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Hist ria do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência Walfrido S. de Oliveira Jr. Tiago Rattes de Andrade

IESDE BRASIL S/A Curitiba 2017

© 2017 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ O47h

Oliveira Jr., Walfrido S. de História do Brasil : dos tempos do iluminismo à independência / Walfrido S. de Oliveira Jr., Tiago Rattes de Andrade. - 1. ed. Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2017. 180 p. : il. ; 21 cm. ISBN 978-85-387-6310-9 1. Brasil - História. I. Andrade, Tiago Rattes de. II. Título. 17-40825

CDD: 981

CDU: 94(81)

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FAEL Direção Acadêmica Coordenação Editorial Revisão Projeto Gráfico Capa Imagem Capa Arte-Final

Francisco Carlos Sardo Raquel Andrade Lorenz IESDE Sandro Niemicz Vitor Bernardo Backes Lopes XXXXX/Shutterstock.com Evelyn Caroline dos Santos Betim

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Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br

Sumário



Carta ao Aluno  |  5

1. O Iluminismo: do velho mundo ao novo mundo  |  7 2. Administração colonial: tensão entre portugueses e brasileiros  |  27 3. Revoltas coloniais: contextos e propostas  |  43 4. Napoleão e a expansão do Iluminismo  |  59 5. Uma corte nos trópicos  |  77 6. As transformações do Rio de Janeiro: a nova capital  |  91 7. Elites e povo: laços e distanciamentos  |  107 8. O processo de Independência  |  123 Gabarito | 139 Referências | 149

Carta ao aluno

Quando escrevemos um livro de História, temos em mente que existem vários caminhos a seguir e, ao traçar o nosso, temos a esperança de que tenhamos escolhido o melhor. No campo de inúmeras possibilidades para abordarmos as temáticas que compõem este livro levamos muito em consideração a relação que ele deve ter com você, leitor e aluno de História. A todo o momento nos preocupamos em apresentar neste livro um texto de caráter objetivo e didático, no intuito de tornar a tarefa de compreender esse processo histórico tão complexo em algo prazeroso. Apesar disso, não abrimos mão de mostrar a você uma série de abordagens que podem fazer a diferença em sua formação.

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Não há evento histórico simples, sabemos. Mas cabe a nós, historiadores, oferecermos ao público em geral a chance de compreender da melhor maneira possível esse evento. E esta será uma tarefa fundamental em suas vidas profissionais/acadêmicas. Quando falamos de qualquer coisa que se relacione ao Iluminismo, estamos tratando de algo que envolve um imaginário considerável na sociedade ocidental. Alguns séculos depois de as revoluções que tomaram conta da Europa no século XVIII se estenderem em ações e transformações pelo XIX, a chama de muitos daqueles ideais permanece viva e ainda capaz de incendiar o debate político de nosso tempo. No capítulo 1 desta obra, abordamos o conceito de Iluminismo em suas críticas à sociedade vigente no século XVIII. No capítulo 2, essas tensões são exploradas, partindo das ações do Marquês de Pombal na administração do reino português, suas ações em favor do absolutismo e enfrentamentos com a Igreja. A abordagem do capítulo 3 já está centralizada na colônia e em suas tensões internas. As relações entre senhores e escravos foram rapidamente abordadas por não constituírem o ponto central de nosso tema, mas não poderiam ficar de fora desse quadro. No capítulo 4, a narrativa retorna para as tensões europeias, que tiveram seu auge na Revolução Francesa e nas Guerras Napoleônicas. No capítulo 5, abordamos os acontecimentos que acabaram por trazer Dom João VI e sua corte para os trópicos. Ao longo do capítulo 6 aprofundamos os impactos da transferência da corte portuguesa para o Brasil, mas dessa vez focando no impacto direto que a cidade do Rio de Janeiro sofreu. O capítulo 7 pretende construir uma análise das características da elite político-econômica que se formou no Brasil nesse período. Por fim, o capítulo 8 trata do processo da Independência em si. Nessa empreitada, tratamos de elementos antecedentes importantes, como as preocupações da elite brasileira com os riscos de recolonização, materializados na exigência do retorno de Dom João VI para Portugal. Dito isto, esperamos que o trabalho aqui apresentado seja capaz de auxiliar a sua formação e despertar ainda mais seu interesse acerca de um evento tão decisivo na história. Bons estudos! Os autores – 6 –

