(P-238)
COMBOIO PARA O DESCONHECIDO Autor
K. H. SCHEER
Tradução
RICHARD PAUL NETO
O ano 2.402 está sob o signo do avanço terrano em direção a Andrômeda. Ainda não foi inventado nenhum sistema de propulsão que permita vencer o abismo imenso que separa as galáxias, mas Perry Rhodan e seus companheiros já se encontram na nebulosa de Andro-Beta, que é um posto avançado de Andrômeda. As estações de transmissores dos senhores da galáxia, que dominam Andrômeda, tornaram possível seu avanço arrojado. Quase se chega a ter a impressão de que a operação cabeça-de-ponte é arriscada demais. Afinal, a nave-capitânia de Perry Rhodan, a Crest II, caiu nas mãos dos twonosers enquanto estava realizando uma operação de reconhecimento, e depois de uma luta feroz Perry Rhodan e mais dois mil terranos tiveram de percorrer o caminho amargo para a prisão. A guerra das castas foi desencadeada, e não demorou que os prisioneiros abrissem caminho para a liberdade. Enquanto esses acontecimentos se verificassem no interior do cadáver de um moby, uma frota de abastecimento atingiu os limites da nebulosa Andro-Beta. Essa frota era formada por seis gigantescas naves cargueiras e um cruzador pesado. Os astronautas terranos precisam ter muito cuidado, pois o inimigo desenvolve uma atividade febril na nebulosa AndroBeta. Qualquer erro tático dos terranos pode causar uma catástrofe — e o vôo de suas naves não passa de um Comboio Para o Desconhecido...
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Personagens Principais: = = = = = = =
Atlan — O lorde-almirante que toma a iniciativa, enquanto o Administrador-Geral está preso a um leito de hospital. Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar. Gus Fehker — Um sargento-enfermeiro que tem couro grosso. Capitão Don Redhorse — Chefe do comando de desembarque da Crest. Gucky — O rato-castor que fica zangado porque alguém diz que é um comedor de cenouras. Melbar Kasom — O especialista da USO que, como sempre acontece, mostra um bom apetite. Heske Alurin — Comandante da nave-capitânia da USO. Unis Heyt e Tralun Milas — Oficiais da nave Imperador.
1 Aconteceram três coisas ao mesmo tempo. Não eram muito importantes, mas representavam uma amostra do espírito reinante a bordo da nave-capitânia da frota, a Crest II. Três coisas e três homens, ligados um ao outro. Um dos homens mantinha-se nos fundos da cabine. Estava com os braços cruzados sobre o peito e o ombro esquerdo apoiado no canto de um armário embutido. Um dos pés descansava sobre o outro. A posição podia não corresponder aos regulamentos militares, mas era bastante confortável. O homem era o Lorde-Almirante Atlan, comandante supremo da USO e eximperador do império sideral dos arcônidas. O segundo homem estava deitado num pneumoleito coberto com fronhas muito brancas. Sua cabeça estava envolvida numa atadura transparente de bioplástico. Seu nome era Perry Rhodan. Exercia as funções de Administrador-Geral do Império Solar e comandante da Frota Solar. O terceiro homem ligado aos três acontecimentos ocupava um cargo subalterno, mas era uma pessoa importante no hospital — Isso naturalmente se havia doentes ou feridos que tinham de submeter-se às ordens do médico. Este homem era o sargento-enfermeiro Gus Fehker. O médico-chefe da Crest II lhe dera ordem para ver em Perry Rhodan apenas um paciente, não dando atenção aos pedidos ou às ordens do mesmo. Para o Dr. Ralph Arthur um doente sempre era um doente, quer se tratasse do Administrador-Geral ou de um simples auxiliar da equipe técnica. Costumava-se dizer que o sargento Gus Fehker tinha couro grosso. Era magro e baixo, mas tomara uma decisão: saberia enfrentar seu superior mais graduado em tudo que dissesse respeito aos assuntos médicos. Foi esta situação que produziu os três acontecimentos. Atlan exibiu um sorriso malicioso; a veia da testa de Rhodan inchou de raiva, e o sargento Fehker estava travando uma luta encarniçada consigo mesmo. Encontrava-se entre dois fogos. De um lado as instruções recebidas do médico-chefe não lhe saíam da cabeça, e de outro lado tinha de agüentar as investidas furiosas do Administrador-Geral. A luta interna fez tremer o rosto de Gus Fehker. Fez avançar a mão, e o prato de plástico voltou a aparecer sob o nariz de Rhodan. — Uma sopinha de mingau, uma verdadeira sopinha de mingau terrana, senhor — disse Fehker num tom de profundo desespero. — O senhor está me deixando muito triste. — Vá para o inferno! Fehker resolveu fazer de conta que não tinha ouvido a resposta. — Senhor, procure imaginar os prados e campos verdes do planeta Terra, nos quais os ventos delicados, ou melhor, as brisas suaves, balançam as espigas. Se fizer isso, a sopa tem de ser gostosa. Desde ontem o senhor não come nada. O médico-chefe me apedrejará se eu tiver de lhe contar que o senhor voltou a recusar o alimento...! Rhodan soltou uma risada estridente. Fehker estremeceu. — O senhor disse alimento?
Atlan empurrou-se do canto do armário em que estivera apoiado e atravessou o camarote espaçoso. Parou à frente do leito e olhou para Rhodan. — Os terranos têm fama de ser teimosos. Sua cabeça deve ser mais dura que a dos outros. Sofreu uma rachadura, mas parece que não perdeu nada de sua resistência crônica. Você sofreu uma complicada fratura da base do crânio e ficou inconsciente por muito tempo. Tome essa sopa. Sargento, ponha isso numa xícara de bico. Depois veremos o resto. Gus Fehker respirou aliviado. Sentia-se grato pela ajuda. Colocou a sopa de mingau numa xícara e aproximou-se, estalando com a língua. Seu sorriso era tão falso quanto a calma de Rhodan. O Administrador-Geral lançou um olhar de ameaça para o homenzinho e perguntou com um sorriso ainda mais falso: — O senhor se lembra da descrição de um cavalo terrano do século vinte que deve ter ouvido durante as aulas de história? — Sem dúvida, senhor, sem dúvida — respondeu Gus Fehker em tom alegre. Acreditava que conseguira quebrar a resistência de Rhodan. — Nesse caso deve saber como a gente se sente quando é pisada por um cavalo. Se não der o fora dentro de um segundo... Rhodan interrompeu-se, ergueu-se na cama e tirou uma das pernas de baixo da coberta. Gus Fehker levou exatamente onze segundos para retirar-se. Rhodan gemeu e deixou-se cair sobre os travesseiros. Atlan fitou-o com uma expressão irônica. — Você deve sentir-se orgulhoso do que fez. Farei com que lhe receitem uma sonoterapia com alimentação artificial. — Já me sinto bem. Vou levantar. — Você não vai fazer nada disso. Os novos remédios não fazem milagres. A sala de comando de um supercouraçado não é um lugar apropriado para um homem que fraturou a base do crânio, até a massa cinzenta. Saberei levar as naves cargueiras em segurança para Tróia. Os dois homens entreolharam-se. Nenhum deles esquivou-se ao olhar do outro; fitaram-se um ao outro, até que a tela do intercomunicador se iluminou. O Coronel Cart Rudo, comandante da Crest, estava no aparelho. — Queira desculpar — disse sua voz retumbante saída do alto-falante. — O senhor pode sair daí? — Dentro de cinco minutos estarei na sala de comando, Rudo — gritou Rhodan e voltou a erguer-se. Atlan empurrou-o para dentro da cama. Seus olhos pareciam chispar fogo. — O comandante estava falando comigo. Alguma objeção? Rhodan teve de fazer um grande esforço para não perder o autocontrole. Atlan dirigiu-se à tela. — Algum problema? — Naturalmente, senhor. A Anbe 5 informa que está com avarias nas máquinas. O conduto-mestre do sistema do kalup do segundo estágio foi interrompido. No momento procuram localizar o defeito. Atlan acenou com a cabeça. Não parecia nem um pouco abalado. Seu cabelo louroclaro refletia a luz dos tubos embutidos no teto. — Procure acostumar-se à idéia de que antes de cada manobra linear teremos de enfrentar problemas desse tipo. Os sistemas suplementares de propulsão têm suas
manhas. Envie uma mensagem a todas as naves. A entrada no espaço linear será adiada até que a Anbe 5 esteja em condições. — Já nos encontramos na periferia da nebulosa Andro-Beta, senhor. Os rastreadores recebem ininterruptamente ecos energéticos. O sistema está repleto de naves de todos os tamanhos. Sugiro que a Anbe 5 seja abandonada, a não ser que as avarias possam ser reparadas dentro de meia hora. Rhodan voltou a erguer-se na cama. Seu rosto parecia tenso. Estava à espera da resposta de Atlan. O lorde-almirante franziu a testa. — Como? Quer destruir uma nave de mil e quinhentos metros de diâmetro com uma carga explosiva? — Não — respondeu Rudo. — Se depender de mim, a nave será destruída pelos desintegradores da Crest. Atlan respirou profundamente. — O senhor demonstra um senso de humor tipicamente terrano. Que coisa formidável! A Anbe 5 não será destruída. Mande a nave entrar em prontidão. — Já estamos de prontidão para o combate — respondeu o indivíduo de corpo quadrado, que era um ser adaptado ao ambiente, vindo de Epsal. — Os homens estão dormindo nos seus postos. — Se tivermos de entrar em combate, eles acordarão — resmungou o arcônida. — Envie uma mensagem aos comandantes das naves cargueiras e diga-lhes que quero um vôo mais preciso. A Anbe 1 está saindo constantemente da rota. — O piloto automático principal está com defeito, senhor — disse Cart Rudo com um sorriso que revelava um pouco de malícia. — A uma velocidade equivalente a trinta por cento da luz qualquer cosmonauta terá dificuldade em acompanhar prontamente as manobras de correção de rota. — Cumpra minhas ordens — disse Atlan em tom frio e desligou. A tela apagou-se. O arcônida alto passou a mão pela testa. De repente parecia cansado. Rhodan fitou-o. Parecia sonolento. Abandonara a atitude de oposição à pausa forçada. — Tenho a impressão de que meus homens gostam de vez por outra mexer um pouco com você, meu caro. Atlan sacudiu a cabeça. — Não é só isso. Não se sentem bem sob meu comando. Você faz falta em toda parte. Falta-lhes por assim dizer a coluna mestra psicológica do edifício formado pelas concepções que constituem seu mundo. Mas nem por isso você deve pensar que eu o deixarei sair deste camarote um minuto que seja antes da hora. — Ainda falaremos sobre isso. Atlan bateu com o dedo no ombro do doente. — Falaremos, sim, mas só quando os médicos disserem que você está restabelecido. Os bárbaros que foram seus antepassados, e que cheguei a conhecer muito bem, achavam que o indivíduo que tinha uma cunha de pedra quebrada enfiada na cabeça devia lutar até o fim. A única coisa que distingue você desses habitantes das cavernas são os conhecimentos que adquiriu. A teimosia ainda é a mesma. Você ficará de cama até que esteja bom de vez. Farei com que as seis naves cargueiras e a Crest atravessem a nebulosa Beta e cheguem a Tróia. Isso demorará vários dias. Quando estivermos lá, você poderá assumir o comando. Não precisamos falar mais sobre isso. Sei como conduzir um grupo de naves através das linhas inimigas.
O rosto de Rhodan continuou impassível. Parecia fraco. Sentia fortes dores de cabeça, mas não quis tomar analgésicos. — Procurarei ser razoável — prometeu. — Diga ao tal do sargento que pode trazer o mingau de aveia. Que dia é hoje? — Vinte e dois de agosto de 2.402. Faz dois dias que mandei embora o cruzador Bagalo. Dei ordem ao Tenente-Coronel Kim Dosenthal para que se dirigisse imediatamente ao transmissor Chumbo de Caça. Enquanto a situação na nebulosa de Beta não for esclarecida, não devem ser enviadas outras naves de abastecimento. Dosenthal levará um ou dois dias para percorrer os quatrocentos mil anos-luz, isso naturalmente se não houver avarias nas máquinas de sua nave. Os sistemas de propulsão suplementares ainda sofrem de certas doenças infantis. Se não os tivéssemos, nunca poderíamos vencer o abismo que separa o transmissor Chumbo de Caça de Andro-Beta. — Sem dúvida. Procure dormir um pouco. Precisamos de um Perry Rhodan em perfeito estado de saúde. Atlan fez um gesto de despedida e saiu caminhando em direção à escotilha pressurizada. — Atlan...! O lorde-almirante parou e virou a cabeça. Esperara que Rhodan o chamasse. Este só fora informado em linhas gerais sobre os acontecimentos dos últimos dias. Ainda estivera inconsciente no momento em que a Bagalo partira. Seguindo o conselho dos médicos, a oficialidade da Crest preferia não informar o Chefe sobre as inúmeras dificuldades surgidas depois do encontro com as seis naves cargueiras. — Pois não. Rhodan esboçou um sorriso. De repente seus olhos cor de gelo pareciam bem despertos. Disse aquilo que o arcônida esperara. — Sua terapia, que consiste em não me comunicar as coisas desagradáveis e incômodas, é correta do ponto de vista médico, mas militarmente incorreta. Para os homens que se encontram em Tróia estamos atrasados cerca de trinta dias, tempo padrão. Ninguém sabe se o satélite secreto ainda existe. A nebulosa Beta está atulhada de frotas de vigilância dos twonosers. O que pretende fazer se não encontramos Tróia? “Nem por isso se poderia dizer que a operação cabeça-de-ponte tivesse fracassado. Poderíamos tentar estabelecer contato pelo rádio com os couraçados que certamente escaparam. Nesse caso os mesmos deverão ser retirados imediatamente da linha de frente e estacionados no espaço vazio. As naves cargueiras voltarão ao sistema Chumbo de Caça. Deverão retornar com sistemas de propulsão suplementares para os supercouraçados, para que as cinco unidades estejam em condições de realizar vôos de longa distância. A seguir procuramos um planeta em que possa ser instalada uma base. Uma vez encontrado este, o fluxo de suprimentos será constante, independentemente do transmissor do sistema Beta. O ponto mais importante continua a ser o segredo absoluto. Ninguém deve imaginar quem avançou para o sistema avançado da nebulosa de Andrômeda. Mas é mais provável que encontremos Tróia nas mesmas condições de antes. Os homens que ficaram no comando por lá não são bobos. Serão capazes de imaginar que tivemos problemas.” Atlan retirou-se. Perry Rhodan olhava fixamente para a porta pintada de verde suave, até que o rosto de Gus Fehker apareceu na mesma. Passou pela abertura, voltou a estalar com a língua e balançou o prato de sopa nas pontas dos dedos.
— Não comece novamente com os campos e prados verdes da Terra — resmungou Perry. — Já me sinto mal que chega. E pendure uma toalha sobre o rosto, que lembra uma paisagem de crateras da Lua terrana. Um doente não deve ser maltratado com saudades. A sopa ainda está quente? — Está morna, senhor — retificou Fehker, indignado. — Por favor, senhor. Que toalha devo usar? Um sorriso ligeiro apareceu no rosto de Rhodan. — Uma toalha vermelha. Assim talvez se pareça com um toureiro. Faça uma experiência. O senhor diz que esta sopa está morna? Minha língua está congelando. O sargento Gus Fehker tinha certeza de nunca ter cuidado de um paciente tão difícil como o Administrador-Geral do Império Solar. Fehker chegou à conclusão de que o Chefe, que era conhecido como um homem muito justo, não se sentia muito bem. E era exatamente isso. Quando ia saindo, Perry gritou atrás dele: — Desculpe, Gus. Meu comportamento foi reprovável. O senhor é um excelente medo-sargento. Os dois guardas postados à frente da porta admiraram-se com a expressão radiante do rosto de Fehker. Um deles bateu com o dedo na testa e perguntou: — Não se sente bem, baixinho? Gus Fehker levantou ainda mais o nariz. Passou pelos guardas sem dizer uma palavra. O prato balançava em sua mão. — Agora enlouqueceu de vez — cochichou o guarda. — O Chefe extraiu o último nervo que possuía. Coitado! *** Atlan entrou na sala de comando da Crest II, passando pela escotilha principal. Prestou atenção por um instante ao chiado que se fez ouvir quando as duas asas da escotilha se fecharam, entregou a manta que chegava até os quadris a um robô e subiu os degraus que levavam à ponte de comando. O corpo do Coronel Cart Rudo enchia totalmente a poltrona de comando. Seus ombros enormes sobressaíam sobre o encosto, dando a impressão de que havia dois homens na poltrona. A primeira coisa que Atlan fez foi olhar para as telas da galeria panorâmica. O ângulo de visão era de cento e oitenta graus na direção do vôo. O ângulo de alcance do sistema de observação ótica da popa era o mesmo. Cart Rudo acenou com a cabeça. O imediato, Tenente-Coronel Brent Huise, lançou um olhar para o arcônida e deu um berro para um dos programadores. Huise tinha uma voz potente, e era um homem a quem ninguém conseguia contentar. Atlan passou um momento contemplando os oficiais e a tripulação da sala de comando. Davam boa impressão e pareciam bem disciplinados. De vez em quando alguém soltava uma piada ou uma observação irônica, seguindo uma característica dos terranos. Ninguém parecia incomodar-se com o fato de que se aproximavam do centro de uma nebulosa que podia ser considerada uma galáxia menor. Andro-Beta tinha sete mil anos-luz de diâmetro e ficava a apenas cem mil anos-luz da nebulosa de Andrômeda. Dali não era muito longe até os sóis misteriosos e completamente desconhecidos, com seus mundos, pertencentes a uma galáxia situada a um milhão e meio de anos-luz da Via Láctea.
Nenhuma espaçonave era capaz de percorrer uma distância como esta. Para que os sistemas propulsores tivessem este raio de ação, seria necessário que o desgaste do material não impusesse um limite à sua direção. As potências desconhecidas denominadas senhores da galáxia tinham aberto há muitos milênios um caminho através do abismo que separava as duas galáxias. Sua tecnologia extraordinária criara transmissores gigantes, cuja energia provinha de sóis criados pela natureza, mas artificialmente colocados no lugar. Um desses transmissores, conhecido como o transmissor Chumbo de Caça por causa de um anel de asteróides que o cercava, tinha sido conquistado pelos terranos, depois de uma luta dura, que causara muitas perdas. Esse transmissor de grande alcance, situado a quatrocentos mil anos-luz da nebulosa Beta e a novecentos mil anos-luz da Via Láctea, servia de trampolim para a operação cabeça-de-ponte. Os terranos haviam conseguido introduzir um astro escavado pertencente ao anel de asteróides como que por acaso no sistema anão, fazendo-o passar pelo transmissor Beta. O satélite tinha sido batizado com o nome de Tróia. Seu tamanho era suficiente para abrigar cinco supercouraçados da classe Império, além de quantidades imensas de material. Mas era muito pequeno para servir de base à humanidade. Na estratégia elaborada pelo comando supremo dos terranos tinham sido previstos incidentes de todos os tipos — menos um! Ninguém esperara que aparecessem formas de vida de dimensões planetárias, que de fora pareciam um disco com um círculo de excrescências formadas por milhões de fios. Estes peregrinos anorgânicos das estrelas, que viviam exclusivamente de energia e com umas poucas exceções tinham morrido há milhares de anos, tinham sido batizados com o nome de mobys. Os seres inteligentes que habitavam a nebulosa de Beta, chamados de twonosers por causa dos dois narizes em forma de tromba, utilizavam em sua maioria os espaços vazios existentes no interior dos corpos dos mobys, onde tinham criado civilizações respeitáveis. Tratava-se dos planetas mais estranhos que os terranos já tinham visto. Mais tarde, depois da penetração sistemática e secreta na nebulosa Beta, houvera certos incidentes que punham em risco a existência de Tróia e deram causa à fratura de crânio sofrida por Perry Rhodan. Segundo o plano, uma nave de quatro estágios da classe Androtest voltaria ao transmissor Chumbo de Caça depois que o satélite secreto Tróia tivesse sido introduzido na nebulosa, para levar informações sobre o resultado da operação e enviar, depois de mais trinta dias, as primeiras unidades com suprimentos. A Androtest III, comandada pelo Coronel Pawel Kotranow, tinha um raio de ação de um milhão de anos-luz, em virtude de seu sistema de propulsão de quatro estágios. Kotranow chegara ao transmissor Chumbo de Caça, que mantinha a intervalos previamente definidos uma ligação de transporte com a Via Láctea. O programa estava em pleno andamento quando os ocupantes do cadáver de um moby obrigaram a Crest II a pousar. Os terranos só conseguiram fugir por terem provocado conflitos entre os seres trombudos que habitavam o planeta artificial. Os mesmos se dividiam em três castas e, em virtude dessa estrutura social bastante complicada, ofereciam boas oportunidades para serem instigados uns contra os outros. A Crest II conseguira escapar depois de pesadas lutas, mas fora imediatamente ao encontro de uma frota de vigilância dos trombas azuis.
Os trombas azuis, que pertenciam à casta B, formavam as tropas de vigilância autorizadas da nebulosa Beta. Passaram imediatamente a atacar o moby e fizeram com que a guerra das castas se tornasse tão violenta que os habitantes do moby fizeram uso de armas atômicas. Enquanto isso estava acontecendo, seis naves de abastecimento terranas comboiadas pelo cruzador Bagalo atingiram as imediações do sistema Beta. O Tenente-Coronel Kim Dosenthal detectara as emanações energéticas. Durante um vôo de reconhecimento encontrara-se com a Crest II, que observava os acontecimentos sob a proteção de um sol que ficava nas proximidades. Atlan, que era um arcônida de dez mil anos de idade e possuía muita experiência como comandante da frota, sabia que o êxito da operação estava por um fio. Se os tripulantes da frota de vigilância de Beta descobrissem que os terranos haviam penetrado nas áreas adjacentes da galáxia de Andrômeda, os terranos poderiam voltar para casa. Este risco teria existido se alguns habitantes do moby tivessem sido presos e fossem obrigados a prestar declarações. A gigantesca Crest era um objeto inconfundível, e os senhores da galáxia sabiam, graças aos acontecimentos que se tinham desenrolado nos sistemas de Horror e Gêmeos, como eram as naves terranas desse tamanho. Os terranos tinham sido vistos por muitos twonosers. Uma descrição precisa dos prisioneiros que tinham fugido removeria as últimas dúvidas dos senhores da galáxia, que diante disso teriam certeza de que os terranos tinham conseguido penetrar às escondidas na nebulosa Beta. Atlan insistira em destruir o moby de dimensões planetárias por meio de superarmas, antes que os tripulantes das naves pertencentes à frota de vigilância tivessem oportunidade de interrogar os mobys que sobrevivessem ao conflito. Rhodan não aceitara a sugestão. Não concordara com a idéia implacável, tão do feitio dos arcônidas. Dali a algumas horas não havia mais dúvida de que uma guerra atômica eclodira entre as castas que habitavam o moby. Línguas de fogo atômicas racharam as costas do monstro que se deslocava numa órbita em torno de seu sol. Não era de esperar que houvesse sobreviventes, ainda mais que o comandante da frota de vigilância estacionada no espaço abrira fogo contra os fortes do moby. Em virtude do sistema de propulsor suplementar, o cruzador Bagalo de forma alguma tinha o aspecto de uma nave terrana. Atlan aproveitara a chance para lançar um ataque com essa nave, ataque este durante o qual o moby foi destruído de vez por duas bombas conversoras. O ataque provavelmente não teria sido realizado se Perry Rhodan não tivesse sofrido ferimentos graves ao transferir-se para a Bagalo, ficando impedido de executar as funções de comandante supremo. Depois da destruição do moby, as duas naves, ou seja, a Crest e a Bagalo, retiraramse discretamente do campo de batalha e seguiram na direção em que se encontravam as naves cargueiras estacionadas a cem anos-luz da nebulosa Beta. Como Rhodan continuava inconsciente, Atlan dera ordem para que a Bagalo voltasse ao transmissor Chumbo de Caça, levando instruções para não enviar outras naves de abastecimento enquanto a situação reinante na nebulosa Beta não ficasse esclarecida. O comboio partiu no dia seguinte. Era formado por seis naves cargueiras de grande porte, cada uma com mil e quinhentos metros de diâmetro, denominadas Anbe 1 a Anbe 6, e a Crest II, nave-capitânia da Frota Solar.
