Monografia - Direito Ambiental - Responsabilidade Civil Por Danos Ao Meio Ambiente E Sua Reparaca

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO

“RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS AO MEIO AMBIENTE E SUA REPARAÇÃO” Luis Felipe del Solar Fuentes Bacharelando PROF. DR. CHRISTIAN GUY CAUBET

FLORIANÓPOLIS-SC 1999

A presente monografia final, intitulada RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS AO MEIO AMBIENTE E SUA REPARAÇÃO, elaborada por LUIS FELIPE DEL SOLAR FUENTES e aprovada pela banca examinadora composta pelos professores abaixo assinados, obteve aprovação com nota 7,0 (sete), sendo julgada adequada para o cumprimento do requisito legal previsto no artigo 9º da Portaria n.º 1.886/94/MEC, regulamentado na UFSC pela resolução n.º 003/95/CEPE. Prof. Dr. Christian G. Caubet – Orientador Prof. Dr. Fernando Noronha – Membro Prof. Márcio Roberto Harger - Membro AGRADECIMENTOS

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Ao encerrar mais esta etapa da vida acadêmica, após as mais diversas dificuldades e obstáculos ultrapassados, é, com satisfação e por dever de justiça que agradeço: Ao Prof. Dr. Christian Guy Caubet, que apesar de todos os compromissos profissionais, a maioria deles permeados pela luta que marca a rotina dos que não aceitam o desrespeito ao meio ambiente e à legislação que o protege, orientou o presente trabalho com intervenções coerentes quanto ao ponto de vista a ser adotado e às questões de mérito mais relevantes; Aos demais membros da banca examinadora, pelas observações pertinentes e sugestões apresentadas; Aos companheiros de turma, que sempre demonstraram interesse por minhas atividades, companheirismo nos momentos de dificuldade e compreensão nas horas menos felizes; Aos meus pais, Luis Enrique e Maria Teresa, e meus irmãos, Andrés e Maria Carolina, que sempre prestaram apoio em tudo que puderam, contribuindo decisivamente para o alcance de mais este almejado objetivo; E à minha tão amada companheira de todas as horas e momentos, Juliana Mendes, que esteve sempre próxima em meu pensamento, fortalecendo-me, amparando-me e enchendo-me de amor e carinho durante o transcorrer deste árduo caminho, marcado pela conclusão deste trabalho monográfico.

“RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS AO MEIO AMBIENTE E SUA REPARAÇÃO”

SINOPSE/RESUMO

A presente monografia teve como motivação principal para sua escolha e elaboração a necessidade de realizar maiores estudos no âmbito do Direito Ambiental, em virtude de sua ainda pequena inserção no currículo do curso de graduação em Direito pela UFSC. Basicamente foi dividido em quatro capítulos, nos quais inicialmente foram expostos os conceitos de meio ambiente, poluição, responsabilidade civil, sendo acompanhados dos princípios elementares da questão ambiental.

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O segundo capítulo abordou aspectos específicos da relação da responsabilidade civil com os danos ao meio ambiente, como a questão da existência do prejuízo e a relação de causalidade Também foi abordado, no terceiro capítulo, o dano ambiental, especialmente no que concerne à sua comprovação e necessária valoração. A sequência do estudo trouxe a reparação do dano como ponto essencial para o alcance do objetivo da preservação do meio ambiente, bem como os maiores óbices e as mais pertinentes sugestões alternativas propostas para a reparação. Entre as considerações finais podem destacar-se a constatação de que o Direito Ambiental tem recebido maior atenção nos últimos anos, sendo que ainda não se aproxima da importância que normalmente se atribui a outros ramos do direito; e a verificação de que na própria doutrina encontram-se alternativas relevantes para os problemas de preservação e reparação ambiental.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1. O DIREITO AMBIENTAL E A RESPONSABILIDADE CIVIL 1.1 Breve histórico da legislação ambiental brasileira 1.2 A conceituação de Meio Ambiente e Poluição 1.3 Responsabilidade civil no Brasil e aspectos gerais 1.3.1

A responsabilidade civil subjetiva

1.3.2

A responsabilidade civil objetiva

1.4 Os princípios básicos da questão ambiental, seu desenvolvimento e crítica. 1.4.1

O Direito e o Princípio da Educação Ambiental

1.4.2

O Princípio da Precaução e o papel do Poder Público

1.4.3

A Participação Popular como princípio

1.4.4

O Princípio do Poluidor Pagador e suas conseqüências

2. A RESPONSABILIDADE CIVIL E OS DANOS AMBIENTAIS

4

2.1 A questão da responsabilidade objetiva e sua necessária aplicação 2.1.1

A instituição da responsabilidade objetiva na legislação ambiental

2.1.2

A posição dos principais doutrinadores.

2.1.3

A relação da proteção ambiental com a defesa do consumidor

2.2 A existência do prejuízo 2.3 A relação de causalidade 2.4 O Direito comparado 2.5 O posicionamento jurisprudencial

3. A QUESTÃO DO DANO, SUA COMPROVAÇÃO E VALORAÇÃO 3.1 O dano ambiental e sua conceituação 3.2 Obstáculos à constatação e comprovação do dano ambiental 3.3 O dano futuro e sua comprovação 3.4 A avaliação dos danos ambientais e a natureza econômica do Direito Ambiental 3.4.1

As formas de avaliação e o problema da avaliação exata.

3.4.2

A questão da avaliação monetária do ambiente danificado

3.4.3

A natureza econômica do Direito Ambiental

4. A REPARAÇÃO DO DANO COMO PONTO ESSENCIAL 4.1 A tutela do patrimônio ambiental, de seus elementos e sua importância. 4.1.1 A proteção das águas 4.1.2 A qualidade do ar 4.1.3 A tutela do solo. 4.1.4 A proteção da fauna e da flora. 4.2 As modalidades de reparação 4.3 O retorno ao estado anterior como objetivo prioritário 4.4 Os óbices ao alcance dos resultados 4.5 As alternativas propostas para a reparação dos danos ambientais

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CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .

ANEXOS ANEXO I – Jurisprudência selecionada

ANEXO II – Acórdão n.º 40.190, em apelação cível de mesmo número, de 14 de dezembro de 1995, da Comarca de Biguaçú ANEXO III – Acórdão n.º 37.164, em apelação cível de mesmo número, de 03 de setembro de 1991, da Comarca da Capital

INTRODUÇÃO

Nos dias de hoje, a preocupação com a proteção ao meio ambiente ocupa lugar de destaque entre aquelas de maior importância para toda a sociedade. Cada vez mais, se voltam as atenções para a inviabilidade da idéia de explorar os bens naturais como se estes fossem inesgotáveis. Assim, se percebeu que o desenvolvimento indiscriminado pode afetar o equilíbrio ecológico, a qualidade de vida e a própria vida, passando a ecologia a ser discutida crescentemente. Inicialmente o termo “ecologia” era utilizado para definir o estudo da relação entre as espécies animais e o seu ambiente orgânico e inorgânico. Atualmente serve para designar um amplo e variado movimento social, no qual também deve estar inserido o direito. Dessa maneira, se pode dizer que a Ecologia não é uma compacta e homogênea forma de pensamento. Ao contrário, abarca diferentes áreas de pensamento, onde podem destacar-se quatro vertentes principais, denominadas de Ecologia Natural e Ecologia Social, ambas de caráter mais teórico científico; e Conservacionismo e Ecologismo, estas com objetivos mais práticos de atuação social.

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A Ecologia Natural, precursora na área do pensamento ecológico, se atêm ao estudo dos sistemas naturais, como os mares e as florestas, analisando a dinâmica da vida na natureza. No âmbito da Ecologia Social surge a reflexão sobre o relacionamento entre a espécie humana e o meio ambiente, com ênfase à capacidade destrutiva do homem em relação ao meio. No campo que evidencia a parte prática, o Conservacionismo privilegia as idéias e estratégias de ação no sentido de conservar os recursos naturais hoje existentes. Mais recentemente, teve surgimento a tendência do Ecologismo, que se mostra como um projeto político de transformação social, baseado em princípios ecológicos inseridos em um contexto ideal de sociedade comunitária e não opressiva. Dentro

deste

quadro

de

ampla

variedade

de

pensamentos,

de

interdisciplinaridade, e de complementação mútua, é que o direito deve estar preparado para atuar em face ao chamado social e às necessidades atuais. É nessa linha de raciocínio que o presente trabalho acadêmico teve como área de atuação o Direito Ambiental e as normas jurídicas de proteção ao meio ambiente. Será objetivo procurar analisar os aspectos mais importantes no que se refere à reparação dos danos causados ao meio ambiente, em virtude da relevância que possui para toda a sociedade e, utilizando os dizeres da própria Constituição Federal, para as gerações presentes e futuras. O trabalho se encontra dividido em quatro partes, composta cada uma delas por um capítulo, conforme o sumário apresentado. A primeira parte procura

transmitir os

conceitos básicos para o desenvolvimento de um estudo mais detalhado no âmbito da questão ambiental. São necessários, além dos conceitos assinalados, o conhecimento de breve histórico da legislação ambiental brasileira e os princípios de direito ambiental considerados mais relevantes. Em uma segunda parte, no capítulo seguinte, poderá ser vista a relação existente entre a responsabilidade civil e os danos ambientais, destacando-se as características como seu caráter objetivo. Não deve ser esquecido ainda, o paralelo existente entre a proteção ambiental e a defesa do consumidor. O terceiro capítulo, se refere mais especificamente ao dano ambiental e os questionamentos envolvendo sua comprovação e valoração, além da problemática do dano futuro e da avaliação monetária do meio ambiente. No quarto e último capítulo da presente monografia, foi objeto de análise a reparação dos danos ao meio ambiente em seu caráter essencial ao alcance do objetivo maior

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de preservação do patrimônio ambiental, sendo abordados os principais óbices e as alternativas propostas para reduzi-los. Estima-se que no planeta existam atualmente entre 5 e 100 milhões de espécies, não se sabe com precisão, mas segundo o Museu de História Natural de Nova York, uma espécie desaparece a cada 20 minutos. Por isso, e pela qualidade de vida que se deseja proporcionar a todos, não se pode esquecer que todo e qualquer sacrifício no sentido de preservar o meio ambiente ainda será pouco, diante das dificuldades que hão por vir.

1.

O DIREITO AMBIENTAL E A RESPONSABILIDADE CIVIL O Direito ambiental, também chamado Direito do meio ambiente, surgiu na

sociedade com uma finalidade definida, um objetivo claro: tendo em vista que o ambiente encontra-se grave e permanentemente ameaçado, colocando em risco as condições de ideais de vida, tornando-se necessária uma reação, devendo o Direito imaginar e pôr em prática sistemas de prevenção e de reparação adaptados a uma melhor e mais eficaz defesa contra as agressões oriundas do desenvolvimento da sociedade moderna. As principais tarefas da ciência jurídica, em apoio ao esforço feito consistem, basicamente, em primeiro lugar, em estabelecer normas que prevejam e desencorajem condutas consideradas nocivas aos objetivos colimados de proteção e recuperação do meio ambiente e de sua compatibilização com as atividades cotidianas do homem.1 A preocupação com a proteção ao meio ambiente atingiu, nos últimos anos, um nível no qual somente com a inclusão, nos ordenamentos jurídicos, de dispositivos destinados a reger a conduta das pessoas quanto a suas ações capazes de afetar de alguma maneira a

1

SAMPAIO, Francisco José Marques. Responsabilidade Civil e Reparação de Danos ao Meio Ambiente. Rio de Janeiro. Ed. Lumen Juris, 1998, p. 7.

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natureza e, em uma visão mais completa, o ambiente, incluindo-se tudo aquilo em que o homem participou modificando-o através de suas obras e construções.2 Diante do observado, constitui a intenção principal do presente capítulo apresentar os conceitos elementares a respeito do Direito Ambiental, expondo primeiramente, de maneira breve, o caminho percorrido pela legislação ambiental brasileira, dentro do desenvolvimento do quadro geral mundial. A seguir, dar-se-á um sucinto estudo do instituto da responsabilidade civil, como este se apresenta no direito pátrio em seus aspectos subjetivo e objetivo, complementando-se com a análise dos princípios mais importantes estabelecidos em conferências e reuniões internacionais realizadas para debate e incentivo à questão ambiental.

1.1 BREVE HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA A legislação brasileira, assim como ocorreu em diversos outros países, inclusive nos ditos desenvolvidos, tardou a contemplar expressamente a questão ambiental em sua Constituição Federal, vindo isso a ocorrer apenas com a promulgação da Carta Magna no ano de 1988. Além disso, os dispositivos legais dedicados à temática do meio ambiente e que a norteiam e direcionam, encontravam-se dispersos e, de certa forma, dificilmente aplicáveis. Em virtude de tal constatação, apresenta-se de relevante interesse, antes de desenvolver um estudo direcionado ao chamado Direito Ambiental, que se faça uma abordagem, ainda que sucinta, da evolução histórica da legislação ambiental no ordenamento jurídico pátrio até os dias atuais, passando pelo supracitado texto constitucional. Apesar da atual Constituição estar apenas iniciando sua segunda década de vigência, e da legislação esparsa anterior pertinente à tutela do meio ambiente não ser tão antiga em relação à mesma, observa Paulo Affonso Leme Machado:

2

Nesse sentido observa o Prof. Michel Despax, preferindo o conceito de “ambiente” ao de , por tê-lo como mais amplo: “Seria algo arbitrário restringir o campo de estudo, limitando-o aos elementos naturais tais como a água e o ár que o homem encontrou sobre a terra, com exclusão, dessa forma, de tudo aquilo que ele mesmo construiu ou remodelou”. Droit de l’environnement. Librairies Techniques, 1980.

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“O Direito Ambiental constituiu-se mais rapidamente no Brasil que na maioria dos países. O fato de não termos um código ambiental não impediu a sistematização das novas regras jurídicas.”3 Assim sendo, podemos elaborar um quadro cronológico, expondo como sobrevieram

os principais dispositivos legais com o objetivo de proteger o patrimônio

ambiental e delimitar sua exploração, da seguinte maneira:

-

1965 – Lei n.º 4.771, de 15 de setembro, alterada pela lei n.º 7.803/89: instituiu o Código Florestal, que, entre outras disposições, reconheceu a atribuição dos Municípios elaborarem os respectivos planos diretores e leis de uso do solo (art. 2º , parágrafo único), previu a recuperação da cobertura vegetal (art. 18), definiu o que são as áreas de preservação permanente (art. 20), e teve aplicação ampla na área penal (art. 26 e seguintes);

-

1967 – Decreto-lei n.º 221, de 28 de fevereiro: instituiu o chamado Código de Pesca, que, entre outros dispositivos, estabelece proibições à pesca (art. 35), regulamenta o lançamento de efluentes das redes de esgoto e os resíduos líquidos ou sólidos industriais às águas (art. 37), estabelece penas às infrações (art. 57 e seguintes);

-

1980 – Lei n.º 6.803, de 02 de julho: refere-se ao Estudo de Impacto Ambiental.

-

1981 – Lei n.º 6.938, de 31 de agosto: dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação. Estabeleceu seus objetivos (art. 4 º) e a constituição do Sistema Nacional do Meio Ambiente (art. 6º , alterado pela lei n.º 8.028/98);

-

1988 – Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro: prevê um capítulo integralmente dedicado ao meio ambiente (capítulo VI, do título VIII, da Ordem Social) que é, em suma, o artigo 225, onde estabelece:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder público a à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. 3

Alter Ágora. nº 2. Novembro de 1994. Florianópolis, p. 36.

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-

1992 – Declaração do Rio de Janeiro: surgiu da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que reuniu as principais autoridades internacionais para tratar do meio ambiente e estabeleceu princípios para uma melhor condução das atividades objetivando a preservação ambiental;

-

1997 – Lei n.º 9.433, de 08 de janeiro: institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, colocando a Bacia Hidrográfica como espaço geográfico de referência e a cobrança pelo uso de recursos hídricos como um dos instrumentos da política;

-

1998 – Lei n.º

9.605, de 12 de fevereiro, chamada Lei de Crimes

Ambientais: dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, entre outras inovações, transformando algumas contravenções em crimes, responsabilizando as pessoas jurídicas por infrações cometidas por seu representante legal4 e permitindo a extinção da punição com a apresentação de laudo que comprove a recuperação ambiental.

1.2

A

CONCEITUAÇÃO

DE

MEIO

AMBIENTE

E

POLUIÇÃO A conceituação do que vem a ser o meio ambiente e, principalmente, a sua poluição é um tópico de conhecimento necessário para quem inicia uma análise mais extensa no que se refere a esse meio ambiente, considerando-se base primordial para tal. Sendo assim, fazem parte dos textos introdutórios de grande parte dos doutrinadores que tratam do tema, apesar de sua previsão e conceituação legal específica na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, desde 1981, de certa maneira diminuir sua aplicabilidade. Paulo de Bessa Antunes, acredita que o conceito de meio ambiente é, evidentemente, cultural: 4

Sem excluir a responsabilidade das pessoas físicas, autoras, co-autoras e partícipes do fato.

