P-317 - Terror No Planeta De Cristal - Kurt Mahr

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  • Words: 29,647
  • Pages: 62
(P-317)

TERROR NO PLANETA DE CRISTAL Everton Autor

KURT MAHR Tradução

RICHARD PAUL NETO

Os calendários do planeta Terra registram o dia 23 de novembro do ano 2.435. Há pouco tempo, por ocasião das primeiras investidas em direção d nuvem de Magalhães, podiase ter a impressão de que Perry Rhodan e Atlan não teriam necessidade de lançar mão de recursos mais amplos para controlar a situação na pequena galáxia vizinha. Mas já se percebeu que umas poucas unidades da Frota Solar e da USO não serão suficientes para enfrentar os inimigos existentes em Magalhães e impedir os agentes de cristal de se fixarem na Galáxia e nos mundos do Império Solar. Por isso não era de admirar que outros contingentes da Frota recebessem ordem de dirigir-se à galáxia vizinha, onde tomariam posição em importantes pontos estratégicos. Depois da batalha energética no sistema de Jellico, travada para interceptar o transporte mortífero, o robô gigante Olá Man desaparece. Por isso as 20.000 naves da frota de Reginald Bell ficam liberadas da tarefa de vigilância e as unidades dos mais diversos tempos começam a deslocar-se. Seu destino é a grande nuvem de Magalhães. A finalidade da operação consiste em apoiar as unidades de Perry Rhodan que se encontram lá, o que é mesmo necessário, desde que se confirme a suposição de que o poder concentrado de Old Man também se dirige a Magalhães. Mais uma frota espacial — trata-se da 14a Frota Ofensiva Pesada da USO, comandada pelo Almirante Con Bayth — já chegou à galáxia vizinha. As unidades dirigem-se a Danger I, seguindo as ordens recebidas, a fim de acabar com o Terror no Planeta de Cristal...

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Personagens Principais: = = = = = = =

Ul — Um dono de escravos que perde seus últimos escravos. Uraloth — Um dos chamados generais. Harper Lann, Link Stovall e Christopher Savy — Três oficiais da Tosoma. Con Bayth — Almirante da USO e comandante da 14a Frota Ofensiva Pesada. Ken Suluth — Um homem cujo diário revela acontecimentos apavorantes.

1 Uraloth apontou para a tela de imagem. — Os trabalhadores estão cansados — disse. Ul, que estava sentado à escrivaninha, examinando várias fitas de cálculos, levantou os olhos. Na tela aparecia um setor de um corredor subterrâneo fortemente iluminado. O corredor tinha sido aberto na rocha. As paredes eram irregulares e entrecortadas. O teto era apoiado por um projetor gravitacional, que aparecia no ângulo inferior direito da tela. O trabalhador, um homem de macacão verde-pálido rasgado, estava parado junto à parede, num lugar em que uma veia de um material verde cintilante saía da rocha. Estava equipado com uma picareta vibratória, mas em vez de usá-la no trabalho encostara-a ao chão e estava apoiado sobre o cabo. Balançava. Via-se que estava praticamente sem forças. Ul estendeu o braço. Na borda de sua escrivaninha havia uma fileira de botões, chaves e luzes de controle. Ul apertou um dos botões. O homem que aparecia na tela estremeceu. Soltou o cabo da picareta e fez um giro de noventa graus antes de cair ao chão. Ul viu por uma fração de segundo a boca escancarada e o rosto desfigurado pela dor. O trabalhador estava gritando. Não se ouvia, porque a transmissão era apenas ótica. — Assim ele aprenderá — disse Ul sem comover-se. Uraloth chegou mais perto. À sua maneira era uma figura imponente. Um corpo formado por um quadrado com três quartos do comprimento de um ser humano, com a grossura equivalente a um quarto deste comprimento, pele escura com aspecto de couro, apoiado sobre duas pernas feitas de substância óssea branco-acinzentada, dotado de dois braços longos e finos, e um pescoço comprido e fino, sobre o qual assentava uma pequena cabeça redonda. Era Uraloth. Ul, que largara definitivamente o trabalho, contemplou-o com expressão que era um misto de medo e repugnância. Não gostava da figura robusta, escura e opaca do outro. Seu ideal de beleza era um corpo esbelto, do tamanho de um ser humano, coberto por escamas prateadas brilhantes, quase transparente, com um grande crânio esférico sobre os ombros, cujo envoltório era transparente a ponto de quase tornar-se invisível. Em compensação o interior do crânio era bem visível, especialmente o terceiro olho, vermelho brilhante, que estava diretamente ligado à massa cerebral na parte dianteira. O medo que sentia de Uraloth originava-se principalmente do fato de que o ser com pele de couro possuía dois olhos suplementares, um em cada ombro. Estes olhos boiavam num líquido. Trêmulos, eram protegidos por recipientes semi-esféricos. — Talvez — respondeu Uraloth — ele já não seja capaz de aprender nada. Ul virou o rosto para a tela de imagem. O trabalhador que acabara de ser atirado ao chão por um choque elétrico desencadeado a partir da escrivaninha de Ul, começava a levantar-se. Ul viu o primeiro movimento uma fração de unidade de tempo antes que ele se verificasse. — Ainda é suscetível — afirmou. — É o último homem de que dispõe — disse Uraloth. — Se lhe der lições fortes demais, ele entrará em colapso e a exploração dos veios de cristal terá de ser paralisada. O trabalhador conseguira pôr-se de joelhos. Via-se pelos seus movimentos que mal tinha forças para manter levantado o tronco.

— Será somente por algum tempo — respondeu Ul. — Há muitos forasteiros entre as estrelas. Nós os prenderemos e a jazida voltará a ser explorada intensamente. Uraloth não respondeu. Se tinha alguma dúvida, não deixou perceber. Afinal, era apenas o terceiro elemento na escala hierárquica. Ul era seu superior. O trabalhador conseguiu pôr-se de pé, cambaleante. A picareta continuava apoiada no chão. O trabalhador inclinou o corpo para apoiar-se no cabo. Ul observava-o com uma expressão de impaciência. Depois de uma ronda completa ainda continuava imóvel. Ul voltou a pôr a mão no painel de instrumentos. Apertou o botão que acionava o projetor de choques. Desta vez deixou o dedo fino e quase transparente pousado no botão nada menos de três unidades de tempo. O trabalhador tombou no primeiro instante. Contorceu-se uma única vez e permaneceu imóvel. — Terminou — disse Uraloth com uma ligeira ironia. — A jazida acaba de ser desativada. — Por pouco tempo — respondeu Ul e voltou a dedicar sua atenção aos documentos cujo estudo interrompera para castigar o trabalhador indolente. O homem que trajava macacão verde-pálido não fazia nenhum movimento. O cabo da picareta vibratória repousava em suas costas. O Major Ken Suluth, pertencente ao 3o Corpo Expedicionário Científico do Império Solar, estava morto. *** — Não há energia no relê de controle — resmungou Link Stovall, contrariado. — É um problema técnico — respondeu Harper Lann, exaltado. — Deixe-me dar uma olhada. — Isso mesmo — disse Christopher Savy com uma risada. — Um problema técnico. Deixe o homem da terra dar uma olhada. Harper não tomou conhecimento da ponta de zombaria. Inclinou-se sobre a caixa do distribuidor que Link Stovall estivera examinando, e enfiou uma pequenina sonda de medição, que como por encanto subitamente apareceu em suas mãos, entre o monte de fichas sobre as quais estavam impressos os complexos circuitos do mecanismo de comando. — Ficha A dezoito — disse em tom resoluto. — Você não tem contato com a saída de regulagem. Espere aí... — Harper inclinou-se mais profundamente — ...é isso mesmo. O contato está gasto. A ficha tem pelo menos cem anos — Harper endireitou o corpo e olhou em volta, indignado. — Que relaxamento! Fichas com cem anos de idade... — Fique quieto, homem da terra! — interrompeu Christopher com um sorriso de deboche. — A nave não tem mais de quatro anos. Harper deu de ombros. — E daí? Pelo que sei, os colonos costumam pegar suas fichas na lixeira mais próxima. Link cerrou o punho e fez recuar ostensivamente o cotovelo. Era um homem baixo e atarracado, de ombros muito largos. O antebraço, que sobressaía em parte da manga do macacão, era muito peludo, e o punho fechado era do tamanho da cabeça de um bebê. — Quando estiver na hora de dar-lhe um soco, avise, Chris — resmungou. Christopher riu e fez um gesto de pouco-caso. Tinha dois metros e oito centímetros de altura e era de uma magreza apavorante. A pele branca como alabastro e a cabeleira

vermelho-azulada, quase violeta, faziam com que se parecesse com um desenho surrealista. Harper Lann, um homem de estatura mediana, nem gordo nem magro, cabelo castanho médio e um rosto de beleza mediana, não se interessou pela discussão. Voltou a inclinar-se sobre a caixa do distribuidor, ficou remexendo entre as fichas pressurizadas, enquanto Christopher e Link conversavam. Finalmente voltou a endireitar o corpo. — Vamos! Experimente seu relê de comando — pediu a Link. Link ligou o medidor de tensão. Um mostrador luminoso acendeu-se e atravessou metade da escala. — Há energia — informou Link laconicamente. — O homem da terra conseguiu consertar a coisa. Harper limpou as mãos nas calças do macacão. — Mas é claro — retrucou. — Por aqui sou o único que entende alguma coisa de assuntos técnicos. Todo mundo sabe que em Passa estas coisas são aprendidas em livros trazidos da Terra pelos primeiros colonos, há quase quinhentos anos... Christopher deu uma estrondosa gargalhada. — ...e em Pembroke — prosseguiu Harper, dirigindo-se à pessoa que soltara a gargalhada — nem sequer existem livros, porque o frio é tanto que os primeiros colonos tiveram de queimar tudo que pudesse ser consumido pelas chamas para não morrer de frio. A gargalhada de Christopher ficou ainda mais ruidosa. Enquanto isso Link Stovall caminhava lentamente na direção de Harper. Estava com o rosto zangado. — Quer dizer que tudo que é bom vem da Terra? — resmungou. — Sem dúvida — retrucou Harper sem abalar-se. — Vocês sabem disso tão bem quanto eu. Harper fez um gesto amplo com os braços. — É simples. Sinto-me que nem um missionário. Preciso ensinar a vocês, que são uns ignorantes, o que existe na técnica. Afinal, toda esta organização deve funcionar antes de mais nada para o bem-estar da Terra, e se a gente não se cuida... — Para o bem-estar da Terra uma ova! — interrompeu Link. — Você está com uma coisa entalada no pescoço e quer... Provavelmente a discussão teria tomado o mesmo rumo que tomara em tantas ocasiões, se Link não tivesse sido interrompido por uma mensagem geral. — Atenção, todo o pessoal da décima quarta Frota Ofensiva Pesada — anunciou uma voz indiferente. — A partir deste momento a frota está de prontidão. Partiremos a qualquer momento. Repito... *** Naquele momento a 14a Frota Ofensiva Pesada, pertencente à United Stars Organization, encontrava-se no setor espacial de Jellico. As pessoas que se encontravam a bordo das oitocentas unidades tinham certeza de que no momento o problema mais grave da Galáxia era o robô gigante Old Man, que se encontrava no mesmo setor, e do qual não se sabia se dali a um instante não usaria seu tremendo poder de fogo contra os grupos de naves que formavam um círculo amplo em torno dele, para abrir caminho para a Terra.

Por isso a decisão de retirar do setor crítico uma frota formada por oitocentas belonaves pesadas e superpesadas produziu um choque nos oficiais e tripulantes da 14a FOP. A única conclusão que se podia tirar disso era que havia um lugar ainda desconhecido no qual a situação se tornara ainda mais crítica que no sistema de Jellico. A frota partiu logo após o primeiro aviso. A bordo das oitocentas unidades só havia um punhado de homens que sabiam qual era o destino. Mas uma coisa ficou bem clara desde o início. O lugar ao qual se dirigiam ficava bem longe. A inspeção-relâmpago dos propulsores compactos, ordenada e executada assim que as naves tinham partido, só podia levar a uma conclusão. Estes propulsores trabalhariam em regime de sobrecarga. A chegada do cruzador Revino ao setor de Jellico só chegara ao conhecimento daqueles que em razão de sua profissão lidavam com o rastreamento de matéria ou energia. E a estes o fato não poderia ter escapado. Mas mesmo entre os que sabiam da chegada do cruzador Revino, poucos acharam que houvesse alguma ligação entre ela e a partida apressada da 14a FOP. A Revino chegara ao setor de Jellico às 09:02 horas, tempo universal, e a frota decolou às 09:35. O anúncio dos preparativos da partida fora feito às 08:41, quando o cruzador Revino ainda se encontrava a meia dezena de unidades astronômicas do destino. Nestas condições dificilmente se poderia admitir que a Revino tivesse trazido instruções ao Almirante Bayth, comandante da 14a FOP, que o tivessem levado a promover a partida. Era bem verdade que neste ponto as suposições das pessoas não familiarizadas com os acontecimentos eram erradas. Havia uma ligação direta entre a partida da 14 a Frota Ofensiva Pesada e a chegada do cruzador tipo Cidade Revino. Apesar do pouco tempo decorrido entre a chegada do cruzador e a partida da frota, Con Bayth não recebera somente instruções verbais do comandante da Revino. Além disso lhe foram fornecidos os dados astronômicos de que precisava, retirados do computador do cruzador. O destino inicial da 14a FOP era um ponto situado a 137.000 anos-luz do setor de Jellico, fora da Via Láctea. Tratava-se de uma estrela gigante vermelha, conhecida pelo código Navo Nord. Navo Nord ficava na periferia de uma das galáxias anãs situadas perto da Via Láctea, que os astrônomos costumavam designar como as nuvens de Magalhães. Pertencia à maior das duas nuvens, na qual durante os últimos dias e semanas se tinham verificado acontecimentos graves, de que o grande público não tomara conhecimento. Era claro que nenhuma das pessoas que se encontravam a bordo das oitocentas naves ignorava que as etapas de vôo linear desta viagem seriam mais longas que de costume. Mas dali não se podia tirar qualquer conclusão. A própria Via Láctea era muito grande. A distância que separava Jellico, situado no limite sul da Galáxia, de um ponto qualquer que ficasse na extremidade norte, era de aproximadamente cem mil anos-luz. Além disso havia inúmeros sóis no halo relativamente vazio da Via Láctea que talvez ficassem ainda mais longe do ponto de partida da 14a FOP. Os únicos que sabiam que a frota se dispunha a sair da galáxia de origem eram os oficiais de astrogação, que eram capazes de interpretar os dados sobre a rota, além dos especialistas que trabalhavam nos rastreadores de matéria e energia, que examinavam as telas, onde as imagens brilhantes das estrelas iam rareando e desaparecendo, até que o quadro uniforme do espaço linear apareceu nas telas. As especulações davam verdadeiras cambalhotas a bordo das naves.

A frota dirigia-se a Andrômeda. Os maahks se haviam rebelado e preparavam uma frota gigantesca para invadir a Via Láctea. Não, não eram os maahks. Os herdeiros dos senhores da galáxia tinham entrado em cena, criando confusão. Também não era isso. Não se tratava de Andrômeda, mas de uma galáxia desconhecida, da qual tinham vindo hipersinais. Uma coisa ou outra. Durante vinte e três horas os boatos mantinham tensos oficiais e tripulantes. Finalmente a notícia vazou. Os homens que trabalhavam no rastreamento tinham visto novos pontos luminosos nas telas. Qualquer um seria capaz de calcular que a frota só tinha percorrido cento e poucos mil anos-luz. Portanto, não operaria em outra galáxia. Só havia um único lugar ao qual se chegava através do espaço vazio, e que ficava a menos de um milhão de anos-luz da Via Láctea. Eram as nuvens de Magalhães. Os homens que se encontravam a bordo das naves da 14a Frota Ofensiva Pesada tiveram a atenção despertada para certos fatos. De repente lembraram-se de notícias vagas, compreendidas somente pela metade, que tinham circulado há algumas semanas. *** Con Bayth levou 25 horas e 30 minutos para transferir as oitocentas unidades sob seu comando de sua posição no setor de Jellico a um ponto situado nas imediações da estrela-farol Navo Nord. A Revino levara noventa minutos menos para percorrer o mesmo trajeto em sentido contrário. Mas voara sozinha. O Almirante Bayth acabara de estabelecer um recorde para o vôo em grupo, recorde este que não seria quebrado nos próximos cem anos. A região em torno de Navo Nord estava completamente vazia. Con Bayth ia dar ordem de analisar os dados sobre o ponto de destino recebidos da Revino, quando alguém chamou pelo rádio. Era a corveta KC-5, comandada pelo Capitão Arthur Arnusen. Arnusen assumira posição numa órbita estreita em torno do Navo Nord. Ajudado por um punhado de homens, exercia as funções de estação retransmissora de notícias entre os grupos vindos de fora e os que operavam nas profundezas da grande nuvem de Magalhães. No momento estes grupos se encontravam sob o comando de Atlan. Segundo suas próprias palavras, Arnusen aguardara com grande ansiedade a chegada da 14a FOP. Con Bayth recebeu instruções de dirigir-se imediatamente à estrela de Keeg. Arnusen não tinha a menor idéia sobre a tarefa que teria de desempenhar por lá. A rota foi transmitida pelo hiper-rádio e introduzida diretamente no computador positrônico da nave-capitânia. Arnusen transmitiu as novidades que tinha recebido da área de operações, no interior da nuvem estelar. Sua fonte de informações fora a Revino, a última nave que passara por Navo Nord. Na verdade, as informações de Arnusen não foram propriamente uma novidade para Con Bayth. Ele mesmo estivera em contato com a Revino. Ems Kastori encontrava-se perto de Modula com o 82o Grupo Misto De Estabilização e bloqueava todo o sistema. O Lorde-Almirante Atlan saíra com a Crest IV e, juntamente com a nave particular do livre-mercador Roi Danton e vinte unidades que lhe tinham sido cedidas por Ems Kastori, seguia trezentas naves inimigas em forma de pêra. Sabia que em uma delas se encontravam Perry Rhodan, Roi Danton e grande número de oficiais

importantes, que estavam acompanhando contra a vontade uma raça desconhecida, que habitava a nuvem de Magalhães. Da mesma forma que fizera por ocasião da troca de mensagens com a Revino, Con Bayth teve o cuidado de evitar que as transmissões fossem ouvidas por quem não deviam. A única pessoa à qual confiou o conteúdo das mensagens foi o Coronel Astob, comandante da sua nave-capitânia. Achava preferível deixar os oficiais e tripulantes entregues às suas próprias especulações. A notícia da prisão e do desaparecimento de Perry Rhodan poderia ter efeitos psicológicos adversos. A 14a FOP partiu menos de duas horas depois de ter chegado ao setor de Navo. A etapa seguinte foi curta. A estrela de Keeg ficava a apenas vinte e dois anos-luz de Navo Nord. No sistema de Keeg reinava a calma. O Major Sih Lugastra montava guarda com um grupo de vinte corvetas. Não tinha instruções para Con Bayth. Informou que desde o momento em que ocupara seus postos, não acontecera absolutamente nada no sistema de Keeg. O Almirante Bayth chegou à conclusão de que não valeria a pena ficar neste setor espacial e voltou a movimentar sua frota, desta vez em direção a Modula, que ficava a 4.632 anos-luz. Eram 20 horas e 10 minutos do dia 23 de novembro de 2.435, tempo sincronizado, quando os encarregados do rastreamento do 82o Grupo Misto De Estabilização foram arrancados abruptamente do estado de letargia sonolento em que tinham caído por causa da monotonia generalizada. Oitocentas espaçonaves gigantescas saíram do espaço linear, produzindo uma pancada que fez vibrar os rastreadores, e deslocaram-se em alta velocidade na direção do 82o GME. Foi dado o alarme. Mas Ems Kastori, o “alegre” — apelido que lhe fora dado graças ao seu gênio — não deu o menor sinal de pânico. Demorou apenas alguns segundos até que se constatasse que as naves saídas do espaço linear eram unidades terranas. O alarme foi levantado. O oficial que o tinha dado sofreu uma repreensão que evitaria que tão depressa voltasse a adotar um procedimento precipitado. Con Bayth teve certeza de que Ems Kastori lhe daria as informações e instruções de que precisava, mas mais uma vez viu-se decepcionado. Kastori não sabia nada. Fazia dois dias que não recebia notícias do pequeno grupo de naves comandado por Atlan, que deveria tirar Perry Rhodan e seus companheiros da situação difícil em que se encontravam. A tarefa do 82o grupo consistiria em vigiar o sistema de Modula e impedir qualquer tráfego de naves estranhas de ou para o planeta. Por enquanto não tinham tido nenhuma dificuldade em cumprir esta tarefa. Em Modula reinava uma calma absoluta. Qualquer coisa que continuasse viva por lá, depois do ataque fulminante das naves-pêra, certamente preferia ficar bem quieta. À falta de outros objetivos, Con Bayth resolveu deixar sua frota estacionada por enquanto no sistema de Modula. Tomou esta resolução num estado de profunda depressão e de raiva impotente. As naves da 14a FOP ficaram de prontidão. Apesar do estado de depressão, o Almirante Bayth tinha certeza de que não o tinham chamado para permanecer inativo no sistema de Modula. De um instante para outro poderia chegar uma ordem do LordeAlmirante Atlan. Enquanto isso as naves-capitânias dos dois grupos trocavam informações. Con Bayth recebeu um relato minucioso dos acontecimentos mais recentes do setor de Modula. Ems Kastori informou-o de que, se os agentes de cristal não vinham de Modula, era neste mundo que adquiriam as características que os tornavam perigosos. O material

cristalino não dotado de inteligência era transportado de Danger I para Modula, onde sofria um processo ainda desconhecido, que lhe dava uma programação e uma inteligência própria. Con Bayth mandou que as informações fossem armazenadas em fita, para que no momento apropriado pudesse dispor delas. Ele mesmo foi uma fonte de informações bastante escassa para Kastori, pois a única coisa que pôde transmitir foi que por enquanto no setor de Jellico estava tudo em calma. Discutiu com Kastori as medidas que poderiam ser adotadas se não chegassem instruções de Atlan. O general epsalense era um interlocutor bastante reservado, que como oficial da Frota Solar preferiu, na medida do possível, não formular sugestões sobre o comportamento a ser adotado por um oficial da United Star Organization. A USO era uma organização independente, embora nos últimos séculos sempre tivesse agido como uma espécie de prolongamento da frota do Império. Por isso a discrição de Ems Kastori era perfeitamente compreensível. Finalmente Con Bayth conseguiu levar o epsalense a dizer alguma coisa, garantindo que a conversa seria considerada estritamente particular. Mas antes que Kastori pudesse formular uma sugestão, aconteceu aquilo que Con Bayth esperara o tempo todo. O setor de rastreamento anunciou a aproximação de uma espaçonave isolada. Dali a alguns minutos o veículo espacial fez um chamado pelo hiper-rádio. Era a KC-7, comandada pelo Capitão Hirman. Hirman comunicou que trazia instruções para o comandante da 14a FOP.

