P-270 - Ultimato Ao Desconhecido - K. H

  • November 2019
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View P-270 - Ultimato Ao Desconhecido - K. H as PDF for free.

More details

  • Words: 30,930
  • Pages: 64
(P-270)

ULTIMATO AO DESCONHECIDO Everton Autor

K. H. SCHEER

Tradução

RICHARD PAUL NETO

Para Perry Rhodan e os outros tripulantes da Crest a situação não é nada boa. O Administrador-Geral e os outros dirigentes a bordo do ultracouraçado sabem perfeitamente que, diante da concentração da frota lemurense em torno do planeta Kahalo e do terminal de transmissor ali instalado, a Crest não tem a menor chance de abrir passagem para Andrômeda, apesar de seu enorme poder de fogo. A Crest está presa no passado, a uma distância de 52.392 anos do tempo real do ano 2.404, e está sendo implacavelmente perseguida pelos lemurenses, os antepassados dos terranos que se transformaram em instrumentos dos senhores da galáxia. O Comando do Tempo e do Espaço retorna da missão, trazendo para a Crest um agente do tempo dos senhores da galáxia chamado de Frasbur, o que parece representar uma grande mudança. Frasbur é interrogado. E as revelações, espontâneas ou forçadas, do agente do tempo, dão origem a outra missão. A Crest dirige-se ao sexto planeta de Vega — e Perry Rhodan envia seu Ultimato ao Desconhecido.

=======

Personagens Principais: = = = = = = =

Perry Rhodan — O Administrador-Geral que se encontra a vários milênios de seu império. Atlan — O lorde-almirante que é chamado de terrano-presa. Cart Rudo — Comandante da nave Crest III. Frasbur — O agente do tempo que fala demais. Lemy Danger — O menor general-de-divisão do Império Solar. John Marshall — Telepata e chefe do exército dos mutantes. Neskin — Comandante da estação do tempo de Tanos VI.

1 Relatório de Atlan O homem de Siga, com seus 22,21 centímetros de altura, 852,18 gramas de peso e 6,33 centímetros de largura nos ombros, pediu da forma delicada que lhe era peculiar que eu lhe permitisse que me fizesse companhia. A nave-capitânia terrana — a Crest III — não parecia ser o lugar certo para Lemy Danger, general-de-divisão e especialista da USO. Depois de sua chegada, tentara, com toda hombridade, segundo sua própria expressão, estabelecer contato com os chamados gigantes terranos, mas ao que parecia não conseguira. Coloquei o siganês, um ser de pele verde, sobre a escrivaninha e, sem pestanejar, convidei-o a sentar na beirada acolchoada de um dos painéis de instrumentos. Lemy sentia-se como um ser humano, apesar de seu tamanho reduzido. Não havia nada que o ofendesse tanto como quando alguém lhe deixava perceber que muitas vezes parecia uma coisa abstrata. Vivia dizendo que seus antepassados tinham sido os primeiros seres humanos a arriscar o salto para o espaço e colonizar um planeta desconhecido. Em virtude de certas condições do meio ambiente, não completamente esclarecidas, os descendentes destes terranos tinham diminuído de tamanho de uma geração para outra, mas apesar da redução da massa cerebral conservaram a inteligência. Dessa forma o povo ao qual pertencia Lemy representava um mistério para os cientistas, mistério este para o qual ainda não fora encontrada uma solução satisfatória. Quando indagado a respeito, Lemy costumava dizer que o volume e o peso do cérebro humano não tinham a menor importância. O importante era a densidade da massa cerebral, que no seu caso aumentara proporcionalmente ao encolhimento do volume, resultante de um processo de adaptação. Naquele momento Lemy estava sentado sobre o painel, com as pernas cruzadas e o corpo empertigado. Trazia as mãos pousadas sobre o joelho e fazia um grande esforço para não assumir uma posição desleixada, que pudesse causar meu desagrado. Tive de fazer um esforço para não sorrir. Examinei as anotações que fizera. Recolhera-me ao meu camarote, para completar o diário que estava escrevendo. — Fique à vontade, general — disse em tom indiferente. — Um cientista e oficial com o seu gabarito pode perfeitamente ficar confortável na presença de seu comandante supremo. Contemplei pelo canto dos olhos o menor dos homens pertencentes à minha tropa altamente especializada e tive bastante sensibilidade para fazer de conta que não percebera que o rosto de Lemy mudara de cor, de tão alegre e desembaraçado que se sentia. Sua pele brilhava num verde-oliva carregado. — Já que insiste — piou com sua voz fina. — Certamente nunca me atreveria a, sem sua... — É claro que não, Lemy — interrompi. — Sei que é um homem honrado, muito culto, que sabe guardar as boas maneiras. Pigarreei. Lemy gostava desta fala empolada, que era bastante cultivada em Siga, o segundo planeta da estrela Glador. Isso fazia com que Lemy sofresse bastante com o vocabulário grosseiro dos astronautas terranos, que se divertiam soltando “casualmente” diante do espírito sofisticado vindo de Glador II certas observações que por pouco não o faziam desmaiar.

— É muita bondade sua, lorde-almirante — respondeu Lemy, emocionado. Brindou-me com um olhar que exprimia um amor, uma simpatia e uma dedicação infinita. Envergonhei-me porque no meu íntimo achara graça do anãozinho. Meus pensamentos seguiram uma trilha diferente. Lemy Danger passou a ser apenas um oficial muito competente, cuja capacidade de julgamento e coragem mais de uma vez tinham exercido uma influência decisiva nas medidas tomadas pela USO. Nem me dei conta de que o homenzinho que envergava o uniforme da USO assumiu uma posição mais confortável, e até chegou a apoiar o ombro esquerdo em um dos botões dos controles, sem que isso tivesse sido permitido expressamente. Passei a examinar o relatório que estava escrevendo, no qual havia informações sobre o destino da Crest III e de seus cinco mil tripulantes. Os sóis do centro galáctico brilhavam nas telas instaladas em cima de minha escrivaninha. Pareciam uma filigrama feita de um sem-número de pedras preciosas, que derramavam cascatas de luz no espaço, fazendo doer os olhos. Lemy era antes de tudo um cosmonauta. Passei a refletir intensamente sobre os problemas resultantes de nossa situação estratégica desfavorável. — Neste setor a navegação transforma-se num pesadelo, senhor — disse. — Estou incomodando? — De forma alguma. Permite que lhe exponha uma coisa? Lemy inclinou a cabeça, num gesto de amável curiosidade. O rosto, que era aproximadamente do tamanho de um selo do correio, mas apresentava os traços bem marcantes, estava voltado para meu lado. Desde que caímos na armadilha do tempo de Vario, vivo me esforçando para interpretar os acontecimentos e encontrar uma explicação para os erros que cometemos. Aí surge uma indagação. Será que realmente cometemos um erro? Não se trata antes de uma medida tática inevitável, tomada no interesse de esclarecer a situação? Diante disso não estou com a consciência muito tranqüila. — Compreendo perfeitamente, senhor. Senti-me agradecido. Não havia mais ninguém a bordo com quem pudesse falar desta maneira. Nem mesmo com Perry Rhodan. O Administrador-Geral era um homem prático e realista, que se recusava a procurar motivos psicológicos ou até filosóficos para uma situação que não podia mesmo ser mudada. Nossos calendários registravam o dia 14 de junho de 2.404, do tempo real. O tempo real. A expressão representava uma idéia que surgira somente depois de termos sido transferidos para o passado. Mais precisamente, fôramos levados ao ano 49.988 antes do nascimento de Jesus Cristo. Tínhamos sido transportados mais de cinqüenta mil anos para o passado, e isso nos eliminara como fator de poder militar. Nossos esforços de estabelecer um contato positivo com os homens da antigüidade terrana, os lemurenses, fracassaram em virtude da interferência dos chamados agentes do tempo. Frasbur, o antigo comandante do centro de controle de Kahalo, era um dos homens inteligentes que, graças ao conhecimento da verdadeira situação e aos recursos técnicos de que dispunham, tinham transformado os tripulantes da Crest em objetos de uma caçada, que apesar dos êxitos alcançados no início eram obrigados a ficar escondidos. Kahalo era o mundo em que ficava o centro de controle do gigantesco transmissor dos seis sóis instalado na Via Láctea. No momento este mundo estava sendo protegido por cinqüenta mil belonaves lemurenses, de grande porte.

Um erro dos senhores da galáxia, que acreditaram que fôssemos halutenses, permitira que saíssemos sãos e salvos do campo de rematerialização e nos dirigíssemos ao planeta Terra do ano 49.988 antes de Cristo. Chegados lá, encontramos um continente lendário chamado Lemur e tivemos oportunidade de conhecer a tecnologia formidável de que dispunham os terranos que viviam num passado tão longínquo. Nós, que éramos descendentes remotos dos lemurenses, quase não tínhamos nenhuma chance de escapar à ação de busca e extermínio. Era bem verdade que o produto mais recente da engenharia solar, a Crest III, possuía uma nítida superioridade sobre as naves de guerra de grande porte dos lemurenses. Mas uma grande malta de cães sempre acaba matando a caça. Sabia perfeitamente que não tínhamos a menor possibilidade de abrir passagem à força para o interior do transmissor dos seis sóis instalado na Via Láctea, fazendo com que as energias tremendas deste transmissor nos arremessassem para a nebulosa de Andrômeda. Se conseguíssemos chegar lá, certamente seríamos capazes de, com o auxílio de nossos mutantes, encontrar um meio de inverter a polarização da armadilha do tempo de Vario, para que esta nos fizesse penetrar novamente no tempo real. Tivemos oportunidade de travar conhecimento com os lemurenses! Depois de ter falado pessoalmente com homens como os Almirantes Hakhat e Tughmon, não tive mais nenhuma dúvida de que se tratava de excelentes soldados. O ditado de que o homem só pode ser derrotado pelo homem, e por mais ninguém, encontrara uma confirmação amarga. Assim que os almirantes que comandavam a frota metropolitana e a frota de interceptação dos lemurenses descobriram, em virtude da atividade dos agentes do tempo, que não éramos tefrodenses vindos de uma área recém-colonizada da nebulosa de Andrômeda, passamos a ser caçados. Tivemos muita sorte de não termos sido destruídos. Naquele momento a Crest III deslocava-se em queda livre em torno de um sol gigante chamado Redpoint. Este sol possuía um pequeno companheiro vermelho-escuro, cuja presença para mim era uma confirmação do fato de que no tempo real a estrela dupla era uma base da USO. A idéia de que uns cinqüenta mil anos depois uma gigantesca base espacial instalada neste lugar serviria para dar uma demonstração do poder do Império Solar e da USO era desesperadora. O cérebro humano tinha mesmo muita dificuldade em absorver os fenômenos temporais. Estes sempre traziam consigo inúmeros fatores que normalmente não precisavam ser considerados. Há pouco menos de um mês — sempre em relação ao tempo real — os cavalgadores de ondas Rakal e Tronar Woolver tinham conseguido penetrar no tempo real, graças aos seus dons parapsíquicos, transferindo-se para uma época que para nós ficava num futuro distante. Puderam informar Reginald Bell, que era o comandante supremo na nebulosa Beta e em KA-barato, e graças a uma manobra audaciosa conseguiram retornar ao passado. Trouxeram consigo o mutante Tako Kakuta e um dos especialistas da USO sob meu comando, chamado Lemy Danger, que tivera uma atuação decisiva durante a última operação levada a efeito em Kahalo, que resultou na prisão do agente do tempo dos senhores da galáxia residente naquele lugar. Durante a operação arrojada dos gêmeos Woolver descobrimos um estaleiro espacial que fora transferido ao passado, da mesma forma que a Crest.

Seu proprietário, um engenheiro cósmico chamado Malok, recebera ordens dos senhores da galáxia para circular em torno de determinado sol, para que o estaleiro pudesse servir de base voadora às espaçonaves dos agentes do tempo. Conseguimos estragar este plano, pois mudamos de posição juntamente com a gigantesca plataforma espacial MA-genial, e escolhemos Redpoint como nosso destino provisório. Desta forma atingimos um ponto morto. Seria inútil tentar entrar à força no transmissor gigante. Se tentássemos, os lemurenses enfurecidos nos transformariam numa nuvem de gases. Poderíamos introduzir alguns mutantes em naves cargueiras lemurenses que os transportariam à nebulosa de Andrômeda, mas isso não representaria qualquer vantagem tática para nós. Por enquanto tudo indicava que os gêmeos Woolver conseguiriam retornar mais uma vez ao tempo real. O transporte para a nebulosa de Andrômeda seria perfeitamente possível, graças ao tráfego intenso de naves lemurenses, que fugiam desordenadamente para a galáxia vizinha, em virtude do avanço da máquina de guerra halutense. Mas neste caso nossos homens se veriam diante de outro problema. Teriam de penetrar no transmissor temporal e esperar que o eixo de referência voltasse a deslocar-se para trás. Tinham conseguido isto uma vez, mas nem Perry nem eu éramos tolos a ponto de esperar que um acaso desse tipo se repetisse. Só nos restava o caminho a ser criado por nossos próprios meios. Mas este caminho ainda não conhecíamos. Dessa forma descrevíamos uma órbita tão apertada em torno da estrela gigante chamada Redpoint que nossas usinas geradoras tinham de funcionar permanentemente a setenta e cinco por cento de sua capacidade, para que os campos defensivos pudessem absorver as energias tremendas geradas pelo sol próximo. Acreditávamos que era o único meio de evitarmos a detecção pelos rastreadores das espaçonaves halutenses. O estaleiro voador MA-genial, que era um disco com noventa e dois quilômetros de espessura, seguia-nos a pouco menos de oitenta quilômetros de distância. Estávamos dispostos a, se necessário, dar-lhe cobertura com o fogo dos nossos canhões, pois queríamos fazer tudo para conservar a única base que tínhamos encontrado no passado. Levantei da poltrona e aproximei-me da tela embutida na parede, que tinha o formato de uma janela. Tive a impressão de que contemplava diretamente a maravilha luminosa do centro galáctico. A extremidade superior da tela era cruzada periodicamente por rios de fogo cor de sangue. Eram as ramificações das protuberâncias solares, que nos teriam destruído há tempo, se não fossem os potentes campos defensivos. Notei que Lemy me fitava com uma expressão preocupada. Ele conhecia meus problemas. Fez um esforço desesperado para levar-me a pensar em outra coisa e para isso disse algumas palavras que normalmente nunca teriam saído de seus lábios. — O senhor sabe que os aconenses e, portanto, os arcônidas, descendem dos lemurenses do planeta Terra, não sabe? Confirmei com um gesto. Eu sabia. O fato de meu povo se ter originado dos velhos colonos lemurenses representava um pesado golpe moral para mim. No curso dos cinqüenta mil anos que se seguiram os arcônidas sofreram ligeiras modificações. Nem se podia afirmar que eu era verdadeiramente humano. Não possuo

costelas. No lugar delas encontra-se uma placa contínua, que vai do tórax até as costas. Além disso alguns órgãos tinham sofrido modificações. Já não havia nenhum motivo para eu me orgulhar dos feitos dos velhos arcônidas, ainda mais que eles tinham esquecido grande parte das conquistas técnicas e científicas que os lemurenses dominavam perfeitamente. Quando o poder arcônida estava no auge, costumava atravessar o espaço em naves movidas por propulsores de transição. Enquanto isso os lemurenses, que eram meus verdadeiros antepassados, já tinham alcançado a perfeição máxima do sistema de propulsão linear, que era muito melhor. — Isso não me incomoda nem um pouco, Lemy — observei distraído. — Meus problemas são outros. — Naturalmente, senhor. Mas acho que é interessante que o senhor conheça mais uma das maldades dos terranos. — Mais uma das suas maldades...? Virei o rosto e fitei o anão. Sempre que ele usava expressões deste tipo, um terrano normal era levado a sorrir. Afinal, eu conhecia estes tipos arrojados com o olhar duro e o gênio individualista. — Bem, é claro que suas intenções não são más, senhor — respondeu Lemy em tom enfático. Fez um gesto como quem quer acalmar uma criança travessa ou um peso-pesado embriagado. — Nem deveria ter mencionado isto, senhor — acrescentou o anão. — Poderia fazer o favor de esquecer minhas palavras apressadas? Não lhe fiz este favor. — Fale — pedi. — Que houve mesmo? Qual é a maldade? Lemy parecia desolado. Sem dúvida tinha a impressão de ter ido longe demais. — Senhor, eles tiveram o descaramento de que nenhum homem educado seria capaz. Deram-lhe um apelido. Suspirei. Era uma das formas típicas de Lemy Danger exprimir-se. — Está bem, especialista Danger. É só isso? Graças ao ativador de células que trago comigo, atingi a idade de dez mil anos. Quantos apelidos o senhor acha que já me foram dados durante minha longa caminhada pela história do planeta Terra? Cheguei a ser comandante da guarda pretoriana de Calígula. Costumava chamar-me de torturador, só porque quis ensinar certas coisas a essa gente — perdão, porque quis transmitir-lhes certos ensinamentos. Eu me exprimi de forma um tanto vulgar. Lemy fez um gesto condescendente. No meu íntimo eu me torcia de tanto rir. — Eu diria que o senhor usou o linguajar comum — disse Lemy. Finalmente empertigou o corpo, todo compenetrado. Tive de olhar com muita atenção, para ver a indignação estampada em seu microrrosto. — Está bem. Vou falar — disse em tom solene. — Imagine, senhor! Estes homens grosseiros deram para chamá-lo de terrano-presa. Lemy certamente esperara que eu desmaiasse. Soltei uma gargalhada, que o deixou chocado. Fazia tempo que não ria assim. O riso tirou parte da tensão que afligia minha alma. Fiquei imaginando qual seria a origem do apelido com que fora brindado. Nestas coisas os terranos possuíam uma tremenda criatividade. Não conheci nenhum povo galáctico que fosse capaz de zombar de si mesmo e exercer a autocrítica com a mesma naturalidade dos terranos. — Terrano-presa... Formidável — observei, tossindo. — É só isso, amigo?

Lemy ficou de pé na mesa, com as pernas afastadas e as mãos apoiadas nos quadris. Fitou-me com uma expressão indefinível. Só neste instante percebi que estava deitado na poltrona reclinada, com as pernas estendidas. Lemy tinha muito mais psicologia do que eu acreditava. — Pois então. Isso está resolvido. Vejo que está de bom humor. Prendi a respiração. Apequena criatura soltou uma risada estridente, que fez doer meus ouvidos. Tive uma desconfiança. Será que ele só se fazia de distinto para enganar as pessoas desprevenidas? Afastei o relatório e estendi a mão na direção do siganês. Este apoiou os cotovelos nos meus dedos e fitou-me com uma expressão desolada. Não o compreendi. Mas de qualquer maneira ele tirara um grande peso de cima de minha alma. — Vamos embora, Lemy. Tem uma idéia de como vai o interrogatório que está sendo realizado pelos mutantes? — Tenho, sim senhor. Frasbur está entrando na armadilha. Parece que acha impossível que alguém possa descobrir o que se passa dentro dele. Senti que as preocupações voltavam a tomar conta de mim. O agente do tempo que tínhamos prendido há alguns dias representava um trunfo que eu pretendia usar. Mas ainda teríamos de fazer dele um verdadeiro trunfo. Só mesmo os mutantes seriam capazes disso.

2 John Marshall, chefe do misterioso Exército de Mutantes, parecia cansado e abatido. Havia sombras escuras embaixo de seus olhos. Acabara de participar da terceira conferência, na qual foram tratados problemas ligados à presença do agente do tempo chamado Frasbur. O rato-castor estava encolhido num banco estofado que ficava num canto, dormindo. Seu sistema nervoso era muito sensível, e não resistiria mais por muito tempo às canseiras. Perry Rhodan estava sentado na ponta da mesa. Estávamos na sala de conferências e comunicação número III, que ficava na altura da sala de comando e podia ser atingida facilmente a qualquer momento. Além dos oficiais mais graduados, do comandante, o Coronel Cart Rudo, e do primeiro oficial cosmonáutico, o Tenente-Coronel Brent Huise, tinham comparecido os cientistas que trabalhavam na Crest, bem como Melbar Kasom e Icho Tolot. Alguns dos mutantes que se encontravam a bordo mantinham sob observação constante a psique de Frasbur, que descansava numa cela especial da clínica psiquiátrica da nave, e pensava que poderia enganar-nos bastante. Lancei um olhar para a grande tela instalada junto à parede, na qual aparecia a cela. Frasbur estava deitado num leito pneumático, fingindo-se de inconsciente. André Noir, o hipno, estava sentado numa poltrona móvel que ficava perto do leito. Fora disso não se via nada de extraordinário. Perry também olhou para a tela e seu rosto mudou de expressão. Parecia desconfiado. — Tomara que dê certo — disse. — Pode começar, John. Ou prefere descansar um pouco? Marshall fez que não. — Obrigado, senhor, não é necessário. Não podemos interromper a operação por muito tempo. Dentro de duas horas no máximo devemos prosseguir com a penetração mental. Enquanto isso Noir aprofundará o bloqueio hipnótico e abrirá novas vias de acesso ao cérebro de Frasbur. — A penetração mental? — repeti, espantado. Marshall, que era um homem alto, acenou com a cabeça. Tomou um gole de café de um caneco e prosseguiu: — Trata-se uma penetração cautelosa no consciente de Frasbur. Em hipótese alguma ele deve perceber que descobrimos o que se passa em seu interior. Já temos certeza absoluta sobre os motivos por que houve fenômenos esquizofrênicos logo após sua entrada na clínica. Foi um trabalho difícil. Os termos especializados que Marshall estava usando não significavam muita coisa para mim. Os mutantes sempre tinham algo de assustador — e eu não era o único que

pensava assim. Icho Tolot, o cientista halutense, estava com os três olhos esféricos vermelhos fixados no terrano que possuía dons extra-sensoriais. — Não há dúvida de que Frasbur pertence à elite dos grupos auxiliares que estão a serviço dos senhores da galáxia. É um ser muito inteligente e corajoso, que tem a intenção de atrair-nos para uma armadilha mortal, mesmo que isso lhe custe a própria vida. Por isso está representando a quatro dias-padrão. Assume o papel do homem submetido a uma influência parapsíquica, sujeito a um bloqueio hipnótico cada vez mais intenso, que vai minando suas resistências. Está agindo com tamanha habilidade que quase conseguiu enganar-nos. Acontece que André constatou uma estranha inversão das vibrações que atuam no consciente de Frasbur. Fez a respectiva correção, criando uma oportunidade para Gucky e eu penetrarmos cautelosamente no verdadeiro consciente. — No verdadeiro consciente? — perguntou Perry, inclinando o corpo. — Quer dizer que estavam captando um falso consciente? — Isso mesmo, senhor. Frasbur é um homem vindo do tempo real, que não carrega consigo o receptor de influências que os duplos costumam usar. É um verdadeiro tefrodense, e por isso pode ser considerado humano sob todos os pontos de vista. Além disso é um cientista familiarizado com os fenômenos parapsicológicos. Possui um bloqueio hipno-sugestivo muito eficiente, mas este não o transforma num escravo sem vontade própria. Antes faz dele um inimigo perigoso. Frasbur está em condições de abrir o bloqueio ou fechá-lo completamente, segundo sua vontade. Se o mantivesse constantemente fechado, não poderíamos fazer nada. Mas ele percebeu nossas intenções e foi abrindo o bloqueio. Foi quando André Noir entrou em ação. Isso aconteceu há dois dias, senhor. Marshall tomou mais um gole de café e enxugou o suor da testa. — Deixa minar algumas informações. Transmite-as balbuciando, com a língua pesada, fazendo de conta que depois de nos termos esforçado por quarenta horas caiu totalmente sob nossa influência. Passou a falar cada vez mais, mas só diz aquilo que julga conveniente. Não sabe que compreendemos o que se passa em seu interior. Nem sabe que já conseguimos apreender noventa por cento de seus pensamentos e dos dados armazenados em sua memória. Dessa forma conseguimos alguns detalhes importantes. — Conte logo! — pediu Perry, impaciente. — O que é que ele tenta fazer acreditar? — Pois é aí que está o fenômeno, senhor! Ele não está fingindo. Diz a verdade. Alude ao sexto planeta do sol Tanos, que é uma gigantesca estrela quente. Diz que lá existe uma importante base dos senhores da galáxia. — E existe mesmo? — perguntei, nervoso. — Existe, sim senhor. Frasbur faz uma mistura diabólica da verdade com seus próprios planos, que evidentemente visam à destruição da nave. Segundo suas informações, nesta base está instalado um grande transmissor de matéria, que permite a entrada no grande transmissor galáctico e o salto para Andrômeda, sem passar pelo planeta de regulagem Kahalo. É a única mentira proposital em suas declarações. É claro que não existe nenhuma possibilidade de entrar diretamente no transmissor solar sem ser destruído imediatamente. — Um momento — pediu nosso físico-chefe, o Dr. Spencer Holfing. — Estou lembrado de que em agosto de 2.400 fomos atraídos e irradiados pelos seis gigantescos sóis azuis. E não fomos destruídos, Mr. Marshall. O mutante fez um gesto de assentimento. — Isso aplica-se ao tempo real, doutor. Acontece que no momento nos encontramos cerca de cinqüenta mil anos no passado. Parece que os controles do transmissor são

