OURO DE SANGUE – Vídeo-documentário de 43’:38” Direção de Sandro Neiva e Alessandro Silveira Sinopse: Ouro de sangue é um documentário que aborda as consequências sócioambientais decorrentes das atividades de mineração de ouro desenvolvidas em Paracatu (MG) desde o ano de 1987. O grupo industrial canadense que atua na cidade iniciou em 2007 – sob a aprovação dos órgãos ambientais legalmente responsáveis – um projeto de expansão para mais 30 anos de exploração da mina. O que sobra para os paracatuenses são enormes feridas abertas pelas lavras a céu aberto e em perímetro urbano, poeira tóxica, populações tradicionais enfermas e em franca desintegração. Imagens e depoimentos de arquivo - originalmente captados em película e super-VHS – alternam-se durante todo o filme com imagens e depoimentos atuais, em formato miniDV. Além daqueles que moram em área limítrofe à mineradora e sofrem mais diretamente os problemas em questão, há também os depoimentos de um diretor da empresa, um geólogo, um médico/cientista e um Procurador de Justiça Criminal pelo estado de Goiás.
FICHA TÉCNICA Entrevista, Narração, Roteiro e Montagem SANDRO NEIVA Direção de Fotografia ALESSANDRO SILVEIRA Direção de Arte WALESCKA MARTINS Edição e Finalização DHIEGO SANTANA Imagens de Arquivo e Entrevistas antigas ALESSANDRO SILVEIRA Iluminação ARCANJO DANIEL FONSECA Produção FÁBIO CASTRO RAMOS ARCANJO DANIEL FONSECA Trailer MARCOS COSTA Fotografia de Still MOACIR GUERINO
Trilha Sonora A Missa da Terra Sem Males Concierto de Aranjuez – Adágio Type Of Negative Amorphis Murro no Olho Imagens Adicionais The Corporation – documentário de Marck Achbar, Jennifer Abbot e Joel Bakan Fotos do Museu Histórico Municipal de Paracatu e do Arquivo Público de Paracatu Direção Geral SANDRO NEIVA Sandro Neiva & Alessandro Silveira 2008 – 43:38 MIN – COR
OURO DE SANGUE OFF 01 – Paracatu está localizada no noroeste mineiro, a 200 quilômetros de Brasília. Imponentes casarios, estilo barroco colonial, a histórica cidade de 90 mil habitantes surgiu há mais de dois séculos e ficou famosa no ciclo do ouro, ainda no século XVIII. Assim que se espalhou por todos os cantos da capitania de Minas Gerais a notícia da grande descoberta do ouro em Paracatu, milhares de aventureiros de todas as classes e imigrantes de todas as condições chegaram ao lugar. Por muitos anos a moeda corrente em Paracatu foi o ouro em pó. DIOGO SOARES RODRIGUES (ex-prefeito de Paracatu) – Quando se fala em Paracatu a primeira lembrança que a gente tem é dos garimpeiros. Naquela época até não eram garimpeiros, chamavam-se “faiscadores de ouro”. JOSÉ FERREIRA GOMES (vizinho da mineradora) – O que corria aqui em Paracatu era o ouro, eram os garimpeiros. A maior parte do pessoal de Paracatu foi criado com o ouro, tirado do ouro. DIOGO SOARES RODRIGUES (ex-prefeito de Paracatu) – Os portugueses descobriram que aqui tinha ouro e então com isso surgiu a cidade. E os garimpeiros vieram de várias regiões do estado para Paracatu para garimpar o ouro. OFF 02 – Tal como à época da coroa portuguesa, o ouro produzido em Paracatu ainda vai parar em mãos estrangeiras. O que sobra para os paracatuenses são enormes feridas abertas pelas lavras a céu aberto, rejeitos químicos depositados onde outrora havia belos vales, venenos enterrados, poeira tóxica, trabalhadores enfermos e as lembranças de córregos que foram ricos no passado. OFF 03 – Os portugueses e ingleses do Brasil-colônia foram substituídos pela transnacional canadense KINROSS, controladora da RIO PARACATU MINERAÇÃO – RPM, empresa que explora ouro em Paracatu desde o ano de 1987. ENTRA CARTELA “OURO DE SANGUE”, um documentário de SANDRO NEIVA e ALESSANDRO SILVEIRA DIOGO SOARES RODRIGUES (ex-prefeito de Paracatu) – Com a divulgação de que em Paracatu havia bastante ouro, tinha jazidas de ouro, veio pra cá a Rio Paracatu Mineração S.A., instalou aí, e realmente tiram daí muito ouro. Apesar de que, pouca coisa fica em Paracatu. NICOLAU ANTÔNIO DE OLIVEIRA (vizinho da mineradora) – Agora a RPM montou lá em cima e já estragou isso tudo. ENTREVISTADOR – Como é ter um vizinho como a RPM? RÔNIA MARIANO (vizinha da mineradora) – É um horror, um absurdo, uma afronta, uma falta de respeito com a gente! Eles ameaçam a gente de todas as formas.