2 — Os desconhecidos que viajam entre as estrelas com suas estranhas espaçonaves são cada vez mais numerosos — disse Uraloth. Havia certa preocupação em sua voz. Mas Ul, que pertencia a uma raça diferente, não tinha a menor experiência nas nuances da fala. Ul estava sentado atrás da escrivaninha e mantinha-se ocupado com uma pilha de contas. Uraloth estava de pé no centro do pequeno recinto circular de teto abobadado, olhando fixamente para a única tela em funcionamento, que continuava a mostrar um trecho de uma galeria da mina, na qual o corpo do último trabalhador trajado de verdeoliva jazia imóvel. — Quanto mais, melhor — respondeu Ul sem levantar os olhos do trabalho. — Precisamos de gente para trabalhar na mina. Pelos meus cálculos, os entrepostos deverão estar vazios dentro de oito períodos de claridade e escuridão. Vamos... — Oito...? — interrompeu Uraloth, espantado e com uma falta de respeito que não estava em suas intenções. — Sim, oito. O fluxo tornou-se mais lento, depois que o inimigo bloqueou o principal centro de processamento e o destruiu em parte. Uraloth olhou para o chão. Os dois olhos do tempo transmitiram a impressão de que seu pé direito estava avançando o comprimento de um dedo. Instintivamente e sem dar-se conta do que estava fazendo, ativou os músculos e fez avançar o pé. Os dois olhos físicos registraram o fenômeno. A coincidência entre profecia e realidade acabara de ser estabelecida. O processo não durara mais que um décimo de unidade de tempo, e Uraloth não dedicou mais um único pensamento a ele. Eram coisas que aconteciam cem vezes em cada período de claridade e escuridão. — O senhor já se deu conta de que nos defrontamos com duas espécies bem diferentes de inimigo? — perguntou a Ul. Ul fez um gesto de pouco-caso. — Que importa? Somos invencíveis, e qualquer um pode trabalhar numa mina. Uraloth não se deu por satisfeito. — Por que somos invencíveis? — perguntou. Ul ficou estupefato — isto se Uraloth soube interpretar corretamente a expressão de seu rosto e os saltos do olho do tempo vermelho-brilhante, que ficava no interior do crânio transparente. — Só pode ser por causa dos cristais — respondeu Ul com a voz estridente, na qual Uraloth notou um tom de desaprovação. Mas não tinha muita certeza. — Os cristais são uma arma à qual o inimigo não tem nada a contrapor — seja quem for ele. Com os cristais conquistaremos o Universo. Uraloth teve algumas objeções na ponta da língua, mas diante da convicção quase fanática demonstrada por Ul preferiu guardá-las para si. Em sua opinião, as conclusões de Ul formavam um círculo vicioso. A extração dos cristais fora paralisada, por falta de prisioneiros que pudessem ser postos a trabalhar na mina. Mas logo haveria outros prisioneiros, porque os cristais eram uma arma contra a qual não havia defesa.

Uraloth chegou à conclusão de que Ul fazia uma avaliação otimista demais da situação. *** — É uma coisa que ninguém pode fazer — afirmou Link Stovall. Christopher Savy riu baixo. — Se alguém pudesse, não teria coragem. Era um método que nunca deixara de gerar uma ação, mesmo que nenhuma tivesse sido planejada. Mais uma vez deu resultado. — É um problema técnico — anunciou Harper Lann em tom enfático. — E estas coisas eu entendo. É simples. Basta encontrar o poço da antena central. — E abafar um aparelho de televisão — acrescentou Link. — E falsificar os registros, para que a falta do aparelho não seja notada — disse Christopher, completando o rol das dúvidas. Harper fez um gesto de pouco-caso. — Vocês sofrem de falta de imaginação. Quem pensa em abafar um aparelho completo? Os aparelhos geradores de imagem só podem sem emprestados com permissão do chefe de seção. Conheço o sovina e sei que não teria a menor compreensão pelo nosso problema. Um sorriso de desprezo cobriu o rosto largo e grosseiro de Link, que passou a dirigir-se a Christopher Savy. — Ele desistiu, Chris — afirmou. Chris deu de ombros. Harper fez uma coisa que não estava prevista no cerimonial das conversas hostis e amistosas ao mesmo tempo, e por isso causou uma surpresa tremenda aos interlocutores. Girou nos calcanhares e abandonou o pequeno camarote, com instalações espartanas, que servia de alojamento aos três jovens. Voltou dali a quinze minutos, carregando um recipiente de plástico no qual devia haver uma coisa importante. Colocou-o sobre a mesa que enfeitava o centro do camarote, apresentando sensatamente um formato triangular. Espalhou cuidadosamente as coisas de que se apoderara: chaves, relês, espulas pressurizadas, transistores, condensadores, resistências e coisas parecidas. No fundo do recipiente havia um tubo de imagem compacto de dez por dez centímetros, do tipo usado no laboratório técnico, em experiências. — Aí está — disse Harper, satisfeito, depois de ter esvaziado quase completamente o recipiente. — Não precisamos de mais nada. Link e Christopher levaram algum tempo para recuperar-se do espanto. — Você quer... você quer — balbuciou Link. — ...construir um receptor de imagem com esta confusão? — completou Christopher. Harper arregaçou as mangas do macacão. — Não há nenhuma dificuldade — garantiu. — Trata-se de um problema técnico e nestas coisas possuo muita experiência. Começou a montar as peças. Link e Christopher foram requisitados para serviços de mensageiro, trazendo certas coisas que Harper esquecera, de tanta pressa que tivera em provar sua capacidade. Precisavam de uma bateria, de um aparelho de solda automático, de um chassi para a montagem dos elementos de controle... e as mãos treinadas de Harper fizeram a obra crescer com uma velocidade alucinante.

Levou menos de uma hora para montar o receptor. Constatou-se que o cabo principal da antena passava bem perto dos camarotes dos tenentes. Podia-se chegar lá pelo tubo de ventilação. O próprio Harper encarregou-se de retirar a grade do exaustor embaixo do teto e entrar no tubo. Quando tinha percorrido cerca de vinte metros, este descreveu uma curva fechada em semicírculo. O cabo da antena ficava atrás desta curva. Harper tinha certeza de que a antena estava em contato com a parede do tubo e soldou o fio de sua antena. Voltou ao camarote e ligou o receptor. Sentia-se orgulhoso pelo que tinha feito. Os alojamentos dos oficiais mais jovens e dos tripulantes não possuíam receptores de televisão. Só mesmo quem alcançava o posto de major tinha direito a um camarote do qual se podia observar as áreas adjacentes à nave por meio de um televisor embutido na parede à maneira de uma janela. Até então Harper nunca fora de opinião que esse tipo de restrição afetava sua dignidade. Mas agora, que já fazia quase quarenta horas que não sabia o que estava acontecendo, a curiosidade levara a melhor sobre a prudência que era uma de suas características, e ele resolvera fazer alguma coisa para ter certeza. Não pensava que o aparelho montado às pressas lhe fosse proporcionar um esclarecimento completo sobre os acontecimentos. Só queria ver o que havia fora da nave. Um psicólogo provavelmente veria nisso um acesso ligeiro de claustrofobia. Assim que Harper ligou a chave, a tela iluminou-se. A imagem era perfeita. Via-se um setor espacial em que as estrelas não eram muito abundantes. Reflexos trêmulos passavam pela margem esquerda da tela, indicando que a objetiva estava captando a luz difusa de um astro muito luminoso. Provavelmente tratava-se de um sol. No centro do quadro estava suspenso o disco fosco que representava um planeta. Harper teve a impressão de que havia uma constante cintilância. Era como se milhares de fontes de luz intensas fossem ligadas e desligadas constantemente na superfície do planeta. Link e Christopher manifestaram seus elogios. Harper quase não lhes deu atenção. Estava fascinado com o quadro mostrado na tela. Via-se perfeitamente que a nave permanecia imóvel relativamente ao astro desconhecido. O planeta verde devia ser uma das etapas ou o destino final da operação. Harper tentou localizar outros satélites do sol invisível, mas uma tela de dez por dez centímetros não era apropriada para esse tipo de investigação. — Notaram a cintilância? — perguntou Christopher. — Já ia fazer a mesma pergunta — disse Link. — Que será? Harper girou o botão para regular a focalização. — Já deu para perceber? — murmurou em tom de desprezo. — Suas reações são mesmo muito rápidas. Christopher deu uma risada. Em Pembroke, que era de onde vinha Christopher Savy, a risada tinha um sentido bem diferente do que lhe era atribuído no planeta Terra. Os pembrokenses riam quando não sabiam o que dizer, quando ficavam aborrecidos ou quando estavam com fome. E, somente para respeitar uma tradição, quando se divertiam ou alegravam com alguma coisa. Mas em geral a risada de um pembrokense não era uma manifestação de bem-estar psíquico. Os homens ficaram em silêncio, observando. Passaram trinta minutos. Harper teve a impressão de que a esfera que representava o planeta tinha aumentado alguns milímetros. Concluiu que a nave se aproximava lentamente dele. A cintilância era cada vez mais nítida. Harper viu que não vinha da superfície do mundo desconhecido. Por várias vezes viu lampejos que sem dúvida começavam fora do disco planetário.

Harper tentou avaliar a distância. Evidentemente teve dificuldades. Não conhecia as dimensões do planeta. Partindo do pressuposto de que devia ser aproximadamente do tamanho da Terra, chegou à conclusão de que a distância devia ser de cerca de quatrocentos mil quilômetros. Mas não tinha muita certeza. — Que tal? — perguntou Link de repente. — Quem dera que eu soubesse alguma coisa — respondeu Harper, sempre de olho na tela. — Acho... Interrompeu-se no meio da frase. Achou preferível não manifestar sua opinião. Não causaria boa impressão se confessasse que o planeta desconhecido o assustava, sem que soubesse por quê. — Não estou gostando — disse Christopher e deu uma risadinha. — A coisa é... como direi?... simplesmente é medonha — Christopher olhou em volta, para ver se os companheiros concordavam. — Não acham? Link acenou lentamente com a cabeça. — Acho, sim — confessou. — Talvez seja porque... Nunca se ficaria sabendo qual seria a causa na opinião de Link Stovall. O interfone se fez ouvir. — Atenção, oficiais e tripulantes. Transmitiremos um comunicado do comandante da frota — ouviu-se um estalo. Por alguns segundos reinou o silêncio. Em seguida a voz calma e profunda de Con Bayth saiu dos alto-falantes. — Os senhores certamente andaram quebrando a cabeça para descobrir por que saímos de repente do setor de Jellico. “O tempo em que devíamos guardar silêncio passou. Estamos chegando ao destino, e daqui a pouco terão início as operações bélicas. Encontramo-nos perto do centro da grande nuvem de Magalhães, que é o campo de batalha mais recente que parece ter alguma ligação com os acontecimentos verificados no setor de Jellico. Estamos a cerca de três unidades astronômicas de um planeta que parece ser um dos principais redutos do inimigo. “Nossa tarefa consiste em destruir não o planeta, mas as tremendas forças do inimigo que parecem encontrar-se numa órbita em torno do mundo hostil. Trata-se de estruturas cristalinas dotadas de uma estranha capacidade. Podem influenciar cérebros inteligentes. Anda não se conhece o processo que usam. Fala-se numa para-hipnose — o que significa simplesmente que não se sabe do que se trata mesmo. Os senhores já ouviram falar nos cristais quando ainda nos encontrávamos no setor de Jellico. Ao que tudo indica, estes cristais controlam o comportamento do super-robô Old Man. “De certa forma os cristais que teremos de enfrentar aqui não são tão perigosos como os que se encontram no setor de Jellico. Em poucas palavras, falta-lhes o remate final, a programação definitiva, que lhes confere uma espécie de inteligência independente. Os cristais que devemos destruir não possuem inteligência, mas deles partem emanações para-hipnóticas que logo se farão sentir. “Em hipótese alguma podemos ficar submetidos a esta influência. Por isso resolvemos tomar algumas precauções. “Primeiro, contornaremos o planeta a grande distância. Só nos aproximaremos o necessário para que nossos canhões possam atirar com alguma precisão. “Segundo, o tiro ficará por conta dos aparelhos automáticos, para que nenhum de nós tenha oportunidade de fraquejar. “Terceiro, o autômato de astrogação foi programado de tal maneira que cada nave da frota abandonará sua posição dentro de cinco horas, dirigindo-se a um ponto de reunião situado a uma distância em que estaremos em segurança.

“Acho que estas medidas serão capazes de evitar a desgraça. Não se assustem se nas próximas cinco horas sentirem desejos e tendências que lhes sejam impostas pelas emanações hipnóticas dos cristais. Resistam. Se a compulsão for muito forte, procurem um médico. E fiquem a postos. “Ao planeta que se encontra à nossa frente foi dado o nome Danger I. Tenho certeza de que faz jus a este nome. Mas não acredito que tenhamos de enfrentar problemas mais graves. “Obrigado.” Os receptores estalaram. Harper olhou os companheiros com uma expressão embaraçada. — Se não fosse tão impaciente — disse Link — não precisaria ter tido todo esse trabalho com o televisor. *** As instruções que o Almirante Bayth tinha recebido do arcônida, por intermédio de Hirman, eram as seguintes: Destrua os cristais de Danger I. Com isso cumpriremos dois objetivos ao mesmo tempo. O fluxo de substância cristalina do inimigo será reduzido ou talvez interrompido de vez. Além disso os gurrados verão em nossa ação uma prova de que em linhas gerais queremos a mesma coisa que eles. Con Bayth partira imediatamente. Era um homem jovem para o posto que ocupava. Ainda não ultrapassara o estágio em que a inatividade deixa a pessoa nervosa e inquieta. Ficara satisfeito em receber uma ordem que prometia ação. A 14a FOP levara apenas algumas horas para percorrer a distância entre Modula e Danger I. As naves gigantescas saíram abruptamente do espaço linear e formaram um círculo amplo em torno do planeta de cristal. No momento o diâmetro do círculo era pouco inferior a quinhentos mil quilômetros. Por enquanto não se sentia nada das emanações para-hipnóticas que os cristais liberavam acima da atmosfera do estranho mundo. Con Bayth tinha a intenção de aproximar-se a cerca de quatrocentos mil quilômetros e abrir fogo. Era necessário destruir os cristais que circulavam em torno do planeta, sem causar maiores danos a este. Danger I era um mundo importante. Depois de afastado o perigo representado pelos cristais, seria conveniente descobrir quais eram as instalações inimigas existentes neste mundo. Para o bombardeio tinham sido preparadas cargas conversoras de pequena potência, cuja força explosiva não ultrapassava o equivalente a um megaton de explosivo convencional. A distância tinha sido regulada de tal maneira que o efeito das explosões mal atingiria as camadas superiores da atmosfera. Quanto ao segundo objetivo manifestado pelo lorde-almirante, os rastreadores da nave-capitânia, a Tosoma, tinham descoberto há alguns minutos uma coisa importante. A cerca de dez unidades astronômicas de Danger I havia um grupo de três espaçonaves. Permaneciam imóveis. Parecia que sua tarefa se limitava a observar o planeta. Era quase certo que se tratava de naves dos gurrados. Sabia-se muito pouco a respeito dos gurrados. Eram criaturas humanóides, com cabeças de leão e jubas enormes. Suas espaçonaves por fora tinham certa semelhança com os veículos em forma de pêra do inimigo, mas seus sistemas de propulsão eram mais eficientes. Perry Rhodan, Roi Danton e seus companheiros encontravam-se em poder dos gurrados, que travavam uma prolongada guerrilha com os perlians e os generais. Diante da situação, que era bastante confusa, não se podia estranhar que os gurrados concluíssem sem maiores indagações que Perry Rhodan e os outros terranos eram inimigos.

Uma das tarefas de Con Bayth era esclarecer o equívoco. Quando descobrissem que os desconhecidos que viajavam em naves esféricas tinham atacado Danger I e destruído os cristais, certamente mudariam de opinião. Era ao menos o que se esperava. A Tosoma deslocava-se lentamente em direção ao ponto em que ficaria estacionada para abrir fogo. Na tela principal dos rastreadores, instalada na central técnica que ficava embaixo da sala de comando, cintilavam os pontos de eco das oitocentas naves, que formavam um círculo geometricamente exato, que se fechava lenta, mas inexoravelmente em torno de Danger I. Quando se encontravam a quatrocentos mil quilômetros de distância, houve o primeiro incidente. Na sala de comando da Tosoma um jovem oficial caiu ao chão, gritando. — O que estão esperando? Desçam no planeta! — berrou. — Desçam... desçam... Dentro de alguns minutos outros tripulantes foram atingidos pela influência. As emanações para-hipnóticas os induziam a aproximar-se e pousar no planeta. Eram fortes em sua monotonia. Para evitar maiores dificuldades, Con Bayth deu ordem para que a frota voltasse a abrir o círculo, que voltaria a ter quatrocentos mil quilômetros de diâmetro.

3 — Chegou a hora — disse Uraloth. — O inimigo se aproxima e atacará dentro em breve. Era claro que não estava trazendo nenhuma novidade. A reação do perlian que comandava a base diante do súbito aparecimento de oitocentas naves inimigas consistira em convocar um grupo de três especialistas perlians para discutir as medidas a serem adotadas. Uraloth ficou impressionado. Não sabia até que ponto um perlian costumava demonstrar o medo ou o nervosismo, mas achou Ul bastante calmo diante do perigo iminente, e fértil em excelentes sugestões capazes de resolver a situação. Parecia perfeitamente capaz de enfrentar o perigo. Quando os perlians entraram na cúpula de comando interior da base, a água ainda pingava de seus corpos. Tinham passado as horas de folga em um dos grandes tanques de água instalado especialmente para este fim embaixo da superfície do planeta. Os perlians eram seres hidrógenos, embora graças ao seu complicado sistema respiratório fossem capazes de sobreviver numa atmosfera gasosa. Mas sempre que tinham oportunidade voltavam ao seu ambiente natural, passando a respirar através das guelras — uma forma de vida que tinha sido a única, até que criaram o aparelho respiratório duplicado. Ul não julgou necessário informar seu subordinado Uraloth sobre os detalhes do plano que concebera. Mas Uraloth presenciou sua conversa com os técnicos e entendeu muita coisa. Os perlians pretendiam levar o inimigo a uma situação em que não pudesse resistir mais à influência dos cristais e tivesse de pousar. Durante as operações de pouso os fortes distribuídos embaixo da superfície do planeta atacariam as unidades inimigas e as destruiriam. Os técnicos já sabiam qual era sua tarefa. Puseram-se a trabalhar nos complicados comandos instalados no painel que ocupava metade da parede redonda da sala. Mais algumas telas acenderam-se, mostrando fios trançados muito finos com um ponto luminoso no centro, que se destacavam sobre um fundo verde-escuro. Tratava-se de algumas espaçonaves inimigas, escolhidas pelos subordinados de Ul para fazer medições. No momento Ul não tinha nada para fazer. Dirigiu-se ao subordinado. Parecia ter perdido o medo dos dois olhos do tempo de Uraloth e tratou este com certa condescendência que lhe causou repugnância. — O inimigo acaba de cometer um erro fatal — explicou o perlian em tom de deboche. — Aproximou-se demais dos campos de caça do peixe-espada. *** Harper Lann desmontou seu aparelho de televisão e retirou a antena do poço de ventilação. Quando concluiu o trabalho ficou satisfeito. Não gostaria de ser apanhado operando um aparelho fabricado com infração das normas. A bordo da Tosoma as punições pela violação do regulamento eram bem rigorosas. Dali a quarenta minutos terminou a folga dos três tenentes, que se dirigiram aos locais de trabalho no laboratório de direção e controle. O laboratório funcionava num pavilhão situado dois conveses abaixo da sala de comando, em cujo interior tinham sido instalados os complicados mecanismos de direção automática da nave. O oficial no

comando era o Capitão Neil Finner, um homem vindo de Egret, no sistema de Tau Ceti, que seguia princípios extremamente duros. Harper Lann revezou um sargento que estava montando guarda junto ao sistema do acelerômetro. Christopher e Link trabalhavam no sistema de giro central. Seus consoles ficavam ao lado do de Harper, numa espécie de sacada circular que ficava oito metros acima do piso do pavilhão. O lugar de Neil Finner, que ficava em posição mais elevada e podia ser visto de toda parte, ficava à esquerda do console de Harper, no fim do primeiro quarto da elevação. Havia oitenta oficiais e tripulantes trabalhando na sacada. O diâmetro do pavilhão era de apenas quarenta metros. Os gigantescos mecanismos que cuidavam da direção automática da nave gigantesca enchiam o recinto com um zumbido constante. Harper gostava do seu trabalho. Passara a trabalhar a bordo da Tosoma há mais de um ano, sendo uma exceção entre os oficiais da United Star Organization, uma vez que o arcônida estabelecera a regra de engajar cidadãos dos mundos coloniais terranos, mas não pessoas nascidas na Terra. Harper nunca se sentira tão bem como naquela sala de direção e controle. Nem mesmo Neil Finner era capaz de mudar isso, embora muitas vezes fizesse tudo para tornar mais difícil a vida dos subordinados. Harper amava aquele teto ligeiramente abaulado, que parecia ser feito de luz pura, e as máquinas enormes, que de uma maneira fascinante sabiam a qualquer momento, com a precisão de meio quilômetro, em que ponto do Universo se encontrava a nave. Divertia-se trabalhando. Conhecia os instrumentos por dentro de por fora, tanto que até mesmo Neil Finner, que não gostava de fazer elogios, às vezes era obrigado a confessar que se não fosse Harper Lann seus problemas técnicos seriam muito mais difíceis. Harper era técnico por paixão. Nisto era bem diferente dos dois amigos com os quais compartilhava o camarote. Estes eram antes de tudo oficiais. Harper passou os olhos pelos controles. O grande acelerômetro estava na marca zero nos três eixos principais. Os propulsores da nave não estavam em funcionamento. A calculadora estava trabalhando. Alimentada com os dados fornecidos por sondas e equipada com um modelo representativo do sistema solar em cujo interior se encontrava a Tosoma, calculava a gravitação a que a nave estava exposta, adicionava-a ao valor indicado pelo acelerômetro e apurava a soma das forças de aceleração que atuavam sobre a Tosoma. O resultado era introduzido na calculadora controladora, que por sua vez possuía informações sobre a rota que a nave devia seguir e a velocidade e aceleração que devia desenvolver. Gerava comandos de direção de acordo com as indicações recebidas, comandos estes que compensavam imediatamente qualquer desvio dos valores previstos. Uma série de luzes amarelas começou a tremer. A calculadora acabara de apurar o valor da gravitação e o transmitia à controladora. Um mostrador luminoso deu um salto na escala do acelerômetro, para voltar imediatamente à posição zero. O propulsor da nave entrara em funcionamento por uma fração de segundo, para manter a Tosoma no lugar, resistindo à sucção fraca do campo gravitacional. Harper pegou o microfone pelo qual podia entrar em contato com o Capitão Finner e os outros homens que trabalhavam nos consoles. — Tenente Lann a postos, senhor. Acelerômetro testado. Tudo em ordem. Neil Finner acenou de sua poltrona elevada. Dali a instantes Christopher e Link transmitiram informações idênticas e obtiveram a mesma resposta. O Capitão Finner estava de razoável bom humor. Quando mal-humorado costumava responder pelo interfone, e quando estivesse muito bem-humorado acompanhava o aceno de cabeça com um gesto da mão.