diferentes. No momento realmente não é possível entrar no campo transportador sem passar por Kahalo e sem ser destruído. — Não vamos afastar-nos do assunto — advertiu Rhodan. — Marshall...! — É claro que Frasbur conhece nossos desejos. Sabe que queremos voltar de qualquer maneira para Andrômeda e que, uma vez lá, pretendemos atacar o planeta Vario. Por isso usa como isca um aparelho que, segundo diz, abre o caminho que continua fechado para nós. Como já disse, é a única mentira propriamente dita que nos contou. O resto é verdade, ou então os fatos são simplesmente calados. E com seu silêncio sobre certos fatos chegamos a um ponto importante. Marshall respirava com dificuldade. Nosso médico-chefe, o Dr. Ralph Artur, fitou-o com uma expressão preocupada. Um silêncio constrangedor reinava na sala. Tive a impressão de que a descoberta feita pelos mutantes teria uma influência decisiva em nosso destino. — Em Tanos VI realmente existe uma base. Trata-se de um transmissor de tempo intermediário, que permite deslocamentos de quinhentos anos no máximo na dimensão temporal. Os saltos podem variar dentro dos limites do chamado futuro relativo. Para Frasbur, esta expressão abrange o tempo que vai de 49.988 antes de Cristo até o tempo real do ano 2.404 depois de Cristo. Pode-se dar um salto para a frente, mas nem por isso foge-se do passado. Só se consegue reduzir o intervalo fixado, mas isto apenas até o momento do passado para o qual foi regulado o transmissor de tempo intermediário. Os senhores da galáxia e seus agentes do tempo usam o aparelho para deslocar-se à vontade através de várias épocas históricas. Mas isso só se torna possível para quem tenha sido deslocado para o passado pelo transmissor gigante de Vario. Tiramos da memória de Frasbur as informações a respeito desta estação. Conseguimos informações muito valiosas. A existência do chamado transmissor de tempo intermediário é um dos fatos sobre os quais Frasbur guardou silêncio. Isso não me surpreendeu muito. Achava mesmo muito provável que os senhores da galáxia, um povo que era e continuava a ser misterioso, tinha preparado seus caminhos de fuga. — Suas saídas de emergência! — retificou meu cérebro suplementar. Aborrecido, passei por cima do impulso transmitido pelo mesmo. — Qual é o segundo fator? — perguntou Perry, insistente. Marshall deu uma risada. De repente voltara a surgir um brilho em seus olhos. — Chegamos à conclusão de que os estratagemas usados por Frasbur e as alusões sedutoras a um caminho direto para Andrômeda só poderiam dar resultado se os estabelecimentos instalados em Tanos VI estivessem em condições de destruir a Crest. Frasbur pensa constantemente nisso, mas ainda teremos de gastar alguns dias ou horas para retirar estas informações de sua mente sem que ele o perceba. Frasbur acredita que ninguém poderá superá-lo. Por enquanto só temos certeza de que neste mundo desconhecido deve existir um gigantesco forte cósmico, alimentado com energia solar. Frasbur quer atrair-nos para lá, a fim de provocar a destruição da Crest, com o sacrifício da própria vida. Se por lá se trabalha com os raios ultraluz, que fornecem a energia ao transmissor do tempo, nem mesmo nossos campos de supercarga poderiam resistir. Os geradores da Crest não podem comparar-se às energias primitivas de um sol. Frasbur sabe disso. Pretendo levá-lo a fazer outras declarações. Ele está interessado em fazer-nos entrar na armadilha quanto antes. Quanto mais ele falar, quanto mais abrir o bloqueio de sua mente, mais fácil se tornará arrancar dele as últimas informações.

“Acho que é só o que consegui apurar até agora, senhor. Por enquanto não vejo nenhuma utilidade prática nas informações obtidas.” Marshall concluiu seu relato e olhou em volta. Perry manteve um silêncio obstinado e ficou mastigando o lábio. Finalmente viu a expressão de meu rosto. Fitou-me com os olhos semicerrados e obrigou os dedos que brincavam nervosamente com um lápis a ficarem parados. — Então, almirante, qual é sua opinião sobre a utilidade prática das informações, sobre a qual John Marshall tem uma idéia tão negativa? Será que bolaram mais um plano? Recostei-me na poltrona e fiquei com os olhos pregados na tela. Devia ser muito cansativo para Frasbur fingir-se de semi-inconsciente por vários dias. Rhodan esperou. Ele me conhecia e sabia que não conseguiria arrancar-me uma resposta precipitada. O gigante de Halut parecia uma estátua negra de quatro braços, sentado em sua almofada pneumática. Assim mesmo Icho Tolot, que tinha três metros e meio de altura, podia olhar confortavelmente por cima da mesa. — De fato, elaborei um plano — confessei depois de algum tempo. Perry obrigou-se a dar ao seu rosto a expressão indiferente que costumava mostrar quando estava nervoso. Mais uma vez admirei-me de que ele ainda não tivesse compreendido que todos sabiam o que se passava dentro dele, justamente por causa da indiferença que fazia questão de demonstrar. Era uma das fraquezas que o tornavam simpático. — Atlan...! — disse Perry em tom de advertência. — Tive meus motivos para fazer questão de que aquele tefrodense fosse interrogado durante vários dias. Os resultados já estão aparecendo. Marshall, o senhor deveria perguntar francamente onde fica o planeta Tanos VI. Acho que Frasbur responderia prontamente a uma pergunta nesse sentido. Se não estou muito enganado, este sistema solar não fica muito longe da Terra. Rhodan suspirou e lançou um olhar para os cientistas. — Nosso amigo arcônida mais uma vez faz questão de que lhe arranquemos as palavras da boca. Fico me perguntando para que poderia servir a conquista ou a destruição de uma base temporal. Isso não nos traria nenhuma vantagem. Pelo contrário, acarretaria algumas desvantagens. Acho que já estamos sendo caçados com bastante empenho. O Dr. Holfing ergueu os ombros, num gesto de contrariedade. — A conquista poderia ser interessante do ponto de vista científico. Mas se as instalações forem capazes de efetuar um transporte através de cinqüenta mil anos, julgo recomendável um ataque imediato a ela. Mas acho que não são, não é mesmo? Lançou um olhar para Marshall. Este sacudiu a cabeça. — De forma alguma. Quanto a isso não existe a menor dúvida. Seu raio de ação depende de certas leis que nem mesmo Frasbur conhece. O transmissor gigante de Vario é o único estruturado de tal forma que permite um recuo de cinqüenta mil anos para o passado. E é aqui que os senhores da galáxia recrutam seus soldados para a luta contra os maahks. Por aqui são escolhidos os melhores técnicos, cientistas e astronautas encontrados em Lemur. Os homens são transportados para Andrômeda, onde o transmissor de Vario os transfere para o tempo real. Depois disso fazem milhares de reproduções deles por meio dos multiduplicadores. O modelo usado na reprodução

sempre é um lemurense muito bem treinado, pertencente ao tempo em que nos encontramos atualmente. — Sabemos disso há algumas semanas — respondeu nosso físico-chefe, que sempre andava mal humorado. — É só o que tem a dizer? Marshall ficou calado. Voltou-se novamente para mim. Não pude deixar de fazer uma observação. — Não venha me dizer que um terrano-presa deve dar a solução. Perry prendeu a respiração, apavorado. Marshall pigarreou fortemente, e Holfing deu uma risada desavergonhada. Uma única pessoa teve coragem de manifestar ruidosamente sua alegria. Foi Icho Tolot. As gargalhadas do gigante de Halut eram tão estrondosas que fizeram tilintar os revestimentos dos instrumentos. Assim que passou o furacão acústico e os presentes tiraram as mãos de cima dos ouvidos, Rhodan sorriu para mim com a expressão matreira que era típica dos terranos. — Meu exemplo poderá servir-lhe de consolo. Afinal, para meus homens sou simplesmente o velho. — Será que a gente nunca tem sossego nesta espelunca? — gritou Gucky. — É claro que você é um terrano-presa. Pegamos você por aí e o conservamos vivo no seio da mãe. Acha que é pouco? Para mim estes arcônidas cósmicos sempre foram uns fe... — Gucky! — piou Lemy Danger, apavorado. Mal se conseguia ouvi-lo. — Está bem. Sempre me cheiraram bem. Está satisfeito, anão envenenado? Lançou um olhar furioso para o general-de-divisão e especialista da USO e enrolou a cauda. Logo voltou a dormir. — Que sujeito impertinente de pêlo piolhento! — observou o Coronel Melbar Kasom, indignado. Tratava-se de um homem-gigante adaptado ao ambiente, vindo de Ertrus. — Ainda acabo virando o pescoço dele. Melbar cerrou os punhos enormes, num gesto de ameaça para o rato-castor, que roncava fortemente. — O senhor pode dar-se por feliz porque ele não ouviu o que disse — observou Perry. — Não deixem o baixinho nervoso. Lemy cochichou alguma coisa que soava como forma imprópria de exprimir-se, ofensa à dignidade humana e atitude típica de um rato-castor. Com isso o caso estava liquidado. Quanto a mim, continuava a ser um terrano-presa. Mas não tive tempo para expor meus planos. No ano 49.988 antes de Cristo as pessoas vindas do tempo real podiam estar cheias de boas intenções, mas o poder estava nas mãos dos seres dos quais descendíamos: os lemurenses. Atacaram com tamanha fúria que por um instante tive a impressão de que a Frota Solar estava perdida no passado, e escolhera justamente a Crest III como alvo de suas investidas. Vieram tão depressa e numa formação tão exata que só mesmo os humanos seriam capazes disso. Não nos deram a menor chance. É bem verdade que o ataque não foi dirigido contra nós, mas contra o estaleiro cósmico MA-genial, que circulava em torno do sol gigante Redpoint, a uns oitenta quilômetros do lugar em que nos encontrávamos. Mas só percebemos isso quando chegamos à sala de comando.

3 Naturalmente o ultracouraçado terrano há alguns dias se encontrava em estado de semiprontidão. Por isso os cinco mil tripulantes não levaram mais de um minuto para ocupar seus postos. Os avisos de que os diversos setores estavam preparados para entrar em ação foram chegando em rápida seqüência, e eram confirmados pelo dispositivo automático da sala de comando. O número das luzes de controles verdes que se acendiam aumentava constantemente. Quando coloquei o capacete pressurizado e encostei os abafadores de ruído em concha aos ouvidos, já ouvi as primeiras ordens precisas sendo transmitidas na freqüência do comando. O alarme geral fora dado pelo segundo oficial cosmonáutico, Major Sedenko. Assim que os rastreadores automáticos transmitiram a informação de que um objeto fora detectado, ele apertara os botões que transformaram a Crest III numa máquina de guerra dotada de um incrível poder de destruição. Saltei para cima de minha poltrona anatômica e apertei o botão de acionamento dos cintos automáticos. Algumas experiências bastante dolorosas já nos tinham mostrado quais eram os efeitos produzidos pelas baterias energéticas dos costados do ultragigante. Dificilmente havia alguém a bordo que não tivesse sofrido contusões ou até mesmo fraturas por causa disso. Quando o gigante esférico da Frota Solar fazia sair as torres de canhões, e estes despejavam seu fogo atômico, até parecia um fim de mundo. Apesar dos abafadores de ruído, ouvi o bramido dos vinte propulsores instalados na protuberância equatorial da nave. Nosso engenheiro-chefe, Dr. Bert Hefrich, não esperara que alguém lhe desse ordem para ligar os conjuntos. Colocara os geradores e propulsores à potência máxima. Dessa forma a Crest III estava em condições de combater e manobrar quando os lemurenses dispararam o primeiro tiro energético. Mas a mesma coisa não se podia dizer do estaleiro MA-genial. Havia mil e cem andarilhos a bordo do monstro voador. Eram os engenheiros mais competentes que já tínhamos encontrado. Além disso eram bons combatentes, mas sua competência nesta área nem de longe podia ser comparada à dos soldados de elite terranos. Na Crest III não houve nenhum erro no manejo dos comandos, nenhum nervosismo exagerado, nenhuma pergunta supérflua. Os cinco mil homens que tripulavam a nave terrana podiam transformar-se numa questão de segundos de individualistas inveterados num só corpo e num único cérebro, evitando qualquer possibilidade de erros. A única coisa que contava eram as ordens vindas da sala de comando, que era guarnecida por oficiais que tinham pelo menos dez anos de experiência espacial em condições extremamente adversas. Além disso esses homens pertenciam à elite terrana, e por isso dominavam a nave até o último controle de emergência. O grau de treinamento dos terranos era insuperável. Não havia a menor dúvida de que o ataque dos lemurenses era dirigido contra a plataforma cósmica. As telas do sistema de rastreamento mostraram vinte e oito pontos

verdes, que foram captados imediatamente pelo rastreamento ultra-luz, que os converteu em desenhos de alto relevo. Alguém informou que as naves especiais da frota de patrulhamento lemurense que operava em torno de Kahalo deviam ter recebido uma indicação exata da posição da plataforma por ocasião da última missão dos mutantes, senão as vinte e oito unidades atacantes não poderiam ter aparecido diretamente nas proximidades de Redpoint. Era uma informação supérflua, pois todo mundo era capaz de imaginar que o súbito aparecimento das naves inimigas não devia ter sido um acaso. Elas realizaram um vôo bem orientado. O fato é que os gigantes esféricos de Lemur puderam abrir fogo quatorze segundos depois de terem retornado ao espaço normal. Como tínhamos penetrado o mais profundamente possível na gravisfera do sol gigante, verificou-se um fenômeno bastante raro. O setor espacial próximo à estrela estava repleto de gases ionizados e partículas irradiadas. Formavam o ambiente que permitia a detecção ótica das trilhas energéticas dos canhões inimigos. Fomos brindados com um prazer bastante duvidoso: tivemos oportunidade de fazer a observação direta das linhas de tiro. Não dependíamos da conversão em imagem realizada pelos rastreadores energéticos, como de costume. No espaço livre, os rastreadores eram a única possibilidade de acompanhar os tiros energéticos. Todas as vinte e oito naves eram gigantes esféricos de mil e oitocentos metros de diâmetro. O comandante lemurense da frota de patrulhamento de Kahalo, Almirante Hakhat, não fora nada mesquinho na escolha dos meios. No entanto, o comandante do grupo atacante parecia ter cometido um pequeno erro. Evidentemente não poderia esperar a presença de uma estação cósmica. Para mim não havia dúvida de que recebera ordem de surpreender a Crest num ataque-relâmpago. Mas para realizar um ataque de artilharia com tamanha rapidez e precisão seria necessário programar as miras automáticas e o sistema de disparo antes do vôo de programação. Acontece que os instrumentos, guiados pela lógica típica do robô, tinham reagido ao maior dos dois objetos detectados. Os comandantes lemurenses não seriam capazes de em alguns segundos modificar a programação e transmitir aos computadores positrônicos a informação de que a Crest III era mais importante que o estaleiro cósmico. Ainda bem! Os terranos comandados por Rhodan pareciam mesmo ter mais sorte que eu tivera nos dez mil anos de minha vida. Enquanto acelerávamos com a potência máxima, fazendo sair a nave da área de influência direta do sol, com os propulsores chamejantes, os lemurenses prosseguiam no ataque que já tinham iniciado. Certamente tinham compreendido que depois de nossa reação-relâmpago não adiantaria mais usar os controles manuais. Mas logo percebi que quinze dos gigantes esféricos que se deslocavam a metade da velocidade da luz foram arrancados da rota numa manobra arrojada e passaram a seguir um curso diferente. O centro de computação positrônica da nave não levou mais de quatro segundos para comunicar que a nova rota dos lemurenses acabaria numa batalha em que seriam disparadas as baterias de costado de ambos os lados. Portanto, os homens competentes que tripulavam as naves lemurenses tinham calculado com uma rapidez incrível a manobra de adaptação e usado seus pilotos automáticos. Mas o Coronel Cart Rudo, um homem natural de Epsal, cujas reações eram tão rápidas como as de Melbar Kasom, não era o tipo de comandante que se deixava

impressionar por medidas como estas. Sabia perfeitamente que não poderia assumir o risco de entrar numa batalha prolongada, com uma constante troca de tiros. A arma principal dos lemurenses era uma peça de artilharia que tinha certa semelhança com nossos canhões conversores. Era quase impossível neutralizar seus campos defensivos vermelhos, e já tínhamos feito experiências bastante desagradáveis com a capacidade de aceleração de suas naves. Rudo resolveu interromper a fuga, invertendo os jatos durante nove segundos e imobilizando a nave. Nem pensava em acelerar de novo. Um sorriso largo cobriu seu rosto. Dali a pouco os rádio-capacetes usados em batalha transmitiram sua voz. — Neste momento os dispositivos automáticos dos lemurenses se esforçam para calcular nossos prováveis movimentos. Além disso poderemos usar vários níveis de aceleração. Não se trata de um problema que um robô capaz de usar de vinte a trinta mil alternativas possa processar, quanto menos resolver em termos práticos. Atenção, centro de artilharia. Permaneceremos no ponto em que nos encontramos, até que essa gente que vem em alta velocidade se tenha aproximado o suficiente para que valha a pena sairmos em qualquer direção e velocidade. Todos os tipos e calibres poderão abrir fogo. Coloquem um giga-anel à frente dos tefrodenses que se aproximam. As naves que operam nas proximidades de MA-genial só serão atacadas com armas normais. Rhodan virou o rosto para mim. Estava com a testa coberta de suor. As medidas que Rudo acabara de adotar eram típicas de um comandante que conhecia perfeitamente os pontos fracos dos equipamentos automáticos. Os lemurenses, que se aproximavam desenvolvendo metade da velocidade da luz, realmente estavam enfrentando um problema tremendo. A esta velocidade as coisas eram bem diferentes do que durante a movimentação na atmosfera de um planeta. MA-genial abriu fogo com alguns canhões leves. Tive a vaga impressão de que a gigantesca plataforma logo deixaria de existir. A Crest III sacudiu-se. Ouviu-se um forte rugido, que atravessou meus tapaouvidos. Os cintos de segurança penetraram em nossas carnes. O Major Cero Wiffert, chefe de artilharia especializado nas peças da nave gigante, criou um arco de noventa graus formado pela explosão das bombas de fusão, cuja potência chegava a um trilhão de toneladas de TNT por unidade. Os lemurenses, que se encontravam a pouco menos de dois quilômetros de distância, conseguiram uma coisa de que até então nenhum povo de astronautas fora capaz. O comandante do pequeno grupo de naves devia ter imaginado, ou previsto com base nas experiências com os hábitos dos terranos, qual era a desgraça que o esperava. A manobra violenta com a qual retirou as quinze naves gigantes sob seu comando da rota fixada, levando-as num ângulo de noventa graus para o setor vermelho, foi uma verdadeira obra de arte. Aquelas naves não eram dirigidas por dispositivos robotizados, mas por seres humanos pensantes, que naquela época eram chamados de lemurenses. Era uma peça de tática de manobra terrana de primeira categoria, um trabalho militar e cosmonáutico feito sob medida, segundo o sentimento, que não podia ser aprendido, muito menos calculado. Era um sentimento que a pessoa possuía ou não possuía.

Cart Rudo praguejou. Percebeu que não poderia sustentar por muito tempo o jogo parado, que lhe proporcionava uma boa pontaria. Aproveitou a chance única que lhe era proporcionada pela manobra dos lemurenses. Acelerou ao máximo, usou os controles manuais para aumentar a potência dos propulsores e saiu em alta velocidade na vertical, com um deslocamento lateral para o setor verde. Passamos por baixo dos sóis artificiais em expansão formados pelas explosões da primeira gigassalva. De repente o estaleiro voador voltou a aparecer em nossos rastreadores. Estava reduzido a um montão de destroços fumegantes, sobre o qual as baterias de costado de treze unidades lemurenses continuavam a despejar seu fogo. Os lemurenses tinham conseguido uma batalha constante, de bordo a bordo. Além disso mantinham-se tão bem abrigados atrás da estação espacial que não pudemos usar as pesadas armas conversoras de nossa nave. — Ajustem as miras para as treze naves que se encontram junto a MA-genial — ordenou Rhodan. A obra mais formidável da construção astronáutica terrana voltou a ser sacudida. Preferi não dizer uma palavra que pudesse representar uma interferência nos acontecimentos. Os homens que me cercavam sabiam o que estavam fazendo. Tinham passado milhares de vezes por situações semelhantes. Nossos raios de impulsos, de vibração e de desintegração também se tornaram visíveis. Propagavam-se a velocidade próxima à da luz, afastando a micromatéria da estrela gigante tão próxima, e atingiram o alvo com uma incrível precisão. Duas naves lemurenses explodiram, liberando energias equivalentes às de um pequeno sol. O fogo concentrado em um único ponto rompera os campos defensivos vermelhos, embora estes se assemelhassem aos nossos campos de hiper-carga. Mais uma vez se confirmara a velha regra segundo a qual um bom campo defensivo só podia ser rompido com o fogo concentrado num lugar. A estação espacial teve uma pequena folga, mas seu destino logo se consumou. Vimos o tremor dos rastreadores energéticos que funcionavam a velocidade ultraluz e tinham detectado uma quantidade enorme de energia liberada. Dali a instantes fomos alcançados pela luz. Os dispositivos óticos externos mostraram que tínhamos chegado tarde. O estaleiro voador MA-genial, cuja tripulação tínhamos salvo com enormes dificuldades, transformara-se numa bola de fogo, cujo centro era branco-azulado, enquanto as bordas brilhavam num vermelho vivo. — Mudar de rumo. Rápido. Potência máxima — disse Rhodan. Estava com o rosto pálido como cera. Fiquei sem saber se naquele momento estava preocupado com o destino dos mil e cem andarilhos, ou com o fato de que tínhamos perdido nossa única base no passado mais depressa do que a havíamos encontrado. Trilhas luminosas violetas saíram detrás da bola de fogo que crescia constantemente, descrevendo um rápido movimento de rotação. Dali a pouco algumas bombas de fusão superpesadas explodiram bem à nossa frente. Só podiam ter sido lançadas pelos canhões lemurenses, parecidos com nossos canhões conversores. Alguns sóis artificiais interpuseram-se no nosso caminho. Gases em expansão impelidos por ondas de pressão estendiam-se na direção da Crest, ameaçando destruí-la.

