(P-231)
O SISTEMA DOS PERDIDOS Autor
KURT MAHR
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
No ano de 2.401, quando os duplos fizeram sua aparição na Galáxia, o Lorde-Almirante Atlan, chefe da United Stars Organization, foi levado a recorrer aos seus mutantes secretos Tronar e Rakal Woolver, a fim de ajudar Perry Rhodan a rechaçar os invasores vindos de Andrômeda. Os parasprinters — nome dado aos gêmeos Woolver, graças à sua capacidade de deslocar-se no interior de qualquer fluxo energético — fazem um excelente trabalho. Os gêmeos do planeta Imart, de cuja existência nem sequer Gucky, o membro mais competente do exército especial de Perry Rhodan, tinha conhecimento, desvendaram o mistério dos duplos, fizeram espionagem no centro de comando dos maahks e impediram a invasão que ameaçava a Galáxia. Gucky, o célebre rato-castor, acabou saltando para dentro da cova do leão e trouxe Grek-1, chefe da invasão maahk que se frustrara, para junto de Perry Rhodan. Mas mesmo depois de prisioneiro o comandante maahk não esqueceu o legado de seu povo — nem poderia esquecer. Trouxe a morte e a destruição da frota dos aconenses e causou o fim de Gêmeos. Mas agora, que Grek-1 se libertou da obrigação de praticar a vingança, ele se passa de vez para o lado dos terranos. E é ele quem sugere a Perry Rhodan que usem o transmissor de Kahalo para atingir um sistema que os senhores da galáxia há muito deixaram de vigiar. É O Sistema dos Perdidos.
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Personagens principais: = = = = = = =
Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar. Grek-1 — Um novo amigo dos terranos. Reginald Bell — O Marechal-de-Estado que passou a filósofo Rakal Woolver — O homem saído de uma tomada. Cart Rudo — Comandante da nave Crest II. Conrad Nosinsky — Chefe da missão de reconhecimento Ural. Vern Hebbel, Guerr La Costa e Herb Bryan — Homens da Lucky Lady.
Prólogo
O planeta estourou. Rompido pelo força tremenda das gigantescas explosões, desmanchou-se, lançando bilhões de fragmentos para as profundezas infinitas do cosmos. O denso envoltório atmosférico espalhou-se e se afastou em forma de tênues véus brancos formados por hidrogênio, metano e amoníaco, que não demoraram a perder-se no nada. As grandes cidades desmoronaram. Muitas delas foram divididas no meio, quando a fenda aberta por uma explosão as atravessou no centro. Os habitantes destas cidades morreram tão depressa que nem se deram conta do que estava acontecendo. As forças do inferno enfurecido agitaram-se por algumas horas, e o planeta Kulloch deixou de existir. Por um pequeno espaço de tempo poderia ter-se a impressão de que com isso o espetáculo apavorante chegara ao fim. Mas os fragmentos do planeta, atirados em todas as órbitas imagináveis sob o efeito da explosão, não se dirigiram somente para o espaço livre; alguns precipitaram-se sobre os dois sóis vermelhos, cujo único planeta fora Kulloch. Embora a massa do planeta fosse muito reduzida em comparação com as duas estrelas gigantes, não se deve esquecer que o equilíbrio de um sistema formado por duas estrelas é extremamente delicado. Qualquer fenômeno, mesmo insignificante, poderia perturbar esse equilíbrio, e em noventa e nove casos em cem o resultado da perturbação seria a destruição de todo o sistema. Quando foram atingidos pelos fragmentos, os sóis irromperam em chamas. Enormes protuberâncias precipitaram-se milhões de quilômetros pelo espaço afora. Fragmentos gigantescos, cada um do tamanho de um pequeno planeta, passaram entre os dois sóis, descrevendo uma trajetória acidentada e estabelecendo a confusão do complicado campo energético no lugar em que as extremidades dos dois sóis ficavam mais próximas uma da outra. Por alguns dias e semanas tudo indicava que os dois gigantes se precipitariam um sobre o outro. Com isso o sistema fatalmente desapareceria numa explosão nuclear de proporções tamanhas que o espaço vazio intergaláctico não tinha visto nos bilhões de anos de sua existência. A força irradiada pelos sóis começou a crescer e seu espectro mudou do vermelho, que indicava um conteúdo relativamente reduzido de energia, para um branco alaranjado. Mas aconteceu uma coisa que não tinha sido prevista. A pressão exercida pelas radiações que se dirigiam de um sol para outro freou o desastroso movimento. Um fragmento do planeta destruído, do tamanho da Lua terrana, passou tão perto de um dos dois sóis que sua superfície se derreteu, agindo no momento exato com seu insignificante campo gravitacional sobre o centro de gravidade comum dos dois componentes do sistema. As duas estrelas gigantes se acalmaram. O espaço que separava suas bordas se tinha reduzido para dois milhões de quilômetros. A densidade dos sóis aumentava em dez por cento, e a força de suas radiações crescera na mesma proporção. As coisas continuaram assim. Aos poucos o sistema foi entrando em repouso. Mais ou menos a terça parte da massa do planeta Kulloch abandonara para sempre a gravisfera dos sóis gêmeos e passara a movimentar-se em diversas trajetórias determinadas pela força da inércia. Dois terços dessa massa continuaram no interior do sistema. Estes dois terços eram representados por fragmentos do tamanho de planetóides de grandes dimensões até as
lascas de pedra microscópicas. Contornavam os sóis gêmeos em todas as órbitas imagináveis, formando um círculo de planetóides cuja diversidade era bem maior que o do sol terrano. Até parecia que os dois sóis queriam proteger-se contra qualquer interferência vinda de fora. A espaçonave que se arriscasse a entrar na confusão de fragmentos não tinha muitas chances de sair de lá ilesa. No momento em que o maior fragmento do planeta desaparecido, constituído por um bloco de rocha de cerca de oitenta trilhões de toneladas, completou as quinhentas voltas em torno dos sóis gêmeos, o sistema recuperara a mesma estabilidade de antes. Dali em diante todas as órbitas estariam fixadas, a densidade dos sóis não se modificaria mais e, a não ser que houvesse outro acontecimento catastrófico, os sóis gêmeos e o bando formado por bilhões de satélites continuariam a existir enquanto o curso lento da evolução sideral não lhes pusesse fim. *** Pelas leis da física convencional, toma-se extremamente difícil fixar determinado acontecimento no calendário de um historiador que se encontre a grande distância. Se o sol terrano explodisse neste momento, o observador que se encontrasse no planeta Terra só levaria oito minutos para saber o que tinha acontecido. Já o astrônomo que se encontrasse em um dos planetas pertencentes à nebulosa de Andrômeda ficaria mais de um milhão e meio de anos sem saber o que tinha acontecido, mesmo que pudesse observar o fenômeno. As regras da mecânica do hipercontínuo, por mais complicados que sejam, permitem a interpretação mais universal do fenômeno tempo. Como deixam de considerar os limites do conjunto espácio-temporal einsteiniano com suas quatro dimensões, tomam possível a observação dos acontecimentos que se verificam no cosmos einsteiniano a partir de um ponto mais elevado, atribuindo a cada acontecimento um ponto bem definido numa escala uniforme do tempo. Vista assim, a destruição do planeta Kulloch ocorreu cerca de mil anos terranos antes dos acontecimentos que passamos a relatar.
1 — Sargento! Herb Bryan estava parado na escotilha, um tanto embaraçado. Sua figura enorme preenchia quase completamente a abertura. — Senhor, gostaria de perguntar se pode dispor de um momento para mim. O Tenente Conrad Nosinsky estava sentado à frente de uma pilha de papéis que se encontravam sobre uma pequena escrivaninha que acrescentara ao mobiliário de seu camarote, contrariando todos os regulamentos. — Entre, Herb — disse Nosinsky com um gesto amável. — Sente nesta cadeira. Bryan obedeceu. A escotilha fechou-se automaticamente. Nosinsky afastou os papéis. — Que houve, Herb? O sargento apontou para a tela embutida na parede, que se encontrava atrás da escrivaninha. — O senhor baixou a persiana. Nosinsky brindou-o com um olhar de espanto. — Foi por isso que veio? Bryan sacudiu a cabeça. Nosinsky apertou um botão preso a uma barra de comando parafusada na borda da escrivaninha. A tela iluminou-se, mostrando um trecho da paisagem do planeta Kahalo. O quadro era estável e apresentava-se num colorido natural, dando a impressão de que a tela de imagem era uma janela que dava uma visão direta para o que havia do lado de fora. — Não senhor — respondeu Bryan. — Olhe para isso! Nosinsky virou a cabeça e olhou para a tela. A Crest II estava pousada numa planície extensa, que ficava ao sul das seis pirâmides. Via-se a forma esférica de algumas espaçonaves menores e mais no fundo os edifícios recém-construídos da administração espaço-portuária de Kahalo. A superfície do campo de pouso era formada em sua maior parte de terra queimada e vitrificada. Só de vez em quando via-se uma ilha de grama, nos lugares que ainda não tinham sido atingidos pelos gases escaldantes expelidos pelos jatos-propulsores das espaçonaves. — Não vejo nada de especial — disse o tenente. — Parece tudo como era ontem ou há uma semana. — Pois é isso — confirmou Bryan em tom enfático. Nosinsky fitou-o com os olhos semicerrados. — O que houve mesmo, Herb? Diga logo por que veio! — O senhor ainda não notou — disse Bryan, esquivando-se à pergunta — que nas últimas semanas não aconteceu nada, absolutamente nada? Nosinsky mostrou um sorriso irônico. — Pois isso devia deixá-lo contente, Herb. Os meses anteriores foram bem agitados, não foram? Bryan revirou nervosamente as mãos. — Naturalmente, senhor — reconheceu. — Acontece que estou na frota há tantos anos que sempre fico nervoso quando não acontece nada. Estamos desperdiçando nosso tempo, e por isso pensei...
— Ah! Aí vem! — observou Nosinsky. — ...pensei que a frota não poderia ser prejudicada se finalmente gozasse minhas férias, já que não está acontecendo nada. Parecia aliviado depois de ter apresentado sua pretensão. Nosinsky levantou. Era de estatura média, tinha cabelos castanhos e seus ombros eram muito largos. Mas apesar da constituição robusta parecia pequeno e fraco ao lado de Bryan, que era um gigante alourado. — O senhor sabe que todas as licenças foram suspensas em Kahalo, Herb — disse com a voz tranqüila e saiu detrás da escrivaninha. Bryan levantou a mão. — Com algumas exceções, senhor — objetou. — Os oficiais e suboficiais que estão há mais de cinco anos... — O senhor também sabe que não cabe a mim decidir sobre os pedidos de férias e licenças — prosseguiu o tenente sem abalar-se. — Sei, sim senhor. Mas pensei que se quisesse dar uma palavra... — Ainda sabe que o tráfego de espaçonaves entre Kahalo e a Terra é extremamente reduzido, porque a posição do planeta tem de ser mantida em segredo. O senhor quer ir à Terra, não quer? O rosto anguloso de Bryan iluminou-se. — Um momento, senhor. Sobre isto estou informado. — tirou lentamente um livrinho de anotações do bolso do uniforme e folheou o mesmo. — Aqui está. A Trans um-um-oito decola amanhã de manhã com destino à Terra. É exatamente o que me convém. — Como soube disso? — perguntou Nosinsky em tom sério. Bryan ergueu os ombros. — Andam falando por aí — disse, esquivando-se à pergunta. Nosinsky deu uma risada. Parecia aborrecido. — Mercant e seus homens fazem o que podem para que tudo que se passa em Kahalo permaneça em segredo na medida do possível, mas um simples sargento fica sabendo... Bryan sentiu-se tão ofendido que esqueceu as regras da disciplina. — Não sou um simples sargento, senhor — queixou-se. — Quando entrei no serviço da frota, o senhor ainda era... Nosinsky interrompeu-o com um gesto e acenou com a cabeça. Parecia contrariado. — ...ainda era um menino que chupava suas balinhas e não sabia de nada. Mas isso não explica como o senhor ficou sabendo a data da decolagem da Trans um-um-oito. Bryan tentou contemporizar. — Acho que isto não importa muito, senhor. Eu só queria... — Está bem; vou tentar. Falarei com o Major Bernard. Qual é o período de férias a que tem direito? — Dezoito semanas, senhor. — Que coisa, Herb. Não venha me dizer que acredita que a Crest II ainda ficará parada por dezoito semanas. O senhor está sentindo falta... Herb Bryan procurou assumir um ar de superioridade. — Isso não me interessa, senhor — objetou. — Quando estiver na Terra, com seis mil solares de dinheiro economizado no bolso, a Crest por mim pode conquistar o Universo. Não me importo nem um pouco que não esteja por lá... Ei, que é isso?
Virou-se abruptamente e arregalou os olhos. Ouviu-se um chiado vindo da parede, logo abaixo da tela. Uma névoa formou-se no ângulo formado pela parede e pelo soalho, foi subindo e assumiu as formas de uma figura humana. Menos de cinco segundos se tinham passado desde o momento em que Herb se interrompera no meio da frase, e à frente da tela de imagem surgiu um homem de aspecto tão estranho que Herb perdeu a fala. O desconhecido era quase da mesma altura que Herb. Era completamente humanóide, mas apresentava certas peculiaridades que mostravam perfeitamente que não tinha nascido na Terra. O tórax antes parecia um balão inflado, a pele era verde-clara, e os cabelos muito curtos tinham um brilho violeta. Conrad Nosinsky não se abalou com o súbito aparecimento do visitante. Aproximou-se do mesmo e cumprimentou em tom amável. O homem de pele verde sorriu e disse: — O Chefe está convocando todos os oficiais para que recebam instruções, Conrad. Estava passando por aqui e resolvi parar um instante. Não sabia que o senhor estava com visita. — Não faz mal — disse Nosinsky. — Sargento Bryan, quero apresentar Rakal Woolver. — Está bem — disse Herb em tom lacônico. Não parecia nada feliz. — Muito obrigado, Woolver — disse Conrad Nosinsky, voltando a dirigir-se ao homem de pele verde. — Quando deverá estar lá? Woolver olhou para o relógio. — Daqui a meia hora mais ou menos. Exatamente às quatorze horas, tempo de bordo. — Cumprimentou Bryan com um gesto amável e prosseguiu: — Acho que vou andando. Vamos encontrar-nos daqui a meia hora, Conrad. Bryan inclinou o corpo, para não perder nenhum detalhe da cena que se seguiu. Woolver ajoelhou. No mesmo instante começou a dissolver-se. Ouviu-se um chiado breve. Era como se alguém deixasse escapar lentamente o gás de uma garrafa de refrigerante. O homem de pele verde desapareceu. Quando Nosinsky voltou a dirigir-lhe a palavra, Herb Bryan estava com o queixo caído. — Isso estraga nossos planos, Herb — disse em tom amável. — Como... como é que ele faz isso? — exclamou Bryan, confuso. Nosinsky colocou a mão em seu ombro. — Preste atenção, Herb! O Chefe está chamando os oficiais para receberem instruções. — É... é mesmo...? Bryan parecia despertar de um transe. — E daí...? Levantou. — Já sei — disse, respondendo à sua própria pergunta. — O Chefe não convocaria os oficiais se não tivesse algo muito especial em vista. E quando tem, ninguém consegue férias. — Isso mesmo, Herb. Fico satisfeito porque o senhor compreendeu. — Droga! — exclamou Herb Bryan.
Fez continência e retirou-se sem tirar os olhos do lugar em que Rakal Woolver tinha desaparecido. *** Uma estranha conferência estava sendo realizada no convés de comando da Crest II, em um dos aposentos ocupados pelo Administrador-Geral do Império Solar. Em torno da mesa que se via no recinto escassamente mobiliado estavam sentados, além do Administrador-Geral, Atlan, o arcônida, Reginald Bell, o segundo homem mais poderoso do Império, Arno Kalup, o hiperfísico genial, e uma figura enfiada num traje espacial, a cuja frente havia uma caixa ligada por um tubo ao traje espacial. O capacete do traje espacial parecia uma excrescência larga colocada sobre os ombros, e o visor do capacete deixava à mostra uma cabeça em forma de foice, que assentava diretamente no corpo e se estendia de um ombro a outro. Dois olhos em forma de bastão saíam da cabeça e permaneciam imóveis, fitando o que havia para além do visor do capacete. Perry Rhodan estava muito sério quando começou a falar. — Quer dizer que já sabemos qual é a situação. Perdemos Gêmeos. Não podemos ter certeza de que os senhores da galáxia deixem de incomodar nossa Galáxia daqui para o futuro. O avanço dos maahks só resultou em parte da necessidade de vingar-se dos arcônidas. No fundo obedecem às ordens dos senhores da galáxia. Devemos concentrarnos principalmente em conseguir outro posto avançado para o Império. Este posto deve ser alcançado pelo transmissor solar e ficar mais próximo da nebulosa de Andrômeda que de nossa Galáxia. Nosso amigo Grek-1 informou-nos sobre uma estação de transmissores que parece feita de encomenda para nós. Os dados fornecidos por Grek foram encaminhados ao centro de computação Natã, que aprovou irrestritamente nosso plano, em sua formulação atual. Amo Kalup acendeu desajeitadamente um cigarro. Com sua estatura maciça, as veias azuis que apareciam no rosto flácido e as protuberâncias embaixo dos olhos parecia antes um membro de conselho fiscal bastante insatisfeito que um dos maiores cientistas do Império. — Grek — prosseguiu Perry Rhodan — resolvemos partir quanto antes. Esta nave está em condições de decolar a qualquer momento. Teremos que dar instruções aos oficiais, mas isto não demorará mais de uma hora da nossa escala de tempo. O senhor está disposto a ir conosco? A figura enfiada num traje espacial não fez nenhum movimento. Depois de uma ligeira pausa uma voz mecânica saiu do aparelho em forma de caixa. — Estou disposto. E concordo com o senhor. O Sistema dos Perdidos é exatamente o que o senhor precisa. — Fico-lhe muito grato — respondeu Perry. — A conferência está encerrada, senhores. Convocarei os oficiais para receberem instruções. Professor Kalup, o senhor tomará as providências necessárias para que o transmissor possa ser ajustado para o nosso destino. Mas por enquanto não faça o ajuste. Quando isso for feito, quero estar presente. *** Dali a duas horas um planador de quatro lugares estava passando pela periferia da circunferência sobre a qual se encontravam as seis pirâmides. Empolgantes e ameaçadoras, as gigantescas figuras emitiam um brilho verde. Até pouco tempo atrás ainda tinham sido um santuário intocável para a raça nativa dos big-heads. O círculo da
morte, que costumava destruir tudo que tentasse aproximar-se das pirâmides, tinha desaparecido. Os projetores que geravam o campo mortífero ainda existiam, mas os comandos eram manipulados por robôs terranos. O planador, no qual só se encontravam dois homens, passou por cima do círculo e seguiu para a direita. Dali a instantes passou a deslocar-se em direção à face voltada para o centro da pirâmide do sul e desapareceu numa abertura que de repente surgiu à sua frente, penetrando na gigantesca construção. Desceu por uma galeria oblíqua, fortemente iluminada, e foi parar num pavilhão situado bem embaixo da superfície. Perry Rhodan e Reginald Bell saíram do planador. Amo Kalup e dois dos seus assistentes tinham vindo para recebê-los. — Tudo preparado? — perguntou Perry. — Naturalmente, senhor — respondeu Kalup. — A única coisa que o senhor terá que fazer é mover a chave. Uma porta abriu-se na parede dos fundos do pavilhão. Arno Kalup e os visitantes atravessaram um corredor curto e atingiram outro pavilhão circular, que no alto terminava numa abóboda imponente. No fundo escuro da abóbada destacavam-se modelos em escala exata da Galáxia da Humanidade e da galáxia conhecida como Andrômeda. Havia uns poucos pontos luminosos no espaço vazio situado entre as duas galáxias. Estes pontos representavam as estações intermediárias para as quais podia ser ajustado o campo transportador do transmissor solar. Os assistentes de Kalup ficaram para trás. O cientista entrou no pavilhão acompanhado somente por Perry Rhodan e Reginald Bell. Havia uma fileira quase ininterrupta de consoles de comando junto à parede. Perry Rhodan parou, com o rosto virado para cima, e contemplou numa atitude compenetrada o quadro oferecido pela abóbada. Permaneceu em silêncio mais de um minuto. Finalmente dirigiu-se a Arno Kalup. — Acho que posso entrar aqui mil vezes — disse com um tom de satisfação na voz — e sentirei sempre a mesma admiração, como da primeira vez que entrei aqui. Kalup confirmou com um gesto. — Compreendo, senhor. Comigo acontece a mesma coisa — riu com uma expressão de auto-ironia. — Todo mundo acha que deve enfrentar estas coisas com a frieza típica do cientista. Receio que neste ponto não faça jus à fama que desfruto. E olhe que isto é somente a imagem de duas galáxias. No fundo qualquer planetário terrano é uma maravilha igual a esta. — Não são as imagens — observou Bell. — É o que existe atrás delas. Trata-se de uma ciência infinitamente superior à nossa, em cujos mistérios apenas começarmos a penetrar. Perry fitou-o com uma expressão de espanto. — Caramba — disse. — É muito raro você deixar-se arrastar a contemplações filosóficas deste tipo. Bell respondeu com um olhar condescendente e recriminador. — O ajuste do transmissor poderá ser realizado a qualquer momento, senhores — disse Kalup. — Façam o favor de acompanhar-me ao quadro de comando geral. Kalup levou-os a um gigantesco console de comando, que ficava junto à entrada que acabara de abrir-se na parede. Deu uma explicação ligeira dos movimentos que teriam de ser feitos e apontou para o teto. — Os senhores estão vendo uma faixa luminosa estreita, que leva da periferia de nossa Galáxia a um dos pontos luminosos situados no espaço vazio — Perry conhecia o
funcionamento do galactário e não teve nenhuma dificuldade em encontrar o raio luminoso. — No momento a faixa aponta para Gêmeos — prosseguiu Kalup. — Não existe nenhum caminho de volta deste sistema, já que o centro de comando instalado no mesmo foi destruído. Assim que mexermos nos controles, o raio luminoso caminhará, para fixar-se no novo destino. Quer fazer o favor de mover estas chaves, senhor? Perry moveu a chave. Seguiu as instruções de Kalup, mexendo em mais alguns controles, e virou a cabeça para observar a faixa luminosa. Por um instante teve-se a impressão de que nada tinha mudado. Mas de repente a faixa luminosa começou a movimentar-se. Deslizou à maneira do feixe de luz de um holofote, partindo de um ponto fixo próximo ao centro da Via Láctea, passando por cima de vários pontos luminosos solitários, para finalmente parar em um deles. — Destino enquadrado — observou Kalup em tom seco. — O ponto em que termina o raio é a imagem do Sistema dos Perdidos, nome que lhe foi dado por nosso amigo. Perry não disse uma palavra. Limitou-se a acenar com a cabeça. — A distância entre este sistema e o ponto em que nos encontrarmos é de novecentos e cinqüenta mil anos-luz. Quer dizer que em comparação com o sistema de Gêmeos vamos aproximar-nos um pouco mais da nebulosa de Andrômeda, embora não seja muito. Reginald Bell acordou abruptamente da rigidez devota. — Tem certeza de que vai funcionar? — perguntou com uma preocupação bem perceptível. — Tenho tanta certeza quanto tenho de que isto aqui é o centro de comando do transmissor solar — respondeu Kalup em tom sério. Bell respirou aliviado. — Obrigado, doutor. Para mim basta. — Já é tarde — constatou Perry. — Doutor, o senhor queria dizer mais alguma coisa? — Queria, sim senhor — confirmou Kalup. — Trata-se do comando de bloqueio que fecha o transmissor à recepção de objetos enviados pelo mesmo. — Perfeitamente. O senhor discutiu o assunto demoradamente com Grek-1. Qual foi o resultado? Um sorriso alegre apareceu no rosto de Kalup. — Obrigado pela gentileza, senhor. Na verdade não discutimos o assunto. Grek-1 apenas me ensinou o que tenho que fazer. Ficou espantado, quase diria indignado, quando eu lhe disse que não tínhamos a menor idéia de como bloquear a recepção do transmissor. Acreditava que conhecêssemos o segredo há muito tempo. — Nós lhe dissemos — interrompeu Perry — que estávamos em condições de frustrar seus planos com o bloqueio do transmissor. Isso aconteceu quando ainda era nosso inimigo. Foi uma coisa que o deixou bastante abalado, naturalmente porque sabia que realmente existe um comando que realiza este bloqueio. — Ora veja — disse Kalup. — Isso já explica alguma coisa. Seu nervosismo não durou muito. Aliás, possui uma mente muito lógica. Lembro-me... — Professor...! Kalup levantou os olhos, perturbado. — Ah, sim. Já ia me esquecendo. Não temos tempo. Queira desculpar, senhor — parecia confuso. — O comando de bloqueio já foi ativado. Faz com que os objetos que cheguem em forma de hiperimpulsos sejam devolvidos imediatamente ao respectivo
transmissor. Isto se aplica durante as vinte e quatro horas do dia, com exceção de cinco interrupções de dez segundos. O bloqueio é eliminado cinco vezes por dia, pelo tempo de dez segundos de cada vez. Nestes dez segundos o receptor funciona normalmente. Os impulsos recebidos são processados para rematerializar em Kahalo. A distribuição dos períodos de abertura no tempo foi determinada por Natã. Trata-se de uma divisão estatística calculada para um período de mil anos, a partir de hoje. Os períodos de abertura constam de uma lista, e cada espaçonave terrana recebe um exemplar da mesma. Os respectivos dados são introduzidos no centro de computação positrônica da nave e os períodos de abertura só são fornecidos à razão de um de cada vez. Em outras palavras, o comandante que queira usar o transmissor de Kahalo só obterá o período seguinte, não os subseqüentes. Tenho certeza que desta forma estaremos suficientemente protegidos contra a utilização indevida do transmissor. Um dia tem pouco menos de noventa mil segundos. Será extremamente raro um impulso estranho ser recebido justamente em um dos cinqüenta segundos durante os quais o receptor fica aberto. Perry Rhodan deu-se por satisfeito. — Os períodos de abertura foram fixados na escala de tempo universal? — perguntou. Kalup deu resposta afirmativa. Dali a alguns minutos Arno Kalup desejou bom êxito à operação que estava para ser realizada e Perry e Bell voltaram ao porto espacial. Bell ficou no quartel-general e Rhodan entrou na nave. A Crest II decolou às 13:20 horas, tempo local, logo depois que o núcleo energético vermelho que indicava que o transmissor estava pronto para a recepção apareceu bem acima das pirâmides. *** Conrad Nosinsky lançou um olhar desconfiado para a seringa de injeção. — Não gosto disso — observou. — Ainda haveremos de encontrar um meio de resistir ao choque de transmissão sem medicamentos. Quando isso acontecer... Dividia o camarote em que dormia com dois oficiais mais jovens. Eram tenentes, que tinham recebido a injeção há alguns minutos e tinham mergulhado imediatamente num sono profundo. Conrad lançou um olhar para a tela. A Crest já tinha penetrado nas camadas atmosféricas de Kahalo, e o fundo negro do cosmos foi encoberto por um lindo tapete de luzes, formado pelas estrelas, cuja densidade e brilho multicolor só eram encontrados no centro galáctico. Uma faixa estreita de luminosidade vermelha apagada apareceu nas bordas da tela. Era a periferia da zona de abertura através da qual a nave entraria no campo de transporte do transmissor. Numa súbita resolução, Conrad enfiou a agulha no braço. Caiu sobre a cama e teve uma ligeira lembrança do sargento Bryan, que já pedira algumas dezenas de vezes a concessão de férias. Mas o cérebro logo deixou de funcionar. O Tenente Nosinsky mergulhou na espécie de sono que resiste à dor mais violenta, até mesmo ao choque de uma transição que transporta o corpo a uma distância de quase um milhão de anos-luz. Dirigida por robôs, a gigantesca espaçonave precipitou-se na abertura do campo de força do transmissor.
