"ouvinte"

  • Uploaded by: Desirée Lourenço
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  • June 2020
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  • Words: 1,148
  • Pages: 3
Ele só precisava mudar de ares. Viveu 21 anos naquela cidadezinha, onde seus pais, avós e descendentes mais antigos estiveram. Já conhecia todas as pessoas, todos os animais, todas as lojas.. Todas as tristezas. O final do ano se aproximava, a neve já dava sinais, 22 de dezembro. A memória lhe traía naquele local. Sentado na ponte da cachoeira Stan olhava fixo a água caindo. Achava bonito o movimento que ela fazia, as cores que a luz formava quando refletia em pontos diferentes da água corrente. Com os pés pendurados, assim como quando era criança Stan olhou para o lado e sentiu falta do companheiro qu ia até aquele paraíso com ele. Seus pais tinham morrido há 6 meses. No calor do verão, Stan decidiu viajar durante uns tres dias com os antigos amigos do colégio. Tinha deixado a loja nas mãos dos pais. Era ele que cuidava depois que tinha se fomado. Faculdade, era distante essa realidade. Ele avisou tantas vezes que o gerador tinha que ser desligado no registro geral todas as noites, mesmo que não estivesse ligado. O fogo tomou todo, não sobrou nada. No primeiro andar a loja, e em cima o duplex simples que eles viviam com Stan. Depois disso Stan foi adotado pela cidade. Tinha uma vizinha que o conhecia desde criança. Deixou que ele ficasse no quarto de hóspedes, sem precisar sair. Mas era estranho, entrar e sair todos os dias de uma casa que não era sua, de uma família que não era a sua. Aquele sentimento de estar em um lugar estranho não passava. Olhava a senhora que o tinha acolhido e via um sorriso meigo, cheio de carinho. Gostava de sentir aquilo, mas nada subtituiria o abraco apertado da sua mae toda vez que ele subia depois de ter fechado a loja. Ainda sentado na ponte sentiu as lagrimas correrem pelo rosto, eram frequestes durante a noite. Se levantou vagarosamente, não tinha vontade de sair dali, mas tinha prometido ajudar um amigo na preparacao da festa de natal da cidade, era uma tradição. Mas o que seria daquele natal? Não seria igual, não adiantava manter as tradicoes. Seus pais não estavam ali, e eles eram tudo que Stan tinha. E agora ele não tinha mais ninguém, mais nada. Apenas algumas poucas roupas que tinha conseguido salvar, que estavam com ele na viagem, algumas outras doadas por amigos. E só. Caminhando de volta pra estrada, a única da cidade, Stan podia perceber os olhares de pena que recebia enquanto caminhava em direção aos preparativos da festa. E assim foi durante os 6 meses que ele ficou vagando pela cidade, sem rumo, sem objetivo, sem porque. Não tinha raiva dos olhares, mas sentia que eles pesavam sobre suas costas, parecia que ele era algum tipo de atração que tinha acabado de chegar. Será que ninguém nunca tinha perdido um parente próximo ali? Qual era o problema com ele? Queria sumir, queria poder andar sem pesar. E os dias passaram iguais, ele acordava naquela casa aconchegante e estranha, sorria sem querer sorrir, andava sem rumo, sem porque, ajudou

na festa de natal da cidade, e no dia 24 a noite estava no mesmo lugar de sempre, deitado naquela cama estranha, que seria sempre estranha, seria mais uma noite mal dormida, como todas as outras naqueles ultimos 6 meses. Eram por volta de 7 da noite ainda, mas estavam todos dormindo na casa. Seu coracao no peito batia descompassado, não tinha ritmo, não tinha forca ou tinha forca demais. Andou pelo quarto, deitou novamente, tirou a blusa, sentiu frio, se cobriu, se descobriu, estava mais agitado que o normal. O primeiro natal sem seus pais estavam aterrorizando-o. A vontade de chorar se misturava com a vontade de correr. E assim ele fez. Arrumou as poucas roupas que tinha, colocou na mochila, vestiu um casaco, e ligou o mp3, o seu companheiro mais fiel. Colocou os fones e a letra da música dizia alguma coisa sobre buscar o seu mundo e fazer seu caminho. Stan já estava com o caminho desfeito. Tinha que recomeçar, mas ali naquela cidadezinha, não ia conseguir. Saiu só de meias para não fazer barulho. Desceu as escadas e antes de seguir direto pela porta, parou na frente da sala, pelo canto do olho viu piscar as luzes na árvore de natal montada no canto. Deixou uma lágrima escorrer dos olhos e sorriu. Sabia que a dor nunca iria passar de verdade, mas sabia que iria descobrir como torna-la em força. Abriu a porta, colocou o tenis na varanda da casa amiga. O vento frio que vinha de fora balancou o bilhete de agradecimento na geladeira. As ruas vazias, era cedo ainda, não passava das 9 da noite direito. Mas era véspera de natal, as criancas foram mais cedo pra cama ansiosas, e os pais aproveitaram para descansar. Stan podia andar tranquilo, não seria “pego” por ninguém, a cidade silenciava, o único som que ouvia era a musica no mp3. Quando passou pela esquina onde ficava a sua loja parou, chegou bem perto da porta e deixou um embrulho no chão, era o presente que já tinha comprado para os seus pais. Mais tarde a vizinha iria ver o álbum de fotos que Stan tinha montado. O vento frio e cortante da noite parecia mais um estimulo para Stan que se via cada vez mais perto de estar longe daquela cidade. Chegou no ponto de onibus. Olhou os horários, um deles iria passar mais ou menos por volta de meia noite. Como não tinha horario certo, ia pegar o que passasse primeiro.

Acabou a bateria, a deixa para Stan tirar os fones e tomar um susto com o barulho que vinha da cadeira na ponta do ponto de onibus. Só entao ele percebeu a pessoa que estava ali sentada, parecia estar chorando. Chegou mais perto com calma e viu os cabelos vermelhos caidos pelo ombro por baixo do capuz do casaco. - Está tudo bem senhora? – Stan perguntou, não sabia quem era, só ouvia os soluços. - Está sim, desculpe, voce quer sentar? – A voz doce e suave de menina respondeu tirando a mala do banco ao lado. - Obrigada – Como perguntar para alguém que voce não conhece o porque dela estar chorando? Não precisou a ruiva de voz doce interrompeu o silencio. - Viajando em noite de Natal? Perdeu o onibus da tarde? Ela era engraçada, Stan sorriu sem graça, não lembrava como era o gosto do riso espontaneo. - Não tenho nada que me prenda em dia de natal. Decidi de ultima hora a viagem. E você? Esqueceu o presente? - Decidi me libertar. Está indo pra onde? - Não sei. O primeiro onibus que passar, e voce? - Provavelmente pra onde voce for, eu gosto de falar, preciso de gente por perto pra conversar. Prazer, sou Ellen. - Stan. Seu mais novo ouvinte.

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