Rudo nem pensou em executar uma manobra como aquela com a qual os lemurenses se tinham desviado dos tiros disparados por nossas baterias de costado. Não se via mais nenhum sinal destas naves. Tive certeza de que seus tripulantes ficaram inconscientes ou foram mortos por causa da súbita falha das unidades geradoras e dos neutralizadores de pressão forçados ao máximo. Uma manobra forçada como a que eles tinham realizado liberava energias mecânicas que afetavam qualquer nave. O epsalense não demorou a tomar uma decisão. Se a Crest fosse destroçada, não escaparíamos da morte. Não havia alternativa. Tinha de arriscar-se a atravessar a fogueira atômica. Alguns homens gritaram. Rudo descobriu uma brecha entre duas bombas nucleares que estavam explodindo e fez a Crest entrar nela, acelerando ao máximo. Agarrei a braçadeira da poltrona. Sóis chamejantes apareceram nas telas. Fomos atingidos por terríveis ondas de pressão, que sacudiram o casco da nave, ameaçando rompê-lo. As energias liberadas no interior do campo de hipercarga foram tão violentas que até mesmo esta arma defensiva deixou de funcionar. O campo energético verde tremeu e desmoronou. As unidades geradoras sobrecarregadas levaram apenas um microssegundo para transferir sua energia para os campos defensivos normais. Mas já tínhamos passado. Atrás de nós as bolas de fogo se condensaram num anel compacto de destruição. Tínhamos conseguido por pouco. Oitenta ou cem informações catastróficas chegaram ao mesmo tempo. Rhodan bloqueou todas as linhas. Só manteve aberto o contato com o controle central das máquinas. A Crest ainda vibrava, isso apesar dos equipamentos giratórios que tinham entrado em ação ao lado dos estabilizadores energéticos. Foi a prova mais dura a que o ultracouraçado já tinha sido submetido. — Controle I chamando sala de comando. Os propulsores três, nove e dezenove falharam por causa da sobrecarga mecânica. Reparos em andamento. Sete reatores foram arrancados dos suportes. O fluxo de energia foi interrompido pelo dispositivo automático. Perdas de pressão constatadas em quarenta e dois compartimentos externos. Os comandos anti-vazamento estão a caminho. O campo defensivo de hipercarga voltará a funcionar dentro de três minutos. Recomendo encarecidamente que se realize uma manobra de esquivamento. Fim da transmissão. — Podemos chamar isso de fuga — disse Rhodan, calmo. — Rudo, .prepare a manobra linear e execute-a sem um destino definido. Se voltarmos a entrar no fogo cruzado deles, estaremos liquidados. Era uma medida sensata. Muito sensata até para um terrano teimoso como Perry Rhodan. Se estivesse em seu lugar, nem teria tentado ajudar o estaleiro cósmico. Não havia a menor chance para isso. Os canhões de polarização invertida dos lemurenses eram quase tão eficientes quanto os canhões conversores terranos. O manejo da mira era bem mais complicado, mas os efeitos dos petardos explosivos lançados a velocidade ultraluz eram tão devastadores quanto os de nossas gigabombas. A Crest III seguiu em alta velocidade para o pequeno companheiro do gigantesco sol vermelho, usando os propulsores que continuavam intactos. Ouvi um zumbido vindo de trás. Era o computador positrônico da sala de comando, que descobriu com base em nossos catálogos estelares um setor espacial cuja densidade estelar garantiria uma chegada relativamente segura.

Os lemurenses saíram em nossa perseguição e o Major Wiffert disparou mais uma salva de gigabombas. Mas desta vez não usou a tática anterior, que consistia em formar uma parede de fogo exatamente na rota do inimigo. Trinta bombas de mil gigatons disparadas pelas baterias de costado do lado verde materializaram poucos quilômetros à frente do grupo de naves inimigas, que se deslocavam em formação pouco compacta, e explodiram. Desta vez os lemurenses não tiveram tempo para desviar-se. Ainda chegamos a ver pelo menos cinco naves serem devoradas pelos sóis artificiais. Não foi possível fazer a interpretação dos dados, pois neste exato momento a Crest saiu do universo einsteiniano, protegida por seu formidável campo kalupiano, penetrando na área de libração situada entre a quarta e a quinta dimensão. Finalmente estávamos em segurança — ou quase! Ainda não me esquecera de que certa vez fôramos perseguidos e atacados por naves especiais em pleno espaço linear. O vôo a velocidade ultraluz durou onze minutos. As telas voltaram a iluminar-se, mostrando que acabávamos de sair perto de um sol geminado verde-azulado. Os propulsores continuavam a rugir. Micropartículas se acendiam e eram consumidas no interior do campo defensivo de hipercarga, que voltara a funcionar. No centro da Via Láctea sempre se devia contar com a possibilidade de sair numa proximidade perigosa de um sol, ou ser moído pela micromatéria. Quando isso acontecia, era necessário reduzir imediatamente a velocidade. Não podíamos arriscar-nos a produzir avarias na nave. Rudo usou toda a potência dos propulsores em sentido contrário ao deslocamento da nave, para reduzir a velocidade com que estávamos voltando ao espaço normal. O brilho dos campos defensivos diminuiu. Quando acabou de vez, tirei os cintos de segurança, abri o capacete e coloquei a poltrona na posição vertical. O silêncio reinava na sala de comando. Rhodan enxugou o suor da testa. Olhava fixamente para as telas, que ainda há pouco mostravam quadros de horror. Olhei em volta. Parecia que ninguém julgava necessário fazer qualquer observação. Os homens que tripulavam a Crest sabiam perfeitamente até onde podiam chegar. E desta vez tinham ido longe demais. Achei que já estava na hora de fazer algumas observações que combinavam com meus planos. Talvez não fosse muito bonito aproveitar a depressão que tomara conta daqueles homens para aplicar meu golpe psicológico. Mas era a única possibilidade de mostrar a estes combatentes empedernidos quais eram nossas chances. Levantei e apoiei o braço no encosto da poltrona. — Desta vez ainda escapamos, amigos. Até mesmo os mais teimosos entre nós já devem ter percebido que não conseguiremos manter-nos indefinidamente diante da superioridade de forças da frota lemurense. Seremos caçados sem parar. Há de chegar a hora em que não poderemos fugir mais, e então os belos sonhos de nosso regresso ao tempo real terão chegado ao fim. Encontramo-nos numa situação de evidente inferioridade diante dos lemurenses. — O que é isso? — interrompeu Perry. — Desde quando você considera um fato que não pode ser mudado tão importante que tem de enfatizá-lo dessa forma? — Eu já ia fazer essa pergunta — observou Cart Rudo com um olhar desconfiado. Vi que o sistema de intercomunicação geral continuava ligado. Minhas palavras eram ouvidas em todos os setores da nave.

— Nunca achei que valesse a pena falar sobre fatos que não podem ser mudados — prossegui com a maior calma. — Quer dizer que não acho que a situação em que nos encontramos seja imutável. Não existe mais nenhuma possibilidade de voltarmos para Andrômeda fazendo um ataque-relâmpago a Kahalo. É o que o Almirante Hakhat está esperando. Os agentes do tempo a serviço dos senhores da galáxia fizeram com que nossos antepassados acreditassem que somos inimigos perigosos. Se quisermos continuar na situação em que nos encontramos, só poderemos rastejar de uma estrela para outra, esquivando-nos das naves que aparecerem por aí, à espera de um milagre. Além disso teremos de providenciar para que nossas reservas de mantimentos sejam completadas, os tanques de água potável sempre estejam cheios e os reparos possam ser feitos com os recursos encontrados na própria nave. Não temos acesso à Terra ou a qualquer planeta que serve de base à frota lemurense. — Aonde quer chegar, almirante? — perguntou Icho Tolot com sua voz estrondosa. O gigante de quatro braços natural de Halut estava de pé, com as pernas afastadas, fitando-me com seus gigantescos olhos esféricos. Não deixei que isso me perturbasse. Era necessário malhar o ferro enquanto estivesse quente. E no momento estava. — Em princípio não importa que nos encontremos no ano 49.988 antes de Cristo, ou no ano 49.488. Seriam quinhentos anos de diferença. Para a humanidade do tempo real trata-se de um deslocamento insignificante no tempo, que não faz a menor diferença. Para ela continuamos perdidos no passado. — Acho que já começo a compreender — observou Gucky. — Você quer tirar vantagem de nossas vitórias parciais, não é mesmo? Não lhe dei atenção. Rhodan reagiu de uma forma muito mais interessante. Olhou para mim com um sorriso irônico no rosto. — Já que começou, gostaríamos de ouvir o fim do discurso — disse. — Não temos outra saída senão através de Frasbur — prossegui num tom um pouco mais violento. — Temos de encontrar um meio de conquistar o transmissor de tempo intermediário instalado em Tanos VI, ou ao menos fazer com que ele nos transfira quinhentos anos para o futuro relativista. Se conseguirmos interpor estes quinhentos anos entre nós e a frota dos lemurenses, estes deixarão de existir. O perigo que representam será eliminado. Estaremos em condições de enfrentar eventuais grupos remanescentes que não puderam ser evacuados. Para mim o mais importante é que um deslocamento de quinhentos anos no tempo é o que precisamos para resolver nossos problemas. Se conseguirmos avançar para o futuro, poderemos tentar calmamente chegar à nebulosa de Andrômeda através do transmissor dos cem sóis. Não haverá mais ninguém que possa incomodar-nos. O Almirante Hakhat e a frota de vigilância de Kahalo por ele comandada só permanecerão na memória de alguns descendentes colonos, sob a forma de lendas. A reação de Rhodan foi exatamente a que eu esperara. Contemplou as pontas dos dedos, passou o polegar pela emenda das luvas pressurizadas, que apresentava um defeito na colagem, e disse: — É a fadiga do material. Qual será a causa? Fiz um esforço para não perder o autocontrole. Não adiantaria ficar zangado por causa de seu comportamento. Minha sugestão certamente o pegara de surpresa. Quem respondeu às minhas palavras foi o Tenente-Coronel Brent Huise, um terrano ruivo com o corpo de um peso-pesado. Soube exprimir aquilo que Rhodan certamente sentia intuitivamente.

— Será que o senhor ainda não compreendeu que estamos saturados de experiências temporais de todos os tipos? Não quero ser indelicado, mas só entrarei nessa máquina forçado. — Neste ponto o senhor tem razão — disse Rhodan para minha grande surpresa. — Não é necessário que vá espontaneamente. Se for o caso, receberá ordens terminantes para isso. Huise engoliu em seco e ficou vermelho. O intercomunicador deu um estalido. O rosto do matemático-chefe, Dr. Hong Kao, apareceu na tela. Era um terrano pequeno e agitado, que adquirira uma triste fama por causa de suas idéias arrojadas. Por isso Rhodan dirigiu a palavra ao cientista antes que ele pudesse abrir a boca. — Não venha me dizer que o senhor acha que esta loucura é uma boa idéia, doutor. — Sinto muito, senhor. Acho que é uma excelente idéia. Seria mesmo recomendável que fugíssemos da época perigosa em que nos encontramos, para daqui a quinhentos anos tentar conquistar o transmissor central, partindo do anonimato. A frota de vigilância que opera em torno de Kahalo não nos incomodaria mais. — Será que todo mundo enlouqueceu? — exclamou Perry e saltou da poltrona. — Como iríamos conquistar um transmissor de tempo intermediário do qual nem sabemos onde se encontra? Mesmo que descobríssemos, certamente estaria sendo vigiado. Ou será que o senhor pensa que seremos recebidos de braços abertos por alguém que só pensa em ouvir nossos desejos e regular o aparelho segundo os mesmos? — Por enquanto só temos de resolver se aceitamos a idéia ou não, terrano — retruquei. — Uma vez concebido o plano, sua execução será outra coisa. Dentro de algumas horas saberemos qual é o planeta designado como Tanos VI. Frasbur está ansioso para atrair-nos para este sistema. Assim que o tivermos identificado, poderemos dar início à operação. Rhodan atravessou a sala de comando sem dizer uma palavra. Um robô abriu uma pequena escotilha, atrás da qual ficava o sistema de transporte rápido por tubos. Perry entrou, pegou as alças que ficavam em cima da escotilha e saltou para dentro do tubo. Quando estava somente com a cabeça de fora, gritou: — Quem dera que eu pudesse bater esta porta, para mostrar como me sinto. Acontece que a escotilha automática só se fecha automaticamente. Peço, portanto, que façam de conta que bati a porta. Isto vale principalmente para você, terrano-presa. — Quem dera que você machucasse os dedos — respondi, furioso. Rhodan fez um gesto de pouco caso, apertou o botão que acionava o sistema de transporte e desapareceu. A única coisa que vimos foi a luz de controle do campo de impulsão que se acendeu. Melbar Kasom veio para perto de mim. Esperou que as discussões entre os tripulantes da Crest III atingissem o auge. Muita gente era a favor de meu plano, mas havia alguns que o rejeitavam. Icho Tolot estava de pé atrás da parede blindada transparente que dividia a sala de comando, introduzindo dados no computador de reserva. Imaginei que o halutense estava do meu lado. Minhas palavras certamente tinham despertado a sede de aventura que era uma das características de sua raça. — Se necessário, resolveremos isso com duas ou três corvetas — disse Melbar Kasom. — Acho que no fundo Rhodan não concorda com a proposta porque tem medo de que algo possa acontecer com a Crest. Se não me engano, a esta hora está correndo de

um lado para outro em seu camarote, que nem um tigre enjaulado, à procura de um meio de harmonizar a segurança da nave com o plano de ataque. — Isso não é possível. Teremos de assumir um grande risco. — E os mutantes? Fiz um gesto de recusa. — Os mutantes são uma grande força, mas existem coisas que não podem fazer. Não se esqueça de que esta gente instável já falhou mais de uma vez. Trata-se de um problema que terá de ser resolvido pelo homem normal — e este deverá usar todos os recursos de que pode dispor. Vamos aguardar. Venha comigo. Estou com fome. — As iguarias da USO estão terminando — queixou-se Kasom, que era o maior comilão a bordo da nave. — Um dia ainda seremos obrigados a engolir mingaus sintéticos. Quando isso acontecer, lembre-se de mim, senhor. — O senhor deveria solicitar o envio de uma nave cargueira com mantimentos — respondi em tom mordaz enquanto caminhava em direção à saída. Icho Tolot ainda estava trabalhando no computador. O halutense representava minha grande esperança. Marshall e Gucky, que eram telepatas, já tinham desaparecido. Provavelmente estavam prosseguindo no interrogatório, através do qual pretendiam arrancar os últimos segredos da memória de Frasbur. Onde ficava mesmo o sistema de Tanos? Seria capaz de apostar a cabeça de que nós o conhecíamos, mas sob outro nome.

4 Do ponto de vista lógico não havia nenhuma objeção válida contra meu plano. Para nossas tropas que continuavam no tempo normal era totalmente indiferente que nos encontrássemos nesta ou naquela dimensão do passado. De qualquer maneira, não podiam fazer nada por nós. Nós, que éramos os prisioneiros do tempo, tínhamos de cuidar de nós mesmos. Não tínhamos possibilidade de conquistar o transmissor dos seis sóis, e além disso não havia dúvida de que acabaríamos sendo destruídos por um grupo de naves lemurenses. Por isso era perfeitamente razoável que fugíssemos da época em que nos encontrávamos. Só tínhamos a ganhar. Quanto a isso não havia a menor dúvida. O importante era convencer Perry de que o plano tinha chances de ser bem-sucedido e entusiasmar os homens da Crest com o mesmo. Se os nativos da Terra tomam uma decisão, eles não se afastam dela. Nada os impede de passar do plano à ação. Havia um número muito grande de especialistas de primeira categoria a bordo, e assim seria de admirar se não conseguíssemos conquistar a base instalada em Tanos VI, ou pelo menos utilizá-la em nosso benefício. Mais uma vez estávamos circulando em torno de um sol desconhecido, situado no anel periférico do centro galáctico. Os sóis ficavam tão próximos um do outro que os erros de navegação se tornavam inevitáveis. Os lemurenses tinham desaparecido. Haviam perdido nossa pista. Entrei na cabine espaçosa em cujo interior Frasbur estava instalado há alguns dias, juntamente com Perry, Icho Tolot e os principais cientistas da Crest. Frasbur tinha de ser alimentado artificialmente. Era um artista de primeira, com grandes reservas de energia, que utilizava sem contemplação. Sua pele morena aveludada esticou-se em cima dos maxilares. As mãos muito magras eram um sinal de que levava a sério o papel que estavam desempenhando. Gucky, John Marshall e o hipno André Noir também se encontravam presentes. Fazia meia hora que John comunicara que conseguira arrancar os últimos segredos de Frasbur, sem que ele o percebesse. Ficamos sabendo que a base do tempo dos senhores da galáxia era guarnecida por cerca de quinze tefrodenses altamente qualificados pertencentes ao tempo real. Já sabíamos da existência do transmissor de tempo intermediário antes que fosse destruído o estaleiro voador. Além disso descobrimos que a base instalada em Tanos VI também dispunha de um transmissor de matéria comum, que permitia o transporte de um mundo para outro, independentemente da época em que a pessoa se encontrasse. Eram fatos importantes, mas não decisivos. O maior segredo de Frasbur também fora desvendado. Este segredo serviria para destruir-nos, depois que nos tivesse atraído para o sistema de Tanos, contando a verdade. Tratava-se de um gigantesco forte, especialmente construído para derrubar objetos voadores vindos do espaço. As instalações da fortaleza trabalhavam com a energia retirada de um gigantesco sol azul. Se nos aproximássemos do planeta sem saber da existência desse forte, sem dúvida seríamos destruídos. Não havia como defender-se das energias de um sol, irradiadas depois de passar por um processo de conversão. Marshall

informou que o forte se encontrava no pólo norte do planeta, e era inteiramente automatizado. Conhecia esse tipo de instalação da época áurea do Império Arcônida e sabia perfeitamente que no caso de um ataque não teríamos tempo para antecipar-nos ao bombardeio, destruindo as instalações. Era um problema que tinha de ser resolvido antes que fosse tarde. André Noir fez um sinal. Frasbur estava deitado na cama, indiferente ao que se passava em torno dele. Estava com os olhos semicerrados; de vez em quando dizia algumas palavras desconexas ou soltava um grito. Esforçava-se para assumir a atitude típica de um homem que estivesse submetido a uma influência sugestiva. Até se lembrou de vez por outra fingir-se de revoltado no seu subconsciente, dando a impressão de que usava as forças que ainda lhe restavam para resistir às paraenergias. Tivemos o cuidado de não dizer uma única palavra que pudesse revelar que sabíamos o que se passava em seu interior. Ainda precisávamos dele, e por isso tínhamos de levá-lo a acreditar que podia cumprir seus planos, levando-nos à destruição. Os oficiais cosmonáuticos da Crest levaram várias horas estudando as últimas informações de Frasbur. Ele as fornecera voluntariamente, e parecia muito interessado em transmitir dados precisos sobre a situação do sistema de Tanos. As informações eram tão claras e detalhadas que não tivemos maiores dificuldades. Frasbur não podia saber qual era o nome que dávamos ao sistema de Tanos. Por isso não poderia de forma alguma explicar diretamente do que se tratava. Mas como possuía um amplo treinamento cosmonáutico e astrofísico, ele dissera a si mesmo que um grupo de especialistas competentes como o da Crest certamente descobriria aonde queria chegar. Dessa forma acabara revelando um número cada vez maior de dados que nos poderiam servir para alguma coisa, fazendo sempre de conta que estava sendo dominado por uma força sugestiva. Fizera uma descrição exata da estrela gigante. O tamanho, a temperatura da superfície, o tipo da estrela e certos dados físicos nos forneceram as primeiras indicações. Mas havia muitos gigantes azuis do mesmo tipo. O agente do tempo também sabia disso. Poderia haver um engano capaz de frustrar todos os planos. A primeira indicação exata que recebemos foi o número de planetas, fornecido por Frasbur. Pelo que dizia, a estrela gigante chamada Tanos tinha quarenta e dois acompanhantes. O número oito era um mundo colonial dos lemurenses, densamente povoado. O número nove possuía uma base, e o número seis era uma selva infernal próxima ao sol, onde reinavam temperaturas elevadas. Depois disso Frasbur levara mais três horas para deixar que lhe “arrancassem” outras informações. Depois disso já não havia a menor dúvida, ainda mais que Frasbur lançara seu último trunfo, que era a distância entre a Terra e o sistema de Tanos. O sol azul chamado Tanos pertencia ao sistema de Vega, que ficava a vinte e sete anos-luz da Terra. Era uma estrela com quarenta e dois planetas. Conhecíamos seu oitavo mundo pelo nome de Ferrol, enquanto ao nono planeta déramos o nome de Rofus. Os dados fornecidos por Frasbur conferiam exatamente com nossos registros. O sexto planeta constava de nossos catálogos com o nome de Pigell. Tratava-se de uma selva infernal, ainda virgem, na qual reinavam temperaturas extremas. O sol Vega era a primeira estrela da qual os terranos se tinham aproximado. Consultei a crônica e constatei que Rhodan partira em fins do século vinte numa nave auxiliar arcônida chamada Good Hope e descobrira os ferronenses. A esta hora já sabíamos que estes eram descendentes de colonos lemurenses, que tinham passado por

um processo de mutação bastante acentuado, e que durante a retirada dos homens de que descendiam tinham sido deixados no oitavo planeta. A existência deste povo no tempo real era a melhor prova de que a ofensiva em grande escala que os halutenses tinham lançado contra os sistemas mais próximos à Terra não fora um sucesso total. Nem mesmo estas máquinas de guerra vindas do centro da Via Láctea tinham conseguido exterminar de vez a raça humana. Só tínhamos comparecido à cela de Frasbur para com nosso comportamento dar-lhe a segurança que ainda faltava para acalmá-lo de vez. Era um plano de Perry. Este terrano de olhos cinzentos me procurara depois de uma ausência que se prolongara por várias horas e assim que entrara em meu camarote dissera algumas grosserias. Após isso dissera que deveríamos interessar-nos pessoalmente pelo agente do tempo. Era o que estávamos fazendo naquele momento. Perry inclinou-se sobre o tefrodense. Notei que Frasbur continuava a esforçar-se para fazer o papel da pessoa submetida a uma influência estranha. Mas por mais que se esforçasse, não pôde deixar de lançar um olhar de curiosidade para o mais perigoso dos seus inimigos. Rhodan fez de conta que não tinha visto nada. Melbar Kasom sorriu. Lancei-lhe um olhar de recriminação, e seu rosto logo voltou a ficar impassível. O Dr. Ralph Artur leu as indicações dos aparelhos automáticos que mediam constantemente as funções orgânicas de Frasbur. O médico parecia preocupado. Falou aos cochichos. — Pressão sangüínea de oitenta por cento e dez. É baixa, senhor. O pulso é lento e inconstante. Os problemas respiratórios são evidentes. Tive de fazer alguma coisa para reforçar a circulação. Os últimos valores metabólicos foram simplesmente miseráveis. A tortura constante está prejudicando a saúde deste homem. — Isso não pode ser evitado — disse Perry em sua defesa. — Mr. Marshall...! John adiantou-se e esboçou uma continência. Os cantos da boca de Frasbur tremeram. Não tentava sorrir, mas simplesmente dava mostras de seu nervosismo. — Tem certeza de que Frasbur disse a verdade, John? — Certeza absoluta, senhor. Perry inclinou-se ainda mais profundamente sobre o homem que fingia estar submetido a uma influência externa e passou as pontas dos dedos pela testa coberta de suor. Frasbur imediatamente soltou um grito, tentou levantar-se e balbuciou alguma coisa sobre monstros do hiperespaço. Tive de fazer um esforço para não sorrir. Não tive muita certeza de que conseguiria, e por isso preferi retirar-me para trás da cabeceira da cama, para que Frasbur não visse meu rosto. Como sempre, o Administrador-Geral foi bastante meticuloso. — Conseguiu afastar o bloqueio hipnótico? — perguntou a Marshall. John balançou a cabeça como quem não sabe muito bem o que dizer. — Para ser franco, senhor...! — Quero que seja! — Sim senhor. Não alcançamos um êxito completo. Quando tentamos aprofundar nossas pesquisas, esbarramos num obstáculo. Mas sempre conseguimos obrigá-lo a transmitir parte dos seus conhecimentos. — É quanto basta, desde que os dados colhidos sejam corretos. Será que o senhor não seguiu uma pista falsa? Compreende o que quero dizer?

