P-257 - O Or - William Voltz

  • November 2019
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  • Words: 30,589
  • Pages: 67
(P-257)

O TRIMATADOR Everton Autor

WILLIAM VOLTZ

Tradução

RICHARD PAUL NETO

Eles marcam um encontro no planeta secreto dos guardiões do centro e acabam tendo um encontro com a morte.

O avanço de Perry Rhodan para a galáxia de Andrômeda, que é a área propriamente sob o domínio dos misteriosos senhores da galáxia, começou há muito tempo. O veículo usado por Perry Rhodan nesta expedição perigosa é a Crest III, a nova nave-capitânia da Frota Solar. Trata-se de uma nave esférica de 2.500 metros de diâmetro, guarnecida por 5.000 soldados de elite do Império Solar, que é quase inexpugnável. Mas até mesmo uma nave gigante como esta pode enfrentar um perigo iminente. A melhor prova disto é o incidente que se verificou em KA-barato, nome dado ao estaleiro voador do engenheiro cósmico Kalak. Neste meio tempo Kalak, o andarilho, e os indivíduos de sua espécie que puderam ser salvos, transformaram-se em aliados fiéis dos terranos, e KA-barato é usado há tempo como base da expedição de Andrômeda. Perry Rhodan já pode pensar em prosseguir no avanço para o desconhecido! No mês de março do ano 2.404 a Crest já penetrou profundamente na área proibida formada pela zona central de Andrômeda, e já houve vários encontros com os tefrodenses, que vigiam a área por ordem dos senhores da galáxia. De fora os guardiães são iguais aos seres humanos do planeta Terra, e também se comportam como estes — exceto pelo fato de que saem correndo apavorados toda vez que põem os olhos no halutense Icho Tolot. Os tripulantes de uma corveta têm o privilégio de descobrir uma coisa que lança uma luz inteiramente nova sobre a estranha reação dos tefrodenses. Esta corveta está sob o comando de Arl Tratlo, O Trimatador...

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Personagens Principais: = = = = = = =

Capitão Arl Tratlo — Conhecido como o trimatador. Tenente Kaarn Baroon — O gênio de Reyan. Kalim Slate e Vern Horun — Dois seres nascidos em Purthag. Batins — Um engenheiro cósmico. Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar e chefe da expedição de Andrômeda. Major Don Redhorse — O homem cuja corveta pousa no dudecimatador. Gucky — O rato-castor que, como já aconteceu tantas vezes, aparece no último instante, para tirar os outros de uma situação muito difícil.

Em Meredi IV, um planeta pertencente ao grupo dos Plêiades, viviam cerca de dez mil homens. Trezentos destes homens tinham o direito de usar o nome de monomatadores, porque tinham conseguido matar um réptil chamado tarak nas selvas do planeta. Um tarak adulto pesa pelo menos dezesseis toneladas. Para matar um animal destes com uma lança precisa-se de muita força e coragem. Dezesseis dos homens que vivem em Meredi IV têm o direito de usar o nome de bimatadores, porque conseguiram, num só dia, matar um tarak e também um randler, numa luta corpo a corpo. O randler tem certa semelhança com um urso polar. Os dezesseis homens que conseguiram matar no mesmo dia um tarak e um randler gozam de todos os privilégios imagináveis em Meredi IV, um mundo selvático onde só os mais fortes podem sobreviver. Uma única vez em toda a história cheia de aventuras de Meredi IV um homem conseguiu matar ao mesmo tempo um tarak, um randler e um pássaro de seis asas. Este homem pôde usar o nome de trimatador. Os habitantes de Meredi IV passaram a venerá-lo tanto que quiseram fazer dele o presidente de seu planeta. O nome do trimatador era Arl Tratlo. Não quis ser presidente. Preferiu servir na USO. *** O planeta Reyan, situado no setor Vega, é considerado um mundo paradisíaco. Nele vivem dez mil homens, todos eles artistas. As pinturas feitas em Reyan não encontram igual em toda a galáxia. As obras filosóficas mais conhecidas dos tempos modernos foram escritas em Reyan. E é neste planeta que surgem as músicas arrebatadoras, que os habitantes de todos os planetas ouvem encantados. Muitos artistas que vivem neste mundo desfrutam uma reputação toda especial, porque além de grandes escritores são pintores consagrados. Uma única vez em toda a história de Reyan um artista conseguiu adquirir fama simultaneamente com um romance, uma pintura e uma peça de música. Este homem foi brindado com o título de gênio de Reyan. Depois de ele ter criado suas grandes obras, os homens que habitavam o planeta Reyan passaram a venerá-lo tanto que quiseram fazer dele o presidente do planeta. O nome do gênio de Reyan era Kaarn Baroon. Recusou-se a ser presidente. Preferiu servir na USO.

1 A mão erguida do Capitão Arl Tratlo, que ia jogar um trunfo sobre a mesa, ficou suspensa no ar, tremendo ligeiramente. Tratlo lançou um olhar indagador para o sargento Kalim Slate, que estava sentado à sua frente. — Que é isso, sargento? Slate teve de fazer um grande esforço para tirar os olhos de cima do montinho de notas que Tratlo empilhara à sua frente. Inclinou a cabeça ligeiramente para a frente e pôs-se a escutar. — Está ensaiando de novo — disse depois de algum tempo. Tratlo juntou suas cartas em forma de leque e atirou-as sobre a mesa. — Deste jeito uma pessoa normal não consegue concentrar-se — berrou a plenos pulmões. — Estes pios já começam a me cansar. Slate pegou o dinheiro que acabara de ganhar, enfiou-o nos bolsos do uniforme e levantou sorrindo. Tratlo fitou-o com uma expressão furiosa. — O que é que o senhor sabe fazer, além de jogar cartas, sargento? — perguntou. Kalim Slate coçou o queixo volumoso. Parecia pensativo. — Possuo um talento de organizador, capitão — respondeu depois de algum tempo. — Ah, é? — perguntou Tratlo, incrédulo. — E o senhor acredita que este talento o torna capaz de reduzir os ensaios enervantes de certo homem a uma dose suportável? — olhou fixamente para os bolsos recheados de Slate. — Depois da presa que acaba de conseguir, o senhor bem que deveria ser capaz disso. Slate prestou atenção aos pios, que ora aumentavam, ora diminuíam, atravessando a porta fechada do camarote. — Baroon sempre ocupa o posto de tenente, senhor — observou. — O senhor certamente sabe que ele tem certa influência. — Ele é um fraco! — resmungou Tratlo em tom de desprezo. — Um dia ainda lhe darei uma surra que o faça perder a vontade de desfiar essa cantoria que para ele é uma música. Slate franziu a testa. — Dizem que existem pessoas que gostam disso — objetou. — E ele não ensaia sua música a toda hora. Às vezes trabalha nas pinturas ou no romance que está escrevendo. — Já viu o quadro que está pintando? — perguntou Tratlo. — Já — confessou Slate. — Lembra as linhas traçadas pelo estilete de um sismógrafo. Ele lhe deu o nome de Dança do Sacrifício da Fada do Espaço. Ou coisa que o valha. Tratlo fez uma careta. Até parecia que acabara de morder uma fruta azeda. — Bem, a gente não ouve quando ele mexe com os pincéis ou fica borrando a tela — disse. — As coisas ficam mesmo ruins quando ele toca algumas composições na learta. Arl Tratlo empertigou-se, e Kalim Slate encolheu instintivamente. O terrano colonial tinha dois metros de altura e era de estatura robusta. Sua cabeleira de cor verdeoxidada caía sobre os ombros.

— O gênio de Reyan — disse Tratlo em tom de desprezo. — Não consigo compreender como um idiota deste tipo sempre consegue entrar numa organização. — Bem — disse Slate, cauteloso. — Baroon não deixa de ser um homem inteligente. Tratlo estalou os dedos. — Seria derrotado até mesmo por uma minhoca razor, que em meu mundo costuma ser caçada por meninos de seis anos. — Seja como for — disse Slate em tom valente — ele deve ter suas qualidades, senão não teria chegado a te... — Não me venha dizer que o senhor vai defender este sujeito — interrompeu Tratlo, fora de si. — Logo o senhor, que nasceu em Purthag? — Não — apressou-se Slate em afirmar. — O senhor sabe que pode confiar em mim. — Muito bem — resmungou Tratlo, um pouco mais calmo. — Vá andando e tente tirar-lhe o instrumento. O sargento Kalim Slate gemeu baixinho e retirou-se. Não era a primeira vez que Tratlo lhe sugerira algo parecido. Mas era a primeira vez que permitira que a raiva que sentia por Kaarn Baroon lhe custasse tanto dinheiro. *** O Tenente Kaarn Baroon descansou a learta e sorriu para o ouvinte, que parecia encantado. — Então, gostou? — perguntou em tom suave. O sargento Vern Horun fechou os olhos, dando a impressão de que queria rememorar cada um dos tons maravilhosos que acabara de ouvir. — É uma coisa fascinante! — disse. — É a primeira vez em toda vida que sinto uma harmonia como esta. Baroon guardou a learta numa caixa forrada de veludo e fechou-a cuidadosamente. — Infelizmente — disse, pensativo — minha atividade nem sempre encontra o merecido reconhecimento a bordo desta nave. O rosto de Horun assumiu uma expressão sombria. Até parecia que acabara de ser arrancado de um belo sonho. — Tratlo! — exclamou. Baroon acenou com a cabeça, preocupado. — O trimatador faz tudo para perturbar meu descanso — disse. — Acho que já está na hora de mostrar a esse gigante grosseiro qual é seu lugar. Não compreendo que um pateta destes tenha sido aceito em nossa organização. — Tratlo não deixa de ser um homem inteligente — observou Horun, cauteloso. — Ele não sabe ler partituras e não conhece os maiores clássicos da literatura terrana — observou Baroon. — É quase tão estúpido como os animais que se deixam matar por ele. — Ele deve ter suas qualidades — respondeu Vern Horun, pensativo. — Afinal, chegou a capitão e... — Um homem nascido em Purthag como o senhor não deveria defender um tipo como Arl Tratlo — repreendeu Baroon com a voz estridente. Virou a cabeça tão abruptamente para Horun que este estremeceu. Kaarn Baroon era pequeno e delicado, como todos os reyanenses. Os olhos que se abriam em seu rosto enrugado eram de um

tamanho descomunal, tamanho este que era realçado ainda mais pelo fato de não haver cabelos em sua cabeça. — O senhor sabe que eu o admiro — disse Horun. — Pode contar comigo, haja o que houver. — Excelente — disse Baroon. — Se tirarmos alguns dos aparelhos de treinamento com os quais Tratlo costuma fazer suas demonstrações de força, talvez consigamos abafar sua arrogância. — Hum — fez o sargento Vern Horun, que não parecia nem um pouco entusiasmado. Era a primeira vez que Kaarn Baroon manifestava sua antipatia por Tratlo com tamanha franqueza. E era a primeira vez que tocara exclusivamente para Horun. “É estranho”, pensou Vern Horun ao retirar-se, “que a raiva que o gênio de Reyan sente por Arl Tratlo o leve a praticar atos como este.” *** Quando o sargento Kalim Slate entrou no camarote que ocupava juntamente com Vern Horun, viu este sentado junto à mesa. Horun estava com as pernas cruzadas, olhando fixamente para a parede. Slate bateu fortemente a porta, mas nem por isso Horun olhou para outro lado. — Ora, veja! — exclamou Slate. — Até parece que o senhor e eu ouvimos as mesmas declarações de amor — vindas de pessoas diferentes. — Quer dizer que Tratlo também andou falando? — perguntou Horun, preocupado. — E como! — respondeu Slate. Sacudiu o bolso do uniforme com ambas as mãos, fazendo as moedas tilintarem. — Pediu-me que subtraísse o instrumento musical do gênio de Reyan. Horun fechou os olhos, apavorado. — Baroon quer que eu faça uma coisa parecida — informou. — Quer que eu esconda os aparelhos de treinamento do merediense. O sargento Kalim Slate sentou na outra cadeira que havia no camarote. Os dois homens nascidos em Purthag eram tipos atarracados, que quase davam a impressão de serem obesos. Seus longos cabelos brancos formavam tranças grossas na nuca. A insígnia da tribo a que pertenciam fora tatuada na testa de Horun e Slate. Ambos descendiam dos colonos que há vários decênios tinham ocupado o planeta Purthag, pertencente ao sistema de Gellert. — A desavença está cada vez pior — constatou Slate, preocupado. — Baroon e Tratlo ainda acabam se esquecendo de que nos encontramos numa galáxia estranha, onde nossa vida corre perigo a cada instante. — Será que podemos fazer alguma coisa, Kalim? — perguntou Horun. Slate deu de ombros, resignado. — Não sei — confessou. — Se não acontecer alguma coisa que faça com que eles se unam, ainda acabam se matando. Horun estremeceu. — São dois tipos completamente diferentes — disse. — Para mim ambos são formidáveis — respondeu Slate, pensativo. — Já está na hora de cada um deles pensar a mesma coisa a respeito de seu adversário.

2 O pequeno alto-falante do intercomunicador emitiu um estalo. — Capitão Tratlo, favor comparecer à sala de comando! Capitão Tratlo, favor comparecer à sala de comando! O Capitão Arl Tratlo abandonou seu camarote. Já estava no corredor, quando começou a abotoar o casaco do uniforme. Ficou se perguntando por que o comandante da nave Imperador, Coronel Heske Alurin, queria falar com ele. Há dois dias, mais precisamente, em 4 de março de 2.404, Perry Rhodan decolara com a Crest III do estaleiro de reparos KA-barato, partindo para o espaço cósmico. Tratlo sabia que o Administrador-Geral ainda não podia estar de volta. Rhodan já devia estar chegando à área proibida. O terrano dera ordens terminantes para que nenhuma das naves estacionadas em KA-barato seguisse a Crest III, a não ser que surgissem circunstâncias extraordinárias. Arl Tratlo preferiu não refletir mais sobre os motivos que tinham levado Alurin a solicitar sua presença na sala de comando. Provavelmente tratava-se de algum trabalho de rotina. O rosto de Tratlo assumiu uma expressão irônica. Sempre havia comandantes que eram de opinião que a calma excessiva não era boa para as tripulações das espaçonaves. A gravidade reinante a bordo da Imperador era de um gravo, o que fazia com que os movimentos de Tratlo parecessem leves e graciosos. A gravitação de Meredi IV era um pouco mais elevada que a da Terra. Dizia-se que as reações dos colonos que habitavam este mundo eram extremamente rápidas. Quando entrou na sala de comando, Arl Tratlo viu que não se tratava apenas de um assunto de rotina. Quase todos os oficiais da nave estavam reunidos. Os vídeos dos rádios mostravam os rostos dos comandantes de outras naves, que desta forma participavam da conferência. Tratlo passou instintivamente a andar mais depressa e dali a instante viu-se no meio dos oficiais do couraçado da USO chamado Imperador. Alurin cumprimentou-o com um gesto. Tratlo percebeu imediatamente que teria um papel de destaque durante a conferência. Franziu as sobrancelhas ao ver que o Tenente Kaarn Baroon estava parado bem ao lado do Coronel Alurin. Baroon fitou-o com uma inconfundível expressão de desagrado. Tratlo enfrentou o olhar. Finalmente Alurin parecia sentir a tensão que se formara e apressou-se em dizer alguma coisa. — O senhor já deve saber que há uma hora um cruzador de vigilância pousou no estaleiro — disse Alurin. Tratlo ainda não sabia, mas estava lembrado que grande quantidade das naves de vigilância patrulhavam a vizinha nebulosa Andro-Alfa, para observar as lutas que se desenvolviam entre os povos maahks rebelados e os combatentes que se tinham transformado em servos dos senhores da galáxia. O Coronel Alurin fez um gesto em direção a um homem magro, que mexia nervosamente na fivela do cinto. — Major Duncan — disse Alurin a título de apresentação. — Ninguém melhor que ele para contar o que aconteceu. Notava-se que ultimamente Duncan dormira menos do que deveria. O brilho estranho dos olhos do oficial mostrava que ele tomara estimulantes. Tratlo não invejava

nem um pouco os comandantes dos cruzadores de vigilância, cujas operações arriscadas constantemente os levavam para perto das frentes das frotas espaciais que se combatiam. Duncan engoliu fortemente em seco e olhou para o chão. — A guerra na nebulosa de Alfa chegou ao fim — disse o major, indo diretamente ao assunto. — Os maahks rebelados derrotaram os povos submetidos aos senhores da galáxia — de repente Duncan levantou os olhos. — Os rebeldes destruíram o transmissor gigante da nebulosa, formado por três grandes sóis azuis, impedindo os defensores de receber reforços e abastecimentos. O planeta de controle, habitado por maahks submissos aos senhores da galáxia, foi transmitido num sol. Alfa-Centro não existe mais. — Quer dizer que os maahks conseguiram evitar que os senhores da galáxia enviem outros povos auxiliares à sua galáxia — acrescentou Alurin. Duncan sacudiu a cabeça. Até parecia que queria espantar uma lembrança desagradável. — É uma coisa incrível — disse. — Andro-Alfa até parece um acampamento militar. Há bilhões de combatentes maahks concentrados lá. Tratlo olhou primeiro para Alurin, e depois para Duncan. Nunca acreditara que os rebeldes pudessem sair vitoriosos da luta. Com a destruição de Alfa-Centro, conseguiram conquistar de repente uma posição de superioridade. Arl Tratlo teve a impressão de que sabia o que iria acontecer em seguida, e dali a instantes o Coronel Alurin disse exatamente aquilo que pensava o trimatador. — Parece que uma ofensiva em grande escala dos povos maahks contra a nebulosa de Andrômeda é iminente — disse Alurin. — É o que se conclui forçosamente das imensas concentrações de naves de que Duncan acaba de falar. Os maahks criaram sistemas de propulsão tão aperfeiçoados que não terão nenhuma dificuldade em percorrer os cento e cinqüenta mil anos-luz que os separam da nebulosa de Andrômeda. Anda lhes restará um raio de ação suficientemente grande para operarem em grandes áreas da galáxia. — Está para haver uma expedição punitiva dos maahks contra aqueles que os subjugavam — confirmou Duncan. — Os misteriosos donos de Andrômeda terão de lançar mão de todos os recursos para rechaçar a invasão. — As coisas estão tomando um curso muito rápido — disse o Coronel Heske Alurin. — A notícia reveste-se da maior importância para a ofensiva secreta que pretendemos lançar no interior de Andrômeda. Não podemos arriscar-nos a avisar Perry Rhodan pelo hiper-rádio. Não sabemos se a Crest continua na rota prevista, e além disso o perigo de sermos descobertos seria muito grande. De repente Alurin encarou Arl Tratlo. — De qualquer maneira, resolvi informar Rhodan e Atlan sobre o que está acontecendo. Acho que os acontecimentos são tão importantes que vale a pena enviar uma corveta atrás da Crest. A tarefa dos ocupantes deste veículo consistirá exclusivamente em informar Rhodan. O Capitão Tratlo levantou a cabeça, como quem espera ouvir alguma coisa. Sabia que como chefe do grupo de corvetas da Imperador comandaria a operação planejada. — O senhor comandará a expedição, Capitão Tratlo — disse Alurin. — Haverá vinte e um homens a bordo de sua corveta, o que representa a tripulação normal. Um dos tripulantes da corveta será um andarilho, que poderá orientá-lo durante o vôo. A surpresa foi tamanha que Arl Tratlo nem soube o que responder. A idéia de ter de penetrar na área proibida da nebulosa de Andrômeda deixava-o tenso e incomodado ao

mesmo tempo. Já ultrapassara a idade em que uma incumbência como esta o teria deixado entusiasmado. Sabia que a vida dos tripulantes estaria em perigo durante o vôo. — Tome todas as providências — ordenou Alurin. — Mais tarde darei outros detalhes. O Major Duncan lhe fornecerá material fotográfico e gravações das transmissões de rádio, que mostrarão exatamente o que está acontecendo em Andro-Alfa. — Sim senhor — conseguiu dizer Tratlo. — Outra coisa — disse Alurin em tom indiferente. — O Tenente Baroon será seu substituto no comando da corveta. Tratlo, que já fizera menção de retirar-se, parou abruptamente. Um sorriso misterioso brincou em torno dos lábios de Alurin. — É só, capitão — apressou-se em dizer. O rosto de Tratlo ficou vermelho. Olhou para Baroon, que o fitava com uma expressão nada amável. Ao que parecia, o gênio de Reyan gostava tão pouco da tarefa conjunta quanto Tratlo. O merediense teve de fazer um grande esforço para ficar calado. Sabia que como oficial não podia dar-se ao luxo de recusar-se a cooperar com Baroon, que afinal era considerado um homem de grande capacidade. Tinha certeza quase absoluta de que Alurin tivera uma intenção bem definida ao designar Baroon como seu substituto. Mas quem, perguntou a si mesmo, poderia ter informado o coronel de que ele tinha certa antipatia por este homem? *** Alguém colara um cartaz junto à entrada da eclusa. A base do cartaz era amarela, e nele estava pintada em negro uma figura em forma de lágrima. Embaixo da lágrima lia-se a palavra Fantasia em letras vermelho-berrantes. O Capitão Arl Tratlo parou e contemplou o desenho com uma expressão de perplexidade. — Sargento Slate! — berrou. Demorou alguns minutos até que uma figura atarracada aparecesse no interior da eclusa, fazendo uma continência apressada. — Pois não, senhor! — exclamou Kalim Slate. — O que é isto? — perguntou Tratlo, ameaçador. — Qual dos tripulantes ilude-se pensando que pode permitir-se este tipo de brincadeira comigo? — Queira desculpar, senhor — balbuciou Slate como quem não tinha compreendido. — Não sei do que está falando. Um dos braços musculosos de Tratlo subiu abruptamente, apontando para a placa. — Ah, é isso? — disse Alate, esticando as palavras. — Foi o Tenente Baroon. — Retire — ordenou Tratlo com uma voz na qual ninguém seria capaz de descobrir o menor traço de amabilidade. Slate recuou cautelosamente para dentro da câmara da eclusa. — Não creio que o Tenente Baroon quisesse ofendê-lo, senhor — disse. — Apenas era de opinião que além da designação oficial KI-33 a corveta deveria ter um nome. Disse que este emblema simbolizava perfeitamente o nome escolhido. Tratlo contemplou o desenho, bastante interessado, mas os traços de seu rosto não se tornaram menos duros. — O que será isto, sargento? — perguntou, apontando para a figura em forma de lágrima.

