O Mito Persa

  • November 2019
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O MITO PERSA Os persas, as famílias de parsis e de medos, surgem na história da Mesopotâmia com força, relevando o império assírio e ocupando as suas capitais durante um breve período. Assim Nínive cai em seu poder no ano 606 aC e Babilônia passa a ser parte dos seus domínios no ano 538 a C, sob Ciro II; os persas criam por sua vez um império ainda maior e poderoso que se estende por quase todo o território da Ásia Menor, englobando desde a fronteira natural com o sub-continente índio pelo Este, o Cáucaso pelo Norte, a península arábica pelo sul e as costas do Mediterrâneo pelo Oeste, incluindo nos seus extensos domínios as colônias adscritas à esfera de influência grega. Esta extensão geográfica e a diversidade de povos submetidos à influência política persa vai fazer nascer uma nova religião composta, em partes iguais, pelas tradições indo-iranianas e pelos mitos particulares de cada uma das zonas englobadas no novo e grande Império, numa muito vasta e mutante crônica, com altos e baixos militares, mas com uma história brilhante que se estende por mais de um milênio, através das dinastias aquemênides (até ao ano 330 a. C.), arsácidas (até ao ano 224) e sassânidas (até ao ano 654), até o momento em que a nova força religiosa e conquistadora do Islã termine, pela força das armas e quase completamente, com a rica tradição mitológica persa, acabando também com a religião que tinha sido fundada por Zaratustra no século VII aC, exposta nos textos do Avesta, a base ideológica persa que permitiu a coesão do extenso e duradouro império a partir da última dinastia, a sassânida, e que seria mais tarde aumentada e reformada com a nova idéia do maniqueísmo. ZARATUSTRA Muito pouco se sabe em verdade da verdadeira história de Zaratustra, de Zoroastro, como o chamaram os gregos, e apenas se pode supor, pelo que se conta sobre a sua vida eremita e contemplativa, que devia ter sido um clérigo-cantor estático, um zaotar, dos que se isolavam para, na sua solidão e com a ajuda de substâncias tóxicas ou alucinogênias, tentar entrar no transe que lhes permita ascender às regiões superiores da divindade, até converter-se, como ele próprio o descreve, num Saoshyans, num sábio. Supõe-se que nasceu ao redor do 628 aC na antiga cidade de Rhages, na Pérsia, no atual Irã que agora se chama Rayy. Segundo a lenda, conta-se que Zaratustra nasceu com o sorriso no seu rosto, como presságio da felicidade que trazia o predestinado menino. Calcula-se que morreu no ano 551 aC, mas não se sabe com certeza onde aconteceu a sua morte nem se conhecem muitos mais dados da sua vida. O que sim nos transmitiu foi a sua revelação, que -aos trinta anos de idade- teve do deus único, Ahura, o Ormuz que chegou também pela mão dos gregos. Zaratustra já recebeu uma mensagem divina aos vinte anos de idade, quando Deus lhe ordenou que abandonasse a sua vida familiar para sair à procura doutra forma de vida, entregue à verdade e ao auxílio dos que nada possuíam, dando