URUBATAN DOS SANTOS (vizinho da mineradora) – Essa empresa aí já acabou com tudo. Que meio ambiente que tem ali dentro dum buraco? Já devastou tudo, já acabou com tudo. CARMEN LOPES DOS REIS (vizinha da mineradora) – Eu não acho certo não! Eu acho um horror. Eu fico olhando isso aqui, acho um horror eles terem feito um absurdo desses aí. Uma coisa tão bonita igual era aqui. A gente sente muito, muito mesmo! As belezas que nós já viu aqui nessa praia, pra hoje nós vê desse jeito! SÉRGIO ULHOA DANI (médico e cientista) – Os principais danos são sentidos na água, no ar e nos solos. Todos os córregos que tinham o morro do ouro como área de recarga estão seriamente afetados, senão destruídos. CAPÍTULO “A ÁGUA” CARMEN LOPES DOS REIS (vizinha da mineradora) – Se fosse nós, por exemplo, que fizesse um absurdo desses aqui, o Incra de cima, Polícia Florestal tava de cima, não sei o que é mais tava de cima. Agora olha aí, que bagaceira terrível! Manjem bem que coisa mais horrorosa! NICOLAU ANTÔNIO DE OLIVEIRA(vizinho da mineradora) – As nascentes eles cortaram tudo lá. Agora as águas não correm mais pra cá. O bairro São Domingos ta ficando seco, sem água. LEANDRO FRANCISCO (vizinho da mineradora) – Eu me recordo como hoje, eu criança tomando banho naquela praia, pulando lá de cima, pescando, tinha várias nascentes. Tinha um lugar aqui chamado “Azulão”, que era o lugar que a gente tomava banho, ia todo mundo. LEANDRO FRANCISCO (vizinho da mineradora) – Hoje, você sobe aqui, olha o que se vê: é esse córrego todo assoreado, você não vê mais nascentes, a natureza nossa está sendo acabada. SÉRGIO ULHOA DANI (médico e cientista) – Além disso, tem o córrego São Domingos, o córrego Santo Antônio, que foram praticamente destruídos pela mineração. VALDIR LOPES DOS REIS (vizinho da mineradora) – Ali tem um tanque que derrama pra cá, então na época da chuva eles vão alteando, alteando, que é pra água não vir mesmo pra cá. E a água, o que cai, fica lá. E esses maquinários novos que eles trouxeram, eles apanham a água até mil metros pro fundo, então a água fica só lá. RÔNIA MARIANO (vizinha da mineradora) – Esse córrego aqui, ele não tem mais água. Esse córrego acabou. Aqui todo ano dava enchente nesse córrego. Ele ia até ali na mangueira, hoje a água não passa da cerca. Para eles minerarem nessa parte da mina deles aqui ao lado, eles vão ter que abaixa-la 100 metros. A partir do momento que eles baixam ela 100 metros, o córrego vai embora. Então, eles têm que fazer a transposição do córrego urgente. CAPÍTULO “A FAUNA E A FLORA”
URUBATAN DOS SANTOS (vizinho da mineradora) – Nem fauna, nem flora, acabou! VALDIR LOPES DOS REIS (vizinho da mineradora) – Acabou a água, acabou as mangabas, acabou os pequis, acabou as gabirobas. URUBATAN DOS SANTOS (vizinho da mineradora) – Antigamente você via os mateiros, sariemas, tudo aqui no largo, soinhos, acabou tudo, sumiu tudo. VALDIR LOPES DOS REIS (vizinho da mineradora) – Cheio de pássaros, patos, parecia gansos, daqueles tipo os do pantanal, aqueles bichos bonitos, aqui tinha tudo. CAPÍTULO “A LIBERDADE” VALDIR LOPES DOS REIS (vizinho da mineradora) – A gente não pode nem permanecer no terreno deles, porque eles não aceitam. Se você subir ali pra apanhar um pequi, eles vão de cima pra saber o que é que tem naquelas vasilhas. E muitas vezes eles pegam e jogam até fora, pensando que é alguma coisa lá da firma. Então, a liberdade nossa aqui agora, acabou. URUBATAN DOS SANTOS (vizinho da mineradora) – Não podemos plantar, porque o ideal de todo mundo aqui era plantar e colher, criar seu gado. Nunca mais nós podemos fazer isso porque essa multinacional acabou com tudo. JOSÉ FERREIRA GOMES (vizinho da mineradora) – Isso não podia acontecer. A gente mora num lugar e hoje é proibido, talvez, até de entrar. VALDIR LOPES DOS REIS – Sendo que nós moramos aqui há muitos anos. Até lenha eles já quiseram proibir a gente de apanhar, mas a gente não importou e foi continuando. E o tempo passa, e cada dia que passa vai ficando pior. Eles aumentam os maquinários deles, e nós mesmos vamos ficando. OFF 04 – Nunca vai existir o suficiente. Nenhuma corporação nesse planeta negligencia o interesse dos donos e seus fundamentos econômicos. O lucro acima de tudo, até do interesse público. De fato, não é uma lei da natureza. É uma lei específica. A quem devem lealdade? CAPÍTULO “MAIS TERRA, MAIS LUCRO” RÔNIA MARIANO (vizinha da mineradora) – Eles querem comprar nem ao preço de mercado. Onde todo mundo pensa que eles pagam uma fortuna, eles não pagam fortuna nenhuma. VALDIR LOPES DOS REIS (vizinho da mineradora) – A proposta deles sempre é de comprar tudo.