Os quatro supercouraçados restantes que tinham penetrado no centro de Andro-Beta no interior do satélite secreto Tróia continuavam estacionadas nos gigantescos hangares do astro de formato aproximadamente cúbico. Ao menos era de supor que ainda estivessem lá. Agora que já fazia dois dias que o cruzador pesado tinha partido, o pequeno grupo de naves encontrava-se, depois de três fases de vôo linear cuidadosamente executadas, na periferia da aglomeração interna, a dois mil e quinhentos anos-luz do centro da nebulosa Beta. A cortina cintilante formada pelas estrelas da galáxia de Andrômeda, que se via no espaço vazio, tinha desaparecido há tempo. A massa dos sóis da nebulosa de Beta enchia completamente as telas. Depois de cada manobra linear a navegação tornava-se mais difícil. Tróia encontrava-se exatamente no centro da nebulosa anã, numa trajetória previamente calculada e fixada. A velocidade do satélite era de apenas cinco por cento da velocidade da luz. A rota era representada por uma linha fictícia que terminava num sol característico do centro da nebulosa, mas Tróia só alcançaria este sol dentro de quarenta anos, tempo padrão. Os problemas cosmonáuticos estavam na direção do vôo a ser seguida antes de cada manobra realizada a velocidade superior à da luz. A falta de pontos de referência era uma constante. As raras estrelas-alvo positronicamente registradas representavam antes um obstáculo que um auxílio. Como as naves dos twonosers apareciam em toda parte, as mudanças repentinas e acentuadas de rota tornavam-se indispensáveis. Perdiam-se de vista as estrelas de referência já conhecidas e tornava-se necessária uma operação de goniometria para prosseguir enquanto não se conseguisse fazer a determinação matemática de mais uma estrela de referência. Se a Crest estivesse só, não seria tão difícil chegar a Tróia. Acontece que a navecapitânia tinha de acompanhar e eventualmente proteger seis naves cargueiras praticamente desarmadas. Além de tudo isso, a espada de Dâmocles da descoberta pendia sobre o comboio. As naves cargueiras ofereciam um aspecto bizarro, em virtude dos sistemas de propulsão suplementares. Não tinham nenhuma semelhança com as naves terranas. Acontece que a Crest não trazia qualquer equipamento especial. Se fosse alcançada oticamente, não haveria a menor dúvida de que mais dia menos dia os senhores da galáxia compreenderiam o que estava acontecendo. A operação fora salva no último instante pela destruição do moby. No momento tudo dependia de que conseguissem chegar a Tróia sem que sua presença fosse notada, para que a Crest ficasse em lugar seguro e as naves cargueiras pudessem ser descarregadas o mais depressa possível. Mas para isso havia necessidade de um planeta no qual pudesse ser instalada uma base. A cada minuto que passava, Atlan estava mais preocupado. As falhas dos propulsores dos estágios suplementares das naves cargueiras e os erros do sistema positrônico de pilotagem faziam com que o perigo de serem descobertos fosse cada vez maior. O lorde-almirante pôs-se a refletir. Não estava disposto a abandonar as seis naves cargueiras, que levavam tudo quanto era máquina especial para a instalação de uma base cósmica secreta. Mil e duzentos engenheiros construtores, cosmoestáticos, geólogos,
especialistas em conjuntos geradores e programadores de máquinas esperavam o momento de pôr em funcionamento as máquinas que estavam a seu cargo. As seis naves cargueiras representariam o ponto de partida de um grande fluxo de suprimentos. Tinham conseguido atravessar o abismo cósmico que separava o transmissor Chumbo de Caça da nebulosa Beta sem recorrer ao grande transmissor solar da nebulosa anã. Tratava-se de um êxito sem par na história da astronáutica solar. O mesmo não poderia ser colocado em risco. Atlan estava parado atrás da poltrona de Rudo, olhando para a galeria de telas. Movimentou os lábios. — Não quero um planeta. Um mundo grande e bonito não serve. Prefiro um mundo em que reinem condições extremas, no qual ninguém esperará encontrar-nos. O comandante virou a cabeça. Brent Huise já estava berrando de novo. Desta vez o objeto de sua fúria era um cosmonauta que trabalhava no computador número quatro. — Quanto tempo ainda levará para determinar o último desvio? Já procurou convencer essa geringonça a andar mais depressa? — Três vezes, senhor — respondeu o tenente sem abalar-se. Conhecia o imediato. Brent Huise resmungou algumas pragas e também olhou para Atlan. A equipe técnica da Anbe 5 continuava a lutar com as manhas da aparelhagem. O conduto principal do conversor kalupiano do segundo estágio continuava interrompido. O Coronel Rudo foi informado pelo rádio comum de que os reparos demorariam pelo menos mais uma hora. Limitou-se a fazer um gesto. — Pensei que Reginald Bell tivesse escolhido tripulações de primeira — disse, dirigindo-se a Atlan. — Quer que mande alguns homens num jato espacial? Quem sabe lá onde essa gente está procurando o defeito. Por que os dados da manobra não são introduzidos pelo rádio no sistema automático central do segundo estágio? Atlan levantou o boné e passou a mão pela faixa que trazia na cabeça. — Vamos esperar mais trinta minutos. A transmissão de impulsos por cabo é mais segura. Não quero perder uma nave cargueira no espaço linear. — Pois eu me sentiria feliz se nunca tivesse visto esses gorduchos, senhor — afirmou Huise contrariado. — É só olhar para esses aleijões da técnica. A idéia de que também seremos obrigados a colocar três sistemas de propulsão suplementares no casco de nossa nave me dá calafrios. Com isso nossa mobilidade, que representa grande parte de nossa força de combate, sofrerá uma redução de pelo menos cinqüenta por cento. Se então nos colocarmos ao alcance dos canhões de um inimigo forte...! Huise interrompeu-se e balançou a cabeça. Atlan aproximou-se da chave do amplificador. A imagem de uma das seis naves cargueiras ficou mais nítida. As outras cinco naves só apareceram em forma de pontos verdes na tela do rastreador energético. Os rastreadores infravermelhos abrangiam toda a área de vôo. Atlan inclinou o corpo. Acabara de colocar a Anbe 3 na tela do amplificador. As naves cargueiras desse tipo tinham sido construídas com cascos de supercouraçados. As unidades energéticas e propulsoras eram as mesmas. Mas as armas e o equipamento militar tinham sido eliminados, para criar mais espaço para a carga. De um modo geral, uma nave cargueira da classe Anbe tinha bastante semelhança com um supercouraçado da classe Império. Mas os sistemas de propulsão suplementares, que se tornavam necessários para vencer distâncias maiores, produziam uma modificação muito acentuada.
Cada estágio tinha quatrocentos metros de comprimento e o mesmo diâmetro. Formava uma unidade técnica independente, que graças a seu grande conversor kalupiano tinha um alcance de duzentos e cinqüenta mil anos-luz. Três estágios suplementares interligados formavam um conjunto de mil e duzentos metros de comprimento e quatrocentos de diâmetro. Atlan sabia perfeitamente que essa construção apresentava graves problemas de estática. Não era nada fácil colocar um suplemento em forma de cauda de mais de um quilômetro de comprimento sobre um veículo espacial esférico de mil e quinhentos metros de diâmetro, embora a carga adicional a que estivessem sujeitos os materiais fosse reduzida em quase cem por cento por meio dos neutralizadores de pressão suplementares. As manobras mais rápidas, especialmente as curvas de desvio que muitas vezes se tornavam necessárias, já não podiam ser realizadas com a mesma precisão. Durante as curvas voadas com os propulsores funcionando em alta potência verificavam-se fenômenos vibratórios que ninguém esperara. Os estágios suplementares serviam perfeitamente para vôos lineares puros a grande distância. Eram seguros enquanto não estivessem submetidos a cargas excessivas. Afinal, pensou Atlan, eles não foram construídos para uma nave grande que deva entrar em combate. Eram apenas uma solução de emergência, constituindo unidades de empuxo destinadas às espaçonaves cujos propulsores normais ficavam tão desgastados depois de terem percorrido quatrocentos mil anos-luz que não podiam ser reparados com os recursos existentes a bordo. A Anbe 3 representava um quadro de aventura. Tal qual as outras unidades do comboio, deslocava-se em queda livre e já se encontrava na faixa inferior de influência do fenômeno do deslocamento relativístico do tempo. Parecia uma bola enfeitada com uma protuberância equatorial, com um tubo colocado na parte inferior. Depois de cada duzentos e cinqüenta mil anos-luz percorridos pela nave, o estágio posterior das grandes naves cargueiras era expelido para o espaço cósmico. Não valia a pena recolher os conjuntos para depois de um transporte dispendioso levá-los ao estaleiro espacial mais próximo, que os colocaria novamente em condições de uso. De qualquer maneira, o recolhimento no espaço vazio seria uma operação bastante duvidosa e representaria um grande risco do ponto de vista militar. O Império Solar gastava bilhões para manter e ampliar a cabeça-de-ponte criada na nebulosa Beta. Atlan voltou a olhar para a imagem projetada na tela. A Anbe 3 estava usando a potência restante do terceiro estágio. Poderia percorrer mais cem mil anos-luz com o mesmo. Essa capacidade residual, acrescida do potencial do primeiro estágio e do sistema de propulsão normal, ainda sem uso, seria suficiente para o vôo de regresso ao transmissor Chumbo de Caça, que ficava a quatrocentos mil anos-luz de distância. A idéia dos estágios suplementares não fora nada má. A gente tinha de conformar-se com os problemas técnicos das estruturas bastante instáveis. Atlan desligou a tela do amplificador. Virou a cabeça e viu Icho Tolot. A massa do corpo gigantesco do halutense encobria completamente as poltronas do comandante e dos oficiais cosmonáuticos. Atlan levantou os olhos para o gigante de três metros e meio de altura e dois metros e meio de largura. Três olhos luminosos vermelhos dominavam o rosto monstruoso. Os
longos braços preênseis formavam um ângulo aberto, enquanto os braços mais curtos usados para saltar pendiam molemente junto ao corpo. A boca enorme de Tolot movimentou-se. Atlan deu um passo para trás, para suportar melhor o estrondo. Um ser como Icho Tolot era incapaz de cochichar. — Está preocupado, arcônida? Atlan voltou a pegar o boné do uniforme. Mas ao ouvir a risada de Tolot preferiu não enxugar o suor. Colocou o boné. — Ora... já notou meu gesto de embaraço? — perguntou em tom frio. — Talvez. — Pois então não conte a ninguém. No futuro prestarei mais atenção. Será que os terranos já perceberam? Icho Tolot mexeu as mãos gigantescas, que possuíam seis dedos. — Naturalmente. Não subestime meus amigos. Atlan deu uma risada sem graça. De forma alguma subestimava os terranos. Afinal, ele os conhecia há dez mil anos. Tolot passou os olhos pela sala de comando. Provavelmente o instinto maternal muito pronunciado que era uma de suas características voltara a tomar conta dele. Esse instinto fazia com que se julgasse na obrigação de proteger os terranos. Os halutenses eram seres bissexuais, e Tolot escolhera como hobby a humanidade e sua história. — Conferi minha interpretação por meio do computador. Existe uma probabilidade de oitenta e nove por cento de que Tróia não foi descoberto. Isso basta? — Não tenho alternativa. Quais são as chances de chegarmos lá? Tolot balançou o tronco. Era como se uma rocha negra coberta de couro se movimentasse. A cabeça semi-esférica descreveu um semicírculo. Finalmente permaneceu imóvel. Na opinião do arcônida, Tolot estava fazendo cálculos com seu cérebro programador. O mesmo tinha um desempenho extraordinário e não exercia a menor influência sobre as funções motoras do corpo. Estas ficavam por conta do cérebro comum. — São razoáveis — disse o halutense em tom cauteloso. — Acho que o senhor deveria seguir meu conselho, enviando as naves de transporte imediatamente de volta ao transmissor Chumbo de Caça. Com todo o material que têm a bordo? — Sim, com todo o material. Provavelmente demoraremos muito a encontrar um planeta que se preste à instalação de uma base. Convém encontrá-lo primeiro para depois chamar a frota de suprimento. — Chamar como? Acha que devo enviar mais um supercouraçado? Alguma coisa me diz que teremos necessidade de todas as unidades de combate de que pudermos dispor. Um dia seremos descobertos. Os senhores da galáxia — só o diabo sabe quem são eles — já tiveram a atenção despertada. O ataque da Bagalo ao moby, a destruição do mesmo e o desaparecimento do cruzador abrirão margem a toda espécie de suposições. — Ninguém pensará que os terranos entraram na nebulosa Beta. Acharão que isso seria impossível, ainda mais que a conquista do transmissor Chumbo de Caça foi mantida em segredo. Não há dúvida de que a Bagalo foi vista; muito bem até. Mas dali não se podem tirar conclusões válidas sobre uma campanha cósmica da humanidade. Ainda acho recomendável mandar as naves cargueiras para casa. Atlan sacudiu a cabeça. O Coronel Cart Rudo respirou aliviado. Não gostava de precipitar as coisas. Atlan decidiu o problema.
— Continuaremos. Se Tróia foi destruído, precisaremos mais que nunca das mercadorias transportadas nas naves cargueiras. Ninguém sabe se as quatro unidades pesadas escaparam do satélite. — Quanto a isso eu me responsabilizo — rugiu Tolot. Atlan fitou-o com uma expressão irônica. — Há duas almas em seu peito, halutense! Às vezes acha que os perigos que carrega nas costas nunca são suficientes, e outras vezes recomenda certas coisas de que não gosto nem um pouco. Por que tem tanta certeza de que os quatro supercouraçados teriam escapado a um eventual ataque de surpresa desfechado contra Tróia? — Trata-se de naves tripuladas por tropas terranas de elite. — Está bem. Tiveram uma boa chance. Mas tenho minhas dúvidas de que ainda tivessem oportunidade de colocar os sistemas de propulsão suplementares. Nesse caso as belonaves estariam isoladas do transmissor Chumbo de Caça. Nossa nave também não possui equipamento de vôo a grande distância. Quem será capaz de encontrar-nos mais tarde, se eu mandar as naves cargueiras de volta? O senhor não vê que não posso dispensar as mesmas? Icho Tolot abriu os braços preênseis e deixou-os cair novamente. O estalo foi tão forte que alguns homens estremeceram. — Como queira. Se sua suposição de que não foi possível colocar os sistemas de propulsão suplementares nos quatro couraçados é correta, o senhor naturalmente tem razão. Minha interpretação não considerou esta hipótese. Para mim não há dúvida de que Tróia ainda existe. Os arcônidas e os terranos são espécies aparentadas. Ninguém pode dizer que meu povo não é capaz de assumir riscos. Mas assim mesmo acho errado levar as naves cargueiras ao centro da nebulosa anã. — Eu também — resmungou Atlan. — Mas não tenho alternativa. Não posso deixar de considerar a hipótese de que o satélite foi destruído. Nesse caso preciso das naves cargueiras. Para mim o assunto está encerrado. Tolot deu uma risada. Parecia que estava trovejando. — Não esperava outra coisa. Farei o que estiver ao meu alcance para ajudar. *** Dali a dez minutos o comandante da nave cargueira Anbe 5 recebeu uma mensagem de rádio transmitida pela faixa de ondas ultracurtas. O sistema de comunicações hipervelozes não podia ser usado, já que seu alcance era muito grande e havia o perigo de serem detectadas. O major examinou o texto decifrado. Suspirou e passou-o ao imediato. — Era só o que faltava. O que há mesmo com o conduto? — Está quebrado em cinco lugares ao mesmo tempo, senhor. — Droga! Leu a mensagem? O imediato olhou para a fita. A ordem era a seguinte: — Nave-capitânia chamando comandante de Anbe 5. Preparar para manobra linear. Goniometria detectou grupo numeroso no vermelho H 84 graus, V 112 graus. Rota será transmitida pelo rádio automático. Preparar computador positrônico para recepção. Usar kalup da nave na manobra. Assinado: Atlan, comandante substituto do grupo. O imediato colocou a mensagem sobre o console do computador. O comandante ficou de pé à frente da tela amplificadora do rastreamento infravermelho e contemplava a esfera gigantesca da Crest II.
— O que está esperando? — perguntou ao imediato. — Chame de volta os comandos incumbidos dos reparos. Todos a postos para a manobra. Só espero que não percamos os dois estágios suplementares. O engenheiro-chefe perguntou quem tinha dado uma ordem tão absurda. Um sorriso irônico apareceu no rosto do imediato. — Foi o Lorde-Almirante Atlan. Por quê? O chefe da equipe técnica da Anbe 5 disse algumas palavras que ninguém compreendeu e desligou o intercomunicador. Dali a cinco minutos os dados da manobra foram transmitidos pelo rádio direcional. Foram transmitidos ao comando principal do sistema automático de vôo linear. Os dados não podiam ser retificados pela tripulação. Três minutos antes do início da manobra os rastreadores de energia da nave cargueira também captaram fortes hiperecos produzidos pelos propulsores de naves estranhas. Parecia que a nebulosa Andro-Beta se transformara no campo de manobra de uma frota gigantesca. Os ecos começaram a tornar-se mais fortes e os primeiros pontos verdes apareceram nas telas dos rastreadores. Neste momento os conversores kalupianos começaram a rugir. Os campos instáveis dos mesmos isolavam as naves das influências do hiperespaço e do universo einsteiniano, produzindo uma zona intermediária estranha a ambos, situada no espaço vazio interespacial, zona esta cujo conteúdo energético era neutro. As sete naves entraram no espaço linear e seguiram em direção a um sol cuja posição fora previamente determinada. Este sol ficava a duzentos e onze anos-luz do ponto de partida e emitia um estranho brilho verde-pálido. Mais uma vez tinham escapado no último instante às frotas de vigilância dos twonosers. Quando o deslocamento a velocidade ultraluz chegou ao fim e as telas óticas voltaram a mostrar a profusão fulgurante de estrelas do núcleo exterior, os diversos sistemas de rastreamento não detectaram qualquer vibração estranha. Mais uma vez surgiu o problema difícil, quase insolúvel, da determinação de posição. A Crest II possuía os computadores mais potentes e a tripulação mais bem treinada. Os mesmos incumbiram-se de verificar onde estava a nave. Perry Rhodan, que continuava internado no hospital da nave, perguntou se a Anbe 5 tinha resistido à manobra. O comandante da nave cargueira respondeu que sim. Os dois estágios suplementares não se tinham desprendido. Atlan retirou-se para seu camarote por uma hora. Estava exausto. Deitou sem tirar a roupa e voltou a pensar no satélite secreto Tróia e nos quatro supercouraçados que tinham ficado no mesmo. Era duvidoso que os comandantes tivessem cumprido as ordens de Rhodan, segundo as quais não deveriam sair do astro escavado. A Crest era esperada há trinta dias, tempo padrão. Além disso os comandantes sabiam que nesse mesmo tempo eram esperadas as unidades cargueiras que traziam materiais de construção. Atlan soltou uma praga em arcônida e deitou de lado. Mal adormeceu, e o alarme soou na Crest. Atlan levantou atordoado e saiu tateante na direção da tela do intercomunicador. Os contornos de Brent Huise começaram a destacar-se. — Estamos a apenas meio ano-luz de um moby, senhor. Ele circula em torno do sol verde-pálido. Não detectamos a presença de naves estranhas. Quais são as instruções?
— O senhor não poderia resolver isso sozinho? — gemeu o arcônida. — Prossiga na mesma rota e diga ao comandante da Anbe 5 que já começo a perder a paciência. Deve haver um meio de descobrir qual é o defeito. Escolha um sol de referência para a manobra de fuga. A distância não deve ser superior a cinco anos-luz. Dê início à programação. Talvez tenhamos que desaparecer num instante. Se o comboio for descoberto, a matilha inteira sairá em nossa perseguição. Deixe-me dormir enquanto a situação não ficar crítica. Desligo.
2 Os calendários de bordo registravam o dia 26 de agosto de 2.402. O comboio tinha penetrado profundamente no centro da nebulosa Beta. As operações goniométricas a grande distância tornavam-se menos intensas. O fato de os três sóis gigantes azuis do transmissor Beta ficarem nas imediações parecia fazer com que os comandos de patrulhamento dos twonosers não fizessem um vasculhamento intenso da área. Seis dias já se tinham passado desde a partida da Bagalo. Seis dias que tiveram de ser gastos voando em todas as direções pela galáxia anã. Há quinze minutos tinha sido descoberto um astro vagando pelo espaço. Como se encontrava exatamente na rota previamente fixada, não havia dúvida de que se tratava de Tróia. Os rastreadores da Crest II não detectaram qualquer radiação energética partida do asteróide. Dali só se podia concluir que os homens que se encontravam em Tróia tiveram o cuidado de desligar todos os conjuntos energéticos, ou então que não havia mais ninguém vivo por lá. Perry Rhodan aparecera na sala de comando duas horas antes do momento em que foi constatada a presença de Tróia. Os últimos exames tinham revelado que a fratura do crânio estava perfeitamente consolidada. Parecia abatido. Os olhos estavam afundados nas órbitas. Mas sua voz era calma e firme como de costume. Atlan informou Perry minuciosamente sobre o que tinha acontecido e demitiu-se do comando. No momento o comboio se mantinha em formação de cunha compacta, vinte bilhões de quilômetros atrás do astro a cujo deslocamento se tinha adaptado. Uma velocidade de cinco por cento da luz representava uma desvantagem tática de primeira ordem. As naves representavam um alvo quase infalível para os tiros energéticos disparados à velocidade da luz ou quase. Uma manobra de desvio exigia certo tempo de impulso, que qualquer inimigo bem treinado era capaz de calcular e compensar numa questão de segundos. Rhodan disse que não se sentia muito à vontade dentro de sua pele. Os homens concordaram com ele. Se houvesse contato com o inimigo, as seis naves cargueiras representariam um empecilho grave. Rhodan estava de pé à frente da tela do intercomunicador. A imagem ótica interna reproduzia um hangar de naves auxiliares em cujo interior havia um jato espacial pronto para decolar. O pequeno objeto em forma de disco era pilotado pelo Capitão Don Redhorse, chefe do comando de desembarque. A tripulação era formada por um cosmonavegador e um operador do sistema de rastreamento. O terrano pertencente ao povo dos índios cheienes não quis levar mais pessoas. Don Redhorse, o Cavalo Vermelho, resolvera que, se necessário, executaria também as tarefas de artilheiro, para dirigir o canhão montado na direção de vôo para o inimigo que eventualmente aparecesse. Redhorse estava com o capacete pressurizado de seu traje espacial fechado. Comunicava-se pelo rádio.