comida, bebida e refúgio do fogo aos humanos e animais que necessitassem deles. Após sete anos de retiro eremítico, Zaratustra alcança finalmente a perfeição e é premiado com a mensagem divina que lhe trazem os arcanjos ao alcançar o estado de êxtase perfeito, levando-o à presença de Ahura. Essa revelação está escrita no livro do Avesta, que foi, além de um texto sagrado, uma rebelião contra o politeísmo inicial, uma revolta contra a antiga ordem dos persas. A MENSAGEM DA CRIAÇÃO Ahura falou a Zaratustra e lhe revelou a verdade sobre a criação, sobre a sua criação de um universo tirado pela sua vontade do nada, para evitar que o mundo se deslizasse para o abismo do Erjana Veja criado pelo deus da morte Ahriman, para esse território gelado no qual os dez meses de frio apenas são contrariados pelos dois escassos meses de sol, desse mundo maldito em que o curto verão não chega a aquecer suficientemente para permitir a vida. Por isso, para nós os humanos, o deus Ahura criou o paraíso, Ghaon, o lugar onde mora Sughdra, onde florescem as rosas e cantam os pássaros; mas Ahriman tentou desbaratar a sua beleza, criando os insetos que atacam as plantas e os animais. Ahurada fez aparecer depois a cidade santa de Murú e Agra Manyú a infestou com todos os vícios e mais a mentira que tudo corrompe. Ahura não desfaleceu e criou a cidade exemplar de Bachdi, rodeada de campos férteis, pastos povoados com todas as classes de gado, uma rica e florescente cidade à qual Agra Manyú enviou as suas feras e bestas para devorarem o gado que pastava nos viçosos pastos de Bachdi. Mas Ahura contra-atacou construindo a cidade religiosa de Nisa, que Ahriman rodeou com a nuvem da dúvida, para corromper a sua fé. De novo Ahura retomou o seu trabalho criador e pôs em pé a próspera e laboriosa cidade de Harojú, a qual Ahriman mandou a negligência para empobrecê-la. E a luta sempre continua, com Ahura criando bondade e virtude por um lado, e Ahriman pela sua parte, destruindo continuamente a obra sagrada com a sua maldade. Ahura também explica a Zaratustra que é Agra Manyú quem espalha sem trégua entre as criaturas terrestres a mentira e a maldade. O TEXTO SAGRADO DO AVESTA Segundo a religião zoroástrica, anterior em séculos ao texto sagrado do Avesta, ao livro composto muito tempo depois da morte de Zaratustra, talvez no século III da nossa era, sobre a base do que pregou o sábio e santo reformador, Ahura, o deus do bem e da verdade mantém uma luta cíclica contra o demônio Ahriman, contra a personificação do mal e da mentira. É uma longa batalha iniciada com aquela luta permanente da criação e que vai durar um total de doze mil anos, uma guerra com resultados desiguais e mutantes, na qual de três em três mil anos se vai produzir uma volta na sorte dos adversários. Assim Ahura, ou Ormuz, e as suas tropas vencerão em duas ocasiões, sendo em outras duas o triunfo para o exército do seu adversário Ahriman, para terminar definitivamente, decorridos os doze mil anos de combate, com a vitória de Ahura, do bem sobre o mal, da verdade sobre a mentira, da luz sobre as trevas. Será também o dia em que se produzirá o cataclismo universal que marca o fim dos tempos, quando chegar o momento em que um meteoro caia dos céus