Não faltava muito tempo para a Tosoma e as outras naves da 14a FOP abrirem fogo contra Danger I. Os homens que se encontravam no centro de direção e controle, isolados de tudo que se passava do outro lado das paredes do recinto, estavam cada vez mais tensos. O recuo pouco intenso dos canhões conversores durante o disparo seria registrado nos acelerômetros e nos três giroscópios. Harper olhava fixamente para as escalas. Estremeceu quando um alto-falante do sistema de intercomunicação entrou em funcionamento bem em cima de sua cabeça. — Vamos abrir fogo... Já! — anunciou uma voz desconhecida. Mostradores luminosos saltaram sobre escalas fluorescentes. As luzes amarelas da calculadora piscaram numa pressa aparentemente confusa. O zumbido agudo de um alerta se fez ouvir junto ao console de Christopher Savy, quando o disparo de uma peça de artilharia fez a nave dar um pequeno giro em torno dos três eixos principais. Christopher fez avançar a mão magra e comprida e desligou o alerta. Estava correndo tudo segundo o programa. Os aparelhos automáticos estabilizaram a rota da nave, gerando sinais de controle que fizeram com que o sistema de propulsão compensasse a aceleração produzida pelos canhões. Por um instante a idéia de que uma instalação que custara mais de oitenta milhões de solares e englobava as conquistas mais recentes da técnica de comando e controle devia mesmo funcionar perfeitamente atravessou a cabeça de Harper. O tenente levantou os olhos ao ouvir um grito abafado vindo da direita. Um dos oficiais acabara de levantar à frente de seu console. Estava pálido que nem um cadáver. Gesticulava furiosamente com os braços e dizia coisas confusas. — ...pousar... não fazer nada... convidam-nos... não vamos pousar? Harper olhou para a esquerda. Neil Finner controlava a situação. Segurava o microfone e estava falando com alguém. Devia ser o oficial de plantão na enfermaria. O oficial de rosto pálido saíra da frente do console e caminhava pelo corredor circular, gesticulando constantemente. Dois homens levantaram e seguraram-no. O oficial ofereceu uma resistência não muito forte. Dali a dois minutos dois enfermeiros entraram no balcão, passando por uma das escotilhas principais. O homem pálido foi levado. Seu lugar foi ocupado por um oficial que estivera de folga e fora especialmente convocado por Neil Finner. O incidente deixou Harper preocupado. Lembrou-se de que o Almirante Bayth os advertira contra as capacidades para-hipnóticas dos cristais, cuja destruição acabara de ser iniciada pela frota. Harper examinou a própria mente, à procura de algum sinal da influência estranha, mas não descobriu nada. Não tinha certeza se a pessoa influenciada estava em condições de perceber seu estado. Será que a gente podia ser submetido à influência para-hipnótica sem perceber? Não sentia nenhuma inclinação, nenhum desejo, nenhuma antipatia que não parecesse natural. Mas será que isto provava alguma coisa? Dirigiu-se a Link Stovall, que estava sentado à sua esquerda. — Link, você percebe alguma... Link não deixou que completasse a frase. — Absolutamente nada. Você acha que a gente pode... — Naturalmente — interveio Christopher. — Vocês ouviram o que ele queria. Pousar. Sentem qualquer desejo de pousar em Danger I? Link sacudiu a cabeça. Harper examinou seus sentimentos e chegou à conclusão de que não desejava nada disso. A competência de Christopher em matéria de para-hipnose lhe parecia um tanto duvidosa, mas apesar disso sentiu-se aliviado.

Voltou a dirigir-se aos seus instrumentos. Feio menos as máquinas não estavam sujeitas a qualquer tipo de influência para-hipnótica. Passaram-se dez minutos, nos quais os canhões conversores da Tosoma despejavam suas cargas mortíferas num ritmo tranqüilo, fazendo os mostradores luminosos dançar e saltar sobre as escalas toda vez que era dado um tiro. De repente aconteceu o segundo incidente. Desta vez um tenente e um cabo levantaram quase ao mesmo tempo e puseram-se a falar e a gesticular. Neil Finner não teve nenhum trabalho em controlar os infelizes. Foram carregados à enfermaria por cinco enfermeiros. Insistiam em pousar em Danger I, e ouvia-se claramente este desejo até que a escotilha se fechou atrás deles. De repente Harper Lann teve o pressentimento de um grave perigo. *** As primeiras salvas atingiram o alvo. As explosões dos projéteis conversores apareciam nas telas de imagem da sala de comando da Tosoma em forma de pequenos raios branco-azulados. Os rastreadores mostraram que os projéteis explodiam em altitudes que variavam entre quinhentos e mil e quinhentos quilômetros acima da superfície do planeta, ou seja, no plano em que se deslocavam as massas cristalinas, ou perto dele. Mais cinco homens tinham sido postos fora de ação na sala de comando. Não havia ninguém no amplo recinto redondo que não sentisse a mensagem terrível dos cristais, que solicitava a aproximação e o pouso. Em uns o sentimento era mais forte, em outros mais fraco. Nem sempre os que tinham a percepção mais nítida da mensagem eram os que sucumbiam primeiro. A capacidade de resistir à inclinação — a força de vontade — desempenhava um papel importante. Con Bayth estava preocupado. O bombardeio mal começara, e era necessário fazer os disparos num ritmo lento, para não causar estragos na superfície do planeta. Raramente as explosões produziam um efeito direto nas esferas de cristal. Na maior parte das vezes o cristal se rompia sob o efeito das radiações secundárias em vez de ser arrebentado na explosão. Pelos cálculos de Con Bayth, seria necessário disparar um número de projéteis equivalente a quatro ou cinco vezes o das esferas de cristal. As cinco horas previstas para a operação só seriam suficientes se não houvesse nenhuma falha, nenhum incidente que acarretasse perda de tempo. Nos primeiros trinta minutos perdera um total de seis homens. Se as coisas continuassem assim, a sala de comando logo ficaria vazia. Bayth estava sentado perto do Coronel Astob, sobre o estrado elevado reservado ao comandante, que ficava no centro da grande sala. Astob acompanhava em silêncio as indicações dos instrumentos de seu console. Tinha a figura maciça, quase quadrada, que era uma característica de todos os epsalenses, e trazia no interior de seu traje protetor um pequeno gerador gravitacional, que criava um campo de gravidade artificial igual ao que estava habituado a encontrar em seu mundo. Num campo de intensidade normal o epsalense se sentiria desajeitado, por causa da força tremenda de seus músculos. O bombardeio prosseguia conforme previa o plano. As bombas conversoras martelavam o cinturão de cristais que cobria Danger I com a regularidade de um relógio, mas por enquanto não se notava nenhuma redução da influência para-hipnótica. Pelo Contrário. No segundo espaço de trinta minutos sete homens sucumbiram às terríveis radiações e foram carregados pelos enfermeiros.

Con Bayth teve a impressão de que a pressão se tornara mais forte. Fez uma pergunta a Astob sobre isso. O coronel passou a mão pela testa. Meio perturbado, parecia prestar atenção ao que se passava dentro dele. — Não posso dizer, senhor — respondeu depois de algum tempo. — Parece que meu crânio é tão grosso que só deixa passar pequena parte da radiação. Nem sequer tenho certeza de que estou compreendendo a mensagem. Con Bayth levantou os olhos e contemplou a tela panorâmica. Teve a impressão de que o disco planetário tinha aumentado de tamanho. Mas só podia ser sua imaginação. Além disso era quase impossível determinar o tamanho exato, por causa dos cristais que o envolviam e do lampejo constante das bombas. *** Nos vinte minutos que se seguiram mais quatro dos subordinados do Capitão Finner sucumbiram aos cristais. “É claro que as baixas só podem aumentar enquanto perdura o efeito dos cristais”, disse Harper Lann a si mesmo. Seria mesmo? A questão deixou-o preocupado. Será que as radiações produziam mesmo um efeito cumulativo, fazendo com que uma pessoa exposta de forma constante sucumbiria dentro de dez, vinte ou trinta minutos, segundo sua força de vontade? Ou será que o número maior de baixas era devido a um aumento da intensidade das emanações? Dirigiu-se a Link e Christopher, que não sabiam a resposta. Pegou o microfone e falou com Neil Finner. — Por que a radiação haveria de aumentar? — quis saber Finner. — Pelo que se diz, os cristais no seu estado primitivo não possuem inteligência própria. Se pensa que notaram a aproximação das naves e aumentaram seus esforços, tire essa idéia da cabeça. — Estava pensando num fenômeno muito menos complicado — retrucou Harper com o devido respeito. — Não podemos excluir a possibilidade de nos termos aproximado do planeta além do limite crítico, senhor. A reação de Neil Finner foi a que se poderia esperar. — O senhor está sentado à frente dos aparelhos de direção e controle mais sofisticados e sensíveis que já foram produzidos no Universo — disse em voz tão alta que seria ouvido mesmo sem o interfone. — Acha que a nave poderia ter-se afastado embaixo de seu traseiro da posição prescrita? — Sim senhor — respondeu Harper singelamente. Christopher virou-se para ele e bateu com o dedo na testa. Harper não lhe deu atenção. — Como acha que isso pode ter acontecido, tenente? — berrou Finner. Neste instante a discussão foi interrompida. Cinco homens que trabalhavam num conjunto de consoles em ferradura que ficava do outro lado do corredor circular levantaram ao mesmo tempo e exigiram em altas vozes que a nave se movimentasse imediatamente, preparando-se para pousar em Danger I. Neil Finner cuidou do problema mais urgente. A situação se agravara tanto que um grupo de enfermeiros ficava constantemente a postos do outro lado das escotilhas. Demorou apenas um minuto até que os cinco rebeldes fossem dominados e levados. Neil Finner voltou a dirigir-se a Harper. — Ainda espero sua resposta, tenente — disse em tom enérgico.

— O trabalho da calculadora baseia-se num modelo gravitacional e numa série de dados, senhor — respondeu Harper prontamente. — É possível que o modelo seja falso ou que as condições gravitacionais fora da nave se tenham modificado depois que foram realizadas as medições. Finner demorou um pouco a responder. — Parece lógico — resmungou finalmente. — Mas acho que é um argumento meio forçado. Suas objeções não são aceitas. — Obrigado, senhor — disse Harper e colocou o microfone no gancho. Um canhão conversor disparou, fazendo oscilar o mostrador luminoso do oscilômetro. Nos dez minutos seguintes mais oito homens sucumbiram aos cristais. A sala de comando foi-se esvaziando aos poucos. Era difícil encontrar quem substituísse os homens que eram submetidos à influência para-hipnótica. E nos outros lugares da nave a situação não era melhor que na sala de comando. Con Bayth levantou um inventário apressado. Na sala de comando havia dois oficiais que eram imunes à influência para-hipnótica. Em outras palavras, estes homens não percebiam que do lado de fora havia alguma coisa que se esforçava para apossar-se de seu consciente e convencê-los a fazerem a nave pousar em Danger I. Pôs-se a elaborar outro plano. As baixas cada vez maiores entre os oficiais de serviço na sala de comando e a oficialidade e tripulação a bordo das oitocentas naves tomavam duvidoso o resultado da operação que estava sendo desenvolvida. Con Bayth considerou a possibilidade de a destruição dos cristais — e possivelmente mais que isto — poder ser conseguida de outra forma. Deu ordem para que a velocidade do tiro fosse aumentada. Outros canhões conversores entraram em ação, e as bombas choveram em cima de Danger I. Mas nem por isso a intensidade das influências para-hipnóticas diminuiu. Pelo contrário. Parecia que estava crescendo. De repente o próprio Con Bayth teve de fazer um grande esforço para resistir à pressão. Às vezes surpreendia-se sentindo a imposição de pousar no planeta de cristal como um desejo próprio e pensando em dar as respectivas ordens. Era cada vez mais difícil sair destes desvios mentais e retornar ao próprio ego. Olhou novamente para a tela e mais uma vez teve a impressão de que as dimensões do disco planetário tinham aumentado. Pediu a opinião de Astob, mas nos últimos sessenta minutos o coronel não fizera outra coisa senão olhar para os instrumentos e por isso não tinha base de comparação. Con Bayth pegou o microfone e apertou a tecla correspondente à seção de rastreamento. Os encarregados do setor não estavam fazendo nada, uma vez que a nave permanecia imóvel e não havia necessidade de realizar medições. — Verifique a distância de Danger I — soou a voz de Bayth aos seus ouvidos. Quase no mesmo instante atirou o microfone no gancho. O desejo ardente de aproximar-se do planeta e pousar inundou-o como uma onda e por pouco não o arrastou. No último instante lembrou-se da tarefa que devia cumprir e resistiu com toda força contra a influência diabólica. A torrente para-hipnótica foi diminuindo. Con Bayth sentiu-se fraco. Uma camada de suor brilhava em sua testa. O Coronel Astob notou quando o almirante virou o rosto em sua direção e disse: — Preste atenção, Astob. Se nos próximos minutos eu der ordem de pousar, dê-me um soco e enfie uma mordaça em minha boca. Entendido?

*** Parecia que Neil Finner estava morrendo sufocado. Harper voltou a pegar o microfone e apertou a tecla que o ligaria a Finner. Viu-o inclinar-se ligeiramente, devagar e distraído, como se seus pensamentos estivessem bem longe dali, pegando o receptor. A tripulação da sala de direção e controle estava reduzida a trinta homens. Já não se conseguiam substitutos. Até mesmo o grupo de enfermeiros que ficava de prontidão junto às escotilhas era cada vez menos numeroso. — Que há, Lann? A voz de Finner parecia apagada. — Peço permissão para realizar outra pesquisa por meio de sondas, senhor. A reação de Finner não foi tão violenta como Harper esperara. — O senhor não me disse nada de novo, tenente — respondeu, cansado e distraído. — Está repetindo a mesma sugestão que recusei há pouco. — Sem dúvida, senhor. Mas os indícios de que há algo de errado são cada vez mais... — São coisa alguma, tenente — interrompeu Finner. — Existem inúmeras explicações para as baixas que estamos sofrendo. Não estou disposto a gastar nem meio solar pelas suas fantasias... Não disse mais nada. Ouviu-se um estouro surdo quando deixou cair o receptor sobre o console. Harper viu-o levantar. Algo lhe dizia que os acontecimentos estavam atingindo o ponto crítico. Também levantou, apesar dos sinais tranqüilizadores feitos por Link e Christopher. — Atenção, todo mundo! — ressoou a voz de Finner, abafando o ruído dos instrumentos. — Tenho certeza de que estou agindo no interesse de todos. Alterem a programação dos computadores para que... Harper deu um enorme salto para cima de um dos consoles que estavam vazios por causa das baixas verificadas entre o pessoal. — Não! — ressoou seu grito de protesto, superando sem dificuldade a voz de Finner. — Não se deixem levar por ele. Qualquer um vê que foi submetido à influência do inimigo. Quer mudar a programação do computador para fazer com que a nave se aproxime de Danger I. Finner interrompeu-se e olhou para Harper. Estava tudo em silêncio; só se ouvia o zumbido dos instrumentos. Finner sorriu com uma expressão irônica. Harper compreendeu no mesmo instante que seria impossível levar avante seu plano da forma que imaginara. — Foi muito inteligente de sua parte dizer isso, tenente — respondeu Finner, — Esperava mesmo que tivesse uma objeção. Mas tenho certeza de que está em minoria. Quanto a isso Harper não tinha a menor dúvida. Duas dezenas de oficiais e suboficiais levantaram atrás de seus consoles. Via-se perfeitamente pela expressão de seus rostos de que lado estavam. Só restavam quatro homens sentados em seus lugares, conforme exigia o regulamento, inclusive Christopher e Link. Harper agiu de improviso. A pequena arma regulamentar que constantemente trazia consigo literalmente saltou para dentro de sua mão. Do ponto em que se encontrava mantinha todo o pavilhão sob controle. Felizmente o desejo de pousar, criado pelas emanações para-hipnóticas dos cristais, era basicamente pacífico. Ninguém esperara que os acontecimentos tomassem este rumo, e a rapidez de sua decisão fez com que Harper dominasse a situação por enquanto.

— Não se mexam! — trovejou sua voz. — Todos ficarão nos seus lugares, a não ser que eu permita a alguém que faça um movimento. — Isso é um motim! — gritou Neil Finner. — O senhor será chamado à responsabilidade por isso... — Cale a boca! — disse Harper em tom enérgico. — O senhor já não é dono de sua vontade — sem virar a cabeça, deu uma ordem para Chris, que estava sentado lateralmente atrás dele. — Chame os enfermeiros. Rápido, Chris! Ouviu o clique de um microfone sendo tirado do gancho. — Desça daí! — berrou Finner. — Faça imediatamente o que digo, senão... Era uma situação perigosa. Um grupo de homens começou a aproximar-se do lugar em que se encontrava Harper, vindo do lado. Harper levantou a arma. Um tiro de advertência passou rugindo por cima das cabeças dos homens e atingiu o teto. — Fiquem onde estão — disse em tom ameaçador. Os homens obedeceram por enquanto, mas a situação era cada vez mais desconfortável para Harper. Christopher falou apressadamente para dentro do microfone, mas quando a escotilha principal se abriu, por ela só entraram quatro enfermeiros, e até mesmo estes davam a impressão de que Neil Finner não precisaria de muita persuasão para tê-los do seu lado. — Recolham todos que não estão sentados atrás dos consoles — gritou Harper para os homens identificados por uma faixa branca no braço. — Levem-nos imediatamente ao hospital de bordo. Os enfermeiros olharam em volta, perplexos. — Não lhe dêem ouvidos! — gritou Finner. — Este homem ficou louco. Prendamno. — Entre em contato com a sala de comando — ordenou Harper a Christopher. — Tente falar com o oficial que chefia a equipe técnica. Conte-lhe como estão as coisas aqui embaixo. Harper concentrara-se por uma fração de segundo na ordem que queria dar a Christopher. Quando voltou a olhar para a frente, chegou a ver no último instante um movimento rápido e perigoso na extremidade esquerda do campo de visão. Harper deixou-se cair. Um tiro chiou e produziu um apito desagradável ao passar perto dele. Neil Finner aproveitara a oportunidade. No mesmo instante a sala transformou-se num inferno. Gritos se fizeram ouvir, tiros chiaram e uma confusão de comandos soou. Harper reconheceu que sua causa estaria perdida numa questão de segundos, a não ser que conseguisse dominar Neil Finner. Saiu de quatro em direção ao lugar em que estava Finner, abrigando-se atrás dos consoles. Os feixes de raios energéticos ofuscantes que passavam chiando na altura da tampa do console eram um sinal de que estava sendo caçado. De repente teve uma idéia desagradável. Era possível que o oficial técnico, o Coronel Astob ou até Con Bayth poderiam ter sucumbido às perigosas emanações dos cristais. Era possível que não pudesse receber mais nenhum auxílio, que a única salvação seria dominar Neil Finner antes que fosse tarde, introduzir uma série de comandos novos no computador e afastar a nave o mais depressa possível da zona de perigo mortal — tudo isto sob sua própria responsabilidade. Harper saiu de trás de um dos consoles e viu um trecho de dez metros do corredor circular. Viu uma série de botas de plástico marrom movendo-se rapidamente em sua direção. Recuou para tentar a sorte do outro lado do console. — Parado!

A voz trovejou bem em cima de sua cabeça. Harper estacou no meio do movimento. — Abra a mão direita! — disse a voz em seguida. — Coloque a arma no chão e empurre-a devagar com a quina da mão. Harper obedeceu. Não havia alternativa. Reconhecera a voz. Neil Finner fora mais rápido que ele. — Levante! Devagar e sem truques. Harper encolheu os joelhos e levantou apoiado nas palmas das mãos. Estava disposto a arriscar mais uma tentativa. Pretendia saltar abruptamente, surpreendendo Neil Finner e desarmando-o. Sabia que suas chances não eram muito boas. Finner era um oficial muito competente e saberia cuidar-se. Mas precisava tentar. Seus músculos entesaram-se — e de repente ouviu uma batida em cima de sua cabeça e quase no mesmo instante um gemido de dor. As pernas enfiadas em botas que enchiam seu campo de visão inclinaram-se lentamente. Ouviu-se o som metálico de uma coisa caindo ao chão num lugar distante. Harper não perdeu tempo. Deu uma cabeçada na barriga de Finner. O capitão foi atirado para trás, bateu com força no console mais próximo e caiu ao chão com os músculos flácidos. Outra voz forte se fez ouvir. — Eu lhes ensino uma coisa. Voltem aos seus lugares. Quem puser a mão na arma acabará com um buraco na barriga. Para trás, idiotas amaldiçoados! Era a voz de Link Stovall. Harper sorriu. Tinham compreendido o que estava acontecendo. Harper sentiu-se dominado por uma sensação de tremendo alívio. Saltou de trás do console que lhe servira de abrigo e saiu caminhando em direção ao console de comando de Neil Finner, que estava vazio. De lá podia modificar a programação do computador. Ficou parado à frente do console, examinando os controles, sem dar a menor atenção às sereias de alarme, cujo barulho de repente encheu a sala. O ruído enervante e a reação inúmeras vezes treinada aos sinais de alarme acabou sendo mais forte que a capacidade para-hipnótica dos cristais. O tumulto acabou no mesmo instante. Todos se interromperam no meio do movimento. Quando as sereias pararam de tocar, tudo estava em silêncio na grande sala. O receptor instalado no console de Neil Finner emitiu um zumbido. Harper pegou-o e apresentou seu relato. — A nave encontra-se a apenas trezentos e setenta mil quilômetros de Danger I — disse o Almirante Bayth. — Que diabo está acontecendo aí embaixo?