1 O Iluminismo: do velho mundo ao novo mundo Walfrido S. de Oliveira Jr.

Ao abordarmos a temática do Iluminismo, nos vemos diante de um conceito construído com base em alguns pressupostos que já se tornaram clássicos, a concepção de que foi um movimento intelectual e de ação política que visava a uma crítica mais acentuada ao absolutismo, ao clero e à nobreza. Mas, se nos distanciarmos do ambiente francês e visitarmos outras sociedades, percebemos que há entendimentos diferentes tanto na origem das críticas quanto no ritmo das transformações pretendidas. Para compreendermos melhor essas questões, dividiremos o capítulo em três subtemas: 1) o conceito de Iluminismo; 2) o Iluminismo em Portugal; e 3) o Iluminismo na América portuguesa.

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

1.1 O conceito de Iluminismo Nenhum homem recebeu da natureza o direito de comandar os outros. A liberdade é um presente do céu, e cada indivíduo da mesma espécie tem o direito de gozar dela logo que goze da razão. Toda autoridade (que não a paterna) vem duma outra origem, que não é a da natureza. Examinando-a bem, sempre se fará remontar a uma dessas duas fontes: ou a força e violência daquele que dela se apoderou; ou o consentimento daqueles que lhe são submetidos, por um contrato celebrado ou suposto entre eles e a quem deferiram a autoridade. (DIDEROT; D’ALEMBERT, 2006, p. 37)

O texto de Diderot1 que introduz este capítulo já aponta para várias das características basilares2 do Iluminismo3. Podemos indicar uma crítica à monarquia, principalmente pelo seu caráter absolutista4, que concentrava decisões nas mãos dos monarcas. Quando Diderot escreve “Nenhum homem recebeu da natureza o direito de comandar os outros”, posiciona-se de modo contrário à ideia de que o rei é ungido por Deus, ou seja, que a presença real é uma escolha divina. Ao negar tal pressuposto legitimador da monarquia, afirma que as relações políticas são humanas, são escolhas ou imposições que surgem do próprio jogo político estabelecido na sociedade. A autoridade política, portanto, é uma resultante da imposição da “força e violência daquele que dela se apoderou”, ou por “consentimento” (DIDEROT; D’ALEMBERT, 2006, p. 37).

1 Denis Diderot, filósofo e escritor iluminista (França, 1713-1784). 2 Basilar: que serve de base; básico, fundamental. 3 O Iluminismo foi um movimento intelectual do século XVII cuja ação intelectual visava criticar as bases intelectuais do “Antigo Regime” e colocar no centro das discussões a ciência, a razão e a liberdade de expressão. 4 No absolutismo o monarca tem poder absoluto, ou seja, todas as decisões e poderes do Estado estão em suas mãos.

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O Iluminismo: do velho mundo ao novo mundo

Figura 1 – LOO, Louis-Michel van. Retrato de Denis Diderot. 1767. 1 óleo sobre tela: color.; 81 x 65 cm. Museu do Louvre, Paris.

Outra crítica desferida por Diderot se concentra no papel da nobreza, que, naquele período (século XVIII), mantinha uma série de privilégios, como o de não pagar impostos, receber pensões da Coroa e ocupar os principais cargos públicos. Para tanto, Diderot prega a igualdade com a seguinte frase “A liberdade é um presente do céu, e cada indivíduo da mesma espécie tem o direito de gozar dela logo que goze da razão” (DIDEROT; D’ALEMBERT, 2006). Essa sentença pode ser entendida como uma precursora da famosa expressão “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”, contida na Declaração Universal dos Direitos Humanos 5. 5 A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi criada no século XX, após a Segunda Guerra Mundial. No entanto, anteriormente a ela, com a Revolução Francesa, foi criada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, cuja influência foi decisiva para a construção da moderna cidadania.

