Texto pro trabalho de Sociologia sobre o Movimento Estudantil no início da ditadura militar Todos sabem da dominação e da falta de liberdade que a sociedade civil brasileira sofreu durante os "Anos de Chumbo". Apesar da repressão, nunca deixou de haver oposição ao regime militar implantado em 1964. Com o passar dos anos, ela cresceu e chegou ao ponto máximo em 1968. Como ocorreu em outras partes do mundo, também o Brasil naquele ano foi sacudido por manifestações políticas de grandes proporções. Na linha de frente da revolta estavam os estudantes. De norte a sul do país, eles exigiam a volta da democracia, reformas de ensino e mais verbas para a educação, entre outras reivindicações. Com a oposição estudantil, geralmente composta por membros vindos da classe média, de início os militares empregaram uma tática. Pela Lei Suplicy, editada em 9 de novembro de 1964, todas as entidades estudantis (incluindo a UNE) ficavam sujeitas ao controle do Estado, assim como os Diretórios Acadêmicos e os Diretórios Centrais de Estudantes. No meio secundarista, os Grêmio Livres foram substituídos pelos Centros Cívicos, sob controle da diretoria dos colégios. Ao mesmo tempo, na tentativa de mudar o sistema universitário brasileiro e ampliar o número de vagas (antiga reivindicação do movimento estudantil), o governo propôs, em junho de 1965, uma reforma universitária, fruto do acordo com uma agência educativa norte-americana, a United States Agency for International Development (USAID). O Acordo MEC-USAID, como ficou conhecido, encerrava uma concepção de educação e universidade que enfatizava a tecnicização do aprendizado, fragmentária e específica, destinada prioritariamente às necessidades de mão-de-obra do mercado, com pouco espaço para formulações intelectuais mais críticas. Além disso, o estímulo à privatização do ensino superior incentivou as fundações privadas a abrir faculdades. Essa "modernização conservadora" do ensino acabou por provocar a reação do movimento estudantil organizado, que até 1968, aproveitando-se da relativa tolerância dos militares, conseguiu articular grandes manifestações públicas de protesto. A partir de 1966, quando políticos e setores liberais que haviam apoiado o golpe começaram a perceber que não tinham espaço no novo regime, e como se tornava cada vez mais clara a política de arrocho (contenção) salarial sobre os trabalhadores, os estudantes se tornaram o foco principal da oposição da sociedade civil ao regime militar.
As expectativas da oposição civil acabaram sendo catalisadas pelo movimento estudantil. A Reforma Universitária proposta pelos militares não agradava nem às lideranças nem a amplos segmentos da massa estudantil.
Em setembro de 1966, a questão estudantil explodiu na forma de protestos de rua. Às reivindicações específicas da categoria juntaram-se palavras de ordem mais amplas, que exigiam "liberdades democráticas". No dia 22 de setembro de 1966, o movimento estudantil convocou o Dia Nacional de Luta contra a Ditadura, ocasionando vários conflitos com a polícia nas principais cidades do país. Daí até o final de 1968, o movimento estudantil se tornaria o grande ator político da oposição, atuando como protagonista em vários protestos de rua, além de fornecer o maior número de voluntários para os movimentos guerrilheiros que então se organizavam para combater o regime.
Ao longo de 1967 e 1968, os estudantes radicalizaram suas palavras de ordem e suas formas de protesto. Temas estudantis específicos cada vez mais cediam espaço para o protesto contra a ditadura. Paralelamente à radicalização do movimento estudantil, os grupos de esquerda, mesmo atuando na ilegalidade, se reorganizavam e preparavam a luta armada. Os dois movimentos freqüentemente iriam se entrecruzar: os estudantes forneciam quadros para a guerrilha, e a guerrilha estimulava as ações de massa. No caso do movimento estudantil, o mundo todo assistia naquele ano a um crescimento da participação política dos estudantes, na forma de protestos de massa extremamente radicalizados, contra a ordem dominante. Ficaram famosos os protestos estudantis na França, no México, nos Estados Unidos e na Alemanha, entre outros países.
O período que vai de março a outubro de 1968 foi marcado por inúmeros eventos que ficariam na memória da sociedade brasileira. O primeiro ato desse verdadeiro drama teve como palco um restaurante freqüentado por estudantes, situado no centro do Rio de Janeiro, chamado Calabouço. Em fins de 1967, o restaurante foi citado no relatório militar sobre a questão estudantil, redigido pelo coronel Meira Matos, como ponto de encontro e organização de subversivos. Em março de 1968, prestes a ser fechado, o Calabouço foi ocupado pelos estudantes, que protestavam contra a decisão. No conflito que se seguiu entre estudantes e policiais, o secundarista Édison Luís Lima Souto foi baleado e morreu, tornando-se o primeiro grande mártir da luta estudantil. A morte de Édison Luís serviu para ampliar ainda mais o movimento, causando grande comoção na sociedade em geral.
A seqüência de conflitos entre soldados e estudantes atingiu seu ponto máximo em 21 de junho de 1968, na chamada "sexta-feira sangrenta": a cidade do Rio de Janeiro foi palco de um violento conflito de rua, no qual morreram quatro manifestantes, e mais de vinte foram feridos a bala. Se a morte de Édison Luís havia chocado a opinião pública, a sexta-feira sangrenta causou um impacto ainda maior. A resposta à repressão foi eloqüente: no dia 26 de junho de 1968, com a presença de políticos,
artistas, intelectuais, trabalhadores e, obviamente, uma grande massa estudantil, a sociedade civil marcava sua presença contra o regime militar, no evento conhecido como "Passeata do Cem Mil". Esse evento atingiu tais proporções que foi formada uma comissão (escolhida durante a manifestação) para ter uma audiência com o próprio marechal Costa e Silva, presidente na época, visando negociar a libertação dos estudantes presos nos dias anteriores e a reabertura do restaurante Calabouço. Mas o que estava por trás dessas reivindicações específicas era a luta ampla contra o regime militar. E o governo sabia disso.
Os dias de outubro de 1968 foram fatais para o movimento estudantil. Nos dias 2 e 3, um conflito público de grandes proporções colocou em confronto direto os estudantes da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, identificados com a esquerda, e os alunos da Faculdade Mackenzie, sede do Comando de Caça aos Comunistas (CCC). Os dois prédios, vizinhos, localizados na Rua Maria Antônia, no centro da capital paulista, se transformaram em verdadeiros quartéis. O conflito terminou com a ocupação policial e a destruição do prédio da USP, deixando como saldo a morte de um estudante secundarista e dezenas de feridos. No dia 12, a polícia invadiu um sítio em Ibiúna (SP), onde se realizava, clandestinamente, o XXX Congresso da UNE, prendendo cerca de setecentos estudantes. Depois desse golpe, o movimento estudantil de massa perdeu a força organizativa, e muitos estudantes acabaram optando pela luta armada clandestina.