Os Olhos Dos Porcos

  • May 2020
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OS OLHOS DOS PORCOS MARCELO RICCI Livremente inspirada em Os olhos dos pobres, de Charles Baudelaire

À medida que o público entra na sala de espetáculo, passa por uma entrevista com um ator, um a um, onde lhe é perguntado se é rico ou pobre. De acordo com a resposta dada por cada espectador, ele é encaminhando para uma ala específica da platéia, a saber: Ala dos Ricos, Ala dos Pobres e Ala dos Omissos, dispostas no espaço cênico conforme diagrama abaixo:

Aos ricos serão oferecidos crachás em tamanho descomunal, para serem pendurados nos pescoços, escritos neles “RICO”. Aos pobres idem, porém escrito “POBRE”. Os omissos terão as bocas tapadas com fita adesiva. Atores vestidos de garçons servem aos ricos bebidas e canapés com paté de carne. O lixo proveniente da cozinha é atirado sobre os pobres (por exemplo cascas de batatas, de laranjas, embalagens vazias). Enquanto isso ocorre, alguns dos ricos são entrevistados publicamente e intimados a revelarem um defeito ou característica negativa bastante significativa; a plateia e os atores

participam em coro recusando ou aceitando o que o entrevistado revelar. Assim que for aceito um defeito, ele será escrito em letras garrafais no verso do crachá, e assim seu proprietário o usará até o fim do espetáculo. A seguir segue-se uma procissão de cenas de opressão, violência e barbárie entre os atores. A rivalidade e a comparação entre as alas da plateia é constantemente estimulada; deve-se recorrer às alas em busca de aprovação, consentimento ou misericórdia. Cenas que podem ser apresentadas: •

tortura de preso político;



condenação à morte por decapitação ou enforcamento;



estupro;



marcação de escravo à ferro.

Os atores devem constantemente referir-se à ala pobre como cúmplice do oprimido, e à rica cúmplice do algoz. Os omissos podem ser convidados eventualmente a salvar um oprimido ou perdoar um condenado, bastando que pronunciem uma palavra. Mas suas bocas estão tapadas. Se, em um momento muito emocionante do espetáculo um dos omissos chorar ou demonstrar arrependimento, o ator pode tirar-lhe a fita da boca e incitá-lo a gritar, mas todos os atores devem fingir não ouvi-lo, e prosseguir com a execução do que estiver sendo feito. Na cena final é trazida uma cabeça de porco para o centro da arena, colocada sobre um cepo (toco de madeira). Um ator deve inicialmente tratá-la com carinho, brincando com ela, talvez manipulando como a um boneco; tratar-lhe como a um animal de estimação, com um nome. Após algum tempo, passa a infligir-lhe golpes, começando por furar-lhe os olhos (para que não veja) e cortar-lhe as orelhas (para que não ouça). Desfere então golpes de marreta sobre o crânio no porco, gritando com ele, pedindo para que ele peça para parar se estiver doendo, até arrebentar-lhe a cabeça em pedaços. Passa então a profanar suas carnes e seu sangue, e os passa por um moedor de carne a manivela, produzindo paté. Voltam os atores vestidos de garçons e oferecem canapés de paté à plateia. Pano.

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