Os sargentos Timo Honaph e Alph Rekut estavam verificando seus computadores e aparelhos de rádio. Estava tudo em ordem. — Pronto, senhor — disse a voz de Don, transmitida pelo intercomunicador. — Tem permissão para decolar — respondeu Rhodan. — Dê uma olhada em torno de Tróia e preste atenção para não entrar numa armadilha. É possível que por lá haja estranhos à nossa espera. Só use o rádio quando tiver certeza de que as ondas ultracurtas que se deslocam à velocidade da luz não levarão meses para chegar ao destino. — Entendido, senhor. Estou recebendo o verde. — Boa sorte. Manteremos o senhor nos rastreadores. Se necessário, a artilharia da Crest lhe dará cobertura. O Capitão Redhorse lembrou-se dos tremendos canhões energéticos da nave gigante e de seu jato espacial de somente trinta e cinco metros de diâmetro, cujos campos defensivos entrariam em colapso até mesmo se fossem atingidos de raspão. — Não nos confunda com alguma rocha à deriva, senhor. Geralmente uma nave deste tipo só aparece nas telas dos rastreadores do centro de comando de tiro em forma de um ponto. — Falarei com o Major Cero Wiffert — prometeu Rhodan com um sorriso. — É um tipo imbatível — disse o Coronel Melbar Kasom, especialista da USO. Parado ao lado do halutense, sentiu-se mais uma vez pequeno e insignificante, embora fosse, segundo se dizia, o homem maior e mais forte que já tinha aparecido na história. Kasom tinha dois metros e meio de altura e quase a mesma largura nos ombros. O ertrusiano jogou a cabeça para trás e levantou os olhos para o rosto do halutense. — O senhor riu? — Naturalmente — respondeu Tolot, que parecia divertir-se. — A observação que o senhor acaba de fazer é tipicamente terrana. — Sou um ertrusiano adaptado ao ambiente. Quantas vezes ainda terei de repetir? — Acalme-se, campeão de todas as classes. Procurarei lembrar-me no futuro. Don Redhorse não ouviu uma palavra da discussão. Seu rosto estreito dominado por um nariz adunco parecia tenso. Recostou-se na poltrona anatômica e prestou atenção ao zumbido dos propulsores, que forneciam a energia necessária ao funcionamento dos neutralizadores de pressão. O jato espacial era um veículo voador altamente especializado, que praticamente consistia num casco fino, num gigantesco conjunto gerador e num sistema eletrônico controlado por um comando positrônico. Os pilotos costumavam dizer que essas máquinas não perdoavam nenhum erro. Em compensação, quando convenientemente pilotadas, eram velozes, muito ágeis e fortemente armadas. Os canhões energéticos montados nas mesmas não ficariam mal num cruzador pesado. O cosmonavegador, sargento Honaph, encostou o dedo no último botão do controle automático que continuava aceso. Estava tudo em ordem. Dali a dois segundos os portões do hangar em cujo interior fora estabelecido o vácuo recuaram. Don Redhorse viu à sua frente o espaço estrelado do centro de Beta. Fechou os olhos por um segundo e procurou lembrar-se da tarefa que teria de cumprir. Tróia não possuía luz própria. Seria impossível reconhecê-lo a olho nu ou com o sistema ótico externo. Os rastreadores de alta precisão teriam de entrar em ação. O oficial encarregado da catapultagem fez a contagem regressiva. Quando chegou ao zero, o campo de impulso magnético atingiu o envoltório de aço do jato espacial e arremessou-o em velocidade alucinante pelos dois trilhos-guias.
O objeto voador saiu da Crest II que nem um projétil, iluminou-se ligeiramente e desapareceu. Don Redhorse suportou a força da inércia não absorvida pelos neutralizadores, pois estava habituado à mesma. Como de costume, o sistema de neutralização entrara em funcionamento um milésimo de segundo depois da hora. Isso acontecia por causa de um erro do comando sincronizado, comprimido num espaço extremamente reduzido. As numerosas micropeças que compunham o mesmo eram bastante sensíveis, e reagiam até mesmo a oscilações de temperatura relativamente insignificantes com avanços ou retardamentos variáveis. Mas um oficial experimentado como Don Redhorse não se abalaria com isso. Descontraiu completamente o corpo para compensar a carga e só desatou o cinto de segurança quando o ruído emitido pelos propulsores se transformou num trovejar contínuo. O jato espacial estava acelerando à razão de 300 km/seg. Dentro de um décimo de segundo perderam de vista a Crest. Fora absorvida pelo negrume do espaço, depois de soltar seu barco auxiliar. — Goniometria funcionando — anunciou Rekut, operador dos rastreadores. — Estamos espalhando um verdadeiro fogo de artifício de ondas hipercurtas, senhor. Se o pessoal de Tróia não simpatizasse conosco, a esta hora já estariam removendo as capas de segurança que cobrem os botões da artilharia. Redhorse fechou a válvula de respiração de seu equipamento de oxigênio, apertou a tecla de compensação de pressão e esperou que o chiado cessasse. Seus ouvidos doíam. Abriu o capacete e virou a cabeça. A direção do aparelho fora deixada por conta do piloto automático. Ele o conduziria pelo semi-espaço, faria com que retornasse ao espaço einsteiniano cinqüenta milhões de quilômetros além de Tróia e daria início à manobra de desaceleração, tomando por base a velocidade conhecida do astro. A manobra de equalização de velocidade terminaria a um milhão de quilômetros de Tróia. Era o que queriam os programadores da Crest. — Capas de segurança? — perguntou o cheiene, espantado. — Tem certeza de que elas existem? Alph Rekut fitou o rosto cor de bronze com uma expressão de espanto. Notou o tremor dos lábios de Redhorse e suspirou: — Eu gostaria de ter seus nervos, capitão. — Os nervos já foram perdidos por meu tetra-tetravô na última guerra indígena do planeta Terra. Depois disso nunca mais houve um caso de transmissão hereditária de nervos na família dos cavalos vermelhos — afirmou o sargento Honaph, um homem corpulento, de cabelos louro-claros. Redhorse sorriu. Nem pensou em repreender o navegador por causa da observação que infringia as regras da disciplina. Os êxitos alcançados por Don tinham origem principalmente no excelente relacionamento que mantinha com seus homens. Dali a cinco minutos o kalup do jato espacial uivou ligeiramente e o veículo penetrou no semi-espaço situado entre a quarta e a quinta dimensão. Os sóis da nebulosa Beta desapareceram. Ao contrário das transições de antigamente, que exigiam a desmaterialização de todos os corpos, o vôo a velocidade ultraluz obedecia às leis da zona neutra. O tempo permanecia constante e os corpos mantinham sua condição de estabilidade. Tudo se deslocava numa linha limítrofe matematicamente determinada, que separava os dois espaços. O campo de impulsão kalupiano refletia os influxos energéticos dos dois
universos, que nesse setor físico se mostravam oscilantes. Criava uma zona própria de paraestabilidade, que durava enquanto o campo não fosse desligado. O retorno ao universo einsteiniano era uma conseqüência necessária de tudo isso. A velocidade de retorno era sempre a mesma com que a nave tinha penetrado no espaço linear. Uma estrela isolada brilhava na tela que retratava a área de destino. Não aparecia em forma de massa incandescente, mas somente como um refletor da base de radiações das ondas instáveis hipercurtas, que produziam uma imagem distorcida. O vôo não durou mais de três minutos. Quando o kalup silenciou, o jato espacial retornou ao espaço normal. Tinha percorrido perto de vinte bilhões de quilômetros num tempo extremamente curto. Redhorse inclinou o corpo. Nem por um instante lembrou-se de que a técnica de vôo ultraluz que acabara de ser executada fora recebida, em princípio, de um povo estranho. A invenção apenas tinha sido desenvolvida e aperfeiçoada pelos terranos. O tamanho das instalações mecânicas que se tornavam necessárias foi reduzido, as mesmas foram produzidas em versões compactas e criou-se uma reserva de desempenho bastante elevada. O princípio não foi modificado, porque nada havia para modificar no mesmo. Nos últimos quatro séculos não se ouvira falar mais nos uums, que tinham desenvolvido essa técnica de vôo espacial. Tinham desaparecido em seu segundo plano temporal. Provavelmente demoraria bilhões de anos até que houvesse novamente uma superposição das zonas limítrofes, seguida da formação dos temíveis funis de descontração. Tróia podia ser visto perfeitamente na tela frontal do rastreador hiperveloz. Redhorse olhou para o relógio e a seguir para o indicador ótico do traçador de fases. O propulsor trovejou e o jato espacial voltou a acelerar. Redhorse acenou com a cabeça; parecia satisfeito. Os cinqüenta milhões de quilômetros restantes seriam percorridos à velocidade máxima. Depois da primeira passagem seria necessário interpretar os dados colhidos pelos diversos sistemas de rastreamento. Depois disso teria início a manobra de adaptação de velocidade. Os três homens permaneceram em silêncio. Já se conheciam bastante para dispensar as discussões infrutíferas nos momentos de grande perigo. Cada um sabia ou imaginava o que pensava e sentia o outro. Se Tróia tivesse sido conquistado por uma potência estranha, estariam ameaçados de destruição. Os fortes instalados na superfície dispunham de artilharia de grosso calibre e excelentes computadores, capazes de compensar até mesmo a velocidade próxima à luz de qualquer objeto. A hipergoniometria já devia estar em funcionamento. Um objeto que se deslocava pouco abaixo da barreira da luz só poderia ser detectado em tempo por meio de impulsos ultraluz. Don Redhorse lançou os olhos pelas lâminas de plástico blindado da pequena carlinga circular. A mesma ficava no centro da parte superior do casco e tinha a forma de uma saliência semi-esférica. As estrelas já se tinham transformado em linhas que brilhavam em todas as cores do espetro luminoso. As constelações formadas pelas aglomerações de estrelas do centro de Beta apareceram em forma de fenômenos cintilantes com longas caudas de cometa. O jato espacial atravessava o tempo e o espaço a velocidade pouco inferior à da luz. Os efeitos relativísticos da fase de alta velocidade manifestaram-se num deslocamento correspondente da dimensão temporal. Os três homens tiveram a impressão de que só estavam levando alguns segundos para percorrer os cinqüenta milhões de quilômetros que os separavam de Tróia.
O satélite secreto crescia rapidamente. Passou em disparada, como se tivesse sido disparado por um enorme canhão. Redhorse prestou atenção ao rugido dos propulsores. O dispositivo automático funcionava com base na injeção da massa de apoio. Deu início à primeira curva de retorno e freou com a potência máxima de seiscentos quilômetros por segundo ao quadrado. O raio da curva era de quatro milhões e quinhentos mil quilômetros. Com a redução da velocidade, os efeitos de dilatação foram desaparecendo. As estrelas perderam as caudas compridas e voltaram a transformar-se num sem-número de pontos brilhantes multicolores projetados sobre a tela. Tróia ficava à direita do aparelho, que ainda estava sendo forçado para dentro da curva de aproximação sob o efeito dos propulsores. Os neutralizadores de pressão absorveram as forças centrífugas, além das energias da inércia resultantes da frenagem. Alph Rekut estava ocupado com a interpretação dos registros efetuados por ocasião da passagem pelo astro. A massa conferia com os dados conhecidos. Dali se concluía que na superfície do astro ou em seu interior não houvera qualquer destruição que acarretasse grandes perdas de massa. Não fora possível medir o intercâmbio energético. A análise elementar revelara a presença de uma percentagem elevada de ligas de várias espécies. Eram tão abundantes que o sargento Rekut respirou aliviado ao dizer: — Nossos supercouraçados ainda estão nos hangares, senhor. Veja esta curva de medição. — Prefiro deixar isso por sua conta — respondeu o capitão. — Tem certeza de que as quatro naves continuam lá? Rekut balançou a cabeça num gesto de dúvida. — É difícil saber, senhor. Os pequenos aparelhos do jato não têm tanta precisão. De qualquer maneira, há algumas naves por lá. Timo Honaph examinou os registros do piloto automático. A velocidade estava diminuindo cada vez mais. Tróia voltou a entrar na tela frontal. O segundo vôo de passagem foi realizado a uma velocidade equivalente a somente cinco e meio por cento da da luz. Redhorse destravou o canhão de proa. Manteve o dedo encostado ao botão acionador. Tróia era uma mancha de contornos vagos que brilhava na tela do rastreador. Não houve nenhum ato de defesa. Rekut passou o microfone para Redhorse. O capitão esperou que o operador do sistema de rastreamento desse permissão para usar o radiofone. Tróia estava a apenas trinta mil quilômetros, no setor vermelho da pequena nave. — Pronto. Pode falar. Goniometria de avanço mostra o verde. Raio direcional ativado. Don Redhorse refletira sobre o texto que deveria transmitir. O texto não deveria ser fácil de responder para os desconhecidos que eventualmente poderiam ter ocupado Tróia. Don usou o inglês arcaico do planeta Terra, que só por si representaria um obstáculo considerável para qualquer ser estranho. O texto da mensagem era ainda mais difícil, chegando a ser misterioso para qualquer ser não-humano. — Alô, vocês aí. Como vai o comedor de cenouras? Já recuperou o juízo? Respondam, por favor. Usem o rádio comum.
Se surgisse algum perigo, o jato espacial poderia afastar-se em velocidade alucinante. A resposta foi imediata, também em inglês arcaico. — Tróia chamando jato. Quase não conseguimos convencer o comedor de cenouras a não saltar para dentro do seu aparelho. Whooley falando. Favor indicar nome e posto. Câmbio. Redhorse continuava a fitar as telas com uma expressão de desconfiança. A distância era bastante reduzida, mas ainda não se distinguia Tróia a olho nu. — Capitão Don Redhorse, chefe do comando de desembarque da Crest II. O senhor pode falar à vontade...? Alguém deu uma risada. — Tudo bem. Acredito que realmente é Don Redhorse. Só mesmo um terrano poderia ser tão desconfiado. Pode pousar, Don. Por aqui não há ninguém que possa obrigar-me a dizer qualquer coisa. Quer que mande Gucky? Se quiser, ele pode saltar para dentro do jato. — Não; dispenso a gentileza. Deixemos as explicações para depois. Pousarei atrás da faixa de goniometria. O aparelho voltou a descrever uma curva. Redhorse fez a pilotagem manual durante o vôo de aproximação, isso depois que o dispositivo automático tinha eliminado o excesso de velocidade. Uma massa negra e angulosa aproximou-se. Tróia tinha aproximadamente a forma de um cubo e o comprimento da aresta era de cerca de trinta e oito quilômetros. O anel de jatos do veículo espacial começou a lançar chamas. Desceu lentamente na área situada à frente da chamada faixa de goniometria. Tratava-se de uma construção antiqüíssima, que não tinha sido destruída durante a explosão do planeta do qual Tróia se desprendera. Antes que Don fizesse sair as colunas de apoio e fechasse o capacete, os sargentos Honaph e Rekut receberam ordens precisas. O aparelho tocou a superfície. Redhorse já se encontrava na apertada eclusa de passageiros, esperando que se fizesse a compensação da pressão. A porta externa abriuse. Redhorse empurrou-se levemente e foi descendo. Na superfície de Tróia os objetos não pesavam nada. A massa do satélite era tão reduzida que quase não exercia nenhuma gravitação. Os pés de Redhorse tocaram no chão. Don impeliu-se cuidadosamente e saiu de baixo da nave-disco em grandes saltos. Assim que se viu fora do alcance dos jatos-propulsores, o sargento Honaph deu uma pancada na chave do acelerador. O jato espacial saiu em velocidade tão elevada que o olho humano só o via sob a forma de uma centelha luminosa. Redhorse estava deitado na depressão que fora usada para iludir os habitantes de Beta por ocasião da penetração no transmissor do sistema. Alguns robôs trabalhadores destruídos estavam de pé atrás de Don. Alguns deles ainda poderiam funcionar em condições precárias. Seguiram sua programação, tentando atirar para fora do buraco os blocos de pedra espalhados por lá. O Capitão Redhorse abrigara-se atrás de uma das rochas. Deixou as pernas penduradas dentro da depressão. Sacara a arma e apontara a mesma para as colinas atrás das quais, segundo sabia, ficava o observatório.
O rádio-capacete estava ligado. Falou para dentro do microfone com a voz fria, sem revelar a menor emoção. — Já me encontro na superfície. Redhorse falando. Quero ver Gucky. E também o telepata John Marshall. Se aparecer mais alguém, serei obrigado a usar a arma. — Ficou louco? — perguntou uma voz desconhecida. — Talvez — respondeu Redhorse. — Um Gucky possivelmente submetido a uma influência parapsíquica seria muito perigoso no interior do jato. O aparelho está fora do alcance de seus canhões. Vamos logo! Quero ver o rato-castor e John Marshall. Depois veremos o resto. Antes que concluísse suas palavras, uma luminosidade apareceu à sua frente, e dela saiu um corpo de um metro de altura. Era o rato-castor. Gucky saltara da sala de comando principal do satélite diretamente para a superfície. Usava traje especial com um capacete transparente que abria na frente, oferecendo bastante lugar para o pontudo rosto de camundongo e as orelhas redondas. Ficou parado à frente do cheiene, com as mãozinhas apoiadas nos quadris, e lançoulhe um olhar fulminante. — Gucky não pode ser submetido a influências parapsicológicas. Entendido? — disse a voz aguda e furiosa do pequeno ser. — Isso chega a ser um descaramento. Quem lhe deu a idéia de que eu poderia colocar uma bomba no seu jato? Redhorse fitou-o com uma expressão pensativa. Gucky parecia completamente normal. Mas a desconfiança de Don só desapareceu quando o telepata John Marshall saiu duma eclusa de ar camuflada e se dirigiu à ponte goniométrica com o auxílio de seu equipamento de vôo. John pousou. Sorriu para o capitão e prendeu os pés embaixo de uma travessa quebrada pertencente à estrutura da ponte. — Será que a gente não recebe mais resposta? — gritou Gucky, indignado. Saiu saltitando em direção a Redhorse e bateu com o punho pequenino no capacete pressurizado do mesmo. — Ei! Você ficou surdo? Quem é o comedor de cenouras? Redhorse sorriu e guardou a arma no bolso que trazia no cinto. — Queira desculpar, senhor oficial de patente especial — disse em tom sério. — Não me lembrei de um disfarce melhor para designar o membro mais importante do grupo de combatentes de Beta. O dente roedor de Gucky, que tinha sido posto à mostra numa expressão de raiva, desapareceu. Lançou um olhar desconfiado para o terrano alto. Membro importante? Se seus pensamentos não revelassem que você não quer ofender-me de verdade, eu lhe... Como vai Perry? Don Redhorse acabara de lembrar-se de Perry: do ferimento que sofrera na cabeça, de seu estado de saúde que ainda não era satisfatório e da situação difícil que surgira em virtude das naves cargueiras. Marshall empalideceu. Também captara os pensamentos de Don. Sem dizer uma palavra, apontou para a entrada do observatório. Enquanto caminhavam, Redhorse fez um relato ligeiro dos acontecimentos dos últimos trinta dias. Quando abriram os capacetes pressurizados, depois de terem saído da eclusa de ar, foram recebidos pelo Major Whooley, chefe da guarnição baseada em Tróia, e pelos comandantes dos supercouraçados estacionados no interior do asteróide. Uma mensagem
expedida pelo rádio, com o grupo de símbolos previamente combinado, foi o sinal para que o jato espacial que se mantinha à espera no espaço se aproximasse. Depois do pouso do mesmo, Don Redhorse descobriu uma coisa que lhe pareceu importante. De início seis naves tinham sido transportadas através do transmissor de Beta, no interior de Tróia. A Androtest III, um veículo espacial de quatro estágios, fora enviada de volta. A Crest estava estacionada vinte bilhões de quilômetros além do satélite. Portanto, os quatro supercouraçados restantes da classe Império deviam encontrar-se no interior dos hangares de Tróia. Acontece que Don só viu três comandantes, todos com o posto de coronel, no hall do observatório. Depois de concluir seu relatório, perguntou com um pressentimento desagradável: — Queiram desculpar, mas gostaria de saber onde está o Coronel Heske Alurin, comandante da Imperador, um supercouraçado da USO. Frazer Whooley pigarreou. O Coronel Brodo Sauer, comandante da Thora II, olhava com tamanho interesse para um dos cantos que até se poderia ter a impressão de que havia um tesouro escondido por lá. Don ficou ainda mais nervoso. — Senhor...! — disse, dirigindo-se a um dos oficiais. O Coronel Baptiste Rigard, comandante da nave Napoleão, deu a resposta. — Sinto muito, mas Heske Alurin saiu da base há quinze dias, tempo padrão. Invocou a qualidade de membro da United Stars Organization e disse que só obedecia até certo ponto às ordens do Administrador-Geral. Como a Crest II estava com um atraso de quinze dias, Heske Alurin partiu com a Imperador para procurar por sua própria conta um planeta em que possa ser instalada uma base. Infelizmente não havia condições jurídicas para impedir sua partida. Recusou nossas objeções. Em minha opinião o senhor deveria partir o mais depressa possível para dirigir-se à Crest e informar o Chefe. É só o que podemos fazer por enquanto. O cheiene prendeu a respiração. Soltou lentamente o ar. Seu rosto estava transformado numa máscara. — O senhor é capaz de imaginar o que está acontecendo na nebulosa Beta? Levamos seis dias para percorrer uma distância reduzida, mais precisamente, três mil e setecentos anos-luz. Realizamos um total de quarenta e quatro manobras desviacionistas no espaço linear para não sermos identificados pelos twonosers. Baptiste Rigard, um terrano magro de cabelos escuros e rosto marcante, olhou para os lados como se quisesse que alguém o ajudasse. — Estamos bem informados, Don. Por duas vezes espaçonaves de grande porte aproximaram-se de Tróia e fizeram uma teleanálise. É um verdadeiro milagre que o asteróide não tenha sido identificado como aquilo que realmente é. Parece que o pessoal das naves ovais não tem rastreadores de massa e matéria muito bons. Se não fosse assim, não poderiam deixar de ter notado que não passamos de uma casca de rocha recheada com materiais de todos os tipos. Não sofremos nenhum ataque e ninguém pousou em Tróia. Continuaram a acreditar que fôssemos um simples fragmento resultante da explosão de um planeta, que tinha entrado por acaso no transmissor e acabou sendo transportado para a nebulosa Beta. Mas depois das duas verificações constatamos a presença dos ecos energéticos e das curvas de choque de inúmeras esquadrilhas. Não chegamos a ver os seres trombudos descritos pelos senhores. Não saíram das naves em que viajavam.
Don Redhorse não perdeu mais tempo. Despediu-se e caminhou a passos rápidos na direção da eclusa. Antes de entrar na mesma, virou a cabeça. — Senhor, estamos com seis naves cargueiras de grande porte, com as dimensões de um couraçado do tipo Império. Faça o favor de preparar a entrada da Crest. — Teríamos lugar para mais uma nave cargueira. — Quem vai decidir isso é o Chefe. Em minha opinião não é recomendável encher o hangar com uma nave de carga. A Imperador pode voltar a qualquer momento. Quando tinha saído e um leve abalo do solo mostrou que o jato espacial tinha decolado, o Coronel Teren Masis, comandante da Alarico, disse: — Boas falas! Heske Alurin é um homem arrojado, e ainda por cima um epsalense. Além disso possui uma tripulação de elite. Mas é possível que tenha voado para a desgraça. Vamos preparar-nos para a chegada da Crest, senhores. Bem que eu gostaria que a bronca já tivesse passado. Whooley, o senhor deveria ter-se recusado a abrir a cobertura de aço sobre o poço em que estava guardada a nave Imperador. Nesse caso ela ainda estaria aqui. Whooley ficou com o rosto vermelho. Teve de fazer um grande esforço para controlar o nervosismo. — O senhor já viu um epsalense enfurecido? E ainda por cima um epsalense ao qual não se pode dar ordens, porque não pertence à Frota Solar? Teren Masis suspirou. Imaginava perfeitamente o gigante de Epsal entrar correndo na sala de comando principal do satélite para exigir que a cobertura fosse retirada. Os oficiais retiraram-se. Aproveitaram a estreita faixa de pedestres, para que as solas magnéticas de suas botas encontrassem apoio. Um gerador mecânico de 380 volts com uma potência de cem quilowatts funcionava nos espaços vazios de Tróia. Era apenas o suficiente para abastecer as luminárias, um conjunto de ventilação e dois elevadores mecânicos. Os pesados reatores de fusão tinham sido desativados. Qualquer rastreador detectaria suas radiações. E com uma potência de cem quilowatts nem se podia pensar em criar uma gravitação artificial. Os três supercouraçados estacionados no interior de Tróia possuíam seus próprios sistemas geradores. Ligavam os conjuntos de emergência movidos com combustíveis químicos somente quando havia necessidade de renovar o ar que seus tripulantes respiravam. Tróia devia ser visto como um astro sem vida, custasse o que custasse. Frazer Whooley, responsável pelos serviços internos, a defesa e os hangares, teve um calafrio ao lembrar-se das seis gigantescas naves de transporte. Não havia truque capaz de fazer as mesmas entrarem em seu depósito de materiais. A única possibilidade era deixar as naves estacionadas do lado de fora do astro. A compensação das rotas teria de ser muito precisa, para que as mesmas não se afastassem constantemente. Mas não era este problema de navegação que preocupava Whooley. Cabia às tripulações resolver o mesmo. Estava interessado principalmente na segurança de sua base. Tróia estaria em perigo quando se transformasse em área de estacionamento de seis unidades gigantescas da frota, cujo lugar não era o centro da nebulosa Andro-Beta.