NICOLAU ANTÔNIO DE OLIVEIRA (vizinho da mineradora) – Eles são pessoas muito “poderosos” e a gente é que tem que “arretirar”, né. ANDRESSA LOPES (vizinha da mineradora) – Não tava dando. Nós dormia, acordava... ainda escuro com eles arrodiando a casa. Eu falei: ó, é melhor vender lá pra eles. SÉRGIO ULHOA DANI (médico e cientista) – Práticas covardes da empresa ou de representantes da empresa, para pressionar essas pessoas a vender suas áreas – na “bacia das almas”, como se diz aqui em Paracatu. E isso não é aceitável. E na raiz de tudo isso está essa pressão, essa intimidação da grande empresa. ANDRESSA LOPES (vizinha da mineradora) – Agora hoje lá é da RPM. VALDIR LOPES DOS REIS (vizinho da mineradora) – E se você falar que vende, eles compram tudo. Só que se a gente vender pra eles não tem como criar os filhos da gente. URUBATAN DOS SANTOS (vizinho da mineradora) – Mas só que ela quer pagar o preço que ela quer. ANÍSIO JOSÉ DE CARVALHO (vizinho da barragem de rejeitos) – Se eles procurassem e a gente entrasse em negócio e a gente combinasse pra gente sair daqui é que seria o bom. Mas só que eles procuram e só querem saber o preço. Eles nunca fizeram oferta nenhuma. URUBATAN DOS SANTOS (vizinho da mineradora) – Então tem que ter uma proposta honesta, limpa, justa, honesta, da empresa com os moradores. NICOLAU ANTÔNIO DE OLIVEIRA (vizinho da mineradora) – Eles já vieram aqui umas três vezes. Acionaram pra ver se eu vendia e tal. Eu falei que não, que no momento eu não tinha a intenção de vender não. RÔNIA MARIANO (vizinha da mineradora) – Mina reabilitada! Aqui onde está a Lagoa da Cava é aqui em casa. ENTREVISTADOR – O que você acha disso? RÔNIA MARIANO (vizinha da mineradora) – Eu acho isso uma afronta. Como eu posso simplesmente ir na cidade e dizer que eu vou fazer um prédio no terreno que é seu. Eu posso? Eu não posso. Aí eles dizem pra você assim: se você não vai entregar pelo preço que nós queremos, nós vamos entrar na sua terra de qualquer forma. NICOLAU ANTÔNIO DE OLIVEIRA (vizinho da mineradora) – Hoje se eu achar quem compra, eu vendo. É porque eu já estou achando aqui muito prejudicado pra gente viver. RÔNIA MARIANO (vizinha da mineradora) – Aqui só ficou duas casas. Eles vieram e compraram tudo. Só ficou Dª Nenzinha e Pelé com a mulher. Porque sabem que o que estão fazendo com eles. Chegaram aí e impuseram um valor. Os dois foram os únicos que não quiseram entregar.
NICOLAU ANTÔNIO DE OLIVEIRA (vizinho da mineradora) – Embora a gente é daqui, nasceu e criou aqui, mas chega um ponto que a gente não consegue mais conseguir viver. ANDRESSA LOPES (vizinha da mineradora) – É o mandatário do dinheiro que faz essas coisas todas. E aí os pobres que estão localizados ali, acostumados, vai arretirando. CAPÍTULO “AS IMATERIAL
POPULAÇÕES TRADICIONAIS
E
O
PATRIMÔNIO
ROBSON FERREIRA (vizinho da mineradora) – O meu avô morreu com 96 anos. Hoje ta com 10 anos que ele faleceu. Então, meu avô criança já era “careta”. Foi herdado do pai dele, do avô dele. Então é coisa de três séculos pra trás já tinha “caretada”. Muitos dos que dançavam a “caretada”, hoje já não dançam a “caretada”. Muita gente quer dançar a “caretada”, mas não tem como buscar aqueles enfeites, aquela máscara, adequadamente do jeito que dançava. MARIA CAMPOS DOS SANTOS (vizinha da mineradora) – É porque eles estão tirando todo mundo do lugar. Eu fui nascida, fui criada aqui, com meus pais, com minha mãe, com tudo aqui. MARIA PEREIRA GUIMARÃES (vizinha da barragem de rejeitos) – Minha avó era de 1876, nascida e criada aí, fora os bisavós, tataravôs, que já eram os donos. SÉRGIO ULHOA DANI (médico e cientista) – São comunidades seculares que residem ali e estão sendo desagregadas. Essas pessoas estão acostumadas a viver naquele ambiente. Então são a vida, os sonhos delas que estão ali. Pra onde é que essas pessoas irão? PAULO SERRANO NEVES (Procurador de Justiça Criminal/GO) – Isso é retirar do indivíduo parte do próprio direito à vida, no sentido pleno. Não é só estar vivo, comendo, dormindo e podendo trabalhar não. É sua cultura. ROBSON FERREIRA (vizinho da mineradora) – E a escravatura pra meu povo hoje de volta veio através dessa empresa. A nova escravatura, uma escravatura que não te obriga a trabalhar, não te bate, mas te impede de você viver conforme você vivia. SÉRGIO ULHOA DANI (médico e cientista) – O correto seria que a empresa custeasse a remoção completa dessas populações pra locais saudáveis, pra que elas possam obter o que elas tinham antes da chegada da Rio Paracatu Mineração. MARIA CAMPOS DOS SANTOS (vizinha da barragem de rejeitos) – E onde é que eles querem por a gente então? Será que eles querem por a gente embaixo duma ponte, debaixo de qualquer uma coisa? PAULO SERRANO NEVES (Procurador de Justiça Criminal/GO) – Nós não temos a prática do culto a esses valores imateriais, esses valores intangíveis.
SÉRGIO ULHOA DANI (médico e cientista) – Ainda que não seja possível restituir completamente aquele ambiente onde essas pessoas nasceram, cresceram e viveram, pelo menos a parte da saúde ambiental pode ser restituída. E a mineradora também não tem feito nada. MARIA CAMPOS DOS SANTOS (vizinha da barragem de rejeitos)– Eles nunca mexeram comigo sobre compra não. Mas acho que se eles mexerem eu não vou sair muito fácil não. MARIA PEREIRA GUIMARÃES (vizinha da barragem de rejeitos) – E isso aqui nós temos direito. Dois direitos, porque além de ser afro-descendente, foi comprado. Comprado mesmo, desde 1855 já tem inventário. PAULO SERRANO NEVES (Procurador de Justiça Criminal/GO) – A história do desenvolvimento do Brasil é a história de violência contra as culturas. CAPÍTULO “A BARRAGEM DE REJEITOS QUÍMICOS” MÁRCIO JOSÉ DOS SANTOS (geólogo) – Falar em barragem de terra segura aqui no Brasil e em Minas Gerais, parece até piada. Porque não existe barragem de terra100% segura. ENTREVISTADOR – Você tem medo dessa barragem estourar alguma hora? ANÍSIO JOSÉ DE CARVALHO (vizinho da barragem de rejeitos) – Medo a gente tem. Eles falam que não tem perigo não, mas coisa que é feita pela natureza destrói. E o que é feito por mão de homem? AUGUSTO TEIXEIRA (vizinho da barragem de rejeitos) – Ah, eu sei lá. Eu tenho impressão que “trem” que é feito por mão de homem, eu não confio. MARIA PEREIRA GUIMARÃES (vizinha da barragem de rejeitos) – A gente fica com cisma, mas eles falam que não tem perigo. AUGUSTO TEIXEIRA (vizinho da barragem de rejeitos) – Eu já vi muitas barragens que arrebentaram pra fora, muito mais seguras que essa. MÁRCIO JOSÉ DOS SANTOS (geólogo) – Mesmo que o gerente geral da mina colocasse sua família residindo abaixo da barragem, eu ainda não acreditaria que essa barragem é 100% segura. SÉRGIO ULHOA DANI (médico e cientista) – E ali sobre aquela barragem chove e a erosão da água é muito eficiente pra destruir o que eles construíram. ANÍSIO JOSÉ DE CARVALHO (vizinho da barragem de rejeitos) – Quando corre “enxorro” lá, o “trem” trinca de cima embaixo. Tanto é que quase direto eles ta aí tampando. ENTREVISTADOR – Trinca como?