2 Para Conn, como era conhecido entre os amigos, a visão do espaço intergaláctico não era nenhuma novidade. Mas toda vez que via o abismo negro projetado nas telas e tentava imaginar a distância que o separava do “território seguro” da Galáxia em que estava em casa, ele se sentia apavorado. Seus dois companheiros de camarote acordaram ao mesmo tempo. Vem Hebbel, um rapaz louro e desajeitado, que só se encontrava há quinze dias na Crest, bocejou, ergueuse sobre os cotovelos, olhou para o tubo de imagem e constatou em tom seco: — Chegamos, minha gente! Vamos, levantem. Guerr La Costa, que ocupava a cama junto à parede oposta, também levantou. Primeiro fez sair o crânio redondo coberto de cabelos negros debaixo da coberta, olhou para os lados, desconfiado, e acabou saltando da cama com a força de um projétil de artilharia. — Seus preguiçosos! — gritou com a voz estridente. — O centro de artilharia já deve estar apontando seus canhões, e vocês deitados... Calou-se ao notar que Conn e Vem também tinham levantado. Guerr era um nativo de Ubicunque, um dos mais antigos planetas coloniais terranos. Tal qual todos os habitantes desse mundo, não tinha mais de um metro e sessenta de altura e vivia se comportando como se estivesse prestes a sofrer um colapso nervoso. Quem não conhecesse as pessoas vindas de Ubicunque, não sabia que sua vivacidade nervosa era proveniente de um metabolismo que visava a geração de quantidades elevadas de energia. Conn puxou o fecho magnético da jaqueta do uniforme, que era a única peça de roupa que tinha tirado, e dirigiu-se ao intercomunicador. Seguindo as instruções, informou o comandante secional de que os ocupantes do recinto 21-A-7 estavam em condições de entrar em ação, e recebeu ordem para aguardar novas instruções. Vern e Guerr já estavam de pé à frente da tela, procurando algum sinal da existência de matéria em meio à escuridão impenetrável do espaço. — Pois eu digo que erramos o alvo — disse Guerr em tom violento. Vern fez um gesto de desdém. Era um homem esbelto e tinha cerca de quarenta centímetros mais que Guerr. — Você fala demais. — Está bem — disse Guerr. — Vamos apostar. Vern olhou-o de cima para baixo. — Comigo ninguém mais aposta — afirmou. — Você já perdeu tantas apostas que o intendente até pensa em reter seu soldo. Guerr fez um gesto de contrariedade. — São apenas bagatelas. É só esperar até que eu dê o grande golpe. — Pois dê — resmungou Vern. — Mas não comigo. Conn olhou para o relógio. Eram treze horas e trinta e dois, tempo de bordo. A transição não consumira nenhum tempo. Fazia doze minutos de tempo subjetivo que a Crest tinha decolado de Kahalo. Levara cinco minutos para atravessar a atmosfera, e dali a três ou quatro minutos Conn aplicara a injeção em si mesmo. Dormira profundamente durante a transição, mas teve a impressão de que depois dos últimos acontecimentos passara muito mais tempo do que indicava o relógio. Ainda estava refletindo sobre a
estranha contradição entre a medição de tempo subjetiva e objetiva, quando o sinal do intercomunicador se fez ouvir. Conn, Vern e Guerr receberam ordens para apresentar-se ao comandante secional. Este estava sentado em seu escritório, junto ao qual havia uma grande sala de espera. Guerr abriu a escotilha da sala de espera e deu um passo para o lado, para dar passagem a Conn. A primeira pessoa que Conn viu depois de atravessar a escotilha foi o sargento Bryan, que estava de costas para ele, gritando para um grupo de quinze soldados jovens, para que os mesmos finalmente calassem a boca. Conn deu-lhe uma palmadinha no ombro. Herb virou a cabeça e fez continência. — Você e eu juntos...? — perguntou Conn. — De novo! Herb parecia ter esquecido a tristeza que lhe causara a perda das férias. — É sempre a mesma coisa, senhor. Não há nada que substitua a experiência de combate. Conn fez um gesto de pouco-caso. — Prefiro executar sozinho um ataque do que andar com este elefante — disse Guerr com a voz metálica. O rosto anguloso de Herb Bryan ficou muito vermelho. — Tenente La Costa! — gritou Conn em tom enérgico. — Retire isso imediatamente. Guerr agitou os braços curtos, fez uma careta e disse: — Perfeitamente, senhor, retiro o que disse. — Mordeu o lábio, refletiu por um segundo e acrescentou em tom conciliador: — Eu não quis ofendê-lo, Herb. Herb sorriu e acenou com a cabeça. — Tudo bem, senhor — ouviu-se um murmúrio, vindo detrás de Herb. Este girou sobre os calcanhares e gritou: — Se alguém abrir a boca mais uma vez, ele vai se ver comigo. Entendido? O murmúrio parou imediatamente. Uma voz calma e clara saiu do intercomunicador. — Tenente Nosinsky, faça o favor de apresentar-se imediatamente ao comandante secional. *** Conn reuniu seus homens na eclusa do hangar. O grupo era formado por um total de dezenove homens. Quinze deles eram os jovens com os quais Herb Bryan vivia gritando para que não fizessem muito barulho. Os outros quatro eram Herb, Vern, Guerr, e finalmente o próprio Conrad Nosinsky. Em torno deles reinava a agitação confusa de um hangar de espaçonave cujos ocupantes se preparam para fazer sair vários veículos. Pessoas movimentavam-se apressadamente entre as formas esguias das gazelas e dos destróieres que estavam à espera, dezenas de alto-falantes expeliam suas ordens ao mesmo tempo, as máquinas transportadoras rugiam e os veículos iam subindo um após o outro na esteira que os levaria até a escotilha. Conn escolhera um lugar tranqüilo bem nos fundos do gigantesco hangar. Seus homens estavam sentados por perto. Bryan foi o único que ficou de pé. Afirmava que, se ficasse agachado mais de trinta segundos, não conseguiria levantar-se mais. — As coisas são muito simples e não há nenhuma sensação — principiou Conn. — Cerca de dez horas-luz à nossa frente fica um sistema de sóis gêmeos que em vez de planetas possui um anel de planetóides. Este anel, que é antes uma casca que envolve os
dois sóis de todos os lados, é formado por milhões de fragmentos de um antigo planeta gigante. A Crest não pode arriscar-se a entrar sem mais aquela em toda essa confusão. Vamos contornar o círculo de planetóides e tirar fotografias. Com base nessas fotografias será possível determinar as órbitas dos planetóides maiores e armazená-las no centro de computação positrônica da nave. Existem mais quinze grupos que participam da tarefa, todos eles compostos mais ou menos do mesmo número de pessoas. Temos liberdade absoluta de ação e dispomos de quarenta horas — levantou de um salto. — Quanto menos tempo perdermos, mais depressa estaremos de volta. Os homens levantaram. Conn viu uma fileira de rostos curiosos, mas não havia tempo para satisfazer a curiosidade dos homens. Se dependesse dele, seu rosto também assumiria uma expressão de espanto, pois sabia o que teria que fazer nas quarenta horas seguintes, mas não sabia para que serviria seu trabalho. O comando da nave preferia que só a oficialidade do Estado-Maior tivesse uma visão geral da situação. Uma gazela de formato elipsóide aproximou-se vinda de um lado e subiu na esteira transportadora. O código GA-114 brilhava em grandes letras fluorescentes. Alguém pintara as palavras Lucky Lady com a mesma tinta, mas de forma bastante desajeitada. De repente um alto-falante começou a berrar perto de Conn. — GA-cento e quatorze sob o comando do Tenente Nosinsky! Conn saiu correndo na direção do veículo, seguido por seus homens. Levaram apenas um minuto para subir a bordo, e dois minutos depois da chamada cada um estava ocupando seu lugar. Conn estava na direção. A gazela foi deslizando na direção da escotilha. — Hangar chamando GA-cento e quatorze — disse o intercomunicador. — Estão preparados para a catapultagem? — Estamos — respondeu Conn. Os dois batentes da escotilha deslizaram para o lado. A gazela rolou para dentro da câmara da eclusa, que era um pavilhão de oitenta por quarenta metros, com pouco menos de cem metros de altura. O veículo ficou parado durante um minuto, enquanto a escotilha interna se fechava e as bombas de recalque conduziam o ar da câmara para dentro dos reservatórios. Finalmente o intercomunicador voltou a chamar. — Prepare-se para a decolagem, GA-cento e quatorze. Vou iniciar a contagem... dez... nove... A escotilha externa abriu-se. A tela mostrou o negrume do espaço cósmico. Um ponto vermelho muito distante emitia um brilho débil. Quando a voz saída do receptor chegou ao número zero, um forte solavanco sacudiu o veículo. Conn fechou instintivamente os olhos. Quando voltou a abri-los, as paredes da câmara da eclusa tinham desaparecido da tela. A gazela encontrava-se no espaço. Os jatos-propulsores entraram em funcionamento automaticamente, no momento da catapultagem, para colocar o veículo na rota previamente fixada. Conn pendurou o microfone no pescoço e explicou: — Nosso destino fica a dez horas-luz daqui. Faremos uma transição de pequena extensão pela distância de nove vírgula nove horas-luz. Será uma transição no estilo antigo. Segurem-se e procurem controlar-se. Acelerou a gazela e mexeu nos respectivos comandos. Deu início à transição sem aviso prévio. Por uma fração de segundo sentiu a estranha dor provocada pela deformação que qualquer porção de matéria sofre durante a passagem pelo hiperespaço. Sentiu-se atordoado por algum tempo, enquanto os homens gemiam atrás dele.
Finalmente olhou para a tela e o quadro que viu à sua frente fez com que no mesmo instante esquecesse todos os incômodos. Milhares de pontos luminosos vermelhos enchiam o espaço vazio. No centro da tela viam-se duas esferas luminosas. Eram os sóis gêmeos. Em torno deles estendia-se o manto dos planetóides, que tomava toda a tela de imagem. Conn passou um minuto absorvendo o estranho quadro. Finalmente virou a cabeça. Os homens estavam calmamente sentados em suas poltronas. Já se tinham recuperado do choque da transição. Satisfeito, Conn entrou em contato com a Crest para informar que tinha alcançado a posição designada e estava pronto para penetrar na área a ser vasculhada. A Crest forneceu as coordenadas do setor a ser investigado. Os dados foram transmitidos automaticamente a um pequeno computador positrônico. A GA-114 voltou a acelerar. A confusão dos asteróides foi crescendo enquanto parecia aproximar-se em alta velocidade. De repente Conn teve a impressão de que uma surpresa o aguardava. Não sabia por quê. *** Perry Rhodan acompanhou na tela de seu escritório a saída das naves-patrulha. Atlan e Grek-1 eram seus convidados. — Até sinto cócegas nos dedos quando penso que somos obrigados a conceder-lhes quarenta horas — disse Rhodan em tom pensativo. — Acontece que o centro de computação positrônica chegou à conclusão de que é o mínimo de que precisam para conseguir resultados amplos, nos quais se possa confiar. Atlan apontou para uma pequena tela de rastreamento embutida na parede, ao lado da grande tela de imagem. Enquanto o sistema de transmissão ótica se limitava a mostrar os dois sóis em forma de uma mancha luminosa, na tela fosca do rastreador via-se o brilho e a cintilância de milhões de asteróides. — Não é de admirar — respondeu o arcônida. — Dê uma olhada nessa confusão, e você será capaz de imaginar quanto trabalho não será necessário para determinar as órbitas dos planetóides, mesmo que queiramos limitar-nos aos dez mil maiores. Rhodan acenou com a cabeça. — Se olhamos daqui, quase não conseguimos acreditar que a Crest atravessou essa área sã e salva quando saiu do transmissor, entre os dois sóis. Atlan deu uma risada. — Os geradores registram mais de uma dezena de piques de consumo bastante elevados nos primeiros quarenta segundos depois da saída do transmissor. Devem ter sido os fragmentos de rocha que se esfacelaram no interior dos campos defensivos. Era raro Grek-1 dizer alguma coisa sem que lhe perguntassem. Por isso Perry e Atlan levantaram a cabeça, espantados, quando ouviram a voz mecânica da tradutora positrônica, que se encontrava sobre a mesa, bem à frente do maahk. — Este procedimento não teria sido necessário — afirmou. — Visitei este sistema há alguns anos e cheguei à conclusão de que nele não existe nenhum sinal de vida. Os habitantes de Kulloch morreram juntamente com o planeta que habitavam. Não temos nada a recear. — Não tenho a menor dúvida do que está dizendo — respondeu Perry prontamente. — Acontece que algum tempo se passou depois de sua visita a este sistema. Mesmo que os perdidos tenham deixado de existir, não podemos excluir as possibilidades de os senhores da ilha terem resolvido utilizar novamente o transmissor. Neste caso teriam
instalado uma base nessa confusão... nessa confusão tipo chumbo de caça, e nós teríamos caído nos seus braços dormindo. Foi só por isso que logo depois de nossa saída do transmissor os robôs realizaram uma transição a pequena distância, que nos colocou a uma distância de dez horas-luz dos sóis gêmeos. — Compreendo seus motivos — disse Grek. — Mas como já disse, graças ao conhecimento que tenho da forma de pensar do inimigo, não acredito que isso tenha acontecido. Se os senhores da galáxia destroem o posto de vigilância de um transmissor, este deixa de existir para os mesmos. — Como se explica — objetou Atlan — que o senhor tenha sido enviado ao Sistema dos Perdidos, para verificar o que está acontecendo por lá? — Foi uma simples operação de rotina — respondeu o maahk. — Os senhores da galáxia queriam ter certeza de que nenhum estranho se tinha instalado nas proximidades do transmissor Chumbo de Caça. Parecia que estava gostando do novo nome, inventado por Perry Rhodan. Atlan virou o rosto para o amigo, com um sorriso irônico nos lábios. — Uma coisa a gente tem de reconhecer em você — disse. — Quando diz uma coisa, isso fica — passou a dirigir-se a Grek. — Quer dizer que os senhores da galáxia receiam que haja desconhecidos vagando pelo espaço intergaláctico? — O senhor não conhece as condições políticas reinantes no interior da nebulosa de Andrômeda, meu caro — respondeu Grek com uma ligeira recriminação na voz. — É perfeitamente possível que uma das raças que habitam Andrômeda e que domine a astronáutica interestelar queira conhecer o segredo do tráfego intergaláctico. As atenções dessa raça forçosamente se concentrariam no transmissor Chumbo de Caça, pois é o único que não está sendo usado pelos senhores da galáxia, enquanto os outros são vigiados ininterruptamente. Atlan ficou calado. Parecia pensativo. Apontou para a tela de imagem. — Lá vai o último jato espacial — disse, apontando para um minúsculo ponto luminoso que apareceu na extremidade inferior da tela. Subiu durante alguns segundos, sua luminosidade foi diminuindo e apagou-se de vez quando abandonou a área iluminada pela eclusa aberta. Dali a um minuto o sinal do intercomunicador se fez ouvir. O rosto largo de Cart Rudo apareceu na tela pequena. — Dezesseis gazelas foram catapultadas segundo as instruções, senhor — informou com um volume de voz que fez com que o receptor tremesse fortemente. *** — É um bloco muito grande, senhor — disse Herb Bryan, nervoso. Conn acenou calmamente com a cabeça e modificou a rota em dois graus para pi, fazendo com que a gazela seguisse exatamente na direção do asteróide, cuja imagem na tela tinha crescido, passando a ser do tamanho de um punho humano. A Lucky Lady encontrava-se a cerca de mil e duzentos quilômetros da superfície do fragmento. — Tenente La Costa — gritou Conn, impaciente. — Onde estão os resultados das medições? A voz exaltada de Guerr veio do lado do rastreador. — É para já, senhor. Aqui está. A dimensão maior chega exatamente a quatrocentos e noventa e um quilômetros. — Obrigado — resmungou Conn.