— Compreendo, sim senhor. As informações fornecidas são verdadeiras. Ele se refere ao sistema de Vega. — E o transmissor de grande alcance, que permite que se penetre no fluxo do transmissor dos seis sóis sem passar por Kahalo? Realmente existe naquela base? — prosseguiu Perry em tom hesitante. O rosto estreito de Marshall continuou impassível. Por um instante Frasbur esqueceu o papel que estava desempenhando e pôs-se a escutar, prendendo a respiração. Kasom voltou a sorrir. — Tenho cem por cento de certeza, senhor. — Hum! Será que o senhor poderia descobrir mais alguma coisa quanto aos mantimentos existentes em Vega VI? Até que não seria mau se encontrássemos grandes depósitos de mantimentos. — Vamos tentar. — Tentem, sim. Rhodan endireitou o corpo. Aproximei-me dele. Não fui tão discreto como o Chefe do Império Solar. Dei um beliscão no rosto de Frasbur. Um homem normal pelo menos soltaria um gemido. O tefrodense soube controlar a dor. Levantei suas pálpebras e vi um par de olhos revirando em todas as direções. — Sofreu uma paralisia — disse a mim mesmo. — O que estamos esperando? — Seja um pouco mais delicado, lorde-almirante — exclamou o médico-chefe. Fiz um gesto de pouco caso. — Não está sentindo nada. Mr. Marshall, estou menos interessado no transmissor de grande alcance que nos armamentos de que dispõe a base. Faça tudo para descobrir alguma coisa a este respeito. Ficaria admirado se por lá não existissem armas defensivas. Preciso conhecer a força do dispositivo de defesa espacial. Dei um beliscão nas orelhas de Frasbur e voltei para o centro da cela. — Se não conseguir nada, Marshall, acorde-o e deixe por minha conta — disse Melbar Kasom. Mostrou os punhos enormes ao agente do tempo, que piscou cuidadosamente os olhos. Não tínhamos mais nada a fazer por lá. Acabara de lançar uma isca para Frasbur, e ele não deixaria de mordê-la. Era até possível que ficasse desconfiado se ninguém fizesse uma pergunta a respeito do sistema defensivo do planeta. Era um homem que sabia pensar logicamente, e por isso só poderia achar minhas preocupações perfeitamente naturais. Eram típicas de um experimentado oficial espacial. Abandonamos a cela especial do setor psiquiátrico. As portas duplas entraram nos fechos magnéticos. Quando Frasbur não nos pôde ouvir mais, tive de suportar um olhar prolongado de Rhodan. — Já lhe disse que não gostaria que você fosse meu inimigo? — Quer dizer que depois de algumas horas de bom sono você mudou de opinião? — Sono? Estava trabalhando. — Os estadistas sempre costumam dizer isso — resmungou Kasom tão alto que todo mundo ouviu. Rhodan sorriu. Nunca se zangava com uma observação desse tipo. — Não mudei de opinião, mas andei pensando nisso.

Realmente não importa em que época nos encontramos. Mas antes de mais nada temos de esclarecer uma coisa. Não quero bancar o obstinado, arcônida, mas quero ter certeza. Dei uma risada. Rhodan ficou um pouco embaraçado. Devia estar lembrado da recusa áspera que manifestara no início. Tivemos bastante sensibilidade para não fazer caso disso. O pequeno Lemy Danger olhou para Rhodan com uma expressão tão radiante que o terrano ficou vermelho. Sabia que era amado, mas um terrano normal não mostrava seus sentimentos com a mesma desenvoltura de um siganês. Homens como Kasom, Cart Rudo, Don Redhorse, Brent Huise e muitos outros tinham outra forma de demonstrar seu respeito e simpatia. Rhodan saiu andando depressa. Voltamos a encontrar-nos na pequena sala de conferência que ficava no convés equatorial. Desta vez Marshall e Gucky não estavam presentes. Ficaram perto de Frasbur, fazendo de conta que prosseguiam no interrogatório. Desta vez foi Icho Tolot que tomou a iniciativa. Ninguém quis saber por quê. Não havia a menor dúvida de que o halutense trazia consigo uma completa interpretação matelógica. — O que é que o senhor ainda quer ver esclarecido antes que seja iniciada a operação? Nosso físico-chefe, Spencer Holfing, fez um gesto de aprovação. Icho Tolot tocara no ponto exato que interessava a todo mundo. Fiquei muito satisfeito ao registrar que os terranos presentes no fundo estavam dispostos a aceitar minha proposta. Alguns deles já ardiam de entusiasmo. — Foram contaminados pela aventura — explicou o setor lógico de minha mente. — Não é de admirar, depois da monotonia das últimas semanas. — É simples — disse Perry, interrompendo minhas reflexões solitárias. — Frasbur não engana mais ninguém. Podemos fazer a interpretação racional dos dados secretos por ele fornecidos. Precisamos encontrar uma solução que seja positiva para nós. Depende de nós sairmos disso sãos e salvos. Acontece que não podemos prever o que nos espera depois do salto que nos transportará quinhentos anos para o futuro relativista. Estou pensando antes de mais nada no transmissor de seis sóis instalado no centro da galáxia. O que será que encontraremos por lá depois de quinhentos anos? — Posso garantir que não será uma frota lemurense — afirmou o Dr. Hong Kao. — Provavelmente não. — Isso já é um fator positivo — apressei-me a observar. Perry voltou a fitar-me com uma expressão irônica. — Sei perfeitamente que você é capaz de fazer pouco-caso de qualquer coisa, desde que isso interesse ao seu plano. Como estarão mesmo as coisas em torno de Kahalo? Será que os lemurenses não introduziram alguns dispositivos de segurança para evitar a entrada de pessoas não autorizadas? Icho Tolot veio em meu auxílio. Tive uma impressão vaga de que as preocupações de Perry até tinham sua razão de ser. — Acho que devemos cuidar disso no caso concreto, senhor — disse o halutense. — Não vale a pena deixar que certos fatores secundários perturbem as medidas que têm de ser tomadas. Esperemos até que estejamos naquilo que para nós vem a ser o futuro. Aí veremos o que fazer. Seria estranho se não encontrássemos uma solução. Afinal, os senhores são terranos! Estas palavras do halutense diziam tudo.

Rhodan ficou calado alguns minutos, fazendo anotações. Quando levantou os olhos, parecia ter superado todas as dúvidas. Passara a ser apenas o estrategista que parecia não ter nervos, capaz de arriscar tudo, embora ainda há pouco tivesse demonstrado a preocupação que a segurança da nave e de seus tripulantes exigia. — Vou expor meu plano de ação. Vamos começar. Fitei-o estarrecido. — Você ainda não o conhece muito bem, não é mesmo? — disse meu cérebro suplementar. Rhodan surpreendeu-nos com dados tão precisos e detalhados que quase não chegamos a fazer nenhuma pergunta. Não esquecera nada. Os fatores de tolerância incluídos em seus cálculos eram muito menores do que eu previra. Considerara todas as casualidades possíveis, inclusive certas ocorrências tão extraordinárias que havia uma probabilidade de um para cem mil de que nunca se verificariam. A conferência na qual foi discutida a operação durou oito horas. O terrano só concedeu uma pausa de quinze minutos. Não se comeu nada nestas oito horas. Perry mais uma vez se transformara numa máquina que parecia não saber o que era cansaço. Vivia pedindo aos cientistas que indicassem possíveis fontes de erros, para que elas fossem incluídas nos planos. Quando saímos, não havia mais nenhuma dúvida de que tínhamos feito tudo que era possível para evitar uma catástrofe. Rhodan não parecia nem um pouco cansado. Olhou para o relógio. — A segunda conferência começará às vinte e duas horas, tempo de bordo. Tratem de descansar um pouco. Quem pensa que pode forçar mais um pouco a mente poderá refletir sobre o que já foi discutido e apresentar sugestões de como melhorar alguma coisa. Perry cumprimentou-nos com um aceno de cabeça, encostou a mão direita ao boné e saiu andando. Icho Tolot riu o mais baixo que era possível. Kasom suspirou profundamente. Comecei a lamentar-me por ter forçado as coisas. — Ficou meio furioso — disse Kasom, enquanto nos dirigíamos aos camarotes. — Nunca irrite um terrano! Dei uma risada. Nunca irrite um terrano. Já ouvira esta expressão muitas vezes na boca dos povos galácticos. Entramos no elevador antigravitacional e descemos flutuando para o convés habitacional. Kasom apalpou o estômago, deu uma expressão preocupada ao rosto e voltou a saltar para dentro do elevador. Não tive a menor dúvida de que acabara de lembrar-se da cozinha de bordo. Também mudei de idéia. A Crest III possuía equipamentos esportivos dos mais modernos, inclusive uma grande piscina. Era para onde pretendia dirigir-me. Em seguida faria uma massagem e deixaria que os dispositivos termo-pneumáticos refrescassem meu corpo. Numa expectativa alegre abri a grande porta e espiei para o pavilhão amplo. Não havia ninguém na piscina. A água até parecia uma massa compacta, a torre-trampolim fora recolhida hidraulicamente e as cabines de massagem estavam trancadas. Soltei uma terrível praga, que ressoou com a força de um trovão. Mais adiante um robô muito feio incumbido dos serviços das instalações exibiu a cabeça de lata. — Instalações interditadas — disse sua voz metálica. — Interdição será levantada assim que regime de meia prontidão seja suspenso. Instalações...

Retirei-me, rangendo os dentes. Nesta nave o homem sério era privado de todas as alegrias. Dois terranos que, segundo pareciam, faziam parte da equipe de revezamento do pessoal incumbido das máquinas da sala kalup número II esforçaram-se para não mostrar que estavam rindo. Mas não conseguiram. Deparei-me com horríveis caretas, que quase chegavam a ser apavorantes atrás dos visores dos capacetes. Um dos homens, um tipo robusto, mexia os lábios com muita força. Encarei-o sem saber o que dizer. — Será que extraíram suas amídalas sem anestesia? O homem soltou um forte gemido e ficou em posição ainda mais rígida. O outro técnico, um sargento de cabelos louros claros, deu uma resposta típica de um terrano. — Este homem tem trinta e dois milhões de fios de cabelo no peito, senhor. Não pode deixar de rir. — Como? — perguntei, perplexo. — Poderia fazer o favor de repetir? — Os cabelos fazem cócegas por dentro, senhor. Ele vive rindo. Afastei-me às pressas. Gostaria que o leitor me dissesse o que um oficial da USO pode fazer com uma observação destas. Só lhe resta fugir, para não ter de rir no rosto de um sujeito petulante. A segunda conferência começou às vinte e duas horas, tempo de bordo, em ponto. Desta vez todos os especialistas estavam presentes. Rhodan maltratava os nervos dos outros. Vivia perguntando se alguém tinha descoberto um erro. Já eram quase seis horas quando entrei cambaleando no meu camarote. Já não me importava com mais nada: o futuro, o passado, o transmissor temporal, nossos planos, tudo se tornava indiferente. Meu cérebro estava sobrecarregado de algarismos. O vozerio e o ruído dos computadores positrônicos enchia meus ouvidos. Não via nada além dos diagramas e só ouvia palavras relacionadas com Frasbur, o sistema Vega, a artilharia da Crest III e os nomes das pessoas às quais Rhodan confiara certas tarefas. Também recebi uma tarefa — uma tarefa honrosa, segundo disse Rhodan. Era tão honrosa que já sentia uma comichão no pescoço. Na expressão de Melbar Kasom e outros homens do seu tipo, tratava-se de uma tarefa de alto risco.

5 Nossos calendários registravam o dia 18 de junho de 2.404, tempo real. Fazia dois minutos que a nave-capitânia da Frota Solar tinha saído do espaço linear, materializado a trinta bilhões de quilômetros da órbita do planeta exterior. A nave estava em estado de rigorosa prontidão de batalha. Aproximamo-nos do sistema solar que conhecíamos pelo nome de Vega, desenvolvendo apenas alguns milhares de quilômetros por segundo. O gigantesco sol azul brilhava nas telas óticas comuns. Até parecia uma luminosa safira, cujo brilho abafava as estrelas da vizinhança. Mas à distância em que estávamos Vega não passava de uma estrela de alta luminosidade. Ainda não se percebia quase nada do seu tamanho enorme. Nossos planos tinham sido elaborados até o último detalhe. Não houve mais nenhuma pergunta. Cada homem, desde o comandante até o simples jardineiro hidropon, sabia exatamente o que devia fazer. Precisávamos ter cuidado — muito cuidado! Mesmo no tempo dos lemurenses a grande família planetária de Vega pertencera ao grupo de sistemas que foram procurados e colonizados logo após a invenção dos sistemas de propulsão ultraluz. O oitavo planeta, que Perry conhecera por ocasião de seu primeiro avanço pelas amplidões do espaço como sendo o mundo dos ferronenses, era sem dúvida uma fortaleza de primeira categoria — ou ao menos tinha sido! A primeira coisa que tínhamos de fazer era verificar esse ponto. Certamente os mundos do sistema de Vega não tinham escapado ao ataque em grande escala dos halutenses contra os planetas do reino estelar lemurense. Em nossa opinião, Ferrol e as outras bases do sistema de Vega deviam ter caído antes dos planetas pertencentes ao sistema solar terrano. Nestes planetas os lemurenses tinham resistido até a morte. Era pouco provável que tivessem defendido os planetas de Vega com a mesma obstinação. Perry ligou o intercomunicador. Fazia questão de que suas instruções fossem ouvidas em todos os cantos da nave. Era um procedimento pouco usual, que tinha produzido bons frutos a bordo da Crest. A tripulação rigorosamente selecionada da nave era capaz de suportar notícias desagradáveis sem perder os nervos. Nas outras naves os oficiais pensariam duas vezes antes de colocar suas reflexões pessoais e as ordens especiais que emitiam ao alcance de toda a tripulação. Neste ponto Perry tinha a mentalidade muito aberta. Confiava na experiência e na autodisciplina de seus homens. — Chefe chamando rastreamento. Nem pensem em soltar um impulso de eco. Não demorariam nem um pouco a localizar-nos. — Rastreamento chamando Chefe. Entendido. Estamos surpresos por captarmos tão poucos impulsos externos. O sistema de Vega não parece ser muito movimentado. — Tanto melhor. Atenção, sala de rádio. Como estão as coisas por aí? O Major Kinser Wholey respondeu imediatamente. Gostava do afro-terrano de pele escura. Sua risada muitas vezes mexera conosco no meio de uma depressão. — Sala de rádio chamando Chefe. Nossos goniômetros localizaram cinco objetos diferentes. Três deles são naves halutenses. Os outros dois são quase imperceptíveis e os

ecos são transmitidos à velocidade da luz, pela faixa de ondas ultracurtas. As mensagens devem ter sido transmitidas há algum tempo, senão ainda não teriam chegado aqui. As mensagens codificadas dos halutenses estão sendo recebidas pelas hiperondas, com a sonoridade quatro. Tenho a impressão de que se trata de nave-patrulha, cujos comandantes se comunicam de vez em quando. — Continue na mesma faixa. Atenção, estação astronômica. Distinguiu alguma coisa com os telescópios de reflexos energéticos? — Todos os planetas que se encontram deste lado do sol estão em nossas telas de projeção. A ampliação funciona perfeitamente. Vemos claramente Ferrol no apogeu de sua órbita. — Conseguiram trazer para perto alguns setores da superfície? — Não senhor. Se quisermos obter uma ampliação, teremos de montar os refletores energéticos de trezentos metros. Isso é possível? Cart Rudo fez um gesto negativo. — Não faça isso, senhor — disse a Rhodan. — Sabemos que os telescópios de reflexos energéticos podem ser facilmente detectados. Perry confirmou com um gesto. Não gostava de assumir riscos que pudessem ser evitados. — Atenção, estação! Não usem os refletores porque haveria o perigo de sermos localizados. Como estão as coisas em Ferrol? — A superfície parece ter sido devastada. O hemisfério noturno, que está à vista, emite um brilho verde-azulado. Deve ser por causa da contaminação radioativa. Perry desligou e passou a dirigir-se a mim. — Isso explica por que os antigos colonos lemurenses se transformaram em ferronenses. Sofreram mutações por causa das radiações. Atlan, ao que tudo indica a maioria dos povos humanóides da Via Láctea, descende dos homens primitivos. Confirmei com um gesto. Ficara bastante impressionado. Parecia que Perry tinha razão. Bem no íntimo comecei a imaginar qual era a causa dos sucessos alcançados por Rhodan. Os terranos do tempo real eram os únicos descendentes dos lemurenses que não tinham perdido sua verdadeira identidade. Conservaram a pureza do espírito e do corpo. Já tivera oportunidade de ver mais de uma vez quais eram as conseqüências que isso trazia. Mais uma vez os terranos estavam para resolver um problema diante do qual os outros povos teriam recuado. Examinei as indicações mais importantes dos instrumentos instalados na sala de comando. Nossos campos defensivos tinham sido desligados antes do prolongado vôo linear. Poderiam ser detectados perfeitamente a grande distância. Os propulsores e conjuntos geradores também estavam parados. Um único reator funcionava a meia capacidade, fornecendo a eletricidade de que precisávamos. No momento não era muito. Os aparelhos que consumiam mais energia tinham sido desligados. Era arriscado aparecer com uma nave praticamente paralisada junto a um sistema solar em cujo interior poderia haver milhares de gigantescas naves de guerra halutenses. Em minha opinião os lemurenses já não representavam nenhum perigo no setor espacial em que nos encontrávamos. Tinham sofrido uma derrota fulminante há muitos anos e foram obrigados a recuar para suas áreas de interesse mais importantes. Na posição em que nos encontrávamos era difícil distinguir Vega VI, que era o planeta que mais nos interessava. Encontrava-se atrás do sol, em posição lateral, e sua

imagem só poderia ser captada por meio dos rastreadores de relevo ultraluz. Mas não podíamos assumir o risco de usar estes aparelhos. Rhodan recostou-se na poltrona e pôs-se a refletir. Por enquanto correra tudo segundo o plano. A qualquer momento podia haver uma ocorrência secundária. Tratavase de um fator de planejamento que admitia mais de uma solução. O importante era encontrar a alternativa mais favorável. — Acho que dois jatos-mosquito bastarão para explorar o sistema — disse Perry, pensativo. — Uma corveta seria muito grande. Quem se oferece? Olhei em volta. Ninguém se manifestou. Segundo o plano, a tarefa seria minha. Levantei sem dizer uma palavra e apertei a tecla do intercomunicador. — Atlan falando. Major Don Redhorse, o senhor será meu navegador-rastreador. Coronel Melbar Kasom, o senhor pilotará o outro caça-mosquito. Seu navegador será o Capitão Finch Eyseman. Atenção, chefe da manutenção dos mosquitos. Prepare dois aparelhos com instalações completas de análise e fotografia. Coloque a bordo magazins de municiamento dos canhões conversores com duas bombas de catálise de vinte gigatons cada. Providencie alimentos concentrados e água para quatro semanas de vôo. Quero que os aparelhos sejam preparados quanto antes. Câmbio. O chefe da manutenção dos mosquitos confirmou as ordens. Kasom já estava saindo. Rhodan franziu a testa. — Quer mantimentos para quatro semanas de vôo? — Os arcônidas sempre foram muito previdentes. Se não encontrarmos mais a orgulhosa Crest, fundaremos uma colônia com uma população mista. Cart Rudo deu uma risada. Estas palavras eram capazes de impressionar um epsalense. Afinal, ele não sabia que não me sentia muito bem na própria pele. Era uma audácia dirigir-se com dois caças-mosquito a um planeta do qual possuíamos apenas os dados do tempo real. Ainda faltava descobrir como era neste momento, cinqüenta mil anos antes. Fiz um gesto de despedida. — Não se deixe pegar pelos halutenses — gritou Perry atrás de mim. — Continuaremos rastejando na mesma rota. Acho que não preciso ressaltar que não devemos transmitir mensagens de qualquer espécie. A segurança da Crest é mais importante que qualquer outra coisa — mesmo numa emergência. — Ora, meu chapa. Já dei instruções como estas milhares de vezes, quando...! — ...quando meus antepassados ainda viviam em cavernas e se guerreavam com machados de pedra. Estou cansado de saber disso. Desculpe, vovô. Não tive a intenção de faltar-lhe com o devido respeito. — Pois é. A gente deve honrar os velhos — acrescentou Rudo com uma irritante solenidade. Preferi não me envolver em discussões. Por que justamente em ocasiões como esta eu sentia uma simpatia toda especial pelos terranos? O setor lógico de minha mente entrou em ação imediatamente. — Você sabe. Eles o amam. Tremerão por dentro enquanto você não tiver voltado. Mas nunca mostrarão isso. Paciência! É o jeito deles. Saí na certeza de ter deixado para trás cinco mil amigos sinceros. Usei o transporte pneumático, que me levou aos hangares situados nos conveses superiores, onde estavam guardados os novos caças-mosquito. Entrei em um dos grandes recintos e ouvi um chiado. Era Lemy Danger, que estava sentado em cima de uma das portas blindadas, com todo o equipamento, esforçando-se

para chamar minha atenção. Encontrava-se a menos de cinqüenta centímetros de meu rosto. Lemy estava berrando. Notei pelo rosto esverdeado. Assim mesmo tive de prestar muita atenção para compreender o que dizia. Kasom aproximou-se. Parecia zangado. Não notara a presença de seu colega anão. — Senhor, o especialista Danger pede permissão para participar do vôo de reconhecimento — gritou o anão. Ficou de pé em cima da porta, numa impecável posição de sentido. Pigarreei surpreso e fiquei sem saber o que dizer. Danger começou a ficar nervoso. — Senhor, se necessário poderei sair do caça com meu equipamento voador e investigar discretamente certas coisas que o senhor talvez nem notasse numa passagem rápida — disse o pequeno especialista em tom insistente. — Por favor, senhor, leve-me. Kasom bateu com o pé na porta, que se abriu. Nosso super-herói saiu voando. Mas teve a reação instantânea típica de um siganês. O dispositivo antigravitacional que levava consigo evitou a queda, segurando-o pouco antes que tocasse o chão. — O que está pensando, seu moleque ertrusiano? — berrou Lemy para o gigante de dois metros e meio. — Safado, malfeitor, inútil! Você é um tipo indecente. É a vergonha da humanidade! — Como está praguejando — observou Kasom sem abalar-se. Tive de fazer um grande esforço para não perder o autocontrole. — Vai levar mesmo esse micro-coelho? Lemy soltou um grito e pôs a mão na arma energética. Era muito pequena, mas seus efeitos eram devastadores. Quando não conseguia defender-se das brincadeiras dos homens de estatura normal, Lemy costumava regular sua arma para a potência mínima para produzir algumas queimaduras nos pés daqueles que o ofendiam. Kasom deu uma risada e apertou o botão de seu campo defensivo. O tipo disparado por Lemy não produziu nenhum efeito. — Trate de comer e engordar um pouco, Lemy — disse o ertrusiano em tom apaziguador. Estava usando o cumprimento que em seu mundo costumava ser empregado entre amigos. A pequena criatura acalmou-se imediatamente. Nunca guardava rancor contra ninguém. Subiu em meu ombro. — Já perdoei o que ele me fez, senhor — gritou. — Esqueça meus insultos que ofendem as regras da cortesia. Por favor! — Foi o senhor? Lemy contemplou-me com seus olhos de botão e pôs-se a refletir para ver se descobria o que eu queria dizer com isso. Terminei a discussão. — Está bem. Pode ir comigo. Trate de encontrar um lugar confortável. Não se esqueça de que provavelmente terei de realizar manobras muito violentas. Teremos de contar com pressões de três a oito gravos. — Isso não é nada, senhor. Meu neutralizador de pressão resiste a dez gravos. Além disso sou um tipo esportivo. O homenzinho saiu zumbindo. Don Redhorse, que eu escolhera como co-piloto, embora fosse o comandante da primeira escotilha de corvetas, segurou Danger com uma das mãos e colocou-o na minúscula eclusa de ar do caça. — Com licença, general — disse o cheiene em tom solícito. — Se necessário o senhor nos tirará de uma armadilha, não é mesmo?