ANÍSIO JOSÉ DE CARVALHO (vizinho da barragem de rejeitos) – Corre um “enxorro”, vem descendo de uma etapa pra outra, de uma etapa pra outra, ali vai falhando. SÉRGIO ULHOA DANI (médico e cientista) – Você observa fissuras em toda a extensão da barragem. ANÍSIO JOSÉ DE CARVALHO (vizinho da barragem de rejeitos) – Dá aquelas rachaduras, corre da erosão da água. MÁRCIO JOSÉ DOS SANTOS (geólogo) – A minha família não moraria ali. AUGUSTO TEIXEIRA (vizinho da barragem de rejeitos) – Eles falam que não tem perigo. Não tem perigo é porque não é eles que moram aqui por baixo. MÁRCIO JOSÉ DOS SANTOS (geólogo) – Eu não recomendaria ninguém morar ali a jusante da barragem. ANÍSIO JOSÉ DE CARVALHO (vizinho da barragem de rejeitos) – A gente está na área de risco, correndo todo o risco. PAULO SERRANO NEVES (Procurador de Justiça Criminal/GO) – A megasena é um em quase 60 milhões e tem ganhador. AUGUSTO TEIXEIRA (vizinho da barragem de rejeitos) – Gastei demais aqui e aqui pra mim não serve mais. Nem pra mim nem pra mulher não serve mais. Eu já pus na imobiliária pra vender. Mas quando vem um comprador, fala que é porque tem medo da barragem. PAULO SERRANO NEVES (Procurador de Justiça Criminal/GO) – Porque se não existisse risco alguém já teria comprado essa área toda lá, porque venderiam barato pra se livrar da impressão de risco, e já estaria ganhando dinheiro. SÉRGIO ULHOA DANI (médico e cientista) – Existe sim o risco de ruptura da barragem, que lançaria uma lama às populações que estão a jusante da barragem e contaminaria o ambiente com arsênio e outros venenos que estão presentes ali na barragem de rejeitos. PAULO SERRANO NEVES (Procurador de Justiça Criminal/GO) – Essa área de risco precisa de uma solução que as pessoas e os recursos presentes para sua sobrevivência não fiquem presentes no cenário de risco. OFF 05 – Todo produto pode ser feito de maneira sustentável? Nem sempre. Você pode extrair produtos de minas de maneira sustentável? Inacreditável.
CAPÍTULO “A POEIRA TÓXICA” RÔNIA MARIANO (vizinha da mineradora) – Nossa, a poeira é um absurdo! Você levanta de manhã, você arruma a casa e a hora que você chega dentro de casa, parece que passou um terremoto. LEANDRO FRANCISCO (vizinho da mineradora) – Poeira aqui é todo dia. Os maquinários trabalham 24 horas. O que acontece é que na captação que os tratores de esteira fazem, a poeira vem todinha dentro de nossa propriedade. ANÍSIO JOSÉ DE CARVALHO (vizinho da barragem de rejeitos) – Nesses dias de chuva, a hora que dá um vento, isso aqui chega escurecer de tanta poeira. SÉRGIO ULHOA DANI (médico e cientista) – A falta de vegetação faz com que essa áreas lavradas e mineradas funcionem como fábricas de poeira. E poeira tóxica, poeira venenosa, que vai pra cidade. LEANDRO FRANCISCO (vizinho da mineradora) – Tanto é que a gente tem o maior problema com vaqueiros. Já passaram por aqui vários e vários vaqueiros. Eles não ficam aqui mais porque seus filhos começam a ficar gripados, começam a ter problemas. MÁRCIO JOSÉ DOS SANTOS (geólogo) – Existe o processo de hidrometalurgia que precipita o arsênio, que é um elemento extremamente tóxico, venenoso. SÉRGIO ULHOA DANI (médico e cientista) – É um minério extremamente sulfetado, e que na presença de ar e água, aquilo tudo vira uma sopa ácida e muito rica em arsênio e ácido sulfúrico. MÁRCIO JOSÉ DOS SANTOS (geólogo) – Esse arsênio é um grande perigo na medida em que não se sabe o que fazer com o arsênio. NICOLAU ANTÔNIO DE OLIVEIRA (vizinho da mineradora) – Quando arma chuva e vem uma ventania, isso aqui embranqueja tudo. Vem uma espécie de poeira, uma poeira branca... SEBASTIANA PEREIRA DA CRUZ (vizinha da mineradora) – É um pó branco, onde ele assenta fica igual sal. É fino mas dá pra observar quando a gente passa a mão nos móveis. LEANDRO FRANCISCO (vizinho da mineradora) – É aquele pozinho meio branquinho, aquela piçarrinha que cai na propriedade todinha. Você pode limpar a casa de manhã, a tardezinha você pode escrever no chão. NICOLAU ANTÔNIO DE OLIVEIRA FRANCISCO (vizinho da mineradora) – Onde isso assenta, mata tudo!