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“É a ação criativa do ser humano que vai determinar aquilo que deve e o que não deve ser entendido como meio ambiente.”5 Para José Afonso da Silva, “O meio ambiente é a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida humana”6. Note-se que o autor refere-se apenas à vida humana, assumindo uma postura antropocêntrica próxima do que Fritjof Capra denomina “ecologia rasa”7, sendo nesse ponto uma voz destoante do pensamento atual, inclusive contrária à resolução n.º 37/7, das Organização das Nações Unidas, datada de 28 de outubro de 19828; e da lei federal anteriormente citada, que em seu artigo 3º, dispõe o seguinte: Para os fins previstos nesta Lei entende-se por: I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; II – degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente. O dispositivo legal acima transcrito bem explicita a preocupação do legislador em não desamparar da lei nenhuma situação que possa caracterizar-se como relativa ao meio ambiente. Esse fato, cedo ou tarde, traria reflexos negativos aos bens que se desejam proteger, especialmente considerando a capacidade cada vez maior que a sociedade de modo geral tem de criar e desenvolver ações que colocam em risco constantemente o necessário equilíbrio ecológico. Da definição que o texto da lei dá ao meio ambiente como um conjunto de relações, leis, influências e interações que regem a vida podemos verificar não tratar-se de um bem corpóreo e material, pura e simplesmente, ou seja, não é correto, sob esse ponto de vista, considerar a flora e a fauna como sendo o meio ambiente propriamente dito. 5

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998, p. 17. SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1981, p.435. 7 CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida – uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996, p. 25. A escola filosófica fundada pelo norueguês Arne Naess, no início da década de 70, introduziu a distinção entre “ecologia rasa” e “ecologia profunda”. A percepção ecológica profunda reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos, estando todos encaixados nos processos cíclicos da natureza. Esta distinção é hoje amplamente aceita como termo útil ao se referir a uma das principais divisões do pensamento ambientalista contemporâneo. 8 “Toda forma de vida é única e merece ser respeitada, qualquer que seja sua utilidade para o homem, e, com finalidade de reconhecer aos outros organismos vivos este direito, o homem deve se guiar por um código moral de ação”. 6

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Como é possível constatar pela relativamente extensa bibliografia pertinente à matéria, o tema meio ambiente é, para alguns autores, bastante polêmico 9. Essa realidade pode ser representada por diversas idéias, como as de Michel Prieur: “Meio ambiente é uma expressão que no primeiro momento exprime fortemente paixões, esperanças, incompreensões. De acordo com o contexto em que é utilizada, ela será compreendida como sendo um modismo, um luxo para países ricos, um mito, um tema de contestação oriundo das idéias hippies do ano de 1968, um retorno ao passado, uma nova versão do terror do ano 1000 ligado à imprevisibilidade das catástrofes ecológicas, as flores e os pequenos pássaros, um grito de alerta dos economistas e filósofos sobre os limites do crescimento, o anúncio do esgotamento dos recursos naturais, um novo mercado de produtos antipoluição, uma utopia contraditória com o mito do crescimento.”10 Em contrapartida, não é difícil encontrar definições mais sintéticas, inclusive entre as anteriores à década de 80, como é o caso da que Diogo de Figueiredo Moreira Neto faz sobre o estudo do meio ambiente em seus diversos aspectos e a noção de ecologia: “É o estudo das relações dos seres vivos com o ambiente”.11 Assim, diante de uma ampla gama de possíveis definições, é valido juntar ao estudo uma elaborada por autores estrangeiros como a do Conseil International de la Langue Française: “Meio Ambiente é o conjunto, em um dado momento, dos agentes físicos, químicos e biológicos e dos fatores sociais suscetíveis de ter um efeito direto ou indireto, imediato ou mediato, sobre os seres viventes e as atividades humanas”.12 A poluição é outro fenômeno, se pode ser assim chamado, que tem que ser estudado na intenção de buscar uma definição que possibilite avançar nos trabalhos com o máximo de compreensão das características da mesma bem como de suas conseqüências.

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SAMPAIO, Francisco José Marques. Responsabilidade Civil e Reparação de danos ao Meio Ambiente. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998, p. 126. 10 PRIEUR, Michel. Droit de l ‘environnement. Paris: Dalloz, 1984, p. 2. 11 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao direito ecológico e ao direito urbanístico: instrumentos jurídicos para um futuro melhor. Rio de Janeiro: Forense, 1077, p. 14. 12 Conseil International de la Langue Française – Ministère de la Qualité de la Vie, Vocabulaire de l’environnement, Hachete. – Paris, 1976, p. 48. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Obra citada, p. 127.

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Os autores também têm dedicado parte de suas obras à questão que envolve a elaboração de um conceito para definir o que é poluição, sendo nesse propósito bastante abrangentes. Como leciona o professor Paulo Affonso Leme Machado13, inicialmente a atenção do legislador nacional estava voltada preponderantemente para a poluição das águas, sendo definida como: “Qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas das águas que possa importar em prejuízo à saúde, à segurança e ao bem estar das populações e ainda comprometer sua utilização para fins agrícolas, industriais, comerciais, recreativos e principalmente a existência normal da fauna aquática”.14 Hely Lopes Meirelles assim apresenta seu conceito de poluição: “Poluição é toda alteração das propriedades naturais do meio ambiente, causadas por agente de qualquer espécie, prejudicial à saúde, à segurança ou ao bem estar da população sujeita a seus efeitos”.15 Nessa mesma linha de pensamento, o autor José Afonso da Silva define poluição como: “Qualquer modificação das características do meio ambiente, de modo a torná-lo impróprio às formas de vida que ele normalmente abriga”.16 Por sua vez, mostrando-se mais completa e atualizada, a Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981, dispõe que para fins legais entende-se poluição como a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar da população, criem condições adversas às atividades sociais e econômicas, afetem desfavoravelmente a biota, afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente ou, ainda, que lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. Nota-se que com essa abrangência, a legislação protegeu o homem, a comunidade, o lazer, o desenvolvimento econômico, o patrimônio público e o privado, a paisagem, os monumentos naturais e seus arredores, além dos locais de valor histórico ou artístico. 13

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, 7ª Ed., São Paulo: Malheiros, 1998. Art. 3º , do Decreto n.º 50.877, de 29 de junho de 1961. 15 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir, Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 4ª ed., 1983, p. 178. 16 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro .,São Paulo: Ed. Revista dos tribunais, 1981, p. 443. 14

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Como se pôde constatar pelas definições de poluição apresentadas, esse fenômeno, se assim pode ser chamado, se traduz invariavelmente em destruição. Essa destruição, qualquer que seja a forma como se manifeste, gera prejuízos de toda ordem, seja em termos de economia, saúde ou segurança, entre outros, a um incalculável número de vítimas. No sub-capítulo que se segue, será abordada a obrigação de reparar o prejuízo causado a essas vítimas. Essa obrigação de reparar é decorrente da responsabilidade, como conseqüência de toda manifestação da atividade humana, sendo uma das primeiras idéias concebidas pelo espírito do homem em sociedade.17

1.3RESPONSABILIDADE CIVIL NO BRASIL E ASPECTOS GERAIS No Direito brasileiro a responsabilidade é um instituto dos mais antigos, sendo parte da influência advinda do Código de Napoleão, que fundou a idéia de responsabilidade por culpa e outros conceitos atualmente vigentes. Em virtude de sua relevância para as primeiras abordagens do presente trabalho, serão observados, a seguir, os pontos principais no que diz respeito à responsabilidade civil subjetiva e objetiva.

1.3.1 - A RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA Entre as diversas funções desempenhadas pela ciência do Direito, na busca dos objetivos de preservação da vida e de suas condições de desenvolvimento pode-se observar primeiramente o estabelecimento de normas que prevejam e desencorajem condutas nocivas aos fins propostos de proteção e recuperação do meio ambiente e de sua compatibilização com as atividades cotidianas do homem. Ainda, deve criar, através de dispositivos legais, formas de estimular o desenvolvimento de ações e condutas que contribuam para o alcance dos fins considerados de 17

CUSTÓDIO, Helita Barreira. Responsabilidade civil por danos ao meio ambiente. Tese apresentada ao Concurso de Livre-Docente para o Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1983, pp. 16-17.

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interesse público, no que se refere à melhoria de condições ambientais e da qualidade de vida.18 Cabe todavia, em virtude do caráter coercitivo de que se revestem as normas jurídicas, estabelecer mecanismos para a sanção das condutas comissivas e omissivas que infrinjam ou desrespeitem os comandos legais erigidos com vistas aos fins de interesses públicos anteriormente mencionados. Assim, esta última função equivale a promover a responsabilização dos agentes infratores da lei.19 Para Helita Barreira Custódio: “Em princípio, a responsabilidade exprime a obrigação de determinada pessoa responder por um fato ou ato ofensivo e reparar o prejuízo dele decorrente do lesado.”20 A responsabilidade civil é, dentro das diversas espécies do gênero, a que visa à reconstituição da situação existente antes da ocorrência do fato causador do dano. Nesse ponto reside sua importância para a preservação do meio ambiente, sobressaindo sua relevância que é possível verificar que melhores serão as condições desse meio ambiente quanto mais eficazes forem os mecanismos utilizados para evitar que os danos ocorram e para promover a recuperação sempre que sua integridade for lesada. Nas palavras de Aguiar Dias: “A responsabilidade civil visa, primordialmente, à reposição da situação resultante do evento danoso ao estado em que se encontrava antes de o dano vir a ocorrer.”21 O desenvolvimento da responsabilidade civil deu-se a partir do principio da culpa, consolidado no direito romano, que originou tantos institutos hoje presentes no chamado “Mundo Ocidental”. Do estudo da teoria da culpa, juntamente com o pleno respeito ao comando legal, a autonomia da vontade, não é admitida obrigação de reparar dano sem que haja culpa do agente que ao causou. 18

SAMPAIO, Francisco José Marques. O dano ambiental e a responsabilidade. In: Revista Forense. V. 317. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 115. 19 SAMPAIO, Francisco José Marques. Obra citada, p. 115. 20 CUSTÓDIO, Helita Barreira. Responsabilidade civil por danos ao meio ambiente. Tese apresentada ao concurso de Livre-Docente para o Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1983, pp. 16-17. 21 SAMPAIO, Francisco José Marques. Obra citada, p. 115.

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Nesse sentido, a doutrina manifesta-se de forma a considerar a culpa em sentido amplo, abrangendo o dolo, a imperícia, a imprudência e a negligência. Caio Mário da Silva Pereira observa que : “O conceito de culpa é um dos pontos mais delicados que se apresentam no defrontar o problema da responsabilidade civil”22 Ainda observa o mesmo autor: “A culpa é a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar. Se o conhecia efetivamente e o violou deliberadamente, há delito civil ou, em matéria de contrato, dolo contratual. Se a violação foi involuntária, podendo conhecê-la e evitá-la, há culpa simples; fora destas matérias contratuais denomina-se quase-delito”.23 Dessa forma, na responsabilidade subjetiva, a comprovação da culpa do agente causador do dano é indispensável, configurando-se sua responsabilidade somente se agiu com culpa ou dolo. A teoria subjetiva da responsabilidade civil é fundamentalmente seguida pelo Código Civil brasileiro, baseando-se na existência da culpa por parte do agente, cabendo ao legislador especificar os casos em que se admite a obrigação reparatória independente de culpa.24

1.3.2 - A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA A responsabilidade objetiva é aquela na qual o agente causador tem o dever de reparação mesmo que não tenha agido dolosamente ou não haja configuração de culpa por parte do mesmo. O causador de um dano deverá providenciar o ressarcimento desse dano por ele de alguma forma provocado, apesar de eventual isenção de culpa, pois a responsabilidade lhe é imposta por disposição de lei independentemente da ausência de culpa. 22

Baseando-se nos ensinamentos do autor francês Henri Mazeud, em obra editada naquele país em 1957. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 74. 24 O art. 1.527, do Código Civil Brasileiro, faz previsão à responsabilidade de dono ou detentor de animal causador de dano, se não provar determinadas circunstâncias exclusivas da culpa, como: a imprudência do ofendido e a provocação ao animal. O art. 1.529, do mesmo código, prevê a responsabilidade de que habitar residência da qual forem lançados ou caírem objetos. 23

17

Nesse sentido manifesta-se a autora Maria Helena Diniz: “O dever ressarcitório, estabelecido por lei, ocorre sempre que se positivar a autoria de um fato lesivo, sem necessidade de se indagar se contrariou ou não norma predeterminada, ou melhor, se houve ou não um erro de conduta. Com a apuração do dano, o ofensor ou seu proponente deverá indenizá-lo”.25 O elemento considerado chave para a teoria da responsabilidade objetiva é o risco, o risco do dano oriundo de uma atividade exercida pelo agente, economicamente benéfica a ele ou não. Diante do anteriormente observado, nota-se que o aspecto que fundamenta a responsabilidade civil objetiva é a desvinculação da obrigação de reparar da presença de culpa. Não há, em relação aos danos ambientais, a obrigação de provar a culpa do agente, mas sim fazer prova do nexo causal. “É irrelevante a conduta culposa ou dolosa do causador do dano, uma vez que bastará a existência do nexo causal entre o prejuízo sofrido pela vítima e a ação do agente para que surja o dever de indenizar.”26 Assim, ressalta também essa condição peculiar Francisco José Marques Sampaio: “Para que ele (o agente) seja obrigado a recompor o patrimônio alheio lesado basta que, além dos demais pressupostos também exigidos na teoria da culpa – o ato ou fato danoso, o dano provocado e o liame de causalidade entre eles - , seja comprovado que o dano foi proveniente do risco criado por uma atividade de quem o causou.”27 Fundamento importante dos defensores da chamada teoria objetiva é o fato da mesma basear-se na socialização dos riscos e a preocupação de toda a sociedade em que as violações sofridas pelo ordenamento jurídico e os conseqüentes danos provocados ao patrimônio de terceiros, particulares ou entes públicos, sejam reparados no maior número de casos em que for possível.28 25

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro. 7º Volume. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 44. DINIZ. Obra citada, p. 99. 27 SAMPAIO. Obra citada. p. 46. 28 Nessa direção se coloca Francisco José Marques Sampaio, citando outros autores como Wilson Melo da Silva, ressaltando ter derivado, essa corrente de pensamento, do crescente processo de industrialização e de desenvolvimento das técnicas de produção. 26

18

Sendo assim, aquele que desenvolve uma determinada atividade, lucrativa ou não, mesmo sendo lícita, deve zelar de todas as maneiras para que não resultem dela prejuízos ou desvantagens a outrem. “A responsabilidade, fundada no risco, consiste, portanto, na obrigação de indenizar o dano produzido por atividade exercida no interesse do agente ou sob seu controle, sem que haja qualquer indagação sobre o comportamento do lesante, fixando-se no elemento objetivo, isto é, na relação de causalidade entre o dano e a conduta do seu causador.”29 Apesar da forma como a legislação brasileira aborda a responsabilidade civil ter sua fundamentação na idéia da culpa, existem diversas disposições expressas em contrário, sendo de maior importância para o estudo em questão, o caso da Lei n.º 6.983/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e seus fins, que em seu art. 14, parágrafo 1º, estabelece: Parágrafo 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. Torna-se, diante do exposto, necessário ressaltar que a responsabilidade objetiva em matéria ambiental funciona primordialmente na tentativa de equilibrar a agressão ao meio ambiente e sua correspondente reparação, procurando criar maiores possibilidades de que se reparem os danos eventualmente ocorridos. Tarefa bastante difícil, apesar das disposições da lei, e que certamente exige uma atuação rigorosa e efetiva de todos operadores jurídicos envolvidos no contexto da proteção ambiental. Paulo Affonso Leme Machado faz referência a uma observação de José de Aguiar Dias, em sua obra Da responsabilidade civil, na qual este autor assim se pronuncia: “Situação desejável é do equilíbrio, onde impere a conciliação entre os direitos do homem e seus deveres para com seus semelhantes. O conflito de interesses não é permanente, como quer fazer crer a doutrina extremista, mas ocasional. E quando ele ocorre, então, sem

29

DINIZ. Obra citada. p. 45.

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nenhuma dúvida, o que há de prevalecer é o interesse da coletividade”.30 Esse interesse da coletividade, no âmbito do Direito Ambiental, se traduz pela proteção ao meio ambiente, como bem jurídico comum a todos, cujo dever de preservar é, também, de todos, devendo ser observados os princípios básicos referentes à questão ambiental.

1.4OS PRINCÍPIOS BÁSICOS DA QUESTÃO AMBIENTAL, SEU DESENVOLVIMENTO E CRÍTICA A questão ambiental, como assunto de preocupação da Comunidade Internacional, foi, nas últimas duas décadas, objeto de importantes manifestações na forma de declarações de princípios que, principalmente, visam traçar algumas linhas de ação no que se refere aos modos de atuação necessários à proteção do meio ambiente, ressaltando entre eles a importância da participação popular no processo como um todo, a necessidade de uma educação que contemple a causa do meio ambiente em todos os seus níveis, a prevenção como forma de diminuir os danos e evitar prejuízos irrecuperáveis e, ainda, a imputação ao poluidor da obrigação de reparar os danos que causar. Começou a surgir dessa maneira o reconhecimento oficial e internacional da importância de que se revestiam discussões relacionadas à ecologia e à preservação do meio ambiente que, até então, estavam restritas a alguns países mais desenvolvidos. A Declaração Internacional de Estocolmo, na Suécia, elaborada em 1972, resultado da I Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, da qual participaram representantes de 113 países, é considerada um marco histórico político internacional decisivo para o surgimento de políticas de gerenciamento do ambiente31, estabeleceu 23 princípios internacionais de proteção ambiental, em época na qual a legislação brasileira apesar de já contar com o chamado Código de Águas, instituído pelo Decreto n.º 24.643, de 10 de julho de 1934, e o Código Florestal, Lei n.º 4.771, de 15 de setembro de 1965, ainda não atribuía em sua plenitude ao bem ambiental o caráter de interesse coletivo.