4 As telas apagaram-se. Os técnicos de Ul levantaram, caminharam em direção à saída e retiraram-se sem dizer uma palavra. Ul estava de costas para Uraloth, olhando fixamente para a parede cheia de instrumentos. Uraloth viu o movimento abrupto que Ul dez ao virar-se um décimo de segundo antes que ele se levantasse. Este décimo de segundo não foi suficiente para recuperar-se da surpresa que a expressão de satisfação estampada no rosto de Ul provocou nele — se é que realmente era um sinal de satisfação. As palavras de Ul dissiparam as dúvidas. — A primeira fase da luta passou. Alcançamos uma vantagem importante. A segunda fase começará dentro de algumas unidades de tempo. Uraloth achou que seria conveniente manifestar suas dúvidas. — Se não estou enganado, o senhor conseguiu atrair as naves inimigas a uma distância tão pequena que as emanações dos cristais devem ter provocado numerosas baixas entre a tripulação. Acontece que as naves recuaram. O círculo abriu-se, mas o bombardeio continua. Os inimigos afetados pelos cristais a esta hora já estão novamente em plena forma. Dentro de mais uma ou duas rondas todos os cristais serão destruídos. Trata-se de um material insubstituível, indispensável pra o prosseguimento da guerra. Por favor, gostaria que dissesse onde está a vantagem que alcançamos. Parecia que Ul se divertia com ele. — Vê-se logo que o senhor não possui a agilidade mental que é uma das características da raça dos perlians — respondeu, desfrutando em cheio sua posição de superioridade. — Aquilo que o senhor viu na ronda que passou foi apenas a introdução de um jogo formidável, no qual a frota inimiga acabará sendo derrotada. O que o inimigo sentiu foram somente umas cócegas em comparação com o que está para vir. Mal deu para despertar sua curiosidade. Ul preferiu não dizer mais nada. Uraloth não se sentia nem um pouco à vontade. Sua fé inabalável no talento estratégico do perlian tinha desaparecido. “Será que Uraloth não se deixa levar por seus devaneios?”, perguntou Ul a si mesmo. *** A forma pela qual o inimigo enganara uma frota de oitocentas naves muito bem equipada provocou uma verdadeira sensação a bordo da Tosoma. Diante da constatação do centro de rastreamento, de que o círculo da frota se reduzira a um diâmetro flagrantemente sub-crítico, todas as unidades aceleraram ao máximo de sua capacidade, para sair o mais depressa possível da zona em que atuavam as perigosas influências para-hipnóticas. A retirada ainda estava em pleno andamento quando Harper Lann, Christopher Savy e Link Stovall começaram a investigar a causa do erro do comandante. Os resultados das investigações foram surpreendentes. Sem que os rastreadores, quase sempre ofuscados pela atividade dos goniômetros, o detectassem, o inimigo cercara sua base com um círculo amplo de geradores de

gravitação pequenos, mas muito potentes. Estes geradores criaram um campo de gravitação artificial que atingiu as naves, atraindo-as em direção a Danger I. A influência de um campo de gravitação externo não podia ser registrada pelos acelerômetros. O trabalho do computador baseava-se nos dados fornecidos pelas sondas, além de um modelo de campo gravitacional correspondente àquele que existia antes que os geradores do inimigo entrassem em ação. As oitocentas naves estariam irremediavelmente submetidas à influência dos aparelhos traiçoeiros, enquanto estes não fossem detectados pela ação direta dos rastreadores. Con Bayth não se iludiu. Por pouco a operação não fracassara por causa de um ridículo efeito secundário. Mais uma hora, e toda a frota estaria definitivamente sujeita à influência dos cristais, que a faria pousar em Danger I. O inimigo acabara de provar que merecia mais respeito do que lhe fora tributado. Assim que o pior da confusão passou, Con Bayth deu ordem para que a frota avançasse de novo, embora mais de setenta por cento dos oficiais e tripulantes tivessem sido internados nos hospitais superlotados ou estivessem sob tratamento médico. Os sintomas da influência para-hipnótica tinham desaparecido completamente. Mas Con Bayth queria ter certeza antes de permitir que os homens voltassem aos postos. Fez questão de ser examinado por um médico, que declarou não haver nada de errado com ele. Mas quando as naves começaram a assumir posição num círculo de mais de oitocentos mil quilômetros em torno de Danger I para continuar a bombardear as massas de cristal, a atração constante dos cristais voltou a fazer-se sentir, criando uma profunda inquietação nas salas e corredores dos gigantes espaciais terranos, uma vez que ainda há pouco a operação quase falhara por causa disso. Até parecia que só então os homens se davam conta de que estavam expostos a um perigo grave e temível, contra o qual as armas que estavam acostumados a usar e das quais com razão esperavam verdadeiros milagres eram quase impotentes. Con Bayth foi sendo invadido pelo sentimento de inferioridade diante de um inimigo que, embora nem sequer fosse inteligente, quase chegara a pôr fora de ação uma poderosa frota espacial. O almirante sabia qual devia ser sua reação. Era necessário destruir os cristais, e isso bem depressa. Já não se podia ter o cuidado de evitar que a superfície do planeta não fosse atingida pelo bombardeio. Os cristais tinham de ser destruídos; era a necessidade mais urgente. Os canhões conversores voltaram a disparar. Os projéteis que lançavam sob a forma de um feixe de raios que avançava numa dimensão superior, para remarerializar no alvo, tinham um poder explosivo equivalente a dez gigatoneladas de explosivo convencional. A intensidade dos lampejos que surgiam junto à superfície de Danger I era bem maior que da primeira vez, e as explosões sucederam-se numa seqüência bem mais rápida. Feia primeira vez percebeu-se que a influência para-hipnótica estava diminuindo. Enquanto quantidades gigantescas de cristais se desmanchavam nas fogueiras nucleares, Con Bayth percebeu que o desejo de pousar no mundo desconhecido cedia cada vez mais diante de outros pensamentos, e que sua influência sobre os outros processos mentais era cada vez menor. O estado de ânimo dos homens que se encontravam a bordo das oitocentas naves voltou a melhorar. Os primeiros resultados favoráveis levaram muitos homens a pensar que começaram a sentir-se desanimados antes da hora. As coisas estavam melhorando. Mais uma hora ou duas, e a destruição da cria do inferno dos cristais teria sido completada.

Nunca se saberá até que ponto o perlian chamado Ul estava informado a respeito da mentalidade dos terranos. Mas uma coisa era certa. Defrontou-se com o otimismo renascente do inimigo num momento em que ainda não se sentia muito seguro, e por isso mesmo era bastante vulnerável. Os mostradores começaram a dançar nas escalas. Os finos mostradores luminosos branco-azulados saltavam loucamente de um lado para outro, paravam por uma fração de segundo e voltavam a saltar. Antes que pudesse apertar a tecla de alarme, Harper teve uma prova fisicamente perceptível de que de fato havia algo de errado, conforme suspeitara. O piso da sala sofreu uma forte pancada, atirando-o alguns centímetros para o alto. Bem de longe vinha o estrondo e o rugido ameaçador das máquinas que se tinham desprendido dos suportes e começaram a movimentar-se. Na própria sala em que Harper se encontrava ouviu-se uma série de chiados e rangidos. As fixações de muitos aparelhos, especialmente dos que eram fáceis de substituir, tinham sido calculadas tomando por base a suposição de que o sistema antigravitacional estaria em condições de manter normais as condições gravitacionais da nave, fossem quais fossem as condições. O ruído estridente das sereias de alarme começou praticamente no mesmo instante. Uma voz metálica falou pelo sistema de comunicação geral. — Toda a frota está sob o fogo do inimigo. Repito... A nave sofreu outro solavanco. Harper agarrou-se desesperadamente à borda de seu console, para não ser atirado longe juntamente com a poltrona. No mesmo instante viu o ofuscante mostrador luminoso que media o volume do sistema principal de energia descer abruptamente alguns centímetros em direção à marca zero. Mais uma vez a voz se fez ouvir pelo interfone. — Campos defensivos funcionando a plena carga. Os sistemas que consomem mais energia passam a funcionar em nível reduzido. Depois disso o balanço da nave acabou. A Tosoma estava protegida por campos defensivos capazes de resistir até mesmo às forças mais terríveis. A segurança a bordo voltara a ser restabelecida, mas os campos defensivos consumiam quantidades incríveis de energia. Era possível que algumas funções importantes tivessem de ser temporariamente interrompidas, para não sobrecarregar os geradores. Harper estava sentado junto ao console de comando de Neil Finner, por ordem do oficial que comandava a equipe técnica. Desejava ardentemente que alguém se desse ao trabalho de esclarecer os oficiais mais jovens sobre o que estava acontecendo. Só metade da guarnição da sala estava presente. Neil Finner ainda se encontrava sob observação. Harper falou com cada um dos oficiais que vigiavam os pontos de saída principais do complicado sistema de direção e controle, para certificar-se de que o sistema de pilotagem automática ainda estava funcionando. Os mostradores do computador indicaram que ao menos por enquanto a programação não estava sendo alterada. Ao que parecia, o comando da nave pretendia manter o veículo na mesma rota. Isto significava que não se dava muita importância ao fogo inimigo. A incerteza continuou. Já não se sentiam os abalos, mas os mostradores luminosos dos acelerômetros continuavam a tremer ligeiramente, mostrando que o bombardeio inimigo continuava. Harper teve uma idéia. Era possível que o inimigo só usasse o fogo concentrado para distrair a atenção dos terranos e voltar a trazer os geradores gravitacionais para perto da frota sem que eles percebessem. Fez a terceira medição especial, mas não foi possível interpretar os dados obtidos. As interferências causadas

pelos projéteis inimigos eram tão fortes que as sondas não puderam desempenhar sua tarefa. Harper ficou preocupado e comunicou sua preocupação à sala de comando. O oficial da equipe técnica garantiu que estavam constantemente de olho em Danger I e que qualquer aproximação ao planeta traiçoeiro teria como conseqüência a reprogramação do computador de controle. Harper não soube mais nada. Ele e seus companheiros que trabalhavam na sala de direção e controle foram deixados entregues às suas preocupações, que não diminuíram muito por causa do fato de que a influência para-hipnótica dos cristais praticamente não se fazia sentir mais. Cerca de meia hora passou-se neste estado de depressão. Os mostradores dos acelerômetros continuavam a executar sua dança nervosa. De repente uma voz saiu do interfone. — Comandante a todos os tripulantes — era a voz estrondosa do Coronel Astob. — O bombardeio pesado e persistente vindo das bases inimigas instaladas em Danger I obriga-nos a tomar certas medidas que não constavam do plano. Dentro de uma hora uma divisão de robôs de combate descerá no planeta. O comandante da frota quer que alguns oficiais bem treinados acompanhem esta divisão. Sabemos que entre nós existem homens que não são suscetíveis à influência para-hipnótica dos cristais. Quem se julgar nesta situação e ocupar um posto de tenente para cima deverá apresentar-se imediatamente na sala de comando. Isto vale até segunda ordem. Harper pôs-se imediatamente de pé. Olhou para os consoles de Link e Christopher, que ficavam à sua esquerda. — Isto é conosco, rapazes! — gritou. *** Os vinte minutos que se seguiram passaram num instante. Enquanto pegavam os equipamentos e colocavam os trajes espaciais, Harper e seus amigos ficaram sabendo que além deles mais quatro oficiais acompanhariam os robôs, para descer em Danger I. Não existia qualquer prova científica de que cada um dos sete oficiais realmente fosse imune à influência para-hipnótica. Não havia tempo para realizar um exame minucioso. Só se podia confiar nas observações que os homens tinham feito com a própria pessoa, enquanto se encontravam na área de atuação dos cristais. A divisão de robôs foi colocada a bordo de oito corvetas. Outras dez corvetas, algumas delas vindas de outras unidades da frota, tinham sido preparadas para acompanhar em vôo teleguiado as corvetas que levavam os robôs, criando confusão nas miras automáticas do inimigo. Era bem possível que algumas corvetas fossem derrubadas. Os robôs possuíam seus próprios sistemas de propulsão. Caso a corveta que os levasse fosse derrubada a menos de cinqüenta mil quilômetros de Danger I, poderiam atingir a superfície com as próprias forças. Para os oficiais havia pequenos barcos salva-vidas, em cujo interior deviam permanecer durante o vôo de aproximação, a fim de estarem sempre preparados para uma decolagem de emergência. Harper ainda foi informado de que a camada de cristais que envolvia o planeta já fora completamente destruída. Mas o fato de que ainda havia emanações hipnóticas de intensidade reduzida, mas constante, que podiam ser perfeitamente detectadas pelos cérebros mais sensíveis, era uma prova de que na superfície de Danger I e embaixo dela devia haver quantidades consideráveis de cristais. A hipótese mais aceita era de que se tratava de veios de cristal naturais situados logo embaixo da superfície. Acreditava-se que

a base inimiga era formada principalmente por minas das quais se extraía a substância cristalina. Portanto, em Danger I devia haver um fluxo de emanações que atingia uma altura considerável. Por isso mesmo Con Bayth decidira que a operação seria realizada por robôs e pessoas imunes. O fogo inimigo vinha de quinze posições de artilharia que às vezes não se distinguiam muito bem. Parecia que se tratava de fortificações subterrâneas. A tarefa da divisão de robôs consistiria em conquistar estas fortificações e silenciar os canhões. Os projéteis disparados eram simples foguetes com cargas nucleares e propulsores ionizados, que eram levados ao alvo por meio de um mecanismo de direção individual cujas características ainda eram desconhecidas. Não representavam um perigo imediato para a frota de Con Bayth, mas incomodavam bastante e impossibilitavam certas medições importantes, o que fez com que o almirante resolvesse destruí-los de vez. Os sete homens imunes foram colocados em dois barcos salva-vidas, que por sua vez se encontravam em duas corvetas diferentes. Caber-lhes-ia observar o avanço da divisão de robôs e, se necessário, dirigi-lo. O comando da pequena tropa foi confiado ao Capitão Brewster, pertencente ao grupo dos operadores de rastreador, mas praticamente não passava de um comando nominal, pois os dois grupos operariam bem longe um do outro e cada um dependeria de si mesmo. Harper, Christopher e Link formavam um grupo, enquanto o outro era constituído por Brewster e três companheiros. Cada membro da pequena tropa recebeu uma pequena fita acústica com informações a respeito de Danger I, que tinha de ouvir durante o vôo para memorizar o conteúdo. Estavam todos equipados com trajes espaciais. O planeta possuía uma atmosfera respirável, mas era possível que o bombardeio cerrado com bombas conversoras tivesse causado modificações nas camadas atmosféricas, que pudessem tornar-se perigosas ao organismo humano. Além disso não se sabia praticamente nada a respeito das condições climáticas reinantes em Danger I. Os trajes espaciais eram a melhor proteção contra o frio, o calor e as tempestades. Harper, Christopher e Link enfiaram-se na minúscula cabine do piloto e dos passageiros do barco salva-vidas. A partida não foi acompanhada de qualquer cerimonial. Não havia a menor dúvida de que Con Bayth não perdera tempo: pusera em prática a primeira idéia que lhe passara pela cabeça. *** Do ponto de vista estratégico a situação da 14a FOP não era nada favorável. Con Bayth recebera ordens expressas de não prejudicar Danger I além do estritamente necessário, uma vez que se acreditava que, se caíssem nas mãos dos terranos, as instalações inimigas existentes no planeta representariam a chave dos segredos mais importantes com os quais os cientistas e os estrategistas quebravam a cabeça há muito tempo. Acontece que era impossível concentrar o fogo das naves exclusivamente nas fortificações do inimigo a uma distância de mais de quatrocentos e cinqüenta mil quilômetros. E a aproximação a uma distância de oitenta a cem mil quilômetros, que permitiria uma boa pontaria, não podia ser arriscada em virtude das emanações parahipnóticas produzidas pelos depósitos de cristais existentes na crosta do planeta. Na opinião de Con Bayth, a única saída era a utilização de uma divisão de robôs. Con chegara a esta conclusão depois de um cálculo ligeiro, que revelara que o poder de fogo de aproximadamente dez mil robôs de combate era superior ao do inimigo — isto baseando-se no fogo defensivo a que estava exposta a frota.

Se Con tivesse errado no cálculo, os robôs estariam perdidos — juntamente com os sete homens que estavam em sua companhia. Con Bayth tinha plena consciência do risco, mas não podia deixar de assumi-lo. O planeta era perigoso e precioso demais para ser deixado nas mãos do inimigo. Era dele o perigo mais recente que ameaçava a Galáxia. Era o ponto de origem da praga dos agentes de cristal, contra os quais qualquer frota espacial, por mais poderosa que fosse, seria impotente. *** O olho do tempo vermelho brilhante saltitava nervosamente no interior do crânio transparente de Ul. Em algumas das telas que o perlian ativara há pouco apareceram pequenos pontos cintilantes, que aumentaram rapidamente e foram-se tornando mais luminosos, dando a impressão de que se aproximavam da objetiva. Uraloth começava a compreender. — Tentarão pousar — disse na esperança de que esta observação levaria Ul a dar algumas explicações. E não se viu decepcionado. Ul aproveitou a oportunidade para explicar sua estratégia genial ao outro. — Naturalmente. É a única coisa que podem fazer. Destruíram os cristais, mas querem mais que isso. Querem a base. Se não descerem no planeta não a terão. Havia algumas coisas que Uraloth não entendia. Por exemplo: — Como se explica que tentem o pouso, apesar de estarem expostos às emanações dos cristais? Ul assumiu um ar de superioridade. — Está vendo os veículos com que querem descer no planeta? Não podem ser comparados com aqueles que formam a frota espacial propriamente dita. Além disso são apenas dezoito. Só enfrentaremos uma fração insignificante da força inimiga. Provavelmente trata-se de seres não suscetíveis à influência exercida pelos cristais, ou então o inimigo descobriu algum meio de defender-se contra as emanações, mas a produção ainda não foi suficiente para proteger todos os seus homens. Uraloth examinou as telas. Parecia pensativo. — É uma força reduzida — observou. — Nem se poderia esperar outra coisa — retrucou Ul. Uraloth fitou-o com uma expressão indagadora. Ul talvez não soubesse interpretar essa expressão, mas aproveitou a oportunidade para dizer mais alguma coisa. — O inimigo certamente dispõe de um número maior de pessoas não suscetíveis à influência dos cristais — explicou. — Antes de enviar sua força de desembarque, deve ter feito um cálculo sobre a resistência que essa força encontraria. Este cálculo baseou-se no fogo das nossas baterias. Supondo que lançamos contra ele tudo que possuímos, subestima gravemente nossa capacidade de fogo. Está entrando numa armadilha muito bem preparada — concluiu Ul, enquanto seu olho do tempo imobilizou-se durante algumas unidades, dando a entender que Ul estava satisfeito com o momento presente. O respeito que Uraloth sentia pelo perlian voltou a crescer.