— Sinto muito, senhor — gritou Guerr, nervoso. — Sou técnico em positrônica, mas nunca trabalhei num aparelho como este. Entendo alguma coisa de... — Está bem — interrompeu Conn. — ...de computadores e mecanismos automáticos, mas quando se trata de rastreadores, deixo a... — Está bem! — repetiu Conn em tom enfático. — ...deixo a desejar. Prefiro não mexer nisso. Isso acontece... — Silêncio! — gritou Conn. — Sim senhor — disse Guerr, cabisbaixo. — Este homem deveria ter uma chave com a qual se pudesse desligá-lo — observou Vern, que estava sentado na poltrona do co-piloto, à esquerda de Conn. Conn olhou para a tela de imagem. O planetóide que apareceu à sua frente era um objeto de formato irregular. Tinha certa semelhança com um prisma de lados oblíquos e apresentava um movimento de rotação bastante lento. Seu diâmetro maior não devia ser superior a cem quilômetros. O movimento de rotação era executado em torno dos três eixos ao mesmo tempo, fazendo com que as medidas aparentes do objeto alongado mudassem constantemente. — O senhor pretende pousar, senhor? — perguntou Herb Bryan. — Pretendo. Quero dar uma olhada de perto. Herb virou a cabeça. — Fechar trajes espaciais — ordenou. — Por quê? — perguntou Vern em voz baixa. Conn deu de ombros. — Não sei. Quero pôr os pés num mundo como este. É uma impressão ou um pressentimento. Você compreende? — Isso representa uma perda de tempo — objetou Vem. Sua conversa não podia ser ouvida, já que ainda não haviam fechado os capacetes espaciais. — Não será muita coisa — disse Conn. — Só vou andar um pouco por lá, para procurar rastros. — Rastros? — Grek-1 diz que antigamente havia maahks vivendo por aqui. Estes fragmentos vêm de um antigo planeta gigante chamado de Kulloch, que foi arrebentado pelos senhores da galáxia como um ato de vingança contra os maahks que tinham feito alguma coisa que não deviam. Quem sabe se neste fragmento não havia uma cidade. — Ah! — fez Vern. O planetóide já estava enchendo completamente a tela. Conn preparou cuidadosamente o pouso. A superfície do fragmento consistia em rochas quebradas. Pontas afiadas subiam de depressões profundas. Conn descobriu uma pequena superfície plana junto a uma fenda que atravessava a rocha numa extensão de quase cinqüenta quilômetros. Pousou a gazela nessa superfície. Face ao movimento de rotação do asteróide, o dia estava amanhecendo no local do pouso. As duas bolas de fogo formadas pelos sóis gêmeos estavam subindo por cima da linha do horizonte entrecortado. Conn mandou que Vern assumisse o comando a bordo do veículo e saiu com o sargento Bryan e três subordinados do mesmo. Quando saíram da eclusa, a gravitação reduzida do asteróide produziu os efeitos de um choque. Um dos soldados mais jovens tropeçou de susto, levantou abruptamente e, impelido pela violência do movimento que acabara de fazer, deu um salto de mais de vinte metros. Diante disso Herb resolveu dar-
lhe uma lição sobre o comportamento que deveria assumir em astros de gravitação reduzida. Conn não se sentia muito bem. O que dissera a Vern era verdade. Não sabia exatamente o que o levara a pousar num bloco de rocha. Teve uma espécie de pressentimento de que no Sistema dos Perdidos, nome que lhe fora dado pelo maahk, as coisas não eram tão inocentes como Grek-1 contara. Não sabia qual era a causa desse pressentimento e o que significava o mesmo. Talvez resolvera pousar no planetóide em parte porque queria dar uma olhada para certificar-se de que estava tudo em ordem. Seguiu da borda do pequeno campo de pouso na direção do sol gêmeo. O estranho astro derramava uma rara luminosidade vermelha sobre a rocha negra. Uma incandescência escura parecia sair das frestas. A paisagem assustava por seu aspecto selvagem, seu silêncio de morte e o reflexo vermelho produzido pela luz do sol. — Não gostaria de passar meus últimos dias de vida num lugar como este — disse Herb Bryan com uma alegria fingida. Conn conhecia o sargento. Quando falava desse jeito, era porque não se sentia muito à vontade. — Ninguém vai exigir isso do senhor, sargento — respondeu. Teve a impressão de que sua voz soara seca e forçada. “Que diabo”, praguejou de si para si. “Isto é um bloco de rocha vazio e solitário, que descreve uma órbita previamente fixada em torno dos sóis gêmeos. A rocha é formada principalmente de silício e oxigênio, que vem misturado com alguns elementos leves e pesados. Não há mais nada por aqui. Nada que se deva temer. O mal-estar que sentia era apenas um efeito psicológico.” Encontravam-se no espaço vazio, a quase um milhão de anos-luz da estrela conhecida mais próxima. Não era de admirar que não se sentissem muito bem. Conn subiu em grandes saltos uma encosta suave, cheia de pontas de pedra salientes. A encosta terminava numa altura de duzentos metros, formando uma crista estreita. Conn resolvera que, se dessa crista não visse nenhum sinal dos antigos habitantes de Kulloch, voltariam ao veículo. Encontravam-se a cerca de cinco quilômetros do lugar em que estava pousada a Lucky Lady. A pequena nave ficava bem embaixo deles e era quase invisível à luz mortiça dos dois sóis. Conn foi o primeiro a chegar à crista. Do outro lado a rocha descia bastante íngreme. Conn ajoelhou e procurou alguma coisa em que apoiar-se. Apesar da gravitação reduzida, a queda pela encosta íngreme provavelmente seria mortal. Dois quilômetros abaixo deles via-se uma depressão circular cercada de paredes verticais. Para além da depressão estendia-se o mesmo deserto de pedra que se via do lado de cá da elevação. Uma agulha se erguia ao lado da outra. Até onde alcançava a vista não se via um lugar plano bastante grande para recolher um carro planador que fosse. — Vamos voltar! — decidiu Conn. — Sargento, leve os homens de volta à nave. Herb estava de pé logo abaixo da crista da elevação, imóvel. — Sargento...! Herb estremeceu. — Pois não, senhor... Queira desculpar. Naturalmente. Virou-se e gritou para que seus homens saíssem andando de volta para a nave. Os homens fizeram meia-volta e foram descendo em saltos longos e baixos. Herb e Conn seguiram-nos com os olhos. — O que houve, Herb? — perguntou Conn.
— O senhor pode achar graça — resmungou Herb — mas vi uma estrela cadente. — Viu o quê? Herb fez um gesto de perplexidade e por pouco não perdeu o equilíbrio. — Sei que pode parecer uma tolice — confessou. — Mas o fato é que vi uma coisa brilhante passando no céu. — Deve ter sido um fragmento pequeno — disse Conn, mas na verdade não tinha muita certeza do que estava dizendo. — Provavelmente, senhor — concordou Herb, e os dois saíram andando. Alcançaram os outros a meio caminho entre a elevação e a gazela. Formavam um círculo fechado e conversavam animadamente. O receptor do rádio-capacete de Conn transmitiu tantas vozes ao mesmo tempo que o mesmo não entendia urna única palavra. — Espalhem-se! — gritou Bryan. — Vamos voltar à nave! Isto é uma ordem! O círculo desmanchou-se. Um dos homens aproximou-se de Bryan. Conn viu-o estender a mão. Havia uma peça de metal cintilante sobre a luva de plástico. — Veja o que encontramos, senhor — ouviu Conn. Bryan resmungou contrariado, pegou a peça de metal e contemplou-a. Dali a cinco segundos dirigiu-se a Conn. — Senhor! — Pois não. Que houve? — Não compreendo — confessou o sargento. — Quer dar uma olhada? Conn examinou o achado. Tratava-se de uma peça metálica de formato irregular, com cerca de cinco centímetros de diâmetro no centro. Parecia um bloco de metal derretido. O metal se tornara líquido em algum tempo e acabara endurecendo, assumindo a forma atual. — É difícil saber o que é isto — respondeu Conn. — Talvez seja um vestígio dos antigos habitantes, mas também é possível que a peça tenha sido arrancada por uma explosão de seu veio natural e arremessada à superfície — arremessou o bloco para cima e voltou a pegá-lo enquanto descia lentamente. — De qualquer maneira, vamos levar. Voltaram à Lucky Lady. Guerr e Vem tinham acompanhado a conversa. Guerr investiu com uma dezena de perguntas sobre Conn, assim que o mesmo saiu da eclusa. — Não faço idéia — interrompeu Conn. — Que tal se o senhor examinasse a peça, tenente? Temos um pequeno analisador a bordo. Vamos ao trabalho! Havia uma série de recintos pequenos encostados à sala circular destinada a abrigar os passageiros. Nestes recintos estavam guardados os instrumentos e aparelhos que não podiam ser dispensados nem mesmo num vôo espacial de pequena duração. Um dos recintos era uma pequena cozinha, na qual podiam ser preparadas refeições quentes, outros serviam de depósito, e em um deles tinham sido instalados os aparelhos de análise, que permitiam à pequena tripulação examinar in loco os achados mais interessantes ou suspeitos. Guerr La Costa soltou os cintos que o prendiam à poltrona e desapareceu com o misterioso pedaço de metal atrás da escotilha estreita que separava o compartimento de análise da sala de passageiros. Herb Bryan assumiu seu posto. Conn deu ordem para decolar. A Lucky Lady desprendeu-se da superfície do asteróide e voltou a penetrar na confusão de fragmentos do antigo planeta Kulloch. *** Perry Rhodan olhou para a tela, que não mostrava nada além do ponto luminoso avermelhado formado pelos sóis gêmeos.
— Mais três observações como esta — disse quase de si para si — e começarei a acreditar que isto aqui pode ser mais perigoso do que parece. — Se estivesse no seu lugar, teria mais cuidado — advertiu Atlan. — Por enquanto só temos observações óticas, que em quatro casos foram feitas por um único homem, e só num caso por dois ao mesmo tempo. Estes homens tinham pousado com suas gazelas em algum asteróide, olharam para o céu e viram uma coisa parecida com uma estrela cadente. Não se trata de uma observação que mereça muita confiança, Perry. Nenhum instrumento confirmou a mesma. Perry olhou-o com uma expressão irônica. — Você sabe como é uma estrela cadente? — perguntou. — É claro que sei. — Trata-se de um ponto luminoso que surge de repente no céu noturno, corre um trecho pelo firmamento e desaparece. O que você acha que poderia produzir um efeito semelhante? — Outro asteróide. Um bloco de pedra que passa rente à superfície do planetóide no qual se encontre o observador. Sai da sombra do asteróide maior, ilumina-se e volta a entrar na sombra, onde desaparece. — Ah — fez Perry em tom seco. — Acontece que o bloco pequeno e o asteróide maior se movimentam no mesmo campo gravitacional, mais precisamente, no dos dois sóis. E não há quem não saiba que a velocidade com a qual um objeto se desloca em torno de um objeto central só depende da intensidade local do campo de gravitação, ou seja, da distância entre este objeto e o objeto central. Portanto, um bloco de pedra que passasse rente à superfície de um asteróide deveria ter a mesma velocidade deste. É impossível que alguém veja o mesmo correr pelo céu. Atlan reconheceu que estava enganado, mas fez mais uma tentativa de defender sua hipótese. — Os rastreadores de matéria teriam detectado o objeto! — exclamou. Perry fez um gesto de pouco-caso. — Você está se confundindo, meu caro. Os rastreadores deveriam ter detectado o objeto, quer se tratasse de um simples bloco de pedra ou de um objeto suspeito. Acontece que a massa do asteróide em cuja superfície se encontrava a gazela os deixou ofuscados, impedindo-os de constatar a presença de qualquer outra porção de matéria. Atlan ficou satisfeito quando o maahk resolveu falar. — Quer dizer que os senhores continuam a acreditar que o transmissor Chumbo de Caça pode tornar-se perigoso? — perguntou Grek-1. — Não diria isso — respondeu Perry. — Procuro examinar a questão de todos os pontos de vista plausíveis. Por enquanto não temos nenhuma possibilidade de encontrar uma explicação natural para as chamadas estrelas cadentes. O maahk levou algum tempo para responder. — Concordo com o senhor — disse. — A visita que fiz ao sistema há alguns anos foi muito curta. Desde o início, linha certeza de que no Sistema dos Perdidos não havia vida. A conseqüência psicológica dessa opinião foi que não fiz um exame mais profundo. Se houvesse alguém que quisesse esconder-se, eu não o teria encontrado. — Dessa forma surge uma pergunta — observou Atlan cm tom exaltado. — Quem estaria interessado em esconder-se aqui? — Espere aí! — pediu Perry com uma risada. — No Início você foi muito lento, mas agora quer avançar depressa demais. Por enquanto não temos prova de que há alguém escondido por aqui. Concordo plenamente com você quando diz que as estrelas
cadentes que foram observadas não permitem nenhuma conclusão. Só quis dizer que não devemos desprezar essas observações. Atlan fitou-o com uma expressão de espanto. De repente um sorriso irônico apareceu em seu rosto. — Haja quem o compreenda, terrano — disse em voz baixa. O intercomunicador emitiu um zumbido. Perry ligou o receptor. Cart Rudo apareceu na tela. — Recebemos uma notícia importante de GA-cento e quatorze , senhor — disse em tom apressado. *** A Lucky Lady descrevia uma órbita estável à distância de 0,3 unidades astronômicas do centro de gravidade dos sóis gêmeos. Os propulsores tinham sido desligados. A velocidade da gazela era vinte por cento superior à dos planetóides mais próximos. Em virtude disso a Lucky Lady deslocava-se sobre uma elipse alongada, que atravessava obliquamente o manto esférico dos planetóides. A rota elíptica da nave fora calculada de maneira a permitir a determinação e o registro do maior número possível de órbitas de planetóides no menor tempo possível. A CA-114 estava viajando há quatorze horas. Fazia quatro horas que tinha decolado do planetóide em cuja superfície os homens de Herb Bryan haviam encontrado o bloco de metal. O vôo em queda livre era bastante monótono. Parte dos homens tinha adormecido nos assentos desconfortáveis. Conn proibira a Herb que os acordasse, o que lhe rendera uma respeitosa recriminação do sargento. Conn quase tinha esquecido a peça de metal, quando a escotilha que dava para o compartimento de análise se abriu repentinamente e Guerr La Costa, que ficara desaparecido nele por quatro horas, apareceu com um sorriso diabólico. — Aqui está o resultado! — gritou tão alto que os homens que estavam dormindo se levantaram, sobressaltados. — E que resultado! Conn fez sinal para que se aproximasse. — Não estamos num comício — disse em voz baixa. — Você tem de apresentar seu relatório a mim, não ao público. Guerr não deixou que as palavras de Conn o perturbassem. Havia um brilho entusiástico em seus olhos. A única concessão que fez às regras da disciplina militar consistiu em reduzir o volume da voz. — Espere até que eu lhe diga o resultado! — disse em tom de mistério. — Diga logo — resmungou Vern Hebbel, que girara a poltrona, num gesto de curiosidade. — Lá vai — principiou Guerr. — O pedaço de metal é formado por uma mistura em que entram oitenta por cento de aço, dezenove por cento de níquel, pouco menos de um por cento de platina e vestígios de carbono, que provavelmente foi acrescentado para dar maior dureza ao aço. — Espere aí — interrompeu Conn. — Por que diz que foi acrescentado? Como pode ter certeza de que não se trata de um componente natural? — Por causa da proporção do peso — respondeu Guerr apressadamente. A conversa foi travada em voz baixa, evitando que alguém pudesse entendê-la, com exceção de Herb Bryan e das pessoas que participavam da mesma. — Ah — fez Conn, dando a entender que não estava satisfeito com a explicação.
— As proporções em peso são exatas até duas casas decimais — prosseguiu Guerr em tom apressado. — São exatamente oitenta vírgula zero zero por cento de aço, dezenove vírgula zero zero por cento de níquel, zero vírgula nove nove por cento de platina e o que sobra de carbono. O argumento era bastante convincente. Nenhum fenômeno natural teria produzido uma mistura em proporções tão exatas. — Quer dizer que se trata dos restos de um objeto metálico produzido e usado pelos antigos habitantes de Kulloch — concluiu Conn. — É o que você pensa! — exclamou Guerr em tom exaltado. Conn fitou-o, perplexo. — Preste atenção — disse Guerr ainda mais exaltado. — Não passei à toa algumas horas nesse cubículo miserável. Olhei, medi e analisei esta coisa de todos os lados. Qual você acha, por exemplo, que é a relação dos isótopos do carbono num planetóide do tipo que acabamos de visitar? Conn estreitou os olhos. Via-se que estava contrariado. — Escute, Guerr — preveniu. — Conte logo o que descobriu. Diretamente e sem fazer mistério. Entendido? Parecia que nenhuma repreensão era capaz de afetar Guerr, que continuava radiante. — Para produzir carbono radiativo quatorze precisa-se de nêutrons de baixa velocidade — disse em tom professoral. — Os nêutrons de baixa velocidade são produzidos com nêutrons de alta velocidade, que perdem velocidade com os choques, principalmente contra núcleos atômicos leves. Os sóis gêmeos despejam um fluxo contínuo de nêutrons de alta velocidade para os asteróides. Estes são formados principalmente de silício e oxigênio, que são elementos relativamente pesados. Não possuem uma hidrogeniosfera como a Terra, que é capaz de reduzir rapidamente a velocidade dos nêutrons. Em virtude disso a concentração média de carbono quatorze na superfície de um asteróide deve ser inferior à que é encontrada na superfície da Terra. Você acha que eu tenho razão? Conn achava. — O conteúdo de carbono quatorze de um objeto permite determinar a idade desse objeto — prosseguiu Guerr. — Isto naturalmente se depois da formação desse objeto não foram produzidas novas quantidades de carbono radiativo quatorze em seu interior. Compreenderam? Conn já sabia aonde Guerr queria chegar, mas também sabia que não havia nada além de um fim de mundo total que seria capaz de interromper a loquacidade do mesmo. Por isso deixou que continuasse à vontade. — Se para determinar a idade de um objeto encontrado por aqui me baseio na proporção dos isótopos do carbono encontrados na Terra, concluo, com base no que já disse, que a idade desse objeto é muito elevada. Vocês também compreenderam isto? — Também compreendemos! — respondeu Vern Hebbel em voz tão alta que até então ninguém ouvira dele. Guerr estremeceu. — Está bem — disse um tanto desanimado. — Se tomarmos por base a proporção dos isótopos encontrada no planeta Terra, a idade desta peça de metal é de quarenta anos. Mas como as condições reinantes aqui não são as mesmas, é de supor que a idade desta peça não seja superior a vinte anos terranos. A bomba acabara de explodir. Guerr La Costa estava radiante!
*** Dali a quinze horas a Lucky Lady aproximou-se de um planeta do tamanho da Lua terrana. A misteriosa peça metálica já fora colocada num barco-correio que a levara à Crest. Uma análise feita às pressas confirmou os resultados a que chegara Guerr La Costa. A liga de que era feita a peça encontrada fora fundida há cinqüenta anos no máximo e dez anos no mínimo. A peça não poderia ter sido produzida por Grek-1 ou pelos membros de sua expedição, pois o mesmo estivera no sistema há muito menos de dez anos. Dali resultavam duas conclusões. Primeiro: Outra expedição se dirigira ao sistema muito tempo antes dele, mas num passado relativamente recente. A peça metálica fora perdida durante um pouso no asteróide sem nome. Entrara no raio despejado pelo jato-propulsor de uma nave que estava pousando ou decolando e se derretera, para voltar a endurecer posteriormente. Segundo: A peça metálica fora produzida por desconhecidos que viviam no anel de planetóides. Os tripulantes das naves que realizavam as medições receberam ordem para procurar outros vestígios de vida inteligente, principalmente aqueles que tivessem surgido muito tempo depois da destruição de Kulloch. A Lucky Lady, em cuja área de atuação ficava um dos asteróides mais importantes, recebeu ordem para pousar e fazer um cuidadoso exame. Se existisse vida inteligente no sistema do transmissor Chumbo de Caça, a mesma se teria fixado nos asteróides maiores. O bloco de pedra sobre o qual a Lucky Lady descia lentamente tinha um diâmetro médio de 3.400 quilômetros. Tinha antes a forma de um cubo que de uma esfera, mas num pequeno trecho de sua superfície havia um abaulamento uniforme, o que levou Nosinsky a acreditar que se tratava de parte da superfície do planeta Kulloch que se tinha conservado. Deu a este mundo desértico o nome de Ural — mais tarde nem ele mesmo seria capaz de dizer por quê — e fez a gazela pousar na extremidade da superfície abaulada. Vem Hebbel, que nos últimos trinta minutos não dissera uma palavra, pois permanecera inclinado sobre seu console de comando, endireitou o corpo e disse em tom indiferente: — Há uma cidade lá na frente, a uns vinte quilômetros de distância. Conn levantou de um salto. Vern acoplara o receptor de televisão a uma câmara telescópica. Numa das pequenas telas que cercavam seu console aparecia uma ampliação que mostrava um trecho da paisagem que ficava à frente da nave. Conn viu uma confusão de formações rochosas — em sua maioria pontas esguias, que se erguiam a vinte ou trinta metros. No meio delas apareciam algumas formas mais compactas. Geralmente tratava-se de blocos de pedra de formato irregular, que não tinham mais de oito ou dez metros de altura, mas em compensação cobriam uma área extensa. — Não vejo nada — resmungou. Vem segurou um estilete de escrita e apontou para um dos blocos de rocha. — Não devemos esquecer que já faz mil anos que Kulloch foi destruído — disse em tom calmo. — Nestes mil anos o material de que foram construídas as cidades ficou sujeito às mesmas condições ambientais que a superfície do planeta. Por isso não é de admirar que haja certa semelhança entre esta e aqueles. Mas ainda restam algumas características. Basta olhar este bloco. Já notou que é muito regular? Conn voltou a examinar o bloco.
— No seu todo ele é — reconheceu. É só o que conta — respondeu Vern. — Os detalhes já desapareceram. Vejamos mais. Quantas pontas de pedra você vê nas proximidades do bloco? Conn contou. — São quatro. Além disso... — Já basta. Você vê que estas pontas ficam exatamente nos vértices de um retângulo? Conn colocou a mão sobre seu ombro. — Às vezes não saberia o que fazer se não fosse você — disse com uma ironia amável. Virou a cabeça e deu ordem para que Bryan e seus homens se preparassem. Achava que a descoberta de Vern merecia uma cuidadosa investigação. A bordo da gazela só ficaram dois homens, como vigias e elementos de ligação. Cada oficial carregava um minicomunicador que lhe permitia entrar em contato diretamente com a Crest, mas conforme as circunstâncias poderia ser recomendável contar com uma estação intermediária na Lucky Lady. Os homens partiram às pressas. Formaram uma fila larga, com Conn e Bryan na ponta, enquanto Vem e Guerr guarneciam os flancos. Desta forma o pequeno grupo começou a deslocar-se em direção aos restos da cidade. Visto de perto, o quadro tornava-se muito mais claro. Viu-se que os blocos de pedra angulosos eram edifícios, em cujas paredes ainda se encontravam as aberturas das janelas. As intempéries tinham roído e ampliado essas aberturas, mas a forma básica do semicírculo ainda era perfeitamente reconhecível, e esta era uma das características das construções maahks. Conn fez um cálculo ligeiro e chegou à conclusão de que a cidade tivera entre cinqüenta e cem mil habitantes. Fora construída numa área plana, mais ou menos no centro de um platô circular, de cujas bordas saíam montanhas íngremes. Antigamente houvera uma estrada larga que levava do local em que estava pousada a gazela para a cidade. Ainda se notava o traçado da mesma. Na entrada da cidade a estrada era flanqueada pelos escombros de dois edifícios gigantescos. Até parecia que por ali houvera um portão. Dali a cem metros a estrada terminava numa praça quadrada com quinhentos metros de lado. Dos quatro lados desse quadrado partiam ruas menores em todas as direções. Conn reuniu seus homens no centro da praça. As bolas luminosas vermelhas formadas pelos sóis gêmeos apareciam no alto do céu negro. O termômetro de pulso de Conn registrou 215 graus centígrados. Guerr La Costa e Vem Hebbel passaram a comandar cinco homens cada um e receberam ordens para penetrar na cidade, um para a direita e outro para a esquerda. Conn, Herb Bryan e os três homens restantes seguiram para a frente. Cada chefe de grupo ligou seu rádio-capacete para o volume máximo, para que pudessem ser ouvidos pelos outros homens e provavelmente também pelos vigias que se encontravam a bordo da Lucky Lady. Conn reservou duas horas para a exploração da cidade. Passadas as mesmas, os grupos voltariam a encontrar-se na praça central. Os homens saíram em saltos largos. Conn fez seu grupo entrar numa rua estreita, ladeada por edifícios espantosamente bem conservados. De vez em quando os destroços de um muro desmoronado impediam o caminho, mas Conn e seus homens não deixaram que isso os atrapalhasse. Dentro de meia hora chegaram ao outro lado da cidade. Voltaram e resolveram que dali em diante examinariam com mais cuidado os edifícios que despertassem sua atenção.