30

DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6ª edição. Forense, 1979. DIAS, Genebaldo Freire. Educação Ambiental: princípios e práticas. 5º edição. São Paulo: Gaia (divisão da Ed. Global), 1998. 31

20

Em junho de 1985, o Conselho da Comunidade Européia aprovou e divulgou um conjunto de diretrizes objetivando o aperfeiçoamento da política de preservação do meio ambiente e da qualidade de vida especialmente na Europa, repercutindo evidentemente nos estudos realizados nos países dos demais continentes. Na Reunião Mundial das Associações de Direito do Meio Ambiente, realizada em 15 de novembro de 1990, na Universidade de Limoges, na França, aprovou-se uma Declaração de Recomendações, que leva o mesmo nome, abordando quinze conjuntos de recomendações para melhoria do meio ambiente em todo o mundo, entre as quais destacam-se as recomendações sobre a responsabilidade sem culpa por dano ambiental, que deve, segundo tal declaração, ser afirmado nos textos nacionais e internacionais como princípio geral, salvo no que concerne à responsabilidade penal.32 Menos de dois anos após a Declaração de Limoges, entre 3 e 14 de junho de 1992, realizou-se na cidade do Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, com a participação de representantes dos mais diversos países e organizações, na qual elaborou-se a Carta do Rio sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, cujos princípios mais importantes, entre os 27 proclamados, serão abordados a seguir, em conjunto com as orientações internacionais anteriormente referenciadas e a posteriormente realizada Convenção de Lugano, na Suíça.33

1.4.1

O

DIREITO

E

O

PRINCÍPIO

DA EDUCAÇÃO

AMBIENTAL O princípio da educação ambiental surge como forma de possibilitar às populações o conhecimento necessário para que se possam implementar as mais diversas atividades e ações relacionadas à preservação do meio ambiente, inclusive a compreensão e adoção dos outros princípios estabelecidos. A anteriormente citada Declaração de Estocolmo estabeleceu, com respeito à educação, que: “É indispensável um trabalho de educação sobre as questões ambientais, visando tanto às gerações jovens como os adultos, dispensando a devida atenção ao setor das populações menos privilegiadas, com a finalidade de desenvolver as bases necessárias para esclarecer a opinião pública e dar aos indivíduos, empresas e 32 33

SAMPAIO, Francisco José Marques. Obra citada, p. 202. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Obra citada, p. 282.

21

coletividades o sentido de suas responsabilidades, relativamente à proteção humana e melhoramento do meio ambiente, em toda a sua dimensão humana”.34 Nota-se no texto transcrito a presença de uma preocupação maior com as ditas “populações menos privilegiadas”, ponto no qual se pode estabelecer uma crítica baseada no fato de que as pessoas com maiores possibilidades de controlar e influenciar os processos de produção, os ocupantes de posições de comando dentro do contexto social, os legisladores em geral e, até mesmo, os tantos operadores do Direito, não são, de maneira alguma, considerados como aqueles. O princípio da Educação Ambiental deve ser entendido em seu aspecto mais amplo, ou seja, o mais abrangente possível. Não há o porque restringi-lo a uma determinada faixa da população, do território ou qualquer outra diminuição de sua capacidade de atuar. Tal pensamento é assim manifestado pela Constituição Federal, que em seu artigo 225, parágrafo 1º , inciso IV, prevê como incumbência do Poder Público: “Promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”. Por todos os níveis de ensino deve ser entendida a educação primária, secundária e, também ,

a educação superior, devendo ser estabelecidos os conteúdos mais

adequados a cada grau de conhecimento, não excluindo-se do Poder Público a responsabilidade pela orientação e fiscalização do referido ensino nas escolas e colégios particulares. Reveste-se de grande importância a inserção de tópicos relativos à prevenção de atividades e comportamentos poluidores, por menores que sejam, e estudos básicos de legislação ambiental nos meios acadêmicos em geral, e não apenas em uma minoria de cursos privilegiados com tal valorização curricular. Manifesta grande preocupação com a situação brasileira o professor da Universidade de Brasília e autor de obras na área da Ecologia, Genebaldo Freire Dias: “O Brasil não tem uma política educacional definida, muito menos uma política para a chamada Educação Ambiental. Imerso em dificuldades econômicas crônicas, e em exaustivas e infrutíferas discussões acadêmicas de cunho epistemológico sobre a natureza da educação ambiental, o Brasil viu os anos passarem, e ficou atrás na 34

Declaração Internacional de Estocolmo, princípio n.º 19.

22

história. Confundiu-se o ensino da Ecologia com a prática da Educação Ambiental e produziu-se toda uma geração de materiais educativos absolutamente equivocados, a despeito de sua importância no contexto evolucionário”.35 Dentro desse contexto de valorização da educação ambiental, foi, em 27 de abril de 1999, sancionada a Lei federal n.º 9.795, que cria a Política Nacional de Educação Ambiental, a ser regulamentada em um prazo de noventa dias após a publicação. A lei define princípios básicos da educação ambiental, como: o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo; a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais; e o reconhecimento e o respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural. São definidos, ainda, objetivos fundamentais, entre eles, o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicopolíticos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos. O advento desta recente lei, vêm, assim, propiciar uma nova preocupação ,desta feita, que realmente seja praticada uma política educacional efetiva no âmbito do meio ambiente. Observe-se o que René David alerta em relação às necessidades da educação nos tempos atuais, do valor do direito comparado e das conseqüências de ações em outras partes do globo: “A formação tradicional, nas faculdades de Direito dos diferentes países, exige atualmente uma complementação. (...) O mundo atual impõe, tanto aos políticos quanto aos economistas e aos juristas, uma nova visão dos problemas que lhes dizem respeito”.36 A questão da educação ambiental também abrange as Ciências Jurídicas, ou seja, a necessidade de que todos os personagens que operam de alguma forma no campo do Direito, dominem os conceitos básicos e os princípios mais relevantes, tendo papel fundamental nessa empreitada a inclusão de disciplinas, de caráter obrigatório, relacionadas ao assunto em questão, possibilitando a obtenção, análise e discussão das noções elementares

35

DIAS, Genebaldo Freire. Educação Ambiental: princípios e práticas. 5ª edição. São Paulo: Ed. Gaia (divisão da Ed. Global) 1998, p. 11. 36 . DAVID, René. Os grandes sistemas de direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. São Paulo: Martins Fontes, 1986, Prefácio.

23

sobre o chamado Direito Ambiental, por parte dos futuros magistrados, membros do Ministério Público e advogados.

1.4.2

O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E O PAPEL DO

PODER PÚBLICO A prevenção é, sem dúvida, a solução que melhor se aplica a qualquer tipo de problema, qualquer que seja o assunto em tela. No que se refere a danos ambientais, essa observação ganha contornos ainda de maior importância, haja vista as dificuldades para atingir-se uma reparação integral dos eventuais danos, questão que será oportunamente tratada. Ensina a respeito Hely Lopes Meirelles que: “Melhor será, sempre, a ação preventiva, visto que há lesões irreparáveis “in specie”, como a derrubada ilegal de uma floresta nativa ou a destruição de um bem histórico, valioso pela sua origem e autenticidade”.37 A observação sobre a suscetibilidade limitada dos danos causados ao meio ambiente em relação à esperada reparação, enseja a inclusão, entre os princípios mais importantes dos enunciados na Declaração do Rio de Janeiro de 1992, do Princípio n.º 15, da Precaução, no qual observa-se: “De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”. O princípio da precaução, em sua aplicação, tem como um dos itens mais importantes o estudo prévio de impacto ambiental, cujo valor é inegável quando executado corretamente e com isenção.

37

MEIRELLES, Hely Lopes. Proteção ambiental e ação civil pública. RT 611/11.

24

O estudo prévio de impacto ambiental, como exemplo do reconhecimento legal da necessidade de antever conseqüências, tem previsão na Constituição Federal, cujo artigo 225, parágrafo 1º , inciso IV, preceitua como obrigação do Poder Público: “Exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”. São as principais características do estudo prévio de impacto ambiental, segundo leciona Paulo Affonso Leme Machado: o estudo deve ser anterior à autorização da obra ou atividade; deve ser obrigatoriamente exigido pelo Poder Público; para a instalação da obra e para o funcionamento da atividade podem ser exigidos estudos distintos; e o estudo deve ser revestido de publicidade.38 As verificações e análises do estudo terminam por um juízo de valor, ou seja, uma avaliação favorável ou desfavorável ao projeto. Ressalta a doutrina que não se admite um estudo de impacto ambiental que se abstenha de emitir a avaliação do projeto verificado.39 No âmbito do Direito Ambiental, o princípio da prevenção dos danos, ou da precaução, pode ser considerado como um pilar básico para as ações que procuram tutelar o meio ambiente. Assim, deve-se buscar sempre o máximo de conscientização entre os integrantes da sociedade para alcançar-se a efetiva adoção das medidas preventivas legais e, também das não previstas em lei, como as que podem ser implementadas pela população em si, sendo também relacionadas às mencionadas na abordagem da questão da educação, com o fim de, inclusive, conduzir a uma eficaz participação popular.

1.4.3 A PARTICIPAÇÃO POPULAR COMO PRINCÍPIO A participação popular é outro princípio estabelecido pela Declaração do Rio de Janeiro, revestindo-se de uma importância toda especial, no sentido de que a real participação popular tem a capacidade de reforçar decisivamente as ações implementadas pelo Estado, especialmente em países, regiões ou simplesmente cidades onde este mesmo Estado, através de seus representantes, não comporta-se, por diversas razões, da maneira mais eficiente. 38 39

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Obra citada, p. 157. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Obra citada, p. 161.

25

O princípio em questão é o de n.º 10 da Carta do Rio de Janeiro, o qual menciona a relevância da participação popular e da ampla informação dos cidadãos em geral, nos seguintes termos: “As questões ambientais são tratadas de forma mais adequada quando envolvem a participação de todos os cidadãos interessados no nível adequado. No âmbito nacional, cada habitante deve ter acesso às informações que digam respeito ao meio ambiente e exigir que sejam de conhecimento das autoridades públicas, inclusive as que digam respeito a material tóxico e perigoso, e atividades relacionadas a serem realizadas em suas comunidades; e à oportunidade de participar nos processos decisórios respectivos. Os Estados devem promover e encorajar o interesse e a participação da população através da mais ampla divulgação de informação”.40 O encorajamento e o incentivo da população para participar é, como pode verificar-se no disposto pelo referido princípio, uma obrigação do Estado, que deve buscar desenvolver na população a vontade e o interesse de participar em atividades direcionadas para a divulgação de informações e conhecimentos sobre prevenção e preservação do meio ambiente. A partir dos movimentos ativistas da sociedade civil na América do Norte, durante a década de sessenta, movimentos sociais surgiram manifestando preocupações, especialmente com a questão nuclear. Desde aqueles tempos notou-se inequivocamente que a participação desses movimentos mostra-se de caráter primordial para a proteção da integridade do sistema global do meio ambiente e do desenvolvimento. O princípio da participação popular também é visto sob o ponto de vista do direito à informação e à participação propriamente dita, sendo conhecido também por princípio democrático, por assegurar ao cidadão o direito pleno de participar na elaboração das políticas públicas ambientais. Nesse processo é indispensável a participação das populações mais atingidas pela degradação ambiental, que devem exercer uma certa pressão política para que os governantes, em suas esferas, intensifiquem sua fiscalização sobre as diversas atividades poluidoras, para que seja o poluidor aquele que efetivamente pague pelo que provocou, como impõe um dos princípios mais importantes, a seguir apresentado.

40

Carta do Rio de Janeiro sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente. 1992, Princípio n.º 10.

26

1.4.4

O PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR E SUAS

CONSEQÜÊNCIAS O princípio chamado do “poluidor-pagador” é amplamente discutido, principalmente por suas importantes características e conseqüências, tendo sido introduzido no âmbito do Direito Ambiental brasileiro, juntamente com a responsabilidade civil objetiva, pela Lei n.º 6.938/81, que em seu artigo 14, parágrafo 1º , prevê: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”. A supracitada lei, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente, têm, segundo lê-se no artigo 4º, inciso VII, como um de seus objetivos a imposição ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar ou indenizar os danos causados e, ao usuário, impor uma contribuição pela utilização dos recursos ambientais com fins econômicos. Torna-se relevante analisar o que dispõe a Constituição Federal de 1988 sobre o assunto, no artigo 225, parágrafos 2º e 3º, respectivamente: “Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”. “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. O poluidor é obrigado a corrigir ou recuperar o ambiente afetado, com os encargos resultantes dessa obrigação, sendo-lhe vedada a possibilidade de prosseguir na ação poluente. Para esse fim estabeleceu-se a exigência de um Plano de Recuperação da Área Degradada.41 A Declaração do Rio de Janeiro incluiu, entre seus 27 princípios, o de n.º 16, texto que, referindo-se ao “poluidor-pagador” estabelece: 41

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Obra citada, p. 284.

27

“As autoridades nacionais devem se esforçar para garantir a internacionalização dos custos da proteção ambiental e o uso de instrumentos econômicos, levando em conta que o poluidor deve, em princípio, arcar com os custos da poluição provocada; e com observância dos interesses públicos, sem perturbar o comércio e o investimento internacionais”. Não deve configurar-se, o princípio do “poluidor-pagador”, como uma pura e simples “compra do direito de poluir”, partindo do eventual fato do poluidor dispor-se a pagar pelos danos que provocou ou pelos recursos que utilizou, transformando-se em situação vantajosa àqueles que se beneficiam poluindo e degradando. “O princípio poluidor-pagador não pode ser enxergado como criando um “direito de poluir”, desde que o poluidor se predisponha a pagar pelos recursos que utilizou ou danificou. Seu objetivo principal não é a reparação ou mesmo a repressão do dano ambiental. Estas, como se sabe, são fundamentalmente retrospectivas. Sua aplicação, ao contrário, deve ser uma alavanca efetiva de prevenção do dano ambiental, fazendo com que a atividade de preservação e conservação dos recursos ambientais seja mais barata que a da devastação. O dano ambiental não pode, em circunstância alguma, valer a pena para o poluidor”.42 Ainda, o princípio do poluidor-pagador pode ser, também, visto como uma imposição ao poluidor do dever de arcar com as despesas decorrentes das ações de prevenção, reparação e repressão da poluição, consequentemente sendo incluídos, dessa maneira, os custos de proteção ambiental em geral. “O objetivo maior do princípio do poluidor-pagador é fazer com que os custos das medidas de proteção do meio ambiente - as externalidades ambientais - repercutam nos custos finais de produtos e serviços cuja produção esteja na origem da atividade poluidora”.43 Sem dúvida, também no que se refere à causa do meio ambiente, o fato de arcar de alguma forma com o prejuízo torna menos provável a aceitação de práticas nocivas à coletividade. De posse de uma noção sucinta porém essencial dos conceitos básicos do Direito Ambiental, seu histórico e seus princípios mais destacados, já possibilitando visualizar 42

BENJAMIN, Antônio Herman V. O princípio poluidor-pagador. In: BENJAMIN (Coord.) Dano Ambiental Prevenção, Reparação e Repressão. São Paulo: RT, 1993, p. 235. 43 BENJAMIN, Antônio Herman V. Obra citada, p. 229.

28

algumas questões fundamentais, pode empreender-se o avanço para a abordagem dos danos ambientais e seu entorno propriamente ditos.

2.

A

RESPONSABILIDADE

CIVIL

E

OS

DANOS

AMBIENTAIS O objetivo principal do presente capítulo é relacionar, de modo mais específico e completo, o instituto da responsabilidade civil, como é colocado na legislação nacional, e seus pontos de maior interesse em relação aos danos ao patrimônio ambiental. A responsabilidade civil pelos danos ambientais possui características próprias que são de clara relevância para o alcance do objetivo para o qual foi instituída. Tal relevância, assim como sua atualidade, fundam-se na situação de potencial perigo que corre todo e qualquer ambiente, freqüentemente exposto nos dias atuais ao perigo do dano ambiental. No Brasil, a responsabilidade civil teve sua modalidade objetiva introduzida pelo Decreto n.º 79.347, de 28 de março de 1977, que promulgou a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil por Danos Causados por Poluição por Óleo, realizada em 1969, fruto da preocupação mundial com os acidentes ocorridos com navios petroleiros. No mesmo ano de 1977, a Lei n.º 6.453, trouxe em seu artigo 4º, previsão sobre a responsabilidade de caráter objetivo por danos decorrentes de atividade nuclear, outra preocupação em evidência na época. Como fundamento da responsabilidade civil objetiva está a atividade exercida pelo agente e o perigo que pode provocar à vida, à saúde e ao patrimônio de outrem. Dessa maneira, quem exerce atividade, ainda que lícita, capaz de causar perigo a terceiros responderá por tal risco, não sendo necessária por parte da vítima a prova da culpabilidade do referido agente. A atividade, ao ser perigosa, coloca sobre aquele que dela se beneficia, a obrigação de fazer com que dela não resultem prejuízos aos demais. Como pode ser visto pelos sérios motivos que levaram à previsão da responsabilidade civil objetiva em lei, praticamente não há dúvidas atualmente quanto à sua necessária aplicação.

29

A seguir serão abordados determinados aspectos inerentes à responsabilidade civil objetiva no âmbito da legislação ambiental, como se fez sua instituição no ordenamento pátrio, a posição adotada por alguns dos principais doutrinadores brasileiros e, ainda, como se refere ao tema o chamado Direito comparado, principalmente nos países europeus e nos Estados Unidos, pela influência que normalmente exerce no cenário mundial.