CAPÍTULO “O CIANETO” MÁRCIO JOSÉ DOS SANTOS (geólogo) – Esse beneficiamento usa uma substância extremamente tóxica chamada cianeto. O cianeto, ele é letal. MÁRCIO JOSÉ DOS SANTOS (geólogo) – Uma grande parte do cianeto que é usada nesse processo de beneficiamento é estocado depois em tanques e guardado debaixo da terra, coberto por terra. Isso joga para as gerações futuras o problema desse cianeto. Nós estamos enterrando o problema. LUIS ALBERTO ALVES (Diretor da RPM/Kinross) – Nós podemos ser punidos. Nós somos os responsáveis. Ambientalmente nós somos os responsáveis. Qualquer problema, nós teremos que responder por ele. MÁRCIO JOSÉ DOS SANTOS (geólogo)– Quando essas substâncias são carreadas pelas águas e precipitando também nos solos, se infiltrando nos solos, pela drenagem ácida que existe naquele local, isso vai contaminar, às vezes, a muitos quilômetros de distância. OFF 06 – Para eles é legítimo criar tecnologias homicidas. O mais importante é o lucro, de forma crescente, legal e sustentável, para os proprietários da empresa, às custas de qualquer um. CAPÍTULO “AS DOENÇAS” SÉRGIO ULHOA DANI (médico e cientista) – Além de pneumoconioses, que são afecções no trato respiratório, existem evidências de que a ingestão, através da poeira, inclusive, principalmente por crianças, aumenta significativamente doenças sérias, como por exemplo o câncer. SÉRGIO ULHOA DANI (médico e cientista) – Há estudos na literatura científica indicando que nas cercanias de minas semelhantes à mina operada pela Rio Paracatu Mineração, o índice de câncer pode subir e chega a ser 10 vezes maior do que o normal. RÔNIA MARIANO (vizinha da mineradora) – Se você ver o povo, o tanto que o povo aí sofria com doença, com tudo quanto é coisa, por causa dessa RPM. SEBASTIANA PEREIRA DA CRUZ (vizinha da mineradora) – Nós morávamos aqui antes dessa firma vir pra cá, nós brincava, corria nesses pastos aí todinhos, e não sentia nada. E depois dela a vida de nós mudou totalmente. É só remédio, gastando o que nós não tem. SÉRGIO ULHOA DANI (médico e cientista) – E a prestação de contas dos dirigentes dessa empresa é para com os acionistas em primeira instância. A população aqui sim. Ela que perde as doenças, ela é que perde o patrimônio natural, o patrimônio cultural, ela é que sofre todo tipo de impacto sócio-ambiental.
CAPÍTULO “O BARULHO” ANÍSIO JOSÉ DE CARVALHO (vizinho da barragem de rejeitos) – O barulho, quando eles tá trabalhando a gente não dorme. MARIA CAMPOS DOS SANTOS (vizinha da barragem de rejeitos) – o barulho é demais da conta. Muito barulho mesmo. ANÍSIO JOSÉ DE CARVALHO (vizinho da barragem de rejeitos) – Lá em casa a casa trincou tudo. Quando eles estavam mexendo com um “tratorzão” a casa estremecia tudo. A casa tricou tudo. RÔNIA MARIANO (vizinha da mineradora) – Eu paguei uma empresa que veio e mediu os decibéis. Deu altíssimo. A noite, isso é meia noite, uma hora da manhã que mede. Aí, eles pediram uma perícia paga. Agora, você acha que a RPM vai colocar aqui máquinas para trabalhar sabendo que está tendo uma perícia? Porque perícia tem hora e dia marcados, e com a hora e o dia marcado a RPM vai colocar máquinas para falar que está fazendo barulho? Não vai. Eu entrei com um processo de poeira e de barulho contra eles e eles... é claro, o processo não anda. O que eles entram é rápido, rápido, rápido.... e quando é do povo não anda. Do povo eles exigem, exigem e não anda. CAPÍTULO “OS GARIMPEIROS” URUBATAN DOS SANTOS (vizinho da mineradora) – Arrasaram com a classe dos garimpeiros de Paracatu. RÔNIA MARIANO (vizinha da mineradora) – Tem um mês eles estavam prendendo os garimpeiros aqui na praia. VALDIR LOPES DOS REIS (vizinho da mineradora) – A Polícia Florestal veio e tomou as bateias e levou tudo. RÔNIA MARIANO (vizinha da mineradora) – Porque na realidade é o seguinte: tirar o ouro aqui não é proibido. O que é proibido é mercúrio. URUBATAN DOS SANTOS (vizinho da mineradora) – O ouro é de todo mundo. JOSÉ DO CARMO SOBRINHO (vizinho da barragem de rejeitos) – Nós mesmo garimpávamos aí e não tinha impedimento nenhum. ROBSON FERREIRA (vizinho da mineradora) – O meu avô cuidou de 21 filhos com garimpo de bateia dentro do povoado de São Domingos naquilo que era dele. Hoje se te pegar com uma bateia dentro do São Domingos, você vai preso. RÔNIA MARIANO (vizinha da mineradora) – Trabalhador que vem aqui e trabalha o dia inteirinho para tirar uma grama de ouro. Estavam com eles dentro do camburão.