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

O conceito de igualdade para o século XVIII era altamente revolucionário, pois desqualificava toda distinção social e jurídica que sustentava a nobreza. Sem tais distinções, essa classe se tornaria “igual” às demais e, portanto, não teria os principais instrumentos que lhe permitiam monopolizar os cargos públicos e influenciar o rei. Como afirma Hobsbawm, As 400 mil pessoas aproximadamente que, entre os 23 milhões de franceses, formavam a nobreza, a inquestionável “primeira linha” da nação, embora não tão absolutamente a salvo da intromissão das linhas menores como na Prússia e outros lugares, estavam bastante seguras. Elas gozavam de consideráveis privilégios, inclusive de isenção de vários impostos (mas não de tantos quanto o clero, mais bem organizado), e do direito de receber tributos feudais. (HOBSBAWM, 1996, p. 40)

Ao expormos essas críticas à nobreza e ao absolutismo, podemos acrescentar as críticas direcionadas ao poder da Igreja Católica, que exercia certo controle sobre a produção e circulação das ideias. As preocupações dos membros da Igreja com os iluministas se dava também pela centralidade que queriam manter sobre essa produção de conhecimento, com a manutenção de certos dogmas. Temiam, além disso, a crítica às estruturas hierárquicas vigentes, em que a Igreja se situava em posição de destaque. Os estudos científicos poderiam pôr em risco o monopólio que a Igreja queria ter sobre as explicações da origem da vida, visto que os iluministas incentivavam o uso da razão e o declínio da fé como metodologia de explicação dos fenômenos. Sendo assim, as principais características do Iluminismo francês no século XVIII podem ser resumidas nas críticas à nobreza, ao absolutismo e ao clericalismo6. Defendia a igualdade jurídica dos cidadãos (esse conceito de cidadão foi, geralmente, restrito ao longo do século XIX e ampliado durante o século XX), a ampliação dos direitos políticos, a expansão da razão e da ciência. Mas será que esses princípios nortearam as discussões iluministas em todas as nações onde os livros e ideias do Iluminismo foram divulgados? Vamos observar essas questões estudando o Iluminismo em Portugal e na América portuguesa. 6 Clericalismo: influência temporal da Igreja e do clero.

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O Iluminismo: do velho mundo ao novo mundo

1.2 O Iluminismo em Portugal Considerando o desejo de “modificar o que existe”, esse texto pombalino mostra que o “governo” adotou medidas com os objetivos de: a) fomentar uma boa caligrafia, capacitando pessoas para trabalharem nas “contadorias do real erário, [...] outras repartições públicas”; b) desenvolver as “artes fabris ou ofícios mecânicos, [...]”; c) proteger e animar as “artes liberais”, de que eram exemplos, entre outros tantos, os “suntuosos e bem delineados edifícios de Lisboa” [...]; d) promover o cultivo da “filosofia ou das belas-artes, que servem de base a todas as ciências”; e) incitar o desenvolvimento das “ciências maiores”, consubstanciado na reforma dos Estatutos da Universidade de Coimbra; f ) garantir o crescimento do comércio interno e externo tornando-o “mais feliz e opulento do que foi naquele século dos senhores reis D. Manuel e D. João III”; g) assegurar a harmonia entre os “diferentes estados e entre as ordens, classes e grêmios” [...]; h) garantir “o estado de opulência dos vassalos” de D. José I. (SANTOS, 2011, p. 80)

As ideias iluministas também circularam em Portugal durante a segunda metade do século XVIII. As palavras dos filósofos franceses eram lidas e/ou ouvidas em Lisboa, Porto e outras cidades e vilas, apesar das proibições e das tentativas de controle exercidas por parte da Igreja e da Coroa. No entanto, tal como em outros reinos europeus do período, as reformas da Ilustração foram pensadas e executadas por ministros designados pelos reis absolutistas – uma contradição, se levarmos em consideração toda a crítica iluminista feita às monarquias absolutistas, mas uma realidade vivida por reformadores atrelados fielmente aos seus monarcas. Em Portugal, a figura que se destacou naquele momento foi a de Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras (em 1759), posteriormente conhecido pelo título de Marquês de Pombal (em 1769). Seu governo é considerado um marco para a História político-administrativa, tanto do reino quanto para as colônias. Mas o julgamento histórico de seus compatriotas não é unânime, como veremos adiante. A ascensão de Sebastião José de Carvalho e Melo à condição de ministro e real condutor da administração em Portugal se deu sob o reinado de D. José I de Portugal (1714-1777, reinado de 31 de julho de 1750 a 24 de fevereiro de 1777.) – 11 –

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Figura 2 – AMARAL, Miguel António do. Retrato de D. José I de Portugal. 1773. 1 óleo sobre tela: color. Museu Hermitage, São Petesburgo.