2.1 A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SUA NECESSÁRIA APLICAÇÃO Ao ver anteriormente os pontos principais da responsabilidade objetiva, não é difícil perceber a importância de que os causadores de danos ambientais realmente sejam obrigados a responder por eles, independentemente de terem agido com culpa ou não. Considera-se uma das mais importantes armas disponíveis na luta para evitar ou reparar os atos danosos ao meio ambiente, possibilitando que um número cada vez maior de situações possam ser devidamente reparadas. Assim, se estabelece uma tentativa de evitar que ocorram casos de danos evidentes quanto à sua existência, porém, não reparados pela falta do requisito da culpa comprovada do agente. “O grau de complexidade da vida moderna e a interdependência crescente entre as pessoas, mormente nos grandes conglomerados urbanos, a exploração de recursos naturais e os processos de agigantamento das atividades empresariais, a sempre crescente participação do Estado quer na economia, quer atuando com vistas ao atendimento das necessidades públicas, tudo isso, e outra dezena de fatores que poderiam ser enumerados, concorrem para a ampliação de situações onde pessoas eventualmente fossem lesadas, mas onde era impossível definir com precisão a culpa do agente causador do dano. Reconhecia-se a existência deste, reconhecia-se que alguém havia sido lesado, todavia permanecia a vítima indene pela impossibilidade de apontar com segurança o requisito da culpa do agente”.44 Apesar de todos os aspectos verificados a respeito da necessidade da aplicação da responsabilidade civil objetiva, impressiona o surgimento de controvérsias e discussões sobre a base do assunto, como a suscitada pelo veto presidencial ao Projeto de Lei n.º 1.164E/91, referente à Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que em seu artigo 5º, continha 44

ATHIAS, Jorge Alex Nunes apud BENJAMIN, obra citada, Responsabilidade Civil e Meio Ambiente – Breve panorama do Direito Brasileiro.

30

disposição semelhante ao parágrafo 1º do artigo 14 da Lei n.º 6.938/81, reforçando este, expressamente, o caráter objetivo da responsabilidade civil por danos ambientais.45 Em uma primeira análise poderia considerar-se que o referido veto estaria funcionando no sentido de afastar o regime da responsabilidade objetiva para os danos ao meio ambiente, tendo ocorrido inclusive a divulgação dessa idéia através de meios de comunicação nacionais, como menciona Francisco José Marques Sampaio que se manifesta contrário à idéia: “Não encontramos fundamento razoável que sustente tal ponto de vista, porque a aposição do veto ao mencionado artigo, excluindo-o do texto da lei, de modo algum afeta a vigência da norma semelhante existente em lei anterior que dispõe sobre a matéria e que não foi revogada, expressa nem tacitamente, pela Lei 9.605/98”.46 Juntamente com o veto presidencial ao artigo 5º, deu-se também o veto ao artigo 1º do Projeto de Lei n.º 1.164-E/91, que estabelecia que condutas e atividades lesivas ao meio ambiente seriam punidas “com sanções administrativas, civis e penais, na forma estabelecida nesta Lei”, sendo que a ementa da Lei n.º 9.605/98 não prevê disposição sobre sanções civis, somente administrativas e penais, ou seja, não trata o assunto completamente. Assim, com a impossibilidade de considerar que a nova lei afasta as anteriores por supostamente englobar completamente o tema, permanecem os mandamentos dispostos na nova lei como normas complementares e compatíveis com o princípio da reparabilidade de danos ao meio ambiente e a terceiros, como estabelecido na Lei n.º 6.938, de 1981.

2.1.1 A INSTITUIÇÃO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA NA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL Como vimos anteriormente, a responsabilidade civil objetiva em matéria ambiental teve seu início com a preocupação oriunda das ações em maior evidência no final da década dos anos setenta, isto é, da poluição das águas por óleo e a contaminação nuclear,

45

Observe-se o texto do artigo 5, do Projeto de Lei 1.164-E/91: “Sem prejuízo do disposto nesta lei, o agente, independentemente da existência de culpa, é obrigado a indenizar ou reparar os danos por ele causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por seus atos”. 46 SAMPAIO, obra citada, p. 140. O autor recomenda verificar as reportagens veiculadas a respeito no Jornal O Globo, nos dias 9 e 13 de fevereiro de 1998.

31

que culminaram com a aprovação do Decreto n.º 79.347/77 e da Lei n.º 6.453/77, sendo posteriormente estendida aos danos ambientais de qualquer natureza. Para Antônio Herman Benjamin, a instituição da responsabilidade objetiva no âmbito da defesa do meio ambiente é decorrente da constatação da impossibilidade de alcançar, sem ela, esse objetivo de defesa e garantir um mínimo de proteção desejada. Essa é também uma tendência do direito estrangeiro. Segundo Benjamin, os princípios clássicos e tradicionais da responsabilidade civil nunca funcionaram adequadamente, como ele explica: “Primeiro porque o dano ambiental, via de regra, é de natureza difusa, atingindo toda uma coletividade de pessoas. (. . .) Segundo, o regime jurídico da responsabilidade civil aquilina exigia a prova da culpa (imprudência, negligência ou imperícia) do poluidor, para, só então, aplicar o princípio poluidor-pagador. Apenas o dano culposamente causado era passível de indenização. E, como se sabe, provar que o violador agiu com culpa era quase sempre – para não dizer sempre – impossível”.47 Os dispositivos infraconstitucionais que se referem à questão dos danos ambientais e à responsabilidade civil objetiva são os artigos 4º , inciso VII, e 14, parágrafo 1º, da Lei n.º 6.938/81. O artigo 4º , inciso VII, estabelece como um dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente a imposição ao poluidor e ao predador da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. Destes últimos, o que deve suscitar maiores discussões ainda, é inegavelmente a utilização dos recursos hídricos, considerando-se a escassez futura que se anuncia, caso o assunto continue sendo tratado, aparente e muito provavelmente, sem a seriedade que merece. O artigo 14, em seu parágrafo único, contempla a responsabilidade objetiva em matéria de reparação de danos ambientais e de danos patrimoniais, por sua vez, decorrentes de danos ambientais, ao prever a obrigação do poluidor de reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade, havendo, ou não, culpa. Segundo José Afonso da Silva e Sérgio Ferraz, a responsabilidade civil objetiva no campo do direito ambiental teve algumas conseqüências marcantes: a) a irrelevância da intenção danosa ( basta um simples prejuízo); b) a irrelevância da mensuração do subjetivismo (o importante é que, no nexo de causalidade, alguém que tenha participado, de 47

BENJAMIN, Antônio Herman V. O princípio poluidor-pagador e a reparação do dano ambiental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 234.

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alguma sorte, deve ser apanhado nas tramas da responsabilidade objetiva); c) a inversão do ônus da prova; d) a irrelevância da licitude da atividade; e, ainda, e) a atenuação do relevo do nexo causal.48 A respeito da responsabilidade objetiva no âmbito do direito ambiental, é, ainda, interessante proceder a uma sucinta verificação no posicionamento e nos ensinamentos básicos proporcionados pelos principais doutrinadores.

2.1.2 A POSIÇÃO DOS PRINCIPAIS DOUTRINADORES Paralelamente aos dispositivos legais existentes a respeito do Direito, é interessante, para o seu aprimoramento e melhor compreensão, estudar as observações feitas e posicionamentos adotados por alguns dos autores, apesar de sucintamente, cujas obras têm valor reconhecido na doutrina pátria ou têm demonstrado maior interesse em abordar a questão da proteção ao meio ambiente e seus desdobramentos no campo jurídico. Dentre os principais doutrinadores que trabalham o assunto em tela no presente capítulo, é possível destacar observações valiosas sobre a questão da responsabilidade objetiva como ferramenta do Direito no intuito de operacionalizar a defesa do meio ambiente, complementando-se certamente o conhecimento legal adquirido. Édis Milaré conclui, em um de seus artigos sobre responsabilidade por danos ambientais, que: “A responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, independendo, portanto, de conduta culposa do agressor, circunstância que melhor atende aos anseios da comunidade no direito de fruir de um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado” .49 Aquele autor ainda menciona que ao não perquirir da existência de culpa, melhor se tutela o bem-interesse que se quer preservar e faz pequena crítica à Lei n.º 6.938/81: “O único reparo, em termos de esfera judicial do meio ambiente, que se pode fazer a essa lei foi o de concentrar a titularidade da ação exclusivamente nas mãos do Ministério Público, quando matéria de tamanha magnitude requer alargamento de atribuições, com a 48

SILVA, José Afonso da. obra citada, p. 215-216. MILARÉ, Édis,. O Ministério Público e a responsabilidade civil do profissional nas atividades modificadoras do meio ambiente. RT 623/31. 49

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convocação de todas as forças vivas da Nação para essa verdadeira cruzada em defesa de nosso patrimônio ambiental”.50 Paulo Affonso Leme Machado, referindo-se a quem por ação ou omissão agride o meio ambiente, observa51: “Mesmo na hipótese de o dano resultar de caso fortuito ou força maior, como um acontecimento da natureza, permanece ou sobrevive a responsabilidade do indigitado infrator, pois a simples “atividade” imporia o dever de indenizar”. Ao empreender a leitura dos ensinamentos de Francisco José Marques Sampaio, nota-se a importância que este remete à responsabilidade objetiva, como instituto extremamente necessário aos objetivos comuns da sociedade e, ainda, a maneira como o autor defende sua permanência no âmbito do Direito Ambiental, sem o qual, certamente haveria um retrocesso com graves conseqüências. José Afonso da Silva afirma, por sua vez, que a responsabilidade pelo dano ambiental existe mesmo que o poluidor exerça a sua atividade dentro dos padrões fixados, fato, porém, que não desobriga o agente de verificar se uma atividade é ou não prejudicial ou se está ou não causando danos, impondo um dever de permanente vigilância ao poluidor em potencial. Exemplo dessa situação pode ser visto em acórdão anexo, no qual se verifica a irrelevância da aprovação da prefeitura municipal para o aterramento de área de mangue, ou seja, o poluidor não deixa de ser o responsável pelo dano.

2.1.3 A RELAÇÃO DA PROTEÇÃO AMBIENTAL COM A DEFESA DO CONSUMIDOR O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor, teve participação essencial no processo, ainda em estágio inicial, de conscientização da população quanto às suas condições de 50

MILARÉ, Édis. Legislação Ambiental e participação Comunitária. In: Universidade e sociedade em face à política ambiental brasileira. IV Seminário Nacional sobre Universidade e meio ambiente, 19 a 23 de novembro de 1990, UFSC. 51 Em referência feita por RUI STOCO, em sua obra: Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial, p. 269.

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cidadania, sendo considerado, em virtude de seu caráter de atualidade, parte da chamada legislação de ponta. A relação da proteção ambiental com a proteção e defesa do consumidor manifesta-se principalmente pela possibilidade de aproveitamento de princípios presentes no recente Direito do Consumidor pelo, de certa maneira também recente, Direito Ambiental. O princípio da inversão do ônus da prova, presente no Código de Defesa do Consumidor é, em tese, aplicável aos casos de dano ambiental, por serem comuns em ambos os casos as razões que justificam tal inversão. O artigo 6º, inciso VIII, do referido código, prevê como um dos direitos básicos do consumidor: “A facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência”.52 O artigo 28 da Lei n.º 8.078/90, concedeu uma amplitude à teoria da desconsideração da personalidade jurídica, no que tange a danos causados aos consumidores, quando houver excesso de poder, infração à lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou do contrato social ou, ainda, em casos de falência, insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração, que constitui importante precedente para que normas relativas a outras matérias também o façam. Pode considerar-se, o dispositivo legal supracitado, como inspirador do texto do artigo 4º da Lei n.º 9.605/98, o qual dispõe que poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. Na realidade, no projeto inicial o artigo era mais amplo e nos mesmos moldes daquele inserido no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, mas não foi aprovado pela Câmara dos Deputados, sendo aproveitado somente o disposto no parágrafo único do artigo 4º do projeto de Lei n.º 1.164-E/91.53 Controvérsia também surgiu em relação à influência do Código de Defesa do Consumidor, especificamente seu artigo 103, parágrafo 3º. Esse dispositivo trouxe às vítimas de danos pessoalmente sofridos, a possibilidade de beneficiar-se de sentença transitada em 52

Código de Proteção e Defesa do Consumidor, artigo 6º, inciso VIII. O texto inicial dispunha: “O juiz pode desconsiderar a personalidade da pessoa jurídica quando, em detrimento da qualidade do meio ambiente, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou do contrato social ou, ainda, quando, por má administração, houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica”. Parágrafo único: “Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade ambiental”. 53

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julgado com pedido procedente, realizado em ação civil pública. Dessa forma, ao já ter sido julgado e condenado o agente pelos danos causados a interesses difusos e coletivos, não necessitam os particulares propor novo processo de conhecimento para buscar a reparação de danos desta vez individuais que tenham origem no mesmo fato danoso. Para alguns autores, o dispositivo apresentado veio a expor a diferenciação existente entre os danos ambientais propriamente ditos e suas conseqüências aos patrimônios particulares. Em virtude do estabelecido pelo artigo 103, parágrafo 3º, discutem diversos autores sobre a aplicabilidade ao Direito Ambiental daquele pensamento, inclusive pelo que dispõe o artigo 117 do mesmo CDC, a seguir transcrito: Art. 117. Acrescente-se à Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, o seguinte dispositivo, renumerando-se os seguintes: “Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos e coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que institui o Código de Defesa do Consumidor”. Note-se que o Título III, do referido Código é o que trata da defesa do consumidor em juízo e a lei n.º 7.347/85 é a que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Doutrina e jurisprudência não apresentam posicionamentos uniformes na interpretação de ter sido ampliado o rol dos interesses que podem ser objeto de ação civil pública, para nele incluir direitos individuais homogêneos de qualquer natureza; ou quanto a ter sido operada ampliação apenas para acrescentar direitos individuais homogêneos de pessoas na condição de consumidores. Em favor da ampliação, ou seja, da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor a todos os interesses difusos e coletivos, e ainda, criando uma ação coletiva, para a tutela do que denominou “interesses individuais homogêneos” (artigo 81, III), colocam-se Édis Milaré e Nelson Nery Júnior. 54

Em sentido contrário

posiciona-se José dos Santos Carvalho Filho, que enfatiza que: “Nos termos do artigo 21, só se aplicam as regras do Código do Consumidor no que for cabível, o que significa dizer que algumas normas poderão ser apropriadas para a tutela específica de interesses dos consumidores, mas não servirão como regras para a tutela 54

MILARÉ, Édis. Ação civil pública em defesa do meio ambiente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, pp. 237-238. ; e NERY Júnior, Nelson. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 613.

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genérica dos interesses difusos e coletivos, prevista na Lei n.º 7.347/85.”55 Pelo que se entende dos argumentos e posições de diversos autores, entre eles o último citado, parece ser de difícil absorção por parte destes a idéia do pensamento próambiente na esfera jurídica, ao passo que facilmente se constrói um raciocínio restritivo quanto à defesa contra danos causados na esfera do meio ambiente. Deve, ainda, ser evidenciado entre os pontos de inter-relacionamento observados, a previsão expressa da responsabilidade civil objetiva inserida nos artigos 12 a 14 do Código de Defesa do Consumidor.

2.2

A EXISTÊNCIA DO PREJUÍZO

Um dos fatores fundamentais que devem ser comprovados para a configuração da responsabilidade civil por dano ambiental, assim como para os demais tipos de dano, é a existência certa de um prejuízo sofrido, ou seja, que haja algo a ser reparado, um comprovado prejuízo a ser reposto, um estado ou uma situação anterior a ser recomposta. Assim, para referir-se à responsabilidade civil, faz-se necessário averiguar a existência de um dano que haja modificado, prejudicialmente, a situação que anteriormente existia. “O interesse em restabelecer o equilíbrio econômico-jurídico alterado pelo dano é a causa geradora da responsabilidade civil”.56 Nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira, sintetizando a necessidade da ocorrência de fato que provoque prejuízo para que se cogite responsabilidade civil, aquele autor observa: “Não havendo prejuízo, não há responsabilidade civil”.57

55

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública: comentários por artigo. 1ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995, p. 381-384. 56 DIAS, José de Aguiar. Obra citada, p. 35 57 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 42.

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O prejuízo a ser reparado deve ser de natureza grave e periódica,58podendo ser causado por um acontecimento único e de caráter acidental. Não devem ser considerados poluição ou serem investidas de anormalidade, ocorrências como ruídos momentâneos, odores passageiros ou excepcionais e outros em que não se manifesta uma destruição ou em que não seja exorbitada a capacidade de assimilação e de eliminação dos resíduos que porventura houver. O prejuízo deve ser uma anormalidade em relação à vítima, não sendo preciso que a atividade que o causou também o seja. Em relação à normalidade dos resultados de uma determinada atividade, podem surgir dúvidas de até que ponto é normal e a partir de quando essa normalidade é transgredida. Para alguns autores, é aceitável um certo grau de prejuízo para as pessoas que vivem em determinado ambiente, desde que a atividade poluidora não esgote as possibilidades de vida e de trabalho naquele meio, apenas reduzindo-os a uma condição “menos agradável”, em relação ao que seria se não houvesse o foco gerador da poluição. Um destes, Giles Martin, bastante evidenciado nas obras de Paulo Affonso Leme Machado, refere-se à anormalidade da seguinte maneira: “O limiar da anormalidade é, portanto, ultrapassado quando a utilização do meio ambiente o torna parcial ou totalmente impróprio a outros usos”.59 Quanto à comprovação de um dano ambiental futuro, ou seja, que pode configurar-se com o passar do tempo, far-se-á um estudo específico mais adiante no presente trabalho.

2.3

A RELAÇÃO DE CAUSALIDADE

A relação de causalidade é um dos pontos principais que suscitam uma análise mais apurada quando se estudam os danos ambientais e sua respectiva responsabilidade. É necessário estabelecer uma relação nítida entre a ocorrência danosa verificada e sua fonte. Deve estabelecer-se uma relação entre o comportamento do agente e o dano, para certificar que o dano decorre da conduta deste, mesmo que seja plenamente lícita. 58

MACHADO. Obra citada, p. 277, ressaltando a importância das obras de Patrick Girod, “La réparation du dommage écologique” e de Giles Martin, “Le droit à L’Environnement”. 59 MARTIN, Giles. Le droit à environnement – De la responsabilité civile pour faits de pollution au droit à environnement. Publications Périodiques Specialisées, 1978.

