Ozzy e Belo eram vizinhos desde que podiam se lembrar, um vivendo de cada lado da rua, sempre com vista para a casa do outro. Ambos mantinham uma relação amistosa, compartilhavam valores e consideravam a moral da família como a coisa mais importante a se defender, além do direito ao churrasco fácil e algumas mordomias aqui ou ali. Belo sempre foi um sujeito pragmático. Acordava todo dia no mesmo horário, às seis da manhã, comia o que tivesse em seu comedouro e tinha o distinto hábito de fazer suas necessidades ali mesmo no jardim, olhando para a vista e espiando a tranquilidade de sua rua. Sempre foi temperamental e tinha fama de nervoso no bairro. Sua fraqueza era sua família, que vez ou outra dava um pouquinho mais de atenção a ele. Já Ozzy era mais jovem, menos preocupado com a vida. Mas não por isso menos sério, comprometido com os valores que julgava importantes para uma moral exemplar. Seu prazer era ficar em casa se coçando, esperando o dia passar. Apesar de serem muitos parecidos e manter o respeito importante para a convivência cívica, os dois nunca foram amigos. Caso se encontrassem pela rua, apenas se cheiravam, às vezes dando aquela leve rosnada. Nunca compartilharam do mesmo churrasco, mas de vez em quando na calada, longe da família e sem saber, dividiam uma qualquer, uma cachorra, para os prazeres da carne. E assim iam levando a vida: comendo, se coçando e recebendo cá ou lá um cafuné de quem permitiam. Mas se tinha uma coisa que ambos concordavam e tinham o prazer de fazer era ladrar para o desconhecido. Tinham o orgulho compartilhado de deixar sua rua fora dos perigos da humanidade: pessoas sozinhas, de cor, com o andar diferente e mendigos eram os favoritos. Ambos levantavam em coro para a expulsão dos vagabundos. Latiam, mostravam os dentes e rosnavam. “Sai daqui! ”, “Aqui não tem nada para você”, “Isso aqui é lugar de família”, “Ladrão! ”. E assim conseguiam deixar a rua livre de passantes, meliantes e retirantes. O que Ozzy não sabia é que às vezes em algumas situações, Belo mesmo latindo, abanava seu rabo para um mendigo mais bem-apessoado, uma mulher mais vistosa. Não era uma coisa que mantinha seu orgulho, mas era como as coisas aconteciam. Belo também não se dava conta que às vezes Ozzy deixava de latir com a desculpa de estar tirando um cochilo, quando na verdade estava cavando buracos, ocultando sua fortuna no quintal. Isso eram coisas que não comentavam, escondiam até da própria família. O que seriam deles se esses pequenos segredos fossem desenterrados? Algum dia Belo percebeu que Ozzy já não estava mais no portão da frente. Latia e latia quando alguém passava em sua porta, mas Ozzy não aparecia para o reforço. Alguns dias se passaram e então constatou: Ozzy tinha mudado de casa, ido para a fazenda ou talvez pior, abandonado pela família, jogado na sarjeta implorando por restos. Em seus primeiros dias dedicou as latidas ao vizinho antigo, colocando mais força em seu rosnado para honrar o colega que compartilhava de seus ideais. Até que em uma tarde quente, entre um sujeito japonês e um catador de lixo, a grande ficha caiu para Belo, e a partir daí começou a viver plenamente. Ozzy já não estava mais depois do muro vizinho. Belo já não precisava mais latir para todo mundo da rua.