e venha chocar contra a nossa terra, como juiz e carrasco da humanidade. Após o seu choque, o planeta ver-se-á envolvido num abrasador mar de metal fundido purificador, mas o sofrimento não será igual para todos, vivos e mortos ressuscitados, dado que o fogo insuportável da penitência se repartirá segundo a justiça divina, para fazer cumprir a penitência exata que corresponde a todos e cada um dos seres humanos. Terminado o purgatório sobre a face da terra, chegado o momento em que todos os homens tenham expiado as suas faltas, se acabará o sofrimento e todos os seres humanos alcançarão a imortalidade prometida por Ahura, passando a habitar no seu reino eterno do bem e da luz. ANTECEDENTES DO ZOROASTRISMO Quando o zaotar recebe a visita do arcanjo da sabedoria, de Bou mano, com o qual vai ser iniciado nos segredos da criação e na essência única do deus Ahura, também é ensinado a comportar-se de acordo com a sua divina vontade, dado que recebe o prontuário sacro da forma em que devem ser as relações do homem com os vivos e os mortos, como há que queimar os restos mortais e não entregá-los sacrilegamente à terra, como há que cuidar dos animais domésticos, como deve ser o comportamento do ser humano com o fogo e a água, com os metais e a terra, com a vegetação e os seus frutos. Zaratustra recebe, pois, a ciência infusa, o conhecimento total de Deus,mas não é uma cerimônia fácil, dado que Ahriman também quer desbaratar esta obra e ataca o zoatar com as suas tentações, oferecendo-lhe todos os bens da terra em troca da sua promessa de não atacar o mal e os seus enviados. Zaratustra, tocado pela luz e a verdade, rejeita a oferta demoníaca e lança-se a pregar a palavra sagrada, a religião do único Deus verdadeiro. E a sua palavra se rodeia da auréola ganha com a prova inequívoca dos seus muitos milagres e assombrosos fatos, pois ele, com a graça de Ahura, já é Shaoshyans, um sábio que conhece todas as respostas a todas as perguntas ainda não formuladas, como soube responder com palavra justa ao malvado, ao demônio que ele descobre e sobre o qual é o primeiro em advertir a sua presença, em anunciar ao mundo do perigo da sua existência, com tanto êxito que até os reis ouvem a sua mensagem e fazem sua a doutrina invocada pelo santo Zaratustra quem, de novo, segundo o pouco que dele se sabe, nunca ocupou cargos públicos nem arrecadou fortuna ou poder, pois o simples fato do desconhecimento do lugar onde morreu, ou como foi honrado após sua morte, vem ser suficiente demonstração de que o homem de fé venceu o possível chefe religioso. UMA RELIGIÃO DE ESTADO O zoroastrismo serviu de motor para a conquista do império pela dinastia sassânida. Com eles no trono, o Avesta tomou a sua forma definitiva, com salmos, mandamentos, relatos sagrados, orações e liturgia. O Avesta falanos da complicada composição militar e política das hostes do bem e mal; no exército de Ahurada, e com ele no Conselho, estavam os seus seis ministros, os arcanjos Amchaspends: Ardibibich, encarregado do fogo; Bahman, encarregado dos animais; Chariver, a cargo dos metais; Jordad, das águas; Murded, ministro do reino vegetal, e Sipendarmich, senhor da terra. Por baixo dos ministros estava a legião dos anjos Yazata e a outra

das mulheres-anjos. O exército do mal, sob o comando do demônio Ahriman, tinha a sua corte dos diabos, ou Divs: Aechma, encarregado da ira; Akono, a cargo das tentações; Indra, que se encarregava das almas condenadas ao inferno; Naosijaita,que insuflava a soberba nos humanos; Sorú,o encarregado de aconselhar o mal aos dirigentes e de induzir o crime nos súditos. Em baixo deles estavam os demônios menores, masculinos e femininos,que se encarregavam de todas as ações perversas que os seus chefes Divs lhes encomendassem. O ser humano herdou o castigo merecido pelo preço dos primeiros pais, Yima e Yimé, que se levantaram contra o seu deus, julgando-se iguais, embora este lhes tivesse dado a vida e o conhecimento, construído o Paraíso e salvo do Dilúvio. O ser humano, pois, agora tinha que fazer com que a sua vida decorresse pelo reto caminho, ouvindo os conselhos dos arcanjos e anjos e rejeitando as tentações e as provocações de demônios e diabos. No final da sua vida, a alma tinha que passar a ponte de Chinvat, onde sofria a pesagem definitiva, para ver se prevaleciam as boas ações ou se, pelo contrário, o condenavam as suas culpas, como no julgamento do mito egípcio, mas com a diferença de que, à passagem das almas, a ponte se alargava e tornava reta para os bons e estreita e tortuosa para os pecadores, que terminavam por cair dela e submergir-se nas profundidades do inferno eterno. MITRA, O DEUS CELESTIAL Assim como os deuses gregos tinham passeado entre os céus e a terra, sem deixar de morar em ambos, Mitra é o primeiro deus exclusivamente celestial, morador das alturas inalcançáveis para os mortais,guarda das regiões destinadas às almas que triunfam nas duras provas do último julgamento e condutor do seu trajeto através das sete esferas. Mitra tinha nascido na união entre índios e iranianos, e assim vê-se como aparece entre as linhas dos textos sagrados índios, nos Vedas, mas também o Avesta persa o faz seu, embora custe muito fazer com que o monoteísmo zaratustriano deixe que uma nova figura divina entre no escasso espaço que deixam as duas forças opostas e complementares do bem e do mal, de Ahura e de Ahriman. Mitra já existia na Babilônia conquistada pelos persas e nessa cidade, agora residência de inverno da nova corte, se misturam os seus dados originais com os da antiga divindade babilônica de Shamash, o deus do Sol; também com a influência astronômica e astrológica dos assírios, o céu persa, o céu dos três planos, se enriquece e passa a ser um firmamento composto por sete esferas,incorporando os reinos do Sol, da Lua e dos astros e estrelas, os sete planos por onde hão de transitar as almas, com a sábia e benfeitora guia de Mitra. Mas Mitra, apesar da sua importância, não é nenhuma divindade principal, é apenas um dos veneráveis, dos santos que acompanham Ahura-Mazda e que estão a seu lado na sempiterna luta. Mitra tem o seu lugar preciso na montanha fendida, onde se apóia a ponte que leva as boas almas para o céu, porque ele é o deus desse céu, o deus da salvação para as almas dos mortais. O TRIUNFO DE MITRA No seu contato com o mundo grego, o deus solar dos assírios e o deus auxiliar dos persas, Mitra, passa a enriquecer-se com os dons pessoais de três deuses olímpicos: Apolo, Hermes e Hélios. Mitra se engrandece e