É muito divulgada uma possível situação que contribuiu para a ascensão do futuro marquês. Quando do terremoto que devastou Lisboa, em 1755, o rei, atônito, teria perguntado a seu Ministro dos Assuntos Exteriores e da Guerra (desde 1750): “O que fazer?” Sebastião José de Carvalho e Melo teria respondido: “Enterre os mortos, feche os portos e cuide dos vivos” (BOTO, 2010, p. 284). Mas como podemos caracterizar o Iluminismo português, conhecido como “as luzes pombalinas”?

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O Iluminismo: do velho mundo ao novo mundo

Podemos afirmar que as ações que marcaram a administração podem ser identificadas como pertencentes ao “espírito das luzes”, mas também seriam percebidas como a antítese das propostas dos filósofos franceses. Vamos exemplificar. Como administrador, Carvalho e Melo tomou decisões no sentido de incentivar as manufaturas portuguesas, porque percebeu que o reino estava enfraquecido perante a economia europeia, na medida em que as importações de manufaturados era uma das causas da perda de recursos do reino. Por outro lado, reforçou a política da concessão de monopólios, tanto no reino quanto nas colônias. As práticas monopolistas eram largamente utilizadas, pois, na percepção dos soberanos e seus administradores, resolviam os problemas ligados ao abastecimento das populações com alimentos e outras mercadorias e facilitavam a cobrança dos impostos. Mas essas práticas mercantilistas7 estavam muito distantes das propostas do liberalismo econômico, uma das vertentes da filosofia das luzes. Nesse projeto monopolista foi fundada, em 1756, a Companhia para a Agricultura das Vinhas do Alto Douro, estabelecendo a primeira região demarcada de produção vinícola no mundo, mas que, segundo José Eduardo Franco, provocou: O primeiro grande massacre popular de carácter físico [...] em 1757, quando o povo da cidade do Porto se revoltou contra a decisão governamental de instituir uma Companhia monopolista para gerir o comércio do vinho do Porto, chamando a si o direito de negócio deste produto pertencente tradicionalmente aos pequenos e médios comerciantes. Aquilo que Camilo chama a criação pombalina das “companhias violentas” causou insatisfação da parte dos grupos de interesse atingidos. Para esmagar a revolta do Porto, Pombal mandou o exército contra o povo insubmisso para abafar o motim. Foram presas centenas de populares, mandando depois enforcar publicamente quarenta e cinco homens e mulheres. (FRANCO, 2009, p. 299) 7 Mercantilismo: política econômica dos Estados modernos e absolutistas, cujas características principais são o controle sobre o comércio, a criação de monopólios comerciais e a busca por uma balança comercial favorável.

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Por outro lado, o Ministro fez outras tantas reformas consideradas mais modernizadoras. Entre elas, dentro do espírito iluminista, podemos citar a abolição da escravidão em Portugal, cuja pretensão era impactar a mentalidade lusa, com uma ação de combate ao arcaísmo da escravidão, e ampliar o trabalho livre e assalariado. Outras reformas de muito impacto se deram no campo da educação e da religião, as quais estavam intimamente ligadas, pois a Ordem Jesuíta atuava em todas as esferas da educação, tanto em Portugal quanto na América portuguesa. A principal medida adotada na reforma religiosa foi a expulsão dos jesuítas em 1759, tanto da metrópole quanto das colônias, confiscando os seus bens, sob a alegação de que a Companhia de Jesus teria sido a responsável intelectual por uma tentativa de regicídio8, agindo como um poder autônomo dentro do Estado português. Com o intuito de enfraquecer e controlar o Tribunal do Santo Ofício, o marquês nomeou o seu irmão Paulo António de Carvalho e Mendonça presidente do conselho do tribunal, subordinando a atuação desse importante órgão religioso aos interesses do reino. Trabalhou contra o estatuto da Pureza de Sangue, permitindo, e mesmo incentivando, o casamento entre a alta nobreza com descendentes de árabes e judeus que permaneceram no reino com a designação de cristãos-novos9. Inclusive, em 25 de maio de 1773, promulgou uma lei que extinguia as diferenças entre cristãos-velhos e cristãos-novos e proibiu o uso 8 Tentativa, em 1758, em que foram julgados e condenados à morte por suplícios a tradicional família Távora, uma das mais importantes da nobreza lusitana (FRANCO, 2009, p. 298). 9 Termo utilizado em Portugal para designar descendentes dos judeus convertidos forçosamente ao catolicismo em 1497. Apesar de convertidos, sempre houve suspeitas de que praticavam o judaísmo longe dos olhos das autoridades católicas, e, devido à conversão, poderiam ser julgados pelo Tribunal da Inquisição.

