo esse o motivo de considerar-se apenas uma peça de cada campanha premiada.

2. PERSPECTIVA TEÓRICA A pesquisa de marketing é a investigação sistemática, controlada, empírica e crítica de dados com o objetivo de descobrir e (ou) descrever fatos e (ou) de verificar a existência de relações presumidas entre fatos (ou variáveis) referentes ao marketing de bens, serviços e idéias, e ao marketing como área de conhecimento de administração (MATTAR, 1994, p.15).

Para esta pesquisa, determinou-se como universo a totalidade dos anúncios publicitários impressos premiados pelos diversos organismos promotores da atividade publicitária. Como amostra representativa desse universo, foram eleitos os anúncios de revista premiados com “ouro” nos anuários do Clube de Criação de São Paulo entre 1975 e 2001. Os dados foram colhidos mediante consulta aos anuários e analisados estatisticamente contando número de palavras no título e no texto. Na análise, foram comparados, ano a ano, os números médios (uma vez que a quantidade de premiados variou) de palavras nos títulos e textos de cada anuário.

3. RESULTADOS E CONCLUSÕES Foram obtidos resultados impressionantes, à medida que, no período de vinte anos, passa-se de uma situação em que os títulos tinham, em média, sete palavras e os textos a impressionante média de 394 palavras por anúncio para um situação, em 2001, na qual como título há apenas uma palavra e no texto a sucinta média de duas palavras (ver Gráfico 1).

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A palavra evanescente Celso Figueiredo Neto

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Se em termos de texto observa-se uma expressiva variação entre os Anuários 1 e 5 e, depois, novamente entre 11 e 15, ainda assim há clara queda no volume de palavras dos textos, que partem de uma média de 394 palavras por texto e de sete no título para chegar a uma situação de síntese em que não há nem título nem texto, bastando para a compreensão a mensagem expressa na assinatura da marca anunciante: “O poder dos quilates”. Neste estudo, essa expressão não é considerada nem título nem texto, mas slogan. Segundo Iasbeck (2002, p. 50-51), “integra a marca da empresa, formando com ela um conjunto identificador”, que Rabaça e Barbosa (2002, p. 684) deixam claro ser independente da mensagem exclusiva de determinado anúncio, pois se repetem por longos períodos de veiculação: “Em publicidade, costuma-se utilizar um mesmo slogan em todas as peças de uma campanha ou durante longos períodos, repetidamente e sem alteração”. Embora nossa análise perpasse um total de 44 anúncios, o limitado espaço do presente artigo força-nos a apresentar, desde já, uma comparação entre o mais antigo e o mais recente anúncio estudado. No primeiro, a predominância do texto é total; mesmo considerado em termos espaciais, o texto ocupa mais da metade do espaço disponível. As imagens – uma de um acidente e outra do produto anunciante – são meras ilustrações, apoios visuais ao conteúdo presente no texto. Já no anúncio da Natan Joalheiros, toda carga expressiva concentra-se na imagem. Curiosamente, ambos se utilizam do mesmo recurso retórico da comparação “antes e depois” como forma de demonstração da superioridade do produto anunciado. As peças são apresentadas a seguir. Nota-se que, mesmo em se tratando de formas retóricas semelhantes, há grande mudança na apresentação da idéia de comunicação. Se no anúncio anteriormente citado a imagem é foto-legenda, ou seja, a imagem tem papel meramente ilustrativo da situação expressa no texto, no caso a importância de andaimes de boa qualidade para a segurança de trabalhadores, já na peça criada em 2001, para a rede de joalherias Natan, tem-se, diante da ausência de palavras, toda a significação apoiada na imagem. No caso, o feio torna-se bonito quando dá uma jóia à pessoa de sua estima. A ausência de texto verbal não significa inexistência de comunicação. A imagem, em realidade, é um eficiente meio de comunicação, posto

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que o receptor não precisa dominar o código para decodificar a mensagem. Segundo Ferrara (2001, p. 17) “no texto nãoverbal, o objeto não se distingue do próprio signo, porque ele, o signo, é extraído do próprio objeto como parte dele; uma relação, por assim dizer, metonímica, se utilizarmos uma designação da retórica verbal”. Esses dois anúncios, bem como a análise do conjunto de peças premiadas, parecem indicar que a evolução da publicidade brasileira, nesses vinte anos, tem caminhado para a simplificação da mensagem pela iconização da imagem e criação de metáforas visuais. “A metáfora tem, pois, a competência de iconizar sentidos” (IASBECK, 2002, p. 82). Considerando que os recursos persuasivos são os mesmos desde Aristóteles, o que a publicidade fez foi dar-se conta de que o consumidor tornou-se um exímio decodificador de mensagens. Segundo Eco (2001, p. 81), “não existe persuasão ‘oculta’ para ambos os pólos do processo comunicativo; um dos dois – remetente ou destinatário – sabe que o sinal recebido tem um sentido. E – na medida em que houver comércio cultural e difusão de cultura – julga-se que os estímulos chamados ocultos tenderão sempre mais e mais a aparecer para os destinatários como fenômenos sígnicos”. Percebe-se que a prática da publicidade demonstrou que o consumidor é capaz de decodificar os signos presentes nas peças publicitárias cada vez mais rápida e eficazmente. Em um mundo imagético, o consumidor tem uma relação diferente, mais apressada, com o tempo: “outra mutação, porém mais sutil e não menos avassaladora, dá-se na própria produção de mensagens midiáticas (e não apenas televisuais): uma vez que agora todos zapam e zipam em todos os níveis e a todos os pretextos, uma vez que a televisão (e a resistência a ela) criou um espectador diferente, que mantém com as imagens e sons uma relação fundamental de impaciência e evasão, o efeito zapping acaba por contaminar as mensagens ao nível da própria produção e vira modelo de construção” (MACHADO, 1996, p. 160-161). Dá-se, portanto, uma situação em que o consumidor zapeador, adaptado ao ambiente imagético, perfeitamente capaz de decodificar mensagens visuais, tem no texto mais um bloqueio que um elemento iluminador. O texto é uma forma de comunicação que exige atenção, concentração e tempo, aos quais ele não está mais acostumado. É nesse sentido que se entende a evanescência da palavra como tendência irreversível na publicidade; ao menos nas situações de comunicação, em que o fator tempo, rapidez de apreensão, é determinante. A imagem passa a ser preponderante, porque é mais eficiente.

Anúncio Natan Joalherias – agência: F/Nazca Saatchi & Saatchi

REFERÊNCIAS ECO, Umberto. A estrutura ausente. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001. FERRARA, Lucrecia D’Aléssio. Leitura sem palavras. 4. ed. São Paulo: Ática, 2001. IASBECK, Luiz Carlos. A arte dos slogans.1. ed. São Paulo: Annablume, 2002. KOTLER, Philip. Administração de marketing. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1998. MATTAR, Fauze Najib. Pesquisa de marketing. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1994. MACHADO, Arlindo. Máquina e imaginário. 2. ed. São Paulo: Edusp, 1996 RABAÇA, Carlos Alberto; BARBOSA, Gustavo. Dicionário de comunicação. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus 2002.

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