— Hum — fez Slate, pensativo. — Em minha opinião tem certa semelhança com um pepino em conserva. — Ah, é? — rugiu Tratlo. — E o senhor pensa que vou atravessar a nebulosa de Andrômeda com um emblema em forma de pepino? — Não senhor — respondeu Slate. Tratlo fez um gesto significativo em direção à placa. — Então? — perguntou. Slate suspirou e arrancou o desenho. — Batins já se encontra a bordo? — perguntou Tratlo. — Chegou há alguns minutos, senhor — respondeu Slate, apressado. Sentia-se satisfeito por não ter de falar mais a respeito de Baroon. — O andarilho é um homem bem jovem, senhor. — O Coronel Alurin me disse que era um cosmonauta muito competente, que conhece perfeitamente as condições reinantes no interior da nebulosa de Andrômeda. Mal acabou de dizer isto, Tratlo desapareceu na câmara da eclusa. Era um homem que dava grande valor aos contatos pessoais entre os oficiais e a tripulação. Segundo sua teoria, um bom relacionamento traz com o tempo uma cooperação bem-sucedida. Por isso resolveu dirigir-se antes de mais nada aos compartimentos dos tripulantes, para só depois ir à sala de comando e ao seu camarote. Quando passou pelo refeitório dos tripulantes, viu que a porta estava aberta. Entrou e viu o sargento Vern Horun, que estava escrevendo os nomes dos tripulantes em três fileiras num quadro pendurado na parede. — Está fazendo uma lista de presença? — perguntou Tratlo, bem-humorado. Horun sorriu. — É claro que não é isso, senhor. Só estou fazendo a divisão das equipes. O sorriso de Tratlo congelou. — Está dividindo o quê? — resmungou. — Pelos cálculos do Tenente Baroon, levaremos pelo menos dez dias para entrar em contato com a Crest — apressou-se o sargento Vern Horun a dizer. — Por isso sugeriu que a tripulação faça um torneio de jogos. A equipe vencedora escolherá entre seus membros a pessoa que receberá o prêmio oferecido pelo Tenente Baroon. Tratlo chegou mais perto do quadro e viu seu nome em primeiro lugar na primeira coluna. — O senhor naturalmente é um dos chefes de equipe, senhor — disse Horun. — Formidável! — berrou Tratlo e pegou um pano que se encontrava junto ao quadro. Apagou seu nome. — Coloque Batins no meu lugar — disse. — O senhor ainda não viu o prêmio — disse Horun, decepcionado, e desembrulhou cuidadosamente uma peça de linho, sobre a qual havia uma mistura de cores. Alisou a peça com as mãos e contemplou-a encantado. — Que tal? — Horrível! — disse Tratlo em tom resoluto. — Não permitirei que uma coisa destas seja pendurada numa nave que esteja sob meu comando. Retirou-se, certo de ter causado uma decepção a Horun. Parou na entrada. — Onde está ele? — perguntou. — Ele quem, senhor? — perguntou Horun, confuso. — Baroon. Quem mais poderia ser? — Na sala de comando, senhor. Tratlo resolveu não dar maior atenção aos camarotes dos tripulantes e ir à sala de comando antes que o Tenente Baroon pudesse fazer das suas por lá.

Tratlo sabia que uma das obrigações do substituto do comandante era cuidar de tudo que dissesse respeito à tripulação. Por isso não podia acusar Baroon. Este não exorbitara de suas atribuições. Quando entrou na sala de comando, viu Baroon e o andarilho entretidos numa conversa animada. O tenente calou-se imediatamente e recostou-se na poltrona. — Fiquem à vontade — pediu Tratlo em tom mordaz. — O engenheiro Batins e eu estávamos discutindo a rota que a Fantasia deverá seguir, capitão — disse Baroon. Ao ouvir o nome Fantasia, Tratlo estremeceu sem querer. — A rota da KI-33 já foi fixada, tenente — enfatizou Tratlo. — Seguiremos praticamente o mesmo trajeto percorrido pela Crest. Se o jovem engenheiro cósmico notara alguma coisa da animosidade que havia entre os dois homens, ele não deixou perceber. — Espero poder ajudar em alguma coisa — disse em tom amável. — Será um prazer viajar em sua companhia a certas áreas que ainda não tive o privilégio de ver de perto. “Sua fala é tão empolada como a de Baroon”, pensou Tratlo, aborrecido. Assim que estava sentado na poltrona de comando, voltou a dirigir-se ao imediato da corveta. — Já providenciou os equipamentos necessários, tenente? — Foi tudo colocado a bordo. Tivemos a precaução de incluir equipamentos completos de combate para cada tripulante. Além disso temos hiper-rádios portáteis e armas portáteis de grosso calibre. — Muito bem — respondeu Tratlo a contragosto. Pelo menos Kaarn Baroon sabia cuidar de mais alguma coisa além de suas pinturas. A KI-33 era uma nave-girino altamente aperfeiçoada. Tal qual os modelos anteriores, as corvetas também eram esféricas e tinham sessenta metros de diâmetro. Na calota polar superior estava montado um canhão conversor superpesado. Tratlo sabia que, além de ser extremamente veloz e ágil, a nave sob seu comando também tinha um grande poder de fogo. A tripulação da KI-33 era formada por homens que dispunham de grande experiência. Tratlo não pôde deixar de reconhecer que até mesmo o gênio de Reyan possuía certa experiência. Não sabia muito a respeito do andarilho chamado Batins, mas não tinha a menor dúvida de que o engenheiro cósmico merecia tanta confiança como qualquer dos outros tripulantes da corveta. Ron Moseley, o rádio-operador, entrou na sala de comando. Moseley era um dos tripulantes mais antigos da Imperador. Devia ser o homem mais idoso a bordo da corveta. Era natural de Perm, um mundo desértico inóspito, no qual os colonos tinham de disputar cada metro quadrado de terra com a natureza hostil. Moseley era alto e magro, como todos os permenses. Tratlo olhou para o relógio. Faltava uma hora para a decolagem. Batins e Kaarn Baroon ainda estavam conversando. Moseley já se recolhera novamente à cabine de rádio. Dentro de instantes teria início a revisão de todas as máquinas e controles. Tratlo sabia que seria obrigado a trabalhar com Baroon. Não poderia fazer poucocaso do imediato da KI-33. Isso causaria uma impressão desfavorável nos tripulantes. Bastava que os sargentos Slate e Horun estivessem informados sobre o relacionamento tenso entre os dois oficiais.

Tratlo lembrou-se de que Rhodan tivera a intenção de penetrar com a Crest III diretamente na área proibida. Seguiria uma reta imaginária que ligava o estaleiro KAbarato com o lugar em que se supunha ficasse o núcleo central. O capitão sabia perfeitamente que no fundo este dado não significava nada, já que o ultracouraçado teria de deslocar-se nas aglomerações mais compactas de estrelas. Seria difícil encontrar a Crest III. Tratlo inclinou-se para a frente e ligou os controles mestres, para ativar o suprimento normal de energia da KI-33. Dali a instantes pediu pelo intercomunicador que os tripulantes ocupassem seus lugares. Para os astronautas a decolagem e a maior parte do vôo não passavam de rotina, mas era bem possível que isso mudasse assim que atingissem a zona de alerta. Apesar da técnica avançada, a corveta era uma espaçonave vulnerável, que dependia exclusivamente de seus próprios recursos. *** Os primeiros dois dias de vôo correram sem incidentes. Mas no terceiro dia aconteceu uma coisa que quase fez ferver o sangue de Arl Tratlo. Tudo começou com um cheiro desagradável que se espalhou pela sala de comando. O Capitão Tratlo, que há três horas revezara o Tenente Baroon, franziu o nariz e lançou um olhar para o sargento Borkmann, que o ajudava nos trabalhos de rotina na sala de comando. A KI-33 deslocava-se no semi-espaço, desenvolvendo várias vezes a velocidade da luz. Borkmann notou o olhar de Tratlo e soube interpretá-lo. — Alguma coisa está fedendo, senhor — disse em tom seco. — Sem dúvida — confirmou Tratlo. Jens Borkmann parecia um terrano, mas era natural de Fauno. Tal qual Tratlo e Baroon, era capaz de manobrar sozinho uma corveta. Borkmann era muito jovem, e na opinião de Tratlo tratava-se de um homem muito competente. Tratlo virou a cabeça sem sair da poltrona do piloto e viu que a porta principal da sala de comando estava aberta. Viu o navegador Wilcock e o andarilho Batins inclinados sobre a mesa dos mapas. — Wilcock! Verifique se este cheiro insuportável vem do lado de fora — ordenou Tratlo. Wilcock levantou a cabeça, farejou em várias direções e foi andando para a porta. Tratlo viu-o enfiar a cabeça no corredor. — Vem, sim senhor! — gritou. — Aqui fora o cheiro é mais forte. — Até parece que alguns isoladores se fundiram — disse o Capitão Tratlo, desconfiado. Borkmann inalava fortemente o ar e sacudiu a cabeça. — Parece antes uma panela de legumes queimados, senhor — disse. — Quem está de serviço na cozinha? — perguntou Tratlo. — Veroni, senhor — disse Borkmann. — Não acredito que ele tenha algo a nos oferecer, além de alimentos desidratados e conservas. — Verifique de onde vem este cheiro — decidiu Tratlo, mas antes que o sargento tivesse tempo de levantar-se, mudou de idéia. — Não! Cuidarei disso pessoalmente. Tratlo levantou-se e passou pela mesa dos mapas. Batins sorriu amavelmente para ele. A cortesia do andarilho já começava a enervar Tratlo. Bastava olhar para Batins, e ele

sorria que nem um idiota ou desfiava algumas fórmulas de cortesia. Tratlo fez questão de chegar ao corredor o mais depressa possível. Conforme Wilcock já notara, no corredor o cheiro era mais forte. Arl Tratlo dirigiuse ao elevador antigravitacional e deixou que este o levasse ao convés em que ficavam os compartimentos dos tripulantes. Quando ia saindo do poço do elevador, quase esbarrou no cabo Ellis Weingarth, que fechara o nariz com os dedos polegar e indicador da mão direita. — Desculpe, senhor — disse Weingarth com a voz fanhosa. — Se eu tiver de ficar aqui mais um minuto que seja, eu me dano todo. Estupefato, Tratlo quis repreender o cabo pela maneira pouco convencional de exprimir-se, mas este já saltara para dentro do elevador antigravitacional e ia se afastando. Tratlo resmungou, zangado, e seguiu a pista das repugnantes nuvens de vapores, que o conduziu diretamente à sala dos tripulantes. Quando entrou na sala, Tratlo viu Peyt Veroni, que distribuía todo entusiasmado bacias de plástico pelas mesas. No interior da sala o cheiro era tão desagradável que Tratlo quase perdeu o fôlego. O Capitão Tratlo empertigou-se. — Veroni! — exclamou em tom enérgico. — Poderia fazer o favor de dizer o que está fabricando aí? — Ah, é o senhor — respondeu Veroni com o rosto alegre. — Queria mesmo oferecer-lhe uma porção desta iguaria. — Quer dizer que pretendia guardar uma refeição deste caldo fedorento para mim? — perguntou Tratlo, estupefato. — Estou preparando as vergetas segundo uma receita especial fornecida pelo Tenente Baroon — respondeu Veroni. — Baroon? — repetiu Tratlo. — Que diabo vêm a ser as tais das vergetas? — Não venha me dizer que não sabe o que são vergetas! — exclamou Peyt Veroni, indignado, dando a impressão de que não conseguia conformar-se com a idéia de que ainda existiam pessoas que nunca tinham ouvido falar nessa iguaria saborosa. Arl Tratlo já se aproximara do balcão em que eram servidas as comidas e viu a cozinha. Retirou apressadamente a cabeça, ao ver as nuvens de vapores verdes que subiam de um grande caldeirão. — O Tenente Baroon é de opinião que até mesmo a refeição mais simples deve ser transformada numa obra de arte — disse Veroni. — Cozinhar é uma das artes mais refinadas que um ser humano pode aprender. Da mesma forma que uma boa pintura exige uma combinação adequada de cores, uma refeição saborosa precisa de um sortimento de bons temperos — a voz de Veroni assumiu um tom sonhador. — Um bom cozinheiro que se encontra junto às suas panelas transforma-se num verdadeiro regente, que... — Silêncio! — berrou Tratlo, batendo tão fortemente com o pé que os pratos e as travessas tilintaram. — Será que o senhor não é capaz de preparar uma xícara de café? — perguntou Tratlo, furioso. — Prepare imediatamente uma refeição de verdade para os tripulantes. — E as vergetas? — perguntou Veroni, desconsolado. — Encha uma grande bacia com elas e envie-as ao camarote do Tenente Baroon. Tenho certeza de que o tenente saberá dar o devido valor ao resultado dos seus conselhos. Tratlo foi saindo. — Feche a porta depois que eu tiver saído — disse.

— Não quero que os tripulantes morram sufocados. *** No sexto dia de viagem, Arl Tratlo já tinha certeza de que não seria mais possível esconder dos tripulantes as divergências que tinha com Kaarn Baroon. A história das vergetas espalhara-se pela corveta. Tratlo estava pensativo, sentado na poltrona do piloto. Refletia para descobrir um meio de transformar Baroon num homem sensato. Borkmann, que também estava de serviço, interrompeu suas reflexões, observando que estava na hora de fazer mais uma ligeira interrupção no vôo linear, para que Batins pudesse orientar-se melhor. — É verdade, Borkmann — confirmou Tratlo e ligou o microfone do intercomunicador. — Andarilho Batins, faça o favor de comparecer à sala de comando! — gritou. Dali a dez minutos o sargento Vern Horun apareceu na sala de comando. Tratlo notou que o sargento parecia confuso. — Pelo que me lembro, solicitei o comparecimento de Batins — observou o capitão. — Não pôde comparecer? Ou existe algum outro motivo de o senhor ter vindo? — Está impedido, senhor — respondeu Horun. — Pede que o senhor o desculpe. Virá logo que puder. Tratlo refletiu qual poderia ter sido o motivo que impedira o andarilho de comparecer à sala de comando, mas não descobriu. — Por que não pôde vir? — perguntou finalmente. Horun preferiu não olhar diretamente para o capitão. — Está servindo de modelo — disse. Tratlo parecia encolher alguns centímetros. Logo bateu com o punho fechado na braçadeira da poltrona, fazendo-a estalar. — É por causa de Baroon? — uivou. — Será que ele não pensa em outra coisa senão fazer um retrato do andarilho? — Não o está retratando, mas modelando — retificou Horun. — O quê? — berrou Tratlo. Levantou de um salto e saiu correndo. Horun fitou-o com uma expressão de perplexidade. Arl Tratlo atingiu a sala dos tripulantes num tempo recorde e abriu violentamente a porta. O quadro com que se deparou excedeu seus piores receios. O andarilho Batins estava agachado na borda da mesa como se fosse uma estátua, olhando fixamente para o teto. A cinco metros dali o Tenente Kaarn Baroon trabalhava num bloco de material mole. Os dedos magros de Baroon soltaram a massa. Estendeu as mãos, dando a impressão de que tinha medo de sujar o sobretudo que usava. Só então Tratlo teve oportunidade de ver a obra de arte apenas iniciada, que não tinha a menor semelhança com Batins. — Olá, capitão! — exclamou Baroon. — Alegro-me que o senhor esteja interessado em meu trabalho. O rosto de Tratlo assumiu uma tonalidade vermelha. O coronel aproximou-se da massa, para examiná-la mais de perto. Mas quanto mais se aproximava, mais se convencia de que Baroon não estava reproduzindo a figura do andarilho. — Que é isso? — perguntou Tratlo, apontando para o material com o qual Baroon estava trabalhando. — Não está vendo? — resmungou Baroon. — Estou modelando a cabeça de Batins.

— Ora veja! — disse Tratlo. — Quer dizer que é a cabeça de Batins? Para mim parece uma batata gigante. Baroon encolheu-se e tremeu de raiva. — É uma forma moderna de representação — disse. — É preciso ser entendido em arte para saber avaliar a qualidade deste trabalho. Tratlo pegou a cabeça de Batins e jogou-a sobre a mesa com tamanha violência, que ficou achatada de um lado. — Não sou entendido em assuntos de arte — disse. Mas tenho certeza de que Batins não tem a obrigação de lhe servir de modelo para este tipo de atividade. — O senhor não tem o direito de imiscuir-se nos meus assuntos particulares — grasnou o gênio de Reyan. — Nas horas de folga posso modelar mil cabeças de andarilhos, caso tenha vontade. Numa espécie de pesadelo, o Capitão Arl Tratlo imaginou uma cabeça de andarilho fabricada por Baroon na mesa de cada um dos camarotes. — Venha comigo! — disse, dirigindo-se a Batins. — A corveta deve interromper o vôo normal, para que nos orientemos. Para isso precisamos do senhor. Batins mostrou um sorriso amável e desceu da mesa. — Sinto muito que sua atividade artística tenha tido um fim tão triste — disse, dirigindo-se a Baroon. — Eu também — resmungou o tenente. Arl Tratlo retirou-se em companhia de Batins. *** No oitavo dia de viagem, o Capitão Arl Tratlo já não tinha a menor dúvida de que todas as pessoas que se encontravam a bordo da nave sabiam que seu relacionamento com Kaarn Baroon não era dos melhores. Os dois oficiais só falavam o estritamente necessário. Tratlo preferia fazer pessoalmente certos tipos de trabalho, somente para não ter de falar com Baroon. O vôo linear já fora interrompido quatro vezes. Dentro de dois dias no máximo atingiriam a periferia da área proibida. Tratlo gostaria de saber o que pensavam os tripulantes sobre suas divergências com o imediato da KI-33. Sentiu que os homens continuavam a respeitá-lo, mas não conseguia livrar-se da impressão de que sorriam atrás de suas costas. Mas a mesma coisa faziam atrás das costas de Baroon. Tratlo viu confirmada sua teoria, segundo a qual toda divergência entre os oficiais é aproveitada pela tripulação. Andou com a idéia de ter uma conversa com Baroon, mas teve medo de que o reyanense pudesse interpretar o gesto como uma retirada covarde. E foi por isso que no oitavo dia o revezamento entre os dois oficiais foi feito em silêncio, tal qual acontecera das outras vezes. Kaarn Baroon entrou na sala de comando. Tratlo levantou-se. — Pode assumir. Tudo em ordem. — Está bem, capitão — disse Baroon laconicamente e deixou-se cair na poltrona. Tratlo saiu caminhando com as pernas duras. Pretendia ir ao seu camarote, para dormir algumas horas. Quando passava pelo corredor secundário que levava aos camarotes dos oficiais, encontrou-se com o cabo Ellis Weingarth. O cabo estava de costas para ele. Tratlo já notara que Weingarth evitava encontrar-se com ele, desde que fugira do aroma das iguarias de Veroni. — Cabo! — disse Tratlo em tom enérgico. Weingarth estremeceu e virou lentamente a cabeça.

Era natural de Purthag, tal qual os sargentos Horun e Slate. — Eu não sabia que o senhor pertencia à tripulação desta nave — disse Tratlo em tom amável. Weingarth fitou-o estupefato. — Sou um tripulante, sim senhor — apressou-se em dizer. — Desde o início. Tratlo levantou a voz. — Quer dizer que foi mesmo o senhor com quem me encontrei há cinco dias perto do elevador antigravitacional? — Fui eu, sim senhor — confessou Weingarth. — O senhor vai... — principiou Tratlo, mas as palavras seguintes foram abafadas pelo som estridente das sereias de alarme. O merediense deixou Ellis sozinho e saiu correndo em direção à sala de comando. Quando entrou na sala de comando, Tratlo não viu confirmados seus piores receios. Pelo comportamento dos homens não parecia que a corveta estivesse em perigo. Até mesmo o Tenente Kaarn Baroon não mantinha uma atitude vigilante. Sua atitude parecia antes desleixada. As sereias de alarme já tinham silenciado. Arl Tratlo foi diretamente ao posto de controle e fitou os hiper-rastreadores. Não havia o menor sinal de que uma espaçonave desconhecida se aproximasse da KI-33. Baroon virou a cabeça e olhou ostensivamente para o relógio. — Faz apenas alguns minutos que eu o revezei, senhor — disse. Rugas ameaçadoras apareceram na testa de Tratlo. — Isso eu já sabia! — gritou para o reyanense. — Quero que me diga por que acionou os alarmes. — Trata-se de um treinamento de rotina, capitão — respondeu Baroon, calmo. Os olhos de Tratlo pareciam querer saltar das órbitas. Arl respirava com dificuldade e levou algum tempo para conseguir falar. — Um treinamento? — repetiu com a voz rouca. — Logo agora? Com uma fleuma imperturbável, o gênio de Reyan tirou um formulário dobrado de dentro de uma fenda que havia embaixo da poltrona. — Eis aqui as instruções sobre o alarme, capitão — disse. — O item 7 diz que o equipamento deve ser testado no mínimo de três em três meses. Este carimbo mostra que faz exatamente três meses que foi feito o último controle. Quer dizer que só cumpri meu dever. Tratlo engoliu a resposta violenta, através da qual queria manifestar sua opinião sobre as instruções, fossem quais fossem. Sabia perfeitamente que não poderia alegar nada contra o tenente. Não tinha a menor dúvida de que o ensaio fora uma forma de vingar-se da cabeça destruída de Batins. Tratlo arrependeu-se de ter levantado a voz, pois com isso os homens que se encontravam na sala de comando puderam testemunhar sua derrota. — Da próxima vez que quiser experimentar alguma coisa, faça o favor de informar o comandante, tenente — disse e retirou-se. *** No décimo dia de viagem a KI-33 tinha percorrido quase quarenta mil anos-luz. Tratlo sabia que, se não fosse Batins, teriam levado muito mais tempo. Os andarilhos tinham catalogado de forma precisa a nebulosa de Andrômeda. Por isso a única coisa que se tornava necessária para encontrar a rota certa era fazer algumas adaptações nos computadores positrônicos da KI-33.

— Infelizmente não posso informar quase nada sobre a área proibida da zona central — disse Batins, dirigindo-se ao comandante, quando já se encontravam próximos ao destino. — Nenhum povo astronauta da nebulosa de Andrômeda pode penetrar na zona de bloqueio sem uma permissão especial. Tratlo olhou para os mapas abertos à sua frente, que em sua maioria tinham sido fornecidos pelos engenheiros cósmicos. — Temos certeza de que esta permissão não nos será dada. Por isso penetraremos sem ela na zona de alerta — disse. — Já lhes contei alguma coisa a respeito dos tefrodenses — disse Batins. — É o povo que habita todos os sistemas solares situados dentro de um setor de quinhentos anos-luz de diâmetro, que representa a zona de alerta situada à frente do centro propriamente dito — o andarilho apontou para uma área assinalada em vermelho em um dos mapas. — Do ponto de vista ótico, os sistemas solares e mundos-base dominados pelos tefrodenses formam uma espécie de envoltório em torno do núcleo central. — O senhor nos contou verdadeiras maravilhas a respeito dos tefrodenses — disse Arl Tratlo. — Trata-se de um conjunto de povos que exercem as funções de guardas setoriais — disse Batins em tom insistente. — Golpeiam rapidamente e de forma implacável toda vez que alguém se atreve a penetrar na zona de alerta, tentando atingir o núcleo central. — Como são mesmo estes heróis invencíveis? — perguntou o sargento Borkmann em tom irônico. Batins levantou os olhos, que mantivera pregados nos mapas. — São iguais aos terranos — respondeu. — Está brincando! — respondeu o Capitão Tratlo. — É possível que os tefrodenses sejam humanóides, mas devem ser bem diferentes dos terranos propriamente ditos. — Não — insistiu Batins em tom enfático. — Talvez um dia o senhor ainda tenha uma oportunidade de visitar Tefrod, que é o planeta principal dos tefrodenses. Quando isso acontecer, o senhor verá que estou dizendo a verdade. Tratlo notou que o andarilho se sentia contrariado por causa de sua incredulidade e resolveu mudar de assunto. — Como saberemos quando estivermos entrando na zona de alerta dominada pelos tefrodenses? — perguntou. — Os tefrodenses não deixam nada entregue ao acaso — respondeu Batins. — No início captaremos apitos em todas as hiperfreqüências imagináveis. É um alerta que os tefrodenses dirigem aos astronautas que se mostrem curiosos demais. Se prosseguirmos, os símbolos de alerta dos tefrodenses serão projetados em nossas telas. — A recepção destes sinais significará que fomos descobertos? — perguntou o Tenente Kaarn Baroon. Batins respondeu que não. — Nossa nave está muito bem camuflada. Portanto, teremos uma boa chance de penetrar profundamente na zona de alerta. Geralmente os astronautas sentem-se inseguros quando recebem os sinais de alerta e fazem meia-volta, ainda mais que os tefrodenses fizeram tudo para que as histórias de suas medidas punitivas corressem pela nebulosa de Andrômeda. — O senhor acredita que os tefrodenses sejam os próprios senhores da galáxia? — perguntou Tratlo. — Certas circunstâncias poderiam levar a esta conclusão — respondeu Batins. — Mas constantemente surgem dúvidas a este respeito. Quem poderá ser guardado pelos

tefrodenses, a não ser uma força ainda mais poderosa? Parece não haver nenhuma dúvida de que o núcleo central da nebulosa de Andrômeda não é habitado pelos povos tefrodenses. Quer dizer que os seres que vivem lá só podem ser outros. Infelizmente nossos conhecimentos sobre o núcleo central de nossa galáxia são tão reduzidos que não temos nenhuma indicação sobre isto. Tratlo estalou os dedos. — Suponhamos que os senhores da galáxia realmente habitem o núcleo central. Neste caso os tefrodenses formariam uma espécie de guarda pessoal privilegiada, cuja posição é superior à dos demais povos auxiliares. — Isso mesmo — confirmou Batins. — Posso garantir que deve ter havido um motivo para que os tefrodenses fossem escolhidos para desempenhar esta tarefa. São considerados os combatentes mais perigosos da nebulosa de Andrômeda. Além disso parecem ter descoberto uma solução toda especial para o problema de uma descendência muito numerosa. As tripulações de que dispõem para suas espaçonaves parecem inesgotáveis. Tratlo olhou para Baroon, que se encontrava do outro lado da mesa sobre a qual estavam espalhados os mapas. O reyanense enfrentou o olhar. — E agora? O que vamos fazer, capitão? — perguntou. A Crest III encontrava-se no interior da zona de alerta. Quanto a isso Arl Tratlo não tinha a menor dúvida. A tripulação da KI-33 conhecia a rota aproximada do ultracouraçado. A corveta teria de penetrar na zona de alerta. Era o único meio de estabelecer contato com Perry Rhodan. — Vamos prosseguir — decidiu o Capitão Tratlo. Teve a impressão de que pela primeira vez desde que tinham decolado de KA-barato ele e o gênio de Reyan eram da mesma opinião.