— Sem dúvida, major, sem dúvida! —exclamou Lemy, entusiasmado. — Poderia ter a bondade de abrir a eclusa para mim? O terrano de estatura alta e perfil de águia comprimiu o botão. Lemy entrou voando. Andei em torno do aparelho e tentei em vão descobrir algum erro. A palavra erro não figurava no dicionário dos especialistas de manutenção terranos. Quando anunciavam que um caça estava em condições de voar pelo espaço, era porque realmente estava. Kasom espremeu-se através da eclusa de ar, passou pelo assento do encarregado do rastreamento e acomodou-se na poltrona regulável destinada ao piloto. Dominava perfeitamente os caças-mosquito. O Capitão Finch Eyseman, um homem magro, de olhos castanhos e rosto sonhador, seguiu o ertrusiano. Travei contato com Eyseman quando ainda era um tenente muito jovem. Neste meio tempo adquirira uma grande experiência no front, que muitos homens de cinqüenta anos ainda não possuíam. Entrei no caça, que tinha vinte e seis metros de comprimento, quatro de diâmetro na proa pontuda e três metros na popa, que era mais fina que o resto do aparelho. A eclusa de passageiros ficava à frente das asas delta em forma de flecha, que juntamente com os lemes aerodinâmicos transformavam o caça-mosquito num avião comum quando se encontrava na atmosfera. Os instrumentos eram tantos que eram capazes de confundir qualquer um. Os mosquitos eram aparelhos robotizados por grupos de comandos, mas o piloto tinha muito trabalho para controlar os mecanismos necessários às operações de vôo. Se não fossem os navegadores-rastreadores, os caças-mosquito só poderiam ser pilotados em condições precárias. Não se podia esperar que além das indicações relativas aos mecanismos de vôo o piloto ainda controlasse os complicados aparelhos de rádio e rastreamento, bem como a navegação espacial. Se não fossem os dispositivos robotizados, estes aparelhos nem poderiam ser controlados por dois homens. Se durante o vôo espacial aparecesse algum defeito na aparelhagem eletrônica e positrônica, que era extremamente complicada, só restaria esperar por um milagre. Era impossível fazer os reparos na ausência da gravidade. Os comandos mais sujeitos a panes e os elementos eletrônicos tinham sido montados em versão tripla. Isso se aplicava principalmente à sincronização dos manches energéticos, que transmitiam os movimentos do manche de controle, que parecia não ter nada de extraordinário, às turbo-bombas ou chaves de contato magnéticas, que por sua vez os transmitiam aos mecanismos de execução. O controle hidráulico dos jatos giratórios era um verdadeiro pesadelo para os técnicos. Se tudo funcionava perfeitamente, o jato-mosquito era um aparelho imbatível. Se havia algum defeito, não se podia cair no espaço livre, mas era bem possível que o jato se precipitasse a metade da velocidade da luz para dentro de um sol. Podia-se dizer que o sistema de armas espaciais mais recente da humanidade era tão seguro como se podia esperar de um conjunto de máquinas deste tipo. Acomodei-me no assento pneumático, esperei que ele se adaptasse ao meu corpo e fiz sair os cintos de segurança. Don Redhorse colocou o capacete pressurizado do traje espacial sobre minha cabeça e ligou o sistema de utilização do ar da sala de comando. Quando em vôo, quem era sensato costumava poupar o precioso oxigênio dos trajes espaciais para um caso de emergência. Apertei a chave do controle final automático. Duzentas e onze luzes verdes acenderam-se, mostrando que estava tudo em ordem. Os campos de impulso empurraram-nos suavemente pelos trilhos do hangar. Paramos assim que chegamos à câmara da eclusa. As portas internas desta fecharam-se.

As turbo-bombas sugaram o ar, criando um estado próximo ao vácuo. As tampas dos tubos de catapultagem abriram-se. Vi um setor insignificante do espaço. Na periferia da galáxia, que era onde nos encontrávamos, não havia a abundância estonteante de estrelas encontrada no centro. Minha mente absorvera a luminosidade abundante por vários dias. Por isso naquele momento me senti solitário. Mas a voz do oficial incumbido do controle espantou os pensamentos melancólicos. Fiz um sinal para Kasom, mostrando que podia decolar. Seu caça transformou-se num relâmpago, que desapareceu de repente da câmara da eclusa. Uma ligeira vibração era o único sinal de que o aparelho fora arrastado pelos trilhos por uma pressão de duzentos gravos, que a impeliu para o espaço. Voltei a examinar as luzes de controle de meu neutralizador de pressão. O reator atômico siganês, que gerava a energia de que precisávamos, estava funcionando a toda força. Fornecia a corrente consumida pelos equipamentos suplementares. Não estava ligado ao sistema de propulsão, cujo funcionamento era independente do resto. Dali a instantes o aparelho em cujo interior me encontrava também foi impelido para fora da nave-mãe. O sistema sincronizado de neutralização de pressão funcionou perfeitamente. Não fui atingido nem mesmo por uma fração de gravo. — Tivemos sorte — disse Don Redhorse em tom seco. Usou o sistema de transmissão audiovisual. O jato-propulsor do caça rugiu. Liguei o piloto automático pré-programado e segui o aparelho de Kasom, que era apenas um ponto de eco verde na tela do rastreador de energia. O ertrusiano reduziu a potência de seu propulsor, esperando que chegasse perto dele. Depois disso aceleramos à razão de setecentos quilômetros por segundo ao quadrado. Nosso destino era o sexto planeta, ainda invisível, que pretendíamos atingir através de algumas manobras lineares de pequena duração. Os caças-mosquito eram as primeiras naves de pequeno porte construídas pela humanidade que dispunham de um sistema de propulsão kalupiano. Seu raio de ação era de cem mil anos-luz, o suficiente para atravessar a Via Láctea. Demos início à manobra quando atingimos vinte e cinco por cento da velocidade da luz. Vega apareceu na tela de fixação do destino da zona de libração. A passagem para o semi-espaço com suas condições físicas estáveis não produziu o menor trauma. Era a técnica perfeita de vôo ultraluz, com a qual sonhavam os arcônidas, sem desconfiar de que seus antepassados, os lemurenses, já dominavam esta arte. Fizemos o vôo visual. O campo energético da quinta dimensão irradiado pelo sol gigante, que normalmente era invisível ou quando muito podia ser distinguido por meio de complicados aparelhos especiais, era nosso ponto de referência. Vega destacava-se na tela em forma de uma bola de energia fosforescente. O vôo durou apenas setenta e cinco segundos. Quando retornamos ao espaço einsteiniano, avistamos o sexto planeta a 41.823.593 milhões de quilômetros de distância. Desta vez ligamos os hiper-rastreadores, sem preocupar-nos com a possibilidade de sermos localizados. Determinamos a distância exata e deixamos a fixação da velocidade por conta dos computadores de bordo. Afinal, era para isto que tinham sido instalados. A segunda manobra foi iniciada. Antes disso destravei o botão vermelho-escuro que servia para acionar a arma, instalado na ponta do manche de impulsos. Mas a trava do canhão conversor rigidamente montado na direção do vôo continuava fechada. Viajávamos em direção a um mundo que Frasbur chamara de Tanos VI.

6 O sistema de giro do jato-propulsor funcionou perfeitamente. Kasom encontrava-se pouco menos de vinte quilômetros atrás de mim, com um deslocamento vertical no setor verde. Usei toda a potência dos jatos na frenagem, mas apesar disso parecia que o planeta caía em minha direção. Os pilotos de caça são submetidos a uma pesada carga psicológica toda vez que se aproximam em alta velocidade de algum astro. O sistema positronizado de rastreamento do aparelho trabalhava com a maior precisão, tornando impossível qualquer acidente, mas apesar disso tive a impressão de ter-me transformado numa criatura abandonada presa atrás da lâmina blindada de plástico transparente de visão global, sem a menor possibilidade de salvação. Redhorse, que estava sentado atrás de mim, olhou por trás de minhas costas, procurando distinguir certos detalhes na superfície do planeta. Não se via muita coisa. Mesmo no passado, Vega não passava de um inferno selvático, cuja coloração verde-azulada raramente era interrompida por outras tonalidades. A luz vermelha do sistema positrônico de pilotagem acendeu-se, o que era um sinal de que devia assumir o controle manual. Uma campainha instalada no cabo do manche de impulsos se fez ouvir. Era tão forte que nem mesmo um surdo deixaria de ouvi-la. Senti o choque da ligação entrando no engate. Dali em diante eu sozinho controlava o aparelho, que ainda se deslocava em direção ao planeta à velocidade de três mil quilômetros por segundo. — Siga pela órbita equatorial, senhor — recomendou o cheiene. — Se realmente existe uma fortaleza no pólo norte, é possível que abram fogo contra nós. Teoricamente era possível, mas na prática era pouco provável. Ultimamente um grande número de naves deveria ter-se dirigido a Vega VI, planeta ao qual tínhamos dado o nome de Pigell. Naturalmente a guarnição da estação do tempo nem pensara em revelar sua posição por meio do bombardeio de naves halutenses ou lemurenses. Mas se a Crest de repente aparecesse por ali, as coisas naturalmente seriam diferentes. Da memória de Frasbur tínhamos extraído a informação de que esta nave gigante não tinha igual na galáxia. Para mim não havia a menor dúvida de que a guarnição tefrodense da estação do tempo recebera uma descrição exata da enorme esfera espacial. A Crest não poderia ser confundida com qualquer outra nave. Além disso sempre aparecia só. Bastaria uma única operação de rastreamento energético para que os tefrodenses descobrissem que objeto era este que se aproximava, vindo do espaço. Afinal, nossos conjuntos geradores eram muito melhores que os de qualquer outra nave. Uma série de bons aparelhos seria capaz de medir seu desempenho e interpretar os resultados. Estes fatores tinham sido considerados por Rhodan. Eu o admirava por isso. Os dois caças de dimensões reduzidas que acabavam de aparecer nas proximidades de Pigell poderiam pertencer aos lemurenses, aos halutenses ou a qualquer outro povo astronauta. Sem dúvida não éramos a nave Crest, que eles procuravam, e por isso gozávamos uma relativa segurança. Comuniquei isto a Redhorse.

O cheiene limitou-se a fazer “oh” e franzir a testa. Em seguida cuidou das câmaras inteiramente automatizadas. A tele análise estava sendo iniciada. Mesmo no espaço livre, pudemos apurar quase todos os dados, embora não obtivéssemos amostras do ar ou microculturas, nem conhecêssemos as temperaturas exatas. Era obrigado a mergulhar na atmosfera, quer quisesse, quer não. Kasom já estava mudando de direção. Os contatos radiofônicos tinham sido interrompidos. Não podíamos arriscar-nos a deixar que alguém captasse nossas mensagens. Não dominávamos a língua dos halutenses, e não seria recomendável usar o tefrodense usual. Nenhum lemurense se teria lembrado de dirigir-se a este planeta, que fora abandonado há muito tempo. Por isso o melhor que tínhamos que fazer era ficar em silêncio. Os seres que estavam lá embaixo podiam pensar que fôssemos colonos vindos de um sistema vizinho, que queriam verificar até onde chegara a ofensiva halutense. Fiz avançar o manche de direção. Os jatos-propulsores da popa giraram para baixo, obrigando o aparelho a entrar em mergulho. Mexi em outro controle, que colocou o reator na potência máxima, enquanto instalava o campo energético que nos defendia do impacto das moléculas de ar. Segui em direção a uma cadeia de montanhas, que se erguia em meio à floresta espessa, mais ou menos na altura de quarenta graus de latitude norte. — São as montanhas Kipmann — informou Redhorse. — Já as encontramos com o mesmo formato. Já estive aqui antes. Os três vulcões continuam no mesmo lugar. Alô, senhor...! Redhorse prendeu a respiração. Ouviu-se um terrível estrondo, vindo do lado de fora. Uma nuvem incandescente branca surgiu na frente do campo defensivo, nuvem esta que ia se condensando à medida que penetrávamos mais profundamente na atmosfera. Só interrompi o mergulho quando nos encontrávamos a cem quilômetros de altura. Usei toda a potência dos jatos da proa. Quem nos visse de baixo deveria ter a impressão de que éramos um meteoro incandescente. A propulsão para a frente já fora desligada. Esperei calmamente que o atrito do ar neutralizasse a velocidade com que tínhamos penetrado na atmosfera e que a incandescência branca diminuísse. Quando desapareceu de vez, estávamos desenvolvendo somente sete vezes a velocidade do som, a vinte e cinco quilômetros de altura sobre a paisagem fumegante. Ouvi um ruído parecido com um assobio. Era Redhorse, que finalmente resolvera soltar o ar dos pulmões. Kasom desaparecera atrás da curvatura do planeta. Segui durante cinco minutos na direção oeste, para depois tomar a rota sul. Sobrevoei algumas formações terrestres típicas e fiz subir o caça de novo. — Os resultados são exatos! — disse Redhorse sem a menor necessidade. — Existem algumas alterações insignificantes, mas acho que estas não importam. A análise mostra o verde. A interpretação foi concluída. — Está bem. Seguirei para o norte. — Não venha me dizer que pretende sobrevoar as montanhas polares — disse o major com uma estranha calma. — Que acha? — A fortaleza espacial fica embaixo destas montanhas, senhor. — Pois é justamente isso. Precisamos de ótimas fotografias. Atenção! Vou descer de novo.

O mosquito caiu por cima da asa esquerda. Já estávamos novamente a cento e cinqüenta quilômetros de altura. Já se distinguia a calota polar. Redhorse voltou a falar. — Se meu antepassado, um homem que há muito caiu no esquecimento, que durante as guerras indígenas costumava ser chamado o grande Racha-Crânios, estivesse aqui, a esta hora invocaria Manitu. — E quem é que o senhor vai invocar? — Um arcônida maluco chamado Atlan. — Perdôo sua falta de respeito, Cavalo Vermelho. Ainda vai demorar muito para ligar as câmaras eletrônicas? Redhorse não disse mais nada. O caça uivou enquanto corria velozmente em direção às montanhas do pólo norte. Sobrevoamos um grupo de colinas baixas, que constava de nossos mapas com o nome de Serra do Norte. Ficava quinhentos e noventa e seis quilômetros ao sul do pólo, na longitude zero. Dali a instantes passamos ruidosamente sobre a cadeia de montanhas do pólo norte. Fiz subir abruptamente o caça. No mesmo instante o sistema de propulsão para a frente voltou a ser ligado. Desta vez o sistema de neutralização de pressão pregou-nos uma peça. Entrou em funcionamento com cerca de um décimo milésimo de segundo de atraso, o que era o suficiente para que sentíssemos parte do violento impacto produzido pela aceleração. Uma força tremenda comprimiu-me contra a poltrona. Mas antes que tivesse tempo para desmaiar, as energias da inércia foram neutralizadas. Quando voltei a enxergar claramente, já nos encontrávamos em pleno espaço. Don Redhorse tinha um estranho senso de humor. Chamou-me com a voz rouca. — Caso ainda esteja vivo, o senhor deve abrir a válvula-mestra do sistema de oxigênio, que se fechou por causa da pressão. É bom que saiba que estou quase morrendo sufocado. Bati imediatamente na chave de emergência. Redhorse começou a respirar ruidosamente. — Excelente — disse em meio à tosse. — O senhor é um gênio. A propósito. Acabo de lembrar-me de que seu especialista siganês se encontra a bordo. Por acaso o viu? Soltei as pragas mais horríveis que ouvira durante minha peregrinação de dez mil anos pelo planeta Terra. As criações da lingüística normanda eram muito vigorosas, as orientais eram um pouco mais elegantes, mas nem por isso menos expressivas. — Lemy — gritei, desesperado. — Onde se meteu, Lemy? Responda. Especialista Danger, general...! O sistema de intercomunicação de bordo ficou em silêncio. — Será que resolveu saltar? — conjeturou o cheiene. — Lemy...! —voltei a gritar. Como podia ter esquecido a pequena criatura? — Pronto, senhor — piou de repente uma voz fina. — Estava longe do intercomunicador. O senhor não se sente bem? — Vá para o inferno — esbravejei, aliviado. — Ora, senhor! Eu...! — Onde estava? — interrompi. — Está tudo bem com o senhor? — Estou bem, sim senhor. Estou deitado em cima do visor do piso, junto ao fecho do canhão conversor. Acho que as telefotografias que estou tirando de pontos importantes

da superfície lhe interessarão bastante. O senhor viu as antenas goniométricas camufladas em cima do cume em forma de bacia da montanha polar mais alta? — Não. Cuidei para que não nos fincássemos no chão. — Naturalmente. Queira desculpar, senhor. Fotografei as instalações. Vamos voltar para lá? Redhorse deu uma risada. Lancei-lhe um olhar zangado pelo espelho do piloto e dei início a uma manobra linear que nos levaria diretamente para a Crest. Os dados de que o kalup precisava para isso também tinham sido previamente programados. Quando retornamos ao espaço einsteiniano, o corpo esférico da Crest brilhava nas telas de eco. Melbar Kasom chegara antes de nós. Estava sendo recolhido por um raio de tração de pequena potência. Tivemos de esperar dez minutos, até que nossa velocidade se adaptasse à da Crest. Depois disso também fomos atingidos pelo feixe energético, que nos trouxe cuidadosamente para dentro da eclusa em forma de tubo. Uma vez feita a igualização da pressão, fui o último a sair da pequena eclusa de ar do caça. Redhorse estava falando com os homens encarregados da manutenção dos caçasmosquito. — ...o tipo mais maluco que já cruzou meu caminho. Entrou com tamanha força na atmosfera que meu traseiro esquentou. Só posso dar um conselho. Procurem nunca via...! Quando me viu, calou-se — e sorriu. Era a única coisa que podia fazer. — Caso precise novamente de mim, estarei às suas ordens. Assinado, Don Redhorse, major da Frota Solar. Redhorse fez continência e dirigiu-se ao veículo pressurizado. — É uma impertinência, uma impertinência — gritou Lemy Danger. — Não me deixe nervoso — pedi com um suspiro. — O senhor é outro que não levo nunca mais. A propósito. Onde está sua câmara? Lemy enfiou a mão no bolso e tirou um objeto que tinha mais ou menos metade do tamanho de um caroço de cereja. — É uma câmara muito eficiente. Infelizmente saiu grande demais — disse como quem pede desculpas. — Grande demais. Ah, sim. Kasom moveu a mão direita, e no mesmo instante o especialista Danger desapareceu juntamente com a câmara e o traje espacial. Só se ouvia um chiado confuso, saído da palma da mão de Melbar. — O que pretende fazer? — perguntei, cansado. — Vou colocá-lo na frigideira. Daqui a uma hora podemos ir para a mesa. Será que até lá seu relatório ficará pronto, senhor? Kasom foi embora, deixando-me a sós com vinte terranos barulhentos. Rhodan, que estava de pé no vão da porta blindada interna, divertiu-se à minha custa. Atrás de mim os técnicos estavam retirando das câmaras as fitas óticas com cerca de vinte mil metros de material fotográfico. Não era necessário fazer a revelação. Podia-se fazer a projeção imediata das fitas. — Traga uma cadeira para o coitado — ordenou Perry. — Não seja cruel, capitão. O oficial de serviço disse que lamentava. Não havia nenhuma cadeira por perto. Aliás, era um tanto anacrônico falar em cadeiras numa nave ultramoderna como a Crest. Também me retirei. Para aquele dia já tivera que chegava. Os terranos eram uns tipos travessos.

7 As primeiras duas fases do plano tinham dado certo. Tínhamos chegado ao sistema de Vega sãos e salvos e a missão de reconhecimento fora bem-sucedida. Fizemos a interpretação dos filmes e tiramos nossas conclusões. Pigell não mudara. Continuava sendo um mundo selvático fumegante, com uma temperatura média de 68 graus centígrados positivos. A umidade relativa do ar era de 92 a 98 por cento e a gravidade chegava a 1,22 gravos. O planeta levava 42,6 horas para completar um movimento de rotação em torno do próprio eixo, a distância que o separava do sol era de 498 milhões de quilômetros e o diâmetro no equador era de 13.897 quilômetros. Sob este aspecto o sexto mundo de Vega não tinha nada de misterioso. Tinha sido cartografado, mas nunca fora colonizado. Havia cerca de quatrocentas ilhas de diversos tamanhos, que ficavam no meio dos enormes oceanos pantanosos. Mesmo no tempo real Pigell era conhecido por causa de suas fortes tormentas e trombas-d’água. Vinham de surpresa, causavam devastações na paisagem e às vezes chegavam a romper a cobertura de nuvens que envolvia o planeta, fazendo com que um raio de sol atingisse diretamente a superfície. Nem os lemurenses, nem os terranos costumavam transformar os mundos em que reinavam condições tão extremas em planetas coloniais. Quando muito serviam de campo de caça a turistas ricos, que queriam passar por uma aventura fora do comum. Certas pessoas divertiam-se abatendo os sáurios primitivos com armas energéticas. Depois disso faziam muito espalhafato por causa do problema do transporte e do respectivo custo, porque os caçadores faziam questão de levar seus troféus para casa. Não estávamos interessados em caçar as formas de vida primitivas de Pigell com armas energéticas e trajes voadores. Nossa caça estava escondida embaixo das massas rochosas das montanhas que cobriam o pólo norte. As fotografias tiradas por Lemy eram excelentes. Pedi desculpas pelo que dissera a ele. As antenas que se distinguiam no cume montanhoso em forma de antena não eram equipamentos goniométricos. Tratava-se de rastreadores de energia ultraluz de grande alcance. A fortaleza certamente ficava no mesmo lugar em que estas antenas saíam da rocha. As usinas geradoras e os canhões nunca ficavam muito longe dos sistemas rastreadores. Nossos geofísicos, cartógrafos e matelógicos trabalharam quatorze horas para criar uma verdadeira obra-prima. Já dispúnhamos de mapas em alto relevo da área-destino, mapas estes que mostravam as instalações subterrâneas com uma precisão de noventa e sete por cento. Os programadores afastaram o Major Cero Wiffert por algumas horas do centro de artilharia do ultracouraçado. A mira automática foi “dopada”. Recebeu complicados comandos adicionais, aos quais nossos técnicos positrônicos deram o nome de medidores comparativos optatrônicos. Isso significava que a mira automática só reagiria diante da área de terras cuja imagem fora introduzida em sua memória, com base nas fotografias e nos mapas. Nossos matemáticos também não ficaram parados. Fixaram o tempo de início das operações de

seu sistema defensivo com um fator de segurança igual a dez. Diante disso chegaram à conclusão de que, caso aparecesse de repente nas proximidades de Pigell, a Crest teria de abrir fogo dentro de 1,81245 segundos. Do contrário seria derrubada. Os matemáticos partiam do pressuposto de que a fortaleza estava preparada para abrir fogo a qualquer momento, e tinham bons motivos para isso. Era bem verdade que usava a energia da estrela gigante Vega. Para nós isso representava um pequeno ganho de tempo, pois antes de atirar a fortaleza teria de enviar seus raios de sucção ao sol, a fim de garantir o suprimento de energia. Mas isso não trazia tanta vantagem como poderia parecer. Os raios de sucção de energia dos tefrodenses desenvolviam velocidade muito superior à da luz. Levariam apenas uma fração de segundo para atingir a estrela. O ganho de tempo resultaria antes do ajuste das armas e da conversão das energias solares. Diante disso nossos cientistas tinham adotado um fator-tempo de 1,81245 segundos. Quase não havia palavras capazes de exprimir os problemas cosmonáuticos que eles nos criavam com isso. Há horas os oficiais da nave e os engenheiros especializados em superenergia suavam. Nem mesmo homens como Cart Rudo e Melbar Kasom eram capazes de mover os respectivos controles com a necessária rapidez. Só mesmo o dispositivo automático poderia fazer isto, mas este não tinha sido preparado para funcionar em condições extremas. Nossa manobra linear teria de terminar exatamente ao leste do pólo norte. A velocidade de entrada não poderia ser superior a duzentos e cinqüenta quilômetros por segundo, pois do contrário as miras não funcionariam com a precisão exigida. A altura da qual teria de ser desfechado o ataque era de cento e vinte quilômetros. Se possível, os campos defensivos não deveriam tocar as camadas superiores da atmosfera, para evitar miragens e turbulências perturbadoras. Estas poderiam prejudicar as medições comparativas optatrônicas. Cada canhão cobriria determinado setor. Os canhões conversores só poderiam lançar cargas nucleares de pequena potência, pois do contrário o planeta arrebentaria. As exigências dos diversos setores científicos levaram os homens do setor de comando à beira do desespero. Mas se tudo corresse de acordo com os planos, a guarnição da fortaleza não teria a menor chance. Um couraçado gigantesco como a Crest praticamente não corria nenhum perigo, se aparecesse devidamente preparado junto ao alvo. Criaria um verdadeiro inferno embaixo dele. Quando faltavam vinte e quatro horas para aparecermos junto ao sistema de Vega, estava tudo preparado. A Crest III acelerou. Achamos que tínhamos feito tudo que estava ao nosso alcance. Os calendários registravam o dia 19 de junho de 2.404 do tempo real. O dia 19 de junho era um feriado nacional solar. Neste dia, há 433 anos, Perry Rhodan partira em direção à Lua, com mais três astronautas. O único tripulante da velha Stardust que ainda continuava vivo, além de Perry Rhodan, era Reginald Bell. Naquele momento certamente estaria pensando nele. Prestei atenção ao rugido dos potentes jatos-propulsores. A passagem para o semi-espaço devia ser feita em velocidade reduzida. A velocidade não devia ser superior àquela com que tínhamos de sair do espaço linear nas proximidades de Pigell.