Conn surpreendeu-se no desejo de estar novamente a bordo da Lucky Lady e de ver esta bem longe dali, no espaço. A cidade morta infundia-lhe um mal-estar inexplicável. As muralhas negras e as ruas corroídas pela erosão e revolvidas pelo impacto dos meteoritos formavam um quadro deprimente. A idéia de que dez séculos atrás, nesse mesmo lugar, milhares de seres inteligentes tinham perecido em poucos segundos, em virtude de uma catástrofe de âmbito planetário, causava um ligeiro pavor, do qual nenhum dos homens conseguia livrar-se. Quase não se dizia uma palavra. Os rádiocapacetes permaneceram em silêncio. Só se ouviam os sinais de chamada que os chefes de grupo emitiam a intervalos regulares. Conn parou diante da fachada de um edifício que ao tempo de sua construção devia ter mais de cem metros de largura e pelo menos quarenta de altura. Olhando pelas janelas vazias, via-se que algumas peças de estrutura interna tinham resistido à catástrofe. Algumas paredes divisórias continuavam de pé, e parte do teto fora conservada. Mais ou menos no centro da fachada havia uma abertura mais ampla, situada ao nível do solo, que certamente fora a entrada. Conn saltou por cima de um pequeno monte de destroços e entrou com movimentos ágeis no edifício. Herb Bryan e seus homens seguiram-no. Conn ficou impressionado com as paredes negras. A luz vermelha penetrava pelas aberturas semicirculares das janelas, perdendo-se na confusão de tetos e paredes divisórias. Conn tentou imaginar como teria sido este lugar há mil anos. Que edifício teria sido este? Um edifício de aluguel? Um edifício de escritórios? Um centro comercial? Ficou com os olhos semicerrados e deixou que sua fantasia reproduzisse as figuras robustas dos velhos maahks que se movimentavam entre estas paredes. De repente sentiu o chão tremer sob os pés. Uma nuvem de poeira levantou-se. Perdeu o equilíbrio e foi caindo para a frente. A poeira impedia a visão, mas Conn percebeu que estava escurecendo em torno dele. Chamou Herb. — Estou aqui, senhor! — gritou Herb, nervoso. — O que é isso? Onde está o senhor? A poeira foi ficando menos densa, mas isso não adiantava muito. Estava escuro como breu. Só bem em cima deles via-se um débil ponto luminoso vermelho. Conn levantou e ligou o rádio-capacete. Em torno dele havia paredes lisas e nuas, que subiam em velocidade uniforme. — Fique onde está, Herb! — gritou para o sargento. — Estou numa espécie de elevador que vai descendo. Provavelmente subi por acaso na plataforma de carga e algum mecanismo automático movimentou o aparelho. — Entendido, senhor — respondeu Herb. — O que devo fazer? — Esperar — respondeu Conn. — Enquanto o elevador estiver em movimento, não podemos fazer nada. Avise Hebbel e La Costa. — Já ouvi — disse uma voz que parecia vir de bem longe. — Vern Hebbel falando. Sua voz parece muito fraca, mas ainda consigo entendê-lo. — Aqui é a mesma coisa! — gritou Guerr, que se encontrava ainda mais longe. — Precisa de auxílio? As paredes pareciam subir à mesma velocidade perto de Conn. O ponto luminoso vermelho estava quase invisível. Conn deu uma risada triste. — Precisar eu preciso — respondeu. — Mas no momento não são vocês que podem ajudar. Preciso de alguém que aperte um botão lá embaixo, para mandar o elevador novamente para cima. Enquanto continuava a descer, Conn deu uma olhada em volta. A placa sobre a qual estava parado era retangular e tinha cinco por seis metros. A velocidade do elevador não
era superior a um metro por segundo. Fazia cerca de um minuto e meio que estava descendo. Portanto, encontrava-se aproximadamente cem metros abaixo do nível da rua. As paredes do poço em cujo interior se movimentava o elevador apresentavam a lisura típica do plástico metalizado. Conn não conseguiu descobrir de que espécie era o mecanismo que movimentava o elevador, mas acreditava que se tratasse de um campo gravitacional artificial regulável. A julgar pelo tamanho da plataforma, o elevador se destinara ao transporte de cargas. Provavelmente havia um depósito lá embaixo. A pergunta que surgia em primeiro lugar era como o sistema que movimentava o elevador pudera resistir à destruição do planeta Kulloch e aos mil anos de erosão que se seguiram. Era bem verdade que, conforme mostravam os edifícios, a cidade não sofrera tanto como outras regiões, mas o mecanismo de comando de um elevador automático era um aparelho bastante sensível, e Conn não conseguia acreditar que o mesmo pudesse ter resistido ao abalo de uma explosão sem que surgisse um defeito. De repente a plataforma parou com um solavanco leve. Conn viu uma parede abrirse à sua frente, dentro do feixe de luz da lanterna embutida em seu capacete. O feixe de luz bem aberto penetrou num corredor escuro e muito alto. Conn ficou esperando, mas não aconteceu nada. Olhou para cima. O ponto luminoso vermelho tinha desaparecido de vez. A viagem durara mais de dois minutos, e dessa forma devia encontrar-se cerca de cento e cinqüenta metros embaixo da superfície. — Herb? — gritou. — Sargento Bryan falando, senhor — a resposta veio bem perceptível. Conn explicou a situação em que se encontrava. — Vou descer da plataforma, Herb — concluiu. — Se não estou muito enganado, o elevador voltará para cima. Pegue dois dos seus homens e venha para cá. Deixe outro de sentinela lá em cima. Mande-o ficar em contato com Hebbel e La Costa. — Entendido, senhor. Conn desceu da placa e entrou no corredor escuro. Sua suposição confirmou-se. Mal acabara de descer da plataforma, a abertura da parede do poço do elevador fechou-se. Ainda chegou a ouvir o rangido que se produziu quando o elevador voltou a movimentarse. Depois ficou só. Teve vontade de examinar o corredor, mas resolveu esperar Herb Bryan. Herb levaria pelo menos cinco minutos para chegar. Até lá Conn poderia familiarizar-se com os arredores do lugar em que se encontrava. Notou que o feixe de luz de sua lanterna não chegava ao fim do corredor. Concluiu que o mesmo tinha mais de trinta metros de comprimento. O piso, as paredes e o teto tinham sido feitos do mesmo tipo de metal plastificado usado nas paredes do poço do elevador. Pareciam novinhos em folha. Foi ao menos a primeira impressão que teve. Mas quando olhou melhor descobriu uma coisa que quase fez congelar o sangue em suas veias. Junto à entrada do elevador o chão liso tinha sido ligeiramente arranhado. Tinha-se a impressão de que cargas pesadas haviam sido empurradas por lá. Um dos arranhões tinha um palmo de comprimento e era bastante profundo. As bordas eram brancas e afiadas. O arranhão fora produzido no máximo há seis meses. *** Vinte horas depois da saída as primeiras naves de reconhecimento começaram a voltar à Crest II. Os medidores automáticos revelaram-se capazes de desempenhar sua tarefa. O resultado consistiu nas equações representativas das órbitas de mais de dez mil planetóides cujas dimensões eram bastante grandes para que os mesmos representassem
um obstáculo sério à passagem da Crest. As medições abrangeram somente um terço do anel de asteróides, mas Rhodan achou que era suficiente, ainda mais que as medições incluíam quatro dos asteróides mais importantes, um dos quais possivelmente era aquele em que tinha sido instalado o centro de comando do transmissor. Segundo as informações de Grek-1, o sistema possuía um total de nove astros do tamanho aproximado da Lua terrana. Não sabia qual deles era aquele em que se encontrava o centro de comando. Perry Rhodan, que estava interessado em agir o mais depressa possível, julgou conveniente examinar os quatro asteróides maiores que ficavam na parte abrangida pelas medições do que gastar mais tempo estendendo estas observações a todo o anel de asteróides. A única gazela que não voltou dentro de vinte e cinco horas foi a GA-114, que estava pousada em um dos quatro planetóides que tinham o tamanho da Lua, ao qual fora dado o nome de Ural. Havia dois tripulantes a bordo. No momento não havia o menor sinal do resto da tripulação. O oficial que estava no comando da nave e dois dos seus companheiros possuíam minicomunicadores. O fato de não responderem aos chamados pelo hipercomunicador parecia ser um sinal de que se encontravam em perigo. Por isso Perry Rhodan resolveu não aguardar o regresso da GA-114. Resolveu dirigir-se imediatamente a Ural com a Crest para prestar auxílio aos desaparecidos, caso estes precisassem. A Crest II acelerou. Realizou um vôo linear de pequena duração e saiu a 0,8 unidades astronômicas do centro de gravidade dos sóis, de onde seguiu em direção ao planetóide Ural.
3 Uma eternidade parecia ter passado quando a porta do elevador finalmente se abriu e a figura robusta de Herb Bryan apareceu à luz da lanterna do capacete. A plataforma do elevador estava atulhada de homens. Alguém empurrou o enorme sargento para o lado e plantou-se bem à frente de Conn Nosinsky. — Também resolvemos vir logo — disse Guerr La Costa com a voz clara e exaltada. — Temos a impressão de que você encontrou um veio de metal precioso. Queremos nossa parte. — O senhor cometeu uma insubordinação, tenente — respondeu Conn em tom penetrante. — Dei ordens para que esperasse duas horas e... — O que queria que eu fizesse? — interrompeu Vern, tranqüilo. — O nenê fazia questão de vir para cá, e seria muito arriscado deixá-lo andar por aí sozinho. Por isso... — Não sou nenê! — gritou Guerr, furioso. — Tive certeza de que Conn precisava de auxílio, e por isso... — Silêncio! — berrou Conn. — Vocês estão aqui, e basta. Guerr, dê um passo para o lado. Você está pisando em cima da pista. Estava muito nervoso. Esquecera de que tinha resolvido dar um tratamento formal aos dois amigos quando estivesse na presença dos tripulantes ou suboficiais, mas pouco lhe importava que alguém achasse isso esquisito. — Fiquem junto à parede e olhem isto! — ordenou. — O senhor também, Herb. Quero sua opinião. Mostrou o arranhão. Os homens olharam e chegaram à mesma conclusão de Conn. O arranhão não tinha mais de seis meses. O metal plastificado era altamente elástico. Se o arranhão tivesse sido produzido há mais tempo, suas bordas já se teriam fechado. — Quer dizer — concluiu Conn — que alguém costuma andar por aqui. Não sei quem é nem se está aqui sempre. De qualquer maneira será conveniente ficar com os olhos bem abertos. Foram andando pelo corredor. Conn pretendia dirigir-se antes de mais nada ao conjunto de geradores que fornecia a energia para o elevador. Já tinha certeza de que os geradores só estavam funcionando porque algum desconhecido cuidava regularmente dos mesmos. Era bem possível que no centro de geradores encontrassem outras pistas. Fora combinado que um dos dois guardas que Herb Bryan deixara na cidade desceria no elevador assim que recebesse ordem para isso, já que apesar das buscas realizadas Conn não conseguira localizar o mecanismo que controlava o elevador de baixo. O corredor seguia uns cem metros em linha reta, sem que houvesse qualquer indicação de sua finalidade. No fim desse trecho acabou junto a uma parede lisa. Guerr apalpou a mesma com os dedos e chegou à conclusão de que se tratava de uma porta muito bem camuflada. Esta abriu-se quando Guerr colocou as mãos em dois pontos que ficavam à mesma altura do chão, a cerca de cinqüenta centímetros um do outro. Conn ficou estarrecido ao ver a claridade ofuscante branco-azulada que enchia a sala que ficava do outro lado da porta. A arma energética foi parar quase automaticamente em sua mão. Desbravou a arma e olhou atentamente para o pavilhão que se estendia à sua frente.
Grandes fileiras de geradores enchiam esse pavilhão de lado a lado. Cada um deles era um cilindro metálico que j terminava numa cúpula e tinha o aspecto característico das câmaras de fusão. Havia mais de cem máquinas desse tipo. Se estivessem todas funcionando, seriam suficientes para abastecer de energia um planeta de tamanho médio. Parecia que não havia nada além dos geradores. Conn ficou mais tranqüilo. Baixou a arma e passou pela porta. O pavilhão tinha cerca de cem metros de comprimento e sua largura, que ia da porta à parede oposta, era de quarenta metros. A luz vinha do teto, que parecia consistir numa única placa luminosa. Conn sentiu o chão vibrar sob os pés. Concluiu que pelo menos parte dos geradores estava funcionando. Fez sinal para que seus companheiros reduzissem o volume dos transmissores de seus rádio-capacetes. — Não vamos ficar aqui — disse assim que sua ordem tinha sido cumprida. — Quem estiver aqui embaixo deve vigiar o pavilhão por meio de circuitos de televisão. Ali adiante há algumas portas. Vamos passar por uma delas. Atravessou o pavilhão em saltos enormes e escolheu a porta do centro entre as nove que havia do outro lado. Guerr abriu-a com a habilidade que já demonstrara. Atrás dessa porta havia um recinto fracamente iluminado, cuja área provavelmente não era maior que a da plataforma do elevador. Conn parou, surpreso. — Se isto não é uma eclusa, quero que me chamem de Gucky — resmungou Herb Bryan. Conn fez um gesto de pouco-caso. — Acho que isso não vai acontecer, Herb. Isto realmente é uma eclusa. Atravessou resolutamente a porta, seguido por seus companheiros. Assim que o último homem tinha entrado, a porta fechou-se automaticamente. Conn fez um esforço para controlar a tensão que estava tomando conta dele. O receptor de seu rádio-capacete transmitia a respiração apressada de seus homens. Trinta segundos passaram sem que acontecesse nada. Finalmente a parede oposta abriu-se com uma lentidão martirizante. Conn não tinha uma idéia muito clara do que iria encontrar do outro lado da eclusa. Esperava que fosse mais uma das salas que os antigos habitantes da cidade usavam como depósito. Mas o que viu foi tão incrível que por alguns segundos Conn esqueceu todos os cuidados e ficou imóvel na escotilha aberta, para assimilar o estranho quadro. Encontrava-se no topo de uma encosta que descia suavemente, estendendo-se a perder de vista em meio da luz amarelenta que o envolvia, confundindo-se com o fundo confuso que se perdia na bruma. Também para os lados ti encosta se estendia a perder de vista. A escotilha da eclusa ficava num paredão de rocha viva de vinte metros de altura, que formava a extremidade superior da encosta, descrevendo uma curva suave. A encosta propriamente dita era formada por terra mole e fofa, que proporcionava alimento abundante a um verdadeiro exército de plantas exóticas. O teto do recinto gigantesco também era de rocha natural e estendia-se horizontalmente até onde Conn podia ver. A luz amarelenta mortiça vinha de algum lugar situado bem nos fundos. O recinto estava cheio, do chão ao teto, de um gás que absorvia grande parte da luz e tinha o aspecto de uma névoa fina. Guerr La Costa foi o primeiro a recuperar-se da surpresa. — Que coisa incrível! — ouviu Conn. — Alguém construiu um mundo subterrâneo. Olhem só estas plantas. Que coisa repugnante! Não recebem bastante luz; por isso são tão brancas. Vamos... — Por que não cala a boca? — disse a voz profunda de Vern. — Conn...
— Pois não. Conn parecia acordar. — Se não tiver nenhuma objeção, acho que devemos ir um pouco para o lado. Se os caras que estão lá embaixo estiverem à nossa espera, naturalmente ficarão de olho principalmente na saída da eclusa. — Naturalmente — disse Conn e saiu da eclusa. — Venham para cá, minha gente. Rápido! Levou-os uns cem metros pelo paredão da rocha, até que encontraram abrigo numa moita de quase dois metros de altura, formada por plantas que tinham o aspecto de aspargos muito grandes. Era claro que Guerr tinha razão. A claridade irradiada pela fonte de luz muito distante não era suficiente para dar a cor natural às plantas. As figuras branco-acinzentadas eram assustadoras e repugnantes. Os homens agacharam-se atrás da moita. Finalmente Conn teve tempo para fazer a leitura dos instrumentos que trazia presos ao braço esquerdo. A pressão atmosférica era de duas atmosferas e meia, enquanto a temperatura era de aproximadamente setenta e três graus centígrados. O pequeno analisador apurou que a atmosfera era composta principalmente de hidrogênio e hélio. Conn usou uma pequena sonda para introduzir uma Amostra de ar em seu traje protetor. Imediatamente sentiu o cheiro causticante do Amoníaco. A gravitação continuava inalterada. Fossem quem fossem os seres que habitavam a gigantesca caverna, os mesmos tiveram menos dificuldade em adaptar-se à gravitação reduzida que ao frio e ao vácuo reinante na superfície do planetóide. — Maahks! — disse Vern. Conn acenou lentamente com a cabeça. — Sem dúvida. É o que indica a composição da atmosfera. — Isto mesmo — observou Guerr em tom exaltado. — Mas a pressão não confere. Lançou um olhar de desafio para Conn. — O pulmão de um maahk típico — reconheceu Conn — funciona com pressões que variam entre cinqüenta e cento e vinte atmosferas. Quanto a isso não há dúvida. Mas não acredito que por aqui encontremos maahks típicos. Acho que a explosão do planeta Kulloch deve ter matado todos os habitantes deste mundo. Não existe nenhum material, com exceção talvez dos halutenses, que seja capaz de resistir ao fim de seu mundo. Mas algumas espaçonaves deviam estar viajando pelo espaço no momento em que Kulloch explodiu. Quando regressaram, encontraram seu planeta destruído. Não podia haver dúvida de que a explosão-fora causada pelos senhores da galáxia. Os que regressaram certamente encontraram nas ruínas das cidades as máquinas e aparelhos de que precisavam para construir seu mundo subterrâneo. Kulloch foi destruído por bombas nucleares. Basta dar uma olhada em seus dosímetros para verificar que o teor de radiações ainda é muito elevado. A maior parte dos maahks que regressaram deve ter morrido nos primeiros meses e anos, por causa da dose excessiva de radiações. Mas alguns passaram por um processo de mutação e adaptaram-se ao ambiente contaminado. A fertilidade de que a natureza dotou os maahks, aliada ao aumento da taxa de reprodução que sempre se segue às grandes catástrofes, fez com que o vazio logo fosse preenchido. Não me admirarei nem um pouco se encontrarmos centenas de milhares ou até milhões de maahks que passaram por um processo de mutação. Por algum tempo todos ficaram em silêncio. Cada um parecia absorto nos seus próprios pensamentos.