5 Viram na tela muito pequena o disco marrom-amarelado precipitar-se em sua direção. — Não me sinto muito tranqüilo — disse Link. A voz que saiu do receptor embutido no capacete de Harper parecia embaraçada. Christopher riu, conforme era seu costume. Não devia ser porque estivesse alegre. O próprio Harper sentia-se angustiado. Ouvira a fita, obedecendo às ordens que lhe tinham sido dadas, e chegara à conclusão de que as informações de que se dispunha a respeito de Danger I eram perigosamente escassas. Acreditava-se que havia dezoito fortes espaciais ao todo. Supunha-se que todos estes fortes dispunham de dispositivos de lançamento de foguetes autoguiados, mas que o poder de fogo para a luta a pequena distância, na superfície, era bastante reduzido. Conjeturava-se que a base principal do inimigo ficava perto do equador, num meridiano arbitrariamente designado pelo algarismo zero. Era lá que se acumulavam as fortificações, dando a impressão de que havia uma coisa muito importante a defender. Era praticamente tudo. Acreditava-se, supunha-se, conjeturava-se. Ninguém sabia. Harper olhou fixamente para a tela. Fez um esforço para examinar detalhadamente a divisão da superfície do planeta inimigo e gravar as características mais importantes. Não sabia se isso serviria para alguma coisa, mas mantendo a mente ocupada evitava que esta pudesse gerar por conta própria pensamentos sombrios e associações deprimentes. As bordas do disco saíram pelas margens da tela de imagem. Encontravam-se a cerca de cinco mil quilômetros de altura quando Harper avistou uma paisagem desértica atravessada por cadeias de montanhas, sobre a qual o sol estava nascendo no horizonte leste. Uma névoa fina encobria o quadro. Tratava-se de massas bem distribuídas de areia e poeira, levantadas pelas explosões das bombas conversoras e atraídas para a estratosfera. A frota já suspendera o fogo. Os cristais que percorriam órbitas extra-atmosféricas bem acima do planeta Danger I não existiam mais. Em compensação Harper esperara que as fortificações inimigas abrissem fogo. Mas Con Bayth devia ter razão ao dizer que a capacidade de fogo do inimigo a pequena distância era praticamente igual a zero, ou então este inimigo tinha seus planos para lidar com as tropas de desembarque. Evidentemente havia uma pequena possibilidade de o inimigo não ter notado a aproximação das corvetas, mas Harper resolveu não acreditar demais nessa possibilidade. A decepção poderia ser muito grande. A corveta desceu em velocidade alucinante para a superfície do planeta. Os contornos do deserto projetados na tela afastaram-se rapidamente para os lados, como se fossem tangidos por um vento muito forte. Finalmente só restou um vale cercado de montanhas nuas e entrecortadas. O veículo dirigiu-se para o centro deste vale. A altura era pouco inferior a quarenta quilômetros. O sistema de frenagem entrou em ação para retardar a queda. Harper recordou-se daquilo que aprendera ouvindo a fita. A corveta pousou mais ou menos meio grau ao sul do equador, nas imediações do meridiano zero. Num raio de

trezentos quilômetros em torno do local de pouso previsto ficavam quatro dos dezoito fortes que tinham sido identificados e localizados na Tosoma. A corveta entrou no vale. Por alguns instantes a poeira e a areia levantada encobriram a visão. Quando a tela clareou, o pouso já tinha sido completado. Link acionou a chave que abria a escotilha da eclusa do pequeno barco salva-vidas. — Gostaria de saber por que nos enfiaram nesta lata de sardinhas — disse, contrariado. — Porque o óleo absorve os choques — respondeu Christopher com uma risada. Harper achou que Christopher sempre demonstrara senso de humor. Os homens foram saindo um após o outro pela minúscula eclusa de passageiros, entrando na eclusa do hangar da corveta, que era bem maior. Não havia ninguém no hangar, mas em toda parte ouviam-se ruídos retumbantes, que pareciam obedecer a um ritmo. Eram os robôs saindo da nave. Os homens saíram pela eclusa. A extremidade inferior da saída ficava pouco menos de quatro metros acima do solo. Saltaram. A gravitação era quase igual à da Terra. Harper bateu com força e pôs-se a praguejar. A seguir olhou em volta. De repente o casco brilhante da nave ficara cheio de buracos. Em toda parte havia escotilhas abertas, e de todas elas saíam robôs, um após o outro, numa seqüência ininterrupta. Quatro corvetas tinham pousado no vale, cada uma com mil duzentas e cinqüenta máquinas de guerra. Os robôs, que estavam preparados para a queda e para o vôo, desceram graciosamente das saídas, algumas delas bem no alto, tocaram o solo e entraram em posição. Pelos cálculos de Harper o vale, cujo formato era aproximadamente circular, devia ter oito quilômetros de diâmetro. As montanhas que o cercavam formavam um quadro desolador. Eram blocos de pedra marrom-acinzentados, cobertos em algumas partes por porções de terra fofa e estéril, que se erguiam milhares de metros para o céu, corroídos pelo vento e lixados pela areia. Pareciam criações de uma imaginação doentia. O céu que cobria o quadro era cinzento, cheio de nuvens que deslizavam rapidamente. O termômetro que Harper trazia no pulso esquerdo indicava trinta e dois graus centígrados. O receptor embutido no capacete transmitiu os ruídos causados pelos robôs. Zumbindo, fungando, chiando, outros mantendo-se num silêncio completo, foram entrando em formação. O desembarque estava sendo realizado à velocidade prevista. Oito minutos depois de terem pousado as pequenas espaçonaves estavam vazias. A divisão de robôs era formada por cerca de uma dezena de tipos, cada um com um aspecto diferente. Eram todos seres mecânicos da quarta geração, que eram fabricados apenas há alguns anos. A única coisa que os diversos tipos tinham em comum era o mecanismo de locomoção, formado por uma série de rodas dentadas revestidas. Se necessário, este mecanismo podia ser apoiado por um campo de gravidade artificial. De resto cada robô possuía a conformação que melhor se prestava à tarefa que devia desempenhar. Três seres mecânicos, todos com o mesmo aspecto, vieram rolando para o lugar em que Harper e seus companheiros acompanhavam os acontecimentos no fundo do vale. Eram parecidos com tanques-miniatura de uma época longínqua, mas havia uma diferença insignificante. A torre terminava na parte anterior da carroçaria. Ficava pouco mais de um metro e meio acima do chão. Atrás da torre havia uma placa lisa que se estendia até a popa do robô. No centro esta placa tomava a forma de um assento baixo. Este tipo de robô era designado pelo código paladino. Era capaz de desempenhar as

funções de robô rádio-goniométrico, de trabalho, de combate, de localização ou de rastreamento. Tirava sua designação do fato de estar equipado para transportar uma pessoa. A fita gravada que os três tenentes tinham ouvido informara-os de que havia um veículo destes para cada um deles. Os três saltaram para cima dos robôs. Na parte da torre que ficava para o lado da popa havia um pequeno painel de comando, por meio do qual o passageiro podia transmitir algumas instruções ao robô. Para a transmissão de comandos mais amplos havia um cabo que, partindo do contato externo do traje espacial do passageiro, levava a uma tomada situada embaixo do painel. Este comando estabelecia a comunicação acústica entre o homem e o robô. Um mecanismo complicado permitia ao ser mecânico converter sinais acústicos em comandos positrônicos e executá-los como se constassem de sua programação. Depois que os passageiros subiram, os três paladinos ficaram parados. Harper conhecia as bases de sua programação. Sabia que só começariam a movimentar-se depois que os outros robôs tivessem entrado em forma e a meia divisão estivesse pronta para pôr-se em marcha. Pela décima vez Harper passou os olhos pelas montanhas que os cercavam. Não se sentia muito à vontade e viu pelo canto do olho que com Link e Christopher acontecia a mesma coisa. Christopher sorriu atrás do visor do capacete, mas parecia antes um arreganhar de dentes. Estava com os olhos semicerrados, como se alguma coisa o ofuscasse. Harper ouviu a voz de Link em seu receptor. — Não estou gostando! Parece uma armadilha. Harper achou que Link tinha razão. Impaciente, pôs-se a contemplar os robôs. Já havia um pouco de ordem na confusão. Quase todas as máquinas estavam preparadas, prontas para entrar em ação. Não era difícil imaginar a devastação que um único projétil nuclear causaria naquele vale estreito. No momento a pressa era a regra suprema. Harper sabia que essa regra tinha sido introduzida na programação dos robôs, mas resolveu tirar o cabo do bolso. Prendeu-o na tomada de seu traje e na torre do robô e perguntou: — Quando os robôs começarão a sair daqui? A resposta foi imediata. — Dentro de quatro minutos e trinta segundos. — Alguma objeção a sairmos na frente da tropa? — Nenhuma objeção — respondeu a voz mecânica. — A direção em que marcharemos é conhecida. Harper fitou os companheiros com uma expressão indagadora. A resposta foi um aceno de cabeça animador. — Vamos embora! — decidiu Harper. — A velocidade em terreno plano é de aproximadamente vinte quilômetros por hora. Não devemos perder de vista a tropa. Os três paladinos começaram a movimentar-se. Cercaram a tropa de robôs que estava entrando em formação e seguiram em direção às montanhas que cercavam o vale, no sentido norte-nordeste, segundo indicava a bússola que Harper trazia no pulso. Podiase ter a impressão de que o ponto escolhido era o mais difícil. Mas mal tinham escalado uma vereda estreita de cerca de cinqüenta metros de altura, a vista abriu-se entre duas pontas de pedra íngremes. Havia um desfiladeiro quase sem obstáculos. No fundo do vale as primeiras colunas de robôs começavam a movimentar-se. Formavam três grupos, cada um dos quais pretendia sair do vale por outro caminho. Uma

delas entrou na vereda pela qual Harper e seus amigos começavam a subir em seus paladinos. — Vamos! — ordenou Harper. Os paladinos entraram no desfiladeiro, que passava entre as montanhas numa extensão de pouco mais de setecentos metros, terminando no limite noroeste da cordilheira, numa área pedregosa que subia ligeiramente. Harper mandou que os robôs parassem um minuto, para absorver calmamente o quadro que se descortinava diante dele. Ao oeste da pequena cadeia de montanhas circular que cercava o vale uma desolada planície arenosa estendia-se a perder de vista. E esta não alcançava muito longe, conforme Harper logo teve de reconhecer. Um vento forte soprava pelo terreno plano, levantando nuvens de poeira que impediam a visão. Parecia que ao noroeste os contornos de uma cadeia de montanhas alongada se destacavam atrás das nuvens de poeira. Mas Harper não tinha certeza. Ficou decepcionado ao notar que não havia sinal de qualquer forte inimigo. De repente sentiu-se desamparado. Estava com medo. A operação em que se metera era uma loucura. Defrontava-se com um planeta hostil, desolado, desconhecido, com uma superfície quatro vezes maior que a da Terra. De quem fora a idéia maluca de que uma operação de robôs poderia resolver qualquer coisa num ambiente destes — de destruir um inimigo que possuía armas mortais, conhecia todos os recantos do planeta e sabia onde abrigar-se? Parecia que Christopher o andara observando. — Não precisa ficar constrangido — disse com uma risada aborrecida. — Sinto a mesma coisa que você. Link, que estivera absorto em seus pensamentos, sobressaltou-se. — O quê...? Quem se sente...? — Acorde, homem de Passa — interrompeu Christopher com voz de tenor. — Precisamos de você. Harper e eu acabamos de descobrir que nos sentimos miseravelmente. Link fez um gesto vago por cima da torre de seu robô. — Por quê? Não há nada. Christopher deu uma risada. — Pois então vamos para a frente, amigos! Pelo menos um de nós ainda não perdeu a coragem. — Naturalmente — resmungou Link. — ...mesmo que seja apenas porque é tolo — completou Christopher. As primeiras colunas de robôs saíram do desfiladeiro que acabavam de deixar para trás. Harper deu ordem para que seu paladino avançasse de novo. As máquinas desceram pelo terreno pedregoso, com cuidado, recorrendo aos propulsores antigravitacionais, e dentro de quinze minutos atingiram o solo plano e arenoso do deserto. Harper sentiu o medo apertar-lhe a garganta. *** — Por enquanto está correndo tudo segundo o plano, senhor — informou o Coronel Astob com a voz retumbante. — Mantemos contato de rádio com ambos os grupos da divisão. Não houve nenhum incidente durante o pouso. As duas colunas desembarcaram e puseram-se em marcha. Por enquanto não tiveram contato com o inimigo. A primeira coluna, comandada por Brewster, espera atingir a área de destino primária dentro de

quatorze minutos. A coluna dois, comandada por Lann, deverá chegar dois ou três minutos depois. Con Bayth agradeceu em tom distraído. Comparado com as notícias que estava recebendo, sentia-se miseravelmente. Tentou convencer-se de que não havia motivo de ficar preocupado. Tudo estava dando certo. Quase chegava a ser bom demais para ser verdade. O fogo dos fortes inimigos contra as oitocentas naves prosseguia com a mesma intensidade. Até parecia que o inimigo ainda não percebera que uma ofensiva de tropas de desembarque acabara de ser lançada contra a base. As dez naves-comboio teleguiadas que tinham acompanhado as oito corvetas que deveriam pousar no planeta, para oferecer mais alguns alvos às baterias inimigas e proteger os veículos mais importantes com sua carga de robôs — e os sete oficiais — tinham regressado intactas. Nem uma única salva fora disparada contra elas. Mesmo admitindo que as fortificações inimigas fossem completamente robotizadas, e considerando ainda que a robótica inimiga não era tão avançada como a terrana — mesmo assim não se encontrava explicação para o fato de que a aproximação de um grupo de dezoito espaçonaves e o pouso de oito veículos com uma carga de dez mil robôs fortemente armados tivesse escapado ao inimigo. Devia haver alguma coisa atrás disso. O que seria? Por um minuto Con Bayth pensou em dar ordem para que o comando de tropas de desembarque regressasse o mais depressa possível. Mas acabou abandonando a idéia. Desse jeito não descobriria nada. E descobrir alguma coisa era uma das tarefas mais importantes do comando. *** A partir de certo momento Ul teve dificuldade em esconder a alegria, até mesmo diante dos olhos ingênuos de Uraloth. Os movimentos da bola vermelha que aparecia atrás da testa transparente de Ul tornaram-se rítmicos e verificavam-se com uma freqüência superior a vinte por unidade. Visto por Uraloth, o olho do tempo do perlian parecia um traço vermelho largo e comprido, que ia dos dois olhos físicos até a extremidade superior do crânio. Havia duas telas funcionando. Mostravam uma área desértica plana. Nos fundos via-se uma cadeia de montanhas entrecortadas e pouco extensa. No plano da frente viamse em ambas as telas seres estranhos caminhando em formação bem aberta. — Lá estão eles — triunfou Ul. — Os inimigos que pensam que podem destruir nossa base e expulsar-nos daqui. Viu como estão entrando em minha armadilha? Uraloth não vira, pois não sabia quais eram as intenções de Ul. O que mais o incomodou foi a ênfase que o perlian colocou na palavra minha, embora não pudesse deixar de reconhecer que ela se justificava. A falta de diplomacia que Ul demonstrara ao realçar seu próprio trabalho representou uma espécie de advertência para Uraloth. — Não vi — respondeu em tom mais áspero do que pretendera. Mas o perlian estava tão dominado pelo entusiasmo que não notou nada. — O senhor sabe esconder seus planos até mesmo dos colaboradores. Ul estava exaltado. Saltitava de um lado para outro, com o corpo longo, estreito, ágil e semitransparente refletindo a luz como se fosse de cristal. — O senhor vai ver — contemporizou Ul, distraído. — Dentro de mais algumas unidades.

O tempo foi passando, Ul não tirava os olhos das duas telas. Estava tudo em silêncio na sala de comando redonda, coberta por uma abóbada cintilante. Uraloth olhou para o teto. Pela centésima vez desde que vivia neste mundo tentou imaginar o que aconteceria se o campo protetor desmoronasse. — É agora! A voz de Ul era aguda e estridente. Fez figura ridícula ao dar um salto com as pernas longas, que o levou para junto do console de controle instalado no centro da grande parede de comando. — O senhor vai ver — exclamou, apressado. — Chegou o momento. Uraloth viu seus dedos moverem grande número de chaves e botões. Finalmente levantou e deu dois passos para trás, com o rosto vidrado numa ansiosa expectativa. Uraloth olhou para as telas de imagem. As colunas inimigas pararam de repente. Um lampejo pálido surgiu na tela. Ul bateu com as mãos na testa, seguindo o costume de sua raça. — Entraram na armadilha! — gritou, entusiasmado. — O plano foi bem-sucedido. No mesmo instante as imagens projetadas nas duas telas desapareceram atrás de uma parede de fogo e poeira. Uraloth não simpatizava com o dom de Ul, mas sentiu-se aliviado. A armadilha acabara de fechar-se, pouco importando como fosse ela. A destruição completa do inimigo era apenas uma questão de tempo.

6 Fazia trinta minutos que percorriam o deserto plano em alta velocidade. O vento, que tangia nuvens de areia e poeira, vinha obliquamente da frente e às vezes o campo de visão ficava reduzido a vinte ou trinta metros. Mas os robôs sabiam o que fazer. Conheciam a rota. O paladino de Harper confirmou que da direção em que seguiam vinham as radiações remanescentes produzidas pelos disparos dos foguetes. Por intermédio do paladino, que por sua vez estava ligado ao hiper-rádio de uma das corvetas, Harper estabeleceu contato com a Tosoma e o segundo grupo comandado pelo Capitão Brewster, que estava para fazer a mesma experiência que eles. Deslocava-se com a metade da divisão pelo deserto plano. A visão não era nada boa, por causa do forte vento. Dependia exclusivamente da capacidade dos robôs. A Tosoma limitou-se a confirmar as mensagens recebidas. — Quanto tempo ainda vai demorar? — perguntou Link Stovall, aborrecido. Harper olhou para o relógio. Fazia dez minutos que fizera esta pergunta pela última vez ao seu paladino. — Nove ou dez minutos — respondeu. — Vamos ter um pouco de paciência. Não vai demorar. — Qual é a distância? — resmungou Link. Não dava a impressão de que esperava uma resposta a esta pergunta. — Devo confessar que estou curioso — interveio Christopher. Harper viu-o montado em seu paladino que nem um altivo cavaleiro. — Já participei de muitas operações, mas esta sem dúvida merece um prêmio de originalidade. O que acontecerá se o forte inimigo aparecer de repente à nossa frente? Atirarão em nós? Ou será que nem tomarão conhecimento de nossa presença? Vamos entrar sem mais aquela e... Christopher não pôde concluir. Os paladinos pararam abruptamente. A figura comprida e fina de Christopher balançou algum tempo que nem uma árvore agitada pela tempestade. — Que é isso? — Fortificação estranha à nossa frente! — disse o paladino de Harper. O tenente esforçou-se para enxergar alguma coisa nas nuvens de poeira tangidas pelo vento. Por uma fração de segundo teve a impressão de que estava vendo os contornos de um edifício alongado. Mas não tinha muita certeza. — Pela forma e pela estrutura — prosseguiu o paladino — trata-se sem dúvida de uma fortificação armada com canhões, mas que no momento se encontra desativada. De acordo com a programação geral, a coluna classificará as instalações como objetivo alternativo de primeira categoria e passará ao ataque. Caberia a Harper formular uma objeção contra isso. Mas não havia nenhuma. O paladino voltou a falar. — Recebi uma mensagem do Capitão Brewster. Há instantes sua coluna também se defronta com instalações inimigas parecidas com as que se encontram à nossa frente. Harper tomou uma decisão rápida. — A coluna só atacará depois que eu der ordens — disse. — Quero examinar o depósito de perto.

— Entendido e transmitido — respondeu o paladino e começou a movimentar-se. Como Harper se encontrava no comando, ao menos oficialmente, os veículos robotizados de Link e Christopher foram atrás dele. — Espere aí! — protestou Link. — Se quiser arriscar o pescoço, fique à vontade, mas prefiro ser deixado... — Você vem comigo — decidiu Harper. — Se você quiser saber se alguém é seu amigo, entregue-lhe um bastão de comando — observou Christopher com uma risada. — Cale a boca! — resmungou Harper. Os paladinos deslocaram-se pelo terreno arenoso lado a lado. As nuvens de pó abriram-se. Os contornos do forte inimigo apareceram à frente dos homens. Não podia haver a menor dúvida sobre sua finalidade. As torres de canhões abobadadas com as aberturas dos canos em funil eram bem visíveis, embora fossem produtos de uma tecnologia estranha. A instalação estava cercada por um muro de cinco metros de altura, que se estendia pela areia numa extensão de duzentos metros e parecia fazer um ângulo de noventa graus em ambas as extremidades. Havia dezoito torres de canhões ao todo, cada uma de uma altura diferente. Por vezes estavam encaixadas uma na outra, dando a impressão de que os arquitetos militares tiveram de lutar com o problema da falta de espaço. Não se via nenhuma entrada. As torres de canhões permaneciam em repouso. As nuvens de pó tangidas pelo vento passavam por cima delas. Quando se encontrava a cerca de dois mil metros do muro, Harper fez parar seu paladino. No interior do forte estava tudo quieto. Só se ouvia o zumbido leve dos robôs e o chiado melódico do vento. Harper concebeu a ordem que pretendia transmitir à coluna de robôs, por intermédio do paladino. Deviam abrir uma brecha a tiro no muro e ocupar o forte. Não era provável que houvesse qualquer resistência. Antes que pudesse dar a ordem, o robô começou a falar. — O Capitão Brewster acaba de dar ordem para que suas tropas ocupem o forte inimigo. A duplicação dos acontecimentos começou a deixar Harper confuso. Levou algum tempo para pôr em ordem os pensamentos. — As mesmas instruções passam a valer... — principiou. Não pôde continuar. Viu um movimento pelo canto do olho. Levantou o rosto. Uma das torres de canhão começara a movimentar-se. A gigantesca cúpula girou silenciosamente, apontando o cano em funil para a tropa de robôs. — Cuidado! — gritou Harper. Mas já era tarde. Um lampejo pálido saiu do funil. O trovão da explosão ribombou pela superfície, levantando pesadas nuvens de pó, que escureceram o cenário. — Fogo! — berrou Harper. Raios apareceram atrás da nuvem de pó. As salvas das armas térmicas pesadas atingiram o forte com um chiado. A torre de canhões que abrira fogo transformou-se numa bola de fogo ofuscante, que caiu lentamente enquanto o material se derretia e volatizava com a temperatura extremamente elevada. O fogo inimigo silenciou por algum tempo. Outra torre de canhões começou a girar. Os robôs reagiram antes que ela pudesse abrir fogo. Uma parede formada por energia concentrada saiu dos fuzis energéticos e precipitou-se sobre o inimigo. Por alguns

instantes todas as torres de canhões ficaram envoltas pelo fogo. Quando a claridade insuportável começou a diminuir, os canos das armas inimigas tinham desaparecido. — Romper muralha e ocupar instalações — ordenou Harper. O paladino transmitiu a ordem. Dois robôs trabalhadores avançaram para derrubar o muro numa extensão de vinte metros. — Um terço da coluna fica aqui — decidiu Harper. — Os dois terços restantes penetrarão na fortaleza. A ordem foi cumprida imediatamente. Dentro de alguns minutos uma multidão formada por mais de três mil robôs atravessou a brecha aberta no muro, cujas bordas ainda estavam incandescentes. Os paladinos voltaram. Harper informou a Tosoma. No seu íntimo praguejou contra o imediato que, em vez de fazer uma observação de caráter pessoal ou dar algum conselho, limitou-se a responder com um simples “confirmado”. Chegou à conclusão de que, apesar do êxito notável alcançado por suas tropas de robôs, experimentava uma estranha sensação de insegurança. Era como se estivesse sonhando e não soubesse o que pensar da situação. Dentro de instantes deveriam chegar as primeiras informações do interior das instalações inimigas. Era uma idéia reconfortante. Finalmente saberia a quantas andava. Mas em vez da mensagem dos robôs recebeu um chamado de Christopher. — Ei, Harper! O aparelho deve estar quebrado, ou então enfrentamos mesmo uma anomalia energética. Olhe...! Christopher apontou para o painel embutido na torre de seu paladino. O robô de Harper possuía o mesmo instrumento. Harper não se preocupara com ele. Não era de esperar que houvesse anomalias energéticas em pleno deserto. Harper estendeu a mão para apertar o botão que ativava o instrumento. Neste instante os robôs transmitiram a primeira notícia — Grupo um registrando estranhas condições energéticas no interior das instalações inimigas — disse o paladino para acrescentar em seguida: — Os grupos dois e cinco observaram a mesma coisa. Harper apertou o botão. O instrumento acendeu-se. A pequena placa indicadora emitiu um brilho violeta. — Seu instrumento está em ordem, Cris — resmungou. — Há algo de errado por aqui. O conteúdo de energia específico do ambiente é cem vezes superior ao que deveria ser. Constata-se a presença de categorias energéticas superiores. Quem sabe lá... O paladino interrompeu-o. — Uma ligação direta com o Capitão Brewster! — o receptor de Harper crepitou e estalou por algum tempo. Finalmente ouviu-se a voz de Brewster, que soava nervosa e parecia vir de longe, meio encoberta pelas interferências: — Fique de olho em tudo, Lann. É tudo uma droga! Um dos meus robôs de vigilância apresenta um defeito no sistema ótico. Só enxerga no ultravioleta. Afirma que não vê o forte. Um grupo de robôsinstrumento investigou o caso e chegou à conclusão de que os muros e as torres emitem fortes radiações roentgen e ultravioletas. Só uma pequena fração das radiações é formada por luz visível. Quase não existem raios infravermelhos. Vemos... Neste momento houve um forte estalo e Harper não ouviu mais a voz de Brewster. — Todos os robôs deverão retirar-se imediatamente das instalações inimigas — disse Harper ao paladino. — Repito. Imediatamente. — Que houve? — gritou Link. — Por que de repente estamos com medo?