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O Iluminismo: do velho mundo ao novo mundo

da expressão cristão-novo, quer por escrito, quer oralmente, sob pena de açoitamento e degredo. Figura 4 – LOO, Louis-Michel van; VERNET, Claude Joseph. Retrato do Marquês de Pombal. 1766. 1 óleo sobre tela: color; 290 x 354 cm. Museu da cidade, Lisboa.

Marquês de Pombal retratado mostrando a “sua obra” de restauração de Lisboa, destruída pelo terremoto de 1755.

A reforma educacional teve de ser levada a cabo após a expulsão dos jesuítas, que praticamente monopolizavam o ensino básico. O Marquês de Pombal criou todo um sistema escolar, o sistema das aulas régias, que deveria ser controlado pelo Estado e possibilitar o acompanhamento das ações educacionais por meio de relatórios anuais. Por outro lado, preocupou-se com a censura aos iluministas franceses, os quais considerava perniciosos à moral da população. É claro que essas críticas ocorriam devido à defesa da participação dos cidadãos na política, aspecto que o fiel monarquista Pombal não admitia.

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Em Coimbra, as ações do marquês foram mais enérgicas, criando um relatório que apontava todos os vícios da presença jesuítica na universidade. Os antigos textos de Aristóteles, por exemplo, deveriam ser substituídos por abordagens mais racionalistas e embasadas na experiência, ou, como afirma Carlota Boto: Pombal dava concretude às sugestões que lhe haviam sido feitas por parte da geração de estrangeirados com quem conviveu. O ponto de partida da reforma do curso de medicina era o seguinte: “a autoridade, comparada com a experiência e com a demonstração racional, de nada vale”. (BOTO, 2010, p. 295)

Portanto, ao observarmos esse resumo sobre a atuação de Pombal à frente do executivo português (1750-1777), notamos um conjunto de ações que não podem ser classificadas apenas no âmbito do Iluminismo. Ao defender o rei e propor monopólios comerciais, Pombal trabalhava com uma política mercantilista, protegendo os interesses da Coroa portuguesa e reafirmando o absolutismo e o interesse de grandes comerciantes monopolistas. A expulsão dos jesuítas caminhava no mesmo sentido, o de fortalecer os interesses do Estado ante essa força “externa” e conservadora, mas nesse caso os ideais da razão, tipicamente identificados com o Iluminismo, aparecem. A defesa do método científico, contra o discurso da autoridade, foi uma das ações mais contundentes da Reforma de Coimbra. O combate ao estatuto da Pureza de Sangue visava tanto quebrar o poder das mais tradicionais famílias da nobreza lusitana quanto ampliar a participação de outras famílias fidalgas no campo da política e da administração, pois muitas vezes esses fidalgos não tinham status, mas possuíam riquezas. Uma das características da sociedade portuguesa foi a mediação entre os interesses da alta nobreza com os interesses da fidalguia e burguesia, tentando prover os que detinham títulos de nobreza com recursos financeiros e, do mesmo modo, munir os que detinham recursos financeiros com títulos de nobreza. O destino final dessa política não era a criação de uma classe burguesa empreendedora, mas, ao contrário, a incorporação dessa incipiente burguesia aos quadros nobiliários (FLORENTINO; FRAGOSO, 2001). – 16 –

O Iluminismo: do velho mundo ao novo mundo

Podemos, portanto, afirmar que os ideais iluministas chegaram a Portugal, e isso significa que não foram pensados nesse território, mas sim adaptados às condições locais – não somente às condições da vida social e material, mas também a partir das condições da vida intelectual. Assim, as políticas pombalinas foram marcadas por ações mercantilistas na economia, absolutistas na política e liberais na educação e organização social, refletindo as características próprias dessa comunidade. As ações de Pombal também se refletiram do outro lado do Atlântico, em colônias que possuíam uma diversidade populacional e cultural e uma pluralidade na organização econômica estendida por um território continental. Vejamos como foi o impacto das ações pombalinas na América portuguesa.

