PAIXÃO AMAZÔNICA JOSÉ BRITES NETO
“Os brasileiros são, todos, estrangeiros na sua terra, que não aprenderam a explorar sem destruir, e que têm devastado, com um descuido, de que as afirmações dos meus trabalhos dão ainda um pálido reflexo." Alberto Torres, 1915
VITÓRIA RÉGIA Flutuando no espelho de águas límpidas e cristalinas, Com a leveza de uma pluma perdida em alta floresta, Exuberante como o poder sensual de morenas meninas, Exalando um perfume que só seu calor manifesta. Num emaranhado de cores de predominância verde, Emergente como uma rainha altiva em berço esplêndido, Com sua flor escarlate tão frondosa e atraente, Hipnotizando minha alma como um alvo lânguido. Um esconderijo sombrio de predadores em cena, Na espreita sutil de uma inocência perdida, Com uma beleza latente cujo sorriso acena, O golpe fatal culminante de uma letal investida. No harmonioso domínio do reino da floresta amazônica, Uma simplicidade majestosa de resistência férrea, O amor condizente e fugaz de uma paixão platônica, Como a marca registrada de uma vitória régia.
ONÇA PINTADA Seguindo um instinto primitivo nesta floresta exuberante, Senti um olhar a me espreitar num ímpeto de predação, Como que estudado por um desejo ávido e distante, Me senti perturbado e movido por uma estranha atração. No adensar verdejante da escuridão à luz do dia, Um cheiro forte atraiu e distraiu minha atenção, Como que num impulso percebi a armadilha, De uma emboscada sutil de amor e paixão. No tremular da folhagem como um vulto que passa, Pressenti a proximidade de um sinal de extermínio, Atordoado e indefeso como a próxima caça, A saciar tua vontade de pleno poder e domínio. De um vôo repentino apareces majestosa, Com um brilho no olhar que me imobiliza, Ouço o esturro de prazer de uma fêmea formosa, Como o prelúdio de amor que teu golpe eterniza.
PALMAS DE MINHA TERRA Buriti doce palmeira, De amargo fruto e doce sabor, O teu vinho me embriaga, Como a morena fazendo amor. Açaí doce escarlate, És mais puro que a erva-mate, Tão forte como um rubro estandarte, Da pobreza és o vigor. Patauá de altiva magia, Frágil semente sem frescor, O teu bálsamo é alegria, O teu tempero é resplendor. Palmas de encanto da minha pátria, Verde e solene magia, que não tem fim, Do solo infértil, cresceis espraiada, Na Amazônia sois bosques, sois jardins.
MATER AMAZÔNIA Verde quinhão deste planeta estância, Esperança fértil de nossa sobrevivência, Teus mutiladores de vida jorram em abundância, Maltratando tua foz por uma maldita ganância. Complacente, aguardas uma definição, Resistindo à violência de tua penetração, Na virgindade de teu seio de equilíbrio e mansidão, Perdoas a ignorância de nossa falta de razão. Quantos genomas perpetuam a tua dignidade? Quantas vidas resistem a nossa perversidade? Como um tesouro aparente de divina eternidade, És o celeiro que demarca a nossa longevidade. Mãe Natureza, de nosso Pai Eterno e Criador, Cuida de teus filhos que só aprendem pela dor, Herança rebelde que não respeita, nem tem amor, Que agoniza em nossos dias, pelo seu próprio terror.