Harper ia responder, mas antes disso aconteceu. Mais tarde lembrou-se de ter visto o chão levantar-se de repente bem à sua frente, juntamente com o forte construído nele. Parecia estar num vale e tinha de levantar os olhos para ver as torres e o muro. Numa fração de segundo uma fresta abriu-se no chão. Uma língua de fogo ofuscante, branco-azulada, subiu do chão, arrastando tudo que se encontrava em seu caminho. O rugido ensurdecedor de uma gigantesca explosão se fez ouvir. Harper agarrou-se instintivamente à torre de seu robô. O paladino sacudia e balançava. Uma torrente de ar superaquecido passou chiando por cima de Harper, comprimindo o traje de proteção de encontro a seu corpo e chamuscando a pele através do envoltório protetor. Harper sentiu-se violentamente empurrado para dentro do assento e ficou algum tempo sem respirar, porque a pressão tremenda apertava seu corpo e paralisava os músculos. Finalmente o rugido do trovão parecia diminuir. O chiado da corrente de ar superaquecido já não era tão forte. A muralha infinitamente alta de fogo branco-azulado desapareceu de repente, e o robô parou de sacolejar e balançar. Só então Harper pôde olhar em volta. Estava suspenso alguns quilômetros acima de uma gigantesca nuvem de pó, que se agitava numa turbulência e se deslocava em alta velocidade embaixo dele. Bem ao norte da nuvem, a julgar pela bússola que trazia consigo, estendia-se uma cadeia de montanhas baixas. A nuvem deslocou-se em sua direção. Atrás dele... Harper virou cuidadosamente a cabeça. Todos os músculos lhe doíam. O movimento deixou-o tão cansado que teve de fazer uma pausa antes de completá-lo. Quando finalmente completou a manobra, viu um cogumelo branco-acinzentado. Era quase impossível calcular a distância. Deviam ser uns trinta ou quarenta quilômetros. A nuvem em forma de cogumelo estava firmemente parada. Era tão densa e compacta que até parecia ser feita de matéria sólida. A face tocada pelo sol brilhava num branco ofuscante, enquanto o resto se apresentava num cinza-escuro de aspecto sujo. A cabeça do cogumelo ficava alguns quilômetros acima do nível em que Harper se encontrava. Avançara para a estratosfera e começava a espalhar-se, porque já não havia nenhuma força que a impelisse mais para cima. Harper viu um enxame de pequenos pontos escuros que se destacavam sobre a face da nuvem iluminada pelo sol. Estava tão confuso que levou algum tempo para compreender de que se tratava. Eram alguns robôs que tinham escapado ao desastre. Alguns daqueles que mandara entrar em posição junto ao forte inimigo tinham reagido bastante depressa para não serem atingidos. Da mesma forma que ele fora salvo única e exclusivamente pela capacidade de reação de seu paladino, infinitamente superior à de um ser humano. Voltou a olhar para a frente tão depressa que quase desmaiou de dor. Onde estavam Christopher e Link? Bem à sua frente, a uns cem metros de distância, destacavam-se os contornos típicos de um paladino. Uma figura comprida estava pendurada no assento, segurando a torre com os braços. Era Christopher! Harper não viu se estava ferido. De repente uma voz rouca e ranhenta se fez ouvir em seu receptor. — Caso esteja me procurando, terá de inclinar-se um pouco para o lado. Estou bem embaixo de você.

Harper fez o que o outro disse. Link Stovall estava suspenso vinte metros abaixo dele, balançando fortemente. Christopher fez um movimento. Certamente ouvira a conversa ligeira. — Ahahah! — riu aborrecido. — Espero que não estejam tão mal como eu. — Está ferido? — perguntou Harper. — Não que eu veja — respondeu Christopher e voltou a endireitar-se no assento. — Mas sinto-me como se tivesse passado uma hora rolando sobre cacos de vidro. — Conosco acontece a mesma coisa — respondeu Harper. — Não ligue para isso. — O que houve mesmo? — quis saber Link. — O forte era uma armadilha — respondeu Harper. — O inimigo fez detonar uma bomba nuclear quando a maior parte dos robôs se encontrava no interior das instalações. A bomba provavelmente foi colocada antes que descêssemos no planeta. Link emitiu um som indefinível. — E agora? — perguntou Christopher. Harper voltou o rosto. Os robôs que vira há pouco tinham-se aproximado. Parecia que tentavam unir-se aos três paladinos. Pelos cálculos de Harper, deviam ser cerca de mil e quinhentos. Parecia que a maior parte dos que não tinham entrado no forte havia escapado. — Vamos para a frente — respondeu Harper. — Ainda somos bem fortes — e aprendemos alguma coisa. Ninguém teve uma objeção. Até mesmo Link Stovall preferiu ficar quieto. Harper entrou em contato com seu paladino. A onda provocada pelo choque da explosão arrancara o cabo. Harper teve de fixá-lo de novo. — Qual é nossa rota? — perguntou. — Seguimos a rota programada — respondeu o robô. — Quero uma ligação com o Capitão Brewster. Passaram-se uns cinco segundos. — Não é possível estabelecer contato com o Capitão Brewster. Harper teve uma suspeita nada animadora. — Quero uma ligação com a nave-capitânia. Desta vez a demora não chegou a três segundos. — Ligação completada. Pode falar. Harper não teve tempo. Uma voz exaltada se fez ouvir. — Brewster — é o senhor? Já o demos como... — Tenente Lann falando, senhor! — disse Harper em meio à fala exaltada, que a julgar pela voz devia ser do oficial técnico. — Três homens e cerca de mil e quinhentos robôs escaparam à catástrofe, senhor. Não conseguimos entrar em contato com o Capitão Brewster. — Meu Deus, Lann. Pensávamos que estivesse morto — a voz quase se atropelou. — Como estão as coisas? Harper trazia uma palavra adequada na ponta da língua, mas julgou preferível não dirigi-la ao oficial técnico. — A situação não está definida, senhor — esquivou-se. — No momento estamos em segurança. Seguimos em direção ao objetivo indicado. — Muito bem! — apesar das interferências notava-se o tom de alívio na voz do oficial técnico. Harper concluiu que teria sido desagradável para ele se a tropa batida desistisse da luta e resolvesse regressar para a nave. — Apreciamos sua coragem. — prosseguiu o oficial técnico. — No momento não pode contar com qualquer ajuda. É

provável que a tropa do Capitão Brewster tenha sido completamente destruída. Daqui observamos duas explosões nucleares de intensidade média. Não temos nenhum contato com Brewster. O oficial fez uma pequena pausa. Harper aproveitou a oportunidade. — Como devo interpretar a informação de que não podemos contar com qualquer ajuda? — perguntou. — Bem... era de esperar que o inimigo também atacasse os veículos que os levaram a Danger I. Por isso fizemos decolar as corvetas por controle remoto. No momento dirigem-se para cá. Trata-se de uma situação transitória. Enviaremos quanto antes reforços em forma de mais uma divisão de robôs. Mais alguma pergunta? Harper sentiu-se arrasado e decepcionado. — Não senhor — respondeu, cansado. — Desligo. O paladino obedeceu, interrompendo a ligação. Harper sentiu-se abandonado. Preferiria que alguém lhe tivesse dito simplesmente: “Por enquanto não podemos ajudar. Fique firme e trate de continuar vivo.” A maneira pela qual o oficial técnico contornava o assunto e deixava transparecer um sentimento de culpa era desanimadora. “Um oficial da ativa tem de entender de psicologia”, concluiu. — A operação prosseguirá — disse a Link e Christopher. — A coluna de Brewster provavelmente foi destruída. Estão sendo providenciados reforços, mas não se iludam. Ninguém sabe quando chegarão. As corvetas estão regressando à nave. Estamos praticamente sozinhos. Alguém quer dizer alguma coisa? Harper esperava uma observação sarcástica de Link. Mas a voz que saiu de seu receptor era de Christopher. Parecia muito nervosa. — Harper — olhe as montanhas ali na frente! Harper examinou as montanhas que se erguiam ao norte da nuvem de pó levantada pela explosão. Levou alguns segundos para descobrir o que Christopher queria dizer. Quando encontrou, ficou livre da depressão. Outro sentimento tomou conta dele: a febre do caçador. Ao noroeste, uns vinte quilômetros ao oeste do lugar em que teriam atravessado a cadeia de montanhas se continuassem na mesma rota, as elevações recuavam. Seus flancos formavam uma reentrância semicircular. O sol estranho, que brilhava ao sudeste, iluminou o semi-círculo formado por rochas, pondo à mostra uma grande abertura retangular que se destacava na parede dos fundos da reentrância. Parecia negra em comparação com a rocha e dava a impressão de que se tratava da entrada de uma galeria que levava às profundezas do planeta. Os contornos da abertura eram tão regulares que não podia ser natural. Mas não era somente isto que tinha deixado Christopher nervoso. No interior do semicírculo viam-se objetos móveis. Da altura em que estavam Harper e seus companheiros pareciam pontos cinzentos, mas não havia dúvida de que seus movimentos eram orientados. Só podiam ser veículos ou robôs inimigos. — Quanto falta para chegarmos ao destino? — perguntou Harper depois de alguns segundos ao seu paladino. — Cerca de quarenta e cinco quilômetros exatamente na direção norte — respondeu o robô. Harper não precisou fazer cálculos. A reentrância na rocha não era seu lugar de destino. Ficava na direção errada e muito perto. Mas parecia que representava um acesso às instalações subterrâneas do inimigo. Harper achou preferível usar sua força

perigosamente reduzida para explorar a possibilidade recém-descoberta de meter-se num combate com um forte espacial pesadamente armado. Harper não perdeu tempo. Seu paladino transmitiu a ordem para que os robôs sobreviventes mudassem de rota e seguissem à velocidade máxima em direção à reentrância na rocha. A força da explosão já se exaurira. O grupo de robôs deixou para trás as extremidades da nuvem de pó enquanto seguia na direção noroeste. Parecia que os veículos inimigos que se encontravam na reentrância não desconfiavam de nada. Davam a impressão de que nem notavam que alguma coisa se precipitava sobre eles vinda de cima. Harper manteve um contato ligeiro com a Tosoma. Informou seus superiores sobre a mudança do plano. O vento provocado pela velocidade de seu deslocamento zumbia em torno de seus ouvidos. — Droga — disse neste momento Link Stovall em tom contrariado. — São uns ingênuos. Isto chega a feder a armadilha. Há poucos segundos Harper tivera a mesma idéia. Será que se tratava de mais uma armadilha montada pelo inimigo, na qual estavam entrando tão facilmente como na primeira? Logo abandonara a idéia. O inimigo não poderia esperar que tivesse êxito com o mesmo truque duas vezes em seguida. Quando se encontravam a duzentos metros de altura, viram que os objetos móveis que se encontravam na reentrância eram estruturas quadradas achatadas, que se movimentavam em alta velocidade sobre o solo, sem tocá-lo. Não se sabia qual era sua finalidade. Na opinião de Harper talvez fossem sensores autoguiados que passavam por cima do solo desértico à procura de minérios. De qualquer maneira os objetos móveis não tomaram conhecimento dos mil e quinhentos robôs que estavam pousando. Prosseguiram no seu trabalho, passando com uma agilidade tremenda entre as colunas de robôs. Harper chegou à conclusão de que deviam ser deixados em paz. A tropa deslocou-se para os fundos da reentrância, onde a abertura de vinte metros de largura e oito de altura se escancarava que nem uma boca enorme. Quando chegaram mais perto viram que o interior da abertura retangular não era tão negro como parecera. A abertura dava acesso a uma galeria de cerca de vinte metros de largura, escassamente iluminada, que descia suavemente. Os robôs obedeceram às instruções introduzidas em sua programação, entrando aos grupos na galeria. Harper, que juntamente com os dois amigos formava a retaguarda, hesitou um instante. Não sabia se seria conveniente expor toda a força de que dispunha à incerteza. Mas chegou à conclusão de que não tinha alternativa. Se quisesse dispor de um razoável poder de combate, não poderia dispensar nenhum robô para, por exemplo, manter guarda na reentrância que se abria na rocha. Os três paladinos seguiram a tropa que avançava rolando apressadamente. Harper recebeu por intermédio de seu robô uma informação da vanguarda, segundo a qual a galeria descia alguns quilômetros pela rocha, mantendo um declive constante. Por enquanto não se tinha encontrado o menor sinal de resistência inimiga ou sequer da existência de um inimigo. Link e Christopher surpreenderam pelo silêncio. Harper olhou em volta, enquanto seu paladino descia atrás das tropas de robôs. As paredes, o chão e o teto da galeria eram lisos. Até parecia que tinham sido polidos. O teto irradiava uma claridade difusa. Não se

via nenhuma luminária. Harper olhou para trás e viu a abertura retangular pela qual tinham entrado como uma pequena mancha luminosa de uma cor diferente do resto. Neste instante o paladino transmitiu uma notícia que o deixou surpreso. — O espectro de raios eletromagnéticos apresenta um conteúdo acima do normal na faixa roentgen e ultravioleta. Harper fez avançar instintivamente a mão e apertou o botão do instrumento de medição de energia. O pequeno indicador iluminou-se. Numa fração de segundo atravessou toda a escala cromática e parou no violeta. *** Fora de si de alegria pela vitória quase completa, Uraloth sentia uma pequena insatisfação porque sua contribuição fora tão pequena. Fora tudo obra de Ul, que não precisara de auxílio. O grande perlian controlava a situação sozinho. Naturalmente fora favorecido pelo acaso. Os dois comandos de desembarque terranos tinham descido a pequena distância dos dois maiores centros de distribuição existentes no planeta. Uraloth não entendia nada dos aparelhos e mecanismos que Ul usara para enganar o inimigo e destruir a maior parte de suas forças. Eram produtos da tecnologia dos perlians, e a aliança entre este povo e a raça de Uraloth ainda não se consolidara a ponto de os perlians se mostrarem dispostos a revelar seus segredos aos aliados. Mas Uraloth compreendeu que o funcionamento dos aparelhos exigia quantidades imensas de energia, que só podiam ser fornecidas pelos grandes distribuidores, que as convertiam nas formas que produziam os efeitos desejados. Se o inimigo tivesse descido em outro lugar, Ul provavelmente teria levado muito mais que duas rondas para destruir completamente um dos comandos e dizimar o outro em dois terços de seus efetivos, atraindo os sobreviventes para a armadilha perfeita situada embaixo das montanhas. Ul e Uraloth acompanharam em três telas o avanço das tropas inimigas pela galeria aberta na montanha. Uraloth sentia-se um tanto confuso e decepcionado ao mesmo tempo. Pelo que sabia, o inimigo poderoso que viajava entre as estrelas, criando tumulto onde quer que aparecesse, pertencia à mesma raça do último prisioneiro ao qual Ul dera no início do último período claro-escuro uma lição da qual morrera. Viu que não era assim, pois as criaturas que caminhavam às centenas pelos corredores não tinham a menor semelhança com este prisioneiro, Uraloth, cuja raça não conhecia as vestimentas, mas que já se encontrara com seres que costumavam envolver os corpos em panos ou coisas semelhantes, não sabia se os desconhecidos estavam ou não vestidos. A única coisa que notou foi que seus corpos emitiam um brilho fosco. — São feios, não são? — perguntou Ul. Uraloth concordou. — Mas parecem robustos — prosseguiu o perlian. — Serão bons trabalhadores. Dentro de pouco tempo compensaremos as perdas de massa cristalina que sofremos. As naves inimigas irão embora assim que notarem que pusemos fora de ação sua força combatente. Uraloth também achava isso provável. Quando a armadilha se fechasse, o inimigo teria sofrido uma perda de dez mil homens. Era de esperar que depois disso suspendessem os ataques.

Ul estava ansioso. O inimigo caminhava na direção do grande pavilhão de rocha, que representava a armadilha propriamente dita. Uma vez lá, perceberia que estava perdido. — A primeira coisa que farei é dar-lhes uma lição — disse o perlian, entusiasmado, enquanto passava as mãos delicadas e transparentes pelo teclado dos projetores de choque que costumava usar para castigar seus trabalhadores. — Saberão que sou um senhor severo, impiedoso e empenhado sempre em fazer com que cada trabalhador dê o máximo de si. Uraloth não julgava conveniente impor aos prisioneiros um castigo doloroso, além da denota ignominiosa. Mas Ul estava sendo vitorioso, e não era esta a hora de tentar tirar estas idéias de sua cabeça, ainda mais depois que fora tão bem-sucedido. Mas houve um imprevisto que fez com que Ul não pudesse desfrutar o prazer tão cedo como imaginara. Por algum motivo que não se conhecia, a coluna inimiga parou de repente. Passaram-se algumas unidades de tempo. Finalmente o inimigo fez meia-volta e retomou na direção da qual viera. A reação de Ul foi instantânea. Puxou duas alavancas ao mesmo tempo. O inimigo parou de novo. *** — Pare! — ordenou Harper ao paladino. — Mande toda a coluna parar. Os robôs pararam no mesmo instante. Harper dirigiu-se aos companheiros. — Aqui existe a mesma energia energética que detectamos nas proximidades do forte — afirmou. — Não sei o que significa isto, mas da última vez em que o mostrador energético apresentou uma cor violeta, demorou apenas alguns minutos até que detonasse uma bomba nuclear. Vamos voltar. Mandou que o paladino transmitisse a ordem a toda a coluna. Os robôs giraram em torno do próprio eixo. A inversão do sentido da marcha fez com que Harper, Link e Christopher se encontrassem na frente do grupo. — Em frente, marcha — à velocidade máxima! — ordenou Harper. Quando tinham percorrido vinte metros, aconteceu uma coisa terrível. Harper acabara de olhar corredor acima, angustiado, tentando calcular qual era a distância que os separava da saída. Ainda há pouco a galeria se estendera à sua frente, larga e cintilante, parecendo chegar ao fim do mundo. E agora, apenas uma fração de segundo depois, deixara de existir. O paladino de Harper parou à frente de uma parede de rocha que surgira do nada, fechando toda a largura do corredor. Incapaz de acreditar no que seus olhos viam, Harper fitou a parede irregular. Iluminados pela luz do teto, viam-se veios grossos de cristal esverdeado cintilante, que atravessavam a rocha em curvas fechadas, além de pequenas peças de metal incrustado. Harper levou algum tempo para recuperar-se do choque. Dirigiu-se ao paladino. — O que aconteceu? Passaram-se trinta segundos, o que era um sinal de que o problema era difícil até mesmo para o robô. Finalmente veio a resposta. — Desconhecido. — É um problema técnico, Harper — disse Link Stovall. — Não tem a solução? Harper não lhe deu atenção. Sua mente trabalhava com grande intensidade. Voltara a subestimar o inimigo. Entrara na galeria na esperança de descobrir um caminho fácil para a base propriamente dita. Iludira-se pensando que o inimigo não notara sua entrada

na galeria e que a tropa de robôs teria uma boa chance de pegá-lo de surpresa. Rejeitara conscientemente a idéia de que aquela galeria pudesse ser uma armadilha. E com isso cometera um erro grave. Sem dúvida tratava-se de uma armadilha. E não era só isso. O inimigo observava constantemente a coluna de robôs. Se não fosse assim, não poderia ter reagido tão depressa quando os robôs se dispuseram a voltar. Não queria que escapassem. Julgava-se mais forte. O corredor provavelmente terminava num lugar em que os robôs ficariam expostos a uma grande superioridade de forças. Não foi fácil tomar uma decisão. A idéia de entrar em contato com a Tosoma e pedir um conselho pela cabeça de Harper. Mas neste caso teria de relatar o aparecimento repentino da parede de rocha, e Harper não tinha certeza de que alguém acreditaria nisso. Não. Ele mesmo teria de chegar a uma conclusão sobre o que devia ser feito. Não havia muitas alternativas. Na verdade, eram apenas duas: ficar onde estava ou continuar. Harper optou pela última possibilidade. Não adiantava permanecer inativo. Harper pensou na possibilidade de o inimigo levantar a parede em outro lugar — por exemplo no meio da coluna, para dividir as forças do atacante. Ou então talvez seria capaz de fazer desmoronar a galeria. Mas preferira cortar-lhes a retirada. Para Harper isto era um sinal de que o inimigo já não estava interessado em exterminá-los. Neste caso não teria nada a perder se mandasse avançar os robôs. Na pior das hipóteses cairiam nas mãos do inimigo. Os robôs receberam ordem de fazer meia-volta e seguir na direção em que caminhavam antes. Harper olhou mais uma vez para trás. Os veios de cristal emitiam um brilho traiçoeiro. Harper tentou localizar a porção de metal que vira pouco antes. Devia conter uma quantidade considerável de cobre, uma vez que refletira a luz do teto em tons vermelho-dourados. Mas agora o brilho era muito fosco e Harper mal conseguiu encontrá-lo. O tenente virou a cabeça. Viu Link e Christopher, que se encontravam a seu lado. Estavam cabisbaixos e não diziam uma palavra.