3 Foi como o andarilho previra. Dentro de alguns segundos os hiper-rádios da KI-33 captaram sons parecidos com apitos. Os aparelhos ultra-sensíveis da corveta registravam três sons destes por segundo. Dali a pouco um traço amarelo-pálido projetado na tela passou a acompanhar cada um destes sons. Tratlo sabia que o nervosismo que sentia se transmitira à tripulação. Até mesmo Batins, um homem amável, que não se abalava por nada deste mundo, dava sinais de nervosismo. À medida que a KI-33 penetrava cada vez mais profundamente na zona de alerta, a coloração dos traços que apareciam nas telas tornava-se mais intensa. O amarelo acabou sendo substituído por um vermelho profundo. — Estamos bem no meio — constatou o sargento Borkmann. — Nada disso — respondeu Batins. — Tenho lá minhas dúvidas de que conseguiríamos atravessar a zona de alerta sem sermos descobertos. Neste instante a cabeça de Ron Moseley apareceu na Porta da pequena cabine de rádio. — Ondas de hiper-rádio, senhor! — exclamou. — Alguém está inundando a nebulosa de Andrômeda com sinais. Tratlo levantou-se de um salto, e Borkmann assumiu os controles da KI-33. — Venha comigo, Batins! — gritou Tratlo. — Vamos ver o que significa isto. Batins afastou-se da mesa. — Não compreendo — respondeu. — Esta inundação de notícias não pode corresponder aos costumeiros sinais de alerta. Dali a instantes Batins descobriu que parte dos sinais tinham sido redigidos em Tefroda, a língua dos tefrodenses. — Estão transmitindo em código — disse Batins. — Mas não existe a menor dúvida de que estes sinais representam um alarme geral. — Um alarme geral? — repetiu Tratlo. — Acha que nossa entrada na zona de alerta foi notada? — De forma alguma — tranqüilizou Batins. — Os senhores da galáxia devem ter descoberto que a invasão dos maahks ao seu próprio sistema é iminente. Estão colocando de prontidão seus povos auxiliares. — É bem possível que seja isso, senhor — disse Moseley. — O ponto de origem das hiperondas fica no centro da nebulosa de Andrômeda. — Excelente! — exclamou Tratlo. — Quer dizer que a invasão logo começará. As informações fornecidas pelo Major Duncan são corretas. Os senhores da galáxia e seus aliados mais poderosos, os tefrodenses, ficarão tão ocupados com os maahks que nossas manobras secretas neste setor nem serão notadas. — A situação que se delineia é realmente muito vantajosa para o senhor — disse Batins. — Moseley! — disse o Capitão Tratlo. — Temos de tirar proveito deste caos de hipertransmissões. Transmita imediatamente uma mensagem condensada à Crest, usando a freqüência da frota. Já conhece os dados. Já temos possibilidade de informar Rhodan sobre a excursão que estamos realizando.

O permense, que era um homem magro, confirmou com um gesto e inclinou-se sobre as instalações de hiper-rádio. Tratlo exultava. Tudo corria segundo seus desejos. Se as frotas gigantescas dos maahks passassem para o ataque, os senhores da galáxia e os tefrodenses provavelmente teriam trabalho de sobra. Duas naves terranas nem seriam notadas na confusão. Os terranos teriam oportunidade de cuidar ainda mais intensamente das atividades dos criminosos que dominavam a nebulosa de Andrômeda. Sem querer, os maahks acabavam de transformar-se em aliados indiretos do Império Solar. Tratlo foi ao posto de comando e deu ordem para que Borkmann continuasse na mesma rota. Dali a mais alguns minutos os receptores da corveta entraram em funcionamento. Era o Lorde-Almirante Atlan, comunicando a Arl Tratlo que seria preferível que o comandante da corveta trouxesse sua notícia pessoalmente. Tratlo recebeu ordem de dirigir-se a um sol geminado verde, que ficava bem no interior da zona de alerta. Este sol constava do catálogo dos andarilhos. Uma vez lá, a KI-33 seria recolhida a bordo da Crest III. — Conseguimos — disse. Notava-se pela sua voz que se sentia decepcionado por não poder continuar a operar por sua própria conta. No dia 16 de março de 2.404, tempo terrano, duas naves terranas que seguiam rotas diferentes aproximaram-se do sol verde geminado que constava do catálogo dos andarilhos sob a combinação KA I-3365 Erl-9238. Uma destas naves era a Crest III, e a outra a corveta KI-33. As duas espaçonaves tinham o mesmo destino, mas o ultracouraçado estava mais distante do ponto de encontro que a corveta comandada por Arl Tratlo. *** Quando a KI-33 saiu do semi-espaço para retornar ao conjunto espácio-temporal normal, ela se encontrava junto ao limite interior da zona de alerta, bem próxima do núcleo central que era a área proibida. Bastante aflito, o andarilho chamou a atenção de Tratlo para o fato de que o sol geminado verde provavelmente era o último sistema que os engenheiros cósmicos puderam incluir em seus catálogos. — Acho muito arriscado ficarmos por aqui — disse. — Não há sinal da Crest — constatou o Tenente Baroon. Tratlo examinou os controles. O sol geminado verde possuía um planeta que era mais ou menos do tamanho da Lua. Era um mundo que não constava do catálogo dos engenheiros cósmicos. — Olhe só, Batins! — pediu Arl Tratlo, dirigindo-se ao cruzador de estruturas. — Que acha? Batins pôs-se a contemplar as telas do sistema de rastreamento espacial. — Geralmente pode-se confiar nos dados fornecidos por meus antepassados — disse. — Mas é perfeitamente possível que um mundo de dimensões tão reduzidas tenha escapado à atenção dos engenheiros encarregados das medições. Talvez eles tivessem de enfrentar perigos enormes enquanto catalogavam o sistema. A KI-33 deslocava-se lentamente em direção ao mundo desconhecido. — Não existe atmosfera! — constatou o sargento Borkmann. — Só se vêem montanhas elevadas e íngremes e extensas planícies pedregosas. Não parece ser um ambiente muito hospitaleiro. Tratlo olhou de lado para o sargento. Acreditava que a Crest demoraria mais algumas horas para aparecer no ponto de encontro previamente combinado. O trimatador

tivera a intenção de entrar com a corveta na área adjacente ao sol A, onde estaria protegido contra a ação dos rastreadores das espaçonaves desconhecidas. Mas a descoberta do pequeno planeta abria novas perspectivas. Arl Tratlo era um homem de iniciativa e a proximidade de um mundo pertencente ao reino estelar dos tefrodenses exercia uma atração enorme sobre ele. — Recebemos ordem de transmitir a Perry Rhodan as notícias vindas da nebulosa Alfa — disse Baroon, interrompendo suas reflexões. Tratlo ficou vermelho. Até parecia que o tenente adivinhara seus pensamentos. — Isso nós já sabemos, tenente — retrucou Tratlo em tom áspero. — Ninguém pensa em fazer outra coisa. Viu pelo canto dos olhos que Borkmann baixava a cabeça, para dissimular um sorriso. — Naturalmente — esclareceu Tratlo — talvez fosse muito interessante fazer uma pequena visita ao mundo recém-descoberto, que não consta dos catálogos dos andarilhos. Enquanto Arl Tratlo ainda refletia sobre a forma pela qual poderiam ser interpretadas as ordens dadas peto Coronel Heske Alurin, a KI-33 prosseguia numa rota que a aproximava cada vez mais do mundo desértico. Tratlo mordeu violentamente o lábio inferior. Provavelmente teria cedido à tentação, se o Tenente Kaarn Baroon não se encontrasse a bordo. O reyanense poderia causar-lhe dificuldades. Os outros tripulantes provavelmente ficariam entusiasmados com a idéia de pousarem no planeta desconhecido, pois veriam na manobra uma variação agradável num vôo monótono. — As ordens que recebemos são bem claras — disse Tratlo. — Borkmann, siga em direção ao sol A. A decepção do faunense certamente não foi menor que a de Tratlo. Baroon surpreendeu o comandante, dizendo: — Que pena! Talvez faríamos uma descoberta interessante! “Que sujeito hipócrita”, pensou o trimatador, zangado. Esperava que dentro em breve teria uma oportunidade de passar a perna em Baroon. O planeta foi ficando cada vez maior, e o maior dos sóis geminados passou a ocupar toda a área das telas óticas. Tratlo recostou-se na poltrona e observava Borkmann, que com movimentos seguros conduzia a nave através do espaço cósmico. Neste instante a desgraça desabou sobre a KI-33. Veio em forma de uma nave esférica de pelo menos mil metros de diâmetro, que saiu repentinamente de trás do sol A. A velocidade era tão elevada que a espaçonave levou somente um instante para aproximar-se da corveta. Tratlo continuava em sua poltrona, petrificado, quando a KI-33 foi atingida por uma torrente de fogo. Nenhum tripulante teve oportunidade de ligar os campos defensivos ou utilizar as armas da nave. Foi tudo muito silencioso, mas o abalo foi tamanho que Arl Tratlo se viu arremessado para fora da poltrona. Enquanto caía, viu Jens Borkmann segurar-se com ambas as mãos na direção. Havia no rosto do tenente uma expressão de espanto e incredulidade. O ataque fora tão repentino que qualquer tripulação teria sido tomada de surpresa, pensou Tratlo, enquanto escorregava pelo chão da sala de comando e batia na mesa dos mapas. Era um consolo muito fraco. As sereias de alarme uivaram, mas já era tarde. Tratlo foi-se levantado, apoiado na mesa. As luzes tremiam.

— Os propulsores falharam! — gritou uma voz penetrante. Tratlo viu que não fora o único que perdera o apoio. Em toda parte os homens se esforçavam para pôr-se novamente de pé. A KI-33 fora atingida várias vezes. Tratlo receava que naquele momento estivesse comandando um montão de destroços. Podia dar-se por satisfeito por ter sobrevivido ao bombardeio. O andarilho Batins estava de pé ao lado de Tratlo, inclinado sobre a mesa dos mapas. Seus olhos muito afundados nas órbitas fitavam Tratlo com um misto de amabilidade e preocupação. Este olhar ajudou o capitão a recuperar o autocontrole. Sabia que a essa altura seria inútil tentar ligar os campos defensivos ou responder ao fogo inimigo. As condições na corveta já não permitiam que se fizesse isso. Só lhes restava fazer votos de que o inimigo desconhecido se desse por satisfeito com o êxito que alcançara. A KI-33 balançava fortemente. Tratlo teve muito trabalho para alcançar a poltrona de comando. Borkmann continuava agarrado à direção, embora a nave já não obedecesse aos comandos. Arl Tratlo aproximou-se do microfone do sistema de intercomunicação. — Tratlo falando! — gritou, esforçando-se para dar um tom calmo à voz. — Fomos atacados por uma nave desconhecida. Os propulsores falharam. Todos os tripulantes colocarão imediatamente trajes protetores equipados com campos defensivos individuais. O equipamento portátil mais importante será levado à eclusa principal. Preparem-se para abandonar a nave. — A nave inimiga se aproxima! — gritou o Tenente Baroon. O Capitão Tratlo examinou a nave esférica nas telas que continuavam a funcionar. — Quem vê esta nave, quase é capaz de jurar que ela partiu de um espaçoporto do Império Solar — disse Baroon. — Possui até mesmo a protuberância equatorial. O coração de Tratlo começou a bater mais forte. — Batins! — gritou. — Qual é o povo que possui naves deste tipo? — Os tefrodenses — respondeu prontamente o engenheiro cósmico. — Como vê, não é somente no aspecto exterior que os terranos e os tefrodenses se parecem. — O senhor compreende uma coisa dessas, senhor? — perguntou Borkmann, desesperado. Tratlo abanou a cabeça. Teve a impressão de que ainda acabariam de fazer uma descoberta tremenda. Os terranos esperavam desde o início encontrar surpresas na nebulosa de Andrômeda. A nave esférica suspendera o fogo. — Raios de tração! — disse Baroon. — Estamos sendo rebocados. Tratlo levantou-se. Acabavam de ganhar um novo prazo, cuja duração não conheciam. Deviam aproveitar o tempo. — Vamos! — ordenou. — Todo mundo vai colocar trajes de combate. Voltou a usar o intercomunicador. — Quem já tiver colocado o traje protetor e estiver com o equipamento completo, cuidará dos propulsores. Talvez consigamos consertar as avarias. Desligou. Enquanto colocava o traje de combate, refletia intensamente sobre o encontro surpreendente. Tinha certeza de que a nave esférica não aparecera por acaso. Saíra no momento exato de trás do sol A e partira imediatamente para o ataque. Certamente estivera à espreita. “Uma nave de vigilância”, pensou Tratlo. Mas que diabo havia para vigiar?

Quem sabe se era o mundo do tamanho da Lua terrana, do qual o capitão pretendia aproximar-se? Visto do espaço, este mundo não dava a impressão de que nele havia alguma coisa para vigiar. Naturalmente era possível que se tratasse de uma nave-patrulha, que estava realizando um vôo de rotina e encontrara a corveta. Tratlo teve a impressão de que tão depressa não teriam a resposta a estas perguntas. De qualquer maneira, a profecia de Batins, de que os tefrodenses eram inimigos muito perigosos, acabara se confirmando. A KI-33 estava completamente indefesa. Qualquer tentativa de oferecer resistência ao inimigo na situação em que se encontravam equivaleria a um suicídio. Tratlo não pôde deixar de formular certas auto-recriminações. Como o vôo fora muito calmo, não tivera a atenção necessária no interior do sistema. No entanto, tinha suas dúvidas de que, mesmo que tivesse sido atento, teria conseguido fugir. Tratlo fechou o capacete e ligou o radiofone. Só neste momento se lembrou de que a Crest III deveria chegar dentro de pouco tempo. Fazia votos de que o ultracouraçado estivesse em condições de resistir ao inimigo. Os ocupantes da KI-33 não tinham nenhuma possibilidade de prevenir o AdministradorGeral. A Crest III cairia na mesma armadilha que acabara de revelar-se fatal para a corveta. — Para onde seremos levados? — perguntou Jens Borkmann. Tratlo levantou os olhos e viu que o faunense também estava enfiado num traje de combate. Conversavam pelos radiofones embutidos nos capacetes. Tratlo voltou à poltrona de comando. — Acho que já sei — respondeu. — Parece que estão nos levando ao mundo desértico que descobrimos no momento em que chegamos ao sistema. — É isso mesmo, capitão — disse a voz do Tenente Baroon, saída do rádiocapacete de Tratlo. — Só fico me Perguntando quanto tempo o comandante da nave esférica desconhecida ainda levará para reduzir a velocidade. Se continuar assim, o pouso será bem violento. Arl Tratlo olhou para os controles e viu que era isso mesmo. A conclusão que se devia tirar do comportamento do inimigo era clara e assustadora. Pretendem libertar-nos do raio de tração quando estivermos sobre o mundo desértico — disse Tratlo. — pelo amor de Deus, tenente! Se até lá não conseguirmos pôr para funcionar o propulsor, a nave se espatifará na superfície do planeta. No momento o capitão não tinha nada a fazer na sala de comando. Dirigiu-se à sala de máquinas o mais depressa que pôde. Encontrou sete homens amargurados, que praguejavam, enquanto se esforçavam para pôr em funcionamento pelo menos o sistema de propulsão normal. Tratlo viu os sargentos Horun e Slate. Peyt Veroni também estava lá. — Rápido! — gritou para os homens. — Se não andarmos depressa, cairemos na superfície do planeta. — É o suprimento de energia, capitão! — exclamou alguém. — Os condutos estão interrompidos em algum ponto. Deve ser uma avaria leve, mas para consertá-la teremos de encontrá-la. — Já experimentou o sistema de emergência? — perguntou Tratlo. — Temos de ganhar nem que sejam alguns minutos. — Nas outras salas há um incêndio — disse alguém, transmitindo mais uma notícia alarmante. — Nestas condições seria muito arriscado ligar o sistema de emergência com

o propulsor normal. Interromperíamos o fornecimento de energia do resto da nave, além de provocarmos o perigo de uma explosão. — Não saia daqui! — ordenou Tratlo, enquanto contornava os gigantescos conversores. — O que pretende fazer, capitão? — gritou alguém. — Lá atrás há fogo. Tratlo fez como se não tivesse ouvido estas palavras de advertência. Se não conseguissem mudar os contatos do conjunto de emergência, não teriam por que preocupar-se com o futuro. A escotilha que dava para a sala de máquinas dos fundos estava fechada. Tratlo teve de fazer um grande esforço para abri-la. Ficara empenada por causa dos fortes abalos. Quando finalmente a escotilha se abriu, uma figura baixa enfiada num traje de combate apareceu perto de Tratlo. — Slate! — exclamou este. — Fique aqui para ajudar os outros. O rosto do sargento, que aparecia atrás do visor do capacete, desfigurou-se num sorriso obstinado. Apontou para as chamas que lavravam na sala. — Acho que ali minha presença será mais necessária, senhor. Tratlo deu de ombros e prosseguiu. Se não fossem os trajes de combate, provavelmente não teriam avançado nem dez metros. O chão estava coberto de peças de plástico fundidas. O revestimento das paredes fora enegrecido pela fumaça. Tratlo mal conseguiu orientar-se. Conforme esperara, os geradores de emergência também estavam em chamas. Mas era apenas o isolamento que começava a fundir-se. — E agora, senhor? — perguntou Slate. — Vamos mudar os contatos — respondeu Tratlo. O sargento devia pensar que ele estava louco, perdendo seu tempo em fazer uma coisa completamente inútil. Mas Slate ficou a seu lado, enquanto caminhavam entre os conjuntos geradores de emergência, dirigindo-se aos controles. O estado em que se encontravam as chaves fez com que Slate temesse o pior. Se não estivesse calçando luvas, não poderia segurar os comandos. Fechou os olhos por um instante, à espera da explosão que se seguiria. — Senhor! — disse Slate com a voz rouca. — Temos de sair daqui. Saíram correndo para a escotilha. Tratlo sabia que fizera tudo que estava ao seu alcance para salvar a nave e seus tripulantes. A única coisa de que precisavam era um pouco de sorte para resistir ao pouso de emergência. Os homens que trabalhavam na sala principal dos conversores cumprimentaram-no com gritos de triunfo. Tratlo compreendeu que os propulsores comuns acabavam de entrar em ação. Já tinham uma chance de pousar com certa segurança na superfície do mundo desértico, o que certamente não correspondia aos desejos dos seres que acabavam de derrotá-los. Tratlo fazia votos de que Baroon e Borkmann, que se encontravam na sala de comando, fizessem o que deviam, assumindo os comandos assim que a KI-33 se libertasse da ação do raio de tração. Os tripulantes da grande nave esférica pareciam não ter escrúpulos. O objetivo do ataque fora matar os ocupantes da corveta e apoderar-se do veículo espacial. Se a espaçonave esférica realmente era tripulada por tefrodenses, Tratlo já compreendia o receio do andarilho, que achava que não deveriam ter penetrado nesta área. O ataque à corveta fora executado com um terrível precisão. A tripulação tefrodense abrira fogo, sem saber quais eram as intenções dos intrusos.

Quando o comandante voltou à sala de comando, a KI-33 encontrava-se apenas a algumas centenas de metros da superfície do planeta desértico. As telas de imagem mostravam uma extensa cadeia de montanhas, junto a cujas encostas a corveta pousaria. O vôo não era tranqüilo, mas Borkmann fez um gesto tranqüilizador, para que Tratlo soubesse que tinham uma chance de pousar a nave gravemente avariada em segurança. — A espaçonave esférica voltou a retirar-se para trás do sol A — disse Baroon. — Parece que considera cumprida sua missão. — Hum! — fez Tratlo. — Pois eu esperava que nossos inimigos se dispusessem a pousar, para examinar a corveta. — Era o que eu receava, capitão — interveio Borkmann. — Mas os tefrodenses retiraram-se assim que nos soltaram do raio de tração. — Quer dizer que se trata mesmo de uma nave de vigilância, que fica na espreita atrás dos dois sóis, onde está protegida da ação dos rastreadores, até que se veja obrigada a entrar em ação — disse Tratlo. — Provavelmente a esta hora estarão avisando outras unidades, que se encarregarão de examinar nossa nave. — Era só o que faltava, senhor — disse Wilcock, o navegador. — Teremos de abandonar os destroços assim que tivermos pousado — disse o trimatador. — Perto das montanhas certamente encontraremos algumas cavernas nas quais possamos retirar-nos. Uma vez lá, ficaremos à espera da Crest. Um abalo tremendo sacudiu o veículo espacial de sessenta metros de diâmetro, quando Borkmann o fez entrar em contato com a superfície pedregosa. — Menos violento que isto não foi possível — lamentou-se o sargento. Quatro das colunas de sustentação não saíram mais. — Todo mundo para a eclusa! — ordenou Tratlo. Borkmann, que se encontrava no assento do piloto, apoiou as mãos nos quadris. — Só falta encontrar um nome para este planeta solitário — disse. — Quanto a isso não há problema — disse o Tenente Kaarn Baroon. — Chamaremos este mundo de Multimatador. Era a primeira vez que o Capitão Tratlo se lamentava de que era proibido atirar em qualquer pessoa que pertencesse à USO.