3 Os geradores de Tróia foram ligados por quinze minutos, para que a Crest pudesse ser recolhida por meio de raios de tração e campos energéticos. As máquinas foram desligadas assim que a cobertura do poço em cujo interior ficou estacionada a supernave de mil e quinhentos metros de diâmetro se fechou e a camuflagem protetora que evitava a detecção pelos rastreadores, consistente numa camada de nevroplast, havia sido colocada. Não fora difícil fazer entrar a nave. A operação tinha sido treinada perto de cem vezes antes do início da operação cabeça-de-ponte. Mas as coisas começavam a tornar-se críticas quando se tratava de recolher um objeto voador desse tamanho, ao qual tinham sido acoplados três sistemas de propulsão suplementares. A operação também era possível e tinha sido treinada mais de uma vez, mas em várias ocasiões houvera avarias nos três estágios suplementares, que tinham mil e duzentos metros de comprimento. As seis naves cargueiras foram ancoradas magneticamente em caráter provisório, para facilitar as operações de equalização de velocidade e adaptação de rota. Trinta minutos já se tinham passado desde a chegada do comboio cósmico, e as naves cargueiras se precipitavam de ambos os lados de Tróia, em queda livre. As naves mantiveram uma distância de quinhentos metros, para aproveitar da melhor maneira possível o sistema de proteção contra o rastreamento e as emanações térmicas. As naves cargueiras eram grandes, mas Tróia era bem maior. Vistas de fora, as mesmas só apareciam como objetos finíssimos com a proa mais volumosa. Para os tripulantes das naves cargueiras, as faces do satélite secreto com seus trinta e oito metros de altura e largura pareciam ter um tamanho descomunal. Tudo que era possível tinha sido feito para abrigar as seis unidades da melhor maneira, mas as providências tomadas não passavam de medidas de emergência. *** Nunca o tinham visto desse jeito. Primeiro gritara em altas vozes, esmurrara a mesa e dissera que os oficiais que comandavam a base eram uns incompetentes. E agora, dez minutos depois, seu aspecto era ainda mais deprimente, sua atitude mais recriminadora e dura. Recuperara o autocontrole, demonstrando uma disciplina admirável. O homem que fazia tudo isso era Perry Rhodan, Administrador-Geral do Império Solar! Estava com o rosto pálido que nem cera. A ferida na cabeça, que mal tinha sarado, assumiu uma coloração vermelho-brilhante. A emoção profunda que agitava seu interior só se manifestava quando abria a boca para formular uma pergunta enérgica. Nesses momentos sua voz tremia, embora reduzisse o volume da mesma a ponto de mal poder ser compreendido. Estavam todos de pé à sua frente: os comandantes Rigard, Sauer e Masis com seus imediatos e oficiais cosmonáuticos, os engenheiros-chefes e os oficiais pertencentes à guarnição de Tróia, que estava sob o comando de Whooley.
Trajavam os uniformes de serviço. Seguravam os capacetes pressurizados sob o braço esquerdo em ângulo e estavam em posição de sentido. Tratava-se de uma cerimônia pouco comum nas naves que operavam no front. Perry Rhodan não gostava dela. Percebera imediatamente e soltara uma observação sarcástica. Os mutantes pertencentes ao comando que participava da operação Andro-Beta também tinham aparecido. Gucky, Ivã Goratchim, um gigante de duas cabeças, e Tronar e Rakal Woolver, que ocupavam o posto de major da USO, não se mostraram dispostos a abandonar seus hábitos. Encontravam-se na pequena sala de conferências da Crest, de pé ou sentados, prestando atenção às palavras amargas que saíam da boca de Rhodan. Todas as explicações foram dadas. Rhodan ouvira atentamente, formulara perguntas e dissera que deveriam ter encontrado um meio de evitar a saída do Coronel Heske Alurin. O Lorde-Almirante Atlan estava nos fundos da sala e prestava atenção à conversa. Ainda não tinha dito uma única palavra, embora várias pessoas tivessem olhado para ele como se quisessem pedir que falasse. O arcônida refletia tranqüilamente sobre o caso. Icho Tolot estava a seu lado, interpretando os dados disponíveis. Como Rhodan não quis acalmar-se e voltou a dizer que um vôo de reconhecimento realizado por conta própria era uma irresponsabilidade, o halutense tocou com o braço em Atlan. O arcônida levantou os olhos e viu os olhos vermelhos brilhantes de Tolot. — Está na hora — disse este. — Diga alguma coisa. Rhodan ouvira o “cochicho” de Tolot. Interrompeu-se no meio da frase e virou a cabeça. — O que quer dizer com isso? Quais são as informações de que dispõe, Tolot? Atlan pediu a palavra. Dirigiu-se à mesa redonda e com um simples gesto afastou os dois microfilmes que mostravam a decolagem da nave Imperador. Rhodan nem olhara para eles. — Tolot não tem nada a dizer — respondeu Atlan. — O caso é comigo. Acho que o ferimento na cabeça lhe está causando problemas. O rosto de Rhodan ficou ainda mais pálido. Apoiou-se com a palma da mão sobre a mesa e inclinou-se para a frente. — O que foi resolvido sem que eu soubesse? — disse quase num cochicho. Melbar Kasom prendeu a respiração. Imaginava o que viria em seguida. — Nada que possa pôr em perigo a Humanidade ou a cabeça-de-ponte de Beta, conforme você vive dizendo. Antes de mais nada, gostaria que você me dissesse se acredita que aquele que provavelmente é o comandante mais competente da USO é menos experimentado e cuidadoso e tem menos visão que os Coronéis Rigard, Sauer, Masis ou o epsalense Cart Rudo, comandante da Crest. — Isso não está em discussão — observou Rhodan, exaltado. — É o ponto mais importante da discussão — respondeu Atlan em tom frio. — Se Heske Alurin realmente fosse um idiota irresponsável, que não desejasse outra coisa que um contato violento com o inimigo seguido de uma vitória brilhante, eu não perderia uma palavra. Acontece que se trata de um epsalense que possui as mesmas capacidades físicas e mentais do homem que você investiu no comando da nave-capitânia de sua frota, por causa do excelente desempenho que tem revelado. Refiro-me a Cart Rudo.
Atlan olhou para o epsalense, que parecia uma rocha bruta, parado ao lado do computador da sala de conferências. — Qual é sua opinião sobre Heske Alurin? — perguntou Atlan — Fale, por favor. Estou interessado em esclarecer este ponto. Cart Rudo ficou em silêncio. Nem olhou para Atlan. Um sorriso irônico apareceu no rosto do arcônida. — Você deveria permitir que o comandante de sua nave-capitânia falasse. Rhodan teve de fazer um grande esforço para não perder o autocontrole. Sabia aonde queria chegar Atlan. — Não é necessário. Estou informado sobre as qualidades de Alurin. Trata-se de um excelente oficial e estrategista. Não me venha com o argumento de que isso possa servir para desculpar ou até mesmo aprovar sua partida realizada sem permissão. Minhas ordens eram de que todo mundo devia ficar bem quieto em Tróia até que a Crest voltasse. Mesmo que Alurin fosse um semi-deus, o que não acontece, isso não teria nenhuma importância. O que será de nós se cada comandante fizer o que lhe dá na cabeça? Ou será que isso era costume na frota invencível do império arcônida? Atlan ficou em silêncio. No momento o estado emocional de Rhodan era bastante instável. O ferimento do qual mal se tinha recuperado, as terríveis dores de cabeça e a tremenda carga psicológica das últimas semanas não poderiam deixar de produzir seus efeitos. Além disso tinha havido a desobediência a uma ordem, que um oficial terrano nunca consegue compreender. Como se encontravam no front, a mesma fatalmente haveria de acarretar a instauração de uma corte marcial. Atlan conhecia a mentalidade dos terranos. Na Frota Solar reinava uma disciplina férrea. — Fiz uma pergunta, lorde-almirante! — exclamou Rhodan em tom exaltado. A seguir foi sacudido por uma tosse. Seu rosto ficou desfigurado pela dor. A pele fina que cobria o ferimento da cabeça pulsava. — Ouvi a pergunta. No tempo da conquista o costume da frota arcônida não era este. Se o comandante de uma frota submetida a mim tivesse agido dessa forma, só haveria duas possibilidades. Poderia fugir à responsabilidade desertando, ou teria de percorrer o caminho que levava à câmara de execução. Neste ponto meus antepassados não eram muito sentimentais, terrano. — Ah! — Mas você deixa de considerar um fato, porque o mesmo ainda não é do seu conhecimento. Em minha opinião a ordem segundo a qual as naves deviam permanecer à espera não era acertada, porque não abria margem para que os comandantes realizassem manobras desviacionistas caso houvesse uma emergência. Os fatos provaram que por pouco a Crest não volta mais. Bastaria um erro no interior do moby, e ficaríamos desaparecidos para todo o sempre. Era mais ou menos o que eu esperava. Foi só por isso que o Coronel Heske Alurin recebeu ordens especiais. — Como...? — gemeu Rhodan. Suas mãos crisparam-se em torno da mesa. — Ordens especiais? De você? Sem que eu soubesse? — Isso mesmo. Em virtude de sua qualidade de comandante da USO, o Coronel Heske Alurin recebeu ordens para abandonar Tróia e procurar uma base apropriada, caso a Crest se atrasasse em pelo menos quinze dias, tempo padrão. Alurin agiu no cumprimento estrito destas ordens. Do ponto de vista tático seria completamente indiferente que a busca fosse realizada pela Crest ou por qualquer outra nave pertencente à Frota Solar. Qualquer coisa que acontecer a Alurin também poderia acontecer a você.
Encontramo-nos numa situação de emergência, que se tornou ainda mais grave com a chegada das naves cargueiras. Você deveria dar-se por satisfeito porque uma nave de primeira classe com uma excelente tripulação já está empenhada há vinte dias na busca de um mundo em que possa ser instalada a base de que tanto precisamos. Alurin não levou mais de três dias depois do ataque da Bagalo para saber o que estava acontecendo na nebulosa Beta. Tem olhos para ver e ouvidos para ouvir, uma inteligência penetrante e excelentes rastreadores. Não é a primeira operação desse tipo que realiza. Escolhi a melhor tripulação que poderia ser encontrada na frota da USO. É só o que tenho a dizer. Seus oficiais não poderiam ter feito nada e suas acusações não têm fundamento. As ordens que dei foram acertadas. A situação em que nos encontramos é a melhor prova. Permita que me retire até que a capacidade de raciocínio lógico volte a imperar nesta sala. Por favor, Coronel Kasom e Majores Tronar e Rakal Woolver. Atlan fez o cumprimento arcônida, encostando a mão direita ao ombro esquerdo, acenou com a cabeça para os terranos que pareciam petrificados e saiu caminhando na direção da escotilha pressurizada. Rhodan seguiu-o com os olhos. Antes que Atlan saísse, o terrano disse com a voz cansada: — Não posso obrigá-lo a enfrentar uma corte marcial terrana, mas poderia denunciar o tratado que celebramos. Exijo franqueza dos meus aliados. Poderíamos ter falado sobre isso. — Poderíamos. Pensei nisso. Mas você se encontrava num estado psíquico em que teria recusado. O sucesso da manobra de passagem pelo transmissor de Beta fez com que se tornasse eufórico demais. Pense sobre isso e seja sincero para consigo mesmo. Os terranos também não são imbatíveis. Costumo tomar minhas precauções para todos os casos. Tem dado certo nos últimos dez mil anos. Quer dizer alguma coisa, Mr. Marshall? O chefe do exército dos mutantes adiantou-se. Rhodan fitou-o com uma expressão de desconfiança. — Existe uma circunstância que ainda não foi mencionada, senhor — observou Marshall com a voz calma. — A nave de Alurin foi equipada com três sistemas de propulsão suplementares. De fora não se parece com uma nave terrana, da mesma forma que o cruzador pesado Bagalo, que realizou o ataque ao moby. — Isso também foi feito sem meu consentimento — objetou Rhodan. Marshall fez como se não tivesse ouvido. — Além dessa transformação, o Coronel Alurin mandou camuflar a nave Imperador, num trabalho incansável de quinze dias, a tal ponto que antes parece uma monstruosidade técnica. Excrescências de todos os tipos foram fundidas em plástico blindado, prensadas e soldadas sobre o casco. A Imperador deixou de ser uma nave esférica para assemelhar-se a uma nave fragmentária dos pos-bis. Na calota polar superior foi aplicado um acréscimo esférico. Aletas direcionais tecnicamente inoperantes, mas que representam um excelente disfarce, foram colocadas no segundo estagio suplementar. Só mesmo um vidente seria capaz de identificar um supercouraçado terrano num objeto voador como este. Foi o que eu quis dizer. O brilho chamejante dos olhos de Rhodan apagou-se. O Administrador-Geral deixou cair a cabeça. — Quer que eu apareça como idiota, John? — Qualquer coisa, menos isso, amigo — observou Atlan. Comprimiu o botão que acionava a fechadura da escotilha e voltou à sala de conferências. O ambiente estava muito mais descontraído. — Você não pode acusar Heske Alurin de ter sido leviano. A
idéia de colocar a camuflagem adicional foi dele. Não dei ordens para isso. Isso é mais uma prova de que ele possui criatividade. Alurin nunca se esquece de qualquer detalhe. Se no sistema de Beta existe um planeta que possa servir de base, ele o encontrará, sem ser visto e muito menos atacado pelo inimigo. Faço questão de ressaltar isso. Será que já podemos trocar algumas palavras sensatas? Rhodan pediu uma cadeira. Gucky usou sua força telecinética para empurrar uma poltrona articulada em sua direção. Frazer Whooley chamou o médico-chefe da Crest, que se mantivera à espera do lado de fora. Rhodan deixou que lhe aplicassem uma injeção que estimulava a circulação. — O senhor precisa descansar — disse o médico. — Se continuar assim, serei obrigado a interná-lo de novo. Basta dar uma olhada na radiografia de seu crânio. Se isso tivesse acontecido cem anos atrás, não poderíamos evitar sua morte. As reações do cérebro humano a um fragmento ósseo que penetra no mesmo são bastante desagradáveis. Se o senhor continua vivo e de posse de suas faculdades mentais, pode agradecer à técnica cirúrgica dos aras. Já está na hora de eu ser franco com o senhor. — O senhor não é nem um pouco gentil, Dr. Artur. Nem pense em trancar-me num cubículo de doente. Então, senhores. O que devemos fazer para livrar-nos das naves cargueiras sem ter de mandá-las para casa? Atlan respirou aliviado. Rhodan recuperara o autocontrole. Resolveu que, assim que o ambiente ficasse mais calmo, voltaria a falar no caso. Icho Tolot pediu a palavra. — Não há dúvida de que as naves serão descobertas, caso os contingentes twonosers de vigilância se lembrem de fazer mais uma análise de Tróia. No estágio crítico em que nos encontramos devemos ter muita cautela. A Imperador encontra-se no espaço de Beta, não se sabe bem onde. É quanto basta. O perigo de sermos detectados pelos rastreadores aumentaria consideravelmente. Qualquer nova fonte de distúrbios no esquema de vigilância dos senhores da galáxia daria origem a uma atividade desenfreada das frotas de vigilância. Procure evitar isso! Como se costumava dizer mesmo no planeta Terra...? — Assar um pãozinho de cada vez — exclamou Gucky com uma risadinha. Rompera o bloqueio mental de Tolot e espionara seus pensamentos. O halutense soltou uma estrondosa gargalhada. — É isso mesmo. Asse um pãozinho de cada vez, até encontrar um planeta no qual possa instalar uma base. Espere a chegada da Imperador. Não deixe o inimigo mais nervoso do que ele já está por causa da destruição do moby e do aparecimento da Bagalo. Finja-se de morto. Rhodan acenou ligeiramente com a cabeça. A sugestão de Tolot parecia aceitável. Mas tinha um ponto fraco. Quanto menor o número das naves que estavam à procura de um mundo em que pudesse ser construída uma base, menores eram as chances de que o mesmo seria encontrado. Encontrado em tempo.
4 Em conformidade com os objetivos políticos, econômicos e militares da USO, uma organização fundada por Atlan, cuja manutenção custava somas enormes, seu pessoal devia ser recrutado entre todos os povos pertencentes à Humanidade. Ao tempo da fundação, no ano 2.115, ainda valia o princípio de que as tripulações das naves e as guarnições das bases e dos estabelecimentos científicos deviam ser formadas por todos os povos inteligentes da Via Láctea. Não demorou que isso se revelasse como um obstáculo, e dali a cinqüenta anos passara a tornar-se perigoso. As inteligências pertencentes às categorias mais estranhas deixaram-se levar pelas influências mais variadas, que tinham origem em parte em sua mentalidade, mas principalmente na sensação de pertencerem às raças não-humanóides. Depois da dissolução da Aliança Galáctica, Atlan começou a dispensar os seres estranhos. Só uns poucos seres não-humanos continuaram nas fileiras da USO. Estes mereciam toda confiança. Mas Atlan nunca abandonou um princípio. Fazia questão de evitar que as espaçonaves e as bases da USO fossem ocupadas predominantemente por terranos. Agia assim por dois motivos. De um lado, o planeta Terra e os planetas coloniais solares tiveram seu potencial humano absorvido em proporções tão elevadas com a expansão da frota do Império que não parecia recomendável incluir um número elevado de terranos ou nativos das colônias solares nos contingentes da USO. O segundo motivo era ainda mais grave. Atlan era um almirante de dez mil anos de idade e já descobrira que nos antigos mundos coloniais da Terra se haviam formado povos jovens, que em virtude de um processo de adaptação ao ambiente muitas vezes chegavam a ser superiores aos terranos. Entre estes povos ocupavam um lugar de destaque os superpesados de Epsal e Ertrus. Os descendentes dos antigos colonos terranos já formavam a maioria. Mas continuavam a ser humanos, e para Atlan esse fator era muito importante. Sem falar nas elevadas qualidades dos terranos das colônias, era recomendável do ponto de vista político e jurídico-espacial estimular o sentimento de autoconfiança dos antigos colonos, entregando-lhes posições de grande responsabilidade. Por isso mesmo havia poucos terranos nas fileiras da USO. Em sua maioria os mesmos desempenhavam as funções de oficiais de ligação com o comando da frota terrana. Os afamados e temidos especialistas da USO eram quase todos descendentes de colonos. A mesma coisa acontecia com a tripulação de dois mil homens da Imperador, um supercouraçado da USO cujo comandante era epsalense. Atlan conhecia a rivalidade amistosa que costumava verificar-se entre as tripulações puramente terranas e os homens da frota da USO. Acompanhava com atenção as chacotas com que eles se brindavam, para poder intervir prontamente caso isso se tornasse necessário. A psicologia aplicada por Atlan tinha por fim fundir os terranos e os homens nascidos nas colônias numa unidade, mantendo viva em todos eles a crença na Humanidade. Durante três séculos este procedimento trouxera bons frutos.
*** Um monstro atravessava velozmente os grandes espaços cintilantes da nebulosa Andro-Beta. A cauda de mil e duzentos metros de comprimento e quatrocentos metros de diâmetro fazia chicotear as ondas de impulsos energeticamente condensadas e expelidas em alta densidade. Em cima da cauda assentava uma cabeça esférica de mil e quinhentos metros de diâmetro, com uma protuberância na zona equatorial. Em toda parte viam-se excrescências: torres, pirâmides assimétricas e esferas polidas multifacetadas. Na parte superior a figura terminava numa figura esférica de cinqüenta metros, da qual saíam antenas. Era uma figura exótica, na qual não se conseguia descobrir um tipo concreto. Quatro gigantescas aletas de popa colocadas no centro da cauda com os propulsores completavam a impressão de tratar-se de uma espaçonave extremamente sofisticada, na qual deveria viajar uma tripulação que tinha passado por um treinamento de vários anos. Era a Imperador, uma nave recém-construída da USO, que acabara de concluir a manobra de penetração no espaço linear e se dirigia a um destino previamente fixado, desenvolvendo metade da velocidade da luz. O destino era Tróia. Fazia cerca de trinta dias que os homens da Imperador não viam o satélite secreto. As comunicações pelo rádio tinham sido interrompidas por motivos facilmente compreensíveis. Ninguém sabia se Tróia tinha sido identificado e atacado pelas naves estranhas que várias vezes tinham localizado o satélite. O Coronel Heske Alurin, um homem adaptado ao ambiente e nascido no planeta superpesado chamado Epsal, estava sentado na poltrona de comando da Imperador, o Tenente-Coronel Trimar Noser se afivelara a seu lado, no assento do chefe cosmonáutico. Noser era natural de Plofos. O rosto do engenheiro-chefe aparecia numa das telas do sistema de intercomunicação. Tratava-se do Tenente-Coronel Trahum Milas, que era o segundo epsalense a bordo da Imperador. Era afamado pela velocidade com que sabia manipular os comandos, até mesmo os mais complicados. Milas estava em condições de fazer o trabalho de três engenheiros altamente qualificados. Era praticamente impossível acompanhar seus movimentos com os olhos. Possuía um instinto técnico que já se tornara lendário. Entregara-se de corpo e alma aos modernos sistemas de propulsão de alta potência, isso depois que uma série de testes havia revelado que na cosmonáutica era inferior aos outros epsalenses. Milas possuía um sexto sentido para a ultratecnologia do século vinte e cinco. Seus cabelos cor de cobre brilhavam na tela, dando a impressão de que se tratava de um capacete dourado. — Manobra concluída, kalup do primeiro estágio deixando de funcionar. O termostato de sobrecarga do banco de substância refrigerante IV desligou durante a passagem. Isso fez com que dois anéis de vedação de alta pressão do pistão de aceleração do sistema hidráulico de comando se quebrassem. Em conseqüência o líquido do sistema hidráulico está escapando e a pressão baixou para três por cento do normal. Reparos em andamento. Não é recomendável usar o kalup do primeiro estágio nas próximas duas horas, pois existe o perigo do superaquecimento. Por precaução vou ligar o conduto de emergência que faz a ligação com o segundo estágio. Se necessário, poderemos usar o mesmo para entrar na zona intermediária. Desligo.