7 O corredor terminou. Foi ter a um pavilhão aberto na rocha. O tamanho era impressionante. As paredes e o teto quase não tinham sido trabalhados. Em alguns lugares havia pequenas galerias penetrando nas paredes. Era possível que algumas delas servissem para entrar ou sair, mas em sua maioria deviam ter sido abertas para procurar o precioso cristal. Em toda parte a poeira cintilante cobria as pedras espalhadas pelo chão. O pavilhão era de formato aproximadamente circular e tinha cerca de quatrocentos metros de diâmetro. O ponto mais elevado do teto ficava cerca de cinqüenta metros acima do chão. As luminárias irregularmente distribuídas pelo teto emitiam uma luz brancoamarelada, enchendo o pavilhão com uma claridade ofuscante. Quando os robôs entraram, não havia ninguém. Mas as bordas de algumas galerias tinham sido desbastadas, e pela cor concluía-se que não fazia muito tempo que se trabalhara ali. Harper ficou impressionado com o tamanho do recinto. Parecia impossível que um espaço tão grande pudesse ser escavado na rocha, sem que houvesse colunas que o protegessem contra a tremenda pressão que pesava sobre o teto. Tinha certeza de que o pavilhão representava o ponto final de sua marcha. Sem dúvida o inimigo mantinha ocupadas as galerias secundárias e não demoraria a aparecer. Até mesmo um homem sem qualquer experiência estratégica seria capaz de compreender que os mil e quinhentos robôs não teriam a menor chance, mesmo que a força inimiga não alcançasse a metade desse número. Harper não se deu ao trabalho de dar qualquer ordem aos seres mecânicos. Entregues a si mesmos, imobilizaram-se no chão coberto de escombros. Dois minutos passaram sem que acontecesse nada. Harper começou a sentir-se inseguro. Pensou que talvez o inimigo não os esperasse neste lugar, mas em outro — ou talvez não os esperasse em lugar algum. Mas neste caso seria difícil explicar o aparecimento repentino da parede que lhes cortara a retirada. Mas a parede já era outro assunto, e seu simples aparecimento era muito mais maravilhoso e misterioso que o fato de possivelmente se ter formado independentemente do avanço dos robôs. Harper desceu do paladino. — Vamos dar uma olhada — disse aos amigos e ao seu paladino. Em seguida soltou o cabo que o prendia ao robô, para que seus movimentos não fossem impedidos. Link e Christopher também desceram dos seus veículos. — Que acha que vai acontecer? — perguntou Christopher, enquanto passava os olhos devagar pela parede irregular. — Pensei que tivéssemos caído numa armadilha perfeita — confessou Harper. — Mas se fosse assim certamente já teriam dado o golpe, não é mesmo? — Você não conhece a mentalidade destes seres — resmungou Link. — Talvez queiram assar-nos aos poucos. — É possível que... Christopher interrompeu-se de repente. — Olhem! — exclamou. — Preciso dar uma olhada. Encontravam-se a uns cinqüenta metros do lugar em que terminava o corredor largo e fortemente iluminado. Christopher apontou para um ponto situado longe da entrada e saiu correndo. Harper viuo abaixar-se e mexer nos escombros. Ouviu-o fungar em seu receptor.

Finalmente Christopher endireitou o corpo. Segurava uma coisa comprida, fina e branca. Levantou-a. Harper não pôde ver o que era. — O que foi? — gritou Link. — Venham dar uma olhada — respondeu Christopher. — Preparem-se para um choque. Harper e Link atravessaram os escombros. Quando se encontrava a dez metros de Christopher, Harper viu o que este tinha na mão. Era um osso. Parecia ser um fêmur humano, mas era mais fino e comprido. No lugar em que estava Christopher havia muitos ossos. Compridos, curtos, finos, grossos — branqueados pelo tempo. Eram o que restara de pelo menos dez seres que tinham morrido neste lugar. Link empurrou algumas pedras pequenas com o pé. Outros ossos apareceram, entre eles um crânio oval com uma pequena boca desdentada, um nariz e três aberturas para os olhos. Harper estremeceu. Não se precisava ser um vidente para compreender o que tinha acontecido. O inimigo explorava as jazidas de cristal por meio de trabalhadores que eram trancados ali mesmo e escavavam a rocha até caírem mortos. Caminharam junto à parede. Em toda parte havia ossos. Alguns eram tão velhos que se desmanchavam ao simples contato, outros mais novos, apresentando a coloração branco-acinzentada que era uma das características da substância óssea humana, alguns de forma estranha, que certamente tinham pertencido a seres não-humanóides, outros tão caracteristicamente humanóides que Harper conseguiu identificá-los sem dificuldade. Harper perguntou a si mesmo quantos terranos teriam sido vitimados por esta forma diabólica de exploração do trabalho alheio. Sabia-se que os perlians ou os generais — ou ambos em conjunto — tinham apresado várias naves da frota exploradora e aprisionado suas tripulações. Os homens tinham sido submetidos à influência para-hipnótica dos cristais e obrigados a trabalhar para o inimigo. Terranos subjugados trabalhavam nas espaçonaves em forma de pêra dos generais. Trabalhavam nas bases inimigas instaladas em mundos estranhos. Será que nesta mina também tinham sido colocados terranos? Os três atingiram a entrada de uma das galerias secundárias. Era a mesma que chamara a atenção de Harper quando ele saíra do corredor montado em seu paladino, por causa da borda fresca que apresentava junto à abertura quase retangular. Avançaram pela galeria, que era iluminada por lâmpadas fracas colocadas no teto a grande distância uma da outra. A galeria penetrava na rocha mais longe do que Harper acreditara. As paredes eram entrecortadas e de vez em quando apresentavam sinais de uma ferramenta usada na procura do precioso cristal. Entre os prisioneiros terranos, pensou Harper, o inimigo só poderia ter usado na mina aqueles que estavam imunes à influência dos cristais. Não podiam ser muitos. Qualquer cérebro não protegido exposto às radiações concentradas a uma distância tão reduzida sucumbiria dentro de algumas horas. De repente Christopher, que caminhava na frente, soltou um grito abafado e deu um salto louco que o transportou para além da curva do corredor. Link e Harper correram atrás dele. Passaram pela curva e viram Christopher ajoelhado a oito metros de distância — em cima de um vulto que estava deitado de rosto para baixo. O vulto estava trajado com o uniforme verde-acinzentado da Frota do Império Solar. Christopher segurou a figura cuidadosamente pelos ombros e levantou-a. A cabeça do desconhecido caiu para o lado num movimento estranhamente desajeitado. Não havia a menor dúvida de que se tratava de um terrano. Não devia ter morrido há muito tempo. O corpo estava rígido, mas não havia nenhum sinal de decomposição.

Certamente possuíra uma ferramenta. No lugar em que estava havia sinais de que a parede fora trabalhada recentemente. Um veio de cristal fora posto à mostra. Mas a ferramenta tinha desaparecido. O inimigo certamente dispunha de supervisores que recolhiam a preciosa ferramenta depois que o último que a tinha usado estivesse morto. Christopher pôs-se a revistar os bolsos do cadáver. Descobriu duas coisas. Uma chapinha de plástico com os dados pessoais do desconhecido, do tipo oficialmente usado para identificar os membros da frota, e um livrinho estreito com cerca de vinte folhas muito finas de material metalizado, cobertas com uma escrita fina. O morto era Ken Suluth. Ocupara o cargo de major. O Major Suluth pertencera ao o 3 Corpo Expedicionário Científico do Império Solar. Uma das naves pertencentes a esse corpo expedicionário — a EX-10687 — desaparecera há cerca de dois anos na grande nuvem de Magalhães e Suluth estivera a bordo dessa nave. — Malvados! — resmungou Link. Harper pegou o caderninho que Christopher segurava na mão e abriu-o. Notou à primeira vista que era uma espécie de diário de Suluth. Nas primeiras partes a letra era regular e vigorosa, mas depois, quando Suluth experimentou o sofrimento da pressão psíquica, a letra tornou-se insegura, inclinando-se para os lados. Era como se Suluth já não tivesse forças para escrever ordenadamente. A última inscrição, feita em letras enormes, com grande desperdício de espaço, não tinha sido feita com o estilete, mas fora riscada na superfície metálica com a aresta de uma pedra. O texto era o seguinte: — Hoje provavelmente é o último dia... Suluth sabia que iria morrer. Harper percebeu que o sentimento de ódio estava tomando conta dele. ódio pelo inimigo desumano, que tratava seres inteligentes pior do que animais, mantendo-os trancados neste lugar e deixando que se acabassem miseravelmente. Suas mãos tremeram de raiva quando abriu o caderninho na primeira página e começou a ler. *** 29-10-2.433 Eles nos enganaram. Nós os aceitamos a bordo porque pensávamos que não fossem perigosos. São seres de dois metros de altura com a pele cintilante, coberta de escamas transparentes. Pode-se olhar através deles, inclusive através dos seus crânios. Na frente do cérebro deles existe uma massa de tecido vermelho-brilhante extremamente móvel. Parece uma luz de alerta. Têm membranas entre os dedos das mãos e dos pés, iguais às das aves aquáticas e devem possuir dois sistemas respiratórios, que lhes permitem sobreviver tanto na água como em terreno seco. Vieram num pequeno barco, quando estávamos numa órbita estável em torno do planeta recém-descoberto E-10687-Beta. Viviam nesse planeta. Cinco deles subiram a bordo. Encheram a nave com um gás narcotizante que haviam introduzido não se sabe como. Foi o fim. Quando recuperamos os sentidos já eram cem e estávamos com as mãos e os pés amarrados. Levaram-nos ao planeta em grandes barcaças. Nossa nave provavelmente não existe mais. Vi um forte lampejo no céu, no momento em que estávamos saindo da barcaça. Provavelmente tentaram compreender os controles de astrogação e andaram mexendo neles. O sistema automático de segurança entrou em funcionamento e fez explodir a nave. Faço votos de que houvesse muitos destes seres vidrados a bordo.

2-11-2.433 Conto os dias pelos períodos de sono. Fizemos uma longa viagem numa nave em forma de pêra. Não faço a menor idéia de onde nos encontramos. Colocaram-nos num recinto subterrâneo. É pior que a mais terrível das masmorras terranas da Idade Média. Nada de instalações sanitárias. Comemos todos de uma única bacia, uma única vez entre dois períodos de sono. Temos de servir-nos todos ao mesmo tempo. Há muito mais que isso. A maioria dos nossos companheiros enlouqueceu. É ao menos como vejo as coisas. Sentem um desejo irresistível de ficar aqui. Em minha opinião foram submetidos a uma espécie de hipnose. Receio que os cérebros dos coitados não resistam por muito tempo à pressão. Não sei qual é a origem da influência hipnótica. 5-11-2.433 Já sei de onde vem a compulsão hipnótica. Fomos enfiados numa mina e recebemos picaretas mecânicas, para retirar os veios grossos de massa cristalina verde. Os cristais emitem uma radiação! Quando chegamos, éramos mais de quinhentos. Mais de trezentos morreram horas depois de chegarem perto dos cristais. Os outros estão definhando aos poucos. Não podem trabalhar, mas assim mesmo um ser invisível os maltrata com choques elétricos despejados por projetores instalados no teto da galeria. Deve ser uma espécie de chicote energético com o qual se quer obrigar os prisioneiros a trabalhar. 10-11-2.433 Já morreram todos — com exceção de mim e de Heimstaetter. Este não recebe as emanações dos cristais, tal qual eu. Trabalhamos o mais depressa que podemos, pois queremos evitar que usem o chicote contra nós. 12-11-2.433 Nestas salas e galerias deve ter havido milhares de trabalhadores forçados antes de nós. Onde quer que se ponha os pés há ossos alvejados pelo tempo. Que raça desumana deve ser esta que trata seus prisioneiros desta forma! 2-12-2.433 Há uma coisa que Heimstaetter e eu ainda não descobrimos. Onde costumam ficar os seres de vidro? Desde que chegamos ao planeta ainda não vimos nenhum deles. Encontramos as ferramentas no dormitório, quando entramos nele pela primeira vez. As instruções nos foram fornecidas pelo alto-falante. Parece que os seres de vidro aprenderam nossa língua bem depressa. A bacia com a comida é trazida e recolhida por um pequeno veículo automático. Heimstaetter e eu levamos os companheiros mortos a uma profunda galeria secundária onde empilhamos os cadáveres. Os invisíveis não gostaram e nos fizeram sentir o chicote. Mas não desistimos e eles nos deixaram em paz. As ferramentas dos mortos desapareceram entre o fim de um período de trabalho e o início do outro. Alguém deve tê-las recolhido. Heimstaetter acredita que os seres de vidro não aparecem por temerem as emanações dos cristais. Certamente vivem num abrigo bem

protegido, acima de nós. Os cristais tirados por nós desaparecem de noite, da mesma forma que desapareceram as picaretas mecânicas de nossos companheiros. 15-2-2.433 Heimstaetter morreu. Não agüentava mais e tentou fugir. Examinou todas as galerias e tinha certeza de que uma delas levava para cima, saindo ao ar livre. Preferi não ir com ele, pois achei que não havia a menor chance. O que poderíamos fazer se conseguíssemos chegar em cima? Heimstaetter foi. Voltou dentro de trinta minutos, agonizante por causa de centenas de chicotadas desferidas pelos projetores energéticos. Só balbuciou mais algumas palavras a respeito de um corredor que de repente não se parecia nem um pouco com a galeria que escolhera, de paredes de pedra repentinamente surgidas do nada e que lhe fecharam todos os caminhos, menos o de volta. Morreu dentro de alguns minutos. Não sei o que pensar de suas palavras. 16-2-2.434 Levei o corpo de Heimstaetter a uma galeria secundária. Sua picareta desapareceu. Sou o único que resta aqui embaixo. É possível que neste planeta existam outras minas. 23-10-2.434 Estou doente. Faz cerca de um ano que não me lavo e minha pele está coberta de sarna. Tenho um pouco de febre. Mas basta que largue a picareta por um instante para que eu leve uma chicotada. 3-3-2.435 Que Deus amaldiçoe os seres de vidro! 10-6-2.435 Já não acredito que ainda possa ser salvo. A única coisa que me mantém de pé é a esperança de um dia encontrar um dos seres de vidro para torcer-lhe o pescoço. 30-10-2.435 O fim está chegando. Mal consigo agüentar-me de pé. 3-1-2.436 Hoje provavelmente é o último dia... *** Harper guardou o caderninho sem saber o que estava fazendo. Experimentou um desejo quase irresistível de gritar sua raiva e tristeza. Alguém começou a rir. Era uma risada estranha, fria, que começou baixinho e cresceu rapidamente, transformando-se num berro. Até parecia a risada de um louco. De

repente, quando atingiu o ponto mais alto, acabou. Os homens de Pembroke costumavam rir assim quando a raiva tomava conta deles. Harper virou a cabeça e viu o rosto desfigurado de Christopher através do visor do capacete. Link levantou. Estivera ajoelhado perto do morto para rezar em silêncio. Sua voz soou fria e controlada. — Estamos perdendo tempo ficando parados aqui — disse. — Ficar parados — retrucou Christopher, zangado. — Será que você não tem coração? Link virou-se abruptamente. — Tenho, sim! — gritou, furioso. — Tenho um coração tão sensível quanto você. É por isso que quero encontrar quanto antes um destes seres vidrados. Era a primeira vez que Harper via Link neste estado. Christopher limitou-se a fazer um gesto. Os três viraram-se e saíram caminhando em direção ao pavilhão. Harper estava com a mente tumultuada, mas nem por isso deixou de perceber o risco que correriam se quisessem tomar suas decisões com base nos sentimentos exaltados. Obrigou-se a ficar calmo. Quando avistaram a saída da galeria secundária, já acabara de elaborar seu plano. Mandaria que os robôs procurassem a galeria pela qual Heimstaetter pretendia fugir. Esta galeria levava para cima. Pelo menos Heimstaetter estava convencido disso. Também mandaria que procurassem o corredor que Suluth e Heimstaetter usavam depois de cada período de sono para ir do dormitório à mina. O dormitório certamente tinha outra saída — uma que levava à superfície. E o inimigo devia estar entre o lugar em que se encontravam e a superfície. Harper voltou a tirar o caderninho e abriu-o na última página. Sentiu uma pena indescritível pela criatura torturada até a morte, que contara cuidadosamente os períodos de sono para ter uma noção do tempo. Se apesar de tudo errara nos cálculos, a culpa não era dele. O tempo que separava dois períodos de sono não era de vinte e quatro horas. O último registro de Suluth trazia a data de 3 de janeiro de 2.436. E ainda estavam no dia 25 de novembro de 2.435. Quando atingiu o fim da galeria, Harper hesitou um instante. Os robôs estavam parados, emitindo um brilho fosco sob a camada de pó acumulada no deserto. Harper foi tomado de uma feroz resolução. Ken Suluth e os quinhentos homens da EX-10687 seriam vingados — juntamente com milhares de outros que tinham morrido antes deles nos mesmos recintos. Harper entrou no gigantesco pavilhão e saiu caminhando em direção ao seu paladino, que continuava à sua espera no mesmo lugar em que o deixara. Deu três passos, quatro, seguido de perto por Christopher e Link. Foi quando sofreu o primeiro choque. Parecia uma língua de fogo atravessando seu corpo, perturbando o ritmo de seus nervos e músculos e atirando-o ao chão. Ondas de dor lancinante desabaram sobre ele. As coisas que o cercavam pareciam envoltas num manto negro. Uma idéia atravessou sua cabeça com uma clareza tremenda, aumentando a dor física e psíquica. De tão zangado que ficara por causa do destino de Ken Suluth, acabara esquecendo que ainda estavam na armadilha. E o inimigo acabara de fechá-la. ***

O comportamento do inimigo surpreendera não somente Uraloth, mas o próprio Ul, o que por sua vez era uma surpresa. Durante as rondas passadas o perlian sempre fizera de conta que sabia exatamente o que o inimigo faria na unidade de tempo seguinte. Esperara que a coluna inimiga tentasse avançar imediatamente além do pavilhão aberto na rocha. O fato de que parou, dando a impressão de que pretendia permanecer algum tempo neste estado, deixou-o estupefato. Mais surpreso ficou ao notar que a tropa inimiga não era formada apenas por seres que emitiam um brilho fosco, e que ainda há pouco chamara de feios. Havia seres de outra espécie. Eram três, muito parecidos com o prisioneiro que morrera há cerca de oito rondas. Ul acompanhou a mobilização dos forasteiros com uma atenção toda especial. Viuos avançarem por uma das galerias secundárias. Também viu quando encontraram o morto. Não sabia explicar por que permaneciam tanto tempo ao lado do cadáver. Tentara compreender a relação existente entre os três seres que caminhavam eretos e os mil e quinhentos membros da tropa inimiga que emitiam um brilho metálico. Chegou à conclusão de que os três trabalhavam como espias e ocupavam uma posição subalterna na hierarquia do inimigo. Uraloth não era da mesma opinião. Quase acertou em cheio ao supor que os objetos brilhantes eram veículos ou máquinas de guerra que obedeciam às ordens dos três seres que caminhavam eretos. Mas nem ele nem Ul manifestaram sua opinião neste momento crítico, e por isso nem ficaram sabendo da divergência. Ul esperou que os três espias voltassem para junto da tropa antes de dar início ao castigo. *** Harper ficou inconsciente por uma hora ou duas. Quando recuperou os sentidos, saltou instintivamente sobre os pés e saiu correndo o mais depressa que pôde para seu paladino. Percebera mais ou menos no subconsciente de que tipo era a arma que o inimigo usava contra eles. Eram os chicotes elétricos a que Suluth aludira em seu diário — emanações altamente energetizadas de projetores eletromagnéticos, que deviam estar instalados em algum lugar do pavilhão. Enquanto corria, gritou para que Link e Christopher tratassem de colocar-se em segurança. O segundo choque atingiu-o quando já estava bem perto de seu paladino. Caiu dando uma cambalhota. Com isso provavelmente saíra do campo de ação do projetor, pois a dor não parecia tão forte como da primeira vez. Harper voltou a levantar, agarrouse à torre de seu paladino e subiu, usando as forças que lhe restavam. Ligou o cabo com as mãos trêmulas. — Vamos para o robô faxineiro mais próximo — fungou. O veículo começou a andar. Os outros robôs continuavam parados. Pela terceira vez os projetores despejaram sua carga mortal. Enfraquecido pelos dois choques que já sofrera, Harper viu o mundo desaparecer diante de seus olhos, para voltar a tomar forma alguns segundos infinitos depois. O paladino parou ao lado de um robô faxineiro. Harper escorregou para fora do assento — com cuidado, para não arrancar o cabo. O robô faxineiro possuía uma abertura na parte dianteira, através da qual sugava pedras pulverizadas, levando-as para trás e tirando-as do caminho. Harper enfiou-se na abertura o mais depressa que pôde. Quando os projetores entraram em funcionamento pela quarta vez, metade de seu corpo já se encontrava no interior do robô e Harper teve o alívio de notar que sua tática fora bem-

sucedida. Depois que tivesse entrado de vez, a estrutura metálica do robô o cercaria à maneira de uma grade de Faraday. O campo elétrico irradiado pelos projetores se quebraria no envoltório metálico e não seria capaz de atingi-lo. Até mesmo o choque que sofrerá ao entrar só produzira um doloroso formigamento. Harper não tivera tempo para cuidar de Christopher e Link, mas esperava que tivessem tido tempo para seguir seu exemplo. Agora, que estava em segurança, não via motivo para abandonar seu plano original. Transmitiu instruções apressadas ao paladino, ao qual continuava ligado pelo cabo. — Quero que cada galeria que parte deste pavilhão seja revistada por um grupo de dez robôs, que avançarão o suficiente para descobrir se a respectiva galeria possui alguma ligação com recintos situados fora da mina. O ruído dos robôs se movimentando atingiu-o no interior de seu esconderijo. De repente teve uma idéia. — Quero que me mantenham constantemente informado sobre os acontecimentos — disse ao seu paladino. — Os robôs deverão prestar atenção especialmente a qualquer modificação repentina do ambiente ou a um eventual aumento do nível energético parecido com o que se verificou nas proximidades do forte ou lá atrás, no corredor. Harper achava que já sabia qual era a arma secreta do inimigo. O relato de Suluth sobre as últimas horas de vida de seu companheiro Heimstaetter lhe apontara o caminho. Não havia um único cientista que contestasse a possibilidade de transformar energia em matéria — inclusive em porções de matéria de forma definida, desde que a tecnologia tivesse avançado bastante. Na opinião de Harper, o inimigo usava essa técnica. O forte em cujo interior tinham sido destruídos dois terços de sua tropa nunca existira — a não ser nos minutos em que o inimigo o fizera surgir para fazer o invasor cair numa armadilha. A própria bomba que dizimara a maior parte da tropa provavelmente fora uma criação momentânea. Não se tratava de um efeito hipnótico, pois os robôs não eram suscetíveis a esse tipo de influência. Era a criação orientada de um projeto real, que existia enquanto o campo energético em que se baseava continuasse ativo. O corredor que levava da reentrância na rocha ao pavilhão em que se encontravam era um fenômeno semelhante. Não se tratava de uma alucinação, mas de uma figura real, criada por meio de energia concentrada no meio na rocha sólida. A mesma coisa devia acontecer com as máquinas que andavam de um lado para outro da reentrância na rocha, para criar a impressão de que a galeria realmente formava um acesso às instalações subterrâneas do inimigo. Quando a tropa resolveu voltar, o inimigo reconstituiu em parte a situação anterior. A parte traseira do corredor desapareceu, a rocha que se encontrara lá antes voltou ao mesmo lugar. Harper lembrou-se da massa de cobre. Primitivamente ficara encravada na rocha e completamente isolada do oxigênio. A restauração parcial do estado normal deixou a massa num lugar exposto ao ar. O metal, que era brilhante, cobriu-se dentro de alguns minutos com uma camada de oxido que reduziu seu brilho. Era a única explicação do fato de os grupos de Brewster e Harper se terem defrontado no mesmo instante com o mesmo tipo de fortificação. O inimigo as fizera surgir no lugar certo, para atrair os intrusos e destruí-los. O único sinal de que se tratava de estruturas feitas de energia pura eram as radiações difusas. Ricas em energia, emitiam radiações principalmente nas faixas de alta freqüência e pequeno comprimento de ondas — de tal forma que as freqüências mais baixas contidas nos reflexos da luz do sol eram