CLAMOR DA FLORESTA Como grumos de um ritual cataléptico, Que anuncia uma premeditada sina. De uma ambição capital e espoliante, Que urge como uma ameaça à natureza exuberante. Cujas trilhas e caminhos descansam encobertos, Preservando a riqueza de um lastro néscio. Aqui não tem lugar para teus pastos e emplastros, Homem sequioso e formador de desertos! Não deflores a virgem mata neófita, Ó filho das trevas e de incesto objetivo. Pois tua mãe reclama a autoridade, De porvir em teu coração, menor maldade. Fazer nascer em ti, mais maturidade, Para que possas entender este manancial de vida. Que renegas como um filho desta pátria parido, Pois deste útero, não fostes cuspido. Peço que ouças o esturro desta floresta ao teu ouvido, Com a solidez com que a pintada anuncia. Acho que o peixe-boi também se aproxima, Vem reclamar da tua tirania. Tantos sonetos neste cenário que agoniza, Enquanto tua alma pelo poder se privatiza. Sintas o cheiro de cio presente em tuas narinas, De vidas que querem permanecer em liberdade vívida. Permitas o cintilar desta aquarela pulsante, Entremeada nesta predominância verdejante. Por onde passeia brincante uma macacada infante, No estribilho do gorjear de uma passarada festejante. Como podes, homem, ser tão obtuso e renitente, Insensível indiferença a uma paisagem tão envolvente.
Não te vendas à cobiça de um povo estrangeiro, Pois não há valia neste vil dinheiro. Sejas menos compassivo e hospitaleiro, Com quem quer te tornar num ardiloso espinheiro. Não firas a tua própria dignidade, E sejas nesta hora um brasileiro de verdade, Pois só assim poderás viver a minha eternidade. E quão bom que eu fosse tão eterna, Que não lograsse nunca, que ficasse tão deserta. Como um triste Saara, sem vida e sem qualquer fim, Que meu Deus nunca permita que tu, homem, me faças assim!
LENDAS SEM ESCOLA Uirapuru cantou na mata ardente, Parece querer anunciar que está mais quente. Manati bubuiou prá respirar, Conversa miúda com o boto cor de rosa, Tempo bom quando era possível tal prosa, Em que não havia homem a escutar. Pirarucu não salta mais nos remansos de agora, Que saudade da lança cabocla de outrora, Hoje tem rede no igapó a toda hora. Cadê a pintada a esturrar noite afora, Será que estou surdo ou ela foi-se embora? Mapinguari, curupira são lendas sem escola, Videogame, internet são ledices de agora. Cobra grande ficou encruada na memória, O que será deste povo sem as suas tantas histórias? Lamento triste ressecado por uma jiquitirambóia. Nem guariba, nem cuatá murmuram mais neste lugar, O jacaré saltou de banda e levou o mata-matá. Nem piranha habita mais neste lago de fome, Ouço alguém perguntar: “Como era mesmo o seu nome”? Anavilhanas, pantanais, redutos que jazem solenes, Nos resta saber até quando suas almas ficaram perenes, Resistirão até quando a esta raça tão indene? São perguntas mal respondidas na memória reticente, De florestas derrubadas pela ambição de um mal inconseqüente.
ESPERANÇA CABOCLA Jupará galhofeiro menino, Aqui nesta mata está seu destino. Curumi arteiro mergulhando no igapó, Como um bicho-carpinteiro que em todos dá nó. Cunhantã de rebeldia tão preguiçosa, Só aqui neste lugar tem morena tão formosa. Bebem no leito amazônico, o caldo do tacacá, Pois saídos desta margem, não acharão em nenhum lugar. Comendo do açaí com farinha do ariní, Um precioso tesouro que só conhecerão aqui. Cunhã-poranga despertando sua sensual magia, Só com carapanaúba para dar conta deste dia. Olha a lenda do boto menina! Embriagados pelo vinho do delicioso buriti, Mordiscando sorridentes maris e bacuris. Aqui não tem beberragem, só caldo de caridade, Cura tão enfermeira para qualquer tipo de maldade. Na seiva amargosa da lenha do amapá, Está a lei da sobrevivência que nunca faltará. Mangarataia limpando a voz do que quer gritar, Curupira tentando ao menos despistar, Mas só Deus Pai poderá nesta hora evitar, Que a minha Amazônia possa um dia se acabar!