aproxima do modelo clássico ao receber graças divinas de Apolo, deus da juventude, da beleza e das artes; de Hermes, mensageiro dos deuses; de Hélios, o mesmo deus do Sol, por sua vez outra encarnação de Apolo. Depois de ter sido helenizado, o renovado Mitra é levado em triunfo pelos legionários romanos, originários ou destacados, da Ásia Menor para Roma, lá, no coração de um império onde os deuses gregos latinizados estão languidecendo, o novo e apaixonante culto a Mitra se assenta com força entre a classe militar e os seus imperadores, muitos deles surgidos da própria milícia legionária, e ao estar protegida por tão influente casta, converte-se num dos principais,construindo-se templos subterrâneos, os mitreus, por todo o império romano, onde se adorava Mitra como o guarda desse universo celestial, matando o touro que, no Avesta, tinha sido criado por Ahura-Mazda e morto por Ahriman, de cujo corpo tem que brotar toda a vida que há sobre a Terra, o touro que é fonte de vida para o reino animal e para o reino vegetal. Com essa invocação de Mitra tauróctone, o deus das almas também se torna divindade da vida que renasce constantemente, da vida que brota estacionalmente. Outras vezes aparece saindo da rocha afundada onde a ponte das almas tem a sua base, leva numa mão a faca com que tem de sacrificar o touro e na outra uma lanterna. Também vemos Mitra saindo entre as folhas de uma árvore, conseguindo que a água, também fonte de vida, brote abundantemente com a sua divina presença. OS MITREUS Nos santuários de Mitra, nas grutas artificiais subterrâneas que são os mitreus, se representa uma concepção religiosa independente. O culto de Mitra é um culto mistérico, muito mais atraente e apaixonante do que o já periclitado culto oficial aos muitos e diferentes deuses que se foram assentando no super-povoado panteão romano. Resulta muito indicativo o fato de que os mitreus se vão estendendo centripetamente, dos postos avançados da legião, nos frontes permanentemente abertos, onde existe perigo de invasão, onde está o melhor do exército romano, para o interior do Império, sempre seguindo as linhas militares, para terminar implantando-se em Roma com um caráter muito marcado de culto ao rei, ao imperador. O deus aparece como matador do touro sobre o asse central. Veste uma túnica curta, capa e gorro frígio e, na sua mão direita,está a faca com que mata o touro,enquanto do sangue que brota da ferida do pescoço surge uma mata de espigas. Sobre a ala central está a abóbada ritualmente perfurada por onde entra a luz, de modo que essa luminária imita as estrelas do céu que está encomendado ao deus,enquanto o Sol, que um dia foi parte da personalidade de Mitra, além da Babilônia, passa a um segundo plano como auxiliar ou acento do poder divino de Mitra, para ser simplesmente um fiel discípulo seu, como o eram os novos acólitos da imaginaria mitraica romana, Cautes e Cautopates, outras duas figuras solares que aparecem como um par de jovens vestidos também com clâmide cingida à cintura e gorro frígio, para que não haja a menor dúvida da sua pertinência ao cortejo mitraico, Cautes com a tocha para acima, como símbolo de juventude, de primavera, de amanhecer; Cautopates com a sua tocha para abaixo, como recordatório da senilidade, do outono e do ocaso.