completamente abafadas, fazendo com que um robô que em virtude de um defeito só enxergava no infravermelho nem via a criação artificial. Era uma arma diabólica, com a qual a Terra se defrontara pela primeira vez neste planeta. E mais um motivo para levar a operação até o fim e desvendar o segredo do inimigo. Neste instante uma voz saiu do receptor instalado no interior de seu capacete. — Vocês estão bem? Era Christopher. — Razoavelmente — resmungou Link. — Por aqui tudo em ordem — exclamou Harper. — Os robôs estão procurando uma saída. Fiquem calmos. Nem tudo está perdido. — OK. — resmungou Link. — Não nos faça esperar demais. Até parecia que estas palavras representavam uma senha para o paladino. — O grupo vinte e um encontra-se numa galeria que depois de duzentos metros termina num corredor de paredes lisas e melhor iluminado — informou. — O corredor apresenta uma subida pouco inferior a um por cento e tem mais de um quilômetro até a primeira curva. Harper farejou uma armadilha. — Qual é o nível energético? — Normal — respondeu o paladino. Harper respirou aliviado. O caminho pelo qual Heimstaetter tentara fugir acabara de ser encontrado. Era a primeira vez depois que a parede de rocha atravessada por veios de cristal aparecera à sua frente que se sentia um pouco mais confiante. Deu ordem para que todos os grupos de robôs, com exceção do de número vinte e um, suspendessem as buscas e voltassem ao pavilhão. *** Ul ficou entusiasmado. Os primeiros choques tinham atirado os três espias ao chão. Levantaram e saíram mancando, mas isso não queria dizer nada. Os projetores ficariam ligados durante duas rondas. Quando tudo tivesse passado, os forasteiros já não teriam vontade de se levantar. Para Ul o fato de os seres que emitiam um brilho metálico se terem movimentado apressadamente era um sinal evidente de que fora bem-sucedido. Era claro que tentavam escapar às chicotadas energéticas. Sem dúvida eram de constituição mais robusta, mas para onde quer que fossem — e realmente procuraram todas as saídas existentes — seriam acompanhados pelos choques, uma vez que os projetores tinham sido instalados em todas as galerias da mina de Ul. Ul e Uraloth ainda não tinham começado a trocar idéias. Por isso Ul por enquanto não ficou sabendo que o rumo tomado pelos acontecimentos estava deixando Uraloth bastante preocupado. O que mais o inquietou foi o fato de que um grupo de dez inimigos permaneceu no lugar em que o sistema de galerias da mina ia ter aos corredores da base propriamente dita, enquanto os outros grupos, que tinham entrado nas galerias sem saída, voltavam ao pavilhão. Ul não teve a menor preocupação. Alegrou-se ao ver os prisioneiros se encolherem sob o efeito das chibatadas energéticas.

8 Avançaram pela galeria descoberta pelo grupo vinte e um. Harper ia na ponta, escondido no interior do robô faxineiro, acompanhado de seu paladino, ao qual continuava ligado pelo cabo. Em seguida vieram Christopher e Link, também abrigados em robôs faxineiros, e ligados aos seus paladinos através do cabo. Os chicotes energéticos ainda estavam funcionando. Era o que mostrava um ligeiro formigamento que de vez em quando lhe subia pelas pernas. Uma parte muito pequena da descarga penetrava pela abertura existente na parte dianteira do robô. Os outros robôs ficaram no pavilhão. Harper não achou conveniente pô-los em movimento enquanto não soubesse o que o grupo vinte e um tinha descoberto. — Chegamos — informou o paladino. Harper esperou que o formigamento se fizesse sentir de novo, saiu pela abertura o mais depressa que pôde, e voltou a entrar com os pés para a frente. Sempre havia um intervalo de alguns segundos entre dois choques elétricos. Harper mal e mal conseguiu voltar em tempo. Acabara de entrar novamente no esconderijo, quando sentiu o formigamento que já conhecia. Desta vez foi na cabeça. Foi mais desagradável, mas era perfeitamente suportável. De qualquer maneira já podia sair pela abertura. O grupo vinte e um, cujos membros estavam postados junto à parede do corredor, observara bem as coisas. A galeria terminou, transformando-se num corredor cuidadosamente construído, que sem dúvida ligava a mina à base propriamente dita. Harper não perdeu tempo. Tinham de seguir pelo corredor. Era a única maneira de obrigar o inimigo a lutar frente a frente. Deu ordem para que os robôs que esperavam no pavilhão o seguissem. *** Quando viu os mil e quinhentos robôs voltarem ao pavilhão e entrarem em posição, Ul desconfiou pela primeira vez de que nem tudo estava correndo de acordo com os planos. Quando a força principal do inimigo voltou a movimentar-se para entrar em formação cerrada justamente na galeria pela qual há bastante tempo um prisioneiro tentara chegar à superfície por ter percebido que era a única ligação com os corredores da base, a suspeita de Ul transformou-se em certeza. A raiva tomou conta dele. Era a raiva do homem que de repente percebe que quando já se julgava vitorioso estava sendo enganado. Imediatamente tomou suas providências. Mas, furioso como estava, agiu com menos segurança que antes. *** Quando tinham percorrido quinhentos metros e os outros robôs já se haviam juntado a eles, aconteceu aquilo que Harper esperara o tempo todo. De repente o corredor desapareceu à sua frente. No seu lugar apareceu uma galeria de pedra bruta, que saía praticamente em ângulo reto. Como já compreendia a origem do fenômeno, Harper tinha certeza de saber como resolver o problema.

— É um problema técnico — disse para dentro do microfone montado em seu capacete, repetindo uma frase que já saíra muitas vezes de sua boca. — Deixem-me cuidar disso. Deu ordem para que o paladino mandasse para a frente quatro robôs de combate, que deveriam atirar ao acaso para dentro da galeria. Os robôs entraram imediatamente em posição. Os quatro braços armados saíram dos corpos e ficaram na horizontal. Dali a meio segundo as armas energéticas começaram a disparar. Passou-se um segundo, mais um, e mais um. Nuvens de rocha gaseificada superaquecida saíram da galeria. Harper ficou inseguro. Não tinha certeza de que seu plano iria dar certo e ia desistir, quando aconteceu aquilo que ele esperara. A galeria desapareceu e o corredor voltou a abrir-se à frente do grupo. Uma nuvem de rocha gaseificada incandescente deslizando lentamente era a única coisa que restava do estranho fenômeno que acabara de verificar-se. A energia concentrada das armas energéticas rompera o equilíbrio energético da estrutura. O caminho estava livre. A coluna seguiu em alta velocidade pelo corredor liso, que subia ligeiramente. Dentro de dois minutos atingiu o lugar em que descrevia uma curva ligeira para a esquerda. O inimigo permanecia inativo. O robô faxineiro em que Harper se abrigara passou pela curva e o tenente viu que se encontravam perto de um corredor de cerca de cinqüenta metros de largura, que ia da esquerda para a direita, formando um ângulo de mais ou menos noventa graus com o corredor pelo qual tinham vindo. Harper deixou que o robô faxineiro avançasse até a entrada do corredor. Uma vez lá, deu ordem ao paladino para que o mandasse parar. De tão nervoso que estava, nem se dera conta de que há algum tempo não sentia mais o formigamento causado pelos chicotes energéticos. Certamente encontravam-se num setor no qual o inimigo não julgara necessário instalar os projetores. Mas Harper preferiu não se arriscar. Continuou no seu esconderijo. A parede do corredor largo oposta à entrada do corredor estreito era lisa, com exceção de uma porta grande, que no momento estava fechada. Esta porta tinha certa semelhança com as escotilhas usadas nas espaçonaves. Parecia que não havia ninguém no corredor. Harper mandou seu robô faxineiro dar um passo para dentro dele e arriscou-se a rastejar para a frente, ficando numa posição em que podia olhar para todos os lados. Verificou que o corredor não era reto, como acreditara, mas descrevia uma curva suave. Parecia formar um círculo amplo, que envolvia um complexo de grandes dimensões, cujo limite era a parede que apresentava uma única escotilha. Harper tinha certeza de que atrás dessa parede ficava o centro de controle do inimigo. Notou mais uma coisa. Havia uma estranha cintilância no ar que enchia o corredor. Não era a primeira vez que assistia ao fenômeno e sabia do que se tratava. Um campo defensivo o separava da parede. Não se sabia quais eram suas finalidades. Harper lembrou-se da suspeita que Suluth mencionara em seu diário, de que os seres de vidro eram obrigados a proteger-se contra as emanações dos cristais e se tinham recolhido a um abrigo em cujo interior não podiam ser atingidos pela influência para-hipnótica. O campo defensivo representava um obstáculo com o qual não contara. Precisava tomar sua decisão sem demora. O inimigo não deveria dispor de um segundo que fosse, para que os seres acuados não descobrissem no último instante um meio de repelir o ataque.

Mandou que o paladino desse ordem para que um dos robôs de combate atravessasse o corredor. A máquina parou ao atingir o centro do corredor largo. Informou através do paladino que se defrontava com uma descontinuidade energética, e que seria danificado se tocasse nela ou tentasse atravessá-la. Harper tomou sua decisão. Chamou de volta o robô. Mandou que um grupo de cinqüenta robôs de combate fortemente armados saísse para o corredor e entrasse em posição numa frente de cerca de cem metros junto ao campo energético cintilante. Harper não conhecia as características do centro de geradores que fornecia energia ao campo e absorvia a energia captada pelo campo. Só lhe restava fazer votos de que sua capacidade não fosse muito grande. No momento só havia uma possibilidade de superar o obstáculo — provocar uma sobrecarga no campo, que causasse seu desmoronamento pelo excesso de energia. — Estão prontos para atirar? — perguntou ao paladino. — Tudo preparado — respondeu este. Harper voltou ao seu esconderijo. Abrigou-se o melhor que pôde. Dali a pouco esquentaria muito. — Fogo...! *** Ul perdeu o controle dos nervos. O truque de criar um corredor novo diante das tropas que avançavam rapidamente, fazendo desaparecer o antigo, falhara. O inimigo descobrira seu método. Foi um golpe duro para Ul. Não esperava que o inimigo fosse capaz de adaptar-se tão depressa. O choque foi ainda maior porque o perlian ainda não digerira a terrível certeza de que não havia nada que abalasse as tropas inimigas. Estas já tinham saído da área equipada com projetores e encontravam-se junto ao limite da zona protegida, em cujo interior se encontrava a guarnição mista, formada por seres pertencentes às raças de Ul e Uraloth. Entraram no corredor que cercava a área de segurança e alguns deles tomaram posição junto ao campo defensivo que impedia a passagem das mortíferas emanações dos cristais. — O que será que eles vão fazer? — lamentou-se o perlian. — Não conseguirão atravessar o campo defensivo. Não é mesmo? Uraloth não respondeu à pergunta. — Trate de controlar-se, Ul! — pediu em tom insistente. — Faça alguma coisa. Use um dos seus truques... mas não fique inativo. Dentro de algumas unidades... — Não posso! — choramingou Ul. — Não podemos usar a projeção de matéria perto do campo defensivo, porque o equilíbrio energético deste seria rompido. Não posso fazer nada. O senhor vê alguma possibilidade? — de repente voltou a sentir respeito por Uraloth. — O campo defensivo vai agüentar. Ou será que não vai? De repente a tela de imagem encheu-se de raios. Uma ofuscante luz branco-azulada encheu o campo de visão. A luta acabara de entrar na última fase. As armas energéticas pesadas chiaram nos braços armados dos robôs. A energia térmica concentrada atingiu o campo cintilante em feixes da grossura de um braço humano. Foi desviada e afastou-se para os lados em ondas trêmulas. De um instante para outro um rugido ensurdecedor encheu o corredor largo. Os contornos das paredes e do corredor mergulharam na dolorosa torrente de luz despejada pelas armas energéticas. Harper desligou os microfones externos, o que quase não fez diferença. O rugido foi transmitido pela estrutura do robô em cujo interior se encontrava. O tenente fechou os olhos, mas a incrível claridade atravessava as pálpebras fechadas.

Harper sentiu-se fraco e desolado, Era a primeira vez desde que pusera os pés no planeta maldito que tinha uma oportunidade de testar a capacidade de luta de sua tropa. O ruído das armas energéticas pesadas deveria deixá-lo mais calmo. Mas Harper sabia que aquela era a luta final — fosse qual fosse o resultado. Se o campo defensivo não desmoronasse, não teria outra chance de atacar a fortaleza inimiga. O fato de não poder fazer nada a não ser ficar escondido no interior da estrutura metálica de um robô, esperando que as energias concentradas das armas energéticas fossem capazes de provocar o desmoronamento do campo defensivo, deixou-o desanimado. As armas continuaram a rugir. Começou a esquentar. O sistema de climatização do traje espacial de Harper, feito para compensar temperaturas exteriores entre mais quatrocentos e menos duzentos e cinqüenta graus centígrados, estava sendo forçado ao máximo. Harper sentiu que estava transpirando. O suor atravessou as pálpebras fechadas e doeu nos olhos. Mais alguns minutos, e seria obrigado a suspender o ataque, porque nem mesmo os corpos dos robôs seriam capazes de resistir ao calor tremendo. Houve um raio — tão ofuscante que se destacava mesmo diante das descargas ofuscantes das armas energéticas e fez doer os olhos ardentes de Harper. Em seguida outro ruído. Um crepitar e uma série de está-los. Parecia uma peça de tecido sendo rasgada. Em seguida tudo ficou em silêncio. — O campo defensivo não existe mais — anunciou a voz monótona do paladino. *** Uraloth viu o perlian morrer. Quando o lampejo verde apareceu nas telas de imagem, mostrando que o campo defensivo acabara de desmoronar, o olho do tempo vermelho de Ul estourou. O perlian caiu ao chão e ficou imóvel. Uraloth sentiu a influência mortal das massas de cristal incrustadas na rocha desabar sobre ele. Parecia uma vaga imensa, que destruísse tudo. Sentiu sua mente desvanecer-se e os pensamentos se confundirem. Foi a ultima impressão. Morreu dentro de algumas unidades de tempo. *** A escotilha não representava nenhum obstáculo. Um dos robôs de combate destruiu-a com um único tiro. O grupo entrou no centro a partir do qual eram dirigidas todas as ações que se desenvolviam em Danger. Mil e quinhentos robôs inundaram centenas de corredores, pavilhões, laboratórios, salas de instrumentos, alojamentos e depósitos. Suas informações eram recebidas constantemente pelos três homens que permaneciam com seus paladinos no grande centro de comando que formava o coração das instalações. Em toda parte o quadro era o mesmo. As instalações continuavam intactas, mas nenhum dos membros da guarnição, que pelos primeiros cálculos devia ser formada por cinco mil perlians e dois mil generais, sobrevivera ao desmoronamento do campo defensivo. Estavam espalhados em toda parte — os perlians com seus crânios semitransparentes, cheios pela metade com um líquido vermelho-pálido, e os generais com conchas de vidro arrebentadas sobre os ombros, das quais a matéria que formava os olhos do tempo pingara que nem cera vermelha sobre os corpos cobertos com pele de couro. Parecia que em ambos os casos os olhos do tempo não tinham resistido à emanação para-hipnótica. Romperam-se e seu rompimento causara a morte de todo o organismo.

Harper informou a Tosoma. Desta vez falou com Con Bayth em pessoa. O êxito alcançado num momento em que ninguém mais contava com isso justificava o abandono dos canais competentes. O almirante exprimiu em palavras bem escolhidas seus elogios a Harper e seus companheiros, pediu que por enquanto continuassem nos seus postos e garantiu que mais uma divisão de robôs fora enviada para reforçá-los. Harper tentou reconstituir, com base nas informações fornecidas pelos robôs, o funcionamento do centro de comando inimigo. Mas logo viu que era inútil. Não havia como descobrir quantas minas de cristal existiam no planeta, onde se encontravam e por quem eram exploradas. Seria inútil tentar descobrir o que era feito dos blocos de cristal, depois de retirados pelos prisioneiros com as picaretas mecânicas e depositados no chão. Não se descobriu qualquer instalação que formasse esferas de quatrocentos metros de diâmetro com os fragmentos e os arremessasse para uma órbita estável, centenas de quilômetros acima da superfície do planeta. Também não foi possível encontrar os aparelhos por meio dos quais o inimigo criara duas fortalezas em pleno deserto e um corredor fortemente iluminado no meio da rocha natural. Harper tinha certeza de que os dois seres cujos cadáveres tinham encontrado na sala de comando, um perlian e um general, eram aqueles que tinham resistido ao seu ataque. Daria muita coisa se pudesse fazê-los voltar à vida para interrogálos. Como estavam as coisas, Danger I continuava a representar um mistério — que só seria desvendado pelos cientistas e técnicos do Império Solar, se estes um dia descobrissem um meio de neutralizar as emanações malévolas dos cristais. *** Con Bayth estava satisfeito. Alcançara o objetivo, mesmo que isto não adiantasse nada. A fortaleza de Danger I caíra, mas ninguém podia pisar o solo inimigo, a não ser as criaturas cujos cérebros possuíssem características especiais. O almirante resolveu permanecer no sistema de Danger até que fossem concluídas as investigações provisórias que estavam sendo realizadas nas instalações inimigas. Depois disso destacaria algumas naves para montar guarda junto ao planeta. O resto da frota voltaria para Modula. Caberia ao lorde-almirante decidir o que seria feito com Danger. Pelo que informavam os três tenentes que se encontravam no planeta, por lá havia um rico veio técnico a ser explorado. Con Bayth preparou a viagem de volta, quando foi informado de que uma corveta vinda da direção de Modula estava entrando no sistema. Bayth acreditava que esta corveta trouxesse notícias de Ems Kastori, mas na verdade era uma unidade da centésima nona frota que, segundo sabia Con Bayth, devia encontrar-se no setor de Jellico, a mais de cento e quarenta mil anos-luz de distância. Con logo foi informado de que o rumo sensacional que tinham tomado os acontecimentos na Via Láctea faria com que o êxito que acabara de alcançar se transformasse num acontecimento de importância secundária. Old Man, o robô gigante, desaparecera de repente e sem aviso prévio do setor espacial de Jellico. Não deixara nenhuma pista. Ninguém sabia para onde tinha ido. Só havia hipóteses. Reginald Bell, que estivera estacionado no setor de Jellico com um contingente de vinte mil unidades da frota, chegou à conclusão de que sua permanência nesta área seria inútil. Praticamente já não havia a menor dúvida de que Old Man estava sob o controle

dos agentes de cristal, e por isso seria bem natural que tivesse seguido em direção à grande nuvem de Magalhães. A informação que Con Bayth recebeu foi simplesmente a de que Reginald Bell estava a caminho com vinte mil unidades de todos os tamanhos, devendo chegar dentro de duas horas. Con Bayth abandonou os planos que elaborara e preparou sua frota para a chegada do contingente comandado por Reginald Bell. Encontrava-se num estado de nervosismo bem compreensível, mas um aviso vindo do centro de rastreamento conseguiu mais uma vez atrair sua atenção para coisas ligadas à recente ofensiva contra Danger I. Os três objetos desconhecidos observados nas imediações do sistema de Danger por ocasião da chegada da 14a FOP até então tinham continuado na mesma posição, mas desapareceram de repente. Con Bayth ficou satisfeito. Os gurrados já sabiam o que pensar dos terranos. *** Harper tirou o traje espacial e instalou-se confortavelmente em uma das poltronas da sala de comando. Os cadáveres do perlian e do general já tinham sido levados. Link Stovall cuidava do rádio. Estava ligado ao seu paladino, que por sua vez o mantinha em contato com a Tosoma. — Há uma novidade — disse com uma ponta de nervosismo que não se estava acostumado a notar nele, mal acabara de receber as últimas notícias. — Reginald Bell vem para cá com um grupo de vinte mil naves. Old Man desapareceu do setor de Jellico. Harper estava roendo uma barra de alimento concentrado trazida pela segunda divisão de desembarque de robôs. Não parecia nem um pouco interessado. — Que acha disso, Harper? — perguntou Christopher depois de um minuto de silêncio. Harper fez um gesto de pouco-caso. — Não é um problema técnico — disse. — Nem quero saber.

*** ** *

No dia 24 de novembro de 2.435 as unidades da USO comandadas pelo Almirante Bayth chegaram ao planeta de cristal Danger I. Mas já era tarde para salvar os escravos. Conrad Shepard, autor do próximo volume da série Perry Rhodan, muda de assunto. Relata outros acontecimentos que se desenrolam num novo ambiente. Trata-se de Perry Rhodan e seus companheiros terranos, que estão presos numa nave dos gurrados. Parece que seus sofrimentos chegam ao fim quando atingem O Centro dos Guerrilheiros. O Centro dos Guerrilheiros — é este o título do próximo volume da série Perry Rhodan.

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