— Acho que deveríamos retirar-nos para avisar o pessoal que está na Crest — disse Guerr depois de algum tempo. — É um trabalho muito grande para uns poucos homens. — Você está com medo — resmungou Vern em tom irônico. — Não estou com medo coisa alguma! — a voz de Guerr parecia atropelar-se. — Só sou mais inteligente que você. — Silêncio! — gritou Conn. — Por enquanto vamos ficar aqui. Sejam quais forem os seres que residem lá embaixo, eles possuem uma tecnologia avançada e certamente estão em condições de determinar a posição da qual foi transmitida uma mensagem de minicomunicador. Vamos dar uma olhada por aí. Pelo que se vê daqui, parece que não será difícil ficarmos escondidos. Nossa tarefa consiste em colher informações. Queremos saber quem são os seres que vivem aqui, como são eles e quais são suas idéias. Se chegarmos à conclusão de que não é possível cumprir esta tarefa, sempre teremos tempo de voltar. Aliás, ninguém pode ter certeza de que os seres que vivem lá embaixo nos considerem como inimigos. É possível que todas as preocupações sejam em vão e que consigamos estabelecer relações pacíficas. Foram andando. De início conseguiram avançar rapidamente, já que a vegetação era formada principalmente por caules branco-acinzentados de alguns centímetros de diâmetro, que chegavam a trinta centímetros de altura e eram tão densos que pareciam um tapete de grama que cobrisse o chão. Quebravam sob as botas dos terranos, produzindo um ruído captado pelos microfones externos, semelhante ao estouro abafado que se ouvia ao abrir uma garrafa de champanha, e espalhando nuvens de pó cinzento fino como talco. Mas depois de alguns quilômetros o terreno tornou-se mais difícil. Plantas maiores misturavam-se ao capim branco-acinzentado a intervalos cada vez menores, passando finalmente a formar uma verdadeira selva. Guerr La Costa, que apesar das preocupações que manifestara fazia questão de andar na ponta, fez sua primeira experiência com o caráter traiçoeiro da fauna do mundo dos maahks. Enquanto avançava apressadamente entre os galhos espessos, ficou ao alcance de uma planta solitária, cujos brotos saíam separadamente do chão. A planta tinha certa semelhança com o sisal, exceto quanto à cor das folhas. Quando Guerr se tinha aproximado a dois metros, um dos brotos levantou-se abruptamente, dobrou-se na parte superior e avançou com seu espinho contra o homem imprudente. Guerr soltou um grito de pavor e recuou. A gravitação reduzida fez com que perdesse o equilíbrio e Guerr atravessou a selva numa extensão de cinco metros com a força de uma bala de canhão. Vern logo avaliou a situação e deu cabo da planta com alguns tiros de sua arma energética. Guerr saiu da vegetação espessa praguejando. — Da próxima vez tenha mais cuidado — advertiu Conn. Pela primeira vez Guerr não deu nenhuma resposta. A vegetação densa e a atenção que tinham que dedicar ao comportamento das plantas fizeram com que se deslocassem muito mais devagar. Durante uma hora tiveram a impressão de que a selva se estendia até a extremidade oposta da caverna, que não sabiam onde ficava. Guerr, que já recuperara a coragem, sugeriu que voltassem e informassem à Crest. Estava explicando as excelências de seu plano, quando Vern Hebbel, que caminhava à frente do grupo, atravessou violentamente uma sebe formada por plantas débeis e parou, estupefato. Guerr, que não percebeu nada, continuou a falar. — Cale a boca! — disse Vern em tom áspero. — Conn... veja! Conn deu ordem para que Bryan e seus homens esperassem e atravessou a brecha que Vern acabara de abrir no meio da vegetação. Do outro lado da sebe a selva terminava
de repente. O chão estava coberto de capim e alguns arbustos isolados, tal qual acontecia perto da eclusa. O teto de rocha não ficava a mais de duzentos metros de altura e a luz amarelenta de um sol artificial brilhava no zênite A temperatura tinha subido para noventa e cinco graus. Bem ao longe via-se fumaça subindo para o teto. Conn tentou descobrir sua origem, mas a distância era muito grande. Finalmente viu a estrada, que vinha obliquamente da direita e atravessava em linha reta a paisagem que antes se assemelhava a um parque. A estrada desapareceu atrás de um matinho formado por plantas com formas estranhas, e não aparecia mais adiante. — Não é só isso — observou Vern, como se soubesse ler pensamentos. — Olhe para isso! Conn olhou na direção do braço estendido de Vern e viu um pequeno edifício abobadado no meio de um grupo pouco espesso de arbustos branco-amarelentos. A abóbada tinha seis ou sete metros de altura no máximo, e seu diâmetro era pouco inferior a dez metros. Conn viu uma porta aberta. Quando ainda estava refletindo sobre a finalidade da estranha construção, uma figura passou pela porta. Estava a uns trezentos metros de distância. O desconhecido desapareceu na vegetação. Dali a alguns segundos os microfones transmitiram um zumbido agudo, e no mesmo instante um veículo prateado esguio saiu entre os arbustos. Movimentava-se pouco acima da grama branca, atingiu a estrada e desapareceu atrás do matinho, acelerando constantemente. Conn segurou Vern pelo ombro. — Vamos voltar! — chiou. Os homens esperavam impacientes. — Nós os encontrarmos — disse Conn. — Ali pela frente o terreno é aberto até onde alcança a vista. A selva deve ser uma espécie de área protetora. Vamos fazer o seguinte: Herb Bryan e eu... — Psiu! — fez Guerr. Conn virou-se abruptamente. — O que houve? Guerr ficou escutando algum tempo e sacudiu a cabeça. — Nada. Tive a impressão de ter ouvido alguma coisa. Vern deu uma risada áspera. — Pois é — disse Conn, retomando o fio da conversa. — Herb e eu daremos uma olhada nessa construção abobadada. Se houver alguém na mesma, tentaremos estabelecer contato. Naturalmente precisamos de alguém que nos dê cobertura. Vern, você... Um grito horripilante arrancou-lhe a palavra da boca. Com os nervos quase estourando, atirou-se para o lado e bateu no trançado elástico formado pelos galhos. Alguma coisa bateu violentamente nas suas costas. Virou-se rapidamente e viu La Costa caindo lentamente ao chão, com os olhos muito arregalados. Saltou por cima deles e viu seus homens caírem ao chão de ambos os lados, para permanecer imóveis. Gritou seus nomes, mas não obteve resposta. Arrancou a arma energética do cinto e disparou uma salva para dentro da mata. De repente sentiu o chão tremer sob seus pés. Virou-se abruptamente e viu os contornos pouco nítidos do monstro que saía da selva. Quis atirar, mas antes que tivesse tempo para isso alguma coisa o atingiu na cabeça com tanta força que até parecia o coice de um cavalo. Perdeu imediatamente os sentidos. ***
Quando a Crest ainda se encontrava a quinhentos mil quilômetros de Ural, a GA-114 chamou. Depois de terem esperado algumas horas, os dois guardas que Herb Bryan colocara junto ao elevador se impacientaram e entraram em contato com os dois homens que se encontravam a bordo da Lucky Lady. Desta forma Perry Rhodan obteve informações precisas sobre os acontecimentos que se tinham verificado até o momento em que Herb Bryan, Guerr La Costa e Vern Hebbel e seus homens tinham desaparecido no poço do elevador. Com isto a missão adquiria feições completamente novas. Praticamente não havia mais nenhuma dúvida de que existiam seres inteligentes que haviam reparado e posto a funcionar os geradores subterrâneos. Inicialmente o plano de Perry Rhodan previa apenas que se assumisse o controle de uma estação de transmissor abandonada, para compensar a perda do sistema de Gêmeos. Mas acabara de constatar que o transmissor Chumbo de Caça não estava tão abandonado assim. Tornava-se necessário estabelecer contato com os desconhecidos, fossem eles quem fossem, e providenciar, por meios pacíficos ou com o uso da força, para que a futura guarnição do centro de comando do transmissor pudesse fazer seu trabalho sem ser molestada. Ural parecia ser o lugar indicado para dar início aos contatos. Com a ajuda de Grek-1 foi redigida uma mensagem de hipercomunicador em kraahmak, mensagem esta que foi irradiada ininterruptamente enquanto a gigantesca nave se aproximava do asteróide. Perry Rhodan sentia-se muito confiante. Era bastante provável que os desconhecidos que habitavam o anel de asteróides eram remanescentes do povo maahk que vivera em Kulloch. Qualquer forasteiro disposto a prestar-lhes auxílio deveria ser bem-vindo — desde que não estivesse a serviço dos senhores da galáxia. Quanto ai isso a mensagem era bem clara. Mas os acontecimentos haveriam de mostrar que a confiança de Perry Rhodan não tinha razão de ser, pois resultara de um perigoso erro de avaliação, que quase chegou a ser mortal. *** A superfície acidentada do asteróide que se aproximava da Crest parecia um paredão de rocha. Perry Rhodan foi à sala de comando e passou a observar a manobra de pouso no console de comando de Cart Rudo, que ficava numa plataforma elevada no centro da sala circular. O epsalense volumoso parecia não dar atenção à presença do Administrador-Geral enquanto se dedicava com o entusiasmo de sempre ao cumprimento dos seus deveres de comandante. Berrava ordens com sua voz potente, que eram ouvidas por qualquer pessoa que se encontrasse na sala de trinta metros de diâmetro, mesmo sem o sistema de intercomunicação. A Crest foi subindo junto ao paredão. A distância não era superior a mil quilômetros. Salvo quanto à aspereza natural da rocha, o paredão era completamente liso, dando a impressão de que nesse lugar uma faca gigantesca separara o asteróide do planeta ao qual já pertencera. A extremidade superior do paredão era ligeiramente abaulada. Era fácil concluir, com base nas informações fornecidas, que se tratava de um remanescente da curvatura da superfície do planeta Kulloch. A GA-114 estava pousada em algum lugar, além da borda abaulada, num pequeno trecho da superfície de Kulloch. Perry Rhodan examinou a tela panorâmica para estudar a estranha paisagem. Parte do interior do planeta estava à mostra. Tratava-se de uma área de estudos muito interessante para os astrofísicos, que continuavam a engalfinhar-se com suas hipóteses divergentes sobre a formação dos mundos semelhantes a Júpiter tal qual faziam há
quinhentos anos, quando nascera seu ramo científico. Perry tentou imaginar como seriam as coisas dali a algumas décadas, quando a navegação espacial intergaláctica fosse uma simples rotina. Naturalmente escalariam as rochas do asteróide, em busca de provas para suas teorias. De repente notou uma coisa. Uma fenda que parecia completamente fora de lugar na paisagem uniforme atravessava a rocha. Não tinha mais de dez quilômetros de largura. Era apenas um traço escuro e estreito na tela. Mas estendia-se pelo menos por cem quilômetros entre a confusão das rochas, seguindo um estranho curso retilíneo. Parecia ser uma coisa artificial. Perry virou a cabeça para dar ordem para que Cart Rudo descesse mais para fazer a sondagem da fenda. Neste momento soou o alarme. O zumbido do alerta preliminar fez com que os homens se sobressaltassem. A voz penetrante do chefe do setor de rastreamento saiu do intercomunicador. — Atividade energética intensa embaixo de nós. Os rastreadores detectaram impulsos que devem provir de propulsores de espaçonaves que estão entrando em funcionamento. O ponto de partida dos impulsos é a fenda que se vê perfeitamente na tela ótica. Sugiro... Não conseguiu prosseguir. As sereias uivaram. O alerta automático deu o alarme geral. Perry olhou para a tela. Chispas luminosas estavam surgindo na escuridão da fenda. Numa questão de segundos sua claridade aumentou tanto que os olhos doíam. De repente precipitaram-se para fora da fenda. Eram dezenas, centenas. Vieram em direção ao couraçado terrano, desenvolvendo uma velocidade tremenda. A gigantesca sala de comando transformou-se num inferno de aparelhos ruidosos e vozes que gritavam. Mas a voz poderosa de Cart Rudo superou o barulho sem dificuldade. — Comandante chamando centro de artilharia! Abram fogo ao menor sinal de hostilidade. São muitos para nós. Foi tudo tão rápido que nem mesmo Perry Rhodan com sua incrível capacidade de reação ainda não sabia exatamente a quantas andava quando os campos defensivos que cercavam a nave se iluminaram num ofuscante fogo de artifício. Vários abalos sacudiram o corpo gigantesco da Crest. As luzes tremeram, e o uivo furioso dos aparelhos forçados ao máximo veio das profundezas da sala dos geradores que tentavam compensar o consumo de energia dos campos defensivos. Os desconhecidos estavam atacando. Foi um ataque tão violento que desde a primeira salva a tela panorâmica só mostrava a luz trêmula dos campos defensivos, que estavam submetidos a um bombardeio ininterrupto. Perry Rhodan continuou no seu lugar. No momento não havia nada que ele pudesse fazer. Cart Rudo era um comandante experimentado. Perry observou-o enquanto afastava a Crest o mais depressa possível da perigosa proximidade do asteróide, a fim de conseguir maior liberdade de movimentos. Com uma agilidade incrível seus dedos manipulavam os controles. Virou o rosto suado para Perry durante dois segundos e gritou: — São pelo menos quinhentas unidades inimigas, senhor! Estamos fazendo uma limpa entre eles. Até parecia que o destino não gostara de seu otimismo exagerado. No mesmo instante um golpe terrível sacudiu a nave. Perry foi arrancado da poltrona e atirado para cima. Caiu com todo o peso do corpo nos degraus que levavam à plataforma de Cart Rudo. Perdeu os sentidos por alguns segundos. Quando voltou a abrir os olhos, estava mais escuro. As luzes de emergência tinham sido ligadas. Alguns oficiais inconscientes
jaziam com os membros retorcidos no chão da sala de comando. O chão parecia inclinado. Perry levantou. Cart Rudo trabalhava que nem um louco em seu console de comando. — Fomos atingidos no convés A! — disse com a voz estridente. —Vamos... A palavra foi arrancada de sua boca. O estrondo terrível de uma segunda explosão se fez ouvir. Perry perdeu o apoio dos pés e voltou a cair. As luzes agüentaram, mas um setor da tela panorâmica escureceu. Perry logo se pôs de pé e subiu correndo para o console de Rudo. — Vamos dar o fora! — gritou ao ouvido do epsalense. Não estamos em condições de enfrentá-los. Rudo acenou com a cabeça. Estava zangado. Perry viu-o fazer a Crest descrever uma curva de cento e oitenta graus e prepará-la para entrar no espaço linear. A nave voltou a ser sacudida, e mais um setor da tela escureceu. — Fomos atingidos nos conveses A e F! — informou Cart Rudo. Finalmente puxou a alavanca que decidiria tudo. A nave desapareceu no espaço linear. O uivo dos geradores cessou no mesmo instante, e a tela de relevo passou a mostrar a imagem típica, levemente distorcida, dos sóis gêmeos, conforme eram captados pela câmara através do envoltório protetor do semi-espaço. O intercomunicador de Cart Rudo deu o sinal de chamada. Cart apertou com tamanha violência a tecla de recepção que até se tinha a impressão de que queria arrebentá-la. — Segurança chamando comandante — disse uma voz débil. — Fomos atingidos três vezes. O casco foi rompido em três pontos diferentes. Quatorze compartimentos foram separados hermeticamente do resto da nave. Temos de contar com a perda de quarenta e oito homens. Cart Rudo virou a cabeça. — Que inimigo é este, senhor? — disse com a voz rouca de tanto gritar. — Peço permissão para avançar novamente, uma vez realizados os necessários reparos. Eles ainda nos conhecerão melhor. Perry fez um sinal de pouco-caso. Sentia-se cansado e abatido. — Deixemos isso para mais tarde, coronel — respondeu com a voz débil.
4 Um ruído emitido pelo rádio-capacete fez com que Conn Nosinsky recuperasse os sentidos. — Não sei se vi mesmo, ou se sonhei depois de ter desmaiado — disse Guerr La Costa em tom exaltado. — Foi uma coisa horrível! Conn abriu os olhos, espantado, e constatou que estava completamente escuro. — Um momento — exclamou Guerr. — Acordou mais um. Ouço pela respiração. Quem é? — Cale a boca, baixinho — resmungou Conn. — Você acaba deixando todo mundo confuso. — Ora veja! É o chefe! Estas palavras foram proferidas com a voz baixa de Herb Bryan: — Há mais alguém que esteja lúcido? — perguntou Conn. — Este seu criado — respondeu Vern Hebbel, que se encontrava num lugar mais afastado. — Alguém sabe onde estamos? Ninguém respondeu. — Alguém sabe o que aconteceu? — Recebi uma pancada na cabeça — apressou-se Guerr em dizer. — Vi faíscas por toda parte. É a última coisa de que me lembro. — Comigo aconteceu a mesma coisa — disse Vern. — Comigo também — confirmou Herb. — Deve ter sido uma espécie de arma de choque — concluiu Conn. — Alguém sofreu lesões corporais? — Ninguém. Conn ligou a lanterna do capacete. O raio ofuscante atravessou uma mistura gasosa que formava uma névoa, em meio à qual os contornos do feixe de luz se desenhavam perfeitamente, formando um círculo claro na parede lisa de pedra plastificada. — Você não precisaria ter-se incomodado com isso — disse Vern. — Há meia hora dei uma olhada por aí. Estamos todos reunidos, os homens ainda estão inconscientes, nossa prisão é retangular e tem dez metros de comprimento, oito de largura e quatro de altura. Parece que numa das paredes de dez metros há uma porta, mas não tenho certeza. Conn levantou, fez um giro completo e viu confirmadas as informações de Vern. Numa das paredes mais estreitas via-se um rastro em forma de pneu, que subia verticalmente do chão, passando à vertical a três metros de altura e atravessando toda a parede, para voltar ao chão do outro lado. Conn desligou a lanterna e sentou no chão. Os mostradores luminosos do manômetro que trazia no pulso esquerdo indicavam duas atmosferas e meia. A temperatura era pouco inferior a noventa graus. Conn pôs a mão no cinto. A arma energética tinha desaparecido. Enfiou a mão que calçava uma pesada luva no bolso. O minicomunicador também não estava mais lá. — Eles nos tiraram tudo, não é? — perguntou. — Tudo que pudesse ser-nos útil — respondeu Vern em tom seco. Por alguns minutos ficaram todos em silêncio. Finalmente a voz de Vern se fez ouvir de novo. — Conn!
— Sim. — Houve outra coisa — pela primeira vez desde que Conn o conhecia sua voz parecia perplexa e embaraçada. — Guerr, Herb e eu não chegamos a acordo. Você chegou a ver um dos desconhecidos? — Acho que sim. — Tinha uns três metros de altura, sua pele era cinzenta e possuía pelo menos seis braços e pernas? — É mais ou menos como me lembro dele — respondeu Conn. — Mas não tenho certeza se possuía seis ou oito membros. — Quer dizer que são verdadeiros monstros — constatou Guerr. — Depende do ponto de vista em que a gente se coloque — observou Herb. — Eles provavelmente se acham bem apresentáveis. A conversa morreu. Os homens foram-se recuperando um atrás do outro. Conn esperou que todos acordassem e explicou a situação. Disse que não parecia haver um perigo imediato. Se os desconhecidos quisessem matá-los, já o teriam feito. O fato de os terem prendido mostrava que os preferiam vivos, mesmo que fosse somente porque haviam despertado sua curiosidade. — Seja como for — concluiu — não permaneceremos inativos. Acho que não deve ser muito difícil abrir esta porta. Vamos... — Espere aí! — interrompeu Guerr. — Não há quem não reconheça que tenho dedos mais ágeis que os outros, e levei dez minutos experimentando abrir a porta. Abandone suas esperanças. Esta saída não foi feita para nós. — Se esperasse até que eu tivesse concluído, não gastaria tanto oxigênio — observou Conn em tom paciente. — Cada um de nós tem um pequeno recipiente com oxigênio comprimido, para a eventualidade de haver uma falha no regenerador de oxigênio embutido em nosso traje. Todo mundo sabe que a atmosfera desta caverna é formada principalmente por hidrogênio. Se abrirmos nossos recipientes, deixando que o oxigênio escape, obteremos uma mistura altamente explosiva, desde que sejam mantidas as proporções corretas. Os desconhecidos nos tiraram todos os objetos com os quais pudéssemos produzir uma faísca capaz de incendiar a mistura gasosa. Mas acho que qualquer objeto metálico arremessado contra o piso ou a parede no ângulo certo produzirá o mesmo efeito. — Espere aí! — protestou Guerr. — Se esvaziarmos um recipiente de oxigênio aqui dentro, não precisaremos mais de nenhuma saída, já que depois da explosão estaremos todos mortos. — Vern! — disse Conn. — Desligue o rádio dele. — Está bem — resmungou Guerr, ofendido. — Vou ficar quieto. — O bocal do recipiente de oxigênio deve ser colocado numa direção em que o gás que escape suba junto à porta — prosseguiu Conn. — O oxigênio é mais pesado que a mistura de hidrogênio e amoníaco. Se não abrirmos demais as válvulas do recipiente, o gás não subirá ao teto, mas descerá para o chão em virtude de seu peso. Quer dizer que a maior concentração de oxigênio se verificará na parte inferior da porta, e é exatamente o que queremos. Não teremos de esperar até que o recipiente fique completamente vazio. A quarta parte do conteúdo de um recipiente de oxigênio será suficiente para provocar uma explosão localizada. Ligou a lanterna do capacete e levantou. — Quero que todos fiquem o mais perto possível da parede traseira! — ordenou.
Os homens obedeceram prontamente. — Vocês vão ficar bem quietos — pediu Conn. — Não mexam nem um dedinho. Se existe uma coisa que não queremos, é qualquer turbulência que espalhe o oxigênio pela sala. Entendido? Aproximou-se lentamente da porta. Com movimentos em câmara lenta abriu o fecho magnético do pequeno recipiente alongado preso à coxa direita, no qual se encontrava a garrafa de oxigênio. Com um movimento breve desprendeu a válvula automática que levava para o interior do traje protetor e colocou o recipiente no chão. Girou o bocal para colocá-lo numa posição em que apontasse obliquamente parede acima. — Vou abrir a válvula a um décimo de sua capacidade — disse, dirigindo-se aos companheiros. — Depois me retirarei. Mas antes de abrir a válvula remexeu nos bolsos e tirou alguns objetos de pouca utilidade, como uma pequena faca, uma chave de fenda e um martelinho de minerador. Depois ajoelhou cuidadosamente e girou três vezes o parafuso que controlava a válvula. Ouviu o chiado do gás que estava ocupado pelo rádio-capacete e voltou a levantar. Recuou que nem uma marionete movida por um par de mãos cansadas, até alcançar a fileira dos companheiros. Esperou um minuto e levantou o braço, atirando a faca de tal maneira que atingisse o chão ao lado do recipiente de oxigênio. Teve o cuidado de fechar os olhos, mas isso não teria sido necessário. O metal não produziu nenhuma fagulha e a mistura gasosa não explodiu. Experimentou com a chave de fenda, mas também não foi bem-sucedido. Guardara o martelo para o fim, pois era o aparelho mais pesado que prometia melhores resultados. Pesou-o cuidadosamente na mão, fez pontaria para o envoltório metálico do próprio recipiente de oxigênio — e fez o arremesso. Uma parede de fogo branco-azulado foi subindo. O estrondo da explosão quase rompeu seus tímpanos, e a pressão do ar atingiu-o com tamanha violência que foi arremessado para o meio dos companheiros. Conseguiu pôr-se de pé. Ainda estava atordoado. Ouviu o grito de triunfo de Guerr La Costa. — A porta está aberta! Conseguimos! Conn viu-o correr na direção da abertura entrecortada provocada pela explosão. — Pare! — gritou. — Ninguém sai do lugar! Guerr parou imediatamente. Conn passou por ele e examinou a abertura. Os fragmentos da porta tinham sido lançados para fora. A violência da explosão fizera com que a válvula do recipiente de oxigênio entortasse e se fechasse! Conn passou pela abertura e atingiu uma espécie de desfiladeiro flanqueado por paredões de rocha, e que a trinta metros de distância descrevia uma curva fechada. O céu amarelo-leitoso parecia suspenso sobre o desfiladeiro. A cor do mesmo resultava do sol artificial do mundo subterrâneo. — Tudo bem! — gritou para os companheiros. — Venham! Foi o primeiro a passar pela abertura entrecortada. Constatou que no lugar em que ficava a porta do recinto em que tinham estado presos o desfiladeiro terminava num paredão vertical. A porta tinha sido embutida nesse paredão. A rocha subia a uma altura tamanha que sua extremidade superior se perdia na névoa leitosa do céu artificial. Mas as rochas que ficavam de cada lado do desfiladeiro não subiam a mais de dez metros. Conn olhou para o relógio, que era um dos poucos instrumentos que os desconhecidos não lhe haviam tirado. Fazia pouco menos de quarenta horas que tinham
saído da Crest. Esta mantinha contato com a Lucky Lady. Conn não teve a menor dúvida de que um comando acabaria descendo em Ural para vir em seu auxílio. Teria de encontrar um meio de entrar em contato com o grupo. Ninguém sabia qual era o tamanho do mundo construído sob a superfície em que ponto do mesmo eles se encontravam no momento. Do alto das rochas provavelmente conseguiriam orientar-se razoavelmente, mas o mais importante era conseguirem armas e aparelhos de rádio. Os transmissores embutidos em seus capacetes eram fracos demais, principalmente na atmosfera densa e bastante absorvente que enchia a caverna. Conn deu ordem para que Herb Bryan subisse com mais dois homens pelo paredão do lado direito, enquanto ele e Guerr La Costa subiram do lado esquerdo. Enquanto Isso ficou contemplando a parede íngreme que se erguia no fim do desfiladeiro, e que parecia ser maior que qualquer formação rochosa que já tinha visto. Constatou que se tratava de uma espécie de coluna angulosa. A parede frontal avançava de ambos os lados bem além das extremidades do desfiladeiro. Tinha cerca de duzentos metros de largura. A circunferência do colosso devia ser superior a um quilômetro. Conn perguntou-se se podia ser um resto da rocha primitiva que tinha permanecido de pé, e que os desconhecidos usavam para apoiar o teto de seu mundo. Não teve tempo para refletir mais detidamente sobre a hipótese. Alcançaram o alto da formação rochosa e o que viram prendeu sua atenção por algum tempo. O desfiladeiro, a coluna de pedra e a cela da prisão ficavam numa área circular coberta por rochas e colinas. O diâmetro médio dessa área era de dois quilômetros. A julgar pela posição do sol artificial amarelento, deviam encontrar-se aproximadamente no centro da caverna — isto se a suposição de Conn, de que os desconhecidos haviam pendurado seu sol no centro do mundo que habitavam, era correta. Para além da ilha rochosa estendia-se uma grande paisagem coberta de capim, do tipo que haviam encontrado ao entrar neste mundo. Mas havia uma diferença: a área que estavam vendo era densamente povoada. Edifícios de todos os tipos e tamanhos estavam espalhados ao acaso pela planície. Pelo menos duas dezenas de estradas largas atravessavam a área em todas as direções, e uma frota enorme de veículos planadores se deslocava de um lado para outro. Os propulsores dos veículos enchiam o ambiente com um zumbido agudo e constante, que os microfones embutidos nos capacetes transmitiam fielmente. O edifício mais próximo era uma construção abobadada do tipo que Vern e Conn haviam observado logo depois de entrar no mundo subterrâneo. Ficava na periferia do deserto de pedra. A porta estava fechada, e havia quatro veículos planadores parados à frente da mesma. Por algum motivo que nem ele mesmo soube explicar, Conn chegou à conclusão de que os edifícios abobadados deviam ser estabelecimentos militares ou policiais. A construção que tinham visto em primeiro lugar ficava no lugar que qualquer oficial sensato escolheria para instalar um posto de vigilância para proteger a entrada da caverna. O edifício que estavam vendo naquele momento ficava tão perto do desfiladeiro e da cela da prisão que se tinha a impressão de que a tarefa de sua guarnição consistia em vigiar os prisioneiros. Conn agachou-se atrás da rocha e ficou observando o edifício por alguns minutos, enquanto Guerr olhava em outra direção. Mas a porta continuou fechada e os veículos permaneciam imóveis. — Ei — disse Guerr em voz baixa. Conn sobressaltou-se. — Bryan está fazendo um sinal!