1.3 Iluminismo na América portuguesa Pensar na América portuguesa10 ao longo do século XVIII significa ter em mente as relações próprias que se desenvolviam nesses territórios. Devemos pensar no processo de expansão territorial e nas relações estabelecidas com os povos nativos, as quais foram muitas vezes de conflito e de resistência, mas, por outro lado, também foram utilizadas várias estratégias de convivência ou de assimilação. Lembramos a convivência e as trocas culturais estabelecidas entre os luso-brasileiros e as nações indígenas, especialmente da família linguística tupi. Dessas trocas desenvolveram-se dois dialetos, as “Línguas Gerais”, destacadamente a da bacia amazônica, que, ao longo do século XIX, consolidou-se como o nheengatu, e a língua dos bandeirantes paulistas.

10 Ao utilizarmos o termo América portuguesa temos por finalidade repensar as relações históricas. Propomos ser fiéis à formulação de pensamento que não leve a definições equivocadas. Ao identificarmos o Brasil, identificamos uma construção que está em andamento, pois a marca colonial e a estreita relação com Portugal não confere uma identidade de nação, território, pertencimento, como possuímos hoje. Apesar de o termo brasileiro já ser de uso corrente no século XVIII, enfatizamos que outras designações também o eram, como “português da colônia” ou “português do Brasil”, ou, ainda, a identificação de “reinóis” para designar o “português que era de Portugal”, em diferenciação do português brasileiro.

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Esses dialetos serviam de base para a comunicação entre os europeus, fossem eles jesuítas, exploradores, conquistadores ou comerciantes, com as diferentes nações indígenas que encontravam. A Língua Geral era o idioma cotidiano de milhares de pessoas, em detrimento do português. Porém, em 1758 ela foi proibida, e, se algum colono a utilizasse no seu dia a dia, era severamente punido. Esse é mais um exemplo das ações pombalinas, que visavam à centralização do poder; ao proibir a Língua Geral, Pombal pretendia ampliar, entre os colonos e indígenas, a presença do rei, nesse caso pelo uso português. Como dito na Lei do Diretório dos índios, de 1758, § 6 – Sempre foi máxima inevitavelmente praticada em todas as nações, que conquistaram novos domínios, introduzir logo nos povos conquistados o seu próprio idioma, por ser indisputável que este é um dos meios mais eficazes para desterrar dos povos rústicos a barbaridade dos seus antigos costumes e ter mostrado a experiência que, ao mesmo tempo que se introduz neles o uso da língua do príncipe que os conquistou, se lhes radica também o afeto, a veneração e a obediência ao mesmo príncipe. (O DIRETÓRIO, 1758)

Figura 5 – Plano da Redução de São Miguel Arcanjo, séc. XVII.

Fonte: BOLCATO, 2012, p. 10. – 18 –

O Iluminismo: do velho mundo ao novo mundo

As relações entre europeus e indígenas foram, em grande parte, mediadas pelas ações educacionais. A educação era baseada na presença e ação dos jesuítas, que atuavam em duas direções, a catequese indígena e as escolas para os filhos dos europeus. Porém muitos afro-brasileiros também foram alvo dessa atuação, principalmente nas fazendas da própria Ordem, como atestam Ferreira Jr. e Bittar (1999): “Este mesmo princípio de conversão religiosa ao catolicismo, a combinação de catequese com o ensino das primeiras letras, foi utilizado mais tarde, nos séculos XVII e XVIII, nas próprias fazendas da Companhia de Jesus com os filhos dos escravos que nelas trabalhavam”. A presença jesuítica entre os indígenas possibilitou a construção de diversas missões ou reduções, responsáveis por converter os nativos ao catolicismo. Tais reduções também evitavam que esses indígenas fossem dizimados ou transformados em mão de obra escrava para os fazendeiros, mineradores ou comerciantes. Como já mencionamos, a segunda metade do século XVIII foi marcada pela presença do Marquês de Pombal na administração do governo português, e suas ações se estenderam sobre a América portuguesa, apesar de ele nunca ter ido para as colônias. Uma das ações tomadas pelo marquês foi a abolição do trabalho escravo indígena, o que ocorreu em 1775 no Estado do Grão-Pará e Maranhão11, e em 1778, no Estado do Brasil. Essa medida estava de acordo com o pensamento iluminista que influenciou as ações pombalinas, combatendo a arcaica instituição da escravidão e ampliando a presença do trabalho livre.