Foram palavras exatas e lacônicas. Milas exprimira em poucas palavras certas coisas estreitamente ligadas com a mobilidade da nave. Heske Alurin podia imaginar como estavam as coisas na sala de controle. O líquido do sistema hidráulico saindo com a força de um projétil certamente danificara outros aparelhos. Um homem como Milas não julgaria necessário mencionar ninharias desse tipo. Para ele era perfeitamente natural que o comandante do supercouraçado imaginasse os fenômenos colaterais. Os homens que se encontravam no centro de rastreamento também tinham ouvido as informações transmitidas pela sala de máquinas. Dali a dez segundos o Major Fend Echelor, um veganense magro que nem uma taquara, captou o primeiro hipereco. Dali a mais dez segundos ficou sabendo que Tróia ainda existia. Entrou em contato com a sala de comando. — A rocha ainda está lá, senhor. Captamos impulsos claros, mas não houve nenhum rastreamento energético em hiperbase. Desligaram tudo. O rosto largo de Alurin abriu-se num sorriso. — O que diz o rastreamento de massa? — Muita coisa, senhor. Mas a análise da matéria é ainda mais interessante. A julgar pelos dados conhecidos, a Crest deve ter chegado, além de algumas naves de grandes dimensões repletas de mercadorias de todas as espécies. — Não está enganado? — De forma alguma, senhor. Estamos a somente cinco horas-luz de Tróia. A interpretação dos dados não abre margem a dúvidas. Heske Alurin recostou-se na poltrona, fazendo ranger o encosto. Trimar Noser franziu a testa e lançou um olhar desconfiado para o suporte da poltrona. Alurin era um dos epsalenses mais pesados que já tinha visto. Rhodan fora muito cauteloso durante o vôo de aproximação. Heske Alurin era mais cauteloso ainda. Mandou sair duas naves-girino que tinham recebido uma camuflagem, da mesma forma que a nave-mãe. Os comandantes receberam ordem para sondar a situação, dar uma olhada de perto nas naves que pareciam ter chegado e estabelecer contato pelo rádio. Os dois barcos de sessenta metros saíram em alta velocidade e desapareceram no espaço linear, produzindo uma forte luminosidade. Dali a instantes apareceram nas telas dos rastreadores. Encontravam-se nas proximidades de Tróia. Alurin ainda estava desconfiado. Lançou um olhar para o imediato. — Dê o sinal de prontidão, Noser. Todos a postos de combate. Preparar reservas de robôs. Ativar campos defensivos. Noser transmitiu as ordens. As sereias de alarme uivaram. Dois mil homens cansados, que nas últimas semanas tinham realizado cerca de trezentas manobras no espaço linear e ocupado pelo menos quinhentas vezes os postos de combate, voltaram a correr pelos corredores. Milhares de escotilhas de segurança fecharam-se ruidosamente. A Imperador transformou-se num espaço fechado dividido em dez mil partes, que não sofreria uma despressurização acentuada, mesmo que houvesse um impacto mais forte. Os reatores de fusão instalados embaixo do convés equatorial reagiram. Alurin sabia perfeitamente que acabara de transformar-se num objeto facilmente detectável. Nas proximidades de Tróia isso poderia tornar-se perigoso. Por isso resolveu dar ordem para que preparassem a manobra. — L.I., preparar manobra. Atenção, rastreamento. Ao menor sinal de uma operação goniométrica não identificada, entraremos imediatamente no espaço linear. Se ocorrer
essa hipótese, o senhor assumirá o comando. Se houver uma operação goniométrica, não consulte a sala de comando. Transmita o alarme diretamente à sala de máquinas. Dessa forma ganharemos alguns segundos preciosos. Devemos despertar a impressão de que nem notamos a presença de Tróia. Não podemos pôr em risco a base. — Talvez seria conveniente desligar os campos defensivos, senhor — observou Nose em tom ranzinza. — Nesse caso os rastreadores de grande alcance não detectarão nossa nave. — Está certo — confirmou o coronel da USO. — Mas não podemos excluir a possibilidade de Tróia ter sido ocupado por forças inimigas. Nesse caso algumas naves já devem ter decolado de lá e entrado no espaço linear. Podem aparecer de repente e abrir fogo contra nós. É um risco que não podemos assumir. Prefiro assumir o risco de ser localizado, até que uma das naves-girino volte. *** A Imperador não foi detectada por seres desconhecidos nem atacada por naves inimigas. O único veículo que de repente voltou a aparecer perto dela foi a KI-39. O uso da faixa de rádio comum não oferecia nenhum perigo. — Em Tróia está tudo em ordem, senhor — informou o comandante. — As naves cargueiras chegaram e foram ancoradas junto às paredes externas. O lorde-almirante também se encontra presente. Houve divergências por causa de nossa saída. Querem que façamos imediatamente uma passagem pelo semi-espaço, adaptemos a velocidade e nos preparemos para entrar na eclusa. Nosso hangar continua livre. — Hum! — fez Heske Alurin. Inclinou-se para a frente e empurrou a chave geral do interfone. — Comandante chamando toda a tripulação. Vamos para casa. A Crest chegou, trazendo consigo as naves cargueiras. Logo saberemos como conseguiram. Atenção, engenheiro-chefe. O senhor acha que podemos arriscar uma passagem de apenas cinco anos-luz com o sistema de refrigeração avariado? Não gostaria de recorrer ao segundo estágio quando a operação foi quase concluída. Milas pôs-se a calcular. — Podemos arriscar. Permaneceremos no espaço linear por dois minutos. Não temos motivo para recear uma catástrofe. Mas os conjuntos avariados devem ser trocados em seguida. Quando chegarmos a Tróia, teremos de entrar no estaleiro. — Permissão concedida. Impulso será transmitido dentro de cinco minutos. Desligo. O vôo não foi difícil. A Imperador entrou no semi-espaço com o conversor kalupiano esquentando rapidamente, e retornou ao universo einsteiniano a quarenta mil quilômetros de Tróia. A manobra de equalização de velocidade consumiu trinta minutos. Quando a nave desfigurada iniciou a curva de entrada sobre Tróia, fazendo com que a popa circular do primeiro estágio apontasse cada vez mais exatamente para o poço aberto do hangar, Perry Rhodan disse em tom impulsivo: — Terei de pedir desculpas ao seu comandante. É uma camuflagem excelente. Se fosse um não-humanóide, só poderia suspeitar que isso fosse um supercouraçado da frota terrana se já tivesse motivo para desconfiar de alguma coisa. Atlan deu uma risada. Lançou um olhar fascinado para as telas que permitiam um acompanhamento perfeito da difícil manobra.
A Imperador estava suspensa sobre o satélite, com a cauda em que estavam instalados os propulsores apontando para baixo. Diferenças insignificantes na velocidade causavam oscilações constantes dos estágios suplementares, que por causa da massa da nave que viria em seguida teriam de entrar exatamente no centro do poço do hangar. Os raios de tração do satélite entraram em ação. Seus tentáculos energéticos alcançaram a estrutura que vagava no espaço e obrigaram a mesma a entrar na posição correta. O efeito de alavanca atuou imediatamente sobre o corpo esférico da Imperador, que tombou de lado. Atlan prendeu a respiração. Se a potência dos raios de tração não fosse reduzida imediatamente para minimizar as forças que agiam sobre os estágios suplementares, a nave certamente perderia os preciosos propulsores adicionais. A estrutura instável se romperia. Era muito fraca para suportar a massa da nave propriamente dita, presa à mesma. Atlan ouviu Frazer Whooley dar um berro. O rugido dos geradores de raios de tração diminuiu. A Imperador ficou livre, desviou-se para o vermelho e perdeu a posição de entrada em que conseguira colocar-se a duras penas. Era necessário repetir a manobra. Os técnicos do satélite começaram a transpirar. Era o primeiro veículo espacial de vários estágios que tinha de ser recolhido nas condições reinantes no front. Durante os inúmeros exercícios realizados no transmissor Chumbo de Caça as coisas tinham sido mais simples. Ali não havia nenhum inimigo espreitando os hiperecos, por mais reduzidos que fossem. Durante o terceiro vôo de aproximação Alurin compensou o desvio da nave por meio dos jatos auxiliares alimentados com combustíveis químicos. Trabalhou com a pilotagem manual. Ninguém melhor que Perry Rhodan para saber quanta sensibilidade e que instinto cosmonáutico refinado se tornava necessário para isso, pois o mesmo tinha enfrentado situação semelhantes nos anos mais jovens. Os sistemas de propulsão suplementares desapareceram no hangar da Imperador. O momento crítico surgiu quando o abaulamento inferior do supercouraçado entrou no poço e as grandes saliências da protuberância equatorial tiveram de passar junto às paredes do mesmo. Nessa altura os jatos pressurizados foram de grande utilidade. O corpo vibrante da nave ficou preso, estabilizou-se e pousou suavemente sob o efeito do campo antigravitacional inferior. A ponta de camuflagem foi a última a desaparecer na abertura circular. O sistema de ancoragem magnética entrou em ação. Os suportes hidráulicos saíram das paredes do poço e ajudaram a apoiar a nave. Suas colunas de apoio tocaram a saliência metálica de duzentos metros de largura na altura da cúpula polar inferior. Finalmente a Imperador ficou apoiada sobre suas colunas de pouso. A manobra estava concluída. Os três estágios suplementares estavam pendurados no interior do poço cujo diâmetro se ia reduzindo cada vez mais e estavam apoiados mecanicamente. Rhodan levara vários minutos sem dizer uma palavra. Acabara de assistir a uma verdadeira aventura técnica. Nenhum tiro fora disparado e não houvera uma única vida em perigo, mas apesar disso os homens ficaram com os músculos tensos. Esqueceram o mundo que os cercava, para acompanhar ansiosamente a manobra. — É uma tripulação de primeira — disse Rhodan com um sorriso. Fitou o arcônida tão intensamente que até se poderia ter a impressão de que era a primeira vez que se encontrava com o mesmo.
— Acho que vamos esquecer nossa pequena divergência, amigo. Eu deveria ter olhado antes para os filmes. Mas peço que no futuro seja informado sobre qualquer operação especial. Não farei nenhuma acusação ao Coronel Alurin. Estava cumprindo ordens. Para ele não há problema. Gucky entrou no observatório situado pouco abaixo da superfície. De tão nervoso que estava, chegou a utilizar as pernas. Parecia ter esquecido que sabia teleportar. — Alurin encontrou um planeta — chiou, entusiasmado. — Andei bisbilhotando. Descobriu um pequeno sol vermelho-escuro no setor oeste da nebulosa Beta, a três mil duzentos e oitenta anos-luz daqui. É um sistema periférico ideal, que além do mais fica exatamente na face voltada para o transmissor Chumbo de Caça. O sol possui somente dois planetas. Um deles, o interior, é um deserto atômico em que não há vida. O número dois é um mundo gelado desabitado que tem mais ou menos o tamanho da Terra e possui oxigênio. Não foi detectada a presença de quem quer que fosse nas redondezas. O epsalense batizou o sistema com o nome de Alurin. O planeta interior recebeu o nome de Destroy e o exterior Arctis. Arctis é um mundo ideal para os fins que temos em vista. Então, que acham? — Você foi avisado que era proibido usar seu dom telepático sem uma permissão especial — gritou Rhodan. Gucky parou, pôs à mostra o dente roedor e disse com um sorriso: — Eu sei. Mas desta vez não agüentei de tão curioso que estava. Alurin se sente orgulhoso que nem um velho russo... — ...espanhol! — interrompeu Atlan. O rato-castor lançou-lhe um olhar furioso. — Está bem. Sente-se orgulhoso que nem um velho espanhol. Dispenso suas aulas, Imperador Gonozal. Alurin tem problemas com um dos sistemas de refrigeração do primeiro estágio. Sua nave tem de entrar no estaleiro. Vou dar um salto para lá. Até logo. O ar tremeu. O rato-castor desapareceu, produzindo um ploc surdo, causado pelas massas de ar que preencheram o vácuo. Atlan e Rhodan olharam-se com uma expressão de perplexidade. — Esse sujeito vive cuspindo veneno — exclamou Melbar Kasom, nervoso. — Vou apimentar suas cenouras. — Não se meta com o baixinho — advertiu Atlan. — Ele é telecineta. Procure não esquecer isso. Já fez voar corpos mais pesados que o seu. Kasom apalpou a região do estômago. Seu rosto assumiu uma expressão pensativa. — Está com apetite, meu caro? — perguntou Icho Tolot em tom irônico. A tremenda necessidade de alimentos de Kasom era bem conhecida. Foi ela que levou Atlan a não formar uma tripulação constituída exclusivamente por ertrusianos, embora os mesmos fossem bem mais competentes que os epsalenses. Uma nave tripulada por esses gigantes de dois metros e meio teria de levar uma nave cargueira carregada com mantimentos. Kasom saiu andando para ver se havia um quartinho de boi na cozinha de bordo. Metade de um porco também serviria, desde que não estivesse congelada. Melbar Kasom era um homem inteligente, e além disso ocupava o cargo de especialista da USO. Sabia o que significava a chegada do Imperador. Dentro em breve seria executada uma missão perigosa. Por isso era de opinião que devia cuidar quanto antes da renovação de suas reservas orgânicas. Sabia por experiência própria que durante uma operação perigosa nunca recebia uma alimentação adequada.
Entrou na cozinha inteiramente automatizada. O cozinheiro programador empalideceu. Estava sentado à frente de um console de comando semicircular, com o boné especial na cabeça, e prestava atenção aos sinais luminosos dos fogões automáticos. — Estou com fome! — disse Kasom. Logo acrescentou: — Rápido! O chefe de cozinha limitou-se a apertar um botão. Uma porta de fogão de dois metros de altura abriu-se. Atrás dela um boi gordo tipicamente terrano girava no espeto. — Assei este boi para recepcionar os tripulantes da Imperador — disse o chefe de cozinha em tom resignado. — Tenha pena da gente. Kasom brindou-o com um olhar compreensivo, tirou o boi do grill, fazendo-o deslizar sobre os trilhos, tirou a pistola e cortou a metade traseira do boi com um raio energético muito fino. Na verdade, havia um bom pedaço da parte dianteira preso à parte traseira; quase tudo. Guardou a arma, segurou o pedaço de boi fumegante com um avental térmico pertencente ao pessoal da cozinha e foi saindo calmamente. — Seu bárbaro nojento; tipo perigoso — cochichou o chefe de cozinha, fora de si. Comprimindo o ventre com as mãos fechadas, contemplou o assado com o qual pretendia recepcionar os recém-chegados, sem encontrar o palavrão que queria soltar. — O ertrusiano deve ter estado aqui — disse um dos seus ajudantes sorrindo ao notar o nervosismo do chefe de cozinha. — Fique em posição de sentido quando quiser falar comigo! — berrou o chefe de cozinha. — O ertrusiano deve ter estado aqui! O senhor... o senhor... Droga! Dê o fora. Não posso ver mais seu rosto. O ajudante saiu correndo para uma sala contígua. Dali a cinco minutos apareceu Gucky e deu ordem para que seu grande amigo lhe preparasse morangos muito bem descongelados, que não estivessem moles. O chefe de cozinha teve um dia difícil. Mais uma vez resolveu pedir transferência.
5 A manobra de saída dos cinco supercouraçados tinha chegado ao fim. Pareciam esferas luminosas suspensas sobre mastros gigantescos cravados na superfície entrecortada do satélite. Estavam à espera dos impulsos desencadeados pelos engenheiros-chefes que as colocariam em movimento. As seis naves cargueiras tinham saído da posição de espera. Tinham entrado em formação de cunha e encontravam-se a alguns quilômetros de distância. O ruído das máquinas que tiveram de ser ligadas em Tróia para possibilitar a saída das naves cessou. Rhodan e Atlan continuavam na sala de comando. De repente Tróia parecia abandonado. As massas humanas tinham saído nas naves. O Major Whooley e seus vinte homens seriam os únicos que continuariam na base para supervisionar suas máquinas. Havia uma nave de sessenta metros, do tipo nave-girino, estacionada num pequeno hangar. Tratava-se do último modelo terrano, que por causa das condições especiais em que seria usado recebera vários equipamentos suplementares. A nave-girino era uma das raras espaçonaves de seu tipo que possuía um canhão conversor. Rhodan deu as últimas instruções. — Nesta fita de programação se encontra a posição do sistema de Alurin e todos os dados cosmonáuticos. Caso alguém volte a fazer uma teleanálise de Tróia, aguardem os acontecimentos. Se houver um ataque ou um desembarque de tropas, retirem-se imediatamente para o interior da nave-girino. Decolem e em seguida façam detonar a carga explosiva atômica. Se forem obrigados a abandonar Tróia, não deve sobrar nada para contar a história. Entendido? — Perfeitamente, senhor — confirmou o Major Whooley. — Muito bem. Os senhores estão proibidos de esboçar qualquer defesa. Isso não levaria a nada. Talvez conseguiriam rechaçar dez ou quinze naves, mas nunca cem. Tratem de sair antes que seja tarde e cuidem para não serem atingidos durante a decolagem. Estas instruções aplicam-se somente a uma situação de emergência. Se não forem descobertos, permaneça a bordo com seus homens e aguarde calmamente que uma nave da frota apareça por perto. É possível que de repente recebam uma visita não anunciada de naves cargueiras ou outras unidades. Também é possível que as naves que participarão da operação voltem a recolher-se a Tróia. Não se precipitem caso seus rastreadores de grande alcance indiquem alguma coisa. — Entendido, senhor. — Muito bem. Fico-lhes muito grato por se terem prontificado a ficar nesta caverna de rocha, aço e plástico. Sentir-se-ão muito sós. Fique de olho nos homens. Qualquer caso de psicose cósmica terá de ser tratado prontamente com os medicamentos conhecidos. Em hipótese alguma eu os abandonarei. Caso a situação reinante em Beta se agrave a ponto de termos de sair, enviarei uma nave de vários estágios para recolhê-los. Nunca se esqueça de que sua nave-girino não será capaz de percorrer os quatrocentos mil anos-luz que nos separam do transmissor Chumbo de Caça. Trata-se de um simples veículo salva-vidas. Fiquem confortáveis na medida em que isso é possível nas circunstâncias em que nos encontramos, reduza a rotina de serviço ao mínimo e organize espetáculos esportivos, outras apresentações e excursões na superfície. Arranje alguma
coisa para distrair os homens. O senhor sabe como fazer isso. Seus homens perceberão por que está fazendo isso, mas assim mesmo se sentirão gratos. Não permita que a letargia tome conta deles. Sei perfeitamente que a vida das tripulações das bases avançadas não é nada fácil. Volto a lhe desejar boa sorte, Wooley. Cuide bem de Tróia e não hesite em fazer explodir o satélite quando não houver outra saída. Rhodan e Atlan despediram-se. Entraram no elevador que percorria o eixo central, subiram à superfície e enfiaram-se nos dois jatos espaciais que estavam à sua espera. O lorde-almirante resolvera ficar na Imperador. Rhodan fez uma pergunta pelo radiofone: — Você está de novo tramando alguma coisa, arcônida. Desde quando deu para viajar em suas próprias naves? — Desta vez você será informado prontamente — respondeu Atlan em tom seco. — Não tenha a menor dúvida. A Imperador ficará na retaguarda. — Foi o que combinamos. — Eu só quis mencionar mais uma vez. — É só? — Rhodan lançou um olhar desconfiado para o outro jato espacial. Atlan deu uma risada. — É só, terrano. Ou melhor, não é! Se alguém entrar tão depressa em nossa rota que não tenhamos tempo de escapar para o semi-espaço, a Imperador atacará imediatamente. As naves de vocês também foram equipadas com sistemas de propulsão suplementares, mas não exibem os enfeites colocados na Imperador. Entendido? Rhodan hesitou. Conhecia a audácia, a dureza não-humana e a lógica inflexível do antigo almirante arcônida. Atlan não teria dúvida em atacar um grupo de naves muito mais forte que ele, compensando as desvantagens táticas com sua experiência de dez mil anos. — Está bem. De qualquer maneira você não me ouviria. Os dois jatos decolaram. Dali a instantes desapareceram no interior das eclusas dos hangares da Crest II e do supercouraçado da USO chamado Imperador. O Major Frazer Whooley e os vinte especialistas que tinham ficado com ele acompanharam os acontecimentos. Encontravam-se na sala de comando principal, que tinha sido instalada aproximadamente no centro do astro escavado. Dali podiam fazer a vigilância de qualquer ponto da superfície e do espaço adjacente por meio do equipamento de rastreamento e de teleimagem. Os rastreadores que indicavam as emanações altamente energetizadas pareciam querer saltar além da marca. Os cinco supercouraçados saíram usando seus propulsores normais. Os sistemas instalados nos estágios suplementares serviam apenas para o vôo a velocidade superior à da luz. As ondas de corpúsculos saíram chicoteando de dentro dos bocais energéticos dos jatos-propulsores instalados nas protuberâncias equatoriais das naves. O sistema de radiotelefonia entre as diversas unidades ainda funcionou por algum tempo. Mas as transmissões foram-se tornando cada vez mais fracas e menos nítidas, à medida que aumentava a distância. A Crest juntou-se às naves cargueiras que se encontravam em posição de espera e colocou-se na ponta do grupo. Duas outras unidades terranas iam nos flancos. A Alarico juntou-se ao comboio com uma diferença de altura de cinqüenta mil quilômetros. A Imperador foi no fim, mantendo uma distância tão segura que havia possibilidade de realizar até mesmo as manobras mais arriscadas sem colocar em perigo as naves cargueiras formadas em cunha.
O comboio logo começou a movimentar-se. A única coisa que Whooley chegou a ver foram os jatos-propulsores chamejantes. As onze naves gigantescas desapareceram das telas óticas e infravermelhas. Dali a cinco minutos teve-se a impressão de que os hiper-rastreadores iriam estourar. Um verdadeiro furacão de faixas de vibrações situadas na parte superior do espetro enchia o espaço interestelar. Foi somente uma questão de segundos até que a onda de choques que poderia traí-los se desvanecesse. Whooley enxugou o suor da testa. Os vinte homens pertencentes à guarnição de Tróia mantiveram-se calados por algum tempo. Sabiam que se tinham transformado nos seres humanos mais solitários do Universo. O Império Solar dispunha de milhares de postos avançados, depósitos secretos e satélites de comunicações. Mas tudo isso ficava na Via Láctea, permitindo que quem se encontrasse lá pudesse pedir auxílio. Mas no lugar em que se encontravam os vinte homens isso não era possível. A base mais próxima da Humanidade ficava a quatrocentos mil anos-luz de distância, e assim mesmo ainda ficava bem longe da galáxia habitada pelos humanos. Whooley deu ordem para que os conjuntos energéticos atômicos fossem desligados. Os sistemas geradores auxiliares, movidos por turbinas, dificilmente poderiam ser detectados pelo rastreamento energético. — Por hoje chega — disse Whooley, apressado. — Já fizemos muito. É claro que o Chefe chegará são e salvo ao sistema de Alurin. A situação é conhecida, e por isso dois vôos lineares bastarão para atingir a estrela vermelha. Durante a primeira fase o comboio sairá verticalmente da nebulosa anã. Ultrapassará as aglomerações de estrelas do centro e das áreas condensadas da periferia, para dirigir-se ao sol periférico vindo “de cima”. Nestas condições o comboio dificilmente será detectado. — Resta saber qual será a reação do inimigo diante do hiperfogo de artifício — disse o encarregado dos serviços médicos. — O mesmo acontece bem nas proximidades do lugar em que estamos. — Acontece que o comboio tinha de entrar no semi-espaço — objetou Whooley com uma alegria um tanto forçada. Alguns homens sorriram, enquanto outros piscaram uns para os outros. — Você está usando a psicologia do homem da rua — disse um técnico. — Vamos fazer o possível para sentir-nos bem sem as tripulações de outras cinco naves. Quanto a mim, pretendo dormir pelo menos dez horas. O Heske Alurin está com o diabo no couro. Nunca vi ninguém trocar tão depressa um conjunto de refrigeração que sempre pesa suas oitenta toneladas, e ainda por cima reformar uma sala de controle destroçada. Os nervos dos homens descontraíram-se. Os homens saíram da sala de comando, com exceção dos três operadores dos sistemas de rastreamento que estavam de plantão, e aos quais cabia registrar os impulsos estranhos que fossem recebidos e providenciar sua interpretação pelos computadores. Se Tróia fosse deixado em paz, haveria boas chances de chegarem sãos e salvos à estrela-destino que, se mantivessem a velocidade atual, só seria atingida dentro de quarenta anos. Até lá deveria chegar o revezamento. Era ao menos o que esperavam os solitários de Tróia.
6 Whooley estava enganado. Rhodan deu ordem para que fossem realizados três vôos pelo semi-espaço. Com isso a rota seria mais precisa. Os desvios surgidos durante a travessia vertical da nebulosa Beta puderam ser corrigidos duas vezes, uma vez alcançada a diferença de altitude prevista. O grupo de naves voltou ao universo einsteiniano exatamente a um mês-luz do sistema de Alurin, conforme previa o plano, e isso num ponto situado além da nebulosa Beta. Em virtude disso o comboio podia aproximar-se do sol Alurin do lado do espaço vazio. A vantagem tática que isso representava era evidente. Os comandantes das seis naves cargueiras mais uma vez receberam ordem para manter-se à espera. Os cálculos de posição realizados por Heske Alurin eram bastante precisos. Um cosmonauta do seu gabarito não seria capaz de cometer um erro. Chegara a mandar catalogar os sistemas adjacentes, além de aproximadamente cinqüenta estrelas geminadas e pequenas constelações características situadas num raio de cinqüenta anos-luz. Perry Rhodan ficou impressionado. E isso não acontecia muitas vezes com o Administrador-Geral, que tinha espírito crítico. Uma hora depois da manobra de reunião e orientação, os supercouraçados Crest II, Thora II, Napoleão e Imperador partiram para um vôo de reconhecimento. A Alarico, comandada pelo Coronel Teren Masis, um terrano louro e obeso, foi incumbida de dar proteção ao comboio. O grupo deslocava-se à velocidade de cinco por cento da luz em direção ao sistema de Alurin. As quatro belonaves entraram no semi-espaço, depois de acelerar por um tempo bastante curto. Os sistemas de propulsão suplementares funcionaram muito bem, mas as tripulações terranas não conseguiam acostumar-se à idéia de terem que arrastar esses penduricalhos. As experiências realizadas com base nas recomendações de Alurin revelaram que a mobilidade dos supergigantes ficou reduzida em cerca de cinqüenta por cento, por causa das vibrações e do perigo de ruptura. Os supercouraçados saíram do semi-espaço nas proximidades do sol vermelho. Rhodan fazia questão de fazer um reconhecimento do lado de dentro do sistema. Demonstrava um interesse todo especial pelo primeiro planeta, que recebera o nome Destroy. As naves precipitaram-se sobre o grande mundo, viajando pouco abaixo da barreira da luz. Passaram tão perto do envoltório gasoso do sol que houve uma tempestade energética nos campos defensivos. Era possível dominar forças como estas, desde que a gente não chegasse perto demais das mesmas. De qualquer maneira, os fenômenos gravitacionais que se verificaram foram neutralizados pela velocidade elevada. Quase não eram notados. O que era perigoso eram as emanações energéticas surgidas de surpresa e as radiações duras. As naves passaram pelo sol sem que nada lhes acontecesse. Quando o mesmo saiu do campo de visão abrangido pela galeria de telas frontais, a cortina estrelada da nebulosa Beta voltou a aparecer. Do lugar em que estavam as naves o centro da nebulosa parecia uma única mancha luminosa de grande intensidade. Os sistemas periféricos mais próximos distinguiam-se por desenhos coloridos fluorescentes.