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“Se a vítima experimentar um dano, mas não se evidenciar que o mesmo resultou do comportamento ou da atitude do réu, o pedido de indenização, formulado por aquela, deverá ser julgado improcedente”.60 Esse pensamento, que norteia a teoria da responsabilidade civil, deve ser visto sempre no contexto da legislação ambiental, ou seja, levando em consideração, por exemplo, a inversão do ônus da prova, que é uma importante conseqüência da adoção da responsabilidade objetiva, através da qual pode-se partir da presunção de que o agente causou o prejuízo e, por isso, este deverá provar, no sentido de excluir sua responsabilidade. No caso de que a atividade do agente seja potencialmente capaz de produzir efeitos danosos ao meio ambiente, deverá ser logo invertido o ônus da prova, produzindo-se imediatamente a presunção de responsabilidade quanto ao agente, a partir da qual o presumido poluidor procurará as provas que lhe excluam a responsabilidade. A causa exata de um ou de vários danos simultâneos causados ao meio ambiente pode ser algo de difícil descoberta, inclusive havendo a possibilidade de pluralidade de autores, ou seja, vários focos poluidores, o que pode tornar muito mais trabalhoso o estabelecimento de uma relação de causalidade que possa indicar certamente aquele que deve ocupar-se da reparação correspondente. “Para os autores citados, a força maior não é bastante para excluir a responsabilidade da pessoa demandada, a quem se atribui a obrigação de indenizar o dano, bastando para verificar sua responsabilidade a prova da relação de causa e efeito entre o prejuízo e a ação ou omissão da pessoa incriminada”.61 Desse modo, a relação de causalidade tem que ser comprovada, sendo incabível a reparação quando esta não o for, ou, no caso da inversão do ônus da prova, o agente comprovar que não deu causa ao dano. Ainda no plano da conexão causal, o Prof. Andreas Joachim Krell, tem opinião peculiar a respeito do assunto, como pode-se concluir da recente observação: “Qualquer dano ambiental provocado por um particular ensejaria automaticamente também a responsabilidade do órgão estatal competente, porque, se este tivesse atuado, certamente poderia ter evitado o dano. Isto levaria a uma responsabilidade total por danos 60 61

RODRIGUES, Silvio. Obra citada, p. 17. STOCO, Rui. Obra citada, p. 270.

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ambientais, com a conseqüência desagradável que o Poder Público, numa boa parte dos processos, teria que indenizar pelo menos a metade do dano – com dinheiro do contribuinte”.62 Da observação feita pelo autor, é possível vislumbrar-se um problema futuro no âmbito da reparação ambiental, ou seja, a possível resistência do Poder Público em aceitar sua responsabilização pelos danos ocorridos em virtude da repercussão econômica dessa situação, como acontece atualmente com outras causas. A opinião emitida por Andreas Joachim Krell não é comum entre autores brasileiros, fato que demonstra que a visão que se tem da questão pode variar bastante em decorrência de diversos fatores, como as situações nas quais se encontram os diferentes países ou regiões, sendo importante possuir uma noção do pensamento surgido além das fronteiras mais imediatas.

2.4 O DIREITO COMPARADO Afim de complementar o estudo objeto do presente capítulo, faz-se interessante realizar uma breve verificação quanto ao direito comparado, como forma de observar a maneira como outros países estabelecem seus preceitos legais referentes à proteção ambiental. A forma como se apresenta o direito comparado pode ser vista e estudada a partir de duas questões básicas, decorrentes da posição que assumiu o respectivo legislador. A primeira refere-se à opção feita pela responsabilidade civil subjetiva ou objetiva. A segunda questão diz respeito à existência, ou não, de uma distinção estabelecida entre o dano ambiental de caráter basicamente extra-patrimonial e o dano individual, de natureza econômica.63 No direito francês, adotam-se dois regimes básicos em que se funda a responsabilidade civil por danos ambientais; um que prevê a responsabilidade por culpa, e outro, que trata da responsabilidade objetiva pelo fato das coisas. Segundo Michel Prieur, o regime da responsabilidade por culpa raramente é aplicado em matéria ambiental, pois é necessária a comprovação de haver sido violada norma 62

KRELL, Andreas Joachim. Concretização do Dano Ambiental – algumas objeções à teoria do “risco integral”. Http:/www.jurinforma.com.br/artigos/0024.htm (06/06/99). 63 Os primeiros referem-se aos interesses difusos, como o direito, de toda a coletividade, a um meio ambiente equilibrado e saudável. Os segundos são afetos aos patrimônios individuais ou de grupos definidos ou delimitáveis, apesar de serem conseqüências de danos ambientais.

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legal ou regulamento administrativo, por ação ou por omissão, imprudência ou negligência culposas.64 O regime de natureza objetiva, o da responsabilidade pelo fato da coisa, ou seja, do dever de cada um de cuidar das coisas que tem sob sua guarda, sofre ainda de certa hesitação dos julgadores, apesar de ser o mais adequado para a solução dos problemas ambientais. Existem, ainda, outros diplomas legais e hipóteses no ordenamento jurídico francês, de maneira esparsa, como é o caso do Código de Aviação Civil, da lei que aborda a responsabilidade civil no âmbito da energia nuclear, de acordo com a teoria do risco, e ainda, a questão dos direitos de vizinhança, no qual as poluições e os incômodos são admissíveis em função do lugar e de suas condições, havendo, exemplificativamente, distinção entre danos em zonas industriais e em áreas residenciais. Em Portugal, a Lei n.º 11/87, chamada Lei de Bases do Ambiente, que define as bases da política ambiental e, entre outros tópicos, refere-se à responsabilidade por danos ecológicos, estabelece a responsabilidade objetiva em seu artigo n.º 41: “Responsabilidade Objectiva: 1 – Existe obrigação de indemnizar, independente de culpa, sempre que o agente tenha causado danos significativos no ambiente, em virtude de uma acção especialmente perigosa, muito embora com respeito do normativo aplicável.” Nota-se que apesar de ser adotada a responsabilidade civil com base no risco pelo exercício de atividade, a legislação portuguesa não a coloca como princípio absoluto, sendo necessários determinados requisitos para a decretação da responsabilidade sem culpa, como a obrigação do dano ser significativo e ter resultado de atividade especialmente perigosa, diferentemente do que ocorre no Brasil, pois a Lei n.º 6.983/81 não faz esse tipo de referência. Imaginem-se as controvérsias que podem surgir em torno de conceitos como dano ambiental significativo e atividade especialmente perigosa. Na legislação alemã, país largamente industrializado e que abrange a antiga Alemanha Oriental, seriamente afetada por problemas ambientais, evidencia-se um tratamento distinto ao que se observa nos ordenamentos brasileiro, francês e italiano entre outros, na esfera civil, pelo fato de não existir uma regra geral para a reparação de danos, nem mesmo a tipificação das infrações geradoras da obrigação de indenizar. 64

PRIEUR, Michel. Obra citada, p. 1.040.

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No caso dos danos ao meio ambiente há tratamento específico, principalmente pela Lei de Responsabilidade Ambiental, de 10 de dezembro de 1990, que em seu artigo 1º, prevê a responsabilidade civil na modalidade objetiva, direcionada para a reparação dos danos sofridos por pessoas em decorrência de agressões ao meio ambiente, mas não de danos ao meio ambiente propriamente ditos, munindo também o particular de meios para a defesa do meio ambiente, apesar de este fazê-lo, em princípio, por interesse patrimonial particular. A reparação do dano ambiental nos Estados Unidos da América é parte de um sistema global de regulação do gerenciamento de materiais perigosos, sendo estes, aqueles que após sua utilização no chamado ciclo produtivo ou de consumo, tornam-se rejeitos sólidos. Três princípios são fundamentais no direito ambiental norte-americano. A relevância atribuída à atuação da sociedade civil como permanente colaboradora da Administração Pública no fornecimento de informações referentes a dados ambientais; a outorga de amplos poderes a órgãos e agentes governamentais para licenciamento, fiscalização e requisição de informações; e a adoção da responsabilidade objetiva por danos ecológicos.65 A reparação do dano ambiental é realizada seguindo um determinado procedimento estabelecido na principal norma sobre responsabilidade por danos ambientais, o Comprehensive Environment Response, Compensation and Liability Act (CERCLA), também chamado Superfund, no qual a agência governamental de proteção ambiental (EPA) promove a despoluição e reparação ambiental com recursos do Superfund ou, dependendo da situação, realiza a despoluição, transporte e relocalização de depósitos de substâncias tóxicas ou perigosas. Em um segundo momento, aciona os agentes responsáveis para que estes reembolsem as despesas resultantes. Como vantagem observa-se o fato desse sistema reduzir o tempo no qual se obtêm a recuperação ambiental, tendo, todavia, como ponto negativo a possibilidade de haver utilização prévia de recursos públicos e não ser acompanhada do devido reembolso posterior correspondente.

2.5 O POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL

65

Apud PERALES, Carlos Miguel. La responsabilidad civil por daños al médio ambiente. Madri: Editora Civitas S. A., 1994.

42

Paralelamente à análise do posicionamento existente quanto ao assunto em vários países, as posições da jurisprudência nacional e da produzida no Estado de Santa Catarina tornam-se merecedoras de estudo, na medida em que demonstram a direção em que segue o Direito no que tange à responsabilidade objetiva, sua aplicação e a relação açãoresultado. Dessa forma, estão apresentados, em anexos específicos, alguns julgados nos quais se pode verificar a presença dos fatores anteriormente ressaltados, com ênfase à valorização da responsabilidade civil objetiva. Nesse sentido se verifica que descabe, ao poluidor, invocar a ilicitude de uma atividade ensejada por autorização de autoridade competente, como ocorre quando uma Prefeitura Municipal aprova um loteamento em reserva natural, ou seja, tal aprovação não exime o autor da degradação de sua responsabilidade. Convém, ainda, enfatizar alguns pontos importantes, como o reconhecimento, de certa forma pacífico, da responsabilidade objetiva no âmbito do direito ambiental; a dificuldade que envolve a realização da prova de danos ao meio ambiente, bem como do nexo de causalidade entre o dano e a atividade do poluidor. Tal dificuldade pode ser exemplificada por casos em que se alega a inexistência de prova científica ou de consenso científico ou jurídico a respeito de agressões ao meio ambiente, sucintamente expostos também em anexo (páginas 67 e seguintes).

3.

A

QUESTÃO

DO

DANO

AMBIENTAL,

SUA

COMPROVAÇÃO E VALORAÇÃO A questão do dano ambiental envolve uma série de aspectos a serem abordados de maneira mais aproximada, para que se estude a aplicabilidade dos princípios regentes da responsabilidade objetiva à reparação do dano ambiental. Isso se torna necessário em razão da importância que constituem para o melhor entendimento das situações objeto do presente trabalho. Entre os aspectos de maior interesse, por seu caráter básico para a compreensão do assunto, estão a sua conceituação, incluindo suas características, o problema da constatação da ocorrência do dano e a sua respectiva comprovação e avaliação. Nos sub-capítulos que se seguem, pelos motivos descritos, serão analisados os mencionados aspectos, de forma simples, procurando fazê-lo de maneira clara e concisa.

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Também serão abordados outros tópicos, como a possibilidade de comprovação de danos ambientais futuros e breves comentários sobre o posicionamento de parte da jurisprudência existente no que for pertinente às situações antes apresentadas.

3.1 O DANO AMBIENTAL E SUA CONCEITUAÇÃO Uma correta compreensão do conceito de dano ambiental é essencial para o desenvolvimento de um estudo mais aprimorado no âmbito do Direito Ambiental. Nos ensinamentos de Paulo de Bessa Antunes, o dano é o prejuízo causado a alguém por um terceiro que se vê obrigado ao ressarcimento. É juridicamente irrelevante aquele prejuízo que tenha por origem um ato ou uma omissão imputável à própria vítima. É essencial que a ação ou omissão seja de um terceiro e que a alteração provocada por este seja negativa.66 Para Édis Milaré, entende-se por dano ambiental a lesão aos recursos ambientais, com conseqüente degradação, com alteração adversa ou “in pejus”, do equilíbrio ecológico.67 Vários são os conceitos encontrados na doutrina quando esta procura uma definição, sendo que o primeiro conceito de que se tem notícia foi elaborado por Michel Despax, que ressaltou o aspecto peculiar do dano, o qual se caracteriza por prejuízos diretos e indiretos que provêm de agressões ao meio ambiente.68 Nos ensinamentos de Michel Prieur, se conceitua o dano ambiental como sendo: “Aquele que se constitui em um atentado ao conjunto de elementos de um sistema e que por sua característica indireta e difusa não permite, enquanto tal, que se abra direito a sua reparação”.69 Uma das razões que dificultam o estabelecimento de uma definição mais abrangente é a grande diversidade de formas nas quais ele ocorre. Devido a esse fato, os autores estrangeiros têm procurado elaborar conceitos a partir da observação das várias formas através das quais o dano ambiental se manifesta. Outro conceito entre a doutrina estrangeira que pode ser mencionado é o de Patrick Girod, que resume o dano ecológico como aquele causado pela poluição; e abrange 66

Apud ANTUNES, Paulo de Bessa. Obra citada, p. 146. MILARÉ. Obra citada, p. 206. 68 PRIEUR, Michel. Obra citada, p. 1.036. 69 PRIEUR, Michel, Obra citada, p. 1.036. 67

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todos os danos que contribuem para a degradação dos elementos naturais, como é o caso da água, do ar e do nível de ruído, sendo portanto, o dano causado pelo homem ao meio ambiente.70 Baseando-se no texto da Constituição Federal, em seu artigo 225, parágrafo 3º, e em harmonia com este, José Afonso da Silva admite como dano ecológico qualquer lesão ao meio ambiente causada por condutas ou atividades de pessoa física ou jurídica de direito público ou de direito privado.71 Deve ser ressaltada a radical mudança de enfoque desse autor, em relação aos conceitos básicos no que diz respeito ao meio ambiente, passando de uma postura eminentemente antropocêntrica, no início dos anos 80, para uma nova visão que contempla o meio ambiente em todas as suas formas de vida, exibida em sua última obra citada, datada de 1998.72 Sérgio Ferraz, define o dano ambiental como “toda lesão defluente de qualquer agressão à integridade ambiental”.73 Conceituar dano ambiental, para diversos autores parece ser atividade bastante simples, situação na qual não se pode comparar com a importante tarefa de comprovar a ocorrência desse dano. Seguindo essa linha de pensamento, desenvolver-se-á no próximo subcapítulo uma análise quanto à referida comprovação e seus maiores obstáculos.

3.2 OBSTÁCULOS À CONSTATAÇÃO E COMPROVAÇÃO DO DANO AMBIENTAL A constatação do dano ambiental e sua comprovação são de grande importância para a questão da preservação do meio ambiente, haja vista serem o início do que poderia ser chamado de processo de reparação dos danos. Observa-se porém, que nem sempre é fácil perceber ou constatar que um dano esteja ocorrendo ao meio ambiente, como é o caso de contaminações lentas e graduais da água

70

GIROD, Patrick. La réparation du dommage écologique. Paris: Librairie Genérale de Droit et de Jurisprudence, 1974, p. 13. 71 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 207. Constituição Federal, artigo 225: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. 72 SILVA, José Afonso da. Obra citada, p. 2. 73 FERRAZ, Sérgio. Responsabilidade Civil por dano Ecológico. RDP 49/50, p. 35.

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por produtos químicos. Da mesma maneira acaba sendo difícil comprovar que um dano ambiental realmente tenha ocorrido. Não é raro ocorrer, que na proposição de uma ação civil pública de responsabilidade por danos ambientais, o Poder Público, ou as associações civis de proteção ao meio ambiente, também legitimadas pela Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 198574, se depare com um obstáculo ao ter que apresentar ao juízo provas claras e conclusivas da ocorrência do dano ambiental. Uma das grandes dificuldades se configura quando é necessário provar danos cuja natureza faz com que se manifestem ao longo do tempo, podendo ser em anos ou décadas. A dificuldade que se verifica na realização da prova dos danos ao meio ambiente fica evidenciada na jurisprudência selecionada, como pode ser verificado no correspondente anexo ao presente trabalho. É comum nos tribunais, como poderá ser visto oportunamente, o entendimento judicial no sentido da insuficiência das provas, negando por esse motivo a condenação dos supostos poluidores ou a adoção de medida preventiva requerida. Assim, se manifestou o Desembargador Eder Graf, ao relatar apelação cível, da Comarca de Florianópolis, publicada no DJESC em 13 de setembro de 1991, cujo acórdão encontra-se também incluído nos anexos: “A ação civil pública, instrumento processual adequado para impedir ou reprimir o dano ecológico, demanda ideológica por excelência, deve repousar sobre fatos concretamente demonstráveis e que possam ser imputados a quem lhes der causa”. Não se pode deixar de considerar também, outro dos obstáculos identificados à comprovação do dano ambiental, que é a necessidade de perícias que dificultam, ou até mesmo impedem, o sucesso de eventuais ações judiciais.75 A questão, certamente complexa, não fica restrita apenas ao problema da constatação e comprovação do dano ambiental. Em determinadas situações é muito complicado estabelecer a relação de causalidade entre o dano causado e o fato gerador deste. Dentre tantos pontos mencionados, outra dificuldade relevante surge na comprovação de um dano futuro, cujo estudo realizar-se-á em seguida. 74

Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências. Por motivo de delimitação de tema, não constitui objetivo deste trabalho o estudo pormenorizado dos meios processuais de proteção ambiental. 75 BENJAMIN. Obra citada, p. 234.