4 O sol A era um gigantesco disco chamejante, que ficava quase verticalmente em cima dos náufragos espaciais. A luminosidade do sol B ainda era suficiente para mergulhar as montanhas que se estendiam junto à linha do horizonte numa luz chamejante, destacando fortemente as silhuetas. O Capitão Arl Tratlo colocou os pés no chão ressequido pelo calor. As pedras quebravam embaixo de suas botas. Uma pessoa sem traje protetor não teria sobrevivido neste ambiente por mais de alguns segundos. Tratlo regulou o suprimento de oxigênio da pequena aparelhagem que trazia nas costas. Protegeu o visor do capacete com a mão e contemplou os arredores. O quadro com que se deparou não era de molde a deixá-lo mais otimista. Não havia o menor sinal da existência de uma base pertencente a algum povo estranho. Arl Tratlo afastou-se, para que os outros homens pudessem retirar da corveta o equipamento especial e a aparelhagem portátil. O sargento Borkmann colocou-se ao lado de Tratlo. — É um lugarzinho bem tranqüilo, capitão — disse, enlevado. — É o tipo de mundo em que gostaria de viver depois de aposentado. Tratlo apontou para as encostas das montanhas. — Vamos tratar de encontrar logo uma caverna — disse. — Os trajes de combate não resistirão ao calor por muito tempo. Borkmann girou lentamente em torno do próprio eixo. Apontou para o horizonte com o braço estendido. — Olhe o sol B! — disse. — Felizmente está tão baixo que as montanhas nos protegerão contra seus raios. — Parece que o planeta fica voltado sempre com a mesma face para o sol maior — disse Tratlo. — O sol B fica um pouco mais longe, e por isso parte da face noturna do planeta é iluminada por ele. — Está vendo sinais de uma civilização? — perguntou a voz do Tenente Baroon pelo rádio-capacete. Tratlo abafou a raiva que ameaçava tomar conta dele e respondeu que não. Não pudera impedir que o planeta conservasse o nome com que Baroon o batizara. A tripulação da KI-33 aceitara imediatamente a sugestão. Tratlo sentiu-se aliviado quando Batins apareceu a seu lado, enfiado num traje especial. — Que mundo desolado — disse o engenheiro cósmico. — Além dos tefrodenses, teremos de enfrentar os perigos representados pelo ambiente hostil. — Vamos retirar-nos para as montanhas — disse Tratlo. — Os rastreadores portáteis nos ajudarão a encontrar logo uma caverna na qual possamos esconder-nos. Batins apontou para a corveta, em cuja calota polar se via um enorme rombo. — O que será feito da nave? — perguntou. — Vamos deixar que caia nas mãos dos tefrodenses?

— Não — respondeu Tratlo em tom resoluto. — O comando de destruição já está funcionando. A KI-33 explodirá dentro de dez minutos. Os tefrodenses não encontrarão nada além de algumas chapas de metal amolecidas pelo calor. Os tripulantes estavam reunidos em torno de Tratlo. Todos os aparelhos portáteis já tinham sido retirados da nave. O capitão sentia-se satisfeito porque dispunham de um equipamento tão valioso, que lhes permitiria conquistar em pouco tempo um planeta habitado por seres primitivos. Mas o planeta Multimatador não possuía atmosfera, e nele não havia sinais de uma civilização. No momento o maior inimigo dos náufragos era o sol, que abrira rachaduras na superfície do planeta. Tratlo lançou um olhar para a corveta. Fechou os olhos ao ver uma figura flutuar em direção à eclusa. Segurou o braço de Borkmann, que se encontrava a seu lado. — Quem é este? — perguntou, aborrecido. — Sou eu, capitão, o Tenente Baroon — respondeu o reyanense. — Volte imediatamente! — gritou Tratlo, indignado. — A corveta explodirá dentro de alguns minutos. O que vai fazer dentro da nave? — Preciso salvar alguns pertences pessoais, capitão — informou Baroon, sem interromper seu vôo. Tratlo viu a figura desaparecer na eclusa aberta. — Volte imediatamente! Isto é uma ordem! A voz de Tratlo quase chegava a atropelar-se. — Sinto muito, capitão — respondeu o gênio de Reyan. — O senhor está se recusando a cumprir as ordens de um superior! — berrou Tratlo. — De forma alguma — objetou o tenente. — No caso de naufrágio, os dois oficiais mais graduados têm o direito de permanecer a bordo enquanto acharem necessário. — Até parece que o senhor decorou o regulamento — observou Tratlo, furioso. — Quando fui informado pelo Coronel Alurin de que iria servir como imediato a bordo de uma corveta comandada pelo senhor, julguei conveniente cuidar disso — explicou Baroon em tom amável. — Pois faça o que quiser — resmungou Tratlo. Voltou a dirigir-se aos tripulantes reunidos em torno dele. — Vamos embora! — decidiu. — Borkmann, o senhor irá na frente. Sempre que possível, siga em linha reta para as montanhas. Não podemos deixar para trás nenhum equipamento. O sargento Borkamnn ligou o equipamento de vôo e desprendeu-se da superfície. A gravitação do planeta Multimatador era muito inferior à reinante a bordo da corveta. Tratlo esperou que os tripulantes se afastassem. Olhou para o relógio. A corveta explodiria dentro de três minutos. Finalmente Kaarn Baroon apareceu na eclusa. Segurava uma coisa nas mãos. A distância a que se encontrava não permitia que Tratlo visse o que era. — Já estou de volta, capitão — disse a voz de Baroon. — Vamos embora. O tenente passou voando por cima de Tratlo e não demorou a juntar-se aos astronautas que iam à sua frente. Tratlo lançou mais um olhar para a corveta e também partiu. O maior dos sóis gêmeos parecia sugar todos os objetos. Tratlo sentiu calor, apesar do isolamento térmico do traje de combate.

Quando alcançou o tenente, Tratlo viu que este segurava uma pintura junto ao peito, para protegê-la contra os raios do sol. Ficou satisfeito ao notar que em toda parte se formavam bolhas, e as tintas se desmanchavam. — Estou preocupado com sua obra de arte, tenente — disse Tratlo em tom amável. — A parte principal dela está pingando no chão. Baroon virou apressadamente a pintura e contemplou-a, sem reduzir a velocidade. — É a Dança do Sacrifício da Fada do Espaço — disse, deprimido. — Nunca gastei tanto tempo numa pintura. Deixou cair o quadro. Dali a instantes foi parar entre as rochas, onde se desmanchou no calor. — Até mesmo um planeta inóspito sempre tem suas vantagens — observou Tratlo e passou à frente de Baroon, que lançava um olhar triste para baixo. — Suas concepções filosóficas me impressionam bastante — disse Baroon. — Fico muito feliz em ouvi-lo falar assim. O Capitão Tratlo sabia que todos os tripulantes da KI-33 podiam ouvir a conversa. Por isso achou preferível não responder às palavras do reyanense. Nem mesmo o ataque repentino e a perda da nave puderam melhorar o relacionamento de Tratlo e Baroon. Tratlo não tinha a menor dúvida de que, se houvesse um perigo grave, seriam forçados a cooperar. Mas era só. Já estavam sobrevoando os contrafortes das montanhas, quando a corveta explodiu. Nenhum dos tripulantes da KI-33 poderia culpá-lo por isso, mas Tratlo viu na perda da nave um infortúnio pessoal. Vivia pensando para descobrir se não teria havido um meio de defender-se do ataque da nave tefrodense antes que fosse tarde. Agora, que a corveta deixara de existir, as esperanças do merediense concentravamse na Crest III. O grupo de Tratlo dispunha de três aparelhos de hiper-rádio portáteis. Dessa forma teriam a possibilidade de prevenir a tripulação da ultranave, antes que esta caísse na mesma armadilha que se revelara fatal para a KI-33. Arl Tratlo parou à frente dos outros astronautas. Os equipamentos de vôo acoplados aos trajes de combate consistiam em projetores antigravitacionais conjugados com micropropulsores. Desta forma a pessoa tinha a possibilidade de escolher um dos dois meios de locomoção. Os trajes especiais tinham sofrido aperfeiçoamentos constantes no curso dos anos, fazendo com que reunissem vantagens que antigamente não eram encontradas num único modelo. Quem usasse um traje de combate deste tipo teria uma chance de sobrevivência até mesmo no espaço cósmico, desde que o auxílio não demorasse demais. — Parece haver grandes espaços ocos lá embaixo — informou Ellis Weingarth, que carregava um rastreador portátil. — Acho que ali poderemos encontrar um labirinto de cavernas. — Ótimo — respondeu Tratlo, satisfeito. — Haveremos de encontrar um lugar em que possamos entrar voando. Uma vez lá dentro, não correremos perigo, ao menos por algum tempo. — Os rastreadores de matéria também estão reagindo — exclamou o cabo Weingarth, exaltado. — E é uma reação muito intensa. Até se poderia ser levado a acreditar que por lá existem depósitos de minerais de grande teor de pureza. — Não é possível! — objetou Tratlo. — Isso não combinaria com a estrutura do planeta. Não se vê nenhum filete de minério na superfície.

O trimatador apressou-se em chegar perto de Weingarth. Leu as indicações projetadas no mostrador do rastreador. Weingarth tinha razão. — Tem alguma explicação, Batins? — perguntou Tratlo, dirigindo-se ao andarilho. — Espaços ocos e depósitos de minerais são duas coisas que não combinam — disse Batins, pensativo. — Mas é possível que nestas cavernas exista outra coisa que tenha provocado a reação dos rastreadores. — Senhor! — exclamou Jens Borkmann. — Não se esqueça da Lua. O satélite do planeta Tena também foi completamente escavado e está recheado de máquinas. — Não vamos tirar conclusões apressadas — advertiu Tratlo. — Se houvesse instalações dos tefrodenses lá embaixo, deveria haver algum sinal na superfície. Ao menos depois da explosão da corveta alguém se teria interessado por nós. — A idéia de Borkmann não é tão absurda como poderia parecer, senhor — disse o Tenente Baroon. — Não se esqueça da nave de vigilância. Caso existam instalações subterrâneas aqui, já sabemos o que a nave está vigiando. — É apenas uma teoria — resmungou Tratlo. Não podia deixar de reconhecer que Borkmann talvez tivesse razão, mas não gostou que Baroon tivesse apoiado e desenvolvido a idéia do sargento. Caso no interior do planeta realmente houvesse instalações dos tefrodenses, a fuga para dentro das cavernas Poderia ser o fim do pequeno grupo. Tratlo sabia que não lhe restava nenhuma alternativa senão investigar o assunto. Se permanecessem na superfície aquecida do planeta, morreriam com certeza. — Espalhem-se! — ordenou Tratlo. — Precisamos dividir-nos para descobrir a entrada das cavernas. Passou a voar apenas alguns metros acima da superfície rochosa. Havia inúmeras fendas capazes de abrigar um homem, mas geralmente não tinham mais de dois ou três metros de profundidade. Poucas vezes Tratlo vira um mundo mais desolado que este. — Acho que encontrei uma coisa, capitão! — disse uma voz saída do rádiocapacete de Tratlo. — Larcoon, o rádio-operador, falando. Encontro-me junto ao pico escarpado, junto à extensa planície rochosa. Tratlo procurou orientar-se e finalmente viu Larcoon imobilizado sobre o lugar indicado. Alguns dos homens já voavam em sua direção. — O que foi que o senhor descobriu? — gritou Tratlo. — Embaixo deste pico parece haver a entrada de uma caverna — respondeu o homem natural do setor de Vega. Os tripulantes da nave destruída aproximavam-se do pico, vindos de todos os lados. Tratlo foi um dos primeiros a chegar. Larcoon desceu mais um pouco e apontou para uma reentrância em forma de rim, aberta na rocha. — É uma entrada bem grande. Parece que não está sendo vigiada, capitão — disse Borkmann. — Sargento Slate, desça e examine o lugar. Ficaremos aqui em cima para dar-lhe cobertura. Mesmo enfiado no traje de combate, o homem baixo nascido em Purthag destacavase entre os demais. Os homens permaneceram em silêncio, vendo Kalim Slate descer e pousar são e salvo junto à entrada da caverna. Só então Tratlo viu que a entrada na rocha tinha vários metros de diâmetro. Slate contornou a entrada. — Desce obliquamente, senhor — informou. — Não vejo nada que indique a existência de instalações subterrâneas.

— Está bem — disse Tratlo, calmo. — Entre voando na caverna e verifique como estão as coisas lá dentro. Não quero que se arrisque. Assim que surja algum perigo, volte. Quem se encontrava mais em cima, poderia ter a impressão de que Slate hesitava em cumprir a ordem. Mas isto acontecia somente porque o sargento tinha que subir na superfície, para entrar voando na abertura. Tratlo viu por um instante a luz do farol de Slate na sombra do penhasco. Finalmente o sargento desapareceu no interior da abertura existente na superfície do planeta superaquecido. — Tudo em ordem, sargento? — gritou Tratlo. — Pode vir, senhor — respondeu Slate. — Mais para baixo a caverna fica mais larga, mas está completamente abandonada. O Capitão Arl Tratlo fez um sinal para os companheiros. Foram descendo um após o outro e entrando na caverna. Até se poderia ter a impressão de que eram tragados pela boca de um monstro.

5 Os faróis dos homens da USO iluminavam as paredes ásperas da caverna. O aspecto interno do Multimatador não era muito diferente do externo. Os homens voavam em fila indiana, com o sargento Slate e Arl Tratlo na frente. Pelos cálculos do capitão, já tinham deslocado uns cem metros, mas ainda não se encontravam mais de vinte metros abaixo da superfície. Logo depois da entrada a caverna descia fortemente, mas depois de alguns metros corria quase paralelamente à superfície. Os rastreadores mostravam perfeitamente que a tripulação da corveta penetrara num verdadeiro labirinto de cavernas. Acabariam dando com galerias laterais ou poços que descessem para as profundezas. Os rastreadores de matéria indicavam os valores máximos. Tratlo fez girar o farol e iluminou as paredes. Poderia dar ordem de parar, pois no lugar em que se encontravam estariam razoavelmente seguros. Mas queria descobrir o que provocava a reação nos aparelhos altamente sensíveis. Será que o planeta em que se encontravam possuía um núcleo magnético? Ou será que havia instalações gigantescas dos tefrodenses na face noturna do planeta? — Senhor! — gritou a voz estridente de Slate. Tratlo fez girar abruptamente a luz do farol, dirigindo-a para o lugar iluminado pelo sargento. A caverna terminava ali. Mas a luz dos faróis não batia nas paredes ásperas da caverna. Ia quebrar-se em peças de metal polido. — Parem! — ordenou Tratlo, baixando instintivamente a voz. Foram parar lado a lado no chão acidentado da caverna. Todos dirigiam seus faróis para o obstáculo que os impedia de prosseguir. — Então é isso! — exclamou o Tenente Baroon, nervoso. Tratlo e Batins foram para junto da parede metálica. — Não acredito que seja uma simples barreira — disse o andarilho. — Ao que tudo indica, é o começo de um grande estabelecimento subterrâneo. Esta parede forma seu limite. Provavelmente só foi engastada na rocha para evitar que o oxigênio escape das salas que ficam lá atrás. — Até parece que o senhor espera encontrar uma supercidade — disse o sargento Borkmann. — Pelo que se sabe, os tefrodenses costumam fazer muito bem feito tudo em que põem as mãos — respondeu Batins. — A ausência de guardas parece depor contra o fato de eles fazerem as coisas bem feitas — observou o sargento Horun. — Os tefrodenses sabem perfeitamente que é impossível um grupo maior de naves chegar até aqui — respondeu Batins. — E o que acontece com uma nave isolada que se aproxime nós acabamos de ver. Por que haveriam de colocar guardas? — Será que as pessoas que se encontram lá dentro já estão informadas sobre nossa chegada? — perguntou Baroon. — Tenho minhas dúvidas — respondeu Batins. — O comandante da nave de vigilância certamente deve ter comunicado aos tefrodenses que se encontram lá dentro que a tripulação da nave derrubada pereceu na queda.

Tratlo deu uma risada zangada. — Vamos dar uma olhada por aqui — disse. Ele e Batins puseram-se a examinar a parede metálica, que não apresentava a menor fresta e parecia soldada à rocha. Parecia não haver nenhuma passagem. — Ficamos retidos — confessou Tratlo. — Aqui não conseguiremos passar. Mas os tefrodenses devem ter um meio de chegar ao seu reino subterrâneo. Tratlo mandou que os homens se espalhassem e saíssem à procura de galerias laterais. Ele e Batins permaneceram junto à parede metálica. — Alguma coisa é fabricada aqui — conjeturou Batins. — Não devem ser espaçonaves — disse Tratlo. — Para isso as instalações são muito pequenas. — Não são tão grandes assim, mas devem ser muito importantes — respondeu Batins. — Mais um motivo para verificarmos de que se trata — disse Tratlo em tom arrojado. — Tenha cuidado — disse Batins em tom sério. — Os tefrodenses costumam não fazer muitas cerimônias com os visitantes inoportunos. — Vamos com calma — disse Tratlo com um sorriso. — Estamos tão bem equipados que podemos resistir por algum tempo a um pequeno exército. Parece que os tefrodenses só têm a vantagem do número. Batins ficou calado. Devia estar cansado de chamar a atenção do capitão para o perigo que representavam os tefrodenses. Mas por mais que o andarilho o advertisse, Tratlo não se deixaria demover da resolução tomada. Em sua opinião, o Multimatador devia esconder um segredo cuja descoberta os aproximaria bastante do mistério dos senhores da galáxia. Tratlo queria descobrir tudo que fosse possível sobre as instalações dos tefrodenses, antes que a Crest III chegasse. E era o que pensavam todos os companheiros. Quanto a isso não tinha nenhuma dúvida. Depois de algum tempo o cabo Ellis Weingarth descobriu uma fenda lateral junto à parede metálica. Chamou o Capitão Tratlo. O trimatador passou a luz do farol pela abertura. — É muito estreito para dar passagem a um homem — concluiu. — Teremos de ampliar isto à força. — Para isso teríamos de usar as armas — objetou o Tenente Kaarn Baroon. — Os tefrodenses certamente detectariam a descarga energética. — É um risco que vamos assumir — disse Tratlo. Pegou a arma energética pesada que trazia presa ao cinto e apontou-a para a fenda. — Para trás! — disse, dirigindo-se a Weingarth. — Capitão! — exclamou Batins. — Não se esqueça de que usando a arma o senhor chamará a atenção do inimigo para nossa presença. Por que não voltamos e procuramos outro lugar por onde possamos entrar? — Dispenso suas lições! — gritou Tratlo, zangado, e puxou o gatilho. A rocha desmanchou-se. Numa questão de segundos a fenda abriu-se bastante para que os homens pudessem espremer-se por ela. Tratlo foi na frente. Viu-se numa caverna maior, cujo chão fora alisado. Em toda parte viam-se recipientes em forma de barril. Tratlo esperou que Borkmann atravessasse a abertura. Iluminou os barris. — É um depósito, senhor — disse Borkmann. — Deve haver uma eclusa que leve ao interior das instalações.

— Talvez este lugar tenha sido abandonado há tempo pelos tefrodenses — disse Arl Tratlo. — Parece tudo tão abandonado. Enquanto os tripulantes da corveta se reuniam no depósito, Tratlo revistou a parede. Acabou descobrindo uma eclusa de três metros de altura. Batins e Veroni tinham aberto um dos barris, que continha um pó grosso e cinzento. Tratlo ficou parado à frente da eclusa, com os lábios cerrados. Viam-se perfeitamente as alavancas que serviam para acionar o mecanismo, mas o merediense ainda hesitava. Até então tinham tido muita sorte. Os tefrodenses não os haviam descoberto. Mas era bem possível que isso acontecesse assim que abrissem a eclusa. Tratlo sabia perfeitamente que, se não penetrassem nas instalações subterrâneas, não descobririam nada. Alguns barris cheios de pó não permitiam nenhuma conclusão. De repente Tratlo viu-se interrompido em suas reflexões, pois a parede da eclusa deslizou para o lado. O merediense levantou o desintegrador, preparado para rechaçar qualquer atacante. Uma luz filtrou de dentro da câmara da eclusa. Tratlo viu um carro robotizado com barris sobre a plataforma de carga aproximar-se. Baixou a arma. Um acaso acabara de dar-lhes a oportunidade de entrarem na câmara da eclusa sem serem percebidos. Seria mesmo um acaso? Tratlo acompanhou o carro robotizado, que parou à frente de uma pilha de barris. Duas garras metálicas seguraram os recipientes e colocaram-nos cuidadosamente no chão. — E agora? — cochichou o sargento Borkmann. Tratlo viu os últimos barris serem tirados da plataforma de carga do veículo. Teria de decidir logo, pois o veículo voltaria a qualquer momento e a eclusa se fecharia atrás dele. Era possível que aquilo fosse uma armadilha dos tefrodenses, mas se era assim também poderiam ser atacados no lugar em que se encontravam. O inimigo não haveria de permitir que voltassem à superfície. O capitão empertigou-se e entrou na câmara da eclusa, seguido pelos tripulantes da corveta. Desligaram os faróis. Tiveram de ficar bem encostados às paredes, para dar Passagem ao veículo. Numa súbita resolução, Tratlo saltou para cima da plataforma de carga. — Vamos, tenente! — disse a Baroon. — Suba! Baroon obedeceu, evidentemente contrariado. — Assim que a parede da eclusa se abrir, os outros ficarão perto do carro, até que saltemos — decidiu Tratlo. A eclusa fechou-se. Os homens já não podiam ver mais o depósito. Tratlo sabia que não teriam mais como voltar. Estava agachado na plataforma de carga do veículo, ao lado de Baroon, esperando que a parede interna da eclusa se abrisse. Os tripulantes da KI-33 comprimiam-se em torno do veículo. Batins estava de pé, na ponta do carro, com a cabeça abaixada. Tratlo não acreditava que o andarilho fosse um homem temeroso, mas ele deixava ver claramente que não concordava com os planos do capitão. A luz apagou-se, e a parede interna da eclusa abriu-se. Logo voltou a ficar claro. Tratlo agarrou firmemente o desintegrador e ficou bem encostado à plataforma de carga do veículo, que saiu com um solavanco. Tratlo pôs a cabeça para o lado a fim de enxergar para além do revestimento do motor, e viu um pavilhão gigantesco, fortemente iluminado. Respirou aliviado, porque não via nenhum ser vivo. A maior parte do espaço era ocupada por máquinas de aspecto estranho. Havia faixas de transporte relativamente estreitas entre elas. As esteiras automáticas estavam em movimento, mas os objetos

transportados por elas eram tão pequenos que na distância em que se encontrava Tratlo não pôde identificá-los. O carro passou entre duas máquinas grandes. Tratlo fez um sinal para o tenente, e os dois saltaram. O veículo robotizado prosseguiu e dali a pouco não foi visto mais pelos homens. Tratlo esperou que toda a tripulação da KI-33 se reunisse num lugar em que estivesse protegida pelas máquinas e dirigiu-se a Batins. — Se há tefrodenses por aqui, eles certamente já estão informados sobre nossa presença — disse. — Por que não demonstram nenhum interesse por nós? — O motivo é bem simples — respondeu o andarilho. — Certamente só há alguns técnicos e cientistas por aqui. Seu número é tão reduzido que não podem tornar-se perigosos para nós. Mas isto não importa, pois os tefrodenses nunca se esquecem de nenhum detalhe. Sem dúvida têm algum meio de trazer reforços. Tratlo confirmou com um gesto. Talvez o tempo de que dispunham para examinar as instalações fosse bastante reduzido. Batins apontou para as máquinas. — Já não tenho a menor dúvida de que conseguimos entrar num conjunto de instalações tefrodenses — disse. — A forma das máquinas é típica deles. “E têm uma semelhança espantosa com as máquinas terranas”, acrescentou Tratlo em pensamento. Não adiantava querer negar este fato. As idéias mais absurdas passaram pela cabeça do trimatador. Será que as duas galáxias tinham algo em comum? Teria havido uma repetição na seqüência dos acontecimentos cósmicos? Tratlo lembrou-se de várias teorias e de algumas explicações fantásticas encontradas em certos mitos antigos. Mas a lógica lhe dizia que isto só podia ser obra do acaso. Haveria algum motivo que impedisse que em duas galáxias diferentes surgissem povos muito parecidos? Talvez as condições em que os tefrodenses tinham construído sua civilização fossem as mesmas que se tinham verificado nos primórdios da história da Humanidade. Tratlo percebeu que estas reflexões não levariam a nada. A solução do enigma teria de ficar por conta de outras pessoas. A única coisa que podia fazer era prestar sua contribuição para que a solução fosse mais rápida. — Baroon e eu examinaremos as vias robotizadas — disse. — Os outros não sairão daqui. Tomem cuidado para que não sejamos atacados. Não atirem enquanto o inimigo não abrir fogo — fez um sinal para o tenente. — Venha comigo, Baroon. Tratlo e o reyanense saíram de trás das máquinas, onde estavam relativamente protegidos, e dirigiram-se às esteiras transportadoras. Era como Tratlo supusera: as esteiras só transportavam objetos pequenos. Ao que parecia, tratava-se de microaparelhos. Tratava-se de placas metálicas circulares, de um centímetro de diâmetro por três milímetros de espessura. — Até parecem moedas — disse Baroon. — Será que acabamos de descobrir a indústria de cunhagem de moedas do banco tefrodense? — Até que seria uma boa idéia — disse Tratlo, dando uma risada. — Naturalmente não é nada disso — disse Baroon. — As moedas teriam de apresentar gravuras. Tratlo pegou algumas placas metálicas que estavam sendo transportadas na esteira e enfiou-as no bolso de seu traje de combate. Baroon abanou a cabeça. — Tomara que este furto não cause confusão no fluxo de produção — disse. Tratlo deu de ombros.