11 Podemos afirmar sem muito erro que o território do atual Brasil foi dividido em duas unidades administrativas entre 1621 a 1774, uma designada “Brasil” e outra designada “Grão-Pará e Maranhão”. “A criação do Estado do Maranhão foi decretada em 13 de junho de 1621, porém, a instalação efetiva só aconteceu em 1626, com a posse do primeiro governador e Capitão-General Francisco Coelho de Carvalho, que esteve neste governo por dez anos (de 03.09.1626 a 15.09.1636). A vila de São Luis, que já era sede da capitania do Maranhão, foi escolhida como sede da capital do Estado. O Estado do Maranhão e Grão Pará perdurou até 1772, quando foi anexado ao Estado do Brasil, conforme Decreto Régio de 20 de agosto”. (OLIVEIRA, 2011, p. 11)

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Figura 6 – Divisão territorial do Brasil no século XVIII.

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Outra medida já estudada foi a expulsão dos jesuítas, que criaram e administravam as missões. Estas existiam de norte a sul da colônia, com grande destaque para a bacia amazônica. Tais reduções visavam criar núcleos de povoamento para o desenvolvimento de vilas, preparar a mão de obra indígena para atividades de domínio de técnicas de trabalho mecânicos e

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O Iluminismo: do velho mundo ao novo mundo

agrícolas, e alterar seus hábitos sociais, constituindo uma noção de família nuclear tal qual era orientado pela Igreja Católica na época, a “família cristã”. Ao realizar as duas medidas, abolição da escravidão e expulsão dos jesuítas, Pombal objetivava modernizar a Colônia e proteger as populações indígenas, colocando-as sob a administração direta de representantes do Reino. As missões foram transformadas em vilas ou lugares, segundo o interesse da Coroa em ocupar o território com uma população de súditos portugueses, e não de indígenas controlados pelos jesuítas. Para os indígenas, essas medidas tiveram diversos impactos, sendo que a transformação da escravidão em alguma forma de trabalho compulsório não alterou significativamente a sua condição, e essas populações das vilas foram integradas à sociedade colonial de maneira subalterna, como remadores, trabalhadores a serviço dos fazendeiros etc. O destino dessas populações também foi diverso: alguns grupos indígenas retornaram à vida na floresta, reinventando suas tradições, e outros foram se tornando portugueses, pela transformação de seus costumes tradicionais e pela miscigenação. Ao realizarmos essa rápida abordagem sobre as relações entre indígenas e europeus, finalizando com as ações pombalinas, propomos uma reflexão sobre o resultado dessas ações e seu impacto para o cotidiano das pessoas. Ou seja, de que forma as medidas iluministas do Marquês de Pombal repercutiram na vida dos povos indígenas, com certeza muito diferente do que na das populações europeias que passaram por medidas semelhantes. Para as outras camadas da sociedade colonial, em especial para os escravizados, essas transformações em nada alteraram sua vida cotidiana. Já para os colonos, podemos destacar a criação de companhias de comércio, especialmente a Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778). Segundo Cardoso, a companhia pombalina além de dinamizar a produção regional (cacau, café, arroz, algum açúcar), introduziu em pouco mais de duas décadas 14.749 escravos no Grão-Pará: mas, mesmo com as amplas facilidades de crédito a longo prazo que oferecia, a pobreza local fez

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência com que a maior parte de tais cativos africanos fosse reexportada, via navegação fluvial, para o Mato Grosso e suas minas. A intensificação da escravidão negra no Pará, alimentando um breve parêntese agrícola numa zona de coleta, concentrou-se em Belém e seus arredores. (CARDOSO, 1990, p. 97)