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3.3 O DANO FUTURO E SUA COMPROVAÇÃO Comprovar alguma coisa que ainda não aconteceu, ou seja, que ainda está no plano futuro, certamente não é das tarefas mais simples, sendo no âmbito da defesa do meio ambiente uma das questões mais discutíveis. Como comprovar e avaliar um dano ambiental que vai sendo provocado aos poucos, se os seus efeitos somente se manifestarão no futuro? Sobre a possibilidade de fazê-lo ou não, há opiniões bastante divergentes entre aqueles que, de alguma forma, se debruçaram sobre o tema. O maior problema desse tema é verificar que muitos danos ocorridos por todo o mundo, alguns irreparáveis, eram deveras previsíveis e, talvez em muitos dos casos passíveis de ser comprovados. “A atividade pode ser produzida hoje e os efeitos do dano só aparecerem após vários anos ou, o que é pior, já em outra geração. Em outros casos, o dano imediatamente visível é só a ponta do iceberg, sendo que é com base nele que se calcula o valor global e da indenização”.76 Muitas vezes o dano futuro não pode ser comprovado de plano, vindo assim a ocorrer efetivamente no futuro, sem que se tenha podido adotar qualquer medida em sentido contrário. Por isso, devem ser medidos seus efeitos, tanto quanto seja possível, através de provas periciais. Sendo viável demonstrar que um certo efeito decorre normalmente de um dano ocorrido, mesmo que não fique evidente que já ocorreu, ou que vá ocorrer, deveriam ser adotadas medidas, no sentido de minimizá-lo. Estas ficariam a cargo do causador, ou seriam custeadas por este. Nessa linha de pensamento se expressa Francisco José Marques Sampaio: “Quando não houver a possibilidade de adotar qualquer dessas medidas, em virtude da natureza do dano verificado ou da impossibilidade de prever-se onde e em que condições os efeitos adversos vão ocorrer, bem como quem serão o indivíduos ou coletividades afetados – como saber-se, por exemplo, quem desenvolverá moléstias, como câncer, em virtude de ingerir água 76

BENJAMIN. Obra citada, p. 234. In: A responsabilidade objetiva do poluidor no direito ambiental brasileiro. Monografia de conclusão de curso de graduação em direito na Universidade Federal de Santa Catarina, apresentada em dezembro de 1996, pela bacharelanda Daniele Cana Verde Fernandes.

47

proveniente de rio contaminado por poluentes químicos – deve-se adotar a solução prevista na teoria clássica da responsabilidade civil, isto é, o arbitramento do valor da respectiva indenização, a ser destinada ao fundo de reconstituição dos bens lesados, tal como determina a lei da ação civil pública.”77 O citado autor ainda observa que os recursos da indenização devem permanecer disponíveis, durante o lapso de tempo em que se estima que os efeitos adversos possam ocorrer, para ser empregados no enfrentamento dos problemas que estejam relacionados com o referido dano. É entendimento já manifestado pelo extinto Tribunal Federal de Recursos, em apelação cível de n.º 88.556.787, de que a simples alegação da possibilidade de dano ao meio ambiente não autoriza a concessão de liminar suspensiva de obras e serviços públicos prioritários e regularmente aprovados pelos órgãos técnicos competentes. Essa orientação é, segundo Paulo de Bessa Antunes, péssima sob o ponto de vista do princípio da precaução, pois se perde uma oportunidade de evitar possíveis danos futuros. “Em geral, eles ( Tribunais brasileiros) têm adotado uma postura que exige o dano real e não apenas o dano potencial. Parece-me que não têm sido aplicado e observado o princípio da cautela em matéria ambiental que, como se sabe, é um dos princípios básicos do Direito Ambiental”.78 Dessa forma, acaba sendo admitido, em alguns casos, uma espécie de “perigo socialmente aceitável”. Assim, muitas vezes o interesse financeiro, principalmente relacionado a grandes obras, se sobrepõe ao interesse da coletividade em preservar ou proteger, demonstrando a influência dos fatores econômicos também na área ambiental. É nesses casos que se evidencia a importância do princípio da precaução, proclamado pela Carta do Rio de Janeiro, em 1992.

3.4 A AVALIAÇÃO DOS DANOS AMBIENTAIS E A NATUREZA ECONÔMICA DO DIREITO AMBIENTAL

77 78

SAMPAIO. Obra citada, p. 230. ANTUNES, Paulo de Bessa. Obra citada, p. 148.

48

Avaliar um dano ambiental é considerada uma tarefa complexa e que pode ficar envolta em uma grande controvérsia. Surgem inevitavelmente certos questionamentos como: é possível, ou não, fixar um valor justo para a vida de um animal ou para a de toda uma floresta ? Qual o preço da vida existente em um determinado trecho de um rio ? A morte de um animal ou de uma planta pode ser compensada arbitrando-se um valor a ser pago pelo responsável ? E a extinção de uma espécie ? Como pode ser percebido, a discussão sobre o assunto é de uma complexidade muito elevada, sendo que as questões supracitadas não estão próximas de obter uma resposta de consenso ou que seja aceita facilmente. Para Antônio Herman V. Benjamin, um problema sério em relação à avaliação de um dano ambiental é o fato de que se calcula o valor global e final da indenização sobre o dano imediatamente visível, que ele chama de a ponta do iceberg.79

Essa comparação

sugerida pelo autor, demonstra sua idéia de que grande parte do dano ambiental não é sequer constatada, discutida ou reparada. Esse autor ainda referindo-se às deficiências do sistema legal, lembra em sua obra já citada que a grande maioria das ações civis públicas propostas no Brasil está absolutamente parada exatamente na fase de cálculo do dano causado. Finalmente, no sub-capítulo 3.4 ainda serão observados aspectos da natureza econômica que possui o Direito Ambiental, através de diversos fatores econômicos presentes e que não devem ser desconsiderados.

3.4.1 AS FORMAS DE AVALIAÇÃO E O PROBLEMA DA AVALIAÇÃO EXATA A avaliação de um dano ao meio ambiente pode dar-se de diversas formas, de acordo com os critérios utilizados e do próprio conceito que se tem de dano ao meio ambiente. Notadamente, não terão resultados iguais, avaliações distintas, uma tomando por base o valor comercial de uma certa quantidade de madeira extraída, e, outra, o valor de uma floresta para a manutenção da qualidade de vida da população próxima a ela. É evidente que não pode haver fórmula matemática perfeita para que se avalie um dano ambiental. Uma floresta destruída tem que valor ? Seu valor deve ser atribuído pela 79

BENJAMIN, obra citada, p. 234.

49

quantidade de árvores, pela “idade” das mesmas, pela quantidade de espécies que na dita floresta habitam ou por qualquer outro critério ? Como foi visto anteriormente, comprovar um dano ambiental é muito difícil, sendo consequentemente de tanta ou mais dificuldade fazer essa comprovação em termos de quantificação ou de gradação. A exatidão, que normalmente é o ideal buscado em casos de reparação, é mais difícil de ser alcançada quando o bem em tela é o meio ambiente, considerando-se toda a gama de modos de vida que podem ser atingidos por uma atividade poluidora. A jurisprudência tem entendido que a avaliação feita de um determinado dano ambiental não deve ser necessariamente exata, em razão das dificuldades que cercam essa tarefa. Essa postura têm reflexos positivos para a tutela que se procura implementar, na medida em que diminui a possibilidade de retardos desnecessários no processo de avaliação dos danos.

3.4.2

A QUESTÃO DA AVALIAÇÃO MONETÁRIA DO

AMBIENTE DANIFICADO A avaliação do patrimônio ambiental danificado, é motivo para discussões e divergências sem resposta precisa e definitiva. Não se pode proceder como na simples avaliação de um bem material como um carro ou uma casa. O encargo de avaliar, na esfera do meio ambiente, tem peculiaridades decorrentes da dificuldade de se atribuírem valores aos bens ambientais (água, ar, solo, silêncio...). Esses bens nunca tiveram preços verdadeiros, porque se acreditava que eles eram gratuitos, além de inesgotáveis. Ao se verificar que isso não era verdadeiro, a Organização das Nações Unidas - ONU recomendou a compatibilização do crescimento econômico com a preservação ambiental.80 Propor avaliar monetariamente o meio ambiente pressupõe a existência de integração dos campos da Economia e do meio ambiente, que era considerado um elemento externo ao objeto da Economia. Esse pensamento está ultrapassado, como poderá ser percebido mais adiante.

80

BENAKOUCHE, Rabah & SANTA CRUZ, René. Obra citada, p. XI.

50

A respeito dessa avaliação se pode questionar, sendo um cálculo monetário, se é, ou não, legítima. Para alguns autores, a questão é a possibilidade, ou não, da implementação de uma política ambiental sem o uso de instrumentos econômicos.81 “A adoção de um valor arbitrado para significar a espécie destruída tem a desvantagem de estabelecer um macabro sistema pelo qual aqueles que possuem recursos financeiros poderão pagar uma soma para compensar a área ou espécie prejudicada. Por outro lado, este mecanismo tem como lado positivo a fixação de um critério objetivo a ser imposto ao poluidor”.82 Assim também vêem o caráter duvidoso da avaliação monetária do meio ambiente, Rabah Benakouche e René Santa Cruz: “Jacaré, R$ 30; pingüim, US$ 200; urso pardo, 700 rublos; desmatamento florestal na Etiópia, 10% do PNB (1983); perda de biomassa em Burquina Faso, 9% do PNB (1988); despoluição na RFA, 5% do PNB (1985); acidente do Aramo-Cadix, 25 milhões de dólares...; esses são alguns dos valores atribuídos a bens naturais e danos ambientais”.83 Quando se fala em desenvolvimento e na satisfação das necessidades humanas, surgem duas alternativas opostas: a primeira, considerar que o processo produtivo deve funcionar a toda força e sem maiores restrições, situação não sustentável; ou que deve haver crescimento e preservação do meio ambiente simultaneamente. Essa segunda alternativa faz com que se atribua um preço a certos bens naturais que, na verdade, não o têm. Como se vê, a chamada avaliação monetária ambiental é um procedimento no qual devem ser tomados todos os cuidados. Isso, principalmente para que a situação não se transforme em um grande mercado oficial de negociações envolvendo o meio ambiente, para não agravar ainda mais os problemas futuros.

3.4.3

A

NATUREZA

ECONÔMICA

DO

DIREITO

AMBIENTAL 81

Nesse sentido observam Rabah Benakouche e René Santa Cruz, em sua obra: Avaliação monetária do Meio Ambiente. São Paulo: Makron Books, 1994. 82 ANTUNES, Paulo de Bessa. Obra citada, p. 152. 83 BENAKOUCHE, Rabah, & SANTA CRUZ, René. Obra citada, apresentação, p. IX.

51

O Direito Ambiental, como praticamente tudo na sociedade atual, possui um aspecto econômico muito forte, sendo interessante ressaltar nesta monografia, alguns modos como este se manifesta. Desde o princípio do poluidor-pagador até os valores das indenizações, passando pelos custos com educação ambiental, estudos de impacto ambiental e responsabilidade civil objetiva, todo o Direito Ambiental está sob a influência dos fatores econômicos. Ao analisar a implantação de um projeto, o empreendedor procura verificar se terá benefícios superiores aos custos, tornando viável tal empreendimento. A análise dos custos dos projetos se desenvolveu através de uma metodologia surgida em meados do século, visando avaliar se o conjunto da sociedade se dispõe a pagar um determinado preço para que se desenvolva um certo projeto. É uma espécie de análise custo benefício tomando por base o interesse da sociedade e não somente o interesse privado. Da evolução desse tipo de trabalho surgiram os estudos de impacto ambiental, nos quais o parâmetro principal é a repercussão sobre o meio ambiente. Apesar de não ser o objetivo específico deste trabalho analisar o Estudo de Impacto Ambiental 84, é conveniente mencionar alguns de seus aspectos, como o fato de apesar de ter procedimento próprio, o referido estudo levar em consideração os estudos anteriormente realizados. Esses estudos anteriores, geralmente realizados pelo requerente, deverão ser considerados, inclusive no aspecto econômico. Sobre o tema, é oportuno lembrar sua previsão na conhecida Declaração do Rio de Janeiro, em seu princípio de n.º 17: “Os levantamentos de impacto ambiental, como instrumentos nacionais, devem ser exigidos para as atividades que possam causar impacto ambiental adverso e os que estejam sujeitos à comunidade internacional devem se voltar para os Estados em tais situações”. No balanceamento dos interesses em jogo na elaboração do projeto, são identificados os prejuízos e as vantagens que deverão advir para os diversos segmentos sociais.85

84

Para estudo do Impacto Ambiental, ver: ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998, p. 159 e seguintes; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 157 e seguintes; e CAPELLI, Silvia. O Estudo de impacto Ambiental na Realidade Brasileira. In: BENJAMIN, Obra citada, p. 152 e seguintes. 85 MACHADO. Obra citada, p. 174.

52

Não é difícil perceber, pelo que foi anteriormente explicitado, que quase invariavelmente interesses econômicos e de preservação ambiental se contrapõe uns aos outros, quando vistos em casos concretos. Outra conseqüência de caráter econômica, advêm do reconhecimento, por parte da legislação ambiental, da responsabilidade civil objetiva por danos ao meio ambiente, reconhecendo o risco como fundamento da indenização. Desse fato decorre consequentemente um aumento dos custos das atividades potencialmente perigosas, em razão da necessidade de prever o pagamento de indenizações a eventuais vítimas. Também se pode considerar como um aspecto econômico do Direito do Meio Ambiente, a relação existente entre sua preservação e as condições de vida da maior parte da população. De tal maneira, é possível aproveitar o que observa Fritjof Capra, referindo-se à importância do pensamento sistêmico em relação aos problemas de nossa época: “Por exemplo, somente será possível estabilizar a população quando a pobreza for reduzida no âmbito mundial. A extinção das espécies animais e vegetais numa escala massíva continuará enquanto o Hemisfério Meridional estiver sob o fardo de enormes dívidas”.86 Complementa, ainda, o autor, que a escassez de recursos e a degradação do meio ambiente combinam-se com populações em rápida expansão. Finalmente, não poderia deixar de ser mencionada a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que está claramente fundada em uma certa finalidade, dispondo em seu artigo 2º, que: “A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no país, condições de desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana (...)”. Manifestação do caráter econômico do Direito Ambiental, também se evidencia pela cobiça gerada pelos recursos naturais, como é o caso da água. O Brasil é um perfeito exemplo de como a gestão dos recursos hídricos pode envolver interesses econômicos de grande vulto.

86

CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida – uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996, p. 23.

53

“No mundo inteiro, a água de boa qualidade se tornou um produto escasso; tão escasso que começou a parecer normal pagar para obtê-la em quantidade suficiente. A década de 90 presenciou o passo seguinte: a privatização acentuada dos serviços de captação, tratamento e distribuição de água potável. Porém, simultaneamente apareceram pressões contraditórias. De um lado, existe a necessidade de conscientizar o consumidor: afinal, ele também costuma ser o poluidor, quer na forma de usos domésticos, industriais ou agrícolas. Por outro lado, as “forças ocultas” do mercado objetivam promover a gestão privada dos recursos hídricos e a privatização dos lucros que ele propicia (...)”.87 Realmente, a sua faceta econômica, deve ser uma das grandes dificuldades a ser superadas pelo Direito Ambiental, para tutelar eficazmente o meio ambiente. Assim, afim de evitar que o poder econômico se sobreponha ao interesse e o bem comum, será preciso um árduo, porém valioso trabalho dos operadores do direito. Entre as tantas lutas incluídas no referido trabalho, certamente se encontra a valorização da reparação do dano ambiental, como ponto de essencial importância à questão do meio ambiente.

4. A REPARAÇÃO DO DANO COMO PONTO ESSENCIAL Do estudo realizado neste trabalho, até o presente capítulo, pôde ser percebido o conjunto de fatores que envolve o tema da preservação do meio ambiente e da importância que isso têm para todos os tipos de vida e, principalmente, para as gerações futuras. Isto posto, se vê que toda essa análise desemboca no fato evidente de que os danos já causados, e os que ainda não o foram, deverão ser reparados. Para autores como Antônio Herman V. Benjamin, as modificações legislativas que incorporaram, entre outros, o princípio do poluidor pagador ao Direito Ambiental não conseguiram superar um obstáculo intransponível. O autor julga ser esse obstáculo, o fato de o dano ambiental nem sempre ser reparável.88 Traduz essa idéia, sua seguinte observação: “Não podemos, por exemplo, substituir uma paisagem ou uma espécie extinta; para tais casos, inexiste reparação in integrum.”89

87

CAUBET, Christian Guy. Recursos Hídricos e participação dos usuários na gestão. Seminário de doutorado, UFSC – CPGD, 12 de junho de 1999. 88 BENJAMIN. Obra citada, p. 235. 89 BENJAMIN. Obra citada, p. 235.

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Dessa situação, se pode observar a importância da devida reparação ocorrer sempre que possível, mesmo que envolva uma certa gama de dificuldades. Entre os aspectos mais relevantes da reparação do dano ambiental está o fato de se tratar, em grande parte, de interesses difusos, ou seja, os de interesse juridicamente reconhecido, de uma pluralidade indeterminada ou indeterminável de sujeitos que, potencialmente pode incluir todos os participantes da comunidade. Assim, enfatizou Waldemar Mariz de Oliveira Júnior: “Ainda no campo do direito material, vamos encontrar um outro aspecto muito sério que é o do ressarcimento do dano. E esse aspecto é efetivamente muito sério porque se o ressarcimento do dano na ação tradicional é simples, é singelo, na ação ideológica obviamente será difícil, porque o ressarcimento não se fará em relação a uma ou duas pessoas, mas se fará para um enorme contingente de pessoas, podendo até atingir milhões de pessoas”.90 A reparação de um dano ambiental ocorrido deve ser sempre o objetivo principal a ser buscado. Infelizmente , segundo parte da doutrina, qualquer critério de reparação do dano ambiental é falho ou insuficiente, não permitindo assim, que esse objetivo seja plenamente atingido.91 A primeira hipótese considerada, em termos de reparação, deve ser, sempre que possível, a do retorno do ambiente atingido ao statu quo ante , ou seja, a seu estado anterior. A reconstrução de um lugar degradado não é tarefa fácil, fato pelo qual se torna cada vez mais evidente a prioridade que deve ser dada às ações de caráter preventivo em todos os escalões em que forem cabíveis, bem como o reconhecimento da importância da tutela do meio ambiente em caráter reparatório.