— Isso não modificaria nada. De qualquer maneira, já devemos estar sendo observados de algum lugar. Parecia que a única coisa que se fabricava nas instalações subterrâneas eram as placas de metal. Se os tefrodenses escolhiam um mundo afastado para sua produção, montavam as instalações embaixo da superfície e colocavam uma nave no respectivo sistema solar para vigiar o local, estes objetos deviam ser muito importantes. Tratlo pesou uma das plaquinhas na mão. Parecia pensativo. Teve a impressão de que se deparara com um dos maiores segredos dos poderosos tefrodenses. Mas que importância poderiam ter estes microaparelhos para os tefrodenses? — O senhor tem alguma idéia do que poderia ser, tenente? — perguntou, dirigindose a Baroon. O reyanense abanou a cabeça. — Talvez estejamos superestimando a importância da descoberta que acabamos de fazer, capitão. — É claro que não podemos excluir esta possibilidade — reconheceu Tratlo. — Batins! Faça o favor de vir para cá. Viram o andarilho sair de trás de algumas máquinas. Quando chegou mais perto, Tratlo entregou-lhe uma das plaquinhas. — Já viu uma coisa parecida? — perguntou Tratlo. — Já — respondeu Batins, surpreendendo o capitão. — Sabe o que é? Tratlo nem se esforçou para disfarçar a desconfiança. — Não é que eu saiba — respondeu Batins. — Mas parece que os tefrodenses atribuem a estes objetos um sentido quase sobrenatural. — Sobrenatural? Está brincando! Um povo tão desenvolvido já deve ter reconhecido que aquilo que se costuma chamar de sobrenatural sempre tem uma explicação científica. — É verdade — disse Batins. — Acontece que certo mercador que levava consigo uma plaquinha destas e a mostrava a todo mundo contou que os tefrodenses usam estes aparelhos como talismã. — Um talismã! — gemeu Tratlo. — O senhor ouviu, tenente? O segredo dos tefrodenses é uma simples peça metálica, um talismã, do qual parecem esperar certos milagres. — O senhor está sendo injusto com sua ironia — resmungou Batins, contrariado. — O senhor pediu que dissesse o que sei a respeito. E eu disse. Naturalmente tenho certeza tal qual o senhor que estas peças metálicas não são simples talismãs. No momento em que Arl Tratlo enfiava no bolso o objeto misterioso, três tefrodenses armados apareceram na outra extremidade do pavilhão.

6 A United Stars Organization era dirigida pelo Lorde-Almirante Atlan, que era arcônida e como tal tinha certas concepções morais que muitas vezes diferiam bastante daquelas de Perry Rhodan e de outros terranos. Perry Rhodan sempre se esforçava para resolver os conflitos com outros povos por meio de acordos, enquanto o arcônida geralmente preconizava uma luta implacável. Muitas vezes havia discussões violentas entre os dois homens, que eram amigos, mas preconizavam métodos bem diferentes para promover a expansão do Império Solar. Com o tempo Atlan conseguira fazer incluir algumas de suas concepções nos currículos das escolas da USO. Foi Por isso que muitos especialistas da USO defendiam opiniões que correspondiam antes às de Atlan que às de Rhodan. Era o que acontecia com Arl Tratlo, o trimatador do planeta Meredi IV, pertencente à constelação de Plêiades. Mas não fora somente a instrução recebida numa escola da USO que fizera de Tratlo um combatente anojado. Também fora por causa das condições reinantes no mundo em que nascera. Qualquer terrano que se deparasse com os três tefrodenses tentaria iniciar negociações para celebrar um armistício. Naturalmente o Capitão Tratlo não era nenhum militarista obtuso. Mas sentiu-se muito mais desconfiado diante dos desconhecidos do que teria acontecido com um terrano. Segurou sua arma, com o dedo no gatilho. Quem visse os três desconhecidos, poderia perfeitamente pensar que se tratava de terranos. Seus rostos possuíam traços marcantes e a pele era morena aveludada. Os cabelos eram quase completamente negros. Fitaram os intrusos com uma expressão destemida, revelando o interesse reduzido que costumamos sentir diante de uma perturbação que já sabemos que será passageira. Esta atitude deixou Tratlo mais irritado. Percebeu que os tefrodenses se sentiam infinitamente superiores. Ao contrário de Tratlo e Baroon, nem tiraram as armas que traziam presas aos cintos. — Acho que deveríamos recuar lentamente para junto dos homens que estão à nossa espera lá atrás, Tratlo — sugeriu Batins em voz baixa. Tratlo sentiu o sangue subir-lhe à cabeça. — Não — disse em tom áspero. — Não recuarei um metro que seja. Baroon ficou na expectativa. — O senhor sabe conversar com eles, não sabe? — perguntou Tratlo ao andarilho. Batins tossiu. — Domino o idioma tefrodense — confessou. — Mas acho preferível esperarmos que os tefrodenses falem primeiro. — Precisa de ajuda, senhor? — perguntou Borkmann em voz alta. — Fique onde está! — ordenou Tratlo. — Basta que o senhor ou um dos outros ponha a cabeça para fora, e logo teremos um grande fogo de artifício. — Mas precisamos fazer alguma coisa, capitão — disse Borkmann. Neste instante os três tefrodenses retiraram-se. — Só vieram dar uma olhada — disse Tratlo. — Mas voltarão assim que tiverem chegado os reforços.

Lançou um olhar para a esteira transportadora. — Vamos! — decidiu. — Atrás deles. Batins gemeu baixinho. Dava a impressão de que não concordava com a ordem que Tratlo acabara de dar, mas sabia que seria inútil protestar contra ela. Não se sabia por que, mas o andarilho perdia a coragem quando se deparava com os tefrodenses. “É uma espécie de paralisia”. pensou Tratlo. “Até parece que a simples presença de um tefrodense basta para pôr um andarilho fora de ação.” Tratlo, Baroon e Batins esperaram que o sargento Borkmann se aproximasse com os outros homens. — Vamos caminhar junto à esteira — disse Tratlo. — Se formos atacados, nos abrigaremos atrás das máquinas. Assim evitaremos que os inimigos atirem a esmo contra nós. Tratlo lembrou-se do dia em que lutara com os monstros de Meredi IV. Isso parecia ter acontecido num passado remoto, mas Tratlo lembrava-se perfeitamente do hálito malcheiroso do réptil de Tarak, das pisadas de suas pernas de tonel e do cheiro da terra revolvida. Trazia na memória uma visão quase fotográfica do momento em que enfiara a lança nas partes moles do corpo do animal. Em cima dele contorcia-se o corpo, no qual o lugar vulnerável balançava que nem uma bandeira de sinalização. A fera tombara sobre ele numa questão de segundos, e Tratlo tivera de sair rastejando, sujo de sangue e soltando gritos de triunfo. Tratlo tinha certeza de que mais tarde teria uma lembrança tão viva como naquele momento — se é que ainda haveria um mais tarde para ele. “É estranho”, pensou, “mas a gente fica se lembrando perfeitamente das coisas desagradáveis, enquanto os acontecimentos que no momento parecem gravar-se para sempre na memória acabam se transformando em lembranças fragmentárias.” Qual era o critério usado por seu cérebro para classificar as recordações segundo a importância de cada uma? Seria segundo um critério de valorização arbitrário, fornecido pelo subconsciente? Tratlo contemplou a esteira transportadora com as placas metálicas reluzentes, pois queria afastar as lembranças que atravessavam sua cabeça. A situação em que se encontravam exigia um máximo de concentração. — Ali há uma passagem, capitão — gritou Baroon, que caminhava na frente. A esteira transportadora fez uma curva ligeira e desapareceu numa abertura na parede, bem em frente dos homens. As peças metálicas eram transportadas à sala contígua, onde eram processadas por máquinas automáticas. O método de produção era inteiramente automatizado. Os raros tefrodenses que havia por ali só exerciam funções de controle. Kaarn Baroon foi o primeiro a atingir a passagem que levava à sala contígua. Tratlo viu o tenente parar de repente. — Capitão! — exclamou. Tratlo apressou o passo e dentro de instantes encontrava-se ao lado de Baroon. O pavilhão que viram à sua frente também estava repleto de máquinas. A esteira transportadora descrevia curvas entre os diversos pontos de fabricação. Do lado oposto do extenso pavilhão havia uma coisa cujo aspecto e formato pareciam familiares a Tratlo. Colocou a mão sobre o ombro de Baroon. — Acho que estou vendo fantasmas — disse. — É um transmissor de matéria aconense.

Como se fosse para confirmar suas palavras, neste momento grupos de tefrodenses armados saíram do arco do transmissor, que abria passagem para o nada da quinta dimensão. *** — Para trás! — gritou o Capitão Tratlo, que reconheceu o perigo com que se defrontavam. Os tefrodenses tinham instalado um transmissor nas instalações subterrâneas, e este lhes permitia retirar-se a qualquer momento ou trazer reforços. Os tripulantes da corveta recuaram para a sala da qual tinham vindo. — Como se explica que por aqui haja um transmissor aconense, Batins? — perguntou Tratlo, enquanto se abrigavam atrás das máquinas maiores. — É um transmissor tefrodense, capitão — respondeu o engenheiro cósmico. — Não sei o que significa a palavra aconense. Tratlo já não compreendia mais nada. Como se explicava que um grupo de inteligências estranhas da nebulosa de Andrômeda, que se pareciam com os terranos e viajavam em espaçonaves exatamente iguais às da frota terrana, usassem um transmissor de matéria igual ao construído pelos aconenses? Teria sido uma evolução paralela que se verificara por acaso em duas galáxias diferentes? Ou havia um motivo sobrenatural atrás disso? Tratlo agachou-se atrás do revestimento de uma das máquinas e olhava atentamente para a passagem que dava para o outro pavilhão. Não demorariam a chegar aqueles homens de estatura alta. Tratlo girou o corpo, deitando de lado, para que pudesse ver Batins, que estava deitado atrás dele. — Acha que ainda não está na hora de falar com eles, Batins? — perguntou. — Temos de esperar que eles falem primeiro — respondeu o engenheiro cósmico. — Seria bom que o senhor tentasse compreender isso quanto antes, capitão. Tratlo ouviu alguém rastejar para perto dele. Era o sargento Kalim Slate. O homem natural de Purthag tirara o capacete. Tratlo contemplou-o com uma expressão de indiferença. — Coloque o capacete — ordenou. — Por quê? — perguntou Slate, espantado. Havia alguma coisa no olhar de Tratlo que parecia uma advertência. Slate voltou a colocar o capacete. — Liguem seus campos defensivos individuais! — ordenou Tratlo. — Lá vêm eles — disse Baroon. Tratlo viu dez tefrodenses na passagem que dava para a sala ao lado. — Não atirem! — gritou. Queria esperar para ver quais eram as intenções do inimigo. — Moseley e Larcon! Passem a enviar um pedido de socorro constante à Crest, para que Rhodan esteja informado imediatamente, quando o ultracouraçado chegar — disse Tratlo. Os tefrodenses ficaram parados na passagem. Na opinião de Tratlo também deviam usar trajes protetores, senão não se colocariam à frente das armas dos intrusos. De repente colunas de fumaça branca foram subindo em todos os cantos. — Gás! — exclamou Baroon, alarmado. Tratlo acenou com a cabeça e sorriu para Slate, que estava deitado a seu lado. O capitão sabia que os tefrodenses esperariam para ver o que conseguiriam com o gás.

— Têm medo de danificar suas máquinas — disse o sargento Horun. — Com isso ganharemos um tempo precioso. As colunas de fumaça se espalharam mais ou menos a meio caminho do teto e subiram preguiçosamente. Os tefrodenses conversavam animadamente. Provavelmente já tinham percebido que o ataque com gás não produzira o resultado desejado. Tentariam de outra forma. Tratlo mandou que a tripulação da corveta se espalhasse atrás de várias máquinas. Os tefrodenses talvez teriam sacrificado uma de suas máquinas, mas o capitão tinha suas dúvidas de que estariam dispostos a atirar em algumas delas para dominar os intrusos. Tratlo sabia que tinham de retardar a luta o mais que Podiam, para sobreviver a ela. A cada minuto aumentava sua chance de serem salvos pela Crest III. Tratlo olhou para o relógio que trazia no pulso esquerdo. Fazia somente duas horas que se encontravam nas instalações subterrâneas. Tratlo teria sido capaz de jurar que eram pelo menos quatro. Já havia cinqüenta tefrodenses que se atropelavam na Passagem. — Entrarão a qualquer momento — disse o Tenente Baroon. — Batins — disse Tratlo em tom insistente. — Quanto tempo ainda vai esperar para falar com eles? — São tefrodenses — respondeu o andarilho, como se isso explicasse tudo. Arl Tratlo levantou, apoiando-se no revestimento da máquina. — O que está fazendo, senhor? — perguntou Slate. — Falarei com eles — respondeu Tratlo em tom resoluto. — O senhor não entende uma única palavra da língua dos tefrodenses — disse Baroon. — Hei de encontrar um jeito de comunicar-me com eles — disse Tratlo em tom convicto. — Não faça isso, capitão — advertiu Batins. — O senhor está usando capacete — lembrou o sargento Borkmann. — Para falar com eles, terá de tirá-lo. Acontece que a sala está cheia de gás venenoso. — O gás já deve ter-se espalhado — disse Tratlo, abrindo o capacete. O ar era tépido e tinha cheiro de mofo. Tratlo segurava o capacete com uma das mãos, para poder colocá-lo assim que experimentasse um mal-estar. Enfiou o desintegrador no cinto e saiu de trás da máquina. Os tefrodenses viram-no imediatamente e interromperam a discussão que estavam travando. Tratlo teve a impressão de que o fitavam com uma expressão de incredulidade. Levantou o braço e saiu caminhando em sua direção. Uma voz rouca saiu do altofalante do rádio-capacete, mas Tratlo segurava o capacete numa posição em que não podia ouvi-la. Devia ser Batins tentando convencê-lo a fazer meia-volta. Tratlo parou ao lado da esteira transportadora. Não tinha qualquer plano definido. Só queria evitar a luta e ganhar tempo. Neste instante atiraram nele. Tratlo cambaleou e colocou o capacete. Deixou-se cair e rolou para trás da máquina mais próxima. Prendeu apressadamente o capacete. — Parece que o senhor tem razão, Batins — disse fora de si. Batins ficou calado. Tratlo não pôde deixar de sorrir. Batins ainda era jovem, mas Tratlo tinha certa dificuldade em imaginar um engenheiro cósmico que não fosse idoso. Todos os indivíduos desta raça de cruzadores de estruturas pareciam ter nascido com a

sabedoria de um velho. “É exatamente o contrário do que acontece comigo”, pensou Tratlo, zangado. “Acabo de receber mais uma lição.” Recuou, rastejando entre as máquinas, até chegar perto de Slate e Baroon. Quase não se via o rosto de Baroon atrás do visor do capacete, mas tinha-se a impressão de que estava sorrindo. “Talvez”, pensou Tratlo, “seja um sorriso de decepção.” — O senhor ficou exposto à frente dos tefrodenses disse — Slate. — Podiam atirar sem correr o perigo de danificar suas máquinas. Certamente só esperavam por isso. Atiraram num homem que queria negociar. Slate ainda teria praguejado muito, se Tratlo não tivesse feito um sinal para que ficasse em silêncio. — Moseley e Larcon transmitem ininterruptamente o pedido de socorro — disse Baroon. — Por enquanto não tivemos resposta da Crest. Tratlo olhou para a passagem. — Os tefrodenses já começam a ficar impacientes — constatou. — Abriram as hostilidades ao atirar no senhor, capitão — disse Baroon. — Por que não respondemos ao fogo? Tratlo contemplou o cano obtuso de sua arma como quem a visse pela primeira vez. Baroon também estava armado. Um homem que era considerado um artista privilegiado carregava um instrumento que só servia à destruição. Tratlo abanou a cabeça. O que teria levado Baroon a ingressar na USO? — Os tefrodenses reunidos na outra sala são cada vez mais numerosos — exclamou o sargento Borkmann. — Vêm pelo transmissor — disse Tratlo. — Dentro de pouco tempo reunirão um exército. — Deveríamos fazer alguma coisa para impedir o funcionamento do transmissor — opinou Baroon. Tratlo deu uma risada áspera. — Antes disso teríamos de passar por cem tefrodenses. — Não se esqueça da esteira transportadora — disse Baroon. — Um homem poderia viajar nela. Com um pouco de sorte, conseguirá chegar à outra sala sem ser notado. O trimatador pôs-se a refletir por um instante. Teve de reconhecer que a idéia do tenente não era nada má. Não havia mesmo outro meio de chegar à sala do transmissor sem ser notado. — Fui eu que tive a idéia, capitão — lembrou Baroon. — Portanto, quem irá serei eu. Tratlo fitou-o com uma expressão de desconfiança. — Existe algum dispositivo no regulamento que lhe dê esse direito? — perguntou, irônico. Baroon deu uma risada. — Não senhor. Desta vez dependo de sua boa vontade. Mas não se esqueça de que sou muito menor que o senhor, e por isso não me descobrirão tão facilmente. — Está bem — disse Tratlo. — Iremos juntos. *** Arl Tratlo estava deitado embaixo da esteira transportadora, e a viu deslizando em cima dele, mantendo sempre a mesma velocidade. Era tão estreita que tinha suas dúvidas de que suportasse seu peso. Virou a cabeça. Baroon entrou rastejando embaixo da esteira.

Se quisessem chegar à outra sala sem serem vistos, só poderiam subir na esteira quando já se encontrassem perto da parede. Tratlo via as pernas dos tefrodenses. À medida que avançava, parecia-lhe cada vez menos provável que conseguissem passar sem serem descobertos. Baroon avançou com mais facilidade que ele. Seu corpo débil passava sem o menor esforço entre as colunas que sustentavam a esteira. Aos poucos foi conseguindo uma dianteira de alguns metros. Quando chegou perto da parede, parou para esperar por Tratlo. — Tomara que a abertura na parede seja bastante grande para deixá-lo passar, capitão — disse. A idéia de que Baroon poderia preocupar-se com ele fez com que Tratlo ficasse vermelho de raiva. — Vá na frente — disse. Viu Baroon erguer-se com uma agilidade inesperada, segurando as laterais da esteira com ambas as mãos. Seguiu-se um ligeiro solavanco, e Kaarn Baroon desapareceu. Tratlo sabia que não tinha tempo para ficar olhando todo espantado para o lugar em que Baroon estivera pouco antes. Ergueu o tronco — e viu a esteira bem à frente dos seus olhos. Estava coberta de chapinhas metálicas e deslizava em direção à parede com a agilidade de uma serpente. Tratlo virou abruptamente a cabeça e ainda chegou a ver as pernas de Baroon desaparecer na abertura. Fez força e ficou suspenso no ar, esperando que os tefrodenses abrissem fogo contra ele a qualquer momento. A esteira cedeu sob o peso de seu corpo, quando se deixou cair sobre ela. Os discos metálicos saíram rolando para todos os lados. O capitão ficou com a cabeça bem encostada no material macio. Mesmo através do traje de combate, sentia toda vez que a esteira passava por cima de um rolo. Quando voltou a levantar os olhos, já se encontrava junto à parede. “Não conseguirei”, pensou apavorado ao ver a abertura estreita. No mesmo instante sofreu uma pancada tremenda nas costas e soltou um grito. Teve de fazer um grande esforço para não perder os sentidos. Mas acabou saindo do outro lado da parede. A esteira começou a aumentar de velocidade, carregando-o em direção a uma das grandes máquinas que havia na sala. Tratlo rolou de lado e deixou-se cair. Bateu no chão com um impacto violento. Não perdeu tempo. Rastejou para proteger-se atrás de uma máquina. Baroon já estava à sua espera. Até parecia que tinha certeza de que o merediense sairia justamente neste lugar. Tratlo olhou para trás e viu que a esteira transportadora estava parada. “Só poderia estar mesmo”, pensou, irônico. Atirara ao chão três ou quatro plaquinhas metálicas, e tirara um número bem maior das fileiras em que estavam arrumadas. Baroon notara seu olhar. — Não demorarão a encontrar-nos — disse, apontando para a esteira. — Por enquanto ninguém se interessa por nós, mas os tefrodenses recebem constantemente reforços saídos do transmissor. Tratlo percebeu que começava a transpirar. Já não importava o que aconteceria com o transmissor. Já havia tantos inimigos nas instalações subterrâneas, que não poderia haver dúvida sobre o resultado da luta que se seguiria. “Quem sabe se a Crest III ainda chegará em tempo para recolher alguns cadáveres?”, pensou Tratlo, preocupado.

Os pensamentos que passavam pela cabeça de Baroon pareciam bem mais otimistas, pois ele apontou a direção em que teriam de seguir para chegar perto do transmissor. — Temos de ficar deste lado do pavilhão — disse o reyanense. — Os tefrodenses estão concentrados em torno da passagem que dá para a outra sala. Tratlo esfregou o ombro, que ainda doía. — Ainda bem que a pancada não o pegou na cabeça — disse Baroon, calmo. — Sua simpatia me deixa doente — disse Tratlo, zangado. O rosto enrugado de Baroon desfigurou-se num sorriso de deboche. — Vamos! — ordenou Tratlo. Não conseguiram avançar tão depressa como o capitão esperara. Constantemente tinham de esconder-se atrás das máquinas, para evitar que os tefrodenses recém-chegados os descobrissem. Havia pelo menos cem homens acotovelando-se junto à passagem. Tratlo lembrou-se de Borkmann, que assumira o comando da pequena tropa. “Tomara que o faunense não fique muito nervoso”, pensou. Finalmente Tratlo viu o transmissor. Havia dez tefrodenses de armas em punho espalhados em torno dele, enquanto outros homens continuavam a sair do arco. Tratlo apoiou-se no revestimento lateral de uma máquina. — Olhe — disse, dirigindo-se a Baroon. — Se pusermos a ponta da pá no corredor, estaremos liquidados. — Não conseguiremos chegar perto do transmissor — disse Baroon, furioso. — Foi tudo em vão. Não havia nenhuma resignação na voz de Baroon, mas antes uma determinação selvagem. Parte dela foi transmitida a Tratlo. — Podemos voar — disse este. — Voar? — perguntou Baroon em tom de surpresa. — No interior desta sala? Eles nos derrubariam como insetos. — Não sei, não — objetou Tratlo. — Acho que vale a pena tentar. Viu Baroon umedecer os lábios com a ponta da língua. O reyanense fitou-o com os olhos grandes. — O transmissor vai até o teto, capitão. Provavelmente não conseguiríamos chegar a ele. Tratlo acionou o projetor antigravitacional acoplado ao equipamento de vôo e começou a subir. Baroon acompanhou-o com os olhos arregalados. Também saiu voando. Voaram lado a lado embaixo do teto. — Vamos para o transmissor! — gritou Tratlo. Neste instante foram descobertos. Os tefrodenses abriram fogo.