Dez minutos depois de terem passado pelo sol de Alurin a apenas oito milhões de quilômetros de distância, o planeta interior apareceu nas telas dos rastreadores. O encurtamento relativístico do tempo resultante do deslocamento em velocidade elevadíssima influenciou a seqüência dos acontecimentos. Até parecia que fazia apenas alguns segundos que tinham voltado ao espaço einsteiniano. Os dispositivos automáticos deram início à frenagem. Quando a velocidade se reduziu a um terço, os fenômenos de dilatação tornaram-se mais suportáveis, fazendo com que se tornasse possível, graças a numerosos dados colhidos durante experiências anteriores, obter o conhecimento aproximado dos efeitos totais do deslocamento da dimensão temporal. Já estavam bem perto do planeta. Rhodan mandou que a velocidade fosse reduzida para três por cento luz, a fim de realizar algumas teleanálises. A Imperador aproximou-se e estabeleceu contato de videofone com a Crest II. As outras naves encontravam-se nos flancos das naves-capitânias, vasculhando o espaço com seus rastreadores. Desta vez Rhodan não tinha receio de emitir impulsos energéticos. A tela do sistema de comunicação videofônico por ondas ultracurtas iluminou-se no interior da Imperador. A mesma funcionava à velocidade da luz e em hipótese alguma poderia ser interceptada. Mesmo que a potência das transmissões fosse de alguns milhões de megawats, as ondas levariam alguns séculos para chegar à aglomeração central de estrelas da nebulosa anã. O busto de Rhodan apareceu na tela. Via-se que estava sentado na poltrona de almirante da Crest. Atlan levantou a mão a título de cumprimento. Alurin estava de pé atrás de sua poltrona, numa posição em que podia ser alcançado pelo sistema de transmissão ótica. — A transmissão de imagem é satisfatória? — perguntou Perry. — É excelente. Você reconhece o Coronel Alurin? — Vejo-o até a altura da testa. O senhor poderia fazer o favor de abaixar-se um pouco ou inclinar-se para a frente? O epsalense dobrou ligeiramente os joelhos. Era uma posição cansativa, mas agüentava a mesma durante várias horas, desde que reduzisse a potência de seu microgravitador. Tratava-se de um aparelho que submetia o indivíduo adaptado ao ambiente à gravitação de 2,1 gravos, a que estava habituado. — Muito bem, Alurin. Destroy fica ali na frente. A teleanálise será iniciada dentro de cinco minutos. Gostaria de ouvir novamente sua opinião. Quais foram as medições realizadas logo após a descoberta do sistema? — Medimos tudo quanto se possa imaginar, senhor. O senhor já conhece os dados geográficos e geofísicos. Destroy tem cerca de 16.200 quilômetros de diâmetro e sua gravitação chega a 1,25 gravos. O tempo de rotação é de 32,8 horas. Os mares se evaporaram e as montanhas estão sendo desmontadas pelas forças atômicas. Trata-se de um mundo que de dia e de noite emite um brilho azul-esverdeado. Em alguns lugares o nível de radioatividade ainda é muito elevado, enquanto em outros pontos é suportável. Segundo revela a teleanálise, considerados os tempos de radiação dos diversos objetos, o planeta foi destruído entre 280 e 300 anos atrás. Os resultados da rastreação mental e individual, que julguei muito importante diante da possibilidade da existência de eventuais impulsos cerebrais, foram negativos. Não há mais nada vivo lá embaixo, senhor. — Neste ponto não tenho tanta certeza. Não duvido da qualidade do seu trabalho, Coronel Alurin, mas existem seres que não emitem radiações individuais detectáveis. De
qualquer maneira, tudo indica que as formas de vida que habitavam Destroy foram destruídas na catástrofe. Em toda parte vêem-se crateras gigantescas com as paredes vitrificadas. Nos lugares em que as mesmas aparecem as temperaturas devem ter sido muito elevadas. De qualquer maneira fico-lhe muito grato. Qual é sua opinião, Atlan? Devemos pousar ou não devemos? — Acho que não devemos — respondeu o arcônida prontamente. — Se ainda existe alguma forma de vida em Destroy, a mesma não deve ser perigosa para as espaçonaves e as tropas de desembarque equipadas com armamento moderno. Conhecemos casos semelhantes. Os selvagens devem ser deixados em paz. Vá ao segundo planeta e dê um jeito de fazer desaparecer nossas naves quanto antes sob a cobertura de gelo. Precisamos estar muito bem protegidos contra a visão e o rastreamento. Tenho a impressão de que nem mesmo neste setor afastado podemos dar-nos ao luxo de ficar passeando durante semanas a fio. Rhodan aceitou a sugestão. Tivera exatamente a mesma idéia. Os quatro supercouraçados voltaram a acelerar. Rhodan preferiu não realizar o vôo linear. Dirigiu-se ao segundo planeta usando os propulsores normais. Em virtude do paradoxo do tempo que voltou a manifestar-se, teve-se a impressão de que o vôo só estava durando alguns minutos. Na verdade, para os homens que se encontravam a bordo das grandes belonaves não se passaram mais que alguns minutos. Afinal, o conceito de tempo sempre mudaria de acordo com o ponto de referência escolhido. Mas o valor básico só poderia ser aquele em que a constante temporal assumia a velocidade zero. A Crest II e a Imperador aproximaram-se do destino. A Napoleão e a Thora II continuaram a dar cobertura às naves-capitânias. Todas as unidades estavam em condições de entrar em combate a qualquer momento. Os oficiais de serviço nos centros de comando de tiro tinham ajustado as miras para determinados alvos, dividindo os setores espaciais mais importantes em subsetores, cada um dos quais ficava a cargo de determinada bateria. Os canhões conversores pesados fizeram sair as bocas das torres de artilharia. Os desintegradores, canhões energéticos, lançadores Árcon e outras armas, que funcionavam em base fisiológica, também estavam prontos para disparar. Os terranos não queriam ser vistos! Mas se fossem descobertos e atacados, provariam que quatro naves terranas da classe Império estavam em condições de enfrentar uma pequena frota de naves ovais dos twonosers. Os especialistas da Crest tiveram oportunidade e tempo de estudar as armas do inimigo antes que o moby fosse destruído. Neste ponto os engenheiros de armamentos terranos eram verdadeiros mestres. Não precisavam de mais que o simples impacto de um raio energético sobre o alvo para fazer a determinação aproximada de sua capacidade, seu funcionamento e dos efeitos mecânicos que podia produzir no casco blindado de uma nave de grandes dimensões. Até mesmo as versões maiores das naves ovais da frota de vigilância de Beta não chegavam a ser um inimigo poderoso. Mas até mesmo neste caso valia o provérbio de que se os cachorros são muitos o coelho acaba sendo morto. O poder de fogo dos supercouraçados terranos era tremendo, mas apesar disso Rhodan preferia não ser descoberto. Depois de quatro minutos de tempo relativo da nave esta se encontrava tão perto do segundo planeta, chamado Arctis, que o dispositivo automático usou toda a potência dos
jatos-propulsores na frenagem. Para os tripulantes das naves cargueiras que estavam estacionadas no espaço já se tinham passado cerca de cinco horas tempo padrão. Perry Rhodan inclinou o corpo. Parecia tenso. Arctis era um mundo de oxigênio do tamanho da Terra, que do ponto de vista geográfico e astrofísico não oferecia maiores segredos. A característica que mais chamava a atenção era a elipse ampla que percorria em torno de seu sol. Essa órbita fazia com que as temperaturas chegassem a extremos. Arctis levava quatorze anos, tempo padrão, para percorrer sua órbita. Durante onze anos a temperatura média era de 50 graus centígrados negativos. Nos três anos restantes reinava em Arctis um inverno suave, com temperaturas médias em torno de dez graus centígrados positivos. Apesar do aquecimento temporário do planeta, Arctis estava coberto permanentemente por uma camada de gelo que em média tinha de oito a dez quilômetros de espessura. Era um planeta desabitado. Se alguma vez possuíra montanhas, as mesmas tinham desaparecido embaixo do manto de gelo. Em alguns lugares tinham surgido ondulações e alguns picos íngremes. Fora disso só havia massas imensas de gelo tangidas pela tempestade. Parecia que os seres trombudos da nebulosa Beta, que eram bastante sensíveis às temperaturas baixas, nem pensaram em colonizar o mundo de gelo. Retiraram-se para o interior dos cadáveres dos mobys, fazendo das cavernas existentes nos mesmos seu habitat. Rhodan tinha certeza de que nenhum twonoser tinha pisado em Arctis. Atlan chamou pelo videofone. — Você está perdendo um tempo precioso. Alurin levou alguns dias estudando o planeta. Os dados que colheu não poderiam ter sido mais exatos. Seus comandos de desembarque e as sondas que fez sair registraram tudo que era possível. Arctis presta-se melhor aos fins que temos em vista do que um belo planeta. A camada de gelo facilita a escavação de grandes hangares e depósitos de todos os tipos. Seus engenheiros construtores devem saber como se faz para fundir cavernas com os canhões térmicos e sugar as massas de vapor. O que está esperando? Rhodan não respondeu. Seus olhos semicerrados estavam grudados nas grandes telas que mostravam a blindagem de gelo branca do planeta. — Há oxigênio que chega — prosseguiu Atlan em tom impaciente. — Não teremos necessidade de produzi-lo artificialmente. Então...? — Não estou gostando do planeta interior — respondeu Perry, hesitante. — Quem o transformou num inferno atômico? Será que foram seus habitantes que travaram uma guerra fratricida? Ou terá sido obra de uma potência estranha? Foi bombardeado do espaço, ou será que as bombas foram postas a vagar? Você tem a resposta? As naves descreveram uma curva fechada. Naquele momento Arctis aproximava-se do ponto de sua órbita que ficava mais distante do sol. Em sua superfície reinava um inverno rigoroso. As temperaturas eram desagradáveis, mas suportáveis. — Se essa dúvida o martiriza tanto, você tem de desembarcar alguns comandos para examinar Destroy. Isso levaria alguns dias. Para fazer uma interpretação mais rigorosa, os homens teriam de entrar em tudo quanto é ruína. Você tem tempo para isso? — Não. Atlan suspirou. — Conheço os terranos há dez mil anos, mas às vezes tenho a impressão de que a cada século que passa menos os compreendo. Do ponto de vista estratégico a operação
cabeça-de-ponte é uma loucura. Resolvemos penetrar nos postos avançados da nebulosa Andrômeda sem ter a menor idéia de como são as coisas por lá. Os historiadores que vierem depois de nós sacudirão a cabeça ao lerem as descrições sobre a época do expansionismo terrano. No fundo nenhum homem sensato seria capaz de entrar numa galáxia estranha com cinco couraçados, para deter o ataque de uma grande potência e passar ao assalto. Até parece uma invasão de mosquitos, Perry! Uma operação como esta naturalmente inclui inúmeros fatores desconhecidos. Um deles é Destroy. Pelo velho Império — não temos tempo para examinar minuciosamente este montão de ruínas. Por enquanto o mais urgente é esconder nossas naves embaixo do gelo. Depois veremos o resto. — Isso mesmo — disse Icho Tolot, que se encontrava de pé atrás de Perry Rhodan. O Administrador-Geral conseguiu superar suas dúvidas. Dali a três minutos as ordens foram chovendo sobre as tripulações. O Coronel Heske Alurin, que ouvia tudo juntamente com Atlan, olhou em torno. Estava sorrindo. — Parece que ele acordou, senhor. — É um gênio sem igual — disse o lorde-almirante com um sorriso descontraído. — A Humanidade lhe deve tudo que conseguiu alcançar. É bem verdade que de vez em quando tem de levar uma cutucada. — Ninguém melhor que o senhor para aplicar-lhe a mesma. — Tomara, Heske. Sempre farei o possível para ser um amigo sincero. O que está fazendo agora? O casco da Crest II foi iluminado pelo fogo dos jatos de um barco espacial. Era um jato espacial que se afastava. — Nave-correio dirigindo-se aos cargueiros, senhor — anunciou o Major Fend Echelor, chefe do setor de rastreamento da Imperador. Atlan acenou com a cabeça. Parecia satisfeito. Perry Rhodan teve o cuidado de evitar o uso do hiper-rádio. A Crest mergulhou na atmosfera do planeta gelado. As telas mostravam nitidamente as massas de ar incandescentes que se formavam junto à trajetória da nave. As medições geográficas já tinham sido realizadas por Heske Alurin. O mesmo resolvera instalar a base no meridiano zero, exatamente sobre a linha do equador. Nesse lugar a camada de gelo ainda tinha oito quilômetros de espessura, mas a atmosfera era menos turbulenta que nos pontos situados mais ao norte ou ao sul. A Crest dirigiu-se a esse ponto e ficou suspensa sobre seus campos antigravitacionais, cinco quilômetros acima da superfície de gelo. Comandos de robôs foram chovendo pelas escotilhas. Tratava-se de máquinas especiais, equipadas com uma aparelhagem bastante variada. Dali a somente trinta minutos os canhões instalados abaixo da protuberância equatorial da nave começaram a trovejar. Trilhas energéticas, quentes e luminosas que nem a atmosfera de um sol, chicotearam o gelo, que começou a evaporar-se imediatamente. Grossas nuvens de vapor subiam ao ar, sendo atingidas pelos raios de impulsão e desviadas para o sul, onde os vapores foram descendo em forma de cristais de neve e gelo. Era a forma mais discreta de dispor do lixo que se poderia imaginar. As nevadas eram muito freqüentes em Arctis. — Ele resolveu não perder mais tempo — disse Atlan com uma risada. — O que houve, Echelor? O chefe da equipe de rádio voltou a aparecer nas telas de intercomunicação.
— A Thora II e a Napoleão receberam ordem para também abrir seu poço-hangar. — E nós? Nenhuma novidade? — Não senhor. — Faça uma ligação com a nave-capitânia. Rhodan respondeu ao chamado. Estava usando traje espacial. — Gostaria que você nos desse cobertura, Atlan. Abriremos um hangar para você. De qualquer maneira só poderemos fazer um trabalho precário. Os poços terão de ser preparados por especialistas, para que haja uma base de apoio para as colunas de sustentação das naves. Sempre que possível, os sistemas de propulsão suplementares deverão ficar presos às naves. Dessa forma a nave deverá ser escondida numa extensão de mais mil e duzentos metros, com uma abertura de quinhentos metros. As naves cargueiras não demorarão a chegar. Em minha opinião a Imperador presta-se melhor que as outras naves a dar-nos cobertura, por causa de sua camuflagem. De acordo? Atlan não perdeu tempo. Pensara mais ou menos a mesma coisa. — Naturalmente. Subirei na vertical e ficarei em posição de espera. Envie os gêmeos Woolver. Rhodan fez um sinal. A ligação foi mantida, para que os dois sprinters, que usavam as ondas para saltar, dispusessem de um meio de locomoção. Os mesmos foram materializando um após o outro junto ao receptor. O ar tremeu. Os dois mutantes naturais de Imart saíram dos campos e fizeram continência. Não havia nenhuma diferença entre eles. A pele verde-suave e o tórax enorme mostravam que também eram indivíduos adaptados a um ambiente estranho. Eram descendentes de colonos que haviam criado pulmões enormes, para poder sobreviver na atmosfera rarefeita de Imart. Rakal e Tronar Woolver possuíam uma paracapacidade sem igual. Podiam transportar-se pelos fluxos energéticos de todas as espécies, percorrendo distâncias enormes em estado de desmaterialização. Costumavam designar-se como despolarizadores parapsíquicos. Os dois eram especialistas da USO... Atlan cumprimentou os majores, que eram homens altos. Ninguém diria que os mesmos acabavam de percorrer cinqüenta mil quilômetros à velocidade da luz. As ondas de rádio que percorriam o espaço entre as duas naves lhes tinham servido de meio de transporte. Se necessário, podiam usar o fluxo de energia no interior de um cabo. Mas preferiam as ondas hipervelozes de todos os tipos. — Acho conveniente que daqui em diante permaneçam a bordo da Imperador. Já sabem onde ficam seus alojamentos. Desejam mais alguma coisa? — Nosso equipamento especial precisa de uma revisão, senhor — respondeu Tronar Woolver. — Está bem. Cuidem disso. Precisam de mais alguma coisa que se encontre nos depósitos da Crest? — Não. Temos nossas reservas. Atlan dispensou os mutantes e ficou à espera das naves cargueiras, que saíram do espaço linear dali a mais alguns minutos, retornando ao universo normal a dez milhões de quilômetros de Arctis. A nave-correio estava com elas. Saíram em alta velocidade em direção ao planeta gelado. Atlan leu os ecos goniométricos e as indicações da aproximação. Ficou nervoso.
— Estão desenvolvendo uma velocidade bem elevada, senhor! — disse o TenenteCoronel Trimar Noser. — Isso seria necessário? Terão de fazer uma frenagem forçada, senão passarão em alta velocidade por Arctis. — É necessário, sim! — foi a resposta lacônica de Atlan, que esperava uma ligação pelo rádio. Esta não veio. As naves quase chegavam a desenvolver a velocidade da luz. As ondas ultracurtas só poderiam chegar alguns segundos antes delas. O arcônida foi para junto dos rastreadores e examinou as indicações dos instrumentos de alta precisão. As seis naves cargueiras ainda estavam acelerando, para manter a velocidade próxima à barreira da luz. — Estão injetando massa de apoio, senhor — informou um dos operadores do setor de rastreamento. De repente todos ficaram em silêncio no interior da grande sala de rádio e rastreamento da Imperador. Os olhares dos homens pareciam espetar Atlan como se fossem agulhas. Heske Alurin entrou. Atlan não disse o que pensava da estranha fase de aceleração. Dali a dois segundos e meio as naves cargueiras passaram a frear, também à potência máxima, e a Alarico saiu do espaço linear bem atrás delas. Atlan acenou com a cabeça. A nave que comboiava os cargueiros acelerou até atingir o ponto matematicamente determinado em que tinha de ser iniciada a frenagem, para que pudesse atingir Arctis à velocidade zero. — Coronel Alurin...! O epsalense pôs-se a esperar. — Entrar em prontidão de combate. Comandos de vedação a postos. Se nosso grupo de naves cargueiras não localizou várias unidades estranhas, passarei a trabalhar como auxiliar de cozinha. Preparar manobra linear. Major Echelor, faça uma ligação de videofone com a nave-capitânia terrana. As naves cargueiras estão fugindo. A situação começa a ficar séria. Mais uma vez as sereias de alarme soaram a bordo da Imperador. As mesmas tinham sido construídas segundo um modelo arcônida e seu barulho era tamanho que até mesmo um surdo seria capaz de ouvi-las. Dois mil homens, cada qual uma sumidade em sua área, com pelo menos três anos de experiência no front espacial, correram para seus postos. A nave gigantesca começou a movimentar-se. Seguiu na direção em que estavam as naves cargueiras, para reduzir a distância e possibilitar as comunicações pelo rádio. Os trabalhos de construção que estavam sendo realizados em Arctis foram suspensos imediatamente. Rhodan chamou. Era a calma em pessoa. — Vejo que soube avaliar a situação. Minhas unidades estão prontas para a decolagem de emergência. O que pretende fazer? — Quero ouvir o que os comandantes das naves cargueiras têm a dizer. Se avistaram naves twonosers, vou aparecer. Vou apresentar um pequeno espetáculo, dar uns tiros e recolher-me ao espaço linear assim que meus campos defensivos tenham sido atingidos. Eis meu conselho. Permaneça com todas as unidades sob a proteção do planeta e aguarde a reação dos trombas azuis ao aparecimento da Imperador. Se resolverem sair em nossa perseguição, prossiga nos trabalhos. Se necessário atravessarei a nebulosa Beta e deverei aparecer no setor leste. Temos de fazer o possível para convencer os senhores da galáxia de que algumas naves dos maahks apareceram por aqui. No estado em que se encontra, a Imperador pode perfeitamente ser considerada um novo modelo dos maahks. Os sistemas de propulsão suplementares assemelham-se bastante com os corpos
alongados das naves negras. A ligação está piorando. Vou entrar em contato com as naves cargueiras. Desligo. Rhodan disse uma coisa que Atlan não ouviu. O Major Fromer Hatski, comandante da Anbe 3, chamou. A Imperador saiu em alta velocidade, em sentido oposto à formação de cunha das naves cargueiras. — Atlan falando. Diga logo. Não demoraremos a sair do alcance das ondas ultracurtas. Por que está fugindo? Hatski era um homem alto e corpulento que possuía uma calma inabalável. Não se espantou com a pergunta precisa. — Os rastreadores acusaram a presença de um grupo de naves ovais no espaço vazio, setor oeste. Encontravam-se a apenas onze anos-luz do ponto em que assumimos nossa posição de espera. Tenho certeza absoluta que fomos detectados por ocasião da manobra. O grupo é formado por trinta ou quarenta unidades. É impossível indicar os tipos. Pergunte ao comandante da Alarico, que aguardou nossa manobra e continuou na observação. — Obrigado. Entendido. Perry Rhodan foi informado. Ele lhe dará outras instruções. A ligação de videofone voltou a piorar. Mais adiante, a Alarico aproximava-se em alta velocidade. O Coronel Teren Masis esperava o momento de estabelecer contato. Compreendera as intenções dos tripulantes da nave da USO. Começou a falar sem que ninguém pedisse, assim que teve certeza de que seria ouvido. — Alarico chamando Imperador. Grupo de naves twonosers está entrando em nossa posição de espera anterior. As naves cargueiras foram localizadas por ocasião da entrada no espaço linear. Constatamos que os desconhecidos entraram no semi-espaço assim que seu chefe descobriu a origem dos hiperecos. Saí no momento em que apareceram as primeiras três naves. Não podem ter-me alcançado oticamente, mas talvez tenha sido detectado pelos rastreadores. Cuidado, Imperador! Trata-se de pelo menos vinte naves ovais de grandes dimensões. Atlan só pôde dar uma resposta ligeira. As duas naves passaram uma pela outra em disparada. Numa questão de segundos as ligações pelo rádio foram interrompidas. A Imperador já estava próxima à barreira da luz. Atlan voltou à sala de comando e pediu que Melbar Kasom o ajudasse a enfiar-se em seu traje espacial. — Todos os postos informaram que está tudo em ordem, senhor — disse o ertrusiano. — Permite que pergunte se desta vez suas intenções são sérias? — Se o senhor se refere a uma operação arriscada, a resposta é afirmativa. Temos de encontrar um meio de desviar a atenção dos trombas azuis do sistema de Alurin, comandante. Prepare a saída de uma das naves-girino camufladas. O veículo não será tripulado. Será dirigido pelo piloto automático. Alurin costumava compreender depressa, mas desta vez não compreendia a finalidade da ordem. Os computadores estavam funcionando a seu lado. Alurin levantou os olhos, perplexo. A antiga posição de espera das naves cargueiras estava sendo determinada e introduzida no sistema de computação positrônica que comandava o vôo linear. — Uma... uma nave-girino camuflada, senhor?
Atlan acionou os últimos fechos magnéticos de seu traje espacial e apertou o botão da checagem automática. A luz verde acendeu-se. Os microaparelhos embutidos na mochila estavam em ordem. — O senhor ouviu o que eu disse. Não mandou colocar uma camuflagem em dois barcos de sessenta metros? — Perfeitamente, senhor. Precisamos deles para fazer vôos de reconhecimento. — Pois o senhor vai perder uma nave-girino. Mande ligar o computador central para a pilotagem robotizada. Eu mesmo cuidarei da programação. Em que ponto está o centro de computação? Os dados já tinham sido colhidos. Uma vez programada a nave-girino, a Imperador desapareceu numa luminosidade ofuscante. Realizou um breve vôo linear e retornou ao universo einsteiniano a um mês-luz de distância. Os twonosers tinham chegado! As formas ovais grosseiras de suas naves apareceram nas telas dos rastreadores em forma de imagens eletrônicas.