4.1 A TUTELA DO PATRIMÔNIO AMBIENTAL, DE SEUS ELEMENTOS E SUA IMPORTÂNCIA

90

OLIVEIRA JÚNIOR, Waldemar Mariz de. Série de estudos jurídicos – A tutela dos interesses difusos. Editora Max Limonad, 1984, p. 159-160. 91 Nesse sentido se manifesta Paulo de Bessa Antunes, em obra já citada, na qual o autor observa que a atividade ambiental deve ser regida fundamentalmente pelos critérios preventivos.

55

Água, ar, solo, fauna e flora são indispensáveis à continuação da vida, constituindo-se em bens de valor supremo e de natureza indispensável.92 Estão esses elementos permanentemente em dependência uns dos outros, formando um todo, o meio ambiente. Deve, assim, ser examinada neste sub-capítulo, em separado, a proteção legal outorgada a cada elemento natural especificamente, a começar pela legislação referente às águas.

4.1.1 A PROTEÇÃO DAS ÁGUAS A Lei de Direito da Água do Brasil é o Código de Águas, de 10 de julho de 1934 que, apesar do tempo transcorrido desde aquela data, ainda é considerado pela doutrina como um texto modelar do Direito Positivo Brasileiro.93 O referido Código pouco foi modificado pela Constituição Federal de 1988, sendo uma das poucas modificações, a extinção do domínio privado da água, passando todos os corpos d’água a ser de domínio público. As águas são constitucionalmente previstas como bens da União ou dos Estados, de acordo com os artigos 20, inciso III, e, 26, inciso I, respectivamente.94 Como integrantes do meio ambiente, as águas são protegidas por diversas leis, entre as quais se destaca a Lei n.º 9.433, de 08 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e deu outras providências. O texto da Lei da Política de Recursos Hídricos dispõe, de forma clara, os cinco princípios básicos da gestão dos recursos hídricos, observados da mesma maneira que os países que avançaram nessa questão. São esses os princípios enumerados:

92

SAMPAIO. Obra citada, p. 130. Lei n.º 9433/97, Apresentação – Estágio Atual dos Aspectos Institucionais da Gestão de Recursos Hídricos no Brasil, p. 03. 94 Constituição Federal, artigo 20: “São bens da união: (...) III – os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais”. Artigo 26 : “Incluem se entre os bens dos Estados: I – as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União”. 93

56

1º) A adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamento, com os limites da bacia definindo o perímetro da área a ser planejada, facilitando o confronto entre as disponibilidades e as demandas, essenciais para o chamado balanço hídrico; 2º) Os usos múltiplos, quebrando a hegemonia de um setor usuário sobre os demais; 3º) O reconhecimento da água como bem finito e vulnerável, enfatizando a necessidade de utilizá-la com rígido controle em relação à qualidade e quantidade; 4º) O reconhecimento do valor econômico da água, como meio indutor do uso racional desse recurso natural; e 5º) A gestão descentralizada e participativa, possibilitando a tomada de decisões em níveis hierárquicos mais baixos de governo, com maior influência dos usuários, da sociedade civil organizada, de organizações não governamentais e outros organismos. Além da citada lei, diversas outras se referem às águas de maneira geral, como a Lei n.º 5.318, de 1967, que institui a Política Nacional de Saneamento; a Lei n.º 5.357, também de 1967, que estabelece penalidades para embarcações marítimas e fluviais que lancem detritos ou óleo em águas brasileiras; o Decreto n.º 94.076, de 1997, que instituiu o Programa Nacional de Microbacias Hidrográficas; e a Lei n.º 7.661, de 1988, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro.

4.1.2 A PROTEÇÃO DA QUALIDADE DO AR Em relação ao ar, sua proteção contra poluição por vapor, gás, fumaça e poeira, objetiva manter o grau de pureza no qual se considera saudável. Ensina Paulo Affonso Leme Machado que, vapor é o gás que pode condensar-se em condição normal como o vapor d’água; gás é a substância que normalmente mostra-se no estado gasoso e não se condensa; poeira são as partículas sólidas finamente divididas e fumaça são partículas sólidas com gotículas de líquidos e vapores.95 O ar é tutelado através da fixação de padrões de qualidade, estabelecidos pela Portaria do Ministério do Interior n.º 231, de 27 de abril de 1976, padrões estes que são: “As concentrações de poluentes atmosféricos que, ultrapassadas, poderão afetar a saúde, segurança e bem estar da população, bem

95

MACHADO. Obra citada, p. 287.

57

como ocasionar danos à flora e à fauna e ao meio ambiente em geral”.96 Estabelecer limites e padrões também é objetivo do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores - Proconve, instituído pela Resolução n.º 18, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, de 06 de maio de 1986. O Conama ainda, pelas resoluções n.º 3 e 4, de 15 de junho de 1989, fixou, respectivamente, padrões de emissão de aldeídos e hidrocarbonetos por escapamento de veículos automotores; e, pela resolução n.º 3, de 28 de junho de 1990, estabeleceu padrões de qualidade do ar atualmente em vigor.

4.1.3 A TUTELA DO SOLO O solo apresenta características de grande importância para a vida e a manutenção do equilíbrio ecológico. Este elemento se constitui em um complexo vivo, onde as associações de matérias vivas que o compõe estão em constante interdependência com o meio ecológico. Sendo definido como bem imóvel, o conceito de solo abrange não apenas a sua superfície, mas também seus acessórios e adjacências naturais. Acessórios do solo são os produtos orgânicos superficiais, os minerais do subsolo, as obras de aderência permanente e as benfeitorias, independentemente do valor. As adjacências naturais são a vegetação em geral, seus respectivos frutos, o espaço aéreo e o subsolo. A utilização descontrolada do solo em geral e o crescimento populacional têm tido como conseqüência a destruição de seus recursos naturais, sendo patente a necessidade de se estabelecer dispositivos que tutelem a qualidade do solo. O ordenamento jurídico brasileiro engloba diversos dispositivos referentes à ocupação, parcelamento e proteção do solo, como são: o Decreto n.º 1.985, de 29 de janeiro de 1940, com as alterações do Decreto-lei n.º 227, de 28 de fevereiro de 1967, conhecido como Código de Minas, a Lei n.º 4.504, de 30 de novembro de 1964, chamada Estatuto da Terra, e o Decreto 76.470, de 16 de outubro de 1975, que criou o Programa Nacional de Conservação dos Solos - PNCS.

96

MACHADO. Obra citada, p. 449.

58

4.1.4 A PROTEÇÃO DA FAUNA E DA FLORA A fauna, englobando as variadas espécies animais brasileiras, recebe, após a Constituição Federal de 1988, proteção de três modos distintos, vedando: práticas que coloquem em risco sua função ecológica; práticas que provoquem a extinção das espécies e práticas que submetam os animais à crueldade.97 Entre as normas mais relevantes, na proteção das espécies animais, podem ser mencionadas: a Lei n.º 7.653, de 12 de fevereiro de 1988, que dispõe sobre a proteção da fauna; a Convenção sobre Pesca e Conservação dos Recursos Vivos do Alto-Mar, de 1958, à qual o Brasil aderiu autorizado pelo Decreto Legislativo n.º 45/68; e a Lei n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas lesivas ao meio ambiente. O conjunto de espécies vegetais, chamado flora, compreende, segundo observa Helita Barreira Custódio:

“Todas as espécies vegetais, constitui termo de acepção genérica, abrangendo, em seu conteúdo, toda e qualquer espécie vegetal, seja qual for a sua localização ou a dimensão de área revestida. Em seu amplo significado, o vocábulo vegetação compreende todas as superfícies urbanas, periurbanas e rurais, em suas diversas denominações e extensões, submetidas a regras de proteção e de aquisição especiais, de acordo com a utilidade às terras que revestem”.98 A Lei n.º 4.771, de 15 de setembro de 1965, que instituiu o Código Florestal, é o diploma legal que se refere às florestas e demais formas de vegetação, além das leis que dispõe sobre a flora juntamente com a fauna, anteriormente mencionadas. Como foi possível verificar, o meio ambiente se constitui em um todo, formado por diversos elementos, cuja proteção específica também se faz necessária, para que sejam alcançados os objetivos de preservação do patrimônio ambiental. Apesar dos esforços demonstrados com a criação de tantos dispositivos regulando a proteção ambiental, parecem não ter sido implementados, na mesma escala, os trabalhos principalmente de fiscalização, haja vista a quantidade elevada de danos ambientais de que se têm notícia. Sendo esse o fato em torno do qual se desenvolve este trabalho, serão abordadas, a seguir, as modalidades existentes de reparação dos danos ambientais. 97 98

MACHADO. Obra citada, p. 50. CUSTÓDIO, Helita Barreira. Obra citada, p. 128.

59

4.2 AS MODALIDADES DE REPARAÇÃO A repercussão de um dano ambiental pode não se dar necessariamente sobre uma pessoa ou seus respectivos bens. Apesar disso, esse dano é passível de reparação, nos termos da Lei n.º 6.938, de 1981, que no artigo 14, parágrafo 1º, obriga o poluidor, independente de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O dispositivo legal acima mencionado distingue indenização de reparação, tendo em vista suas evidentes diferenças. Apesar dessa observação, certas colocações doutrinárias são construídas no sentido de igualar o significado de simples indenização monetária com o de reparação de um dano99. O termo reparar direciona o pensamento mais no sentido de recomposição ou reconstituição. Ao tratar do assunto, José Afonso da Silva alude a uma “composição do prejuízo”, como sendo sua forma mais comum a indenização, logo em seguida mencionando que há outras formas de reparação além dessa. Assim, indenizar se equipara a reparar. O artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal vigente, aponta duas modalidades de imposições ao agente poluidor: as sanções penais e administrativas, e a obrigação de reparar o dano. “A grande dificuldade, evidentemente, não está nas sanções penais e administrativas, mas na obrigação de reparar o dano. Em que consiste tal obrigação? A prática judicial brasileira ainda não nos oferece uma resposta segura. Tem havido uma certa divergência entre as diversas Cortes de Justiça existentes no País”.100 Indenizar através de uma quantia em dinheiro, a ocorrência de um dano provocado, como, por exemplo, a poluição de um rio e a morte de grande parte das espécies que ali vivem, não é o que se imagina por reparar um dano. O próprio José Afonso da Silva, ao falar dos tipos de reparação, reconhece que a mortandade de peixes em um rio é um grave dano, que não se satisfaz com a mera indenização monetária, que às vezes não se sabe nem de quanto seria.101 99

Ver: SILVA, José Afonso da. Obra citada, p. 218. ANTUNES. Obra citada, p. 149. 101 SILVA. Obra citada, p. 218. 100

60

Tal discussão, sobre a indenização e a reparação propriamente dita, é, por demais pertinente, pois, como foi anteriormente estudado, um dos objetivos de todo o trabalho desenvolvido para a proteção do meio ambiente é garantir as condições de vida das gerações presentes e das futuras. “A partir do ponto de vista sistêmico, as únicas soluções viáveis são as soluções “sustentáveis”. O conceito de sustentabilidade adquiriu importância-chave no movimento ecológico e é realmente fundamental. Lester Brow, do Worldwatch Institute, deu uma definição simples, clara e bela: “Uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz suas necessidades sem diminuir as perspectivas das gerações futuras”.102 Analisando atentamente a citação em evidência, poderia ser feito o seguinte questionamento: poluir e posteriormente pagar uma indenização por isso é uma solução sustentável ?; e poluir (não propositadamente), pagar a indenização e despoluir, retornando ao estado anterior, independentemente dos esforços que tenham que ser feitos, seria uma solução sustentável ? Adaptando-se a essas necessidades, tem sido verificada uma moderna tendência de autores norte-americanos e canadenses, no sentido de atribuir ao Direito Ambiental, uma denominação de Direito do Desenvolvimento Sustentável.103 Assim, se torna clara a necessidade de que os danos sejam obrigatoriamente reparados, diretamente ou através de fundos com essa destinação. Nesse sentido, evidencia-se a importância da Ação Civil Pública, regulada pela Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, que criou Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, em que os recursos não advêm do Poder Executivo, mas das condenações judiciais, visando a recomposição dos bens e interesses lesados.104 O artigo 13, da referida lei, previu a existência de dois fundos, um gerido por um Conselho Federal e outro gerido por Conselhos Estaduais, sendo que os valores oriundos das ações civis públicas propostas em Juízo Federal serão geridos pelo Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos – CFDD, e os obtidos em ações na Justiça dos Estados se destina aos Conselhos Estaduais.

102

CAPRA, Fritjof. Obra citada, p. 24. ANTUNES, obra citada, p. 17. 104 MACHADO, obra citada, p. 290. 103

61

Apesar do advento dos citados fundos, não é possível, em determinados casos, reverter o quantum arbitrado para a recuperação do respectivo dano ambiental, por tratar-se de danos tidos como irrecuperáveis.105 Por todas as observações realizadas, se define, a volta ao estado anterior, como ponto essencial e objetivo prioritário no contexto da reparação ambiental.

4.3 O RETORNO

AO

ESTADO

ANTERIOR

COMO

OBJETIVO PRIORITÁRIO O objetivo prioritário, quando se discute a reparação de danos ao meio ambiente, deve ser, sem dúvida, o retorno dos bens degradados ao estado em que se encontravam anteriormente ao dano. Dessa maneira, estaria sendo garantida em parte a preservação do chamado patrimônio ambiental. Por toda a explanação realizada no sub-capítulo anterior, fica evidente que a simples condenação ao pagamento de uma indenização, por si só, enfocada a questão sob o ponto de vista da sustentabilidade, não resolve o problema. É necessária uma certa atenção aos termos utilizados pela Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional, respectivamente: “reparação” e “recuperação”; e “restauração” e “reconstituição”. Todos os termos apresentados procuram, de certo modo, expressar a idéia principal de retorno a um estado anterior. Paulo Affonso Leme Machado, em sua obra já citada, expõe o sentido do termo reparar, como: “Buscando-se o sentido do termo “reparar” encontramos o de “reconstituição da integridade e da funcionalidade de um objeto”.106 Verdade é que não há como escapar da idéia de retorno a uma situação da qual não se deveria ter saído. Não deve ser admitida com facilidade a hipótese de que um determinado dano é irrecuperável.

105

Ver Acórdão n.º 40.190, em apelação cível, da Comarca de Biguaçú, cujo inteiro teor se encontra em anexos à presente monografia. 106 Vocabolario della Lingua italiana, Firenze, Le Monnier, 1994.

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É sabido que em Direito Penal, quando a morte de uma pessoa é provocada por outra, não cabe condenação do culpado no sentido de fazer a vítima retornar ao estado anterior. Se essa possibilidade existisse, independentemente do tempo para isso necessário, desconsiderando-se as implicações de ordem religiosa, provavelmente haveria sua previsão legal. Pois bem, comparando um rio a uma pessoa na situação de vítima, pode ser verificado que o rio “morto” pode vir a ser recuperado; uma área de mangue “morta” igualmente pode ser passível de recuperação, ou , no mínimo pairam dúvidas quanto a isso. Essa questão é colocada, em virtude da constatação de uma tendência a se considerar danos ambientais como irrecuperáveis.107 Nota-se que na realidade o que acontece não é a irrecuperabilidade do bem, ainda que parcial, mas o fato de não compensar de acordo com análise custo-benefício. Se espera que a degradação ambiental não chegue ao ponto de que se tornem necessárias condenações a “ressuscitar” rios, mangues e outros. Infelizmente, pelo que se pode constatar em diversos momentos do estudo do Direito Ambiental, principalmente no que se refere à reparação dos danos ambientais, há, ainda, muitos obstáculos no caminho a ser percorrido. Alguns deles, podem ser considerados como óbices ao alcance dos resultados buscados. A seguir, esse tema será, por sua pertinência, convenientemente analisado.

4.4 OS ÓBICES AO ALCANCE DOS RESULTADOS Ao tomar ciência da situação atual, através dos estudos efetuados na doutrina e jurisprudência, se chega à constatação de que existem diversos motivos que dificultam o alcance dos resultados ideais em relação à proteção do meio ambiente. Esses óbices, ou obstáculos, serão apresentados no presente capítulo. Uma dificuldade natural, em virtude da atualidade do assunto, recentemente colocado em evidência, é a falta de uma formação acadêmica mais voltada para a importância do direito ambiental. Tal situação é facilmente exemplificada pela não inclusão da matéria entre as de cunho obrigatório, nas faculdades de direito.

107

Ver acórdão anexo, apelação cível n.º 40.190, da Comarca de Biguaçú.

63

Assim, é possível imaginar a atenção dada (ou a falta dela) à proteção ambiental nos cursos de direito realizados pelos atuais magistrados. Assim expõe Paulo de Bessa Antunes: “A grande dificuldade de tipificar o ilícito ambiental é que os seus fundamentos estão, também, em uma esfera nova e que atormenta a mentalidade conservadora. Existe uma grande dificuldade para que se defina o agente poluidor e degradador, ainda que os termos da lei brasileira sejam extremamente claros”.108 O referido autor critica o Poder Judiciário pelo fato, segundo seu entender, de que este têm abdicado de sua função cautelar em favor de uma atividade eminentemente repressiva que, no âmbito do Direito Ambiental, é de eficácia discutível. Ainda no âmbito do judiciário, outro óbice considerado é a necessidade de perícias para a resolução de grande número de ações, as quais sofrem com as deficiências de ordem material e de pessoal. Dessa forma, não é raro o fato serem inviabilizadas condenações à reparação em virtude da inexistência de prova científica do dano ambiental.109 Para Antônio Herman V. Benjamin o processo civil também se constitui em um óbice: “Ademais, o processo civil abre ao poluidor incontáveis fórmulas protelatórias, sem contar as suas múltiplas opções recursais É como se o meio ambiente danificado tivesse à sua disposição todo o tempo do mundo para aguardar uma eventual decisão de condenação do poluidor”.110 Esse caso, pelo que se vê, seria bom assunto para uma possível reforma processual. O autor lembra que a grande maioria das ações civis públicas propostas no Brasil está absolutamente parada na fase de cálculo do dano causado. Também entre os óbices, se incluem as dificuldades em comprovar a existência do dano e o nexo de causalidade, tratados especificamente em capítulos anteriores. Inicialmente a prova do nexo causal ainda é encargo da vítima do prejuízo ou de seu representante, Ministério Público ou Organização Não Governamental – ONG.