7 O grito estridente de Tratlo fez com que por um instante Borkmann sentisse um medo absurdo de que seu capacete pudesse estourar. Levantou instintivamente as mãos e apalpou o material resistente. Estava tudo em ordem. — Senhor! — gritou. — Capitão! Tenente! Nenhuma resposta dos dois oficiais. O sargento Borkmann sabia que estava investido no comando da pequena força que se abrigara entre as máquinas. Tremia com medo de que a visão que tivera nos primeiros dias de sua vida de astronauta pudesse voltar. Então tivera medo de ir para a cama, porque vivia sonhando que morreria de falta de ar, no espaço ou num mundo sem atmosfera. — Parece que o capitão e Baroon foram atacados — disse a voz de Slate. — E agora? Borkmann dominou o nervosismo e fitou atentamente o rosto largo de Slate. — Temos de ficar aqui. São as ordens do capitão — respondeu. Slate resmungou impaciente. Teve vontade de sair correndo, para libertar Tratlo e Baroon. Borkmann cerrou os punhos com tanta força que os dedos doeram. Maldito sonho. Logo agora tinha de ter aquela visão, embora estivesse bem acordado. Era uma neurose, que constituía motivo bastante para eliminá-lo da frota da USO, se os psiquiatras galácticos descobrissem. Mas provavelmente, pensou o sargento, nunca mais nenhum médico teria oportunidade de examiná-lo. Morreria sufocado ali mesmo. Borkmann pôs-se a praguejar. — Que houve? — perguntou Slate. — Nada — respondeu Borkmann em tom áspero. Não gostara que o homem natural de Purthag lhe fizesse esta pergunta pelo rádio-capacete, já que todos ouviam suas palavras. Neste instante os tefrodenses que se encontravam na passagem que dava para a outra sala se movimentaram. — Lá vêm eles — disse o sargento Vem Horun. — Moseley! — gritou Borkmann. — Ainda não conseguiu contato com a Crest? — Nada, sargento — respondeu Moseley. Perplexo, Borkmann viu os tefrodenses avançarem na sala, sem tomarem quaisquer precauções. — Batins! — gritou. — Venha cá. Dali a instantes o andarilho estava deitado a seu lado. — Dê ordem para abrir fogo! — recomendou. — Aproximam-se completamente desprotegidos — disse Borkmann, nervoso. — São seres estranhos, mas parecem-se com os terranos. — Usam trajes protetores — disse Batins. — Sabem o que estão fazendo. — Ninguém sai do lugar em que está abrigado! — gritou Borkmann. — Fogo!

Uma parede de fogo formou-se à frente dos tefrodenses. Borkmann viu os atacantes se espalharem e continuarem a aproximar-se em grupos menores. Não atiravam,mas avançavam ininterruptamente, protegidos por seus potentes campos defensivos. — Vamos retirar-nos devagar! — ordenou Borkmann. Apontou o desintegrador para uma máquina que se encontrava a uns vinte metros e puxou o gatilho. A parte superior da máquina desmanchou-se. Os tefrodenses pararam. — Resolveram parar! — exultou Borkmann. — Se atacarem de novo, atirem no equipamento automático. — Parem! — gritou Batins. — Parece que querem negociar. Borkmann tentou em vão descobrir a pessoa que se comunicaria com eles, mas confiava na experiência do andarilho. — Têm medo de que aconteça alguma coisa às suas máquinas — disse Slate, respirando aliviado. — Talvez permitam que voltemos à superfície quando a Crest aparecer. — Quem estabelecerá as condições serão os tefrodenses — disse Batins. E serão condições duras. Borkmann baixou a arma. Acabava de ver um tefrodense alto, que estava de pé junto à esteira transportadora. Batins colocou a mão no braço de Borkmann. — Vamos — disse. — Ouçamos o que ele tem a nos dizer. *** O campo defensivo de Tratlo sofreu vários impactos, que por pouco não o romperam. O capitão não teve alternativa. Desceu instantaneamente. Baroon ainda continuava embaixo do teto. A energia refletida por seu campo defensivo fazia com que se parecesse antes com um balão. — Desça daí, tenente! — fungou Tratlo. Só então lembrou-se de que em virtude do tiroteio não era possível comunicar-se através do rádio-capacete. Desligou. Baroon corria velozmente de um lado para outro, embaixo do teto. Tratlo voou para trás de uma máquina, escapando aos tiros dos tefrodenses. Recuou apressadamente para a parede e escondeu-se ao lado da esteira transportadora. Os tefrodenses já não atiravam em Baroon, pois correriam perigo de danificar o teto. Tratlo levantou-se e fez um sinal, para que Baroon o visse. O tenente entrou num mergulho louco e pousou a seu lado. — Estávamos enganados! — disse. — Não podemos chegar perto do transmissor. — De qualquer maneira, apertamos estes tipos — disse Tratlo, satisfeito, e fez um gesto de elogio para o tenente. — E continuamos vivos. — Minha morte representaria uma perda irreparável para a humanidade — afirmou o reyanense. — Imagine só as obras-primas inacabadas! Tratlo já não sentia nenhuma vontade de elogiar o companheiro. Voltou a experimentar a raiva de sempre. — Tem de falar nisso justamente agora? — perguntou. Estava satisfeito porque os rádio-capacetes continuavam desligados, e eles se comunicavam falando alto. — Já que estamos a sós — disse o tenente Baroon — não me sinto nem um pouco constrangido em dizer que o senhor é um tipo grosseiro, que não tem a menor idéia das coisas boas da vida. Tratlo ficou sem saber o que dizer. Teve de fazer um grande esforço para não dar vazão à raiva, caindo sobre o tenente.

— Que coisas boas são estas? — berrou. — Para mim são vulgaridades! — Na sala ao lado estão atirando — respondeu Baroon. — Acho que deveríamos preocupar-nos com isto. Tratlo mexeu no capacete, ligando o rádio. — Sargento Borkmann! — gritou. Ouviu Borkmann dar um suspiro. — Graças a Deus, senhor! Já pensávamos... — Tratlo não compreendeu o resto. — Vamos ao que importa, sargento! — resmungou Tratlo, fitando Baroon com uma expressão zangada. — O que está acontecendo com os senhores? — Fomos atacados pelos tefrodenses — informou Borkmann. — Mas atirei em uma de suas máquinas, e ali eles se mostraram dispostos a negociar. Batins e eu estamos indo ao lugar em que está o representante deles. — Espere, sargento! — ordenou Tratlo. — Irei aí com o tenente e cuidarei das negociações. — Será que eles os deixarão passar? — perguntou o faunense em tom de dúvida. — Veremos — respondeu Tratlo com um sorriso. — Vamos — disse, dirigindo-se ao Tenente Baroon. — Tentaremos passar de novo. Baroon não respondeu, e os dois saíram do esconderijo. Na passagem entre as salas grupos de tefrodenses armados se acotovelavam. O Capitão Tratlo parou instintivamente. Teve a impressão de sentir o olhar irônico de Baroon pousado em suas costas e prosseguiu. Se os tefrodenses atirassem, seria o fim. — Mande Batins dizer ao representante deles que nos deixem passar — disse Tratlo. — Já cuidamos disso — respondeu Borkmann. Os tefrodenses abriram alas, e Tratlo e Baroon chegaram à outra sala. Quando se viu ao lado de Borkmann e Batins, Tratlo respirou aliviado. O andarilho tirara o capacete e conversava com o representante dos tefrodenses. Este parecia não se importar nem um pouco em ver-se cercado por quatro inimigos ao mesmo tempo. Seu rosto magro não revelava a menor emoção. Batins virou a cabeça para Tratlo e sorriu. — Não acredita uma palavra do que estou dizendo — disse em intercosmo. — Como pode ter tanta certeza? — perguntou Tratlo, espantado. — Ele ainda não disse nada. — Pois é justamente por isso — respondeu Batins. De repente o tefrodense começou a falar apressadamente com Batins. O andarilho, que estava com os braços cruzados, ouvia pacientemente. Tratlo bem que gostaria de compreender o que estava sendo falado. Acreditava que o tefrodense que se encontrava à sua frente era um oficial. Batins voltou novamente o rosto para Tratlo, mas já não estava sorrindo. — Então? — perguntou o merediense. — Como estão as coisas? — Capitão — disse Batins, falando devagar — ele exige que nos rendamos. — Ora essa! — disse Tratlo. — E não é só isto — Batins abriu os braços, como quem quer fazer um sermão. — Querem examinar-nos. — Examinar-nos? — repetiu Tratlo. — Não compreendo. — Pois é isso mesmo — disse Batins. — Há uma coisa em nós que os deixa preocupados. Ele perguntou por que não reagimos às suas ondas de estímulo.

Era difícil compreender as palavras de Batins, já que ele tirara o capacete. Tratlo pôs-se a refletir. Que ondas de estímulo seriam estas? E por que ele os temia? Tratlo já não tinha dúvida de que estavam para fazer uma descoberta fantástica. Teve a impressão de que só lhe faltava conhecer mais um detalhe para compreender tudo. — Pergunte-lhe que ondas de estímulo são estas a que ele se refere — pediu a Batins. O engenheiro cósmico puxou a barba. — Para ele só existe um tipo de ondas de estímulo — respondeu. — Tem uma idéia muito precisa a respeito delas e parece acreditar que sabemos perfeitamente o que ele quer dizer. — Por que quer examinar-nos? — perguntou Tratlo. Batins transmitiu a pergunta ao tefrodense, e os dois ficaram conversando alguns minutos. Tratlo começou a impacientarse. Quem sabe se o andarilho não o estava enganando? Era pouco provável. Batins estava em perigo, tal qual os outros. Finalmente Batins dirigiu-se a Tratlo: — Querem submeter-nos a exame para verificar se existem motivos de ordem médica que nos levem a não reagir às ondas de estímulo. Antes que Tratlo tivesse tempo para responder, a voz de Moseley se fez ouvir em seu rádio-capacete. — Senhor! — exclamou o rádio-operador. — Estou lembrado de que por ocasião de seu primeiro vôo de aproximação a KI-33 foi inundada por hiperondas. Na oportunidade não dei muita importância a isso. Pensei que tivéssemos entrado por acaso no campo de ação de um enorme transmissor equipado com antena direcional. Tratlo confirmou com um gesto. — Deve ser uma arma ofensiva — disse. — Resta saber por que não fez efeito contra nós. — Deixe que eles o examinem, e o senhor logo saberá — disse o Tenente Baroon em tom irônico. — Não farei nada disso — respondeu Tratlo em tom áspero. — Ninguém de nós se transformará voluntariamente em prisioneiro dos tefrodenses. — Era o que eu pretendia sugerir — disse Batins, bastante aliviado. — Posso garantir que, se nos entregarmos aos tefrodenses, estaremos perdidos. Quebrarão qualquer promessa que fizerem, desde que isso os ajude a atingir seus objetivos. — Mande este sujeito embora — disse Tratlo. — Mas procure ser um pouco dramático, para que possamos ganhar algum tempo. Batins falou insistentemente com o tefrodense. A expressão do rosto do oficial era cada vez mais sombria. Dali a instantes soltou alguns gritos furiosos, fez meia-volta e retornou para junto dos seus soldados. Tratlo seguiu-o com os olhos. Batins voltou a colocar o capacete. — A luta tomou-se inevitável — disse. — Desta vez não se preocuparão mais com suas máquinas. — Nem nós — observou Arl Tratlo, o trimatador.

8 A Crest III, um ultracouraçado da classe Galáxia, que era a nave-capitânia da Frota Solar, saiu do semi-espaço, desperdiçando um volume de energia suficiente para garantir o abastecimento de uma metrópole terrana por várias décadas. Mas no espaço cósmico até mesmo este gigante de 2.500 metros de diâmetro parecia encolher, transformando-se num nada. Em comparação com as estrelas enormes pelas quais passava, era apenas um pontinho luminoso. Pelos padrões cósmicos, qualquer obra feita pela mão do homem só podia ser pequena e insignificante. No entanto, a humanidade revelara-se capaz de superar o grande vazio que separava sua galáxia e a nebulosa de Andrômeda, que era a galáxia mais próxima. Perry Rhodan lembrou-se destas coisas enquanto olhava a tela panorâmica, na qual aparecia o sol geminado verde, registrado no catálogo dos engenheiros cósmicos sob o número KA I-3365-Erl-9238. O senso de humor dos andarilhos era bastante pronunciado, mas em matéria de dados cósmicos eram completamente frios, preferindo atribuir números às estrelas em vez de designá-las com nomes próprios. Os sistemas de rastreamentos positrônicos e eletrônicos da Crest III estenderam seus tentáculos pelo espaço. Nenhuma outra nave da Frota Solar guardava um número tão grande de instrumentos especiais em seu bojo. Os instrumentos supersensíveis registraram os dados encontrados nas imediações, muito mais depressa do que qualquer cérebro humano seria capaz. Numa questão de segundos as fendas de saída do equipamento positrônico cuspiram os primeiros resultados. Os aparelhos revelaram a existência do pequeno planeta desértico antes que os homens reunidos na sala de comando o vissem projetado nas telas de imagem. Os astronautas já estavam acostumados a isso. Não havia nada de extraordinário no procedimento. Exatamente vinte e três segundos depois do momento em que o vôo linear da Crest III tinha chegado ao fim, os sinais de hiper-rádio expedidos pelos náufragos da KI-33 foram recebidos a bordo. — Quer dizer que chegaram antes de nós — disse Rhodan, calmo. — Parece que já estão metidos em dificuldades até o pescoço. Dali a instantes soube-se que os pedidos de socorro vinham do pequeno mundo que começava a ser projetado nas telas de imagem. Não se via sinal da corveta. A superfície do pequeno planeta formava uma paisagem montanhosa desolada. Não foram constatados sinais da presença de uma atmosfera. — Parece que se encontram num labirinto de cavernas no interior do planeta — disse Atlan. — Fico me perguntando como foram parar lá. — Estes tefrodenses! — disse Kalak, o andarilho. Proferiu estas palavras como quem diz um palavrão. Rhodan passou os olhos pela tela panorâmica. Não havia o menor sinal da presença de naves inimigas. O sistema do sol geminado verde parecia abandonado. — Tenha cuidado — advertiu Kalak. — Pelas experiências feitas, o senhor já deve saber que o inimigo com o qual nos defrontamos não pode ser subestimado.

— Os sinais de rádio não estão chegando mais, senhor! — exclamou o engenheirochefe do setor de rádio. Atlan e Rhodan entreolharam-se. Rhodan fazia votos de que não tivessem chegado tarde. O fato de os náufragos não transmitirem mais não significava necessariamente que estivessem mortos, mas provava que enfrentavam problemas graves. — Ligar campos hiperenergéticos! — ordenou Rhodan. Dali a instantes viu-se que a ordem que ele acabara de dar, inspirada pelo pressentimento, tivera sua razão de ser. Uma espaçonave apareceu vinda de trás do maior dos dois sóis. — É esférica e tem uma protuberância equatorial — constatou Atlan. — Será que a corveta cresceu neste meio tempo até atingir mil metros de diâmetro? — Não é a corveta — respondeu Rhodan. — Tefrodenses! — voltou a dizer Kalak. Rhodan deu uma risada. — Será que o senhor não sabe mais dizer outra coisa? Kalak puxou a barba e ficou calado. Como sempre, vestia um sobretudo de plástico bem branco. Os terranos já se tinham acostumado a ver Kalak sempre impecavelmente limpo. Mas até então ninguém conseguira desvendar o mistério de sua limpeza lendária. A nave esférica desconhecida aproximou-se em alta velocidade, dando a impressão de que sua tripulação tinha certeza de que conseguiria destruir facilmente até mesmo uma nave como a Crest III. Rhodan sabia que os postos de artilharia estavam guarnecidos, mas preferiu esperar que o inimigo abrisse fogo. Afinal, era possível que os tefrodenses acabassem mudando de idéia e se retirassem. — Deve ter sido esta nave que derrubou a corveta — observou Atlan. — Era um inimigo forte demais para o Capitão Tratlo. Os canhões de impulsos da nave tefrodense despejaram um furacão de fogo sobre a Crest III, mas o campo defensivo hiperenergético resistiu facilmente ao impacto. O ultracouraçado da classe Galáxia respondeu ao fogo. Bastou uma salva dos canhões conversores da nave-capitânia para transformar o veículo espacial tefrodense num cogumelo atômico. Rhodan virou o rosto para não olhar para a tela. Bem que gostaria que o incidente tivesse sido evitado. As cuidadosas operações de rastreamento realizadas em seguida provaram que não havia outras naves inimigas por perto. Rhodan chamou Gucky e mandou que verificasse o que havia com a tripulação da corveta. Fez votos de que ainda não fosse tarde.

9 Os tefrodenses desapareceram tão depressa de perto da passagem entre as duas salas que até se poderia ter a impressão de que tinham usado um truque mágico para tornar-se invisíveis. Tratlo viu os homens de pernas compridas espalharem-se entre as máquinas. Os primeiros tiros foram disparados, e o revestimento da máquina atrás da qual estava ajoelhado o capitão tomou-se incandescente. Tratlo atirava a esmo, toda vez que via um inimigo. Ambos os grupos usavam campos defensivos, e por isso demoraria algum tempo até que houvesse baixas. Os tefrodenses não sabiam que os náufragos também receberiam reforços. Assim que a Crest III aparecesse nas proximidades do pequeno planeta, a luta estaria decidida. Um sorriso triste apareceu no rosto de Tratlo. Alguma coisa devia ter acontecido à nave-capitânia, senão ela não demoraria tanto. Um pedaço da esteira transportadora derreteu-se a dez metros do lugar em que se encontrava o capitão. O material liquefeito foi pingando ao chão. De repente a parte traseira da esteira movimentou-se, derramando no chão inúmeros discos redondos. Tratlo disparou contra a torrente de peças metálicas, que se desmancharam em fogo e foram tangidas pela força do impacto. Até parecia confete tocado pelo vento. Tratlo usava capacete, mas ouviu o pengue pengue pengue que os discos produziam ao arrebentarem. Tratlo não sabia por quê, mas a destruição dos pequenos discos lhe dava certo prazer. Alguma coisa em seu subconsciente lhe dizia que se tratava de microaparelhos que só podiam ser usados para fins criminosos. Os tiros que Tratlo dirigiu contra a esteira transportadora despertaram um bombardeio furioso dos tefrodenses. A perda da esteira transportadora e dos objetos que se encontravam sobre ela parecia tê-los atingido mais profundamente que a destruição sistemática das máquinas instaladas na sala. Os cantos da boca de Tratlo tremeram. Quem dera que soubesse qual era a ligação que havia entre os tefrodenses e estes discos metálicos. Mas tinha certeza de que enquanto se encontrasse nas instalações subterrâneas não descobriria. Da mesma forma que não saberia por que os tefrodenses se pareciam com os terranos, viajavam em naves iguais às do planeta Terra e chegavam às instalações subterrâneas através de um transmissor que tinha uma semelhança espantosa com aqueles usados pelos aconenses do Sistema Azul. Os tefrodenses foram-se aproximando sistematicamente. Os tripulantes da KI-33 foram obrigados a recuar cada vez mais, pois do contrário correriam perigo de serem mortos, apesar dos trajes protetores que usavam. Quando chegassem à parede dos fundos, seriam obrigados a parar. Pelos cálculos de Tratlo, isso ainda demoraria uns quinze minutos. Mas não sabia por quanto tempo conseguiriam resistir por lá. Os tefrodenses só lançaram no combate pequena parte dos soldados vindos pelo transmissor. Contentaram-se em ir cercando os náufragos com uns cinqüenta homens. Mesmo que os especialistas da USO conseguissem colocar fora de combate alguns dos homens, estes poderiam ser substituídos imediatamente. Os tefrodenses não sabiam que os intrusos esperavam reforços, e assim preferiram não assumir nenhum risco. Contentaram-se em obrigar os homens a recuar lentamente.

Moseley e Larcon já tinham parado de transmitir. Participavam dos combates. Tratlo lhes dera ordem de que passassem a transmitir o pedido de socorro com dez minutos de intervalo. Cada homem contava na luta contra a tremenda superioridade de forças que os ameaçava. Tratlo olhou para trás e viu o Tenente Baroon deitado no chão, entre algumas máquinas destroçadas. O desintegrador parecia exageradamente grande nas mãos daquele homem franzino, mas Baroon segurava-o com toda calma. Tratlo notava que o reyanense fazia pontaria com muito cuidado e só atirava quando tinha certeza de que atingiria um tefrodense. O capitão duvidava de que tivessem conseguido pôr fora de combate um inimigo que fosse. Os campos defensivos dos tefrodenses resistiam até mesmo a um impacto direto. Só poderiam conseguir alguma coisa se vários tiros acertassem ao mesmo tempo. Como em relação a eles acontecia a mesma coisa, Tratlo deu-se por satisfeito com a situação. Rastejou para junto de Baroon e ficou deitado a seu lado. O tenente nem sequer mexeu com a cabeça. Durante todo o combate nenhuma palavra foi trocada entre os homens pertencentes à tropa da USO. Tratlo tentou descobrir a posição dos homens. Não se via sinal de Batins. O andarilho provavelmente se retirara a um lugar em que estava protegido, e do qual via os tefrodenses sem correr perigo. Quando tivessem recuado para junto da parede, Batins seria o único que teria uma chance de sobreviver, pois era capaz de atravessá-la e fugir para a superfície do planeta. Tratlo viu uma sombra correr velozmente a certa distância e atirou nela. O tefrodense cambaleou e quis dar um salto para pôr-se a salvo, mas a descarga energética saída da arma de Baroon fez desmoronar seu campo defensivo. Não havia mais nada que pudesse absorver a energia dos tiros. Tratlo viu por um instante o rosto do desconhecido, desfigurado pela dor. Era um rosto terrano. Tratlo sentiu um nó no peito. O tefrodense caiu ao chão. Baroon também parou de atirar. Dois tefrodenses saíram de trás de uma máquina e correram em direção ao morto ou gravemente ferido. Baroon ergueu o cano da arma. Tratlo virou-se abruptamente e empurrou o desintegrador do tenente para baixo. Os tefrodenses puderam levar o ferido a um lugar seguro. Tratlo soltou a arma de Baroon. O reyanense foi virando a cabeça. Estava com o rosto coberto de sangue. Havia uma expressão de perplexidade em seus olhos. — Poderíamos ter pegado os outros dois — disse. — Sei disso — respondeu Tratlo. — Acontece que o terceiro homem estava ferido. — E o senhor tem pena do inimigo? — perguntou Baroon, incrédulo. Tratlo fazia votos de que seus companheiros não tivessem ouvido a pergunta. Deveria dizer a Baroon que imaginara que ele mesmo estivesse jogado ali, indefeso, sentindo dores horríveis e esperando a morte? Que direito tinha ele de pôr fim a uma vida que já não podia fazer mais nada para defender-se? Deveria transmitir estes pensamentos a Baroon? — Pois eu acho que o senhor estava com medo — disse Baroon. Tratlo percebeu que o reyanense só afirmara isso porque esperava que nunca mais sairiam dali, de forma que Tratlo nunca poderia responsabilizá-lo por isso. Deu uma risada áspera. — É claro que tive medo — respondeu. E teve mesmo. — Também tive — respondeu Baroon, calmo. — Até que enfim nós dois sentimos uma vez a mesma coisa.

