Novos regimes de visualidade e descentramentos culturais Jesús Martín-Barbero
Criado por Alex Sandro C. Sant’Ana - 2006
• Por mais escandaloso que nos soe, é um fato que as maiorias na América Latina estão se incorporando à modernidade não sob o domínio do livro, mas a partir dos discursos e das narrativas, dos saberes e das linguagens, da indústria e da experiência audiovisual.
• E esta transformação nos coloca questões graves que deixam obsoletos, tanto os ilustrados como os populistas, modos de analisar e avaliar.
• Pois, se as maiorias estão se apropriando da modernidade sem deixar sua cultura oral, é porque essa cultura incorporou a “oralidade secundária”, tecidas e organizadas pelas gramáticas tecnoperceptivas do rádio e do cinema em um primeiro momento, e está incorporando na atualidade a visualidade eletrônica da televisão, do vídeo e do computador.
• A cumplicidade e interpenetração entre oralidade cultural e linguagens audiovisuais não remetem nem às ignorâncias, nem aos exotismos do analfabetismo mas a descentramentos culturais que em nossas sociedades estão produzindo os novos regimes de sentir e de saber, que passam pela imagem catalisada pela televisão e o computador.
O cinema fazia visível à modernidade umas experiências culturais que não se regiam por seus cânones, nem eram apreciadas a partir de seus gostos. Porém, essa força subversiva do cinema é domesticada pela indústria de Hollywood, que expande sua gramática narrativa e mercantil ao mundo inteiro.
• A televisão acabou sendo um meio que mais radicalmente desordena a idéia e os limites do campo da cultura: sua separação entre realidade e ficção, entre vanguarda e kitsch, entre espaços de descanso e de trabalho “tem transformado nossa relação com os produtos massivos e os da arte elevada”.
• A experiência audiovisual recoloca basicamente as formas de continuidade cultural ao colocar a existência de uma nova geração “cujos sujeitos não se constituem a partir de identificações com figuras, estilos e práticas de antigas tradições, que definem ainda hoje o que é cultura, mas a partir da conexão/desconexão (do jogo de interface) com os aparatos”.
• Estamos diante de uma geração que mais que na escola é na televisão, captada por antena parabólica, onde tem aprendido a falar inglês, que experimenta uma forte empatia com o idioma das novas tecnologias e que crescentemente gosta mais de escrever ao computador do que no papel.
• Empatia que se apóia numa “plasticidade neuronal” que dota os adolescentes de uma enorme capacidade de absorção de informação, seja via televisão ou em videogames, e de uma quase natural facilidade de entrar e manipular a complexidade das redes informáticas.
• Frente à distância com que grande parte dos adultos sente e resiste a essa nova cultura – que desvaloriza e torna obsoletos muitos de seus saberes e habilidades -, os jovens respondem com uma intimidade feita não só da facilidade para relacionar-se com as tecnologias audiovisuais e informáticas mas da cumplicidade cognitiva e expressiva: é nos relatos e imagens, nas suas sonoridades, fragmentações e velocidades que encontram seu ritmo, seu idioma.
Amazônia Internacionalizada (trote na internet): a produção de sentidos na contemporânea sociedade imagética se dá por meio da produção de simulacros que forjam o pensar (pós)crítico acerca de problemáticas globais que, simultaneamente, se cristalizam em questões extremamente (im)pertinentes de nível local.(SANT’ANA, 2006, p. 20)
• Enquanto a cultura do texto criou espaços de comunicação exclusiva entre os adultos, instaurando uma marcada segregação entre adultos e crianças, a televisão curto-circuita os filtros da autoridade parental transformando os modos de circulação da informação no lugar.
• A televisão permite aos jovens estar presentes nas interações entre adultos. É como se a sociedade inteira tivesse tomado a decisão de autorizar as crianças a assistir as guerras, os enterros, os jogos de sedução, o erotismo, as tramas criminais. A pequena tela expõe os temas e comportamentos que os adultos se esforçaram por ocultar durante séculos.
• Cada vez mais a mídia perpassa os indivíduos com sua publicidade alucinante e alienante mas também significante, bem como os indivíduos produzem um discurso de resistência com a mídia, vivendo-a com todo o seu corpo de desejos e sensações. (SANT’ANA, 2006, p. 14)
• A televisão expõe as crianças, desde que abrem os olhos, ao mundo antes velado dos adultos. Porém, ao dar mais importância aos conteúdos do que à estrutura das situações, seguimos sem compreender o verdadeiro papel que a televisão está tendo na configuração do lugar.
• E os que entrevêem essa perspectiva se limitam a culpar a televisão pela falta de comunicação de que padece a instituição familiar: como se antes da televisão a família tivesse sido um remanso de compreensão e diálogo!