108

ANTUNES, Paulo de Bessa. Obra citada, p. 150. Ver jurisprudência selecionada – apelação cível n.º 211.502-1 – Tribunal de Justiça de São Paulo, datada de o8 de março de 1995, em anexo. 110 BENJAMIN. Obra citada, p. 234. 109

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Não pode ser esquecido como um dos óbices, no contexto geral da questão do meio ambiente, o vultuoso interesse econômico que gira em torno dos bens que compõe o meio ambiente. É provável que este interesse esteja na base de diversos outros óbices ainda não solucionados. Como foi observado no espaço destinado ao caráter econômico do meio ambiente, os recursos naturais podem gerar lucros gigantescos, não sendo prudente subestimar as conseqüências desse fator. Dentro do quadro geral onde se apresentam tantos obstáculos à reparação efetiva dos danos ambientais, se torna imprescindível que sejam apresentadas, igualmente, alternativas e outros procedimentos que auxiliem a reduzir as conseqüências desses óbices. Dessa forma, serão expostas as alternativas e modificações propostas por autores mencionados neste trabalho.

4.5

AS

ALTERNATIVAS

PROPOSTAS

PARA

A

REPARAÇÃO DOS DANOS AMBIENTAIS A reparação dos danos causados ao meio ambiente, como já foi observado, constitui um objetivo essencial na luta pela conservação do patrimônio ambiental. Passa obrigatoriamente pela questão da reparação, a visão de sociedade sustentável, onde não têm lugar os procedimentos que reduzam as possibilidades das gerações futuras. Assim sendo, diante das dificuldades que foram levantadas durante o atual estudo acadêmico, surgem alternativas propostas para que se atinja o objetivo comum de reparar os danos que a sociedade vem provocando ao meio ambiente. O artigo 225, da Constituição Federal coloca o meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo, reconhecendo a importância dele para a manutenção da qualidade de vida dos brasileiros. Para que o fim ao qual se destina o referido dispositivo constitucional seja alcançado, é imprescindível que se busquem constantemente alternativas que desbordem os problemas capazes de prejudicar a reparação ambiental. Atualmente uma das grandes preocupações do Judiciário é a celeridade com que se resolvem as ações propostas. Ao considerar a freqüência com ocorrem agressões ao meio ambiente e o agravamento do quadro de degradação ambiental, é possível concluir que se faz

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necessário cada vez mais o aperfeiçoamento dos instrumentos da responsabilidade civil voltados para a devida recuperação. Expõe a doutrina as diversas dificuldades que existem na obtenção de resultados satisfatórios na reparação dos danos ambientais empregando os instrumentos tradicionais da responsabilidade civil. Podem ser suscitados, com base na própria doutrina, algumas alternativas que surgem quanto ao problema já abordado da comprovação do dano. Nesse tema, pode ser citado o conselho de Antônio Herman Benjamin, que propõe, em sua obra já citada, a imposição do princípio do in dúbio pró ambiente, nos moldes do conhecido in dúbio pró réu. O mesmo autor propõe outras alternativas bastante pertinentes, como é o caso da inversão do ônus da prova da extensão do dano e do nexo causal em virtude da disparidade dos meios probatórios, no qual se pode traçar um paralelo com o prevê o Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Finalmente, Benjamin defende a possibilidade de ser proposta ação subseqüente à principal, mesmo que esta tenha transitado em julgado, para o eventual ressarcimento de remanescências do dano ambiental.111 Como é de se esperar, Paulo Affonso Leme Machado também apresenta uma pertinente sugestão, ao tratar da instituição de um fundo comum para evitar as conseqüências negativas da incerteza quanto à autoria da poluição. Segundo o autor, diversos países, como Estados Unidos, Japão e França, já se utilizam desse instituto jurídico que pode fazer grande diferença no contexto da reparação. Assim, espera que o legislador brasileiro siga o exemplo.112 Em um plano mais teórico, pode ser considerada como uma alternativa capaz de fortalecer as ações que tutelam o meio ambiente, a observação feita por Paulo de Bessa Antunes. Aquele autor demonstra estar, o direito ambiental, subordinado a certas regras dos demais “ramos do direito”, os quais ele denomina, exemplificativamente, “Direito do patrão”, “Direito do Estado” e outros.113 Dessa maneira, são esses direitos que devem se subordinar e se transformar em razão das necessidades maiores da sociedade, como a preservação do meio ambiente e da qualidade de vida.

111

BENJAMIN. Obra citada, p. 234. MACHADO. Obra citada, p. 287. 113 ANTUNES. Obra citada, p. 25. 112

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não se quer apontar nada como absoluto, haja vista a rápida evolução de alguns conceitos e posicionamentos atualmente, em especial no que se refere à prioridade que deve receber a questão da proteção do meio ambiente, mas destacar aqueles pontos de maior relevância e que se mostram mais evidentes. Assim, se verifica a importância de desenvolver um estudo versando sobre a responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente e sua respectiva reparação, em virtude da vasta gama de ameaças advindas do desenvolvimento mal planejado, das ações pouco fiscalizadas e da falta de consciência a respeito. Por esse motivo principal foi o assunto escolhido como objeto deste importante trabalho monográfico de conclusão de curso. A monografia que ora se conclui, foi dividida basicamente em quatro partes, cada uma compondo um capítulo específico. Em seu primeiro capítulo, a intenção maior foi transmitir uma noção inicial a respeito do histórico da legislação ambiental brasileira, da conceituação doutrinária sobre meio ambiente e poluição e, também, apresentar os princípios básicos da questão ambiental. Em um segundo momento, foi motivo de análise, a relação estabelecida entre a responsabilidade civil e os danos ambientais, verificando como se deu a instituição da responsabilidade objetiva na legislação brasileira. Contou ainda, o referido capítulo, com uma breve abordagem dos pontos de tangência entre a proteção ambiental e a defesa do consumidor. O terceiro capítulo tratou do dano ao meio ambiente e o problema que envolve sua comprovação e conseqüente valoração, passando por questões como a avaliação monetária do meio ambiente e o dano futuro. Assim, restou ao quarto capítulo ater-se à reparação do dano em seu caráter essencial para que se alcance o almejado objetivo de evitar ou, pelo menos, retardar efeitos maiores de degradação ambiental. Nesta última parte ainda tiveram lugar a exposição de alguns óbices levantados pelos principais doutrinadores, bem como sucintas sugestões de alternativas e modificações, que se julgadas cabíveis, podem reduzir as conseqüências dos obstáculos apresentados. Podemos concluir assim, a partir dos estudos realizados, que:

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-

A questão da preservação do meio ambiente tem recebido atenções maiores do que as recebidas no passado, porém não tem sido o suficiente para reverter o quadro de degradação e destruição do patrimônio ambiental;

-

Os princípios do Direito Ambiental apresentados, englobam ensinamentos de suma importância para a sociedade como um todo, devendo ser amplamente divulgados e postos em prática;

-

As ações em prol da defesa do meio ambiente devem ter eminentemente caráter preventivo, visando evitar a ocorrência de danos, em virtude de sua difícil reparação;

-

A responsabilidade civil objetiva por danos ambientais é um instituto essencial para a eficaz tutela do meio ambiente, e como tal deve ser implementada sempre que houver essa possibilidade;

-

Os demais “ramos” do Direito devem adaptar-se às peculiaridades do direito ambiental, e não este subordinar-se inteiramente àqueles;

-

Os operadores do Direito devem estar plenamente conscientes da importância de seu trabalho no contexto da mobilização social para a proteção dos recursos naturais, da qualidade de vida e da própria vida;

-

A reparação dos danos ao meio ambiente apresenta uma série de óbices ao alcance dos resultados a que se propõe, a maioria deles passíveis de redução ou eliminação, através de modificações que poderiam ser introduzidas na legislação pertinente;

-

É possível identificar na própria doutrina, alternativas propostas para o fortalecimento da ação do direito em face a esses óbices anteriormente apontados;

-

Mais estudos acadêmicos devem ter como área de atuação o direito do meio ambiente, haja vista a atualidade do tema e sua importância para o conjunto social; e

Twenty-two points, plus triple-word-score, plus fifty points for using all my letters. Game's over. I'm outta here. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.

68

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69

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 7ª edição. São Paulo: Malheiros, 1998. ___________, Paulo Affonso Leme. Ação civil pública (ambiente, consumidor, patrimônio cultural) e Tombamento. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública. 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. ___________, Rodolfo de Camargo. Ação popular – proteção do erário público, do patrimônio cultural e do meio ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. MEIO AMBIENTE E SOCIEDADE. Maria F. S. Faria, (Coord.) Rio de Janeiro, SENAC/DN/DFP, 1995. 68 p. (Série Estudos Contemporâneos, 1) PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1990. POLÍTICA AMBIENTAL – UFSC. Ofício Circular n.º 010/GR/98. RODRIGUES, Silvio. Direito civil – responsabilidade civil. 14ª edição, volume 4. São Paulo: Saraiva, 1995. SAMPAIO, Francisco José Marques. Responsabilidade civil e reparação de danos ao meio ambiente. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 14ª edição rev. e ampl. São Paulo: Cortez, 1986. 237 p. SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 2ª edição. 3ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 1998.

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STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 2ª edição ver. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. UNIVERSIDADE E SOCIEDADE FACE À POLÍTICA AMBIENTAL BRASILEIRA – IV Seminário Nacional sobre Universidade e Meio Ambiente. Textos Básicos. Florianópolis, 19 a 23 de novembro de 1990.

INTERNET:

Http://www.jurinforma.com.br/artigos/0024.htm Http://home.techno.com.br/vidagua 67

ANEXO I JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA Responsabilidade civil objetiva: Ação Civil Pública – Dano Ambiental – Área de mangue aterrada para fins de loteamento – Aprovação pela Prefeitura – Irrelevância – Direito adquirido inexistente – Responsabilidade objetiva – Prejuízo ecológico irrecuperável. Ao poluidor responsável por fato lesivo ao meio ambiente descabe invocar a ilicitude da atividade ensejada pela autorização da autoridade competente. A responsabilidade no âmbito da defesa ambiental é objetiva. O mangue constituise numa reserva natural de árvores e arbustos, abrigando variadas espécies de aves e animais. Bastante é a prova do nexo causal entre a ação do poluidor e o dano, para que nasça o dever de indenizar. (TJ/SC - Apelação Cível n.º 40.190, Comarca de Biguaçú – SC. Ac. Unân. – 4 Câm. Cív. - Relator Des. Alcides Aguiar. Fonte: DJSC, 07/02/96, pág. 12).

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Meio Ambiente – Dano – Responsabilidade Civil – Poluição de córrego – Depósito de resíduos líquidos de vinhoto – Danos graves à ictiofauna – nexo causal demonstrado – Indenização devida – Aplicação do artigo 14, parágrafo 1º, da Lei n.º 6.938/81. “1. A vinhaça ou vinhoto produzido pela destilação do álcool, quando depositada em leito de rio, sofre uma ação bacteriológica, provocando decomposição através de bactérias aeróbicas cujos efeitos alteram o equilíbrio ecológico, causando sérios prejuízos à vida aquática, devendo a empresa causadora dos danos daí decorrentes ser responsabilizada civilmente. “2. Comprovada a lesão ao meio ambiente e à ictiofauna, inclusive pela morte de milhares de peixes, em razão da atividade poluente exrercida pela fabricante de álcool a sua responsabilidade civil é patente, eis que objetiva, desnecessária sendo tecer quaisquer considerações a cerca do caráter 68 culposo dos atos causadores do dano ambiental”.Apelo improvido. (TJ/PR – 1ª C. – Ap.Cível – Proc. n. 0014530-2 – Comarca de Cruzeiro do Oeste – Relator Des. Oto Luiz Sponholz – 10/09/92 –publicada em 27/09/92 - DJ/PR, pág. 07).

Indenização – Responsabilidade civil – Dano ecológico – Morte de peixes e degradação do meio ambiente, ocasionados por derrame de resíduo tóxico em rio – Culpa da empresa ré – Dispensa, por cuidar-se de responsabilidade objetiva – Suficiência do encadeamento etiológico entre ação e resultado – Verba devida – Recurso não provido. (TJSP 4ª C. – Ap. – Relator Des. Ney Almada – 23/01/92 - RJTJESP 136/194).

Inexistência de prova científica: Ação Civil Pública – Cana de açúcar – Queimada para limpeza do solo, plantio e colheita – Inadmissibilidade – Liberação de gases altamente poluentes – Inexistência de prova científica de dano ambiental – Responsabilidade objetiva, contudo configurada – Prejuízos causados à saúde da população – Recursos não providos. Ínfima é a relevância de eventual dano ao meio ambiente quando causado dano à população, visualisado sob a égide da

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responsabilidade civil objetiva. (Apelação Cível n.211.502-1 – Comarca de Sertãozinho. Relator: Cambrea Filho – CCIV 7 – V.U. – 08/03/95).

Ação Civil Pública – agressão ao meio ambiente – Queima de palha de cana – inexistência de consenso científico ou jurídico sobre eventuais danos – Fumus boni iuris e periculum in mora não configurados – Recurso não provido. (Agravo de instrumento n.º 5.197-5. Nuporanga – Tribunal de Justiça de São Paulo. 3ª Câmara de Direito Público – Rel. Viseu Júnior – 30/04/96)

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ANEXO I JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA Responsabilidade civil objetiva: Ação Civil Pública – Dano Ambiental – Área de mangue aterrada para fins de loteamento – Aprovação pela Prefeitura – Irrelevância – Direito adquirido inexistente – Responsabilidade objetiva – Prejuízo ecológico irrecuperável. Ao poluidor responsável por fato lesivo ao meio ambiente descabe invocar a ilicitude da atividade ensejada pela autorização da autoridade competente. A responsabilidade no âmbito da defesa ambiental é objetiva. O mangue constituise numa reserva natural de árvores e arbustos, abrigando variadas espécies de aves e animais. Bastante é a prova do nexo causal entre a ação do poluidor e o dano, para que nasça o dever de indenizar. (TJ/SC - Apelação Cível n.º 40.190, Comarca de Biguaçú – SC. Ac. Unân. – 4 Câm. Cív. - Relator Des. Alcides Aguiar. Fonte: DJSC, 07/02/96, pág. 12).

Meio Ambiente – Dano – Responsabilidade Civil – Poluição de córrego – Depósito de resíduos líquidos de vinhoto – Danos graves à ictiofauna – nexo causal demonstrado – Indenização devida – Aplicação do artigo 14, parágrafo 1º, da Lei n.º 6.938/81. “1. A vinhaça ou vinhoto produzido pela destilação do álcool, quando depositada em leito de rio, sofre uma ação bacteriológica, provocando

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decomposição através de bactérias aeróbicas cujos efeitos alteram o equilíbrio ecológico, causando sérios prejuízos à vida aquática, devendo a empresa causadora dos danos daí decorrentes ser responsabilizada civilmente. “2. Comprovada a lesão ao meio ambiente e à ictiofauna, inclusive pela morte de milhares de peixes, em razão da atividade poluente exrercida pela fabricante de álcool a sua responsabilidade civil é patente, eis que objetiva, desnecessária sendo tecer quaisquer considerações a cerca do caráter 68 culposo dos atos causadores do dano ambiental”.Apelo improvido. (TJ/PR – 1ª C. – Ap.Cível – Proc. n. 0014530-2 – Comarca de Cruzeiro do Oeste – Relator Des. Oto Luiz Sponholz – 10/09/92 –publicada em 27/09/92 - DJ/PR, pág. 07).

Indenização – Responsabilidade civil – Dano ecológico – Morte de peixes e degradação do meio ambiente, ocasionados por derrame de resíduo tóxico em rio – Culpa da empresa ré – Dispensa, por cuidar-se de responsabilidade objetiva – Suficiência do encadeamento etiológico entre ação e resultado – Verba devida – Recurso não provido. (TJSP 4ª C. – Ap. – Relator Des. Ney Almada – 23/01/92 - RJTJESP 136/194).

Inexistência de prova científica: Ação Civil Pública – Cana de açúcar – Queimada para limpeza do solo, plantio e colheita – Inadmissibilidade – Liberação de gases altamente poluentes – Inexistência de prova científica de dano ambiental – Responsabilidade objetiva, contudo configurada – Prejuízos causados à saúde da população – Recursos não providos. Ínfima é a relevância de eventual dano ao meio ambiente quando causado dano à população, visualisado sob a égide da responsabilidade civil objetiva. (Apelação Cível n.211.502-1 – Comarca de Sertãozinho. Relator: Cambrea Filho – CCIV 7 – V.U. – 08/03/95).

Ação Civil Pública – agressão ao meio ambiente – Queima de palha de cana – inexistência de consenso científico ou jurídico sobre eventuais danos –

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Fumus boni iuris e periculum in mora não configurados – Recurso não provido. (Agravo de instrumento n.º 5.197-5. Nuporanga – Tribunal de Justiça de São Paulo. 3ª Câmara de Direito Público – Rel. Viseu Júnior – 30/04/96)

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