VALDIR LOPES DOS REIS (vizinho da mineradora) – E a gente devendo tudo. Que era de onde tirar o pão de cada dia pra cuidar da meninada. CAPÍTULO “OS EMPREGOS” MANOEL MARTINS (vizinho da mineradora) – Eles iludem os paracatuenses com emprego. Mas assim... dentro da RPM você pode ver que emprego é só médio e baixo escalão. Os grandes vem tudo de fora. URUBATAN DOS SANTOS (vizinho da mineradora) – A empresa ta gerando emprego?? Ta gerando emprego sim, mas você sabe pra onde? Ta gerando emprego pra gente lá do Piauí, de outro estado. Eles estão com falta de respeito até com o estado de Minas Gerais. Eles estão empregando gente lá da Bahia, do Piauí, que estão trazendo pra cá porque a mão de obra é barata. MANOEL MARTINS (vizinho da mineradora) – Prejudica o meio ambiente e dá lucro é pro Canadá. ENTREVISTADOR – Há ouro paracatuense no mercado da cidade? JOÃO ARAÚJO DE OLIVEIRA (ourives) – Não, aqui não. Aqui não pode. Aqui nós temos uma firma, a RPM, que explora esse ouro, mas ela não vende ouro pra nós. Nos anos 80 até 87, era fácil você adquirir um ouro porque tinha os garimpos democráticos. Você tinha uma facilidade pra obeter o ouro pra trabalhar. SÉRGIO ULHOA DANI (médico e cientista) – De repente toda a economia de uma pequena cidade vive em função do sucesso de uma empresa. E não é verdade. JOÃO ARAÚJO DE OLIVEIRA (ourives) – Olha, minha opinião é de que deveria ser feito alguma coisa pra que nós pudéssemos usar o que nós temos aqui, o ouro nosso. SÉRGIO ULHOA DANI (médico e cientista) – Apesar dela ser uma grande empregadora individualmente, o município é diversificado o suficiente pra ser autosuficiente. E havia auto-suficiência antes da chegada da Rio Paracatu Mineração. JOÃO ARAÚJO DE OLIVEIRA (ourives) – Tira o jeito da gente trabalhar. Impede que você faça alguma coisa dentro dessa profissão. Aqui não é só eu não. São vários. ENTREVISTADOR – Quantos profissionais existem na cidade? JOÃO ARAÚJO DE OLIVEIRA (ourives) – Aqui tem no mínimo uns vinte. URUBATAN DOS SANTOS (vizinho da mineradora) – Então, ficou só o “garimpão”. O “garimpão” está aí.
CAPÍTULO “O PROJETO DE EXPANSÃO III” OFF 07 – Com o Projeto de Expansão III, a produção de ouro da RPM/Kinross chega a mais de 15 toneladas por ano. A expectativa é de mais 30 anos de exploração, que resultará na produção de 450 mil quilos do metal precioso – mais da metade de todo o ouro que saiu de Minas Gerais na época do Brasil-colônia. SÉRGIO ULHOA DANI (médico e cientista) – Agora ainda existe o risco muito sério de que as três grandes nascentes, as nascentes principais do Ribeirão Santa Rita sejam completamente destruídas por uma segunda barragem de rejeitos, que vai ter 11 quilômetros de extensão. A barragem atual já tem cerca de mil hectares de superfície e a outra deve ser um pouco maior que isso. URUBATAN DOS SANTOS (vizinho da mineradora) – E a inundação? Quem não quiser sair vai ser inundado. Foi assim que eles disseram. SÉRGIO ULHOA DANI (médico e cientista) – O Córrego Rico, que é o córrego principal que corta a cidade de Paracatu, ele tem a nascente principal dele no morro do ouro. E agora com o Projeto de Expansão da Rio Paracatu Mineração, essa nascente será destruída. Nós até então estávamos fazendo o velório do Córrego Rico, mas com o Projeto de Expansão da Rio Paracatu Mineração, nós faremos o enterro definitivo do Córrego Rico. URUBATAN DOS SANTOS (vizinho da mineradora) – Tudo isso aqui vai ser inundado. SÉRGIO ULHOA DANI (médico e cientista) – Há um problema sério de recomposição dessa área mineralizada que vai sobreviver a várias gerações. CAPÍTULO “AS INVASÕES NO DEPÓSITO DE REJEITOS” URUBATAN DOS SANTOS (vizinho da mineradora) – Aqui era o caminho. Quando acabou o garimpo o pessoal passou a freqüentar o rejeito. LUIS ALBERTO ALVES (diretor da RPM/Kiross) – Nós até já paramos de usar o termo “garimpeiro”, que é até um pouco injusto da forma como está hoje. Estamos usando o termo “invasores”. SEBASTIANA PEREIRA DA CRUZ (vizinha da mineradora) – As pessoas iam para poder pegar um material que eles falam que estava no rejeito e que eles não iam usar mais. URUBATAN DOS SANTOS (vizinho da mineradora) – Quer dizer, rejeito é uma sobra de comida, rejeição. Aquilo que termina vira rejeito, é sobra. LUIS ALBERTO ALVES (diretor da RPM/Kinross) – Não é mais aquele “garimpeirozinho” que vinha aqui pra buscar o ‘sustentozinho” e tentar tirar umas graminhas de ouro nosso aqui pra comprar comida. Não é isso mais não. O negócio agora ta bravo. Os caras estão entrando aqui armados. Está concentrado em criminosos.