Conn virou a cabeça e olhou para o paredão que ficava do outro lado do desfiladeiro. Seus rádios tinham sido regulados num volume tão baixo que os desconhecidos não poderiam ouvi-los, a não ser que estivessem nas imediações. Isso tinha a desvantagem de que não podiam comunicar-se entre si sempre que o transmissor e o receptor ficavam mais de trinta metros de distância. Herb Bryan encontrava-se fora do alcance do rádio de Conn. Conn viu-o erguer ambos os braços e girá-los para o lado. Era um dos sinais combinados que significava nada de extraordinário. Herb desenhou algumas letras no ar. Conn teve muito trabalho em decifrá-las: Como esperávamos. Estendeu obliquamente o braço direito e apontou para baixo. O sinal era uma ordem para que Herb Bryan voltasse para dentro do desfiladeiro. Conn viu os homens empurrando-se da rocha e saltando para baixo. — Há uma coisa errada por aqui — disse Guerr repente. — Pelo menos duzentos veículos estão trafegando por ali. Parece tudo muito agitado. Conn passou algum tempo observando o tráfego nas estradas e concluiu que Guerr tinha razão. Muita gente parecia ter uma pressa tremenda de chegar a algum lugar. Ao que tudo indicava, um mundo pequeno como este não devia ter comunicações pelo ar. Os planadores eram o meio de transporte ideal. Conn constatou que a maior parte dos veículos se deslocava em determinada direção, embora no primeiro instante tivesse a impressão de que iam para todos os lados. Não havia dúvida de que alguma coisa deixara nervosos os habitantes do mundo subterrâneo. Certamente não fora somente a prisão dos terranos. Conn perguntou-se se o comando da Crest já tinha descido no planeta. Guerr cutucou-o. — Olhe a cúpula! — disse, nervoso. Conn estivera tão entretido na observação do tráfego que não dera nenhuma atenção à construção abobadada. Virou a cabeça. A porta estava aberta e uma figura solitária entrou num dos veículos. A porta logo voltou a fechar-se. O planador movimentou-se. Desprendeu-se do solo e precipitou-se na direção do desfiladeiro. Conn não demorou a compreender o que estava acontecendo. Tratava-se de uma pessoa que iria verificar como estavam os prisioneiros. Conn pôs-se a refletir intensamente. O planador não levaria mais de dois minutos para chegar ao fim do desfiladeiro. O desconhecido encontraria a cela vazia. E então? Conn fez um plano às pressas. Não tinha certeza de que funcionaria, mas na situação em que se encontrava não poderia deixar de experimentar. Mandou que Vern e seus companheiros subissem o mais depressa possível pelo lado esquerdo do desfiladeiro e se escondessem atrás das rochas para não poderem ser vistos de baixo. Não deu nenhuma explicação. Pelo tom de sua voz Vern notou que uma coisa fora do comum tinha acontecido. Depois saiu correndo à frente de Guerr pela cumeeira rochosa, até alcançar um lugar que não ficava a mais de cinco metros do fundo do desfiladeiro, no qual havia grande quantidade de pedras soltas. Segurou Guerr pelo ombro e apontou para baixo. — Vamos! — disse em tom nervoso. — Dentro de um minuto deve haver tanta sujeira lá embaixo que o planador não pode parar junto à porta. Pouco lhe importava que Guerr tivesse compreendido seu plano ou não. O importante era que cumprisse a ordem que acabara de ser dada. Encostou todo o peso do corpo a um bloco de um metro de altura, conseguiu desequilibrá-lo e o viu descer lentamente sob a ação da gravitação reduzida. Bateu numa rocha saliente e deu um salto
grotesco. Levou alguns segundos que pareciam não ter fim até chegar ao fundo do desfiladeiro. Parou exatamente no lugar que Conn queria. Guerr também não ficou inativo. Os blocos de pedra foram descendo um após o outro. Os dois juntos tiraram uma rocha de mais de três metros da altura de sua posição e a fizeram cair. O bloco gigantesco bateu nas pedras que já estavam acumuladas no fundo do desfiladeiro, voltou a subir desajeitadamente e finalmente encontrou sua posição de repouso. Uma barreira de quase cinco metros de altura fechava o desfiladeiro, e a distância que a separava da porta arrebentada da prisão também era de cerca de cinco metros. Era exatamente o que Conn queria. Restava esperar a reação do desconhecido. Uma figura aproximou-se aos saltos por cima da cumeeira do paredão. Conn reconheceu o rosto suado de Vern atrás do visor do capacete. — Deixei Herb e os outros lá na frente — disse, nervoso. — Tive a impressão de que vocês precisam de auxílio. Quantas pessoas há neste veículo? — Você viu? — perguntou Conn. — Vi. Estava entrando no desfiladeiro e desapareceu atrás das rochas. Deve chegar a qualquer momento. — Pelo que vimos, só há uma pessoa — respondeu Conn. — É isso aí — disse Guerr com a voz estridente. — Lá vem ele. Ouviu-se um zumbido agudo vindo da curva do desfiladeiro. O planador prateado saiu detrás das paredes rochosas. A parte superior do mesmo era formada por uma cúpula transparente achatada. Via-se perfeitamente que só havia um desconhecido no interior do veículo. — Escondam-se! — chiou Conn. — E fiquem quietos! O planador parou à frente do obstáculo. O sol artificial refletiu-se na cúpula transparente, impedindo Conn de ver o ocupante do veículo. Este ficou parado um instante. Logo subiu e tentou passar por cima da barreira de pedra, conforme esperara Conn. O piloto chegou à conclusão de que o espaço entre o obstáculo e a porta da cela era muito apertado e desistiu do pouso. Conn não tinha dúvida de que o ocupante do veículo vira o buraco na porta. Restava saber qual seria sua reação. O planador parou antes do obstáculo. Conn ouviu ranger e arranhar que produziu ao tocar o chão. Estendei o braço e deu uma palmadinha no ombro de Guerr. Vern que vira o movimento, acenou com a cabeça. Sabiam o que estava em jogo. Os segundos foram-se arrastando numa tensão insuportável. O desconhecido parecia desconfiado. Acreditava que os prisioneiros tinham fugido. Qual seria sua decisão? O suor cobriu a testa de Conn e entrou nos seus olhos mais depressa do que o equipamento de climatização do seu traje espacial pudesse evaporá-lo. Perguntou-se quanto tempo ainda agüentaria. Sentia uma terrível comichão em várias partes do corpo, e estava com a boca ressequida. De repente a cúpula do planador abriu-se. A figura do desconhecido ergueu-se lentamente do estranho assento e foi descendo junto à parede externa do veículo. Conn ficou estarrecido. Que criatura monstruosa! Já vira outros maahks, especialmente Grek-1, e estava acostumado a seu aspecto estranho. Mas o monstro que se encontrava lá embaixo assustaria até mesmo um maahk. Tinha mais de dois metros e meio de altura, a excrescência craniana larga e trêmula estendia-se de ombro a ombro e os olhos saíam em forma de bastão uns dez centímetros de cada lado da cabeça. A pele do desconhecido era do mesmo branco-acinzentado da vegetação deste mundo subterrâneo. Dois pares de braços saíam do lado do tronco
gigantesco, movendo-se ininterruptamente que nem tentáculos sem juntas. As pernas do monstro eram duas colunas enormes cobertas de escamas. Conn recuperou-se da surpresa. A excrescência craniana dobrou-se para trás, a fim de olhar para cima e revistar a rocha. O par de braços superior carregava uma arma energética pesada nos dedos longos, que terminavam em formas achatadas. De um momento para outro o monstro poderia ter a idéia de fazer passar um raio energético escaldante pela parede rochosa. Conn apoiou-se na pedra atrás da qual estava escondido. Guerr e Vern não precisaram de ordens especiais. Fizeram exatamente o que Conn estava fazendo. Três blocos de pedra enormes foram movimentados ao mesmo tempo. Os olhos salientes do desconhecido estavam observando o paredão oposto. Os olhos que saíam da parte traseira do crânio estavam dirigidos para baixo e praticamente só viram os pedaços da rocha quando já estavam atingindo o alvo. A velocidade dos projéteis era bastante reduzida. Mas o desconhecido foi atingido de surpresa. Só conseguiu avaliar a situação depois que os blocos de rocha o fizeram perder o apoio dos pés e se amontoaram em cima dele. Levaria apenas alguns segundos para remover os obstáculos e pôr-se de pé. Conn empurrou-se e saltou para dentro do desfiladeiro. Guerr e Vern seguiram-no de perto. Conn agarrou a primeira pedra em que conseguiu pôr as mãos, segurou-a firmemente e martelou o ser de pele cinzenta. Não sabia quanto tempo tinha passado quando alguém o segurou fortemente pelo ombro e o puxou para trás. — Basta, Conn — disse Vern. Conn largou a pedra, que ricocheteou ao bater no chão e saltou para o lado. O desconhecido permanecia imóvel. Não tivera tempo de usar a arma. Guerr e Vern conseguiram tirá-la de sua mão. O gigantesco corpo branco-acinzentado continuava coberto pelos três blocos de pedra que o haviam atirado ao chão. Conn fez um movimento cansado para girar o regulador de volume de seu rádio. — Tudo bem, Herb — disse com a voz apagada. — Venham. Dali a instantes o desfiladeiro estreito estava repleto de homens. Vern e Conn saltaram para dentro do planador aberto e estudaram seus controles. Constataram que seria fácil dirigir o veículo. E, o que era mais importante, todo o grupo cabia nele. De posse de uma arma potente e no interior de um veículo incapaz de provocar suspeitas, já que havia muitos do mesmo tipo por ali, Conn passou a sentir-se muito mais otimista. Mandou que os homens entrassem no planador e deitassem no chão. Certificou-se de que as numerosas figuras enfiadas em trajes protetores não podiam ser vistas de fora e saltou para dentro do assento do piloto. Fechou a cobertura transparente e movimentou o veículo. Levou apenas um minuto para sair do desfiladeiro. A sua frente estendia-se a confusão de rochas e mais adiante a planície ampla coberta de capim. A construção abobadada da qual tinha saído o desconhecido ficava na periferia do deserto rochoso. — Vamos primeiro dar uma olhada por lá — decidiu Conn.
5 A Crest estava estacionada a vinte horas-luz dos sóis gêmeos. Parecia uma distância segura. As pequenas espaçonaves dos desconhecidos tinham ficado para trás. Parecia que não estavam interessadas em perseguir a nave terrana. Perry Rhodan recolheu-se com seus homens de confiança. Diante da nova situação tornava-se necessário mudar de tática. Os tripulantes da gigantesca espaçonave, comandados por Cart Rudo, desenvolviam uma atividade febril para consertar os estragos feitos pelos três impactos que a Crest sofrera, colocando a mesma em plenas condições de operar. No gabinete particular do Administrador-Geral, Bert Hefrich, engenheiro-chefe da nave-capitânia, estava apresentando seu relato sobre as informações que os instrumentos automáticos de medição e registro haviam colhido durante a luta sobre a tecnologia e a técnica de combate do inimigo. Perry Rhodan e o arcônida Atlan deram-lhe toda a atenção. Grek-1 não participou da conferência. — Não há dúvida de que as armas que produziram avarias tão graves em nossa nave têm certa semelhança com nossos canhões conversores — disse Hefrich. — O projétil sai do canhão em forma de hiperimpulso e só materializa depois de atingir o alvo. Os impulsos de rematerialização foram perfeitamente detectados. Os projéteis propriamente ditos são formados por cargas explosivas nucleares com uma potência equivalente a cerca de um bilhão de toneladas de explosivos convencionais. O colapso de nossos campos defensivos foi o resultado de um bombardeio cerrado. Tivemos sorte porque cada uma das três bombas só liberou um décimo de seu poder explosivo no interior dos campos defensivos. O resto perdeu-se no interior dos campos, quando estes entraram em colapso, ou espalhou-se pelo espaço. Tinha mais algumas folhas de papel à sua frente, e lia os dados constantes das mesmas. Passou as mãos ao acaso pela pilha e tirou mais uma folha. — As espaçonaves inimigas foram construídas todas segundo o mesmo modelo — prosseguiu. — São de forma cilíndrica, com as pontas arredondadas, e têm cerca de cem metros de comprimento por vinte e cinco de diâmetro. Ainda não temos certeza sobre o tipo de propulsão. Mas não há dúvida de que cada uma das naves fica envolta num campo defensivo verde. A estrutura do campo é a mesma observada nas naves maahks, na área do sistema de Gêmeos e de Kahalo, além de outros lugares. Havia outros algarismos e anotações numa terceira folha de papel. — Os atacantes foram aproximadamente em número de setecentos — leu Hefrich. — Vieram todos do planetóide ao qual Conrad Nosinsky deu o nome de Ural. O que surpreende é a rapidez com que um número tão grande de naves pôde entrar em ação simultaneamente. Os campos defensivos verdes do inimigo não resistem aos canhões pesados de nossa nave. Conseguimos destruir pelo menos duzentas unidades inimigas. Arrumou cuidadosamente as folhas, empilhou-as e levantou os olhos. — Obrigado, major — disse Rhodan em tom amável. — O senhor acaba de nos dar pelo menos um pouquinho de esperança. Hefrich fez continência e retirou-se. Perry e Atlan continuaram no gabinete. — Não é só isto — disse o arcônida em tom deprimido. — Você já sabe, não sabe?
— Posso imaginar — respondeu Perry com um sorris irônico. — Você suspeita mais uma vez de nosso amigo Grek-1. — Ele chega a se insinuar para isso. Foi ele que nos atraiu para cá. E também foi ele que afirmou que por aqui não existe mais nenhuma forma de vida inteligente. Foi ele que informou que a única coisa que existe por aqui é um transmissor pronto para entrar em funcionamento. Acontece que encontrarmos vida inteligente, e em quantidade maior do que gostaríamos, mas não descobrimos nenhum transmissor. Em minha opinião isto é mais suficiente para justificar minhas suspeitas contra esse maahk. — Parece que sim — confirmou Perry com um aceno de cabeça. — Mas você se esquece de algumas coisas. Viemos parar aqui; portanto, ao menos o receptor do transmissor está funcionando. E se é verdade que Grek visitou o sistema há vários anos, pelo menos o centro de comando deve estar intacto, senão ainda estaria aqui. Nenhuma espaçonave, mesmo que seja dos maahks, é capaz de percorrer com suas próprias forças as distâncias imensas do espaço intergaláctico. — Se...! — objetou Atlan. Perry levantou a mão. — Um instante, por favor. No momento estão sendo desenvolvidos dois projetos que deverão esclarecer tudo. Primeiro, um único cruzador da classe Cidade está voltando às escondidas para dentro do anel de asteróides, para procurar o centro de comando do transmissor. Se o mesmo ainda existir, ele emite uma radiação pouco intensa, mas característica, que poderá ser registrada pelos instrumentos da nave. A nave é suficientemente pequena para possivelmente escapar à atenção do inimigo. Se for atacada, terá de recorrer à sua enorme capacidade de aceleração. Não acredito que as unidades inimigas sejam capazes de acelerar tão depressa como os cruzadores terranos da classe Cidade. Atlan concordou com um gesto. — Muito bem pensado, meu amigo — reconheceu. — E o segundo projeto? — Você vai ficar admirado, seu pessimista inveterado — disse Perry com uma risada. — Grek-1 concluiu ou sentiu que alguém suspeita dele. Ofereceu-se espontaneamente, não se esqueça disso, a remover todas as barreiras criadas em sua mente para que os telepatas possam examinar sua consciência. Atlan ficou perplexo por alguns instantes, fitando Perry com os olhos arregalados. — Prontificou-se a isso espontaneamente? — perguntou depois de algum tempo. — Isso mesmo. Aceitei a sugestão. No momento Gucky e mais alguns mutantes estão investigando o conteúdo da consciência de Grek. *** Conn dirigiu o planador por cima da confusão de rochas, seguindo para a construção abobadada, em torno da qual continuava tudo quieto. A estrada mais próxima ficava um quilômetro para a direita. O tráfego já era bem mais intenso, e a corrente principal que se movia na mesma direção, quase paralelamente à rota que Conn estava seguindo, aumentava cada vez mais. Herb Bryan e um dos seus homens estavam segurando a arma energética da qual se haviam apoderado. A mesma era desajeitada demais para ser usada por um único homem. Herb segurava a arma mais ou menos à maneira de uma bazuca. O cano comprido estava apoiado no ombro de seu companheiro, enquanto Herb disparava. A tática de Conn era a mais simples possível. Acreditava que os ocupantes da construção abobadada não vissem nada de extraordinário no regresso do planador, com
seu companheiro a bordo, e por isso não dessem muita atenção ao veículo. O edifício não possuía janelas. Dessa forma devia haver circuitos de transmissão destinados a vigiar as áreas adjacentes. Conn fez o veículo pousar ao lado dos três planadores que se encontravam perto da porta, de tal forma que o mais próximo deles ocultasse os homens que desciam do veículo. A maior parte do grupo ficou no veículo. Somente Herb Bryan e seu companheiro, bem como Conn e Vern, aproximaram-se da porta. Não havia nada que indicasse que os ocupantes da construção abobadada os tivessem visto. A porta permaneceu fechada. Se não fossem os três planadores, Conn poderia ser levado a acreditar que o edifício estava vazio. Herb e seu companheiro ficaram postados junto à porta. Conn e Vern aproximaramse de lado e apalparam a porta, à procura do mecanismo oculto que abria e fechava a mesma. A porta abriu-se. Vern e Conn recuaram. Herb ficou de joelhos e apertou o acionador. O raio energético bem aberto rugiu ao sair do cano em funil e entrar pela porta. Houve uma explosão no interior do edifício. Uma nuvem de fumaça amarelo-acinzentada saiu pela porta. Herb praguejou e suspendeu o fogo. — Viu alguma coisa? — perguntou Conn. — Vi meia dúzia de monstros que se levantaram rapidamente e tentaram pegar suas armas assim que me viram. — Vamos dar uma olhada assim que a fumaça diminuir um pouco — disse Conn. — Guerr... — Pois não! — Pegue um dos planadores e dê algumas voltas em torno do edifício, mais ou menos à distância de quinhentos metros. Não queremos que ninguém nos perturbe. Fique bem atento. — Naturalmente — exclamou Guerr. Dali a trinta segundos um dos planadores levantou vôo e foi saindo na direção da área coberta de capim. A fumaça já tinha diminuído. Conn foi o primeiro a entrar na construção abobadada. Herb seguiu-o com a arma energética de que se haviam apoderado. O edifício possuía uma única sala. A salva energética tinha causado muitos estragos, mas via-se perfeitamente que ali existira um posto de vigilância equipado com todos os recursos técnicos. Viam-se consoles de comando muito altos ao longo das paredes. Os assentos pertencentes aos mesmos tinham sido ajuntados no centro da sala, onde a salva disparada por Herb Bryan atingira os homens. Os seis monstros estavam mortos. Tinham sido atingidos com toda a força das descargas energéticas. Uma tela enorme brilhava na parede que ficava do lado oposto da porta. Estava funcionando, pois ficava muito acima da trajetória do tiro. Conn tentou por alguns segundos descobrir um sentido na confusão de quadros e cenários, que se sucediam com uma incrível rapidez. Mas logo voltou a dedicar sua atenção a coisas mais importantes. Um dos consoles tinha explodido sob os efeitos do disparo energético, desmanchando-se num sem-número de fragmentos. A alguns metros do lugar em que a parede apresentava uma mancha negra proveniente do tiro havia seis armas energéticas do mesmo tipo daquela de que se tinham apoderado. Estavam intactas e em boas condições de uso. Conn chamou os homens que estavam esperando do lado de fora e mandou que levassem as armas.