Tratlo compreendeu que as palavras proferidas por Baroon não representavam nenhuma acusação. “Talvez”, pensou, “os homens tenham de defrontar-se lado a lado com a morte para compreender-se uns aos outros.” Os tefrodenses tinham recolhido o ferido e deram início novamente ao tiroteio. Máquinas destroçadas fumegavam entre os dois grupos em luta. A visibilidade era cada vez pior. Tratlo olhou para o relógio. — Moseley! — gritou. — A transmissão. — Já providenciei, senhor — respondeu o operador de rádio. — E daí? Tratlo parou de atirar e, curioso, esperou a resposta. — Nada, capitão! Continuamos sem resposta. Tratlo olhou para trás. Anda se encontravam a vinte metros da parede. Dentro de mais alguns minutos ela deteria o recuo dos especialistas da USO. Não poderiam fugir pela eclusa, pois ali representariam um alvo fácil demais para os tefrodenses. Além disso um único tiro seria suficiente para derreter a parede da eclusa, inutilizando-a. Será que o nome dado por Baroon a este mundo, num gesto de ironia, adquiriria um significado trágico no subsolo do planeta? Uma máquina desmanchou-se em fogo à frente do capitão, e ele teve de recuar mais alguns metros. Os tefrodenses não perderam tempo. Aproveitaram a oportunidade e preencheram o espaço vazio. Provavelmente continuavam a receber reforços pelo transmissor. Não seria nenhum exagero da parte do inimigo. Afinal, uma pequena espaçonave penetrara profundamente no reino dos tefrodenses. Certamente daria o que pensar aos governantes deste povo e os levaria a tomar medidas extramamente rigorosas. Os tripulantes da corveta foram os primeiros a sofrer estas medidas. Tratlo fazia votos de que os tefrodenses não concentrassem outras naves no sistema do sol geminado verde, pois neste caso a Crest III também estaria em perigo — isto se ainda aparecesse por ali. Felizmente os tefrodenses não podiam usar armas pesadas contra os náufragos, pois poderiam provocar um desabamento e talvez até chegassem a destruir suas instalações subterrâneas. Tratlo foi alcançado novamente por Baroon, que também estava recuando. Um sorriso cobriu o rosto enrugado do reyanense, quando fitou o capitão. A três metros do lugar em que se encontravam explodiu uma peça de uma máquina. O lampejo iluminou o rosto de Baroon, dando-lhe o aspecto de uma estranha superfície entrecortada. Cada uma das inúmeras rugas parecia estar cheia de uma intensa vitalidade. Os grandes olhos refletiram a luz. De repente a claridade desapareceu, e o rosto de Baroon mergulhou na sombra do capacete. — Estamos chegando ao fim da linha — disse. Entre os dois se estabelecera um grau de intimidade que pouco antes Tratlo ainda teria julgado impossível. Sabia que Baroon era um lutador tão arrojado como ele. Talvez tivesse subestimado o reyanense. Parecia que este tenente sabia muita coisa além de escrever livros malucos e espalhar tintas em quadros. Os tefrodenses atiravam poucas vezes, mas era apenas uma questão de tempo, e os homens não teriam mais onde abrigar-se. Os tefrodenses destruíram sem a menor contemplação suas próprias máquinas. Até parecia que tinham compreendido que havia muito mais em jogo que uma simples instalação subterrânea, que poderia ser substituída a qualquer momento.

Tratlo teve a impressão de que o ar que respirava era cada vez mais viciado. Examinou a regulagem do equipamento de oxigênio, mas não descobriu nenhum defeito. Baroon observou seus movimentos. — Algum problema? — perguntou. — Não sei — respondeu Tratlo, inseguro. — Parece que o sistema de suprimento de oxigênio não está funcionando bem. Baroon rolou em sua direção. Os campos defensivos individuais absorviam os raios energéticos, e também qualquer espécie de projétil, mas a matéria orgânica os atravessava sem a menor dificuldade. Tratlo percebeu que Baroon estava mexendo em seu equipamento de oxigênio. De repente o suprimento de ar foi interrompido de vez. O merediense sentiu o sangue congelar em suas veias. Será que confiara demais em Baroon? Talvez ele fosse um criminoso, que resolvera aproveitar a oportunidade para matá-lo. — Que houve? — perguntou com a voz rouca. O ar que havia no interior do capacete daria no máximo para dois minutos. — Não descobri nada — disse Baroon, desesperado. Tratlo percebeu que o reyanense trabalhava apressadamente. Fez um esforço para respirar bem devagar, pois assim agüentaria mais tempo com o ar viciado. — Pronto! Encontrei! — exclamou Baroon, exaltado. — A válvula está emperrada. Tratlo dominou suas emoções. Ficou calado. Sabia que Baroon ainda demoraria um pouco para consertar a válvula. De repente ouviu um chiado. Era o ar puro entrando no capacete. — Está tudo em ordem — disse Baroon. Tratlo respirou fortemente. Sentiu uma vertigem. — Obrigado! — disse. Baroon afastou-se e voltou a pegar a arma. Quase no mesmo instante uns vinte tefrodenses saíram de trás das máquinas destroçadas e avançaram contra o grupo cercado, disparando ininterruptamente. — Querem tomar nossa posição de assalto! — gritou o sargento Borkmann. O fogo violento dos especialistas da USO deteve as fileiras mais avançadas dos tefrodenses. Mas os donos das instalações subterrâneas pareciam muito decididos de terminar logo a luta. Outros soldados vieram da sala ao lado e entraram na luta. Tratlo atirava ao acaso para dentro das fileiras atacantes. Não havia tempo para fazer pontaria. Alguns tefrodenses tombaram e foram recolhidos pelos companheiros. De repente o espaço que se abria à frente de Tratlo parecia como que varrido de inimigos. — Conseguimos detê-los! — exclamou uma voz rouca. — Voltaram a esconder-se. Os olhos de tratlo ardiam. — Tivemos alguma baixa? — perguntou. — Não senhor — respondeu o sargento Borkmann. — Mas entre os tefrodenses também só houve feridos. — De qualquer maneira conseguimos deter seu assalto — disse Baroon, satisfeito. — Parece que não querem arriscar-se a usar armas pesadas. Se usassem granadas atômicas, poderiam obrigar-nos a capitular imediatamente. — Aí eles se arriscariam a provocar o desmoronamento do teto e das paredes — disse Tratlo.

— Se voltarem a atacar, não resistiremos mais — disse o sargento Horun em tom deprimido. Um tefrodense apareceu à sua frente e fez um gesto com a mão. — Querem negociar de novo — disse Ron Moseley, aliviado. Tratlo baixou o cano da arma. Isto os ajudaria a ganhar tempo. — Batins! Pergunte o que ele quer — pediu Tratlo. O engenheiro cósmico saiu sem o menor temor do lugar em que estava abrigado e aproximou-se do tefrodense. Parou quando ainda se encontrava a três metros dele. O tefrodense levantou o braço e disse algumas palavras. — Ele disse que dentro de instantes será desfechado o ataque final — traduziu Batins, assim que o tefrodense se calou. — Por enquanto só vimos uma pequena amostra do que está para vir. Quer saber se já nos convencemos de que não temos nenhuma esperança. — Já — respondeu Tratlo em tom seco. — Estamos completamente convencidos. — Quer que eu lhe diga isso? — perguntou o andarilho, confuso. — Não importa o que o senhor lhe diga — disse Tratlo. Batins hesitou um instante. Finalmente virou o rosto para o tefrodense e pôs-se a falar com ele. — Ele quer que nos rendamos incondicionalmente, senão os tefrodenses se verão obrigados a fuzilar-nos — disse Batins depois de algum tempo. — Peça um prazo para darmos a resposta — disse Tratlo. — Ele não nos concede nenhum prazo — respondeu o andarilho. — Quer uma resposta imediata. — Não nos renderemos — disse o capitão. Batins transmitiu a resposta ao tefrodense. Tratlo viu o oficial inimigo fazer um gesto furioso. Certamente gostaria de evitar o prosseguimento da luta. Os tefrodenses estavam muito empenhados em pegar os intrusos vivos. Batins voltou ao seu esconderijo. — Pode ir embora, Batins — disse Tratlo. — O senhor nos ajudou muito mais do que estava obrigado. Ainda tem uma oportunidade de chegar à superfície. Trate de aproveitá-la antes que seja tarde. — Não pretendo sair daqui — limitou-se Batins a dizer. Tratlo sabia que seria inútil tentar fazer o engenheiro cósmico mudar de opinião. O oficial tefrodense também tinha desaparecido. Um estranho silêncio reinava no interior da sala entulhada de destroços. “É um silêncio enganador que pode terminar de um instante para outro,” pensou Tratlo. — Por que não tentamos abrir a eclusa à força, capitão? — perguntou Borkmann. — Porque para isso teríamos de ficar expostos — disse Tratlo. — Estou disposto a tentar — disse Borkmann em tom resoluto. — Desde que haja um voluntário disposto a ajudar-me. Vários homens falaram ao mesmo tempo. Um sorriso cansado apareceu no rosto de Tratlo. Esteve a ponto de recusar o plano de Borkmann, quando os tefrodenses voltaram a sair de trás das máquinas destroçadas, com o que a resposta do capitão se tornou supérflua. Os tefrodenses começaram a atirar, mas neste momento houve uma tremenda explosão na sala em que estava instalado o transmissor. Uma língua de fogo avançou até

a entrada da sala em que se encontravam os tripulantes da corveta. O chão vibrou e Tratlo teve medo de que o teto fosse desabar. — O que foi isso? — perguntou Baroon, exaltado. Os tefrodenses suspenderam o ataque e saíram correndo para a outra sala. Tratlo compreendeu que houvera um imprevisto. Talvez fosse uma pane no transmissor. De repente uma figura baixa que envergava traje de combate apareceu entre as máquinas destroçadas. Tratlo levantou subitamente a arma, mas não atirou. — Capitão Tratlo — disse uma voz aguda. — Espero que a bomba tenha explodido antes que fosse tarde. Tratlo levantou de um salto e saiu correndo para junto da pequena criatura. — Saiam! — gritou. Sua voz quase se atropelava. — A Crest chegou. — Ei! — disse a pequena criatura. — Se você continuar a gritar desse jeito, ficarei tão assustado que acabarei deixando cair a segunda bomba. — É Gucky! — disse Borkmann com um suspiro de alívio. — Até que enfim poderemos esquentar o ambiente para os tefrodenses. *** Os sinais de rádio voltaram a ser registrados e Rhodan respirou aliviado. Tratlo e seus companheiros ainda estavam vivos. Gucky já colocara o traje protetor e saltara para a superfície do pequeno mundo, levando duas bombas de neutrinos. Apoiaria os especialistas da USO e lhes comunicaria que a Crest III acabara de chegar. — Temos de tirar os tripulantes da corveta de lá quanto antes — disse Rhodan. — Tenho um pressentimento nada agradável. Acho que dentro de pouco tempo este setor do espaço estará recheado de naves tefrodenses. Rhodan deu ordem para que o Major Don Redhorse comparecesse à sua presença. O major, que era um índio cheiene de estatura elevada, levou apenas alguns segundos para aparecer na sala de comando. Rhodan apontou para a tela panorâmica. — Temos trabalho para o senhor, major — disse. — O senhor se julga capaz de retirar o Capitão Arl Tratlo e os homens comandados por ele desse labirinto de cavernas? Gucky já foi para lá. Redhorse lançou um olhar para a tela. — Sem dúvida, senhor — respondeu e fez meia-volta. — Ande depressa! — gritou Rhodan atrás dele. Redhorse movimentou rapidamente as pernas compridas e logo desapareceu da sala de comando. Rhodan entrou em contato com o hangar externo e deu ordem para que fosse preparada uma corveta. Neste instante o rato-castor voltou a materializar na sala de comando. — Eu os encontrei — disse, indo diretamente ao assunto. — Há um conjunto de instalações tefrodenses lã embaixo. Não será fácil libertar Tratlo e seus companheiros. Um transmissor leva reforços aos tefrodenses. É igualzinho aos transmissores de coluna aconenses. Fiz explodir uma das bombas perto dele. Assim Tratlo terá mais um pouco de folga. — Redhorse sairá numa corveta para dar apoio ao trimatador — disse Atlan. — Houve baixas? — perguntou Melbar Kasom. — Não — respondeu Gucky. — Mas ainda poderá haver. Os tefrodenses certamente já perceberam que a situação se tornou mais séria e farão tudo para exterminar os intrusos.

Fitou Rhodan com uma expressão de súplica. — Saltarei novamente para lá — disse. Rhodan concordou a contragosto. Sabia que o rato-castor estava arriscando a própria vida, mas a situação dos homens da USO era tão crítica que a ajuda de Gucky se tornara indispensável. O rato-castor conseguira distrair a atenção dos tefrodenses, mas eles não demorariam a atacar novamente o grupo de Tratlo. O hangar transmitiu a notícia de que Redhorse estava pronto para partir. Dali a instantes a corveta apareceu nas telas de imagem. Desceu verticalmente para a superfície do planeta. Gucky contemplou a tela por alguns instantes e desmaterializou. Rhodan sabia que no momento não valeria a pena pôr em ação mais de uma nave. E um ataque direto da Crest III poria em perigo não somente os tefrodenses, mas também os náufragos. — Ali estão os destroços da KI-33! — informou o Coronel Rudo. Rhodan examinou os controles. — Parece que Tratlo a destruiu, para evitar que caísse nas mãos dos tefrodenses — disse. Perguntou-se o que a tripulação da KI-33 teria descoberto lá embaixo. Por que os tefrodenses tinham escolhido este setor abandonado para montar as instalações subterrâneas? Rhodan imaginava que se encontravam na pista de um segredo muito importante. Mal podia esperar o momento de falar com o Capitão Tratlo. Mas este ainda estava em perigo. Tratlo só teria uma chance de fugir depois que os ocupantes da corveta dirigida por Redhorse penetrassem no labirinto subterrâneo. Rhodan sentiu suas mãos tremerem. Atlan deu uma risadinha. — Acho que você gostaria de ir pessoalmente — disse o arcônida em tom compreensivo. Rhodan confirmou com um gesto zangado. Mais uma vez Atlan adivinhara seus pensamentos. Mas Redhorse era um oficial no qual se podia confiar. Não cometeria nenhum engano na situação difícil em que se encontravam. *** O desaparecimento de Gucky foi tão repentino que por um instante Tratlo teve medo de ter sofrido uma alucinação. Mas a retirada dos tefrodenses era a melhor prova de que o rato-castor salvara os tripulantes da corveta do ataque decisivo. — E agora, capitão? — perguntou Baroon. — Borkmann, Slate, Horun! — gritou Tratlo. — Abram passagem pela eclusa a tiros, antes que os tefrodenses voltem. — Ora veja! — disse o tenente. — Era exatamente o que eu iria sugerir, senhor. Os três sargentos tomaram posição à frente da eclusa. Acionaram seus desintegradores. Dali a instantes os homens puderam entrar na câmara da eclusa. — Se abrirmos a parede externa, o oxigênio escapará dos recintos subterrâneos — disse Baroon. — Os tefrodenses devem saber o que fazer num caso destes — respondeu Tratlo. — Além disso usam trajes protetores. Bastou movimentar uma alavanca para abrir a parede externa da eclusa. Dali a instantes os especialistas da USO encontravam-se na sala que servia de depósito. Tratlo olhou para trás. Alguns tefrodenses apareceram na passagem e entraram cuidadosamente na sala que os náufragos acabavam de abandonar.

— Não demorarão a perseguir-nos — disse Tratlo. — Vamos tratar de chegar â superfície quanto antes. Neste instante Gucky voltou a materializar ao lado da eclusa. — O Capitão Redhorse decolou da Crest com uma corveta, para recolher vocês — gritou para Tratlo. — Trate de atingir a superfície com seus homens. Tratlo perguntou-se o que pensariam os oficiais tefrodenses quando vissem que a vitória que já acreditavam segura parecia escapar-lhes das mãos no último instante. Sem dúvida fariam tudo que estava ao seu alcance para ainda aprisionar os intrusos. Tratlo, Baroon e Gucky ficaram postados na câmara da eclusa, para cobrir a retirada dos homens. Os tefrodenses hesitaram em chegar perto da eclusa. Certamente não sabiam mais qual era a força do inimigo. Tratlo sentiu-se aliviado quando Borkmann o informou que todos os tripulantes da KI-33, com exceção dele mesmo e de Baroon, tinham atingido a caverna maior que ficava junto à superfície. Gucky tirou do cinto a segunda bomba de neutrinos e colocou-a no chão da câmara da eclusa. — Isso deterá os tefrodenses por algum tempo — profetizou. Tratlo acenou com a cabeça. Retiraram-se e foram atrás dos companheiros. O Capitão Tratlo foi o último a espremer-se pela fenda que dava para a primeira caverna. Neste exato momento houve a explosão. Tratlo levantou instintivamente os braços. — Isto representa mais algum tempo para nós — disse Gucky, indiferente. — A eclusa ficou obstruída e os tefrodenses levarão algum tempo para alcançar-nos. — Anda restam as outras entradas das instalações subterrâneas — lembrou Tratlo. — É bem possível que, quando chegarmos à superfície, já haja alguém à nossa espera. Fazia votos de que isto não acontecesse. Fora das instalações, os tefrodenses poderiam agir sem a menor contemplação. Nada os impediria de usar armas pesadas. E o inimigo certamente as possuía. Quanto a isso ele não se entregava a ilusões. — Tenho contato pelo rádio e o Major Redhorse, senhor — informou Ron Moseley. — Também tem problemas. Sua corveta está sendo atacada por três mininaves inimigas. Pede que tenhamos um pouco de paciência. Tratlo deu uma risada. Esta maneira de dizer as coisas correspondia à mentalidade do major, que não era nenhum desconhecido no seio da USO. Os tefrodenses certamente tinham construído um pequeno hangar no planeta, e as três mininaves tinham decolado de lá para atacar a corveta. — O que acha? — perguntou Gucky, dirigindo-se ao capitão. — Acha que assim mesmo devemos tentar chegar à superfície? — Naturalmente — respondeu Tratlo, que ainda não se acostumara ao fato de o rato-castor chamar todo mundo de você. — Tenho certeza de que Redhorse não demorará a pôr fora de ação os tefrodenses. Anda bem que ele não podia ver que no momento as chances de que isso acontecesse eram bem pequenas. *** Os comandantes das três naves tefrodenses certamente sabiam que Redhorse não podia assumir o risco de usar o canhão conversor nas imediações do planeta, ou então era por puro acaso que sempre se mantinham junto à superfície.

As três naves inimigas voavam em tomo da corveta como se fossem insetos enfurecidos. Redhorse poucas vezes vira mininaves tão ágeis. A voz de Rhodan saiu dos alto-falantes do rádio normal. — Algum problema, major? — Se tenho problemas? — perguntou Redhorse, zangado. — Ainda não conseguimos acertar um único tiro. Tomara que quando chegarmos lá não seja tarde para recolher Tratlo e seus homens. — Não posso intervir na luta com a Crest. Seria muito arriscado. As três naves mantêm-se tão próximas da corveta que qualquer tiro nosso poderia acertá-los. Enquanto os tefrodenses não subirem mais, nada poderemos fazer. — Não representam nenhum perigo para nós, pois ao que parece não têm armas pesadas a bordo. Mas impedem-nos de pousar. Redhorse sabia que cada minuto que perdiam podia ser decisivo. Era bem possível que dentro de pouco tempo um grupo de naves da frota tefrodense chegasse ao sistema. E nem mesmo a Crest III poderia resistir a tamanha superioridade de forças. — Atenção! — gritou. — Farei um pouso simulado. Talvez consigamos acertar alguns tiros. Se não fosse o campo defensivo hiperenergético, o cheiene não poderia arriscar uma manobra tão perigosa. Sabia perfeitamente que junto à superfície estaria em situação de inferioridade diante das velozes naves tefrodenses. Assim mesmo desceu vertiginosamente. As naves inimigas permaneceram mais algum tempo na mesma rota, para verificar quais eram as intenções de Redhorse. A tela mostrava todos os detalhes da superfície entrecortada do planeta. De repente as três naves tefrodenses aproximaram-se em alta velocidade. Redhorse fez subir abruptamente a corveta. Teve a impressão de que esta só passara alguns metros acima das montanhas. Os comandantes das naves inimigas ficaram confusos por alguns segundos. Uma salva disparada pelos canhões de impulsos da corveta obrigou uma das unidades a realizar um pouso de emergência, enquanto as outras se punham em fuga. Os rastreadores já tinham determinado a posição das instalações subterrâneas dos tefrodenses. Era o único lugar em que Tratlo e seus companheiros poderiam atingir a superfície. Redhorse ficou circulando mais alguns instantes sobre as montanhas. Finalmente fez a corveta descer novamente para a superfície. — Há alguma coisa se mexendo lá embaixo — exclamou um dos homens que se encontravam perto do major. Redhorse olhou para a tela. — São tefrodenses! — gritou, surpreso. — Cortaram o caminho de Tratlo. Antes que tivesse tempo de abrir fogo contra os soldados inimigos, estes retiraramse para dentro das cavernas. Redhorse pousou rapidamente na superfície do planeta Multimatador. O passadiço foi retirado. — Depressa! — ordenou Redhorse. — Dez homens sairão com os robôs de combate e ocuparão as entradas da caverna. Sabia que seria inútil tentar seguir os tefrodenses para dentro das cavernas. Se houvesse uma batalha lá embaixo, os terranos teriam muita dificuldade em saber quem era amigo e quem era inimigo. Só lhes restava ficar postados junto às entradas das cavernas, para ver quem saía primeiro. Os homens da USO ou os tefrodenses.