O MISTÉRIO DE MITRA Na reserva e exclusividade dos reduzidos mitreus celebrar-se-ía o mistério da vida e ressurreição, o culto mistérico de Mitra, o triunfador sobre a morte e dador de vida, o condutor de almas e o salvador dos humanos. O mistério de Mitra deve reconstruir-se também pelos restos arqueológicos, artísticos, dos mitreus, pois não há mais dados que os que se desprendem do que nas suas paredes e memória ficou gravado; celebrar-se-íam os banquetes de união entre os iniciados e também se celebrariam as provas de admissão à iniciação, que tinha que cobrir sucessivamente sete provas para chegar ao máximo, dado que se tratava de celebrar a passagem da alma humana pelas sete esferas planetárias, como no devido momento instituíram os assírios sobre o culto persa. Os sete graus eram estes:

1.º o corvo

2.º o oculto sob o 3.º o soldado véu nupcial

6.º o mensageiro do Sol

4.º o leão

5.º o persa

7.º o pai

Após as provas correspondentes, umas de piedade, outras de doutrina, outras físicas, após essa passagem pelos sete graus, o fiel podia considerarse dentro do clã de Mitra, do grupo dos iniciados no culto mistérico, com o tácito diploma de fidelidade e pertinência ao Senhor do céu; porque nestes cultos mistéricos, a idéia era (e continua a ser nas maçonarias e outros ritos iniciáticos e simbólicos) a de fazer passar o iniciado pelas provas de dificuldade crescente, fazendo-o avançar gradualmente pela depuração terreal, antecipando-se às provas após a morte, ganhando tempo ao maisalém, fazendo no templo o que se supõe que a alma que tivesse passado as sete esferas planetárias da mão de Mitra teria tido que fazer para alcançar a vida eterna. MITRA APAGA-SE, JESUS ACENDE-SE A grande festa do renascimento mitraico celebrava-se grandiosamente em Roma no mês de Dezembro, exatamente no dia 25, desde que Júlio César deu o seu visto ao calendário definitivo que teria de reger no seu Império. César fixou esse dia 25 de dezembro como o dia oficial do solstício de inverno e, anos mais tarde, o imperador Aureliano, no ano 274, fixou o 25 de Dezembro como o dia dedicado a celebrar o nascimento do Sol, quando chegava a data do solstício de inverno e o dia, após ir encurtando-se, começava o seu crescimento que o levaria ao máximo, ao anual e renovado solstício de Verão. Como muito acertadamente aponta Isaac Assimov nos seus estudos comparativos sobre os textos bíblicos e o evangelho, a nova e triunfante igreja cristã, assentada também na mesma Roma que teve que combater e pela qual foi combatida, não teve mais remédio que aceitar a popularidade de Mitra e tentou substituí-lo com um Jesus menino nesse dia, embora tivesse que decorrer uma boa parte do século IV para que se chegasse a considerar o Natal como algo estabelecido. A partir dessa declaração da igreja cristã, da igreja de Jesus, o seu nascimento era o que tinha que celebrar-se anualmente no dia 25 de Dezembro desde agora, e