Olha, se nós falarmos hoje que vamos deixar o pessoal vir aqui estourar isso, com uma semana a invasão em Paracatu é monstruosa. O nosso grande objetivo, a nossa grande meta é desmotivar o pessoal de vir aqui. SEBASTIANA PEREIRA DA CRUZ (vizinha da mineradora) – Aí eles proibiam as pessoas.Aí quando as pessoas não saíam, guardas corriam atrás, soltavam cachorro, tudo isso acontecia aí em cima. CAPÍTULO “AS MORTES” URUBATAN DOS SANTOS (vizinho da mineradora) – Já entraram aqui várias vezes aqui dentro da fazenda, atirando nos garimpeiros. RÔNIA MARIANO (vizinha da mineradora) – Se você for aqui no morro, muitos que morreram por aí atirados por eles. URUBATAN DOS SANTOS (vizinho da mineradora) – Cara todo rasgado, machucado, aparecendo até o osso da perna, quantos eu já levei pro hospital. Já acertaram várias pessoas aqui, inclusive um já até faleceu. PROTESTO DE GARIMPEIROS NA PREFEITURA DE PARACATU EM 1998 – Mas eles estão tirando uma coisa que é nossa. Aquilo ali é a riqueza de Paracatu. Só que nós não demos conta de aproveitar, então eles entraram com tudo. URUBATAN DOS SANTOS (vizinho da mineradora) – Quantas vezes eu pedi pros seguranças pra não atirarem, porque uma hora vocês matam um lá dentro. RÔNIA MARIANO (vizinha da mineradora) – Eles proíbem uma coisa, dois pesos e duas medidas, e deixam o que a mineradora está fazendo aí na cidade, destruindo tudo. LUIS ALBERTO ALVES (diretor da RPM/Kinross) – Usamos a vigilância nossa, ações das polícias e ações do Ministério Público. Contratamos uma empresa especializada com o uso de cães. Tem escudo, daqueles da polícia da Brigade de Choque. Porque a orientação aos nossos guardas é o seguinte: administra mas não recua. Porque se recuar, se deixar, adeus! OFF 08 – Na noite de 27 de junho de 1998 os paracatuenses Luis Oliveira Lopes, José Oliveira Lopes e Evandro Oliveira Lopes – conhecidos como “os irmãos Canela” – foram até o depósito de rejeitos da RPM/Kinross para aproveitar da sobra de ouro. O primeiro foi morto, o segundo ficou paralítico e morreu dois anos depois, em decorrência do tiro. Evandro também foi baleado, mas sobreviveu à tragédia. EVANDRO OLIVEIRA LOPES (irmão de garimpeiro morto)– Disse que teve um telefonema, que falou que “os Canelas” estavam lá. Eles fizeram uma tocaia, foram pra estrada pra esperar nós. Aí nós passou pra dentro, e eles deixou nós passar. Só que nós chegou lá na beirada lá, nós viu que não dava pra trabalhar. Tinha vigilante pra todo lado lá. Aí meu irmão falou assim: vamos voltar pra trás. Nós já estava saindo de dentro da firma, não pegamos material, não pegamos nada, aí quando nós só recebeu os tiros. Eles falou assim: é “os Canela”, vamos matar agora!
ANA LOPES DE MORAES (mãe de garimpeiros mortos) – Um dia eles tentou de ir lá. Mas só que eles foi lá e não deu certo. Nem mexer lá no rejeito, eles não chegaram no rejeito. Quando eles lá ia pra chegar eles só receberam a tiraiada e pronto. Fiquei sem eles, criando os filhos deles aí. MÁRCIA LOPES OLIVEIRA (viúva de garimpeiro) – Eu fiquei com cinco filhos, todos de menor, e sofrendo. Até hoje vivo pelejando com minha vida sozinha. LUIS ALBERTO ALVES (diretor da RPM/Kinross) – É pra não recuar. A única arma que eu tenho hoje é pra não recuar. EVANDRO OLIVEIRA LOPES (irmão de garimpeiro morto) – Eu lembro. Quando eu cheguei pra pegar meu irmão, eu só vi meu braço descendo pra baixo. ENTREVISTADOR – Você levou quantos tiros? EVANDRO OLIVEIRA LOPES (irmão de garimpeiro morto) – Eu levei só um tiro aqui. Meu braço hoje em dia é torto. Atingiu esse nervo, esse dedo aqui é mais torto, eu não agüento pegar peso com ele não. MÁRCIA LOPES OLIVEIRA (viúva de garimpeiro) – Matou meu cunhado. EVANDRO OLIVEIRA LOPES (irmão de garimpeiro morto) – O outro tomou um tiro na perna e ficou inválido, andando de cadeira de roda muito tempo. Ficou de cadeira de rodas até ele morrer. PROTESTO DE GARIMPEIRO NA PREFEITURA DE PARACATU EM 1998 – Ta levando o que é nosso e ainda mata nós, igual matou matou o irmão de meu cunhado. Não precisava deles fazerem isso, precisa? ENTREVISTADOR – A senhora entrou na Justiça? ANA LOPES DE MORAES (mãe de garimpeiros mortos) – Eu não. Não entrei não. Disse que não tinha jeito de entrar. MÁRCIA LOPES OLIVEIRA (viúva de garimpeiro) – O advogado falou que meu marido foi errado. Eu fui naqueles advogados da prefeitura. Na época, até eles falaram: seu marido foi errado. ENTREVISTADOR – A senhora já recebeu alguma indenização? ANA LOPES DE MORAES (mãe de garimpeiros mortos) – Nunca recebi nada, nada. MÁRCIA LOPES OLIVEIRA (viúva de garimpeiro) – Não. Nunca me procurou pra nada, nada. Eu arrumei tudo, arrumei o funeral dele. Arrumei tudo sozinha. Você acredita que nem minha pensão eu não consegui. Todos os lados que eu vou as portas se fecham pra mim, todos os lados.