*** Os rádios portáteis mantiveram Tratlo informado sobre o que se passava na superfície. Desta forma ficou sabendo que os tefrodenses tinham entrado no labirinto de cavernas. — Vou dar uma olhada — sugeriu Gucky. Antes que o capitão tivesse tempo de dizer qualquer coisa, o rato-castor tinha desaparecido. Arl Tratlo deu ordem para que os homens pousassem no chão da caverna. O Major Redhorse mandara ocupar as entradas. O trimatador sabia que o cheiene não podia fazer mais que isso. De qualquer maneira, evitaria que outros tefrodenses entrassem nas cavernas. Arl Tratlo sentiu que seu cansaço cedia lugar a uma estranha tensão, de um tipo que só experimentara uma única vez na vida. Foi na oportunidade em que saíra do réptil tarak, soltando gritos de triunfo, e se defrontara com um randler, atraído pelo cheiro do sangue da fera. O randler não ficou menos surpreso que ele, e seus olhos pequenos e malvados fitaram o homem seminu e sujo de sangue que de repente aparecera à sua frente. Talvez fosse a primeira vez na história da colonização de Meredi IV que um randler recuava diante de um homem — e Arl Tratlo tirou proveito disso. Soltou um grito e investiu contra o monstro em forma de urso, tirando o facão que trazia no cinto. Viu o randler agachar-se para dar o salto e logo o sentiu em cima dele. O randler fungou e suas garras rasgaram as costas musculosas de Tratlo. Enquanto segurava o pescoço do animal com um dos braços, Tratlo levantava o facão com o outro. Sabia que não teria uma segunda chance. O facão penetrou no corpo do randler, que empinou o corpo, atirando para longe o homem agarrado às suas costas. Tratlo ouviu a fera fungar e escondeu-se instintiva-mente embaixo do corpo do réptil tarak. Ainda ouviu por um instante o rastejar furioso dos pés do randler, mas depois disso o único ruído que ouviu foi o zumbido dos insetos que desciam sobre o corpo do réptil. Tratlo saiu de baixo do corpo do tarak. O randler estava estendido bem a seu lado, com o facão enfiado na barriga. Tratlo tremia de tão nervoso que estava. Sabia perfeitamente que tivera uma sorte incrível. Os pensamentos de Tratlo retornaram ao presente, no momento exato em que isso se tornava necessário para Poder dedicar sua atenção ao rato-castor, que voltara a materializar a seu lado. — São dezesseis tefrodenses — informou Gucky. — Estão fortemente armados e usam trajes de combate. É bem verdade que se separaram, o que nos dá uma chance de abrir passagem numa manobra rápida. Tratlo não perdeu tempo. Levantou-se. — Vamos abrir caminho à força! — decidiu. — Não se separem. Um farol acendeu-se bem a seu lado. A figura magra de Borkmann apareceu atrás do feixe de luz. De repente houve um lampejo à sua frente. — Continuem voando! — gritou Tratlo para dentro do microfone de seu rádiocapacete. Pegou o desintegrador e disparou para a escuridão. A arma tremia em sua mão. Tratlo experimentou um ressentimento surdo. Não era capaz de odiar os tefrodenses, pois estes afinal só estavam defendendo aquilo que lhes pertencia. Naturalmente teria sido impossível descer no planeta Multimatador com uma bandeira branca na mão, para explicar aos chefes tefrodenses que os representantes do

Império Solar tinham vindo para examinar calmamente as instalações subterrâneas. Os interesses de dois povos astronautas raramente podiam ser conciliados. Qualquer povo que quisesse expandir-se no espaço tinha de lutar para apoderar-se de qualquer coisa, tal qual acontecia na Terra. Até mesmo a colonização de um planeta como Meredi IV exigiu muita luta, embora neste mundo não existissem nativos inteligentes. Em compensação havia os taraks, os randlers e os sexquípedes. Enquanto atirava nos tefrodenses que queriam barrar-lhe o caminho para a superfície, lembrou-se do que acontecera quando tirara a pele do randler. Era uma peça preciosíssima, que representava o troféu mais cobiçado de um caçador merediense. Uma sombra caiu em Arl Tratlo. Em seguida ouviu-se um par de asas batendo fortemente. Mesmo sem levantar os olhos, Tratlo sabia que um sexquípede voava em cima de sua cabeça. Tratava-se de grandes aves de rapina, que apareciam poucas vezes na região. Certamente era um animal jovem, à procura de um campo de caça. E Arl Tratlo fora a primeira presa que escolhera. Tratlo segurou fortemente o facão e olhava fixamente para a sombra que descia lentamente. Atirou-se para o lado. A ave de rapina ficou suspensa no ar, bem a seu lado. Suas garras perderam-se no vazio. O grito de caça do animal provocou um frio na espinha de Tratlo. Pelos seus cálculos, devia estar a uns trezentos metros da mata e não tinha a menor possibilidade de atingir as árvores, onde estaria salvo. O sexquípede subiu que nem uma flecha e ficou circulando cerca de vinte metros acima da cabeça do merediense. Tratlo viu os dois animais que acabara de abater e teve o pressentimento de que estava para viver o momento mais importante de sua vida. A idéia de que talvez conseguisse matar também o sexquípede lhe fez subir o sangue à cabeça. A ave caiu sobre ele que nem uma pedra. Arl Tratlo saltou para o lado, mas o animal reduziu a velocidade da queda e mudou subitamente de direção. A agilidade da ave fez Tratlo soltar um gemido. De repente sentiu a ave em cima dele e suas ganas afiadas penetraram-lhe nas costas. A dor fustigava-o como se fosse um choque elétrico. A ave batia fortemente com as asas. Quase cego, Tratlo foi golpeando com o facão. O atacante golpeou com o bico, abrindo o lado esquerdo da face de Tratlo até o queixo. O jovem colono batia que nem um selvagem com seu facão.Teve a impressão de que não conseguia atingir nada a não ser penas. Tentou em vão afastar a ave de cima de seus ombros. Em nenhum instante Tratlo pensou que pudesse sair denotado na luta. Protegeu o rosto com um dos braços. Golpeava constantemente com o facão. De repente sentiu que este atingira um obstáculo. No mesmo instante a ave tomou-se mais pesada e soltou um grasnado. Em seguida saiu de cima do ombro de Arl Tratlo e caiu ao chão. A luta deixara o caçador tão exausto que ele ficou de joelhos. Neste instante o som pouco harmonioso de um apito de caça se fez ouvir, vindo do lado em que ficava a floresta. Antes de perder os sentidos, Tratlo viu um grupo de meredienses fortemente armados correr em sua direção. Arl Tratlo fora o primeiro merediense que conseguira abater três dos animais mais perigosos do planeta num só dia. — Estão fugindo! — gritou Baroon neste instante. A voz do tenente chamou Tratlo de volta à realidade. Os tefrodenses tinham suspendido o fogo. Certamente haviam reconhecido que não tinham nenhuma chance de deter o inimigo.

Dali a instantes Arl Tratlo viu a entrada da caverna bem em cima de sua cabeça. Quando saiu para a superfície, viu um vulto enorme à sua frente. — Capitão Arl Tratlo? — perguntou uma voz calma em seu rádio-capacete. — Conseguimos abrir passagem — respondeu Tratlo com a mesma calma. — Sou o Major Don Redhorse — disse o homem.— Viemos para recolher o senhor e seus subordinados e levá-los à nave-capitânia. Antes que Tratlo tocasse a superfície junto à entrada da caverna, outros homens apareceram à sua frente. Não se via mas sinal dos tefrodenses. Tratlo quis entregar-se ao cansaço e voar para a corveta, mas neste instante duas mininaves tefrodenses apareceram em cima das montanhas. — Eles não desistem — disse Redhorse, espantado. — O que encontraram lá embaixo, que deixou os tefrodenses tão loucos para pegá-los? Tratlo enfiou a mão no bolso e tirou alguns discos metálicos. As peças refletiam a luz ofuscante do sol. — Foi isto! Redhorse olhou para a mão do capitão. “Ele só pode pensar que sou um débil mental”, pensou Tratlo, aborrecido. Quem poderia ter tanto interesse em alguns discos de metal parecidos com moedas sem a gravação? — Só isso? — perguntou Redhorse. — Receio que sim — confessou Tratlo. A corveta abriu fogo contra as duas naves tefrodenses. A batalha desviou a atenção de Redhorse de Tratlo. — Ainda bem que os tefrodenses não sabem onde estamos — disse Redhorse. — Uma bomba atirada na entrada da caverna, e estaríamos liquidados. “Não são palavras nada animadoras”, pensou Tratlo. Neste instante uma sombra enorme desceu na superfície do planeta Multimatador. Era a Crest III. Ao que parecia, Rhodan resolvera intervir na luta, apesar das dúvidas que manifestara. Talvez fosse porque um grupo de naves tefrodenses se aproximava. Quando viram o ultracouraçado, os comandantes das duas naves tefrodenses preferiram fugir. — É agora! — gritou Redhorse. Tratlo empurrou-se da superfície, e os homens saíram de vez da sombra da caverna. A Crest III continuava suspensa sobre as montanhas. Os homens voaram em direção à corveta. Quando os últimos homens entraram na eclusa, o passadiço já estava sendo recolhido. Tratlo parou no corredor comprido que começava depois da câmara da eclusa. Batins aproximou-se. Tirou o capacete de seu traje de combate e sorriu para Tratlo. — Até parece milagre — disse. — Milagre? — perguntou Tratlo, levantando a voz. O andarilho fez um gesto resoluto. — Alguém que entra em luta com os tefrodenses não ser derrotado sempre é um milagre. O Capitão Tratlo ainda seguiu o engenheiro cósmico por muito tempo com os olhos. — Batins — disse. — Tenho a impressão de que o senhor é um filósofo. — Somos todos filósofos — respondeu Batins. — Cada um à sua maneira.

Tratlo levantou o capacete e tirou o traje de combate. Sentiu uma alívio enorme por não ter perdido um único homem no interior do planeta Multimatador. Diante disso a perda da KI-33 parecia não ter a menor importância. Baroon apareceu no corredor. Segurava o capacete na mão. Seu rosto enrugado trazia as marcas das canseiras que enfrentara. — Um pouco de sono não nos fará nenhum mal — disse. — Ainda não posso pensar em dormir — disse Tratlo. — Rhodan e Atlan esperam que relatemos o que aconteceu. Além disso temos de transmitir as notícias que o Major Duncan nos enviou da nebulosa Alfa. Baroon coçou a cabeça calva. — Já ia me esquecendo — confessou. *** Gucky se teleportara num salto de volta para a Crest III. — Todos os homens chegaram sãos e salvos à corveta — informou, dirigindo-se a Rhodan. — Os tefrodenses bateram em retirada. — Em compensação suas naves não demorarão a aparecer — anunciou Rhodan. — Os rastreadores registram a presença de um grupo numericamente muito forte, que sem a menor dúvida se dirige ao sistema do sol geminado verde. — Então está na hora de darmos o fora — disse o rato-castor. — Sairemos daqui assim que tivermos recolhido a corveta — disse o Coronel Rudo. A manobra não durou mais de sete minutos. O hangar mal acabara de fechar-se atrás da corveta, quando a Crest III saiu espaço a fora, acelerando rapidamente. — Entre imediatamente em vôo linear, coronel — ordenou Rhodan. Os ecos dos rastreadores das naves tefrodenses eram recebidos com tamanha nitidez, que qualquer homem que se encontrasse na sala de comando do supercouraçado seria capaz de calcular quanto tempo levariam os tefrodenses para chegar ao lugar. O ultracouraçado estava acelerando à razão de 650 km/s2. Era o máximo que o supergigante podia alcançar. Rhodan ficou de olho nas telas. A nave desapareceria no semi-espaço antes que fosse tarde. Os alto-falantes do intercomunicador emitiram um estalo. A voz arrastada de Redhorse se fez ouvir. — Estão todos a bordo, sãos e salvos, senhor. Quais são as ordens? — Compareça à sala de comando com o Capitão Tratlo — ordenou Rhodan. — Quero saber o que descobriu neste mundo. — Moedas, chefe — respondeu Redhorse em tom indiferente. — Um punhado de moedas. Rhodan e Atlan entreolharam-se. Quando se tratava de Redhorse, a gente sempre tinha de esperar uma idéia maluca. Mas ele certamente não seria maluco a ponto de fazer suas brincadeiras justamente num instante como este. *** Foi só quando entrou na sala de comando da nave-capitânia que o Capitão Arl Tratlo se deu conta de vez de que ele e seus companheiros da KI-33 tinham escapado aos trefrodenses. Possuía bastante experiência para ver logo que a Crest III já não se encontrava no sistema do sol geminado verde, pois corria em alta velocidade pelo espaço. Pelos seus cálculos, dentro de instantes a nave daria início ao vôo linear. Rhodan esperou que o merediense se encontrasse bem à sua frente.

Tratlo fez continência e entregou ao Administrador-Geral as fitas com as gravações de rádio e os filmes que lhe tinham sido enviados pelo Major Duncan. — O verdadeiro motivo de nossa presença é este, senhor — disse. — Conforme já mandei comunicar pelo hiper-rádio, os maahks rebelados da nebulosa Alfa conseguiram destruir Alfa-Centro e exterminar os grupos de combatentes dos senhores da galáxia. Rhodan recebeu em silêncio o material com as informações. — Uma grande ofensiva dos maahks contra a nebulosa de Andrômeda é iminente — prosseguiu Tratlo. — Provavelmente as gigantescas frotas dos maahks já estão a caminho. Os senhores da galáxia deram o alarme geral. Os tefrodenses estão de sobreaviso. Haverá grandes batalhas espaciais, a não ser que no último instante aconteça alguma coisa capaz de deter os maahks — Tratlo respirou profundamente. — No material que acabo de entregar o senhor encontrará outras informações. Foi enviado pelo Major Duncan, um comandante cujo cruzador patrulha a nebulosa Alfa. Perry Rhodan colocou as cassetes de filmes e as fitas de rádio sobre a mesa. Seu rosto magro parecia muito sério. — Quero que me diga o que aconteceu no pequeno planeta em que esteve — disse Atlan. Tratlo virou ligeiramente o rosto, para que pudesse encarar o arcônida e Rhodan ao mesmo tempo. Atlan era propriamente o chefe de Tratlo. O capitão sabia que nunca haveria conflitos de atribuições entre Rhodan e o arcônida. Por isso seria indiferente a quem dirigisse a palavra no momento de apresentar seu relato. Com um gesto titubeante tirou do bolso os discos metálicos de que se apoderara no planeta Multimatador. Brilhavam às luzes dos painéis de controle. Ali, na sala de comando da supernave, pareciam ainda mais insignificantes do que embaixo da superfície do pequeno planeta. — São moedas? — perguntou Atlan. — Moedas? — repetiu Tratlo, confuso, e sorriu. — O Major Redhorse já lhes contou — disse. — Estas chapinhas realmente se parecem com moedas. O aspecto destes microaparelhos levou o Tenente Baroon, imediato da KI-33, a pensar que as instalações subterrâneas em que estivemos fossem o estabelecimento que fabrica as moedas do banco dos inimigos. Rhodan pegou alguns dos disquinhos. Tratlo entregou algumas das pecinhas ao arcônida. Rhodan atirou uma das peças no ar e apanhou-a com um movimento ágil. — Não são moedas, capitão — constatou. — Quanto a isso não tenho a menor dúvida, senhor — confirmou Tratlo. Atlan pesou três disquinhos na palma da mão. Parecia pensativo. — As instalações que os tefrodenses mantinham no Multimatador — foi esse o nome que demos ao planeta — provavelmente só serviam para fabricar estes objetos. São completamente automáticas. Quando chegamos lá, só havia alguns técnicos e cientistas lá embaixo. Controlavam o equipamento automático. Só mais tarde os soldados foram chegando pelo transmissor. — Pelo que informa Gucky, trata-se de um transmissor muito parecido com o dos aconenses — disse Rhodan. — É mesmo? — Sem dúvida — respondeu Tratlo. — Mas o andarilho Batins alegra nunca ter ouvido falar nos aconenses. Afirma que se trata de um típico transmissor tefrodense. — É claro que Batins tem razão — observou Kalak.

— É estranho — disse Atlan. — Mandaremos examinar estes disquinhos. O senhor merece um bom descanso, Capitão Tratlo. Peça que lhe dêem um camarote. — Obrigado, senhor! — respondeu Tratlo e retirou-se. — O senhor sabe o que vêm a ser estes discos? — perguntou Rhodan, dirigindo-se a Kalak. — São talismãs — respondeu o engenheiro cósmico. Seu rosto parecia revelar um estranho constrangimento. Havia um sorriso de incredulidade no rosto de Rhodan. Não esperara uma resposta destas, ainda mais de Kalak. O andarilho parecia sentir isto, pois mostrava-se embaraçado. — Deve haver mais alguma coisa nestes disquinhos — apressou-se Kalak em dizer. — Mas só posso dizer o que eu sei. — Mandaremos examiná-los — decidiu Rhodan. Ligou o intercomunicador e comunicou-se com o laboratório. Gardner? — perguntou. — Tenho um trabalho para o senhor. Trata-se de um tipo de microaparelho tefrodense. Talvez não seja bem isto. É possível que sejam moedas... O quê? Não! Moedas... eu disse. Examine os objetos e verifique para que servem. — Rhodan hesitou um pouco e acrescentou: — Tenha cuidado, Gardner. Rhodan chamou um sargento e entregou-lhe os disquinhos. — Leve isto ao laboratório e entregue ao Doutor Gardner — ordenou. — Estragar um talismã dá azar — gracejou Kalak. *** Os dedos delgados do Dr. Jeremy Gardner seguraram o cabo do microalicate e apertaram-no. Ficou com os olhos semicerrados, enquanto se inclinava sobre o pequeno torno. Pegou o cabo partido e prendeu-o em outro lugar. Manipulou com muita habilidade o pequenino ferro de soldar. Quando terminou, recostou-se na cadeira. O suor gotejava em sua testa. O assistente olhou por cima de seu ombro. — Pode ligar, Jonas — disse Gardner em tom áspero. Ouviu o ruído do jaleco do jovem, seguido pelo estalo do contato. Alguns dos fios que Gardner acabara de soldar no disco metálico tornaram-se incandescentes. O aparelho de seu laboratório, ao qual iam três dos cabos presos ao disco metálico, emitiu um zumbido forte. — Desligue — disse Gardner com a voz cansada. O zumbido terminou. Jeremy Gardner olhou para o relógio. Perry Rhodan podia dar-se por satisfeito. Gardner não levara mais de duas horas para verificar qual era a finalidade dos objetos de que o Capitão Tratlo se apoderara. — Ligue-me com a sala de comando, Jonas — disse Gardner, enquanto retirava cuidadosamente os fios presos ao disco. Dali a pouco Rhodan atendeu ao chamado. — Então, doutor? — perguntou, curioso. — Descobriu alguma coisa? — Descobri tudo, senhor! — respondeu Gardner. — Fiz apenas algumas experiências, e já dei com a pista certa. E o teste final confirmou minhas suposições. — Não me martirize — disse Rhodan. — São receptores de hiperondas — disse Gardner com um sorriso. — Somente isto. Os dois ficaram em silêncio por um instante. Gardner imaginava que Rhodan estaria refletindo intensamente. — Tem certeza de que estes discos não desempenham nenhuma outra função?

— Tenho certeza absoluta — asseverou Gardner em tom enfático. Ficou um pouco aborrecido por Rhodan ter duvidado do resultado de suas investigações. — Está bem — disse Rhodan. — Tem alguma idéia do motivo que os tefrodenses podem ter para fabricar estes hiper-receptores aos milhares, num local secreto? Gardner pegou o disco com os dedos delgados e girou-o lentamente. A superfície metálica tomara-se áspera, por causa dos pontos de soldagem. — Quem sabe se os tefrodenses não precisam destes microaparelhos para guarnecer as instalações de hiper-rádio de suas naves? — conjeturou. — Neste caso não teriam necessidade de produzi-los num local secreto — objetou Rhodan. — Estes discos devem ter uma finalidade toda especial. Pelo que diz Kalak, trata-se de talismãs. Isto o ajuda a compreender de que se trata? Gardner deu uma risadinha. — Não ajuda nem um pouco, senhor. Duvido que estas coisas possam trazer sorte ou azar para alguém. Só podem fazer aquilo para que foram fabricadas: receber hiperondas. — Obrigado — disse Rhodan e desligou. Gardner atirou um dos discos para seu assistente. — Um talismã — observou, aborrecido. — O que acha disso, Jonas? — Não acredito em fantasmas — respondeu o jovem cientista. — Nem eu — disse Gardner com um sorriso.

10 O sargento Vern Horun soltou um gemido e fechou a porta do camarote. Slate piscou os olhos. Parecia cansado. — Onde você se meteu? Em vez de dormir, fica andando por aí. Vern Horun lançou um olhar aborrecido para seu colega de camarote. — Enquanto você se espreguiçava, cuidei de assuntos importantes — respondeu. — A experiência feita pelo Coronel Alurin, por sugestão nossa, não foi bem-sucedida. O sargento Slate franziu a testa e esfregou os olhos. — Hein? — perguntou. — Não me lembro de ter feito qualquer proposta a Alurin. — Tomei liberdade de apresentar uma sugestão por mim concebida também em seu nome — disse Horun. — É bom que saiba. Slate bocejou e voltou a deitar na cama. — Quanta generosidade! — disse, contrariado. — Atravessamos toda a nebulosa de Andrômeda, e só agora fico sabendo que fiz uma sugestão ao Coronel Alurin. Será que você poderia ter a bondade de me explicar que sugestão foi esta? — Você e eu — disse Horun em tom enfático — fizemos sentir ao coronel a conveniência de na primeira oportunidade enviar o Capitão Arl Tratlo e o Tenente Kaarn Baroon para a mesma missão. Kalim Slate ergueu-se abruptamente. — Pois é isso — disse. — Pois é isso — repetiu Horun, furioso. — Acontece que não deu certo. Os dois quase se mataram durante a operação. E não é só. Neste momento ele está sentado em seu camarote, desenhando o outro. — Quem está sentado onde, e desenhando quem? — perguntou Slate. — Baroon está desenhando o capitão — chiou Horun. — Será que você nunca vai acordar? — E daí? — resmungou Slate. — Há algum mal em um desenhar o outro? — Não se trata de um retrato propriamente dito, mas de uma caricatura — respondeu Horun. Slate pôs as pernas enormes para fora da cama. — Precisamos fazer alguma coisa — disse. — Ainda bem que você acordou — constatou Horun, satisfeito. — Temos de evitar que alguém veja a caricatura, e que Tratlo fique sabendo da atividade desenvolvida pelo tenente. — Vamos roubar o desenho — sugeriu Slate. Horun levantou os braços num gesto de recusa. — Nem pensar. Uma pessoa nascida em Purthag não rouba. Os dois saíram sem trocar mais uma palavra. — Tive uma idéia — disse Horun enquanto se dirigiam ao alojamento de Baroon. — Vamos pedir que ele nos venda o desenho. — Comprar o desenho? — perguntou Slate, apavorado. — Você quer investir dinheiro numa porcaria dessas? — Você ganhou bastante dinheiro jogando baralho com Tratlo — lembrou Horun. Slate sacudiu o amigo pelo ombro.

— Quer usar meu dinheiro? — perguntou em tom de incredulidade. — Só se estivesse louco. — Prefere ser rebaixado pelo Coronel Alurin? Slate sacudiu os punhos, furioso. Que tipo de amigo era o Vern Horun! Como podia envolvê-lo numa história destas? Afinal, um idiota teimoso como este querendo dar uma de psicólogo não poderia dar outra coisa. A porta do camarote do Tenente Baroon estava aberta. Slate enfiou a cabeça por ela. — Saiu! — resmungou. — Parece que chegamos tarde. Horun entrou o examinou o camarote com um olhar de entendido. — O quadro desapareceu! — constatou, nervoso. Baroon saiu levando a caricatura. — Posso imaginar para onde deve tê-la levado — afirmou Slate, zangado. Horun preferiu não responder. Esquivou-se do olhar de reprovação do amigo. *** O Tenente Kaarn Baroon bateu à porta e esperou que o convidasse a entrar. Uma vez no interior do camarote, viu o Capitão Arl Tratlo sentado à mesa. O merediense levantou imediatamente. — Olá, tenente — disse em tom amável. — Estou fazendo meu relatório. — Espero não estar incomodando — disse Baroon, embaraçado, olhando para o chão. — Talvez possa ajudar-me em certos detalhes do relatório. Baroon tirou um papel enrolado do bolso do uniforme e colocou-o à frente de Arl Tratlo. — Isto é para o senhor — disse. — Fiz um retrato seu. O rosto de Tratlo assumiu uma expressão sombria. — Será que vai começar tudo de novo? — perguntou, contrariado. Abriu o papel e fitou a caricatura com os olhos arregalados. De repente irrompeu numa gargalhada que fez tremer seu corpo. Baroon riu tanto que as lágrimas brotaram de seus olhos. — Espero que assim esteja tudo resolvido — disse o tenente depois de algum tempo. Tratlo encarou-o por algum tempo e num gesto impulsivo estendeu-lhe a mão. — Vamos fazer as pazes, Kaarn? — perguntou. Baroon lançou um olhar desconfiado para a gigantesca mão morena, atravessada por veias. — Não vai esmagar meus dedos? — perguntou. — Com os amigos costumo ser mais cuidadoso — respondeu Arl Tratlo. Os dois apertaram-se as mãos. Sem querer, olharam para a caricatura estendida sobre a mesa. Mostrava Arl Tratlo lutando com três monstros, todos eles com a cabeça e o rosto de Baroon. *** ** *

Seu ponto de encontro era o planeta secreto dos guardiões do centro — onde acabaram tendo um encontro com a morte. Um exame mais minucioso acabou revelando que as “moedas” trazidas para dentro da Crest III por Arl Tratlo e os homens de seu grupo eram verdadeiros Microcarrascos. No próximo volume da série Perry Rhodan você lerá outros detalhes sobre o assunto.

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