Vern aproveitou o tempo para fazer um exame mais cuidadoso da sala. Conn viu-o exibir um sorriso matreiro. Aproximou-se com uma peça metálica do tamanho de uma caixa de fósforos na mão. — Isto é que é sorte — disse com a voz calma. — Encontrei este objeto num dos consoles, juntamente com outros aparelhos. A salva disparada por Herb fundiu metade dos mesmos. Esta peça é a única que ainda está em condições de ser usada. Muito espantado, Conn pegou a caixinha cintilante. Girou-a cautelosamente e apertou um dos botões de controle embutidos no revestimento de metal plastificado. Encostou o aparelho do lado do capacete e ouviu perfeitamente o tão conhecido zumbido agudo, que indicava que o minicomunicador estava em condições de entrar em funcionamento. — Quer dizer que conseguimos — disse, dirigindo-se a Vern. — Daqui em diante não deveremos ter maiores problemas. Vern acenou com a cabeça. Na posição em que se encontrava, via a grande tela por cima do ombro de Conn. Quis dizer alguma coisa, mas de repente arregalou os olhos de espanto. O cenário projetado na tela estava completamente mudado. Via-se um gigantesco campo de pouso espacial, no qual havia um número tão grande de espaçonaves que Conn não acreditou no que seus olhos viam. Uma atividade febril desenvolvia-se no campo. Grandes comboios de veículos e formações cerradas de tropas movimentavam-se entre os veículos espaciais. Apesar da gravitação reduzida, as tropas conseguiam marchar em passo cadenciado. As figuras dos seres estranhos pareciam ser feitas com base num único figurino. Na tela não se via por que era assim, mas Conn chegou à conclusão de que usavam trajes espaciais, que lhes davam um aspecto uniforme. Portanto, o campo de pouso espacial ficava no vácuo, fora do mundo construído embaixo da superfície do planeta. Mal estes pensamentos atravessaram sua cabeça, o quadro mudou de novo. A tela mostrou outro setor do gigantesco campo de pouso. Conn sentiu um tremendo nervosismo. Um traço estreito e escuro atravessava o quadro de lado a lado. Do lado de cá do traço viam-se algumas dezenas de estranhas espaçonaves, que já tinham subido do solo ou estavam prestes a decolar. A luminosidade ofuscante dos raios despejados pelos jatos-propulsores era inconfundível. Os objetos estranhos, de forma cilíndrica, mas com as extremidades ligeiramente abauladas, deslocavam-se para os fundos do quadro, enquanto novas unidades entravam constantemente no campo de visão, vindas da parte da frente. O traço negro devia ser a fenda de saída do espaçoporto subterrâneo. Se Conn avaliara corretamente o quadro que já tinha visto, dali a pouco centenas de naves sairiam do interior de Ural e se precipitariam para dentro da confusão dos planetóides. O acontecimento só permitia uma interpretação. Ural estava mobilizando suas forças. Se fosse uma simples operação de comando, os contingentes não seriam tão grandes. Certamente teriam que defender-se contra uma coisa maior. Como por exemplo a Crest. Por alguns segundos Conn Nosinsky entregou-se à sensação de pânico provocada pela idéia de que a Crest, que representava sua única esperança de um dia voltarem à Galáxia de origem, poderia estar entrando numa armadilha da qual talvez não conseguisse libertar-se. Ninguém conhecia a tecnologia do inimigo. Suas naves eram pequenas. Pela comparação com os soldados da tropa chegava-se à conclusão de que deviam ter cem metros de comprimento no máximo. Mas seu número era preocupante. Se cada uma das unidades possuísse uma única arma eficiente, e se a frota conseguisse
concentrar o fogo de somente dez por cento de seu contingente em determinado ponto do campo defensivo da Crest, a nave terrana estaria irremediavelmente perdida. Conn acordou repentinamente do atordoamento que se apoderara dele. Via perfeitamente o que teria de ser feito. — Atenção! — disse sua voz potente nos receptores embutidos nos capacetes dos homens. —Todos deverão preparar-se para partir imediatamente. Sargento Bryan, leve alguns homens ao planador no qual o Tenente La Costa deverá voltar dentro de alguns segundos. Além de sua arma, pegue mais duas armas energéticas e guarneça o planador. Uma vez no interior do mesmo, aguarde novas ordens — fez um movimento ligeiro para modificar a regulagem do transmissor. — Guerr, você me ouve? Volte imediatamente! Guerr confirmou o recebimento da mensagem, mas Conn já estava ocupado com a execução da etapa seguinte de seu plano. Era necessário prevenir a Crest. Ligou o minicomunicador e teve de fazer um grande esforço para controlar a emoção que tomou conta dele quando, ao comprimir o pequeno aparelho contra o capacete, ouviu a voz do primeiro oficial de rádio que respondia ao chamado. Fez um relato apressado do que tinha observado. O rádio-operador confirmou o fato de que a Crest estava avançando em direção ao anel de asteróides e de que a mobilização geral em Ural só poderia ter sido provocada por sua presença. Mas também explicou a Conn que a Crest já fizera uma investida e durante a mesma tivera um contato doloroso com as naves de Ural. Conn asseverou por sua vez que faria tudo que estivesse ao seu alcance para evitar que o inimigo lançasse uma ofensiva contra a Crest. Não havia tempo para outras explicações. Guerr La Costa voltou e Herb Bryan e seus homens entraram no planador. Conn sabia que teria de contar a qualquer momento com a presença de estranhos cuja atenção tivesse sido despertada pelos acontecimentos que se tinham verificado em torno do posto policial. E não havia nada que pudesse atrapalhar mais seus planos que um conflito prolongado neste tempo e lugar. Vern Hebbel levou os outros homens ao planador no qual tinham vindo. Dessa forma o grupo combatente de Conn dispunha de dois veículos que já tinham sido experimentados e não apresentavam nenhuma avaria. Os outros dois planadores foram deixados para trás. Não tinham o que fazer com eles. Conn foi o último a sair da construção abobadada. A tela continuava a mostrar o gigantesco campo de pouso espacial, do qual decolava um número incrível de naves para avançar em direção ao anel de planetóides. Ao que parecia tratava-se de uma reportagem que deveria manter os homens que ficavam no asteróide informados sobre os acontecimentos. Os planadores subiram e saíram em disparada. Conn pretendia dirigir-se à eclusa pela qual ele e seus companheiros tinham entrado no mundo situado sob a superfície do planeta. Não possuía nenhuma indicação que lhe permitisse determinar o lugar em que ficava a mesma. Mas o mundo subterrâneo devia ser limitado de todos os lados, e bastaria afastar-se constantemente do sol artificial situado no centro do mesmo para atingir estes limites. Uma vez lá, era só manter-se junto aos mesmos para chegar à eclusa. Vern pilotava o planador, enquanto Conn vigiava os arredores. Gostaria de conhecer o estado de ânimo dos uralenses. Se o aparecimento inesperado de uma nave desconhecida os deixara perturbados a ponto de não pensarem em mais nada senão em entrar o mais depressa possível em seus veículos espaciais e atacar o inimigo, as coisas não seriam muito difíceis. Mas se não perdessem a calma, teriam a atenção dispensada dentro de alguns minutos para os desconhecidos que voavam por aí e iniciariam a perseguição. Conn deu ordem para que Vern voasse em campo aberto, sem utilizar as
estradas. Os dois veículos desenvolviam velocidade superior a cem quilômetros por hora. Conn não tinha a menor idéia sobre as dimensões do mundo construído sob a superfície, mas pelos seus cálculos o paredão de rocha que formava o limite do mesmo não podia ficar muito longe. Depois de dez minutos o terreno começou a subir lentamente na direção em que estavam voando. Conn olhou para trás. Viu também ao longe a confusão de rochas na qual os uralenses o haviam prendido juntamente com seus homens. Teve a impressão de estar olhando por uma encosta suave. Conhecia este efeito. O mundo subterrâneo fora construído pelos uralenses de maneira tal que o fundo da caverna atravessava a curvatura do planeta em linha reta, tal qual um túnel que ligasse Londres e Nova Iorque, e que avançasse em linha reta, sem acompanhar a curvatura da Terra, conforme fora imaginado por algumas mentes fantasiosas no início do século vinte e um. Dessa forma o centro da caverna ficava mais próximo ao centro de gravidade do asteróide que as extremidades. Acontece que diante do senso de equilíbrio inato ao ser humano, o mesmo sente o ponto de partida da gravitação como sendo embaixo, enquanto a direção oposta representa o em cima. Dessa forma os ocupantes dos dois planadores tiveram a impressão de estarem voando para cima, embora os mesmos se deslocassem sobre uma reta geometricamente perfeita. Conn concluiu que suas esperanças não se cumpririam tão depressa como esperara. Apesar da gravitação reduzida do asteróide, o efeito era bastante acentuado. Portanto, a caverna devia ser maior do que ele pensara. Seu diâmetro devia ser bem superior a cem quilômetros; talvez chegasse mesmo a duzentos ou trezentos. Levariam pelo menos trinta minutos para alcançar a parede da caverna, e não se sabia quanto tempo demorariam para encontrar a eclusa. O planador subiu ligeiramente, para passar por cima de uma floresta. Assim que o veículo voltou à horizontal, Conn viu mais de uma dezena de construções abobadadas do outro lado da floresta. Deu um grito de alerta para Vern, mas já era tarde. O planador passou rente ao telhado das construções abobadadas, seguido de perto pelo veículo de Guerr La Costa. Conn viu grupos enormes de uralenses saírem dos edifícios e correrem para uma longa fileira de planadores estacionados junto à mata. Dentro de alguns segundos os primeiros planadores inimigos subiram do solo. O posto policial saiu rapidamente do campo de visão, mas o bando cintilante dos veículos que os perseguiam continuava bem visível. — E agora, chefe? — perguntou a voz nervosa de Guerr, transmitida pelo receptor de Conn. Conn lançou um olhar para a frente. Até onde alcançava a vista, o terreno era plano, embora subisse suavemente em direção ao fundo da caverna. O tapete infinito de capim com aspecto de aspargos, só interrompido vez por outra por alguns arbustos ou pequenas florestas, cobria toda a paisagem. Não havia nenhum lugar em que pudessem esconderse. Parecia que os veículos que os perseguiam estavam chegando cada vez mais perto. Conn virou o rosto para Vern. — Que tal se acelerasse mais um pouco? Vern deu de ombros. — Por aqui há mais algumas chaves — respondeu. — Eu não quis assumir a responsabilidade... — Pois eu assumo a responsabilidade — interrompeu Conn. — Não temos alternativa.
Vern moveu as chaves, mas não conseguiu nada. Finalmente descobriu um botão meio escondido num canto do painel. Apertou o mesmo, e o planador executou uma dança maluca. Conn virou a cabeça. O planador de Guerr foi ficando rapidamente para trás, tal qual o bando de veículos que os perseguiam. Informou Guerr sobre o misterioso botão, e dali em diante o veículo do mesmo se manteve à mesma distância. Os perseguidores desapareceram por alguns segundos. — Está vendo? — exclamou Guerr. Conn não estava tão confiante, e demorou pouco que os acontecimentos confirmassem suas suspeitas. Os planadores inimigos voltaram a aparecer. O simples fato de entrarem no campo de visão provava que desenvolviam velocidade mais elevada que os dois veículos ocupados pelos terranos. Conn observou-os por algum tempo e chegou à conclusão de que a velocidade relativa era ainda mais desfavorável a eles do que haviam acreditado. Os perseguidores aproximavam-se tão depressa como um carro moderno alcança um pedestre. Conn olhou para a frente. Ainda não havia sinal da parede da caverna, e o terreno não oferecia nenhum esconderijo. — Guerr... — Pronto! — respondeu Guerr prontamente. — Voltando à pergunta que você fez há algum tempo — disse Conn em tom sério. — Daqui em diante vamos torcer um pelo outro. *** As avarias tinham sido precariamente reparadas. A Crest II voltou a avançar em direção ao anel de planetóides. Perry Rhodan não tinha dúvida de que o inimigo desconhecido repetiria o ataque. Mas desta vez seus homens estavam preparados. Aqueles segundos críticos de espanto e pânico não se repetiriam. Os canhões pesados atingiriam o inimigo assim que aparecesse. Perry voltara ao lugar que costumava ocupar, ao lado do console de Cart Rudo. Sabia perfeitamente que não fora somente o fator surpresa que causara danos tão pesados à Crest. Fora principalmente por causa do número elevado de naves inimigas. Estas eram extremamente pequenas em comparação com o supergigante terrano, mas vinham às centenas, e a morte não significava nada para os seres que vinham nas mesmas. No fundo Perry admirava os desconhecidos. Precipitavam-se na luta com uma coragem sem igual. A vida parecia não valer nada para eles. Só mesmo um ser que protegesse uma coisa muito preciosa se comportaria assim, pensava Perry. Ou então alguém que só pensasse em vingar-se de alguma coisa. Grek-1 já fora reabilitado. Os mutantes chegaram à conclusão de que por ocasião de sua primeira visita ao transmissor Chumbo de Caça não encontrara qualquer sinal de vida inteligente. Ao voltar a bordo da Crest, estava convencido de que o sistema estava abandonado. E a informação de que o antigo planeta Kulloch tinha sido destruído pelos senhores da galáxia numa expedição punitiva contra os habitantes rebelados também estava firmemente arraigada em sua mente. Perry perguntou-se se os desconhecidos ofereciam uma resistência tão feroz contra eles por acreditarem que a Crest fosse um veículo pertencente aos senhores da galáxia. De repente foi interrompido em seus pensamentos. O Capitão Don Redhorse estava chamando pelo intercomunicador, informando que estava pronto para partir. A Crest seguia por uma rota diferente da que usara por ocasião do primeiro avanço. A operação
de reconhecimento realizada pelo cruzador da classe Cidade fora bem-sucedida. Descobriram um asteróide do tamanho da Lua, de cujo interior saíam radiações características. O asteróide recebeu o nome de Califa de Bagdá e foi escolhido como alvo da segunda investida da Crest. O Capitão Redhorse encontrava-se a bordo de uma navegirino, no interior do hangar-eclusa. Estava pronto para partir. A função da Crest consistiria exclusivamente em dar-lhe cobertura com seus canhões. Antes que Perry desse ordem de decolar, recebeu outro chamado pelo intercomunicador. Foi o chefe da equipe de rádio que lhe comunicou que acabara de receber um chamado do grupo de Nosinsky, que estava desaparecido. Fez um ligeiro resumo das informações prestadas por Conrad Nosinsky. Perry não tinha tempo para ocupar-se com as mesmas. O Califa estava a apenas dois milhões de quilômetros. Redhorse teria que decolar imediatamente, pois do contrário não teria nenhuma chance de sucesso. Do relato de Nosinsky depreendia-se que o inimigo tinha preparado um contingente ainda maior de espaçonaves que da primeira vez, e que a qualquer momento teriam de contar com o aparecimento das mesmas. Redhorse teria de pousar no Califa e, se possível, encontrar o acesso ao centro de comando do transmissor, antes que os desconhecidos descobrissem sua nave-girino. Perry deu as ordens correspondentes. Redhorse chamou dali a um minuto para informar que estava seguindo em direção a Califa, aumentando constantemente de velocidade. Perry respirou aliviado. O primeiro passo fora dado. O segundo provavelmente ficaria por conta do inimigo. — Senhor... Foi a voz do chefe da equipe de rádio. Perry dera ordem para que ficasse à espera enquanto desse as ordens necessárias a Redhorse, mas acabara por esquecê-lo. — Quanto tempo levará o grupo de Nosinsky para chegar à superfície do asteróide e voltar ao seu veículo? — perguntou Perry. O rosto do homem mostrado na tela parecia preocupado. — Pelo que se depreende das informações que forneceram, senhor, eles mesmos não estão em condições de saber. Nem sabem qual é o tamanho da caverna. Perry tomou uma decisão rápida. — Assim que Nosinsky voltar a chamar, mas não antes disso — disse — avise-o de que a Crest vai enviar um raio-vetor pelo hiper-rádio. As comunicações de rádio entre nós e Nosinsky devem restringir-se ao mínimo estritamente necessário, pois do contrário será facílimo ao inimigo determinar nossa posição. Quando Nosinsky chegar à sua gazela, provavelmente estaremos envolvidos na batalha, e o raio-vetor não nos poderá prejudicar. Explique a Nosinsky que caberá exclusivamente a ele encontrar um meio de chegar à Crest. O único auxílio que poderemos prestar é a emissão do raio-vetor. Entendido? — Perfeitamente, senhor. — Muito bem — disse Perry com um gesto amável. — É possível que, quando Nosinsky voltar a chamar, eu não esteja em condições de dar novas instruções. Descansou o microfone e a imagem do rosto do chefe da equipe de rádio, que retratava um enorme espanto, desapareceu da tela. O pessimismo de Perry tinha sua razão de ser. A Crest passou obliquamente pelo Califa, para não revelar ao inimigo o verdadeiro objetivo de sua ação. Neste instante o setor de rastreamento anunciou a presença de um bando de naves inimigas. O rastreamento de matéria tornava-se muito difícil no meio da confusão de asteróides, mas
o número enorme de objetos que se deslocavam no mesmo sentido e à mesma velocidade fatalmente seria notado. Cart Rudo deu o alarme. O inimigo ainda se encontrava a algumas centenas de milhares de quilômetros. Tratava-se de uma frota vinda de Ural. Dentro de dois ou três minutos estariam à distância de tiro. Dali a alguns segundos foi localizada outra frota, que vinha de outra direção. Provavelmente tinha partido de outro asteróide de grandes dimensões. O rastreador foi incapaz de determinar o número exato de unidades inimigas. Deviam ser perto de duas mil. Perry olhou para a tela com uma expressão pensativa. A silhueta cúbica de Califa passou perto da Crest, inundada pela luz avermelhada dos dois sóis. Perry esforçou-se em vão para penetrar a escuridão e descobrir a chispa fulgurante que era a nave do Capitão Redhorse. Virou o rosto e notou que Cart Rudo estava olhando para ele. — Parece um tanto confuso, senhor — observou Rudo, tranqüilo. Perry acenou calmamente com a cabeça. — Procuraremos tirar o melhor da situação. Como vai Redhorse? Rudo moveu uma chave e uma fita impressa saiu de uma fenda existente em seu console. — Deve estar pousando neste instante, senhor — leu. — Pelos cálculos do computador positrônico, a distância que o separa de Califa deve ser inferior a dois mil... Parou no meio da frase. De repente uma estranha luz verde encheu a sala de comando. Cart Rudo soltou um grito abafado e levantou abruptamente. Perry levantou a cabeça, espantado, mas antes de olhar para a tela panorâmica já sabia o que tinha acontecido. Grek-1 não poderia ter conhecimento do problema. Para ele o caminho que levava a qualquer transmissor estava aberto. Mas não para um terrano. A silhueta vermelha brilhante de Califa tinha desaparecido. Em seu lugar uma esfera luminosa verde-brilhante estava suspensa diante do fundo escuro formado pelo espaço. O centro de comando detectara a aproximação de Redhorse e colocara um campo defensivo em torno do asteróide. O plano falhara. Redhorse nunca estaria em condições de atravessar o campo defensivo. O som estridente de uma sereia se fez ouvir. O bando de naves inimigas acabara de entrar no setor alcançado pelos canhões da nave. — Fogo! — gritou a voz potente de Cart Rudo. Perry deixou-se cair na poltrona. Estava desanimado. Nem Redhorse, nem Nosinsky poderiam ser abandonados à própria sorte. Já fazia duas horas que Redhorse tinha partido. Agora, que sua vida estava em jogo, conseguiria voltar numa fração desse tempo. E Nosinsky?
6 — Abra a cobertura! — ordenou Conn. Vern apertou uma série de botões. Finalmente a cobertura transparente do planador deslizou para trás. Conn deu ordem para que o planador de Guerr se aproximasse. Vern reduziu ligeiramente a velocidade. Os perseguidores já se haviam aproximado a dois ou três quilômetros. Eram pelo menos vinte veículos ao todo, que se abriram em tenaz, para atacar o inimigo de todos os lados. Conn passou por cima do encosto do assento e pegou a enorme arma energética que um dos homens estava segurando. — Deixe-me ver — resmungou. Ajoelhou no chão, apoiou o cano da arma na borda da cobertura e fez pontaria para o bando de naves que os perseguiam. O deslocamento de ar incomodou um pouco. Depois que Vern encontrara o botão oculto, o planador desenvolvia quase duzentos quilômetros por hora, e isto numa mistura gasosa cuja pressão quase chegava a duas atmosferas e meia. Os homens deitaram no chão, para evitar que a tormenta provocada pelo deslocamento do veículo os atirasse para fora do mesmo. Conn comprimiu o botão acionador. Um raio energético ofuscante saiu da arma e precipitou-se sobre o bando das naves perseguidoras. Conn encostou o ombro à coronha da arma e fez uma modificação de alguns graus na direção do tiro. O raio energético atingiu um dos planadores inimigos, que logo desceu obliquamente e explodiu ao tocar o solo. A luta teve início. A cobertura do planador de Guerr também foi aberta. As armas energéticas de que os terranos se haviam apoderado foram apoiadas na borda da cobertura, e sete línguas de fogo precipitaram-se ao mesmo tempo para a esquadrilha que os perseguia. Os perseguidores, que talvez tivessem tido esperança de pegar os fugitivos vivos, viram-se ameaçados e passaram a agir sem a menor consideração. Uma terrível chuva de fogo caiu sobre os dois planadores que tentavam fugir. Um raio atingiu o casco do veículo pouco abaixo do lugar em que estava Conn. Este foi atirado para o lado. O veículo deu um enorme salto. Conn perdeu o equilíbrio e agarrou-se à arma energética. Voltou a puxar-se para cima e viu um planador inimigo logo acima dele. Com um movimento selvagem puxou a arma para junto de si e atirou. — Alguma coisa está quebrada! — gritou alguém, desesperado. Conn reconheceu a voz de Vern. — Estamos perdendo altitude. Uma salva passou pouco acima da cabeça de Conn e atirou-o ao chão. Seu rádio transmitiu gritos. De repente o ar que respirava aqueceu-se e ardia nos pulmões. Fez um grande esforço para apoiar-se nos joelhos e viu um grande buraco negro, de mais de um metro de diâmetro, embaixo dele. Através desse buraco via os arbustos que estavam sobrevoando. — Conn? — foi a voz de Vern. — Estamos caindo! Conn olhou para os lados. Os planadores inimigos estavam em toda parte, mas naquele momento nenhum deles se encontrava suficientemente próximo para poder ser alcançado por um tiro. — Está bem, Vern — gritou. — Procure um lugar macio. Guerr...
— Pronto! — respondeu Guerr. — Como estão as coisas com vocês? — Tudo bem. Os monstros estão mais interessados no planador de vocês Estamos sendo deixados em paz. Vou... — Está bem — gritou Conn. — Vou descer. Você continuará. Procure chegar o mais perto possível da parede de rocha. Fique em contato conosco. Entendido? — Entendido, Conn — respondeu Guerr. Conn dirigiu-se aos homens que se encontravam em seu planador. — Será um pouso violento — disse. — Mas a gravitação reduzida deverá ajudar um pouco. Quem tiver uma arma energética, deve segurá-la bem. No momento as armas são o mais importante. Entendido? Antes que os homens pudessem responder, Vern gritou: — Atenção! Está na hora. Conn lançou um olhar pelo buraco no chão. O solo parecia estar ao alcance de sua mão. No mesmo instante uma mão invisível o agarrou e o arremessou para cima. Seguindo suas próprias ordens, agarrou a arma energética. O mundo parecia girar em torno dele como se estivesse num enorme carrossel. Por uma fração de segundo viu a enorme nuvem de pó levantada pelo veículo. Caiu no meio de uma confusão de árvores e arbustos. Os galhos elásticos iam atirá-lo novamente para o alto, mas conseguiu agarrar um deles e deixou-se cair lentamente. Em tomo dele ouviam-se chiados e zumbidos, dando a impressão de que havia um bando de vespas migrando. Conn olhou entre os galhos e viu os planadores circulando em cima de sua cabeça. Irrompeu por entre a vegetação e viu um punhado de homens saindo em saltos largos da nuvem de poeira e correndo na direção dos arbustos que lhes dariam proteção. Dois planadores que sobrevoavam a área identificaram o alvo e desceram rapidamente sobre os fugitivos. Conn ajoelhou-se e apontou a arma energética. Seus homens notaram o perigo e deitaram no chão. Um dos planadores começou a disparar. O raio energético atingiu o chão entre Conn e os outros homens. Conn atirou. A primeira salva atingiu o veículo inimigo que ia à direita, arremessando-o para o lado com uma força irresistível. O outro planador tentou desviarse, mas enquanto estava com a face mais larga voltada para Conn, este disparou duas salvas. O planador explodiu em vôo. Os homens levantaram-se e deixaram-se cair ao lado de Conn. Os uralenses resolveram ser mais cuidadosos. As armas que os planadores traziam a bordo não pareciam ser tão eficientes como as armas energéticas de que os terranos se haviam apoderado no interior do posto policial. Os veículos mantiveram-se fora do alcance dos tiros e refletiram sobre o que fariam a seguir. Conn contou um total de seis veículos, que descreviam círculos largos em tomo dos arbustos. Não sabia se isso representava o remanescente das forças inimigas. Era possível que alguns planadores tivessem saído em perseguição de Guerr. Este chamou dali a alguns segundos. Sua voz parecia nervosa. — Chegamos perto do paredão, Conn! — fungou. — Não sei se vamos conseguir. Há dois planadores atrás de nós. Vamos... Ouviu-se um estalo seco e Guerr ficou em silêncio. Conn gritou várias vezes seu nome, mas Guerr devia estar inconsciente ou morto. Não respondia mais.