Isso exigia um enorme dispêndio de energia do campo de compensação kalupiano. Quanto menor a velocidade no início do vôo linear, maior devia ser a potência do campo energético. Os jatos-propulsores funcionavam à potência mínima, mas apesar disso levamos apenas alguns segundos para atingir a velocidade prescrita de duzentos e cinqüenta quilômetros por segundo. Estava na hora! Perry examinou os controles dos dispositivos automáticos acoplados. Praticamente não tínhamos nada a fazer, além de deixar tudo por conta dos aparelhos e controlar o medo. — Chefe chamando todos os tripulantes. Manobra será iniciada dentro de nove segundos. Façam votos de que tudo dê certo. Quatro segundos... três... dois... um... zero...! Ouvimos o bramido de doze usinas geradoras gigantes instaladas bem embaixo do lugar em que estávamos. Estas usinas acabavam de fornecer a energia de que precisava o kalup I. De repente as telas passaram a mostrar a ondulação escura da zona de libração. Mas Vega continuava a aparecer na tela que mostrava o ponto de destino. Havia um deslocamento lateral em relação ao fio de marcação, já que este apontava exatamente para o planeta Pigell, que ainda não víamos a olho nu. Mais uma vez agarrei firmemente as braçadeiras da poltrona. Desta vez os homens não usavam trajes espaciais. Traziam sobre o corpo os novos uniformes de batalha terranos, que não possuíam capacete pressurizado nem sistema de respiração. Em compensação estavam equipados com mochilas energéticas de fabricação siganesa. Todos os homens que se encontravam a bordo podiam voar, e eram capazes de criar um forte campo defensivo individual em torno de seu corpo. Os robôs de combate cuidadosamente programados estavam enfileirados nas gigantescas câmaras das eclusas. O ar já fora retirado destes recintos, e as portas externas tinham sido recolhidas para dentro do casco abaulado. Estava tudo preparado para uma ação-relâmpago. Havia quinhentos caças espaciais do tipo jato-mosquito prontos para decolar junto aos tubos-eclusa, que também estavam abertos. A única coisa que os pilotos tinham de fazer era apertar um botão. — Rota exata, correção concluída — disse o engenheiro-chefe pelo intercomunicador. Ao contrário do sistema antiquado da transição, o vôo linear permitia que durante ele os homens se comunicassem. Não eram desmaterializados, e não sofriam as temíveis distorções em seu organismo. Perry esperou alguns segundos antes de pegar o microfone. — Chefe chamando todos os tripulantes. A viagem ultra-luz foi calculada de tal forma que deveremos sair perto do pólo norte dentro de aproximadamente quinze minutos. Quanto mais calmos ficarmos, melhor poderemos investigar as coisas. Lembrem-se em todas as fases dos acontecimentos que a destruição da fortaleza espacial não é o mais importante. Precisamos atacá-la e pô-la fora de ação, pois só assim nossa missão propriamente dita poderá ser bem-sucedida. Repito...! Perry olhou em volta. As luzes dos instrumentos produziam um brilho esverdeado em seu rosto. Os maiores combatentes da Crest estavam de pé atrás de nós. Tratava-se do halutense Icho Tolot e do ertrusiano adaptado ao ambiente chamado Melbar Kasom. Ambos usavam seus trajes especiais. Rhodan prosseguiu.

— Uma vez destruída a fortaleza espacial, voaremos despreocupadamente, para dar a entender que não acreditamos que possa haver mais algum perigo. A estação do tempo, que é o que mais nos interessa, fica quinhentos e noventa e seis quilômetros ao sul da calota polar. Iniciaremos imediatamente as operações de busca para localizá-la. A arma característica de um transmissor temporal consiste num deslocamento do plano de referência. É bastante provável que, quando a Crest se aproximar da estação do tempo, será atacada com um campo zero absoluto, que a transferirá para o futuro relativista. Outro salto em direção ao passado será estruturalmente impossível. Frasbur revelou durante o interrogatório secreto a que foi submetido que os pequenos transmissores de tempo intermediários de todos os tipos têm alguma ligação com a data de sua construção. Só podem provocar um deslocamento para trás depois que tiverem transferido um objeto para o futuro relativista. Quanto a isso não existe a menor dúvida. Se houvesse o perigo de sermos transferidos para um passado ainda mais longínquo, eu daria ordem para suspender a operação. Rhodan ficou calado e concentrou-se. Tinha certa dificuldade em dar as explicações, pois aguardava ansiosamente os acontecimentos. Finalmente fez um grande esforço e prosseguiu. — O motivo do trabalho que tivemos é o desejo de escapar à época em que nos encontramos e, portanto, aos lemurenses que nos procuram com tamanha obstinação. Uma vez posta fora de ação a fortaleza com a qual Frasbur quer destruir-nos, devemos fazer com que o transmissor do tempo nos ataque. Frasbur revelou que o posto instalado no sexto planeta não possui armas pesadas, que pudessem representar um perigo para a Crest. A defesa fica por conta da fortaleza. Seria uma tolice se os seres que construíram o transmissor do tempo tivessem equipado este com dispendiosas armas espaciais. Nem por isso vou afirmar que podemos dar um simples passeio para as salas camufladas em que ficam as instalações. Certamente há um comando de robôs. Além disso não devemos esquecer os excelentes campos defensivos energéticos dos tefrodenses. Não percam o controle dos nervos e nunca se precipitem. Se existe alguém neste universo que não tem pressa, somos nós. Fim da transmissão. Perry desligou e crispou os lábios quando ouviu as risadas de pelo menos três mil homens. — Nossos nervos são como fibras artificiais — disse o terrano em voz baixa. — Às vezes tenho a impressão de que para estes homens a operação que vamos realizar não passa de uma aventura que mexe com os nervos. — Isso é tipicamente terrano. Você se julga melhor que os outros? Olá, especialista Danger? Em que posso servi-lo? O anão voou para cima da braçadeira de minha poltrona. Estava usando seu equipamento de batalha “superpesado”, que incluía bombas atômicas com um sistema independente de foguetes. Ai de quem não desse o devido valor ao siganês! — Se não tiver nenhuma objeção, prefiro ficar perto do senhor. Talvez possa prestar-lhe uma ajuda decisiva a partir de um bom esconderijo. — Isso mesmo, amigo. Se bem que pretendo teleportar com Tako Kakuta. — Será que não poderia enfiar-me no bolso durante a teleportação? Ou será que meu peso representa uma carga excessiva para Mr. Kakuta? Olhei em volta. Tako, que era o terceiro teleportador a bordo da nave, deu uma estrondosa gargalhada.

— Acho que não, Lemy — concluí. — Gucky e Ras Tschubai encarregar-se-ão do transporte de Tolot e Kasom. O senhor há de reconhecer que cada um deles pesa muito mais que o senhor e eu juntos. Tudo bem. Pode ir comigo. Segurei-o na altura dos quadris, empurrei para o lado uma granada de mão atômica que trazia presa ao cinto e enfiei o siganês no bolso esquerdo. As únicas partes de seu corpo que apareciam eram a cabeça e os ombros, mas ele parecia sentir-se muito bem. — Não o inale ao respirar, senhor — advertiu Kasom, que estava de pé ao lado de Ras Tschubai, um teleportador de pele escura. Tolot colocara o rato-castor Gucky em um dos quatro braços. O baixinho deu uma risadinha e cochichou alguma coisa ao ouvido do gigante. Tolot soltou uma estrondosa gargalhada. — Silêncio a bordo — gritou Cart Rudo com a voz potente. — Isto também vale para o oficial de patente especial Gucky. — Seu bicho do toucinho — gritou Gucky e exibiu o dente roedor. — Mr. Gucky, por favor. Ora veja! O que pensou neste instante? Gucky esperneou para sair de cima do braço de Tolot. O antigo habitante do planeta Peregrino desobedecera a uma proibição, investigando o consciente de Rudo, e descobrira um pensamento que não era nada agradável para ele. Tolot acalmou a pequena criatura. — Ele me ofendeu em pensamento — queixou-se Gucky. — Você não vai morrer por isso. Fique calmo. Todos ficaram em silêncio. Lemy coçou meu queixo e piscou para mim. — O que será que o coronel andou pensando, senhor? Dei de ombros e vi que do tempo previsto para o vôo ultraluz já tinham passado treze minutos. Dentro de dois minutos sairíamos — tomara! — perto de Pigell, e voltaríamos a ficar visíveis. Lá embaixo os rastreadores entraram em funcionamento. Milhares de relês saltaram ao mesmo tempo. Tínhamos certeza de que os tefrodenses esperavam que um dia aparecêssemos lá. Sem dúvida estavam preparados. O misterioso desaparecimento de Frasbur certamente dera o que pensar aos senhores da galáxia. Sabiam que possuíamos forças auxiliares com dons supersensoriais, e por isso certamente chegariam à conclusão certa. A única coisa que poderia salvar-nos seria uma ação rápida e precisa. Mais nada. *** Quando a Crest III saiu da zona de libração situada entre a quarta e a quinta dimensão e retornou ao universo normal, só pensei numa coisa: os dois segundos, ou pouco menos, de que ainda dispúnhamos. As reflexões sucederam-se com uma rapidez incrível em meu cérebro. Pigell, o sexto planeta de Vega, estava lá embaixo. O vôo de aproximação, tão perigoso e complicado, fora bem-sucedido. Mas nem tudo dera certo. Éramos muito lentos e tínhamos saído um pouco mais baixo e mais ao leste do que pretendíamos. As influências recíprocas entre o campo kalupiano e as energias que atuavam sobre ele tinham produzido ligeiras instabilidades, do tipo que não pode ser evitado nas manobras lineares. Num vôo normal pelo espaço livre uma margem de erro de alguns quilômetros não tinha a menor importância. Mas em Pigell um décimo de segundo e um metro de altura a mais ou a menos contava. Os campos defensivos hiperenergéticos fizeram brilhar os gases rarefeitos das camadas superiores da atmosfera. Estávamos a pouco menos de cem quilômetros da

superfície do planeta. A velocidade de entrada era de apenas cento e oitenta km/seg, em vez dos duzentos e cinqüenta quilômetros por segundo previstos em nosso plano. As usinas geradoras do ultracouraçado trabalhavam com o máximo de sua potência. As montanhas do pólo norte ainda ficavam atrás da linha do horizonte. Registrei tudo isto numa fração de segundo. Os técnicos e os astronautas tinham realizado uma verdadeira obra-prima — mas nem assim chegáramos com a necessária precisão ao ponto previsto. Cart Rudo levou cerca de um décimo de segundo para reconhecer a situação e interromper a programação por um instante. As reações do epsalense eram de uma rapidez incrível. Usou um comando manual para suspender parte da programação. Os jatopropulsores rugiram. A Crest III acelerou à razão de duzentos quilômetros por segundo. O brilho fosco que aparecia nas telas transformou-se de repente numa fogueira branca ofuscante, que não poderia deixar de interferir nas medições optatrônicas comparativas de nossas miras automáticas. As turbulências da atmosfera, que queríamos evitar de qualquer maneira, estavam ali. Atrás de nós os gases incandescentes penetravam ruidosamente no vácuo que se formava à nossa passagem, produzindo um furacão cujas forças tremendas atingiam a superfície do planeta, causando devastadoras ondas de pressão. Levamos quase dois segundos para atingir a posição de tiro. O comandante voltou a mexer nos comandos. O rugido dos propulsores parou. A Crest prosseguiu à mesma velocidade, pois na altura em que nos encontrávamos a resistência causada pelo atrito do ar era muito pequena para deter a massa enorme do gigante esférico num tempo tão reduzido. A única coisa que poderia salvar-nos seria a habilidade humana, ou a alta qualidade das nossas miras positrônicas. Quando o dispositivo automático finalmente entrou em ação, o prazo de 1,81245 segundos que tínhamos previsto para abrir fogo já fora excedido em um segundo. Apesar dos redemoinhos do ar, que perturbavam a visão, a mira automática identificara o alvo. A fortaleza polar reagiu antes que a Crest tivesse tempo de disparar a primeira bateria de costado. Um raio transportador de energia ultraluminoso de cerca de cinco quilômetros de diâmetro saiu do chão e no mesmo instante atingiu Vega. As energias da estrela gigante já estavam sendo recolhidas pelos conversores da fortaleza, quando mal estávamos dando início à aceleração em nível de emergência. Era uma questão de um centésimo de segundo. Ouvi Rhodan gritar alguma coisa. Pediu a Wiffert que abrisse fogo com os dispositivos manuais. Um brilho avermelhado surgiu em cima das montanhas polares, que já podiam ser vistas. A fortaleza estava levantando seu campo defensivo. Os canhões certamente estavam girando naquele mesmo instante. O giro dos canhões era a última esperança que nos restava. Os transportes de energia de todos os tipos eram realizados à velocidade da luz, mas a massa de um canhão energético pesado não podia ser movimentada com a mesma velocidade. Era a chance que nos restava, depois que tínhamos ultrapassado o tempo previsto. Dali em diante os acontecimentos se desenrolaram tão depressa que nossa mente não teve tempo de absorvê-los todos ao mesmo tempo. Finalmente os canhões da Crest entraram em ação. Bramiram no momento em que o raio transportador de energia já se formara, e a cintilância cada vez mais intensa que se

formara em cima das montanhas mostrava que o campo defensivo da fortaleza começava a estabilizar-se. Ainda nos encontrávamos a cerca de quatrocentos quilômetros do alvo. Como a altura era muito reduzida, o ângulo de tiro tornou-se muito aberto. Por isso as trilhas energéticas de nossos canhões atingiram a superfície antes do alvo, formando desfiladeiros de lava de vários quilômetros. O barulho produzido pelos diversos canhões era quase insuportável. A fogueira atômica produziu um brilho tão forte nos campos defensivos tornados permeáveis do lado de dentro que nem se via mais o alvo. Só mesmo os rastreadores de relevo forneciam um quadro nítido. Este quadro mostrava a destruição tremenda causada apesar do ângulo de impacto aberto, ou talvez justamente por causa dele. As montanhas elevadas foram recortadas nos flancos e perfuradas pela força dos canhões térmicos. As trilhas energéticas de alta temperatura penetravam alguns quilômetros no material, transferindo sua energia para ele. Dali resultaram explosões semelhantes às de uma explosão nuclear, que despedaçavam as cavernas naturais e artificiais. O fenômeno não demorou mais de um segundo. Depois disso estávamos quase verticalmente em cima do alvo, já que a velocidade subira para cerca de quinhentos e noventa km/seg, em virtude do curto período de aceleração. Todas as armas da Crest III estavam atingindo a área de operações. A mira automática já se adaptara ao alvo e fazia disparar os canhões em seqüência rápida. Rudo voltou a mexer nos controles. Neutralizou a velocidade da nave com um empuxo de frenagem de emergência de meio segundo de duração. Desta forma os controles de artilharia automáticos podiam manter as salvas por mais tempo. As vibrações e sacudidelas que a nave sofreu arrastaram-na em sentido contrário ao dos disparos. A esta hora ninguém sabia mais em que lugar nossos tiros atingiam o alvo e qual era a profundidade de sua penetração no solo. Imaginamos que o local do impacto devia oferecer um quadro incrível. A fortaleza não possuía nenhuma guarnição formada por seres vivos. Era inteiramente automatizada. O fato representava um grande consolo para Rhodan, que tinha uma concepção muito humana nestas coisas. Por isso deu permissão para que se abrisse fogo com os canhões conversores. Mais uma vez fomos comprimidos de encontro aos cintos de segurança. Nossos campos defensivos pareciam estar em chamas. Vinte bombas de fusão irradiadas a velocidade ultra-luz, cada uma com um potencial energético equivalente a trinta megatons de TNT, acabavam de descer numa área de oitenta quilômetros de diâmetro. Tinham sido reguladas para explodir ao contato com o solo. Detonaram em meio à matéria que já entrara em ebulição, abrindo crateras profundas. A superfície sólida do planeta ficou abalada, arrebentou sob os efeitos das ondas de pressão causadas pelas explosões e foi arremessada em direção ao espaço. A fortaleza deixara de existir. O raio de transporte de energia desaparecera de repente. No lugar em que instantes antes saíra entre duas montanhas terríveis forças atômicas agitavam-se com uma incrível violência. A cratera aberta pelos canhões da Crest tinha cerca de noventa quilômetros de diâmetro. Era o maior vulcão que já se formara no mundo primitivo chamado Pigell. As vinte cargas explosivas, que segundo os padrões usados por nossos oficiais de artilharia eram muito pequenas, já que geralmente costumava-se falar em termos de gigatons, atomizaram toda a região polar norte do planeta.

Um gigantesco cogumelo atômico subiu ao céu. Afastamo-nos acelerando ao máximo, para abandonar a atmosfera em cujo interior rugiam furacões escaldantes. Os campos defensivos do ultracouraçado repeliram as rajadas de vento e as massas rochosas que chegaram a nós, evitando que o casco da nave fosse danificado. Levamos apenas alguns segundos para voltar às profundezas do espaço. Uma vez lá, desaceleramos. A Crest entrou numa órbita diferente, na qual podíamos observar o que se passava lá embaixo, sem correr qualquer perigo. — O bombardeio foi forte; forte demais — exclamou Rhodan, o que me surpreendeu. — Os tremores tectônicos se propagarão com tamanha força que colocarão em perigo a estação do tempo, que fica a apenas seiscentos quilômetros do campo de batalha. Sete bombas conversoras de trinta megatons cada teriam sido suficientes. Até mesmo o fogo concentrado dos canhões energéticos e dos desintegradores teria chegado. Quem fez os cálculos? — Incluímos um coeficiente de segurança igual a dez — respondeu o centro de matemática. — Abrimos fogo no último instante. Se tivéssemos demorado mais três quartos de segundo, teríamos sido transformados em sucata. — Não acredito. — É isso mesmo, senhor. O campo defensivo já tinha sido instalado, e os canhões estavam girando para a posição de disparo. A fortaleza tinha de ser destruída completamente, pois foi o único meio de evitar que algumas posições de artilharia exteriores abrissem fogo. A probabilidade de que a base do tempo não será destruída é de noventa e oito por cento. Entre a região polar e a Serra do Norte, embaixo da qual fica a estação, existe um oceano de grande profundidade e mais duas serras, além de áreas extensas cobertas de florestas. As formações naturais do solo serão capazes de deter as ondas de pressão. Os deslocamentos do solo só deverão ocorrer até a distância de trezentos e cinqüenta quilômetros do local de impacto dos tiros. A região próxima à base será sacudida por um terremoto, mas este não poderá pôr fora de ação os transmissores do tempo, muito bem montados e solidamente fixados no chão. — Como pode afirmar que foram solidamente montados e fixados ao chão? O Dr. Hong Kao nunca perdia a calma. Não prestei atenção às suas explanações prolongadas, repletas de algarismos. Naquela hora Perry já se recriminava por ter usado as superarmas da nave com tamanha violência. Fiquei preocupado e perguntei a mim mesmo para onde isso nos poderia levar. O chefe de um império estelar tão extenso não podia ceder a este tipo de emoção, senão logo deixaria de ser o chefe. — A fortaleza não passava de uma estação robotizada — observei. — O que é isso, terrano? Desde quando fica de luto por causa de algumas máquinas fundidas? Perry compreendeu que eu percebera o que se passava dentro dele. Rudo olhava tão fixamente para seus controles manuais que até se poderia ter a impressão de que era a primeira vez que os via. Rhodan interrompeu-se no meio da palavra, abriu a boca para dar uma resposta áspera, mas preferiu ficar calado. Mas não pôde deixar de fazer uma observação. — Uma nave do tamanho da Crest deve ser usada antes de mais nada para fins demonstrativos, não como arma. Suspirei. — De acordo, desde que uma demonstração possa resolver o problema. Mas não acredito que o cérebro robotizado da fortaleza se deixaria impressionar com isso.

Perry fez um gesto de pouco-caso. Disse algumas palavras que mostraram o que realmente se passava dentro dele. Naturalmente não se importava nem um pouco com as instalações que acabavam de ser destruídas. Já pensara mais longe. — Quem nos garante que lá embaixo não havia inteligências nativas, que se concentraram justamente na região polar, onde as temperaturas eram mais suportáveis? Demorei algum tempo para encontrar uma resposta a esta objeção. Será que eu deveria dizer que a existência da humanidade, que afinal dependia do regresso de Rhodan ao tempo real, era mais importante que a eventual destruição de algumas criaturas inocentes? Seria um argumento muito duro e lógico e pouco sentimental. Procurei um subterfúgio. — Por enquanto Pigell não desenvolveu nenhuma forma de vida inteligente. Se tivesse, nós a teríamos encontrado no tempo real. — É possível que aqui existissem seres inteligentes, que foram exterminados no passado, ou seja, neste exato momento, por uma medida tática — disse Perry em voz baixa. Os relatos vindos dos diversos postos puseram fim à discussão, o que me deixou bastante satisfeito. O pólo norte do sexto planeta de Vega ainda tinha o aspecto de um gigantesco vulcão. Mas as ondas de pressão já tinham terminado. O tele-rastreamento mostrou que as áreas situadas cerca de seiscentos quilômetros ao sul continuavam praticamente intactas. Não havia nenhum perigo de contaminação radioativa, pois neste ponto as bombas catalíticas terranas eram perfeitamente limpas. Era bem verdade que certos modelos produziam um máximo de radiações, mas estes nunca tinham sido usados por nós. Demorou uma hora até que o enorme cogumelo atômico se desfizesse. Fora carregado pelas tormentas que desabaram sobre Pigell. O centro de computação principal da nave chamou. Seguia sua programação. — Fase três entrando no estágio crítico. Fase três entrando no estágio crítico. Recomenda-se encarecidamente o início das operações. Perry já se acalmara. Parecia ser um homem de duas almas. Ainda há pouco se martirizara com a idéia de que poderia ter matado um grupo de nativos inteligentes. Mas agora, que o ataque à estação do tempo guarnecida por pelo menos quinze tefrodenses era iminente, ele se transformou num homem implacável. As ordens dadas por Rhodan tiveram o efeito sugestivo que lhes era peculiar. Não houve perguntas. A Crest III precipitou-se sobre o planeta e penetrou na atmosfera ao oeste da região polar devastada. Mais uma vez os rastreadores instalados lá embaixo dariam o alarme. Um objeto voador do tamanho da nave-capitânia da frota terrana não passaria despercebido.