CANTO DO UIRAPURU Canta ó pássaro da esperança, Que o teu estribilho possa fazer ressonância, Nestes corações mutilados por tanta ganância, Renova o porvir vivo e loquaz desta real jactância. Canta ó pássaro da melodiosa paz, Quando ouvimos teu canto nossa alma se compraz, Nos sentimos mais perto de Deus e jamais, Renderemos nossos votos ao teu vil edaz. Canta ó pássaro da eternidade, Teu desejo será sempre a nossa vontade, Como um povo de silvícola nascedouro, Cuja biodiversidade é o nosso maior tesouro. Canta ó pássaro de triste lembrança, Como o marca-passo de uma sonora condolência, Teu aviso sibilante que nas matas condensa, Um alvará de liberdade que tua carne nunca intenta. Canta ó pássaro de incansável fôlego, Como um mártir diapasão de consonantes desafios, És um atalaia que suplanta o medíocre trôpego, Que das nossas florestas saqueou até seus próprios rios. Canta ó pássaro altivo e sobranceiro, Teu canto pode não ser ouvido o ano inteiro, Mas cada vez que ouvimos este teu gorjeio, Sentimos a verdadeira emoção do que é ser brasileiro.
BRASILEIRO Eu não sou paulista, Da resistência pujante, De uma força altruísta, Que nasceu bandeirante. Eu não sou carioca, Da beleza solsticial, Cuja alma invoca, Um alegre carnaval. Eu não sou mineiro, Da preciosa pedra, Do perfil matreiro, Que nunca se entrega. Eu não sou gaúcho, Dos pampas celeiros, Que sacrificou seu tudo, Por um ideal guerreiro. Eu não sou nordestino, Do trabalho sofrido, Suor de homem e sorriso menino, Sobrevivendo na seca com seu tino. Eu não sou do Planalto Central, Da riqueza perdida no pasto, Da terra do Pantanal, Cuja beleza é seu lastro. Eu não sou da terra roxa, Do infinito cafezal, Minha alma não é coxa, Minha beleza sem igual.
Eu não sou nortista, Dos verdes bosques de vida, Como uma raça alquimista, No silêncio da Amazônia perdida. Eu não sou imigrante, Nas raízes profundas do Sul, Do mundo trazido distante, Miscigenado na terra com sangue azul. A minha pele não tem cor, O meu sangue é companheiro, Guardo no meu esplendor, O orgulho de ser brasileiro.
CARTA AO POVO RIO NEGREIRO Em mim derramastes tua seiva de perfume brejeiro, Com a plenitude de teu seio de amor hospitaleiro. Tua empatia é para mim mais que um devaneio, Pois teus braços abertos me acalentaram como herdeiro. Desta tua alegria transbordante o ano inteiro, Sempre fui um eterno e apaixonado companheiro. Teu sorriso constante encantou minha alma, Conquistando minha vida com o silêncio da tua calma. Com o olhar onisciente de uma divina majestade, Fostes tu, a nascente e a foz de minha concupiscente vontade. Meus filhos que hoje estão em ti, verdadeiramente, presentes, São muito mais que nativos legítimos amazonenses. É, pois o meu sangue miscigenado com tua gente, Fazendo-me, renascido em gozo, pelo espírito de um povo refulgente.
FICHA CATALOGRÁFICA Brites Neto, José Paixão Amazônica Poesia Campinas, SP, Samevet 16 P. COPYRIGHT © By José Brites Neto, 2001. Composição e Impressão Samevet Rua Brigadeiro Antonio de Sampaio n° 73 Jardim Independência – Barão Geraldo CEP 13084-481 – Campinas – SP Fones: (19) 32492370 / 32898596
Jose Brites Neto
Digitally signed by Jose Brites Neto DN: CN = Jose Brites Neto, C = BR, O = Samevet Reason: I am the author of this document Location: Campinas - SP Date: 2004.04.04 05:35:35 -03'00'