ANA LOPES DE MORAES (mãe de garimpeiros mortos) – Sinto muita tristeza, muita agonia de não ter meus meninos e ter os filhos deles aí pra mim criar. É isso que eu sinto. MÁRCIA LOPES OLIVEIRA (viúva de garimpeiro) – Eles não merecia terem matado ele do tipo que eles matou não. Eu achava assim, na minha opinião, eles podiam até prender ele, mas matar não. Podia prender ele, dar a ele uns anos de cadeia. LUIS ALBERTO ALVES (diretor da RPM/Kinross) – Nós não temos como fazer isso. Nós somos sete guardas, oito guardas, para trinta invasores. Se fizer isso, vai acontecer o que aconteceu, vai ter morte! MÁRCIA LOPES OLIVEIRA (viúva de garimpeiro) – Eu achava que essa firma tinha que vir até mim. Nunca me procuraram, agora já vai fazer 10 anos já, agora que ela não vai me procurar mesmo. E você sabe com o que eu vivo? Vivo com sessenta e seis reais de bolsa escola. CAPÍTULO “MAIS MORTES” ERIS RIBEIRO PEREIRA (primo de garimpeiro morto) – Nós fomos lá uma turma de cinco. Nós estávamos trabalhando e aí já veio o pessoal lá no barranco, tentando cercar nós e dando tiro. Um companheiro meu, que era primo meu, sobrou. Eles pegaram ele e bateram nele muito e atirou nele. Atirou nas costas dele e matou ele. Se fosse numa reta, tinha pegado nas minhas costas o tiro, mas como eu pulei o barranco “rapidão”, o tiro pegou no pé. O processo que deu pra eles é que o cara que matou pegou um ano semiaberto. Pra mim ainda tem um processo ainda pra correr. Estou esperando pra ver o que vai dar. LUIS ALBERTO ALVES (diretor da RPM/Kinross) – Então essas medidas todas foram intimidadoras, conseguimos acalmar a situação. OFF 09 – Quanto é suficiente? O bilionário não ficaria satisfeito em ser meio bilionário? Não seria bom para sua empresa fazer menos dinheiro? CAPÍTULO “AS AUTORIDADES” URUBATAN DOS SANTOS (vizinho da mineradora) – Eles estão jogando o verde e colhendo o amarelo. E as autoridades não tomam nenhuma providência. MANOEL MARTINS (vizinho da mineradora) – Os órgãos competentes fecham os olhos. PROTESTO DE GARIMPEIROS NA PREFEITURA DE PARACATU EM 1998: PREFEITO: Mas isso não depende de mim. MANOEL MARTINS (vizinho da mineradora) – Parece que... parece não, seguramente eles têm favorecimento pra calar a boca. Só pode.
JOÃO ARAÚJO DE OLIVEIRA (ourives) – Aqui em Paracatu está parecendo uma colônia, quando os antigos portugueses vieram pra cá. Os caras chegam e levam e não sei... não podem deixar nada aqui com a gente. MARCIANO DA CRUZ DOS REIS (vizinho da mineradora) – Agora aqui não! Chega todo mundo de fora, mete a cara, arranja a vida e vai embora. Cadê os prefeito, cadê... os tal dos povo que manda. Eu acho que eles dá é na meia. PROTESTO DE GARIMPEIROS NA PREFEITURA DE PARACATU EM 1998: GARIMPEIRO – Isso aí é que é a covardia de Paracatu. Isso é que é a covardia. Por que isso não pode mudar aqui? PREFEITO – Eu sei que vocês têm todo o direito e a razão. RÔNIA MARIANO (vizinha da mineradora) – Eles não estão preocupados com o povo. Eles estão preocupados com o bolso deles. Infelizmente essa é a política nacional e é municipal também. PAULO SERRANO NEVES (Procurador de Justiça Criminal/GO) – Já basta o ouro que foi tirado de Paracatu e do resto do Brasil quando ainda não tínhamos praticamente lei nenhuma. ANÍSIO JOSÉ DE CARVALHO (vizinho da barragem de rejeitos) – A prefeitura não interesse nenhum. Ela tem interesse é de ganhar o dela lá que eles tá ganhando. MARCIANO DA CRUZ DOS REIS (vizinho da mineradora) – E nós com o dedo na boca! Os de fora chega, passa o rodo e os daqui ficam mamando o dedo. PAULO SERRANO NEVES (Procurador de Justiça Criminal/GO) – A necessidade de desenvolvimento levou a que se entregasse o país para a exploração em troca de pouca coisa. É a Lei interpretada por um burocrata. De repente é o “chefete” de repartição municipal que está despachando como a Constituição deve ser cumprida naquele particular. MÁRCIA LOPES OLIVEIRA (viúva de garimpeiro) – Eu acho as autoridades muito frias. Igual isso mesmo, ninguém não fizeram nada. Todo mundo calou a boca, porque todo mundo morre de medo da RPM, porque a RPM tem dinheiro e a gente não tem. Você pode falar até com o maioral e ele fala: não, a RPM tem dinheiro. Todo mundo cala a boca, ninguém fala nada. EPÍLOGO “AS GERAÇÕES FUTURAS” LEANDRO FRANCISCO (vizinho da mineradora) – Eu não sei nem o que pode ser dos meus netos e dos meus filhos na próxima geração. URUBATAN DOS SANTOS (vizinho da mineradora) – Ta precisando dos jovens d ´agora tomarem uma providência. PAULO SERRANO NEVES (Procurador de Justiça Criminal/GO) – Nós estamos correndo o risco de sermos odiados.
JOSÉ DO CARMO SOBRINHO (vizinho da barragem de rejeitos) – Eles vão clamar de nós, velhos. PAULO SERRANO NEVES (Procurador de Justiça Criminal/GO) – Nossos descendentes, antes de morrerem pela escassez de recursos que nós estamos produzindo, cuspirem em cima de nossos túmulos. JOSÉ DO CARMO SOBRINHO (vizinho da barragem de rejeitos) – Nós somos culpados de ter entregado isso aí pra eles. RONIA MARIANO (vizinha da mineradora) – É a força do dinheiro. Você já ouviu falar nessa força? PAULO SERRANO NEVES (Procurador de Justiça Criminal/GO) – O que está acontecendo é que nós estamos impedindo as nossas crianças, impedindo os nossos jovens, de participar da construção do próprio futuro. O povo tem direito a que essa mineradora responda de forma absolutamente clara para tranqüilidade de todos que ninguém até agora foi contaminado, que não há contaminação irradiada para o solo, nenhuma para o meio ambiente, que não há risco de rompimento, que não há, que não há, que não há, que não há. PAULO SERRANO NEVES (Procurador de Justiça Criminal/GO) – Senhores mineradores, estejam conscientes de que estão em território brasileiro e que ainda existe cidadania por aqui. Ainda existem brasileiros para defender o Brasil.