7 Os homens da Imperador eram mestres em sua arte. Deram início a uma hábil manobra de despistamento. Não havia nas áreas exploradas da Via Láctea nenhum povo cujas condições mentais lhe permitissem fazer estas coisas com a mesma precisão dos terranos ou de seus descendentes. Qualquer observador teria a impressão de que a Imperador estava perseguindo um veículo espacial muito menor, que acabara de sair do espaço linear bem à sua frente. A tripulação da USO realizou um trabalho de precisão sem igual. A nave-girino equipada com camuflagens de todos os tipos tinha saído do hangar um décimo de segundo antes da manobra de entrada no semi-espaço. Acelerou imediatamente ao máximo. A Imperador freou discretamente e foi ficando para trás. Numa questão de segundos a distância aumentou para trezentos mil quilômetros. Nenhum estranho poderia saber que a KI-10 era uma nave robotizada, que além disso podia ser dirigida pelo controle remoto. Uma vez atingida a distância desejada, o supercouraçado também acelerou. Dali a pouco as duas naves corriam pelo espaço, desenvolvendo a mesma velocidade. Os dados sobre a posição do grupo de naves twonosers, que tornavam possível o cálculo de probabilidade sobre sua movimentação durante a última hora, revelaram-se bastante exatos. A esquadrilha estranha encontrava-se a somente oito milhões de quilômetros de distância. Era muito para poderem entrar em combate, mas não constituía nenhum problema para os rastreadores que funcionavam à velocidade ultraluz. Atlan sabia que a Imperador e a nave-girino apareciam nitidamente nas telas dos rastreadores das naves twonosers. As imagens eletrônicas deviam ser bastante elucidativas. Naquele momento os computadores das naves twonosers estavam trabalhando. Atlan estava sentado na poltrona do almirante da nave da USO. Heske Alurin contemplava as numerosas naves estranhas com olhos de lince. A operação só poderia ser bem-sucedida se o comandante do grupo inimigo fosse lerdo a ponto de não iniciar o vôo linear dentro de trinta segundos, para aproximar-se da Imperador num vôo realizado à velocidade ultraluz. Os jatos-propulsores da nave rugiram. Mais adiante línguas de fogo saíram do casco rompido da nave-girino. Tratava-se de cargas explosivas cuidadosamente dosadas, colocadas em pontos não vitais. As ondas de pressão das cargas explosivas protegidas somente de um lado projetaram-se para fora do veículo. Mas os estranhos não tinham como perceber isso. Parecia que houvera explosões devastadoras no interior da pequena nave, explosões estas que talvez fossem uma conseqüência de tiros disparados antes. Isso correspondia a uma importante necessidade lógica. O comandante da pequena espaçonave já deveria ter retornado ao espaço linear para escapar à perseguição e não ficar exposto ao furacão de fogo despejado pelos canhões pesados da Imperador. As explosões despertavam a impressão de que o barco espacial já não estava em condições de desenvolver velocidade superior à da luz. Um especialista da USO nunca se esqueceria desses detalhes. A probabilidade de êxito de uma manobra desviacionista devia ficar perto de cem por cento. Do contrário a mesma nem seria tentada.
Diante desses dados importantes qualquer observador inteligente chegaria à conclusão de que o objeto voador que estava sendo perseguido tivera sua mobilidade prejudicada, e por isso se via praticamente indefeso diante das salvas do gigante espacial. Os campos defensivos da KI-10 também não estavam funcionando mais. Não puderam ser ativados, pois com isso o controle remoto poderia tornar-se impraticável. Mas a falha poderia perfeitamente ser atribuída ao impacto que parecia ter havido. Atlan esperou um minuto. Devia ser o suficiente para que o comandante do grupo inimigo fizesse as verificações que devia fazer. O oficial do comando de tiro da Imperador preparara um comando eletrônico generalizado. Somente os canhões energéticos seriam usados. As armas mais potentes, que eram os canhões conversores, ainda não poderiam ser apresentadas. O oficial de artilharia era um homem grisalho, que ainda tinha passado pela escola rigorosa do chefe supremo plofosense Iratio Hondro. Seu nome era Unis Heyt. Pertencia às forças espaciais da USO. — Solicito permissão de abrir fogo — disse sua voz saída dos alto-falantes do intercomunicador. Atlan olhou para o relógio. O minuto de espera tinha passado. Os trombas azuis — os ocupantes dos veículos ovais não poderiam ser outros — continuavam na mesma posição. — Eles são um pouco lerdos, não são? — observou Heske Alurin com um sorriso irônico. — Se fosse comigo, já estaria aqui. — Acontece que o senhor é um comandante da USO. Por enquanto não dou permissão para abrir fogo. Aguarde mais um minuto. O tempo foi passando. Os segundos pareciam estender-se ao infinito. Quando o minuto chegou ao fim, o rastreamento de grande alcance constatou que as numerosas unidades inimigas estavam manobrando. — Já estão acordando — observou Alurin. — Está na hora, senhor. — Major Heyt, o senhor tem permissão para abrir fogo — disse Atlan. Heyt sentiu-se aliviado ao apertar os botões que acionavam as peças de artilharia. Os canhões energéticos rugiram, despejando volumes tremendos de energia sobre a pequena nave que continuava a fugir. Pouco antes terminara o período de aceleração da nave-girino. A mesma perdeu velocidade, já que uma “falha evidente” no sistema de conversão de raios tinha dado origem a uma indesejável manobra de frenagem. Isso fora necessário para que as trilhas energéticas dos canhões da nave, que se deslocavam à velocidade da luz, tivessem possibilidade de alcançar a nave. Dali a instantes a nave-girino foi atingida de raspão. Unis Heyt, que era um homem ambicioso, cerrou os dentes e quis fazer como se não visse os sorrisos estampados nos rostos de seus subordinados. Heyt recebera ordem para errar o alvo pelo menos três vezes, para dissimular a eficiência da mira positrônica. Era um procedimento que ofendia sua dignidade. Voltou a apertar os botões. Mais uma vez os disparos de uma bateria de costado sacudiram a nave gigantesca. A nave-girino voltou a ser atingida de raspão, o que mostrava aos subordinados de Heyt que a pontaria do chefe grisalho era mais precisa que nunca. Fez questão de dar três toques na nave-girino. A terceira salva foi definitiva. A nave-girino voltou a ser atingida de raspão e transformou-se numa massa de metal incandescente. A Imperador ignorou o fogo
violento dos canhões do barco espacial. Os campos defensivos não tinham nenhuma dificuldade em absorver ou refletir os tiros. A voz de Atlan se fez ouvir. — Muito bem, Heyt. Agora mostre como se atira na área relativista. Se errássemos novamente o alvo, eles desconfiariam. Depois de três salvas até mesmo um artilheiro medíocre deve ter sido capaz de ajustar sua mira. Vamos! Faça desaparecer a nave-girino. — São trezentos milhões de solares perdidos — disse Heyt, indignado. — É até possível que esta versão especial tenha custado o dobro. Vivemos desperdiçando o dinheiro. Até parece que o mesmo pode ser impresso à vontade. Desta vez Heyt apertou os botões das peças de artilharia com mais violência do que fizera antes. A Imperador sacudiu-se. Unis Heyt apoiou os cotovelos sobre a chapa de revestimento de seu teclado e olhou para as telas do dispositivo de mira. No espaço cósmico, onde a matéria era escassa, os tiros energéticos quase não se tornavam visíveis. Mas quando atingiram o casco da nave-girino, provocando um verdadeiro inferno atômico, todo mundo compreendeu que o plofosense sabia atirar muito bem. A KI-10 transformou-se numa nuvem de gases luminosos. Já estava mesmo na hora. Os hiper-rastreadores retumbavam. As naves foram saindo do espaço linear uma após a outra. Os twonosers tinham demorado muito para iniciar sua manobra, mas o cálculo da rota foi muito preciso. Apareceram à frente, atrás e em cima do supercouraçado da USO. Parecia ter havido um erro no setor vertical inferior, pois ali só apareceram duas unidades. — Nada mau — disse Heske Alurin. — Até que são competentes, mas suas reações são muito lentas. Quer experimentar suas armas, senhor? — É outro motivo de eu estar aqui — respondeu Atlan. — Nosso plano tem um ponto fraco. Se os trombudos perceberam e calcularam que saímos do sistema de Alurin, poderão ser levados a fazer um exame por lá, que talvez se torne bastante desagradável para nós. — A nave perseguida por nós estava perto do sol vermelho. Resolvemos caçá-la e por isso entramos no espaço linear perto do sistema. — Não tente enfeitar a situação, Heske. Não sei a que ponto chega o senso lógico e a desconfiança dessa gente. A caçada serve apenas de motivo para nosso aparecimento no setor. É possível que eles se perguntem o que estávamos fazendo a um mês-luz de distância. — Estávamos correndo atrás da nave pequena, que fazia um vôo de ziguezague sem destino definido. Quem é perseguido pela morte não perde tempo fazendo cálculos. — Espero que eles tenham chegado à mesma conclusão. Ora veja! Os twonosers aproximam-se rapidamente. Seus cálculos são muito precisos. Saíram do espaço linear à nossa frente e fixaram rotas de interceptação. Será que vamos voar para dentro do grupo? O rosto de Alurin não revelava nenhuma emoção. — Normalmente não temos nenhum sistema de propulsão suplementar pendurado na nave, senhor. Vamos entrar no grupo. Atlan lançou um olhar irônico para o comandante e fechou o capacete espacial. A situação começava a agravar-se. — Foi o que eu quis dar a entender, Heske. Manobra de desvio para o vermelho vertical. Passar à execução.
A Imperador entrou na nova rota com os propulsores desenvolvendo metade de sua potência. Os sistemas de propulsão suplementares dobraram para cima. A distância que separava a Imperador das naves ovais diminuía a olhos vistos. As mesmas levaram treze segundos para esboçar uma reação diante da manobra. — São lentos, muito lentos — constatou o epsalense com uma risada zangada. — Será que estão dormindo, ou não são capazes de agir mais depressa? Será por causa do processamento dos dados? Ou suas máquinas levam algum tempo para trabalhar a toda potência? Talvez seus neutralizadores de pressão não prestem. Não; estão em ordem. Acompanham nossa manobra de desvio sem reduzir a velocidade. Em minha opinião seus circuitos positrônicos devem ser muito complicados. Certamente não existe uma série de comandos transmitida diretamente de autômato para autômato. Acho que ainda trabalham com o método antiquado da programação. É um desperdício de tempo. Nesta altura já não existe nenhuma dúvida de que em matéria de positrônica estamos bem na frente deles. — Há outras coisas que eu quero descobrir, Heske. Atenção, centro de comando de tiro. Preparem todos os canhões conversores. Utilize todas as peças de que pode dispor. Aguarde ordens. Atenção, rastreamento. Verificar a reação dos campos defensivos dos twonosers aos diversos tipos de armamento. A Imperador prosseguiu na manobra de mudança de rota. Os sistemas de propulsão suplementares eram protegidos por neutralizadores de pressão especialmente montados, mas assim mesmo corriam certo perigo. Alurin lembrou-se de que normalmente nada poderia tê-lo levado a entrar em combate com uma nave cuja mobilidade fora bastante prejudicada. Mas suas preocupações diminuíram e acabaram por desaparecer de vez quando notou que a mobilidade das naves ovais era ainda menor, embora não carregassem nenhum penduricalho. — Vocês já perderam! — disse o epsalense de si para si. Assim mesmo todos ouviram suas palavras. Segundo os regulamentos de combate, as comunicações deviam ser feitas pelo rádio sempre que o contato com o inimigo fosse iminente. O supercouraçado da USO seguiu em alta velocidade na direção do grupo de naves. Quando a velocidade chegava a mais de trinta por cento luz, não se podia pensar mais em fazer curvas fechadas para executar uma manobra de desvio. A nave demorava bastante para mudar de rota. Nestes casos só valia a pena abrir fogo se houvesse um excelente sistema de computação positrônica, capaz de prever as mudanças de rota do inimigo. A Imperador dispunha desse equipamento, que representava um ponto positivo para qualquer nave de guerra terrana. Não adiantava simplesmente a mira. Tratava-se de um processo de tiro tridimensional com raios energéticos cuja velocidade era pouco superior à das naves. Em princípio a mira automática da Imperador trabalhava com rastreadores de eco de hiperfreqüência. Os computadores acoplados ao sistema levavam apenas um centésimo de milésimo de segundo para interpretar os ecos e transmitir o comando de fogo aos canhões. Seria impossível transmitir previamente os dados a serem considerados por ocasião do tiro para que um ser humano apertasse os botões. Bastava uma diferença de um centésimo de milésimo de segundo no tiro para que houvesse um erro que poderia chegar a oitenta mil quilômetros. O Major Unis Heyt não podia competir com a mira automática. Quando se tratava de uma perseguição, ainda podia agir conscientemente. Mas durante as batalhas com as
naves em movimento, lado a lado, ou nas passagens à velocidade da luz, nenhum ser inteligente da galáxia estava em condições de esboçar reações suficientemente rápidas. A Imperador entrou em luta. O Lorde-Almirante Atlan fazia questão de descobrir se as armas do inimigo eram boas e se ele sabia fazer pontaria. A nave da USO ainda desenvolvia metade da velocidade da luz. Percorria cento e cinqüenta mil quilômetros por segundo. Qualquer sistema de computação positrônica terrano seria perfeitamente capaz de processar esta velocidade e introduzi-la nos dispositivos de controle de tiro. Em hipótese alguma os tiros deixariam de acertar o alvo. Restava saber se os twonosers dispunham de miras automáticas de alta qualidade como estas. As mesmas representavam a parte mais importante do armamento ofensivo. Por melhores e mais poderosos que fossem os canhões, os mesmos não adiantariam nada se errassem constantemente o alvo. O êxito da operação cabeça-de-ponte dependia da precisão de tiro das unidades pertencentes à frota incumbida da vigilância de Andro-Beta. Atlan resolvera colher os dados mais importantes durante o primeiro combate a ser travado. Tornava-se necessário saber quais eram os recursos de que dispunha o outro lado. *** Não era muita coisa, ao menos segundo os padrões terranos. Se fossem os maahks, a situação teria sido muito mais perigosa. Mas parecia que os twonosers não estavam familiarizados com a técnica dos seres que respiravam hidrogênio. Pouco antes de alcançar a distância mínima de combate, que ficava em torno de trinta milhões de quilômetros, a Imperador reduziu a velocidade para quarenta e cinco por cento luz. Atlan estava arriscando muita coisa; mas não arriscava tudo. O grupo inimigo era composto por quarenta e quatro naves. Mais ou menos metade era formada pelas unidades maiores que já tinham visto. Os corpos ovais tinham quinhentos metros de comprimento. O diâmetro era de cento e cinqüenta metros na proa semi-esférica e de quarenta metros na popa afinada. A propulsão era feita por meio de um gigantesco jato de popa que tinha quase o mesmo diâmetro. Além disso havia jatos direcionais bem menores, dispostos em círculo. Nas unidades da USO e do planeta Terra este princípio tinha sido abandonado há muito tempo. As manobras costumavam ser executadas com os grandes propulsores principais. Não havia nenhuma dificuldade em fazer com que os jatos mudassem de direção. Os twonosers usavam o velho método da propulsão constante aliada a elementos direcionais suplementares. Isso bastava para explicar a mobilidade reduzida de suas naves. A velocidade da Imperador parecia exigir o máximo da capacidade das miras automáticas. A espaçonave da USO ficou exposta ao fogo cruzado de quarenta e quatro unidades pesadas e superpesadas. Depois dos resultados favoráveis da primeira interpretação, Heske Alurin resolveu executar manobras de desvio ainda mais lentas do que era exigido pelos sistemas de propulsão suplementares. Assim mesmo noventa por cento dos tiros registrados passaram de vinte a trezentos quilômetros da nave. Oito por cento dos tiros energéticos erraram o alvo em cinco a vinte quilômetros.
Um vírgula oito por cento passou de um a cinco quilômetros da nave. Só os zero vírgula dois por cento restantes chegaram perigosamente perto ou até chegaram a atingir os campos defensivos da Imperador. Do ponto de vista tático ou estratégico era como se o ataque não tivesse sido realizado por quarenta e quatro naves, mas por um único veículo espacial cujo canhão conseguisse acertar o alvo vez por outra. O desenrolar da batalha quase chegou a compensar a superioridade numérica do inimigo. Pouco importava que quarenta naves errassem o alvo, ou que fossem dez mil. O que importava eram os impactos, que eram raros. Os gigantescos conjuntos geradores de fusão da Imperador forneciam uma potência de dez milhões de megawats aos campos defensivos, o que seria suficiente para abastecer um grande planeta altamente industrializado. Mediante o uso de conjuntos geradores de emergência, essa potência podia ser aumentada transitoriamente em vinte por cento. *** Os campos defensivos do supercouraçado representavam um obstáculo quase insuperável para os raios térmicos imponentes, mas energeticamente muito fracos dos twonosers. O mesmo só poderia ser rompido se os seres trombudos conseguissem concentrar o fogo dos canhões de dez naves num só ponto. Isso não era possível, ao menos durante o combate em alta velocidade. Só de vez em quando um raio atingia o alvo, mas a Imperador retumbava que nem um gongo batido por um gigante. Nem mesmo os especialistas terranos de construção espacial tinham conseguido fazer um isolamento acústico perfeito das centenas de milhares de travessas, ligações e pavimentos, que fosse capaz de isolar os mesmos do casco da nave, fazendo com que as vibrações do impacto e as ressonâncias fossem absorvidas. Mas já estavam acostumados a isso. As tripulações com experiência no front nem chegavam a notar. Os novatos quase chegavam a enlouquecer, mas acabavam por recuperar-se do choque psíquico. Não era por nada que o regulamento de combate exigia o uso de trajes espaciais que incluíam capacetes com isolamento acústico e grossos tapa-ouvidos. As comunicações tinham de ser feitas exclusivamente pelos rádio-capacetes. Os abalos mais fortes eram os provocados pelos próprios canhões, que estavam diretamente ligados ao casco da nave. O disparo de uma bateria de costado parecia um fim de mundo. Era como uma cavalgada sobre um vulcão em erupção. Fazia um segundo que a Imperador abrira fogo, isso depois de submeter-se por três minutos ao concerto das salvas inimigas. Unis Heyt dominava perfeitamente sua mira positrônica. Não controlava diretamente os disparos, mas transmitia instruções à mira. Já participara de cerca de mil batalhas, mas estremecia toda vez que os cérebros positrônicos davam o comando de fogo. Quando isso acontecia, sentia-se posto para trás pela máquina. A idéia de somente coordenar a ação em vez de executá-la lhe causava repugnância. Em virtude disso, Unis Heyt costumava ficar mal-humorado toda vez que havia um contato com o inimigo. E ainda em virtude disso sua ambição era aguçada ainda mais que de costume.
A Imperador começou com disparos esporádicos. Encontrava-se a somente um milhão de quilômetros do grupo de naves twonosers. Entrou numa rota de colisão, num ângulo de noventa graus. Não era possível fazer uma manobra de desvio, pois a velocidade era muito elevada. De qualquer maneira a nave da USO ficaria exposta ao bombardeio nuclear. O engenheiro-chefe, Tenente-Coronel Trahun Milas, usou as forças titânicas de suas máquinas sem prévia consulta. O epsalense sabia o que estava em jogo. O inimigo era menos forte do que tinham acreditado, mas sempre dispunha de quarenta e quatro naves para destruir um único veículo espacial da USO. Os canhões energéticos trovejaram. Dali a três segundos e meio os rastreadores hiperenergéticos entraram em ação. As telas mostraram línguas de fogo entrecortadas. Dali a mais três segundos e meio os raios de luz chegaram à Imperador. Viu-se que duas naves twonosers tinham sido destruídas na primeira salva. Sóis atômicos ofuscantes apareceram à frente do supercouraçado. — Isso... isso não existe! — exclamou Heske Alurin, bastante impressionado. O imediato ficara surpreso, e Unis Heyt estava estupefato. — Que é isso? — exclamou. Seus olhos se arregalaram. — Foi desses tipos que andamos nos escondendo por semanas a fio? A discussão que estava começando foi interrompida pela voz de Atlan. O arcônida sabia o que pensavam e sentiam seus homens. — Silêncio! Não se deixem levar pela euforia. Se recebermos alguns impactos diretos de armas pesadas, estaremos liquidados. É fácil destruir qualquer espaçonave, por maior que seja, desde que se saiba como romper seus campos defensivos. As naves de Beta são veículos excelentes. Não é demais observar que há quatrocentos e cinqüenta anos uma dessas naves teria sido capaz de destruir a Terra e os outros planetas solares. A situação era exatamente o contrário da de hoje. Lembro-me perfeitamente de ter visto a Humanidade tremer de medo quando os topsiders apareceram nas proximidades do Sistema Solar. Não se esqueçam de que as naves dos topsiders eram bem piores que estas naves ovais. Não pensem que são semideuses, seus bárbaros que avançaram por acaso. Será que fui bastante claro para diminuir um pouco sua euforia? Fui...? Pois bem. É só o que tenho a dizer. Quero uma tripulação com a cabeça bem fria. Quem sabe reconhecer os méritos do inimigo já tem metade da batalha ganha. Este princípio sempre prevaleceu na antiga frota arcônida. Gostaria de saber por que está rindo, senhor coronel. Heske Alurin pigarreou. — Por nada, senhor, por nada — respondeu. Voltou a rir. Mas voltou a ficar sério quando chegou uma comunicação do setor de rastreamento. — Echelor falando — disse a voz saída dos fones de ouvido. — O inimigo nos obriga a permanecer em combate. Está se afastando. Realizando adaptação da rota. Segue uma rota paralela à nossa. Proteção de flanco, pequena altitude, reserva de combate fortemente aumentada. Devemos atingir o grupo dentro de trinta e dois segundos. Heske Alurin inclinou-se para a frente. As imagens projetadas nas telas dos rastreadores infravermelhos eram bem nítidas. A transformação tinha sido completa. A fotografia tirada com base nos raios térmicos mostrava mais uma coisa, que de outra forma não se via. As telas mostravam as bocas dos canhões e as trilhas escaldantes dos tiros energéticos. A Imperador entrou no grupo de naves inimigas. Sua velocidade ainda era ligeiramente superior à dos twonosers, mas estes haviam manobrado muito bem. Quando
o gigante da USO se encontrava à mesma altura, as naves ovais tinham concluído a manobra de adaptação de rota. Houve uma batalha ininterrupta. As baterias de costado foram disparando uma após a outra. Heske Alurin não deixou que isso o abalasse. — Temos duas alternativas, senhor. Vamos defender-nos de verdade, ou então afastamo-nos do campo de batalha à velocidade máxima e entramos no espaço linear. Com sua interpretação demorada nunca serão capazes de seguir-nos... Atlan sentiu a mão gigantesca do epsalense pousada em seu antebraço. A Imperador foi atingida oito vezes dentro de três segundos. Energias tremendas foram liberadas no interior dos campos defensivos. Uma rede de trilhas energéticas ultraluminosas percorreu os campos defensivos para desmanchar-se em cascatas de fogo. — Solicitação de vinte e oito por cento — anunciou o engenheiro-chefe. — Está aumentando. Estão nos cobrindo de fogo. — Por pior que seja o atirador, ele acaba acertando o alvo — resmungou o Major Heyt. — Atenção, sala de comando! Tenho permissão para usar as armas pesadas? É urgente. Atlan ainda hesitava. Estava pálido. Heske Alurin imaginou que o arcônida estava lutando consigo mesmo para tomar uma decisão difícil. Essa luta interior que se verificava no curso de uma batalha que já começava a tomar grandes proporções era uma coisa notável. O epsalense imaginava uma coisa porque era um humano. Sabia que o antigo imperador dos arcônidas era muito duro, e em certos casos guiava-se exclusivamente pela lógica. — Lorde-almirante...! — disse Heske Alurin, perturbado. — Será que o senhor vai...? Afinal, os intrusos somos nós, senhor. Por favor, não se esqueça... — Isso não importa — interrompeu Atlan. Falava com a voz apagada. — Atenção, todos os tripulantes. Os twonosers pertencem a tropas auxiliares dos senhores da galáxia, da mesma forma que os maahks que habitam a nebulosa vizinha de Alfa. Do ponto de vista jurídico devem ser considerados uma potência beligerante. O estado de guerra entre nós e os senhores da galáxia começou a existir desde o momento em que a frota de invasão se mostrou abertamente nas proximidades de Kahalo. Diante disso vejo-me obrigado a considerar o grupo de naves twonosers como uma unidade dos senhores da galáxia. Se a operação que estamos realizando tiver de ser interrompida por causa da descoberta da base de Arctis, a Via Láctea estará ameaçada de uma invasão de grandes proporções. Além disso devemos evitar que depois de termos desaparecido o chefe do grupo de naves possa ter a idéia de examinar o sistema de Alurin. O conhecimento de nossa posição de partida deve ser apagado. Uma das naves será poupada. Desejo uma notícia alarmante da tripulação enviada aos senhores da galáxia. Major Heyt, o senhor tem permissão de abrir fogo com todas as armas. Dispare uma seqüência de salvas. Pode começar. Heske Alurin empalideceu. Sabia o que significava uma seqüência de salvas. — Não sei se Perry Rhodan concordaria com isso — disse. Atlan não deu resposta. Nem poderia. A Imperador transformou-se num monstro técnico que cuspia fogo. Só de canhões conversores o gigante da USO dispunha de vinte peças de grosso calibre. Esses canhões praticamente consistiam em pequenos transmissores de matéria, que irradiavam as bombas de fusão introduzidas nos mesmos sob a forma de um hiperimpulso. A estação receptora sempre era o alvo cuja posição tinha sido previamente determinada. Se esse alvo ativasse campos defensivos que funcionavam em base
hiperenergética, o perigo era ainda maior. As bombas irradiadas reagiam com uma precisão espantosa aos campos que possuíssem uma estrutura semelhante. Unis Heyt estava sentado à frente de seu teclado. A solicitação a que estavam expostos os campos defensivos da Imperador já chegava a cinqüenta e seis por cento. As coisas começavam a ficar mais perigosas do que se acreditara. Os vinte canhões conversores, que eram a arma mais secreta do Império, começaram a atirar ao mesmo tempo. Cada um deles irradiava uma ogiva nuclear com uma força explosiva de mil gigatons de TNT. Era o equivalente de mil bilhões de toneladas de TNT! Os twonosers encontravam-se a distância de tiro nuclear, que ficava em torno de trezentos mil quilômetros. Dali a um segundo as chaves disjuntoras automáticas dos rastreadores energéticos se desligaram. A luz captada pelo sistema ótico externo chegou no mesmo instante. Vinte sóis azuis brilharam e começaram a expandir-se, sem que a força luminosa diminuísse, dando a impressão de que queriam romper o Universo. As cargas tremendas, altamente catalíticas e detonadas por um processo nuclear a frio, segundo um método complicado, tocaram-se nas bordas e acabaram por fundir-se em dois sóis gigantescos, um de cada lado da Imperador. Cerca de trinta naves ovais penetraram nos mesmos desenvolvendo metade da velocidade da luz e explodiram. Não se atirava com gigabombas desse calibre no inimigo, mas à frente do mesmo. Desde que a posição de avanço fosse corretamente calculada, não havia como desviar-se, mesmo que a velocidade fosse reduzida. As naves visadas eram devoradas pelo inferno nuclear. As ondas de gás e a pressão das radiações arrancaram a Imperador da rota. Estivera próxima demais do foco da explosão. As unidades geradoras postas a funcionar em regime de emergência rugiram. Os dois sóis artificiais continuaram a expandir-se. Acabaram por transformar-se numa bola gasosa, na qual ainda penetraram algumas naves twonosers. Heske Alurin acelerou à razão de 600 km/seg, sem que tivesse recebido ordens específicas. Afastou a nave da zona mortal. Atlan não disse uma palavra, nem olhou para as telas automaticamente ofuscadas do sistema positrônico de observação ex-tema. Acabara de desencadear um inferno, como já fizera tantas vezes nos seus dez mil anos de vida. A Imperador conseguiu libertar-se. A tormenta energética que atingia os campos defensivos foi diminuindo. As protuberâncias do sol artificial que se precipitavam pelo espaço não podiam atingir mais a nave da USO. O rastreamento voltou a chamar. Só conseguiam detectar nove das quarenta e quatro naves ovais. Atlan resolveu abrir a boca. — Major Heyt, o senhor esqueceu minhas ordens? Quero que sobre somente uma nave. Procure acostumar-se à idéia de que nos encontramos em estado de guerra. Uma guerra defensiva declarada, bem visto. Fogo! Unis Heyt não teria hesitado um instante se os seres que estavam enfrentando fossem maahks, aconenses, saltadores ou outros seres inteligentes cuja técnica armamentista tivesse atingido o mesmo nível que a dos terranos. O oficial grisalho engoliu fortemente em seco, amaldiçoou a situação e voltou a comprimir a chave da programação. A mira automática voltou a funcionar com uma precisão mortal. A Imperador desenvolvia sessenta por cento da velocidade da luz.