8 Em toda minha longa vida nunca cheguei a maltratar outras inteligências ou até animais. Nem física nem psiquicamente. Se alguma vez o fiz, isso aconteceu sem que eu soubesse, ou então por algum descuido. Desta vez estava rindo! Rindo do ataque de loucura de um homem que se julgara superior a todo mundo. Seu nome era Frasbur. Era um dos agentes do tempo dos senhores da galáxia. Depois de nosso ataque de artilharia à fortaleza desistira de representar e começara a xingar nossos mutantes com palavras de baixo calão. Ainda estava furioso. Compreendera que fora elegantemente enganado, e que a espada com que queria ferir-nos fora dirigida contra ele mesmo. Insultou também a mim, proferindo ameaças sem sentido e acabou fazendo várias ofertas tão esquisitas que não poderiam enganar. Os médicos o tinham amarrado ao leito, para garantir sua própria segurança. Havia um assistente de prontidão com uma injeção de calmante. Rhodan não aparecera perto dele. Bastava que eu tivesse de suportar as grosserias de Frasbur. Finalmente este parou. Respirava com dificuldade. Só então tive tempo de dizer algumas palavras. — Nunca se deve subestimar o inimigo, Frasbur. Pelas leis terranas o senhor também é um prisioneiro de guerra, embora devesse ser processado pelos crimes que cometeu. Mas preferimos não fazer isto, pelo simples motivo de que nos encontramos no passado. Os seres que vêm prejudicando o senhor na verdade morreram há cinqüenta mil anos. Mas nem por isso o senhor deixa de cometer um crime ao raptar os elementos mais capazes dos lemurenses para multiplicá-los um sem-número de vezes com base nas matrizes feitas segundo seu modelo. Atacaremos sua estação do tempo, usando os conhecimentos que nos proporcionou em quantidade tão grande. Seja sensato, respondendo a certas perguntas que farei. Frasbur pôs-se a praguejar. Não deixei que isso me perturbasse. Talvez ainda conseguiria que ele me fornecesse alguns dados interessantes. — Vejo que não quer ser sensato. Como oficial bem treinado, com preparo científico e capaz de pensar logicamente, já deveria saber que os seres para quem trabalha já o cancelaram dos seus registros. Se carregasse um receptor de estímulos no cérebro, como fazem os duplos, a esta hora já estaria morto. Morto pela explosão do microaparelho. Frasbur voltou a praguejar. Seu rosto cansado tremia. — Conquistaremos o transmissor de tempo intermediário e passaremos a usá-lo. Quer ajudar-nos? Frasbur ficou com os olhos semicerrados e acalmou-se de repente. Tive a impressão de que acabara de tocar em um dos seus pontos fracos. Devia estar pensando que nunca teríamos uma oportunidade de usar a aparelhagem em nosso benefício. Só queria que ele confirmasse que a transferência temporal de toda a nave era altamente provável, conforme imaginávamos. Se fosse assim, Frasbur voltaria a usar a mesma tática de antes, tentando atrair-nos para perto da estação. Só teria uma chance se conseguisse colocar-nos fora de combate por meio de uma súbita transferência no tempo. Qual seria sua reação?

Não aprendera nada. Os truques que usava para representar tinham-se esgotado. Não tinha outras variedades. Compreendi imediatamente quais eram suas intenções. Um homem que ainda há instantes se rebelara com todas as forças contra a prisão e se tornara tão insolente porque seus planos tinham falhado não se transforma num amigo de uma hora para outra. Frasbur também percebeu, mas não foi capaz de dar um ar de sinceridade às palavras amáveis que passou a proferir. — Acha que eles me cancelaram dos seus registros? Pensa mesmo assim? — Ninguém melhor que o senhor para saber disso. Os chamados senhores da galáxia são seres impiedosos. O senhor não representa mais nada para eles, ainda mais que com seu senso lógico certamente já foram capazes de imaginar que conseguimos enganá-lo com nossos mutantes. Portanto, é bom que fale. Se nos ajudar a manejar a estação do tempo, nós lhe garantiremos um regime de prisão menos rigoroso. O que espera ganhar continuando a bancar o teimoso? Com isso não se consegue as simpatias dos outros. Frasbur bancou o indeciso. Pôs-se a refletir. Para nós a atitude que tomaria em seguida seria decisiva. — Esperarei que ocupem a estação do tempo antes de tomar minha decisão. — Conhece os comandos temporais? — Conheço. Tive de fazer um grande esforço para não mostrar meus sentimentos. Frasbur estava revelando muita coisa que nem imaginava. Não poderia imaginar que para nós era completamente indiferente que conhecesse os comandos ou não. Rhodan decidira que nunca realizaria experiências com o tempo. Só queríamos ser transferidos quinhentos anos para o futuro, deixando para trás os lemurenses. Frasbur aguardava ansiosamente pela pergunta que seria feita em seguida. Já estava concebendo novos planos com os quais queria causar nossa desgraça. — Como funciona o transmissor de tempo intermediário? — Não compreendi a pergunta. — Sua energia é suficiente para provocar um deslocamento desta nave no plano temporal? A reação de Frasbur foi rápida demais. Além disso já tínhamos descoberto que a estação era capaz de criar um campo zero absoluto fora de suas instalações técnicas. — Não se iluda, almirante — respondeu o agente do tempo. — Trata-se de uma estação retransmissora, que só serve para transportar pequenos objetos, até o tamanho de um barco espacial. Além disso o corpo a ser transportado tem de ser introduzido na área de reação. — Numa sala ou num pavilhão? — Naturalmente. O senhor pensava que não? Frasbur ficou atento à minha resposta. Fiz de conta que estava indeciso. — Mas o planeta Vario é capaz de transportar qualquer objeto...! — Aí as coisas são diferentes — interrompeu Frasbur, apressado. — O transmissor gigante que os senhores chamam de Vario é uma superversão. O senhor há de compreender que não pode esperar coisa igual por aqui. Parta para o ataque, conquistem a base e em seguida me concedam um prazo de reflexão. Depois disso decidirei se passo para o lado dos senhores. Senti-me triunfante no meu íntimo. Frasbur também, embora não tivesse tantos motivos para isso quanto eu.

— Vamos pensar nisso. Onde ficam as entradas da base? Fiz a pergunta como que por acaso, embora nosso problema estivesse justamente aí. Os mutantes estavam exaustos, e não conseguiram descobrir como se fazia para entrar nas instalações. Frasbur olhou-me com uma expressão irônica. — Está me testando? O senhor está cansado de saber disso. Fui bastante descuidado para pensar nisso algumas vezes sem bloquear minha mente. — Como se faz para entrar lá? — Usando dois elevadores antigravitacionais, um muito grande, destinado ao transporte de material, e outro de tamanho normal, para passageiros. As entradas foram camufladas de forma a não se destacarem do ambiente. Frasbur forneceu mais algumas informações muito úteis. Fez isso somente para reforçar nossa decisão de ataque, que em sua opinião deveria levar à destruição da Crest III. Já ouvira bastante e resolvi despedir-me. Quando cheguei à sala de comando e comuniquei aos outros o resultado do interrogatório, o ultracouraçado encontrava-se cerca de quinhentos quilômetros ao sul da estação do tempo, na longitude zero. A única coisa que tínhamos de fazer para alcançar a base era voar na direção norte. Algumas tormentas típicas desse inferno selvático fumegante agitavam a atmosfera de Pigell. O céu brilhava constantemente sob o efeito dos relâmpagos. Sua luz atingia as nuvens baixas, que despejavam chuvas torrenciais sobre a superfície do planeta. Vários métodos foram usados na interpretação dos resultados do último interrogatório. Não havia dúvida de que a respeito das entradas da base temporal Frasbur dissera a verdade. Além disso sabíamos que não era necessário que se penetrasse na área de reação para sofrer uma transferência no tempo. A quarta fase do plano estava para ser iniciada. Nosso tempo era mais escasso do que a maior parte dos tripulantes acreditava. Era possível que a energia atômica libertada junto ao pólo norte atraísse uma patrulha halutense. Não estávamos dispostos a conhecer mais de perto as armas deste povo. Tínhamos de encontrar um meio de desaparecer do tempo em que nos encontrávamos. Os últimos detalhes começaram a ser calculados. Os comandos estavam de pé nas escotilhas das eclusas, prontos para saltar. A atmosfera de Pigell era respirável para os seres humanos. A única coisa que nos incomodava era a elevada umidade do ar, que juntamente com o calor produzia um clima de estufa quase insuportável. Os medo-robôs dirigiam-se a um homem após o outro. Aplicaram os novos medicamentos estabilizadores de choque e circulação, que evitariam que a transferência no tempo nos fizesse perder os sentidos. Esperávamos atravessar o acontecimento sãos e salvos e, o que era mais importante, com as reações normais. O medicamento foi aplicado a cerca de cinco mil homens. Voltamos a conferenciar e demos partida na nave. Por enquanto tínhamos de fingir-nos de ignorantes, dando a impressão de que havíamos recebido algumas informações sobre a estação do tempo, mas que apesar delas ainda levaríamos algum tempo para descobri-la. A destruição da fortaleza devia ter produzido nos tefrodenses os efeitos de um raio em pleno céu azul. Tínhamos dado uma demonstração do tremendo poder de fogo da Crest III. Se o supergigante aparecesse voando em ziguezague por cima da área em que ficava a base, o comandante tefrodense só poderia ficar nervoso. Não sabia quais eram as

informações de que dispúnhamos. Naturalmente queria evitar um ataque, e por isso seria forçado a tomar a iniciativa, usando a arma característica de sua estação. Era exatamente o que queríamos. A quarta fase do plano previa nosso afastamento do presente, no qual corríamos tanto perigo.

9 Estávamos parados sobre a área de operações, com os rastreadores funcionando. Embaixo da Serra do Norte, uma cadeia rochosa formada por elevações de apenas trezentos metros de altura, que naquele momento era bem visível, as antenas estavam girando. Sem dúvida fôramos identificados. Bem ao norte continuava a lavrar o incêndio atômico. Sua luz vermelha rompia a penumbra. De vez em quando uma língua de fogo enorme subia ao céu. Pigell continuava a ser um mundo primitivo. Sem dúvida tínhamos criado um vulcão junto ao pólo. Nossos rastreadores não mostravam quase nada. Até mesmo os rastreadores de energia, que numa distância reduzida reagiam à energia liberada por uma simples bateria, só mostravam diagramas confusos, dos quais uma pessoa não familiarizada com o processo certamente não seria capaz de deduzir a presença de gigantescos conjuntos geradores. Os senhores da galáxia sabiam proteger seus segredos técnicos da vista dos desconhecidos. O transmissor do tempo só funcionava com energia solar. Mesmo que se tratasse de uma estação retransmissora de capacidade reduzida, a energia fornecida por um simples conjunto de reatores não seria suficiente. A modificação do eixo de referência no interior dos planos do tempo exigia um volume de energia que só podia ser fornecido por um sol. Quando o tristemente célebre raio de transporte de energia saísse do chão, estaria na hora. Esperávamos que isso acontecesse quanto antes. A Crest revistou a área, descrevendo círculos amplos sobre ela. Naturalmente nossas usinas geradoras trabalhavam em regime de emergência, para fornecer energia aos campos defensivos. Rhodan não quis assumir o risco de talvez ser derrubado por armas leves. Até mesmo um canhão energético de calibre médio poderia tornar-se perigoso, se a nave voasse sem os campos defensivos. Por enquanto Rhodan fora bastante inteligente para não sobrevoar diretamente a Serra do Norte. Mas se os tefrodenses soubessem interpretar corretamente as curvas cada vez mais fechadas que descrevíamos durante a operação de busca, eles compreenderiam que nos aproximávamos do alvo, lenta, mas seguramente. A bordo da nave quase não se dizia uma única palavra. Os resultados fornecidos pelos instrumentos não eram transmitidos. Os canhões estavam apontados para baixo, prontos para disparar. Rhodan estava disposto a atirar imediatamente, caso houvesse uma surpresa. Em hipótese alguma se poderia arriscar a segurança do ultracouraçado, nem mesmo se por isso não pudéssemos executar mais o salto para o futuro relativista. Estávamos iniciando a oitava volta em torno do alvo. Comecei a perder a paciência. O instinto me dizia que a tocha acesa em torno do pólo norte não deixaria de ser notada por muito tempo. Sabíamos que havia halutenses no sistema. Além disso havia o perigo de os senhores da galáxia terem sido informados através de algum sistema de comunicação sobre a destruição da fortaleza. Também eles poderiam tomar suas providências. Poderiam por exemplo provocar um ataque em grande escala da frota lemurense contra o sistema de Vega. Não seria difícil encontrar um pretexto para isto. Transmiti minhas preocupações a Rhodan. Cart Rudo pigarreou e estreitou os olhos. A voz de Tolot trovejou na sala de comando. — Ouça meu conselho, senhor. Siga as recomendações do lorde-almirante. Ele tem um instinto que nunca o engana.

A idéia que era manifestada pela primeira vez me fez sorrir. Mas a preocupação com a nave logo voltou a tomar conta de mim. — Temos de fazer alguma coisa para instigar a guarnição do transmissor do tempo. Não adianta esperar mais. Os tefrodenses ainda se sentem seguros, porque nos mostramos inseguros e o sistema de proteção das instalações transmite um sentimento de segurança. O comandante já deve estar com o dedo no célebre botão, mas ainda poderá esperar algumas horas, a não ser que façamos alguma coisa. Abra fogo com um canhão térmico pesado sobre um ponto interessante situado fora da área que representa o alvo propriamente dito. Devemos dar a impressão de que nossos rastreadores mostraram alguma coisa por lá, que nos levou a atirar. Isso estimula a alma e agita os nervos. Em seguida teremos de aproximar-nos mais do ponto escolhido. Perry fitou-me prolongadamente. Esperei que fizesse uma pergunta, mas isso não aconteceu. Nem sequer manifestou suas dúvidas. Em vez disso foram dadas ordens precisas ao oficial de artilharia. Dois canhões térmicos superpesados trovejaram. Rhodan não se contentara com o disparo de uma única peça de artilharia. Se o terrano fazia alguma coisa, ele a fazia bem-feita. Os contrafortes da Serra do Norte, que eram elevações rochosas de cerca de cinqüenta metros de altura, cobertas de uma vegetação densa, transformaram-se num vulcão atômico. As trilhas energéticas penetravam profundamente na rocha, formando uma esfera gasosa e fundindo sob uma pressão cada vez maior uma escavação subterrânea. Depois disso o material cedeu, e houve as explosões típicas dessa espécie de bombardeio. A Crest passou rugindo sobre a área em ebulição. Rios de lava ofuscantes desciam pelas encostas, despejando-se no oceano equatorial. Imensas nuvens de vapores subiram ao céu e foram espalhadas pela tormenta. Dentro de instantes as nuvens despejaram cascatas de chuva. As pessoas que se encontravam a bordo ficaram mais animadas. Sempre era bom fazer alguma coisa. Dali a dez minutos a nave seguiu em direção ao setor central da Serra do Norte. A estação do tempo ficava embaixo desse setor. Tínhamos determinado sua posição, com base nas informações fornecidas por Frasbur, com uma tolerância de mais ou menos mil e duzentos metros. A Crest voava a cinco quilômetros de altura. Apesar disso devia representar um quadro assustador, por causa do tamanho. A atmosfera iluminou-se sob a ação de nossos campos defensivos. As pancadas de chuva se evaporavam, e as rajadas dos furacões eram desviadas em forma de faixas de gases incandescentes. Nossa velocidade era de apenas cem quilômetros por hora. Diante da massa enorme da Crest, um observador que se encontrasse na superfície certamente seria levado a acreditar que nos deslocávamos muito mais devagar que isso. Olhávamos ansiosamente para as telas de imagem. Estava todo mundo com os cintos atados nas poltronas anatômicas dos postos de combate. Os membros dos comandos eram os únicos que tinham que dispensar este conforto. Se quiséssemos que o campo zero absoluto nos atingisse e nos transferisse no tempo, tudo teria de ser muito rápido quando se verificasse o processo de estabilização. Fiquei preocupado com os três teleportadores e virei o rosto para eles. Gucky, com seu cérebro não-humano extremamente sensível, era o mais suscetível às influências psíquicas. Fiz votos para que tudo acabasse bem.

Era o mais forte dos teleportadores e teria de transportar Icho Tolot. Até uma hora antes do início da operação os mutantes tinham ficado mergulhados num sono profundo e reparador. Já estavam novamente em forma. Não podíamos dispensá-los. — Que diabo será que eles estão esperando? — perguntou Rhodan. — Estamos quase exatamente em cima da base. Atenção, sala de rastreamento. Envie um potente raio de rastreamento de matéria para a superfície. Dirija-o exatamente para o centro. Quero que seja detectado. Faço questão...! Perry não teve tempo de completar a frase. O comandante tefrodense, que devia ser um agente do tempo qualificado que nem Frasbur, perdeu os nervos e comprimiu o botão. Um raio ofuscante saiu das montanhas. Antes que o dispositivo automático tivesse tempo de colocar os filtros diante das câmaras externas, o raio atingiu Vega e a estação do tempo despertou para uma vida apavorante. Uma coisa que não conseguimos compreender precipitou-se em nossa direção, alcançou-nos juntamente com os campos defensivos e fez com que as telas empalidecessem no mesmo instante. Ouviu-se um forte ruído. Até parecia que alguém acionara um antiquado motor de combustão interna dentro de um barril de vinho. Ouviram-se gritos partidos da boca de muitos homens que não conseguiram controlar-se, apesar de os termos prevenido sobre este efeito. Os ruídos foram ficando cada vez mais abafados. Até parecia que alguém colocara algodão no meu ouvido. Uma série de movimentos enervantes teve início nas telas. Desta vez avançamos no tempo. Mas não chegamos a ver as cenas que se desenvolviam como que num filme, que tínhamos presenciado em Vario. Parecia que nada estava mudando, apesar da mudança extremamente rápida que sofríamos no tempo. Só vimos alguns vulcões entrarem em erupção, mas eles logo voltaram a apagar-se. Novas baías se formaram no litoral do oceano primitivo que limitava os flancos sul da Serra do Norte. Duas ilhas levantaram-se na água e dentro de alguns segundos relativistas foram cobertas pela selva. Estes fenômenos eram o único ponto de referência que levava à conclusão de que estava havendo um deslocamento no tempo. Os efeitos físicos que se verificavam no interior da nave restringiram-se a um rugido oco. Perry encostou o microfone do intercomunicador geral aos lábios. Conseguiu falar, embora sua voz tivesse um tom diferente. A comunicação pelo fio funcionava perfeitamente. — Chefe chamando todos os tripulantes. Atenção para as informações. Quarta fase logo será concluída. Depois dela haverá duas alternativas. Seremos libertados do campo zero absoluto sem outros incidentes, ou então teremos de levar avante nosso plano de ataque. Isso só acontecerá se a estação do tempo acompanhar o deslocamento nos planos de referência temporal. Como sabem, isso não aconteceu em Vario. O transmissor de grande porte permaneceu em seu próprio plano temporal. Não sabemos se com as pequenas estações transmissoras acontece a mesma coisa, ou se seu mecanismo os obriga a acompanhar todo e qualquer deslocamento no tempo. Do ponto de vista matelógico é bastante provável que seja assim. Se os agentes do tempo acompanharem o deslocamento temporal, eles devem ter uma possibilidade de voltar ao ano 49.988 antes de Cristo. Mas isso só poderá ser feito se o transmissor estiver funcionando. Por isso vamos admitir como certa a hipótese de o transmissor de tempo intermediário acompanhar o deslocamento, de forma que depois dele teremos de contar com sua presença e com a dos homens que o guarnecem.

Rhodan calou-se e contemplou as telas de imagem. Os vulcões já se tinham apagado. Perry lembrou-se de uma coisa. Era uma idéia que também me andava maltratando. — Prestem atenção. Há algo de errado em nosso raciocínio. Se o comandante da estação quiser usar o campo de transposição somente para escapar a um ataque da Crest, ele não terá nada a ganhar caso depois da manobra a nave continue na área que nem uma sombra ameaçadora. Acho que assim que a movimentação no tempo chegar ao fim seremos atacados. Segundo as informações fornecidas por Frasbur, os tefrodenses esperam que as cargas mecânicas e hiperfísicas ligadas ao processo farão com que os tripulantes percam os sentidos. Mas acho que isso ainda não basta. Fiquem atentos e não deixem que alguma coisa os impeça de cumprir as ordens que receberem. Alguma coisa vai acontecer. Atenção, setor de máquinas. Se o efeito temporal produzir uma perturbação passageira nas unidades geradoras e, portanto, nos campos defensivos, acelere imediatamente e retire-se para trás do horizonte de rastreamento. Retorne assim que as máquinas voltem a funcionar perfeitamente. Os mutantes saltarão de qualquer maneira com os combatentes individuais que já foram escolhidos. Fim da transmissão. Estas palavras me deixaram entusiasmado. Perry percebera o que era importante e o que não era. Nos poucos segundos que restavam fiquei me perguntando quanto tempo levaria a humanidade para produzir outra vez um homem tão grande. Rhodan era um fenômeno sob todos os pontos de vista. Eu nunca teria sido capaz de expor a situação de forma tão clara — pelo menos tão depressa. As imagens projetadas nas telas foram se sucedendo mais devagar. Já víramos isso em Vario. — Ligar campos defensivos individuais — ordenou o comandante. — Procurem não entrar em contato com seus vizinhos. Não é perigoso, mas sempre há uma possibilidade de que isso possa provocar o colapso dos campos defensivos. Apertei a chave do dispositivo automático que ligava o campo defensivo. O pequeno conversor instalado em minha mochila uivou. O campo defensivo foi-se formando rente a meu corpo e acabou se fechando. Fui levantado um centímetro acima do assento da poltrona. Estava na hora. Lá fora de repente era dia claro. A luz do sol atravessava uma fresta nas nuvens, refletindo-se um sem-número de vezes em reluzentes pingos de orvalho e chuva. Nossas vozes voltaram a soar como sempre. A Crest III continuava parada em cima da estação. Notei que nossas usinas geradoras começavam a falhar. O efeito que Rhodan esperara instintivamente acabara de verificar-se. — Saltem — gritei para Gucky e Ras Tschubai. — Tako...! O teleportador já estava parado atrás de mim. Fui obrigado a desligar meu campo defensivo. Tako colocou os braços sobre meus ombros, concentrou-se e criou um campo de desmaterialização com a força do espírito. Gucky já desaparecera juntamente com Tolot. O afro-terrano Ras Tschubai e Melbar Kasom começavam a dissolver-se no ar. Os alto-falantes trovejaram. Dois postos queriam falar ao mesmo tempo. O rastreamento anunciou o impacto de tiros disparados por posições de artilharias escondidas, e a sala de máquinas informava que a nave estava acelerando. Não ouvi mais nada, mas o que ouvira bastava para que compreendesse que os tefrodenses tinham aberto

fogo com canhões pequenos e de calibre médio assim que o processo de deslocamento temporal chegara ao fim. Se realmente tivéssemos ficado inconscientes, não haveria ninguém que pudesse tirar a nave da área de perigo. Como o desempenho das usinas geradoras tinha sofrido uma redução, nossos campos defensivos não teriam energia suficiente para absorver o cerrado fogo energético. A Crest poderia perfeitamente ter sido destruída. Senti a dor lancinante que acompanhava a dissolução do corpo. Não estava mais acostumado a isso. Os mutantes não sentiam mais nada. Os contornos foram-se tornando confusos. Voltei a sentir dores, mas já não me encontrava na nave, mas sob a superfície do planeta Pigell. Nosso espia, o mutante Wuriu Sengu, que era capaz de olhar através de matéria sólida de qualquer espécie com a mesma facilidade com que um homem normal enxerga através de uma lâmina de vidro, fornecera uma descrição detalhada das instalações. Ficavam duzentos e vinte metros embaixo da superfície, em média, e eram formadas principalmente por três salas redondas, de oitocentos metros de diâmetro e trezentos de altura. Era nestas salas que tinham sido instalados os conversores que transformavam a energia solar. Os gigantescos pavilhões ficavam nos pontos de interseção de três linhas que formavam um triângulo com dois lados iguais. No recinto situado entre as salas ficava a parte mais importante da base, que era o transmissor de tempo intermediário propriamente dito. O transmissor tinha sido montado num pavilhão de apenas quatrocentos metros de diâmetro, com trezentos metros de altura, tal qual as outras salas. Recebia a energia diretamente das máquinas instaladas nas salas dos conversores. Cerca de cinqüenta metros embaixo destas salas havia mais doze salas dispostas em círculo, todas com apenas cento e vinte metros de diâmetro e sessenta de altura. Nestas salas ficavam os laboratórios de todos os tipos, os depósitos de mantimentos e os estaleiros completamente automatizados nos quais podiam ser consertadas naves de pequeno porte. Os alojamentos dos tefrodenses e o centro de controle ficavam entre os dois planos em que ficavam as salas, num setor especialmente protegido. Sabíamos perfeitamente para onde tínhamos saltado com os teleportadores. Wuriu Sengu fizera um excelente trabalho. Os mapas elaborados com base em suas observações eram tão exatos como se poderia esperar de uma inspeção tão estranha. Evidentemente havia pequenos erros. Até tive o cuidado de incluir margens de tolerância maiores em meus cálculos. Por exemplo, Wuriu não fora capaz de visualizar perfeitamente o centro de comando, porque este era protegido por um campo defensivo vermelho. Fiquei tonto. Apoiei-me na parede mais próxima, tentando clarear a vista que se turvava. Enquanto isso Tako Kakuta já tinha desaparecido. A essa hora Gucky e Ras deviam estar a bordo da Crest para trazer outros combatentes. O que mais precisávamos neste lugar do subsolo eram robôs de guerra pesados, capazes de enfrentar as máquinas dos tefrodenses. Tako voltou com Ivã Goratchim, um mutante de duas cabeças. Gucky e Ras trouxeram Wuriu Sengu, o espia, e Baar Lun, o conversor de energia. O hipno André Noir e o telepata John Marshall ficariam a bordo, para servir de elementos de ligação. Só faltavam os gêmeos Woolver, que eram os únicos especialistas da USO que tinham conseguido voltar ao tempo real.