para não deixar detalhes soltos, "deixou grávida" Maria com uma antecedência de nove meses exatos, de modo que a sua Anunciação se celebraria no dia 25 de Março, quando Isabel estava no seu sexto mês de gravidez, com o qual se colocou o nascimento de João o Batista três meses (mais ou menos) por atrás da Anunciação, com tanta sorte que o seu calculado nascimento caiu muito perto do solstício de Verão, em 24 de Junho, fazendo com que com a discutida e discutível figura de João Batista, o primo, ou o irmão suposto e não admitido de Jesus, outro suposto Messias, ocupasse o outro grande espaço pagão por onde se podia escapar uma grande parte da nova paróquia tão duramente conquistada, contrapondo com êxito as novas divindades aos mais antigos e assentados cultos. A GRANDE RELIGIÃO DE MANI, O MANIQUEÍSMO Mani (o Manes dos gregos) nasceu em 14 de Abril do ano 216 no sul da Babilônia, numa família arsácida. O seu pai, Patik, ouviu a chamada divina e retirou-se dos prazeres da mesa, odiando a carne e o vinho, como odiou o sexo, para unir-se à seita dos batistai, como lhes chamavam os gregos, ou Al, como lhes chamavam os árabes. Com o seu pai Patik Mani viveu até à idade de vinte e um anos, para depois separar-se dele e dos baptistai; a explicação da sua separação dessa seita é dada pelo mesmo Mani, ao narrar que o seu anjo gêmeo, ou da guarda, lhe veio comunicar, em 7 de Abril de 228, que devia sair dela aos vinte e quatro anos de idade, coisa que ele fez um dia desse mês de Abril que marca constantemente os fatos da sua vida, exatamente o 19 de Abril do 240. Imediatamente, Mani converte-se no Apóstolo da Luz, no Paracleto dos gregos, anunciando a nova religião revelada, da qual ele é o seu profeta, como o foram Adão, Zaratustra, Buda e Jesus. Vai de um lado para o outro do império sassânida e a sua religião alcança tal magnitude que se estende da Pérsia ao limite ocidental da Hispania e da Gália por Ocidente, e ao limite oriental de China no ano 675, e conhecendo lá a sua consagração como religião oficial ao ser decretada pelo mesmo imperador, ao mesmo tempo que ordena o primeiro bispo maniqueu. Depois, com o decurso do tempo, voltam as tradicionais religiões chinesas a impor-se à que chegou da Pérsia e o maniqueísmo acaba no ano 843, quando se proíbe na China, mas fica assentada com força em regiões como Fukiem e Formosa até o século XIV. Noutras zonas da Ásia, como no Turquestão, o maniqueísmo continua vivo durante séculos e só termina a sua presença quando Gengis Kan o invade nos princípios do século XIII. O DUALISMO DE MANI Com a inegável base da dualidade entre Ahura e Ahriman, com as aportações dos hereges Marção e Bardesanes, com a herança gnóstica da iluminação interior, Mani constrói a sua teoria religiosa dos dois princípios e os três momentos, na qual se funda todo o seu credo. Mani diz que há duas substâncias antagônicas, a Luz e a Escuridão, os dois princípios que nunca foram criados e que sempre existiram, eternos e iguais, que vivem em duas regiões separadas do infinito. O reino de Deus, o da Luz, se encontra no Norte, no Este e no Oeste; o reino do mal está no sul, talvez porque ao sul de Pérsia esteja somente o deserto da Arábia e a solidão do mar, e que nas outras três direções, pelo contrário, se encontre o mundo habitado e

