O cristal do amor (Conto do Vietnam anotado e explicado por Pham Duy Khiêm) Era uma vez um ministro chinês que tinha uma filha de grande beleza. Como era tradição nas famílias nobres daquela época, a moça era mantida afastada do mundo, trancada numa alta torre do palácio mandarim. Muitas vezes ela ficava sentada na janela, lendo ou bordando. As vezes interrompia o seu trabalho, olhava para o rio que passava lá embaixo e sonhava em acompanhá-lo até a planície. De tanto em tanto ela via uma pequena barca de um pescador deslizar por sobre a água. O homem era pobre, mas sempre cantava. Era difícil ver o seu rosto ou reconhecer os seus gestos de tão longe, mas ela ouvia a voz que se elevava chegando a ela. Sua voz era bela e a sua canção triste. Não sabemos que sentimentos ou sonhos surgiram no coração da jovem através da voz e da canção. Mas um dia, porém, em que o pescador não passara pelo rio, ela surpreendeu-se com o fato de que o esperava, e esperou até o fim do dia. Esperou por ele dias e dias, em vão. E ficou doente. Os médicos não conseguiam descobrir as causas de sua doença, e os pais começaram a ficar preocupados, quando a moça de repente ficou bem: a canção fez-se ouvir novamente. Uma criada informou ao mandarim que mandou chamar o pescador. Recebeu-o na presença de sua filha. Ao vê-lo, algo se quebrou dentro dela e não quis mais ouvir a sua canção. O pobre pescador, porém, levou um susto mortal com a visão dela. Foi acometido pela doença tuong tu. Um amor sem esperança consumia-no, foi definhando em silêncio até que a chama da sua vida se apagou. Levou consigo o seu segredo. Alguns anos mais tarde, a sua família desenterrou a sua ossada para levála ao lugar definitivo. Mas no seu caixão encontraram, no lugar dos ossos, uma pedra clara e luminosa. Prenderam a pedra como enfeite na parte da frente da barca. Um dia o mandarim viu a barca e admirou a pedra. Comprou-a e deu-a a um amolador que transformou a pedra numa linda xícara de chá. Sempre que se vertia chá na xícara, via-se a imagem de um pescador guiando a sua barca pela xícara. A filha do mandarim ouviu desta maravilha e quis vê-la com os próprios olhos. Verteu um pouco de chá e surgiu a imagem do pescador. Ela então se lembrou dele e chorou. Uma lágrima caiu na xícara que derreteu, virando água. Diz um verso anamítico: “Enquanto houver uma culpa de amor no país das fontes, a pedra do amor não poderá dissolver-se.” Na crença dos anamitas todo amor é predestinado, toda convivência é a conseqüência inevitável de uma culpa que trouxemos de vidas passadas. Quando dois seres se unem, não fazem outra coisa que livrar-se de um peso que têm em comum.
Assim a bela filha do mandarim, levada pelo destino, teve que encontrar o pobre pescador, apesar de tudo o que os separava. Quando ela escutava a voz que vinha do rio, quando ele pensava, dia e noite, no rosto que apenas tinha visto por um momento, os seus caminhos tentavam se unir, e seus corações cegos batiam no ritmo do destino. Mas não conseguiram se unir durante a vida. A culpa permaneceu, e o pescador não conseguiu se entregar a terra após a morte. O cristal que encontraram no seu túmulo, não era somente a permanência material de uma grande paixão, depois da dissolução do corpo – era o ser humano inteiro, sua forma além do túmulo, a visão de um destino não consumado, que teve que se mineralizar para durar o tempo necessário. Mais tarde a moça debruçou-se sobre a xícara transparente através da qual flutuava o espelhamento de um belo sonho passado. Ela se deu conta da culpa que a prendia ao pescador. Lamentou ter reconhecido tarde demais o seu caminho, tarde demais para encontrá-lo neste caminho e fazê-lo feliz. Mas compreendeu que a sua comunhão se realizaria inevitavelmente, além da existência mortal. Talvez pressentiu que este momento cerimonioso estava próximo. A xícara acolheu a lágrima que caiu do olho da jovem e, derretendo, uniu-se a ela. E assim encontraram a sua união que deu a liberdade a ambos.