Heyt atirava somente com os pesados canhões térmicos e desintegradores. Oito naves inimigas dissolveram-se no meio de nuvens de gases incandescentes. O inimigo suspendeu o fogo. — Iniciar frenagem até um terço luz — ordenou Atlan. Alurin transmitiu as respectivas instruções. Os propulsores voltaram a rugir. O rastreamento acompanhou a última nave twonoser. Tratava-se de um veículo de quinhentos metros de comprimento, cuja tripulação entrara em pânico e resolvera fugir. No mesmo instante a nave twonoser começou a transmitir em linguagem não codificada. Suas hiperondas atravessaram o tempo e o espaço. A mensagem foi recebida e compreendida em todos os setores do sistema Andro-Beta. A Imperador saiu em perseguição da nave que na verdade já deixara de ser inimiga. O texto das mensagens transmitidas pela mesma foi entregue a Atlan. Já houvera tempo para fazer a tradução. Não se tratava de informações normais. Eram simplesmente pedidos de socorro. As mensagens incluíam uma descrição da Imperador. O comandante desconhecido não esqueceu nenhum detalhe. Até chegou a mencionar a protuberância esférica da proa, que em sua opinião era a arma terrível que destruíra completamente seu grupo de naves. Atlan guardou a fita. Um brilho assustador surgiu em seus olhos. Dirigiu-se a Heske Alurin. — Não acredito que os twonosers ainda pensem em vasculhar o sistema de Alurin. Os objetivos da batalha fora alcançados. Transmita um impulso condensado ao Administrador-Geral, dois símbolos. Coronel Alurin, prepare um vôo linear através da nebulosa Beta. Quero aparecer no setor leste enquanto a memória dos acontecimentos ainda estiver bem fresca. A Imperador transmitiu apenas dois sinais, que significavam que estava tudo em ordem, e que nada tinha acontecido à nave e à sua tripulação. A nave twonoser que se pusera em fuga entrou no espaço linear. Dali a oito minutos a nave da USO fez a mesma coisa. Rhodan segurou a mensagem condensada. A Crest II e as outras naves encontravam-se nas proximidades do planeta Arctis, num ponto em que estavam protegidas contra o rastreamento. A tremenda carga elétrica verificada a uma distância de somente um mês-luz fora detectada. Rhodan sabia o que tinha acontecido. Olhou para os lados. Os oficiais da Crest fitavam-no em silêncio. Rhodan amassou a fita em que estava gravado o texto da mensagem e começou a brincar com a mesma. Parecia distraído. — Nosso amigo arcônida mais uma vez golpeou à moda antiga — disse em voz baixa.— Ainda bem que não sei o que pretende fazer nas próximas duas ou dez horas. Coronel Rudo, faça sair um jato espacial que ficará sob o comando de Don Redhorse. Deverá procurar os sobreviventes. Não; para isso precisamos de uma nave maior. Envie uma nave-girino. O comandante sempre será Redhorse. Ande depressa. O epsalense desapareceu. Dali a dez minutos os comandantes das naves cargueiras receberam ordens detalhadas. A construção dos hangares escavados no gelo deveria ser iniciada imediatamente. — Até que enfim! — disse um dos mil e duzentos especialistas em construção. — Já pensei que iríamos enferrujar por aqui. Minhas máquinas têm de sair imediatamente. Saiu correndo. Era cosmoestático. Tratava-se de uma especialidade que cuidava da fundição rápida de revestimentos de aço, concreto tipo porotrim, ligas de todas as espécies e plásticos. Era claro que um homem que conhecesse essa especialidade também
sabia lidar com gelo e vapor de água. O engenheiro Aike Hukasir era um anão natural de Astu V e um ser humano. Sua pele grosseira com aspecto de couro não podia mudar isso. As seis naves cargueiras entraram na rota. Uma vez no espaço livre, largaram os sistemas de propulsão suplementares e pousaram nos lugares previamente designados em que seriam instalados os hangares. Milhares de robôs puseram-se a trabalhar. Os computadores especiais das naves cargueiras cuidaram das operações de descarga. Máquinas gigantescas saíram pelas escotilhas, suspensas sobre campos antigravitacionais. Projetores de raios térmicos acoplados a equipamentos de vôo e sistemas de exaustão que funcionavam em base antigravitacional saíram em direção aos objetos a serem trabalhados. Eram comandados por controle remoto. Os engenheiros estavam sentados atrás dos consoles de comando instalados em paraplanadores em forma de disco. Não dependiam exclusivamente da observação pela televisão, já que podiam dirigir-se aos locais de trabalho quando desejassem. O planeta Terra estava dando início a uma operação gigantesca, cercada de dificuldades enormes. Um planeta pertencente a uma nebulosa estranha, que ficava a somente cem mil anos-luz de outra galáxia, devia ser transformado em base de operações da frota e centro de abastecimento da Humanidade. O mais espantoso era que os terranos se haviam arriscado a penetrar no espaço vital das potências desconhecidas com apenas cinco belonaves.
8 Conseguiram chegar ao destino! Tinham entrado no espaço linear, subindo fortemente, sobrevoaram a nebulosa Andro-Beta e voltaram ao espaço einsteiniano depois de percorrer somente sete mil e duzentos anos-luz. Realizaram novas medições. A segunda manobra linear levou a Imperador à área periférica do setor leste, num ponto situado exatamente do lado oposto do sistema de Alurin. Bastaria que a nave percorresse mais sessenta e dois mil anos-luz quase em linha reta para chegar à segunda nebulosa anã pertencente à galáxia de Andrômeda. Via-se perfeitamente a aglomeração de estrelas de Andro-Alfa à frente da cortina formada pela segunda galáxia. Era onde viviam os maahks. Tratava-se de seres que respiravam hidrogênio e que há dez mil anos tinham levado o velho império dos arcônidas à beira do abismo. Naquele lugar uma nave com o poder bélico da Imperador nunca poderia arriscar-se a operar abertamente como fazia no sistema Beta. Os maahks eram inimigos muito perigosos, que possuíam o canhão conversor e os campos defensivos verdes. Certa vez uma das naves de sua frota, que realizara um ataque à Via Láctea, obrigara os terranos a lançar mão de centenas de unidades pesadas. Atlan vivia se perguntando por que os twonosers que habitavam Andro-Beta eram tão atrasados em matéria de astronáutica e armamentos. A resposta foi fornecida pela interpretação lógica. Dizia que os senhores da galáxia tinham fornecido equipamentos dos mais variados às suas numerosas tropas auxiliares. Geralmente só lhes entregavam as máquinas e armamentos criados pelos respectivos povos. Por ocasião de sua fuga diante dos couraçados espaciais de Árcon, os maahks já dispunham de uma tecnologia muito avançada. Só umas poucas naves conseguiram escapar pelo sistema de transmissores de Andro-Alfa, e os maahks foram fixados nesse sistema pelos senhores da galáxia, graças à sua força e ao seu enorme potencial de reprodução. Grek-1, que naquele momento se encontrava a bordo da Crest, tinha sido um dos principais oficiais do serviço secreto dos maahks, mas acabou sendo derrotado pelos mutantes terranos. Atlan ainda se entregara a outras reflexões. Era possível que os seres trombudos que habitavam o sistema Beta não merecessem tanta confiança como os maahks. E era possível que possuíssem uma arma mais poderosa, que só seria usada caso fossem derrotados no primeiro encontro. Com sua tática Atlan pretendia criar confusão e estabelecer um clima de desconfiança entre os maahks e os senhores da galáxia. Do ponto de vista militar era muito importante que os seres desconhecidos que comandavam a ação de Andrômeda não enviassem contingentes maahks ao sistema Beta. Isso pioraria a situação. Atlan faria tudo para que as suspeitas caíssem sobre os maahks. Dali em diante sua nave devia ser vista sempre. E teria de mostrar seu poder de fogo. Se alguns povos maahks com tendências revolucionárias tivessem penetrado na nebulosa Beta, os mesmos certamente teriam trazido suas superarmas.
Dentro de algumas horas a Imperador viu-se exposta novamente ao fogo cruzado de um grupo de naves twonosers formado por trinta e seis unidades de grande porte. A frota pouco numerosa fora localizada pouco depois da segunda manobra e a Crest aproximarase imediatamente da mesma. A Imperador foi identificada prontamente. Mais uma vez os pedidos de socorro do comandante que conseguiu fugir foram recebidos e interpretados. Desta vez Atlan preferiu não entrar em batalha. Devia contar com o aparecimento de uma grande frota. Heske Alurin incumbiu-se do comando da nave. Atlan só dava as ordens estratégicas. Os assuntos internos, como os comandos de abrir fogo e executar certas manobras, ficaram por conta do comandante. Heske Alurin provou que já se consagrara em mais de mil batalhas. Como de costume, ficou sentado em sua poltrona, com os pés apoiados nos suportes da mesma e as mãos sobre as braçadeiras. Era onde ficavam os comandos do sistema de direção de emergência. Alurin estava em condições de fazer a pilotagem manual da gigantesca nave. Mas por enquanto não havia motivo para dispensar os serviços do sistema automático altamente sofisticado. Os impactos dos tiros fizeram brilhar os campos defensivos da espaçonave da USO. O grupo de naves twonosers tinha entrado em fileira tripla, com algumas naves postadas lateralmente e em cima. Desta vez foram usadas as baterias de costado de estibordo da Imperador. Alurin dera ordem para que o setor vermelho permanecesse em silêncio. Depois dos disparos, a Imperador saiu da rota. O disparo simultâneo de todas as peças de artilharia de estibordo provocou uma tremenda força de recuo. Assim que o ribombo cessou e os balanços da nave foram estabilizados por meio dos propulsores, Atlan transmitiu uma mensagem pelo rádio-capacete. — Bem que eu gostaria que eles não pensassem que somos a nave que travou a batalha no setor oeste da nebulosa. Queremos fingir a presença de um grupo de naves cruzando pela galáxia. Atenção, rastreamento. Está recebendo ecos? — Sim senhor. Uma frota muito numerosa se aproxima. Foram cerca de quatrocentos ecos na penetração no espaço linear. Devem chegar dentro de dez minutos. Atlan virou a cabeça. Os twonosers atiravam com todos os canhões. Também desta vez quase todas as trilhas energéticas erraram o alvo. A Imperador desenvolvia metade da velocidade da luz. Não havia mais dúvida de que as miras positrônicas dos twonosers realmente não prestavam. — Acabe logo com isso, Heske. Quero sair daqui. Alurin entrou em contato com o centro de comando de tiro. Doze canhões conversores, entre eles as duas peças gigantescas instaladas nos pólos da nave, trovejaram. A formação de três fileiras adotada pelos twonosers, que era bem bonita, mas taticamente pouco inteligente, desapareceu atrás das bolas de fogo. As gigabombas explodiram apenas dez mil quilômetros à frente do grupo de naves que se deslocava em alta velocidade. Atlan não esperou o resultado. Sabia que não encontraria mais nada. A Imperador retirou-se do setor antes que chegassem os reforços. A nave retornou ao espaço einsteiniano e descobriu o cadáver de um moby. O mesmo era usado como base da frota do comando de vigilância. Havia cerca de quinhentas naves prontas para decolar em sua superfície.
*** Atlan partiu para o ataque. A nave desenvolvia aproximadamente a velocidade da luz. Antes que a Imperador fosse detectada, as salvas dos canhões energéticos e desintegradores chicotearam as costas do moby, que se pareciam com uma paisagem montanhosa do planeta Terra e tinham seis mil quilômetros de diâmetro. Vulcões energéticos entraram em erupção. As naves explodiam. A Imperador escapou sem que fosse disparado um único tiro pelas posições defensivas. A manobra linear seguinte terminou no centro da nebulosa. Viam-se os três gigantescos sóis azuis do grande transmissor. Alurin começou a ficar nervoso. — Será que o senhor pretende atacar o planeta de controle, senhor? — Por que não? — refletiu o lorde-almirante. — Se deixasse de existir, o transmissor solar não serviria para mais nada. Ainda tenho certo receio de que resolvam chamar uma frota maahk. Se o transmissor central de Andro-Beta deixasse de funcionar, a mesma teria dificuldades tremendas em chegar aqui. — Rastreamento no triângulo Beta — interrompeu o Major Echelon. — Cerca de três mil naves ovais estão saindo entre os sóis. Voam em formação ampla, semicircular, com grupos de cobertura aparecendo em toda parte. Nossa presença foi detectada. Atlan torceu a boca como se tivesse mordido um limão. — Três mil? É demais, Echelor. Acabarão estragando esta linda nave. — Sala de máquinas chamando sala de comando — disse a voz retumbante do epsalense Trahun Milas saída dos receptores embutidos nos capacetes. — O primeiro estágio já está dando problemas de novo. O sistema de refrigeração que acaba de ser reformado volta a esquentar. Vivo quebrando a cabeça para descobrir o que pode haver de errado no kalup. — Quanta gentileza, Milas! Antes de fazer isso, o senhor deveria informar se já descobriu alguma coisa. O engenheiro-chefe respirou profundamente. Um ruído semelhante ao de uma queda d’água se fez ouvir. — O senhor não poderia respirar um pouco mais devagar? — perguntou Atlan, zangado. — Não é fácil, senhor — respondeu a voz potente do indivíduo adaptado a um ambiente estranho. — Eis a informação pedida. Se fizermos mais duas manobras acelerando fortemente e descrevendo curvas fechadas, vamos perder o rabo. — A cauda. — Pois não, senhor; a cauda — berrou Milas. Atlan reduziu ainda mais o volume de seu receptor. — Quer seja rabo, quer seja cauda, o fato é que a Imperador perderá a camuflagem, lorde-almirante. E terá de largá-la, mesmo que o tubo agüente, pois nesse caso o sistema de refrigeração do primeiro estágio voará em torno das nossas cabeças. Desligo. Melbar Kasom deu uma estrondosa gargalhada. Não possuía nenhuma atribuição a bordo. Estava sentado num canto, juntamente com os gêmeos Woolver, e mantinha-se ocupado com um peru assado. O especialista da USO infringia os regulamentos de combate, pois vivia abrindo o capacete pressurizado por um instante, mordia o peru e voltava a fechá-lo. Os Woolvers acompanharam essa atividade com bastante interesse. Finalmente Rakal fez uma sugestão.
— Por que não enfia a ave no capacete e tenta comê-la? Pode pescar os pedaços com a língua. Kasom pôs-se a refletir. — E os ossos? Acha que não tenho nervos? Será que sou uma lata de lixo? Rakal Woolver preferiu não responder. A Imperador já estava abrindo fogo de novo. Heske Alurin acelerou, para que a massa das naves que vinha ao seu encontro não pudesse alcançar a Imperador. — Estamos adotando uma tática de guerrilha cósmica — constatou Alurin. — Não estou gostando muito, senhor. — Nem eu. Escolha uma estrela-alvo na grande nebulosa de Andrômeda e entre no espaço linear. Por hoje chega. Heske não quis saber o por quê. Cumpriu a ordem. A Imperador desapareceu. A nave foi vista e atacada mais uma vez além dos limites de Beta. Alurin deu início a mais uma manobra, que o aproximaria outros quinhentos anos-luz de Andrômeda. Uma vez lá, voltou ao espaço normal, deixou que o localizassem e olhou para Atlan. — E agora, senhor? Quais são suas intenções? O arcônida pigarreou. — Para completar as coisas, daremos a impressão de que não captamos as ondas de eco. Siga em direção à nebulosa Alfa. Quero que eles pensem que o vôo em direção à grande manobra foi uma ação desviacionista. Oficialmente iremos para casa, ou seja, para a nebulosa habitada pelos povos maahks. — Compreendo. O senhor vai culpá-los por uma porção de pecados. Foi um vôo demorado. A Imperador voltou ao espaço einsteiniano, mantendo uma distância segura de trinta mil anos-luz. O kalup do primeiro estágio deixou de funcionar de vez por causa do superaquecimento. Trahun Milas praguejou, mas não adiantou. Teve de usar o segundo estágio, embora o alcance do primeiro ainda não tivesse chegado ao fim. A nave da USO fez uma pausa de três horas e seguiu em direção ao setor oeste da nebulosa sem ser percebida. Dali a dez horas apareceu no sistema de Alurin, onde o comandante da Napoleão, que estava muito nervoso, quase a destruiu. Retirou no último instante a ordem de abrir fogo. — Da próxima vez que tiver intenções agressivas, queira avisar — gritou um epsalense zangado chamado Heske Alurin pelo rádio. — Nesse caso ativarei meus campos defensivos. Permite que eu entre numa órbita? *** Era a primeira vez que Atlan punha os pés na superfície do planeta Arctis. Dobrou o capacete atrás e, tal qual os terranos, esforçou-se para respirar a atmosfera natural. O rugido dos reatores que alimentavam um martelete energético vinham de sua direita. Tinham encontrado camadas de rocha a oito mil metros de profundidade. Fazia meia hora que Atlan tinha concluído seu relato. Perry Rhodan já sabia qual era a força de combate da frota de vigilância de Beta. — Por aqui está muito fresco na sombra — queixou-se o arcônida, que suportava melhor as temperaturas elevadas que o frio ártico. — Você está parado sobre o gelo — respondeu Rhodan. — Meinrich, entre em contato com o engenheiro-chefe do setor e pergunte se é possível instalar prontamente algumas serpentinas de aquecimento embaixo dos pés do senhor lorde-almirante.
— É para já. senhor — respondeu o técnico e pegou o radiofone. — Vocês devem estar loucos — gritou Atlan. — Não suporto mais seus rostos risonhos. Pelos deuses de Árcon, está fazendo frio de verdade! Cinqüenta graus abaixo de zero e mais este vento é...! — ...é uma verdadeira bênção, depois de inalar por tanto tempo o cheiro da nave — interrompeu Perry. — Acalme-se, amigo. Também não me sinto tão bem como você talvez acredite. O primeiro planeta não me sai da cabeça. Eu mesmo vou dar uma olhada. — Até que não seria uma má idéia — disse Atlan. — A propósito. Por quanto tempo pretende manter esta base ártica? — O Coronel Rigard batizou-a com o nome de Estação Louvre. É um belo nome, que traz muitas recordações do passado. Aqui será construído o maior porto cargueiro situado além do transmissor Chumbo de Caça. Atlan acenou com a cabeça e saiu andando. Tremia de frio. Entrou no jato espacial e colocou as mãos à frente do ventilador de ar quente. Pôs-se a refletir sobre as palavras de Rhodan. Mais uma vez o terrano parecia bastante otimista. Atlan suspeitava de uma coisa, mas preferiu ficar calado por enquanto, pois não queria ser considerado mais uma vez como o eterno pessimista. Sentou na poltrona do piloto e decolou. A Imperador descrevia uma órbita de duas horas em torno do planeta. Os serviços de reparo estavam em pleno andamento. O tenente-coronel queria que seu primeiro estágio suplementar ficasse em boas condições. Bem lá embaixo via-se o brilho demoníaco emitido pela camada de gelo de um planeta hostil. Só com o tempo se veria até onde chegava essa hostilidade. *** ** * O gelo eterno do planeta garante a segurança para o futuro. É ao menos o que parece. Resolvem jazer um reconhecimento nos arredores e dirigem-se a Destroy, O Mundo das Radiações Quentes. Perry Rhodan participa da aventura — e, é claro, Gucky também! O rato-castor encontra-se com velhos inimigos — e desvenda o mistério dos Laurins... Leia a história no próximo volume da série Perry Rhodan...
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