habitável. Deus, a Luz, é o Pai de Grandeza; o mal é o Príncipe das Trevas. No mundo do Pai de Grandeza reinam as quatro notas harmoniosas da paz, a pureza, a doçura e a compreensão; no mundo do Príncipe das Trevas só há os quatro vícios da desordem, a estupidez, a abominação e a hediondez. Por sua vez, o mundo do Pai de Grandeza compreende cinco moradas: entendimento, razão, pensamento, reflexão e vontade, habitadas por inumeráveis leões, criaturas do bem. Antagônico em tudo, o mundo do Príncipe das Trevas é um poço onde se encontram, um sobre outro, os seguintes estratos de fumo, de fogo que consome, de vento destrutivo, de lodo e de escuridão, nos quais se encontram os cinco Arcões, chefes de cinco classes de repulsivas criaturas infernais. Pois bem, estes dois mundos separados foram no PASSADO, quando estavam bem afastados, na sua estrita dualidade, as substâncias: Espírito e Matéria, Bem e Mal, Luz e Escuridão. No tempo MÉDIO, misturaram-se as substâncias numa confusa amalgama, mas o Pai de Grandeza não abandonou o seu obra e lutou pelo resgate da verdade, por isso nos resta a grande esperança do FUTURO, quando a força do Pai de Grandeza restabelece a dualidade primordial e se voltam a separar as substâncias nos seus respectivos domínios; estes são, pois, os três momentos que aponta a doutrina do maniqueísmo, os três momentos que, junto com os dois princípios, são o dogma único no que tem que acreditar aquele que queira, de verdade, a salvação eterna da sua alma. O MITO DA LUTA MANIQUEIA No Presente, a Escuridão trata de conquistar a Luz; por isso, o Homem Primigênio, o filho da Mãe da Vida, trata de combatê-la com a ajuda dos seus cinco filhos, de Ar, Vento, Luz, Água e Fogo, que fazem de seu escudo e armadura; decidido, vai para os abismos, onde os seus filhos são devorados pelos demônios e a luz se mistura com a matéria. Há uma segunda criação que nos vai trazer a salvação, é a do Espírito Vivo, que também se conhece como Amigo da Luz, ou Grande Arquiteto, e ele vem acompanhado pelos seus cinco filhos: Ornamento de Esplendor, Rei de Honra, Adaman de Luz, Rei de Glória e Atlas. O Espírito Vivo vai ao Reino da escuridão, mete-se no mais profundo e grita; o seu grito é ouvido pelo Homem Caído, nesse momento as duas divinas hipóstases, as duas divinas pessoas, a da chamada e a da resposta, se produziram. O Espírito Vivo entra no mais recôndito da Escuridão, com a sua mão direita toma a do Homem Primigénio, estabelecendo o cumprimento litúrgico maniqueu. Sai da sua prisão o Homem e regressa para o Paraíso de Luz, o seu mundo celestial; deste modo, o Homem Primigênio é o primeiro em cair e o primeiro em salvar-se. Mas a alma ficou na Escuridão e Deus tem que organizar o mundo visível para conseguir a sua salvação, com a ajuda do Espírito Vivo e dos seus cinco filhos, castigando os Arcões; construindo com a sua pele os céus; as montanhas com os seus ossos; a terra com a sua carne e os seus excrementos; assim, dão forma a um Universo de dez firmamentos e oito terras.

Com a Luz que se misturou com a Matéria, podem-se fazer três partes; da primeira, a que permaneceu pura, faz-se o Sol e a Lua; a pouco impura serve para construir as estrelas; o resto, impuro, terá que esperar a terceira criação para se limpar, à chegada do Terceiro Mensageiro. O Terceiro Mensageiro constrói uma máquina com engrenagens de Ventos, Água e Fogo. Com ela tirou a Luz apanhada na Escuridão e, todos os meses, nos primeiros quinze dias, sobem as partículas de Luz salva, que são almas, em Colunas de Glória até à Lua. Na outra quinzena, as almas passam da Lua para o Sol, e de lá continuam o seu caminho para o Novo Paraíso. Além disso, o Terceiro Mensageiro aparece no Sol, como mulher excitante e nua aos Arcões, e estes ejaculam, e do sêmen que cai na terra brotam os filhos que devolvem a Luz engolida. Às Bruxas e Sereias aparece no Sol como um homem nu e atraente, e estas abortam. O sêmen que caiu no mar converte-se em monstro marinho, mas o Adaman de Luz atravessou-o com a sua espada. O sêmen que caiu na terra fez crescer cinco árvores das quais nascerá o resto das plantas. Mas a Matéria engendrou dois diabos, Ashacun e Namrael, para devorarem os restos dos demônios abortados, para evitar que a Luz escapasse, e tantos devoraram que da Luz engolida nasceram Adão e Eva. Em Adão é Jesus o Resplendor quem infunde a Consciência. Mas os descendentes de Adão e Eva se alimentaram na copulação e na procriação, seguindo os ditados da Matéria. Só os castos se salvarão. Virá o Apocalipse e a Terra arderá durante 1.468 anos. O resto da Luz subirá ao céu, enquanto se apaga o mundo visível e a Matéria e os demônios descem ao seu eterno presídio, a um poço sem fundo, para que Luz e Escuridão fiquem separadas também para sempre.

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