Conn sentiu-se dominado pela raiva e pelo nervosismo. Olhou para o relógio. Pelos seus cálculos o planador de Guerr não devia ter voado mais de vinte quilômetros, depois que ele fora derrubado. Como a gravitação era muito reduzida, os homens poderiam percorrer estes vinte quilômetros a pé. Não levariam mais de uma hora, desde que conseguissem manter afastados os mutantes de Ural. Conn levantou. — Vamos dar o fora — disse com a voz áspera. — O paredão fica lá adiante. Com um pouco de sorte chegaremos lá — só então notou que o grupo não estava completo. Olhou para os lados e perguntou a Vern: — Onde estão os quatro homens que faltam? Vern apontou para os destroços do planador. A poeira tinha assentado. Conn viu duas figuras imóveis deitadas no chão, com os trajes protetores rasgados. Os outros estavam presos entre os destroços, com peças metálicas afiadas atravessando seus corpos. Conn lançou mais um olhar triste para os companheiros mortos e saiu andando. Sua partida não escapou aos planadores que circulavam no alto. O inimigo seguiu-os, tendo o cuidado de manter-se fora do alcance das armas que os terranos traziam consigo. De vez em quando dois deles desciam rapidamente na direção dos terranos, como se fossem gaviões. Mas Conn não tirava os olhos dos perseguidores, e sempre conseguiu prevenir os homens antes que fosse tarde. As salvas disparadas pelos mutantes perdiam-se no chão. Vern conseguiu derrubar um dos planadores, reduzindo a cinco o número dos veículos que os perseguiam. Da tática adotada pelo inimigo concluía-se que o mesmo esperava reforços. Não queria arriscar sem necessidade as unidades de que dispunha no momento. Preferiu esperar até que fosse bastante forte para ter certeza do sucesso de sua ação. Conn chamou várias vezes por Guerr e Herb Bryan, mas nenhum dos dois respondeu. Conn já não sabia o que fazer. Era difícil acreditar que Guerr e Herb tivessem sido mortos. O pequeno grupo estava avançando muito bem. Os homens passavam por cima dos arbustos e das árvores menores em saltos enormes, que às vezes chegavam a doze metros. O perigo que os ameaçava deu-lhes forças que ultrapassavam em muito a capacidade de desempenho do corpo humano. Conn ficou satisfeito ao constatar que a vegetação era cada vez mais densa e robusta. Aproximavam-se da área periférica coberta de selva, na borda da qual tinham sido surpreendidos e presos da primeira vez que vieram. Os perseguidores perderam-nos de vista por algum tempo e resolveram chegar mais perto. Em virtude da distância a luz do sol amarelo artificial ficara tão fraca que até se tinha a impressão de que a noite estava descendo sobre o mundo subterrâneo. A luz crepuscular dificultava a pontaria tanto para os fugitivos como para os perseguidores, motivo por que os ataques ocasionais dos mutantes só resultavam numa troca de tiros que não produziam nenhum efeito. Finalmente atingiram uma clareira da qual Conn pôde ver o paredão de rocha que representava o fim da caverna. Comunicou sua descoberta aos homens e notou que os mesmos se sentiram aliviados. — Não quero nenhum otimismo prematuro — advertiu. — Por enquanto nem sabemos em que lugar estamos. É possível que ainda tenhamos de caminhar um dia inteiro ao longo do paredão. Mas mesmo com estes aspectos negativos a situação de repente parecia muito mais brilhante que alguns minutos atrás. Os homens conversaram novamente e fizeram piadas sobre os mutantes, que se mantinham praticamente inativos, circulando com seus planadores, sem que tivessem a intenção de apoderar-se novamente dos fugitivos.
De repente Vern, que acabara de substituir Conn, assumindo a retaguarda, dirigiulhes a palavra. — Sinto estragar a festa, meus caros — disse em tom sarcástico. — Acontece que lá atrás vêm cinqüenta planadores inimigos. Conn estremeceu. O inimigo estava recebendo os reforços esperados. O ataque decisivo seria iniciado dentro de alguns segundos. Os homens perseguidos só tinham duas possibilidades. Talvez atingissem o paredão e encontrassem uma eclusa que os levasse para fora; ou então poderiam espalhar-se na mata, fazendo votos de que o inimigo não os encontrasse. Conn levou apenas alguns segundos para escolher a primeira alternativa. Mandou que os homens corressem a toda. Atrás deles o ruído produzido pelos propulsores dos veículos inimigos aumentou, transformando-se num uivo frenético. Conn arriscou um olhar para trás e constatou que os reforços do inimigo eram formados por veículos bem maiores que os da flotilha que participava da perseguição. O paredão já estava bem mais perto, mas os veículos inimigos passaram a formar uma frente dupla, que lhes permitiria vasculhar e incendiar a mata. A frente tinha quase um quilômetro de largura. Se os planadores recém-chegados dispusessem de armas adequadas, os mutantes nem precisariam saber onde estavam escondidos os terranos, pois os mesmos seriam atingidos de qualquer maneira pela muralha de fogo. Num desespero surdo, Conn deu ordem para que os homens continuassem a avançar em direção ao paredão. — Corram o mais depressa que puderem! — gritou. — Cada um por si. Deu um salto com a arma energética encostada ao peito e passou por cima de árvores e arbustos, aproximando-se mais uns dez metros do paredão. A frente formada pelos planadores encontrava-se quase exatamente em cima dele. Seu rádio transmitiu a respiração apressada dos homens, que atravessavam a selva de ambos os lados. Finalmente começou. Um raio fulgurante atravessou a luz amarela mortiça. Uma salva energética rugiu entre a vegetação densa e entrelaçada, atirando para o alto vapores e pedaços de solo derretido. O corpo de Conn girou no meio do salto seguinte. Caiu de costas. Encostou a coronha da arma ao tronco, segurou o cano com uma das mãos e com a outra apertou o acionador. Um planador que não estava mais de dez metros acima dele estourou. Conn levou apenas uma fração de segundo para pôr-se de pé. Deu um salto apressado para o lado. Quase no mesmo instante uma salva atingiu o solo no lugar em que acabara de dar o tiro. O fogo das armas energéticas rugia em toda parte. Conn não conseguia orientar-se mais. Avançou cambaleante, com a arma bem segura. Sentia-se esgotado e atordoado. As salvas chiavam ao atingir o chão em torno dele. A pressão do ar o fazia girar de um lado para outro. De repente viu uma área livre pela frente. A selva chegou ao fim. Uns cinqüenta metros à sua frente ficava o paredão de rocha, mas por mais que olhasse para os lados, não descobriu a eclusa salvadora. Desistiu. Agachou-se na mata, à espera do momento em que um dos feixes energéticos que cruzavam o ar o atingisse, pondo fim ao seu sofrimento. Não tinha forças para continuar. Jogara alto... e perdera. Mais alguns minutos, e estaria tudo no fim. De repente um som diferente encheu o ar. Um zumbido ameaçador, que fazia o chão tremer rapidamente, sobrepujava o ruído da batalha. Conn levantou os olhos.
Viu à sua frente a faixa de cinqüenta metros, coberta com capim que se assemelhava aos aspargos, que chegava até o paredão de rocha. Os caules grossos e flexíveis se dobraram sob o efeito de uma força estranha e invisível. Terra seca era atirada para o alto, onde se desmanchava em pó, formando uma nuvem espessa e impenetrável. Conn não via mais o paredão. Os arbustos entre os quais se mantinha escondido gemeram e dobraram-se sob um peso tremendo. Conn tentou pôr-se de pé, mas mal levantou o corpo, foi atingido com tamanha violência pelo deslocamento de ar que voltou a cair ao chão. Pôs-se a escutar. O chiado e rugido das armas energéticas tinham desaparecido. Apoiou-se num arbusto, levantou cuidadosamente e olhou para os lados. Viu a silhueta de um planador em meio à névoa que se mantinha em constante movimento. O veículo balançava, tentando sair da área da tormenta. A mudança não fora menos surpreendente para os mutantes de Ural que para Conn. De repente Conn compreendeu o que estava acontecendo. Afinal, era seu próprio plano de desviar a atenção do inimigo. Não falara com ninguém sobre o mesmo. A pessoa que tinha desencadeado a tormenta sabia perfeitamente em que ponto a morada subterrânea dos mutantes de Ural era mais sensível. Conn chamou seus homens. Só de dois lados veio uma resposta. Saiu da mata e encostou o cano da arma energética ao chão para apoiar-se e evitar que a tormenta o derrubasse. Uma figura veio voando pela bruma, girou algumas vezes no ar e finalmente conseguiu agarrar-se a uma moita de capim-aspargo. — Aqui estou — disse a voz rouca de Vern. — E agora? — Quem mais está vivo? — perguntou Conn. — Só uma pessoa respondeu além de mim. Acho que não sobrou mais ninguém. Conn chamou os homens pelo nome. Só um deles respondeu, e dentro de alguns segundos saiu voando da névoa com o mesmo ímpeto de Vern Hebbel, fazendo um grande esforço para firmar-se no meio da tormenta. Conn engoliu a amargura que estava sentindo. Perdera oito homens, e só Deus sabia o que era feito de Guerr e seu grupo. — Tentaremos alcançar a eclusa — disse com a voz embaraçada. — A única coisa que teremos de fazer é acompanhar a correnteza de ar. Não poderemos errar. Convém nos mantermos junto ao paredão, onde encontraremos algum apoio. Não preciso dizer que quem for arrastado pela tormenta estará perdido. A velocidade do vento é superior a cem quilômetros por hora. Um impacto a esta velocidade fatalmente romperia o traje protetor. Entendido? Rastejaram para junto do paredão, mantendo o corpo próximo ao chão. Por lá a tormenta não era tão forte. Levantaram e saíram tateando as rochas salientes. — Você está um pouco à minha frente — disse Vern depois de algum tempo. — Qual é a origem desta tempestade? — Você me decepciona — respondeu Conn, agarrando-se a uma rocha saliente e puxando o corpo para a frente. — É uma idéia bem simples, que poderia perfeitamente ocorrer a você. — Sou burro demais. Paciência — resmungou Vern. — Você não quer dizer? — Alguém abriu a eclusa. De ambos os lados. A diferença entre a pressão interna e externa é de duas atmosferas e meia. Em outras palavras, esta caverna está perdendo a atmosfera.
*** A tempestade rugia e cantava enquanto se quebrava no paredão. Recuava e atravessava com uma força irresistível a abertura larga da eclusa. Bem ao lado da mesma havia uma área de calmaria. Conn e seus homens estavam parados lá, refletindo sobre um meio de atravessar a eclusa sem ficarem entregues à terrível corrente de ar. Conn empurrou cuidadosamente a arma energética para além do canto e constatou que a área livre de torvelinhos continuava junto à parede da eclusa. Foi avançando passo a passo, com as mãos apoiadas no paredão atrás das costas. Logo se viu no interior da eclusa. Vern e o terceiro homem seguiram-no. Avançaram sem dificuldades até a metade da distância que os separava da outra saída da eclusa, mas a área de calmaria terminava ali. Conn estendeu a arma energética e sentiu a tempestade puxar a mesma. Do outro lado da saída ficava o pavilhão fortemente iluminado cheio de geradores pelo qual tinham passado na vinda. Conn tomou uma rápida decisão. — Vou empurrar-me e deixarei que a tempestade me carregue — disse. — Daqui até o primeiro gerador não são mais de dez metros. O trecho é muito curto para que o deslocamento de ar possa imprimir ao meu corpo a velocidade da tempestade. Posso segurar-me no gerador. Quis empurrar-se, mas Vern colocou a mão sobre seu ombro. — E se não der certo? — perguntou. — Neste caso você ainda estará aí — resmungou Conn. — Talvez possa experimentar uma coisa melhor. Conn afastou-se da parede e sentiu como a tempestade o agarrou. Saiu rodopiando no ar. O gerador aproximou-se velozmente que nem uma sombra gigantesca. Parou com um tremendo golpe. Estendeu os braços e segurou-se na primeira coisa em que conseguiu pôr as mãos. Aspirou o ar para fazer um ensaio, mas não sentiu nenhum cheiro de amoníaco. Conseguira. Saltou para fora da faixa alcançada pela tempestade que atravessava o pavilhão de lado a lado. Vern e o terceiro homem foram expelidos da eclusa que nem uma bala. Conn ajudou-os a sair do centro da correnteza. Sentaram num canto do pavilhão e descansaram. Mas as surpresas ainda não haviam chegado ao fim. Antes que os pulmões ofegantes se acalmassem, a tempestade parou de repente. O uivo surdo acabou. Só restou uma brisa ligeira que atravessava a sala. Conn ligou seu transmissor para a potência mínima e deu ordem para que os outros fizessem a mesma coisa. Foi até a porta que ficava em frente da eclusa. Viu traços de metal derretido na parede. Alguém abrira a porta com uma arma energética, para que o ar pudesse escapar. Pôs-se a escutar para verificar se havia algum ruído no corredor. Estava tudo em silêncio. Atravessou o vão da porta, com a arma energética destravada. Sabia perfeitamente que, se de repente a tempestade começasse de novo, estaria perdido. A corrente de ar o arrastaria e o esmagaria de encontro à porta que levava ao elevador. À medida que se aproximava da porta, ficava cada vez mais escuro. A luz do pavilhão não era suficiente para iluminar todo o corredor. Ouviu alguma coisa arranhando bem ao longe e estacou. Não sabia qual era o material que fechava a extremidade superior do poço do elevador, mas tinha certeza de que o mesmo não era suficiente para impedir a saída da mistura gasosa. A correnteza de ar ainda era bem forte e Conn teve de esforçar-se para não perder o equilíbrio. No início acreditara que o ruído que ouvira fosse provocado pelo deslocamento do ar.
De repente ouviu o ruído. Vinha de bem perto. Levantou a arma. Viu uma sombra movendo-se na escuridão. O dedo de Conn tocou no botão do acionador e começou a apertá-lo lentamente. De repente uma luz foi acesa. Conn sentiuse ofuscado e fechou os olhos. — Cuidado! — gritou uma voz estridente. — Não atire! Conn sentiu seus músculos se contraírem. A arma escapou-lhe das mãos e caiu ruidosamente ao chão. A fonte de luz veio em sua direção. Ainda se sentia ofuscado, mas reconhecera a voz que falara a ele. — Guerr! — exclamou, surpreso. — Por que não se identificou mais... *** Encontravam-se no fundo do poço do elevador. Guerr dirigiu a luz de sua lanterna para cima, fazendo com que a mesma se refletisse nas paredes lisas. — Não pude responder aos seus chamados — informou apressadamente. — Fomos derrubados pelos dois planadores. Pensei que, se não pudessem ouvir nossa troca de mensagens, ao menos seriam capazes de fazer a determinação goniométrica da posição dos transmissores. Nossa única esperança era que acreditassem que estivéssemos todos mortos. A porta da eclusa ficava logo à nossa frente. Ficamos escondidos na mata por quinze minutos. Os dois planadores se afastaram. Abrimos a eclusa, e aí tivemos a idéia de que talvez pudéssemos criar um pouco de confusão entre os mutantes. Se o ar que respiram lhes escapasse de repente, teriam coisa mais urgente a fazer que correr atrás de nós ou atacar a Crest. Por isso abrimos a tiro as duas escotilhas da eclusa, bem como a saída do pavilhão e a entrada do elevador. Dei ordem para que os dois homens que estão de guarda na saída do poço destruíssem a plataforma do elevador... Desta forma criamos um ventinho muito bonito. Quero... — Como foi que vocês conseguiram subir? — interrompeu Conn. Guerr deu uma risada alegre. — Basta estar aqui quando a tempestade começar, e você não poderá ir a qualquer lugar que não seja para cima. A tormenta o arrastará. Não quero... — Muito bem. Quem desligou a tempestade? — Foi a Lucky Lady, que está pousada exatamente sobre o poço do elevador. É claro que não faz uma vedação completa. A correnteza ainda é bem forte. É exatamente o que preciso para descer pelo poço. A resistência do ar é tão grande que desço bem devagar. Quero que você compreenda. Isto não é um auto-elogio... — Conn — disse Vern. — Sim. — Deixe que conclua pelo menos uma vez. Se não puder explicar-nos que ele é um grande gênio, acabará se matando. — Por que você nunca teve uma idéia tão brilhante? — gritou Guerr, fora de si. — Só assim você poderia abrir a boca. Mas deste jeito... — Esta bem, Guerr — interrompeu Conn. — Não sabemos o que seria de nós se não fosse você. Mas no momento a coisa mais urgente é chegarmos à superfície. — OK — disse Guerr, girando os controles de seu transmissor. — Herb Bryan... Faça subir a nave bem devagar. Vamos subir! ***
A morte teve uma colheita forte. Os canhões poderosos da Crest dizimaram as fileiras dos atacantes. Dezenas de naves inimigas explodiam na bola de fogo de um único projétil disparado pelos canhões conversores. Mas apesar disso não podia haver dúvida sobre o resultado da batalha. A Crest seria derrotada. Novas esquadras inimigas vinham de todos os cantos do anel de planetóides. Apesar das perdas tremendas sofridas pelo inimigo, o número de naves do mesmo parecia crescer. O Capitão Redhorse estava voltando. Seguia em direção à Crest, atravessando a chuva de fogo. Ninguém deu atenção à pequena nave esférica que se atrevia a atravessar as linhas inimigas. Redhorse ainda se encontrava a cem mil quilômetros da Crest, quando esta foi gravemente atingida. O fogo concentrado do inimigo rompera os campos defensivos, e o efeito remanescente de um projétil de gigaton destruiu a sala de geradores de emergência número 5. O suprimento de energia da gigantesca nave foi interrompido por um minuto. Quando as luzes voltaram a acender-se e os aparelhos de mira entraram novamente em funcionamento, o número imenso de naves inimigas cercara a Crest em forma esférica. As duas bolas de fogo vermelhas tinham desaparecido. As unidades inimigas que cercavam a nave-capitânia terrana formavam uma parede sólida. Perry Rhodan sabia que tinha chegado ao fim da linha. Não havia mais salvação. Era apenas uma questão de minutos, e a nave gigantesca arrebentaria sob o fogo concentrado dos canhões inimigos, formando um terceiro sol em meio à confusão dos asteróides. O Capitão Redhorse rompeu a frente inimiga e conseguiu pôr-se a salvo a bordo da Crest, juntamente com sua nave. Parecia ser a última operação bem-sucedida que os terranos levariam a cabo nesta luta. O inimigo estava preparando o golpe final. De repente o quadro mudou. Foi tudo tão rápido e os acontecimentos conflitavam tanto com os resultados do processamento positrônico que determinara o curso futuro da batalha, que os terranos que se encontravam a bordo da Crest levaram alguns minutos para compreender o que viam. A nuvem formada pelas naves inimigas espalhou-se. A parede compacta que se formara em torno da Crest rompeu-se. O pessoal dos rastreadores informou que as unidades inimigas se reuniam e estavam saindo em alta velocidade na direção em que o asteróide Ural devia encontrar-se no momento. Perry Rhodan não foi deixado no escuro por muito tempo. Dali a pouco o Tenente Nosinsky chamou pelo minicomunicador para pedir uma indicação sobre a posição atual da Crest. Cart Rudo emitiu o raio-vetor. A GA-114 decolou de Ural, contornou um grupo de naves inimigas que se apresentavam em linha reta e passou a deslocar-se na direção em que estava a Crest. Meia hora depois do chamado de Nosinsky a gazela entrou no hangar das eclusas. Só restavam nove homens da tripulação, mas o resultado alcançado recompensava o elevado tributo de sangue. Cart Rudo deu ordem para que o Major Hefrich e sua equipe cuidassem dos reparos que se faziam necessários. Dali a pouco a Crest entrou no espaço linear, deixando o transmissor Chumbo de Caça bem para trás. *** — Quase não conseguimos nada, não é mesmo? — perguntou Atlan com uma ligeira ironia na voz. — Estamos no mesmo lugar em que começamos.
Estava sentado à frente de Perry Rhodan, no gabinete do mesmo. A grande tela embutida na parede mostrava a escuridão absoluta do espaço vazio. Só havia uma mancha luminosa apagada no lugar em que devia estar o transmissor Chumbo de Caça. Perry balançou a cabeça. — Depende do ponto de vista de cada um — respondeu cautelosamente. — A Crest sofreu avarias graves. Portanto, estamos piores que no começo. Mas de outro lado estamos muito mais bem informados sobre o Sistema dos Perdidos. Sabemos qual é a resistência que encontraremos. Bell recebeu ordem para vir em nosso auxílio com uma frota, a não ser que dentro de uma semana receba outras instruções. Com seu auxílio e com as experiências que colhemos, não será difícil atingir nossos objetivos. Atlan acenou lentamente com a cabeça. — Você tem razão, terrano. Como sempre. Você infligiu uma derrota grave ao inimigo. Ural será um mundo sem vida, e... — Nada disso — interrompeu Perry. — Nem pense. Os homens de Nosinsky só abriram uma eclusa. Pelas informações que recebi, o volume do mundo subterrâneo é tão grande que só dentro de uma semana a atmosfera do mesmo poderia escapar por uma única eclusa. Foi o que nos salvou. O inimigo foi informado sobre o que estava acontecendo em Ural. Quase todos os habitantes capazes de lutar tinham saído dali. As pessoas que ficaram não estavam em condições de fechar o rombo. A esquadra inimiga — toda ela, e não somente as naves vindas de Ural — retirou-se para ajudar este mundo. Tenho certeza de que já conseguiram fechar a abertura por onde escapava o ar e que a pressão atmosférica de Ural não teve um aumento significativo. Imagine um tanque de água, do tamanho de uma casa residencial. Suponhamos que você abra um furo com um prego. Quanto tempo demoraria até que o tanque ficasse vazio? Atlan fez um gesto de desdém. — Você tem razão. — Como sempre — acrescentou Perry em tom seco. — Os uralenses logo se recuperarão, e quando aparecermos da próxima vez, descarregarão sua raiva sobre nós. Atlan levantou e lançou um olhar pensativo para a tela apagada. — Seja como for — disse, falando devagar e com uma estranha ênfase — devo felicitá-lo por dispor de homens como Conrad Nosinsky e seus companheiros. Nem sempre encontrarmos soldados espaciais capazes de agir com independência no momento da catástrofe, e de agir tão bem que conseguem evitar a morte quase certa. *** Conrad Nosinsky, que não tinha conhecimento das palavras lisonjeiras que estavam sendo pronunciadas, estava em seu camarote, conversando com o sargento Herb Bryan. Vern Hebbel e Guerr La Costa já tinham ido para a cama. Vern disse que pretendia dormir vinte horas seguidas. Guerr não tinha tanta certeza. — Quando voltarmos, senhor — disse Herb com a voz pesada — quero dizer, se voltarmos... quero gozar imediatamente todas as férias a que tenho direito. Conn sorriu. Parecia cansado. — Eu já lhe disse — respondeu — que não sou a pessoa com quem o senhor tem de falar. O Major Bernard é... Não pôde concluir. Herb levantou-se tão depressa que até parecia que tinha sido picado por um bicho. Arregalou os olhos e fitou o pedaço de parede que ficava atrás da escrivaninha.
Conn virou a cabeça. Uma névoa ligeira formou-se com um chiado junto ao rodapé da parede. A névoa subiu e assumiu os contornos de um ser humano. Herb Bryan soltou um suspiro apagado e deixou-se cair na poltrona quando viu um desconhecido alto de pele verde aproximar-se de Conn. — Bom dia, sargento — disse em tom amável e cumprimentou Herb com um gesto. — Bom dia — resmungou Herb. O homem de pele verde dirigiu-se a Conn. — O Chefe quer falar com o senhor, Conrad — disse. — Passei por aqui por acaso e resolvi avisá-lo. — Obrigado, Rakal — respondeu Conn e levantou. — Estou muito cansado, mas se o Chefe quer falar comigo... Deu de ombros. Rakal Woolver deu uma risada e ajoelhou junto à parede. Olhou fixamente para a tomada e desapareceu com um chiado. Conn saiu caminhando em direção à escotilha de seu camarote. Herb levantou com movimentos pesados e foi atrás dele. — Este sujeito me dá pesadelos — queixou-se. — Vive dizendo que está passando por acaso. Pelo amor de Deus. Como e onde está passando? A escotilha abriu-se. — É simples — respondeu Conn em tom indiferente. — Passa pelos fios elétricos embutidos na parede.
*** ** *
A Crest materializou no interior do Sistema dos Perdidos. A nave-capitânia foi atacada de surpresa e estava prestes a ser destruída. O final feliz da missão de reconhecimento Ural proporcionou uma pausa aos dois mil tripulantes da Crest. Mas a nave não pode sair do transmissor Chumbo de Caça com seus próprios recursos. Os homens têm de esperar Bell, que ficou de trazer reforços... Leia em A Armadilha do Tempo — próximo volume da série — a continuação desta emocionante história.