• Novas Tecnologias da Comunicação e Informação (NTICs): Para além da informação e comunicação mencionadas, tais recursos tecnológicos estão perpassando, frequentemente, a produção de subjetividade dos alunos e alunas e se (trans)formando, implicitamente ou explicitamente bem como impositivamente ou democraticamente, como um novo dispositivo para educar e educar-se. (SANT’ANA, 2006, p. 50)
• A televisão, de uma parte, desvela os mecanismos de simulação que sustentam a autoridade familiar, pois os pais, na realidade, desempenham papéis que a televisão desmascara: nela os adultos mentem, roubam, se embriagam, se maltratam...
• A televisão está desordenando as seqüências de aprendizagem: por etapas/idades, ligadas ao processo escalonado da leitura, e pelas heranças baseadas na “polaridade complementar” entre feitos e mitos.
• Imagem de uma Educação Inclusiva? Talvez, desde que o ato de estar com o computador não seja um simples manuseio, mas sim uma prática que suscita frequentemente desejos e prazeres no corpo aprendente. (SANT’ANA, 2006, p. 53)
• A televisão não opera por seu próprio poder se não que catalisa e radicaliza movimentos que estavam previamente na sociedade, como as novas condições de vida e de trabalho produtivo que têm minado a estrutura patriarcal da família:
• _ Inserção acelerada da mulher no mundo do trabalho produtivo; • _ Drástica redução do número de filhos; • _ Separação entre sexos e reprodução; • _ Transformação nas relações entre casais, nos papéis de pais e de macho, e a percepção que a mulher tem de si mesma.
• Que outras atividades poderiam ser desenvolvidas para além do ler e escrever, para além da “educação na cabeça” e em função de uma educação com o corpo, ou seja, com todos os sentidos, sentimentos, desejos e prazeres que o corpo pode proporcionar? (SANT’ANA, 2006, p. 36)
• [...] nossas escolas não estão sendo um espaço no qual a leitura e a escrita sejam uma atividade criativa e prazerosa, se não predominantemente uma tarefa obrigatória e tediosa, sem possibilidades de conexão com dimensões-chave da vida dos adolescentes.
• A questão que nem pais, nem psicólogos se colocam é por que, enquanto no caso dos livros as crianças continuam gostando de livros para crianças, na televisão preferem os programas para adultos (70% ou mais).
• Enquanto o ensino discorre pelo âmbito do livro, o professor se sente forte, porém, quando aparece o mundo da imagem o professor perde o chão, seu terreno se move: porque o aluno sabe muito mais e sobretudo maneja muito melhor as linguagens da imagem que o professor.
• A imagem não se deixa ler com a univocidade de códigos que a escola aplica ao texto escrito.
• Frente a esse desmoronamento de sua autoridade ante ao aluno, o professor não sabe reagir senão desautorizando os saberes que passam pela imagem.
• Martín-Barbero propõe “uma revalorização cognitiva da imagem e com isto sua relocalização no campo da educação, já não como mera ilustração da verdade contida na escrita senão como dispositivo de uma produção específica de conhecimento”.
• A reivindicação cognitiva da imagem passa paradoxalmente pela asunção da crise de representação. Foucault se dedicou a examinar a crise em seu livro As palavras e as coisas. A análise começa com a leitura de um quadro de Velazquez, As meninas, e nos propõe três pistas.
• Primeira, posto que estamos diante de um quadro em que um pintor nos contempla, o que em verdade vemos é o revés do quadro que o pintor pinta, e é nesse revés onde nós somos visíveis.
• Segunda, o que podemos dizer do quadro não fala do que vemos, pois “a relação da linguagem com a pintura é infinita. Não porque a palavra seja imperfeita, senão porque são irredutíveis uma à outra. O que se vê não se aloja, não cabe jamais no que se diz.
• Terceira, a essência da representação não é o que dá para se ver, senão a invisibilidade profunda de onde vemos, e isto apesar do que cremos dizer os espelhos, as imitações, os reflexos, os engana-olho.
• É então a partir da assunção da tecnicidade midiática como dimensão estratégica da cultura que a escola pode inserir-se nos processos de transformação que atravessam nossa sociedade, e interatuar com os campos de experiência em que hoje se dão as mudanças.
• Daí a importância estratégica que cobra hoje uma escola capaz de um uso criativo e crítico dos meios massivos e das tecnologias informáticas.
• A figura e o ofíco do educador: de mero retransmissor de saberes deverá converter-se em formulador de problemas, provocador de interrogações, coordenador de equipes de trabalho, sistematizador de experiências e memória viva de uma educação que, em lugar de ancorar-se no passado, faz relevo e possibilita o diálogo entre culturas e gerações.
REFERÊNCIAS • MARTÍN-BARBERO, Jesús. Novos Regimes de visualidade e descentramentos culturais. In: Batuques, fragmentações e fluxos. • SANT’ANA, Alex Sandro C. Educação e Pósmodernidade: Problematizações Efêmeras a partir das Idéias de Zygmunt Bauman e Boaventura de Sousa Santos. 2006. 70 f. Monografia (Especialização em Educação) – Centro de Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2006.