A primeira coisa que fiz quando voltei a raciocinar foi ligar o transmissor de raios goniométricos. Demorou apenas meio segundo que uma nuvem de fumaça fina saísse do aparelho. A nuvem foi ficando mais densa e assumiu os contornos de um corpo humano. No mesmo instante os majores Rakal e Tronar Woolver apareceram à minha frente, em tamanho natural. Tinham-se introduzido na faixa de impulsos de meu transmissor, usando a energia como meio de transporte. — Chegamos a pensar que alguma coisa lhe tivesse acontecido, senhor — disse Rakal. — Seu impulso demorou bastante. — Não me sentia bem. Como estão as coisas lá em cima? — A Crest está voltando. Os campos defensivos funcionam de novo. Ficamos surpresos por termos sido atacados com armas tão fortes. Duas trilhas de raios térmicos atingiram a nave, mas as avarias são insignificantes. A blindagem externa resistiu ao impacto. Podemos começar? Pus-me a escutar. Por enquanto não se ouvia nada. Tínhamos saído em um dos três pavilhões gigantescos. Os conversores de energia eram parecidos com arranha-céus. Cada um deles tinha duzentos metros de altura e oitenta de diâmetro. — O raio de transporte de energia solar ainda continua? Tronar respondeu que não. Tako apareceu trazendo o primeiro robô de guerra. Era uma máquina de três metros de altura, que possuía quatro braços e estava equipada com armas superpotentes. Só esperava que alguém lhe desse instruções. — Fique perto de mim, faça o rastreamento e abra fogo caso apareça um ser vivo que não irradie o impulso de identificação. — Entendido. Atirar em qualquer coisa que não transmita o impulso em código. Apalpei instintivamente meu transmissor de pulso. Os robôs pesados seriam impiedosos se um dos transmissores falhasse. Fiquei novamente na escuta. Comecei a ter medo. Será que não havia ninguém na estação? Ainda estava refletindo sobre isso, quando Tako trouxe o segundo robô e o ambiente se transformou de repente num inferno. A gigantesca arma energética de Icho Tolot produzia um ruído inconfundível. Até parecia o rugido de um monstro primitivo, ou o barulho das ondas tangidas pela tempestade. No mesmo instante as máquinas-mamute pareciam adquirir vida. Recuamos imediatamente, para evitar que o reflexo de um raio energético nos carbonizasse. O silêncio que reinava ainda há pouco foi substituído por um barulho incrível. Sem dúvida alguém estava precisando de energia. Provavelmente nossa entrada não convencional acabara de ser notada nesse instante. Isso representava a surpresa mais desagradável que a tripulação tefrodense sofrerá em toda sua carreira. Tako voltou a aparecer, trazendo o terceiro robô. O homenzinho parecia exausto. — Temos de parar um pouco, senhor — informou com o rosto infantil desfigurado pela dor. — Instalaram um campo defensivo relativista vermelho. Mal e mal consegui passar. Como sabe, é quase impossível atravessar as linhas energéticas semelhantes às geradas por nosso campo. O Chefe manda dizer que os comandos de desembarque estão prontos para saltar. Pede que tentem desligar os projetores que alimentam o campo defensivo ou interromper o fornecimento de energia. A bordo da nave está tudo bem. O campo defensivo hiperenergético voltou a funcionar perfeitamente e com ele será facílimo defender-se do fogo energético.

Olhei em volta. Oficialmente era o comandante das tropas que participavam da operação. Mas no momento não havia muita coisa para comandar. Tolot e Kasom tinham sido largados em outros lugares e tentavam chegar ao centro do comando. Resolvi que minha tarefa consistiria em colocar em funcionamento um dos dois elevadores antigravitacionais, ou ao menos remover um eventual campo defensivo. Transmiti minhas instruções e entrei em contato com os combatentes mais fortes da Crest, usando o radiofone. Melbar respondeu prontamente. — Tive contato com o inimigo, senhor. Dois tefrodenses vieram pelo corredor. Pareciam triunfantes. Nem tiveram tempo para arrepender-se. Estou avançando de acordo com os planos. — Tolot...! — chamei. — Estou na frente da sala central, em que está instalado o transmissor do tempo. Está desligado. Cortei as portas de correr e destruí a tiros dois dos cabos principais. Por enquanto o aparelho não funcionará. Acenei com a cabeça. Estava satisfeito. Lembreime de que nossos lógicos tinham razão. A estação do tempo acompanhara o deslocamento. Nossas previsões tinham sido corretas. Se o transmissor não funcionasse mais, estaríamos a salvo de qualquer ataque. Ninguém poderia saber exatamente em que época tínhamos ido parar. As comunicações de rádio da Crest tinham sido interrompidas. Era por causa do campo defensivo vermelho. Recuamos para junto das grandes portas de correr, cortamo-las sem produzir qualquer calor, usando os desintegradores dos robôs, e lançamos mais um olhar para o pavilhão gigantesco. Os conversores estavam funcionando. Suas coberturas abauladas emitiam um brilho ultraazul. Preferi não assumir o risco de atirar nestes monstros. Poderia haver uma explosão devastadora. Devia haver outro meio de interromper o fluxo de energia para os projetores que alimentavam os campos defensivos. Gucky materializou bem à minha frente. Estava radiante. — Foi um trabalho excelente, não foi? — gritou para superar o barulho. — Descobri o centro de comando, mas não consigo atravessar o campo energético. Eles se trancaram. Vamos começar? *** As instalações subterrâneas foram sacudidas por uma explosão. Seguiu-se outra e mais outra. O rugido dos potentes conversores de energia transformou-se num estrondo. Naquele momento flutuava no elevador de carga, que saía na encosta sul da Serra do Norte e permitia o transporte de objetos volumosos para o mundo que ficava no subsolo. Não conseguimos abrir mais as gigantescas portas de correr muito bem camufladas e adaptadas ao ambiente, que davam para a superfície. Por isso simplesmente dei ordem

para que um robô recortasse uma placa de dez por dez metros e a deixasse cair no poço, onde ainda continuava. A luz do sol penetrava no poço do elevador. Os tefrodenses tinham desligado o campo antigravitacional, mas não adiantou. Parecia que não faziam a menor idéia do grau de treinamento e da experiência das tropas de elite terranas. Não era a primeira vez que fazíamos isso. Principalmente Tolot e Kasom eram especializados em conquistar bases fortificadas como esta. Lá embaixo rugiam as batalhas encarniçadas travadas com os robôs de guerra dos tefrodenses. Eram máquinas de alta qualidade, que ofereciam uma resistência surpreendente às nossas construções. Seus campos defensivos eram de primeira qualidade, e para neutralizá-los nossas máquinas de guerra tinham de dirigir seu fogo energético concentrado num ponto bem determinado. Quando isso acontecia, a estrutura do campo era enfraquecida em outros pontos, onde se tornava possível a ruptura. Os dispositivos de autocontrole de nossos robôs de guerra pareciam ser melhores. Compreenderam num instante como poderiam enfrentar seu inimigo mecânico. As explosões iam se sucedendo. Tolot lutava que nem um demônio. Detectara com seu equipamento especial cinco tefrodenses que tinham avançado até os recintos em que ficavam os conversores de energia, passando por corredores secretos. Não tiveram a menor chance contra o halutense, que com um único tiro os obrigara a recuar para seus esconderijos e em seguida investira contra eles somente com as mãos. Os gritos de pavor dos tefrodenses ainda ressoavam em meus ouvidos. Os halutenses sempre tinham sido e continuavam a ser os maiores combatentes individuais da galáxia. Depois disso cuidei de minha missão, que depois das três explosões parecia ter sido cumprida. Depois que chegamos à superfície não foi difícil encontrar os projetores do campo defensivo fixados no solo. Nem precisamos usar nossos rastreadores para isso. Os três teleportadores dispararam ao mesmo tempo cargas explosivas de pequeno volume. Voei para a superfície assim que as ondas de pressão se desfizeram. Segurei-me na borda recortada da tampa do poço do elevador e olhei para fora. Havia três crateras enormes das quais saía uma incandescência vermelha. O lado sul do campo defensivo desmoronara. Línguas de fogo violetas subiam nas partes que continuavam de pé, mas que também começavam a instabilizar-se. Foram lançadas mais três granadas-foguete, que destruíram outros projetores. O campo energético apagou-se de vez. As máquinas instaladas nas salas dos conversores trabalharam loucamente, até que foram desligadas por um dispositivo de segurança. Depois disso também se apagou o ofuscante raio transportador de energia, que logo depois de nosso ataque voltara a unir a base temporal a Vega. Sabia que a vitória era nossa. O que faltava era praticamente uma rotina. O gigantesco corpo esférico da Crest III estava suspenso sobre a paisagem fumegante. Gucky e os outros mutantes tentavam inutilizar as quatro cúpulas de canhões que tinham saído da base do tempo. Os teleportadores representavam um recurso substituível em operações desse tipo, pois podiam saltar instantaneamente de um lado para outro sem correr o perigo de entrar num fogo cruzado. As cúpulas foram pelos ares. Meu rádio-capacete entrou em funcionamento mais ou menos no mesmo instante. Era Rhodan que me chamava de dentro da nave.

— Tudo bem — respondi. — O campo defensivo foi eliminado e as torres de canhões acabam de explodir. Viram o buraco que recortei na tampa do grande elevador antigravitacional? — Você acha que somos cegos? Trate de sair do caminho. Os robôs entrarão em primeiro lugar. Olhei para cima. Vi chover os corpos de aço negros das máquinas de guerra e tratei de reduzir a potência de meu aparelho voador para recuar para o interior da estação. Dali a cinco minutos os robôs e os comandos interferiram nos acontecimentos. Os robôs de vigilância tefrodenses, que eram aproximadamente em número de cem, arrebentaram sob a chuva de fogo despejada por nossas máquinas. Kasom e Tolot já se encontravam perto do campo energético que protegia o centro de comando. Este campo certamente era alimentado por um reator autônomo, senão já teria deixado de existir. Corri para onde estava Kasom e abriguei-me juntamente com ele atrás de uma coluna de sustentação. Kasom apontou para a frente. — Já descobrimos os cadáveres de nove tefrodenses. Os outros devem ter-se recolhido à sua toca. Nem se arriscam a pôr o nariz do lado de fora. Acho que devemos intimá-los para que se rendam. Olhei em volta. A estação estava repleta de tropas. Os comandos científicos passavam correndo pelos corredores amplos. Eram eles que tinham de examinar as instalações técnicas. Enquanto isso na superfície a área estava sendo isolada e nossas tropas ocupavam o outro elevador gravitacional. Peguei meu rádio-transmissor portátil. Kasom segurou meu braço. — Não adianta, senhor. O campo defensivo absorve as ondas de rádio. Quando muito, pode tentar entrar em contato com o comandante tefrodense. Pedi que os homens que continuavam na Crest me enviassem um amplificador portátil com alto-falante. Quando o aparelho chegou, a situação já se tinha estabilizado. Os últimos robôs tefrodenses estavam explodindo sob o fogo de nossas máquinas de guerra. — As antenas de rádio foram destruídas, senhor — informou o Major Don Redhorse, chefe das tropas de superfície, pelo rádio. — Encontramo-las em galerias bem camufladas. Não chegou a ser transmitida nenhuma hipermensagem. — Para onde poderia ser transmitida? — respondi em tom áspero. — Estamos no ano 49.488. É ao menos o que espero. Dali a pouco o Dr. Spencer Holfing entrou em contato comigo. Encontrara grande número de instrumentos num centro de controle que continuava intacto. Estes instrumentos mostravam que realmente fôramos transportados quinhentos anos para o futuro relativista. Nossos cientistas sabiam muita coisa a respeito dos segredos técnicos de um povo desconhecido, e por isso eram capazes de fazer a leitura exata dos controles. O Dr. Hong Kao informou que acabara de descobrir um transmissor de matéria comum em uma das doze salas que ficavam cinqüenta metros abaixo do plano dos pavilhões energéticos. Também não estava funcionando. Ao que tudo indicava, dependia de um suprimento de energia vindo de fora. Os técnicos montaram os alto-falantes. O silêncio reinou nos recintos amplos. — Atlan, comandante supremo da USO e chefe das tropas de comando, chamando o comandante da estação do tempo. O senhor me ouve?

Não houve resposta. Repeti o chamado quatro vezes. Nossos homens estavam bem abrigados. As portas de aço de uma eclusa de climatização brilharam atrás do campo energético transparente. Finalmente ouvi uma voz estranha. Parecia que os homens cercados também estavam usando um sistema de amplificação. — Nós o ouvimos. Que deseja? Respirei aliviado. — Pouca coisa. Desliguem seu campo energético e saiam com as mãos para o alto. A única coisa capaz de salvá-los é a rendição incondicional. — O senhor é um presunçoso. Nunca poderá conquistar o centro de comando, a não ser que destrua a base. E uma coisa que o senhor não poderá fazer. Nunca me renderei. A qualquer momento chegará alguém para auxiliar-nos. Insisti para com o agente do tempo para que abandonasse suas idéias insensatas. Tentei mais uma hora, mas acabei desistindo. Virei a cabeça e vi Perry Rhodan parado atrás de mim. As armas automáticas do centro de comando voltaram a atirar. Tratava-se de desintegradores e armas de ressonância, cujas vibrações podiam tornar-se perigosas, porque desmanchavam as células. Fomos obrigados a retirar-nos para um local mais distante. — Pode começar — disse Perry, dirigindo-se a um técnico. O homem desapareceu. — O que pretende fazer? — perguntei em tom exaltado. — Eles pecaram por omissão. O campo energético envolve o centro de comando, mas não se lembraram da base. Avançaremos pela rocha natural, seguiremos num ângulo de noventa graus e abriremos fogo com nossas armas térmicas. Transmita isto a eles. Quero que sejam prevenidos. Vi que o terrano se fechara dentro de si mesmo. Antes de transmitir o ultimato, resolvi chamar Tronar Woolver. — Tronar, não existe mesmo nenhuma possibilidade de atravessar este campo energético e materializar no centro de comando? — Já tentamos, senhor. Conseguimos estabelecer ligação com os impulsos transmitidos pelo campo energético, mas não chegamos a sair dos projetores. Devem ter instalado uma parabarreira. Não me pergunte como fizeram isso. Acho que ainda não conhecemos todos os recursos técnicos dos senhores da galáxia. Não havia alternativa. Teríamos de usar a força. Voltei a pegar o microfone e regulei o amplificador para o volume máximo. Os tefrodenses suspenderam o fogo. Notei que não usavam nenhuma arma que pudesse causar avarias graves na estação. — Uma vez aberta a galeria, os senhores serão destruídos pelo fogo de nossas armas térmicas — concluí. — Sejam sensatos. Os senhores não têm como resistir ao ataque. Querem morrer queimados nessas salas apertadas? Fiquei calado, à espera da resposta. Rhodan não disse uma palavra. Seu rosto se transformara numa máscara. O comandante continuava em silêncio. Cerca de cinco minutos depois da transmissão de minha mensagem ouvimos alguns ruídos. Vinham do centro de comando. — O que foi isso? — cochichou Kasom, nervoso. Lemy Danger voou em minha direção. Nenhum de nós ouvia tão bem quanto ele. — Senhor — gritou. — Deram seis tiros. Devem ter sido armas energéticas. O ruído era inconfundível. Rhodan estremeceu e mudou de cor. — Será que o senhor não se enganou?

— De forma alguma, senhor. O senhor sabe que tenho um excelente ouvido e...! — Sei, sim — interrompeu Rhodan e olhou para mim. Começamos a desconfiar de uma coisa. Conhecíamos a mentalidade dos agentes do tempo, que estavam sempre dispostos a sacrificar a própria vida. A voz estranha voltou a fazer-se ouvir. Era o comandante. — Neskin, comandante da base do tempo, chamando Atlan. Conferi suas alegações e cheguei à conclusão de que realmente não temos como impedir a abertura de uma galeria com armas térmicas. Dei ordens para que a estação, que não pode ser dispensada, seja conservada de qualquer maneira. O fogo de suas armas destruiria não só o centro de comando, mas outros setores. Por isso resolvi capitular. Acabo de fazer a interpretação lógica dos fatos e cheguei à conclusão de que os senhores evitarão a destruição das instalações, nem que seja por curiosidade. E existem outros motivos para isso. Além disso o baixo grau de desenvolvimento técnico dos senhores constitui a melhor garantia de que as máquinas continuarão a ser um mistério para seu grupo. É altamente provável que os seres a cujo serviço me encontro lancem um contra-ataque, e por isso prefiro que a base continue intacta. Para isso torna-se indispensável minha rendição. Submeto-me às leis e acredito no alto grau de probabilidade das minhas previsões. — O senhor está louco — berrei. O comandante deu uma risada. — De forma alguma. O senhor é que não compreende nossa lealdade e senso de ordem. Rendendo-me imediatamente, evito a destruição imediata das instalações. A probabilidade de que os senhores não se alegrarão por muito tempo com sua conquista me dá o direito de tomar esta decisão. Evidentemente sou obrigado a tomar as providências necessárias para que os membros da guarnição não sejam interrogados pelos senhores. Isto também se aplica à minha pessoa. Deixá-los-ei, levando comigo meus segredos técnicos. Acabo de fuzilar as seis pessoas que estavam sob minhas ordens. Cumprindo meu último dever, abrirei o campo defensivo. Faço votos de que isto lhes dê muito prazer. O comandante deu outra risada. Estávamos com o rosto pálido. O tal do Neskin só podia estar louco. O campo energético vermelho tremeu e apagou-se. As portas blindadas abriram-se. No mesmo instante ouvimos outro tiro de arma térmica. Entramos cuidadosamente e vimos sete cadáveres. Eram os últimos homens da guarnição. Neskin estava sentado em sua poltrona giratória, com um sorriso irônico nos lábios pálidos. Retirei-me da sala enorme, onde tive a impressão de que iria morrer sufocado, e entrei no elevador antigravitacional para subir à superfície. A Crest continuava suspensa sobre a paisagem intocada. Rhodan veio atrás de mim. Estava sério e pensativo. — Foi a reação típica de um agente do tempo — observou. — Frasbur também quis sacrificar-se. Neskin desistiu da luta porque não queria pôr em perigo a base. Qual será o segredo que ele levou consigo? Era o que eu também estava pensando. Neskin dera a entender que esperava um contra-ataque, mas parecia que não era só isso. Perry continuou a refletir. — Uma coisa é certa. As instalações são muito importantes, tanto que ele não quis tomar a iniciativa de sacrificá-las. Parece que se contentou com sua reconquista pelos senhores da galáxia. É uma reação estranha! Estes homens devem ter recebido um

comando parapsíquico de autodestruição, sem que se dessem conta disso. Acho que Frasbur deveria ser submetido a um exame cuidadoso, para verificar este ponto. Preferi não quebrar mais a cabeça com este mistério. Para mim o fato de termos escapado ao perigo representado pelos lemurenses bastava. Podíamos fazer calmamente nossos vôos de reconhecimento em direção ao transmissor solar galáctico, tentando descobrir um caminho que nos levasse de volta à galáxia de Andrômeda. Saí para a plataforma rochosa que ficava à frente do grande elevador de carga. Rhodan forneceu instruções detalhadas ao comandante da nave. A vegetação que havia numa planície ampla situada ao oeste do elevador antigravitacional seria retirada por meio de disparos cuidadosos das armas térmicas, para criar um campo de pouco provisório. A Crest III movimentou-se devagar e parou em cima da área indicada. Uma corveta aproximou-se, vinda do norte. Saíram num vôo de reconhecimento, quando ainda estávamos negociando com Neskin. — Está provado que realmente houve um deslocamento no tempo, senhor — informou o comandante do pequeno veículo espacial pelo radiofone. — As crateras abertas pelas bombas já esfriaram. Não existe nenhuma radioatividade. A selva tomou conta de tudo. Isso deve ter levado vários séculos. Rhodan limitou-se a acenar com a cabeça. Sentou numa pedra. Fitou a Crest com os olhos semicerrados. Wiffert estava dando início à limpeza do terreno. As plantas vigorosas eram carbonizadas pelos feixes de raios bem abertos dos canhões térmicos. — Encontramo-nos no ano 49.488 antes do início da Era Cristã — disse Perry, absorto em pensamentos. — Tomara que nosso plano não tenha nenhuma falha, amigo. Não me sinto muito bem dentro do meu couro. Fiquei calado. Perry tinha razão. De repente não me sentia tão seguro da vitória como no dia 14 de junho. Estava muito menos confiante! *** ** * Eles derrotaram a guarnição da estação do tempo de Pigell, depois que Frasbur lhe revelara seu segredo. Dão um salto para a frente de 5OO anos e pensam que estão em segurança. Mas o sentimento de segurança é uma ilusão, pois Pigell é O Mundo dos Imateriais! Leia a história no próximo volume da série Perry Rhodan.

Visite o Site Oficial Perry Rhodan: www.perry-rhodan.com.br

Related Documents

Desconhecido
August 2019 30
H-k
October 2019 43
272-ultimato)
July 2020 3
H O K
December 2019 25