Novamente observamos os limites das ações de Pombal, as quais pretendiam dinamizar as relações de produção e de comércio na região, mas que esbarram nas condições locais de pobreza e de um mercado consumidor pouco desenvolvido. Se nos concentrarmos na circulação das ideias iluministas entre os colonos, podemos considerar que na Região das Minas (atual Minas Gerais) surgiram e cresceram cidades, com um dinamismo maior do que em outros centros urbanos, e assim tais ideias puderam prosperar com maior intensidade. Devido ao fluxo migratório dado ao longo do século XVIII, em virtude da facilidade de enriquecimento que a exploração do ouro mais indicava do que de fato proporcionava, esses núcleos populacionais permitiram o surgimento de novas profissões, inclusive com certo refinamento. Tendo interesse pelo que se passava na Europa, entraram em contato com os pensadores franceses e ingleses. A Ilustração começava a fazer uma tímida aparição em plagas coloniais. À falta de imprensa na colônia, em Portugal é que foram publicadas algumas obras escritas por intelectuais nascidos no Brasil, como o poema Uruguai, de Basílio da Gama, violentamente antijesuitico. Muito longe de ser brilhante, o panorama cultural era, no entanto, menos insignificante do que havia sido no passado, sobretudo se nos lembrarmos de que o surto intelectual das cidades de Minas Gerais sobreviveu por várias décadas à queda da produção de ouro. (CARDOSO, 1990, p. 99-100)

Podemos afirmar, no entanto, que os intelectuais brasileiros entraram em contato com o Iluminismo e permaneceram com tal conhecimento muito mais no campo das ideias do que como norte em ações práticas.

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O Iluminismo: do velho mundo ao novo mundo

Ampliando seus conhecimentos

A Era das Revoluções: 1789-1848 (HOBSBAWM, 1996, p. 29-30)

[...] A grande Enciclopédia de Diderot e d’Alembert não era simplesmente um compêndio do pensamento político e social progressista, mas do progresso científico e tecnológico. Pois, de fato, o “iluminismo”, a convicção no progresso do conhecimento humano, na racionalidade, na riqueza e no controle sobre a natureza – de que estava profundamente imbuído o século XVIII – derivou sua força primordialmente do evidente progresso da produção, do comércio e da racionalidade econômica e científica que se acreditava estar associada a ambos. E seus maiores campeões eram as classes economicamente mais progressistas, as que mais diretamente se envolviam nos avanços tangíveis da época: os círculos mercantis e os financistas e proprietários economicamente iluminados, os administradores sociais e econômicos de espírito científico, a classe média instruída, os fabricantes e os empresários. Estes homens saudaram Benjamin Franklin, impressor e jornalista, inventor, empresário, estadista e negociante astuto, como o símbolo do cidadão do futuro, o self-made-man racional e ativo. Na Inglaterra, onde os novos homens não tinham necessidade de encarnações revolucionárias transatlânticas, estes homens formavam as sociedades provincianas das quais nasceram tanto o avanço político e social quanto o científico. A Sociedade Lunar de Bir-mingham incluía entre seus membros o oleiro

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Josiah Wedgwood, o inventor da moderna máquina a vapor James Watt e seu sócio Matthew Boulton, o químico Priestley, o biólogo e gentil-homem Erasmus Darwin (pioneiro das teorias da evolução e avô do grande Darwin) e o grande impressor Baskerville. Estes homens se organizavam por toda parte em lojas de franco-maçonaria12, onde as distinções de classe não importavam e a ideologia do iluminismo era propagada com um desinteressado denodo13. É significativo que os dois principais centros dessa ideologia fossem também os da dupla revolução, a França e a Inglaterra; embora de fato as ideias iluministas ganhassem uma voz corrente internacional mais ampla em suas formulações francesas (até mesmo quando fossem simplesmente versões galicistas14 de formulações britânicas), um individualismo secular, racionalista e progressista dominava o pensamento “esclarecido”. Libertar o indivíduo das algemas que o agrilhoavam era o seu principal objetivo: do tradicionalismo ignorante da Idade Média, que ainda lançava sua sombra pelo mundo, da superstição das igrejas (distintas da religião “racional” ou “natural”), da irracionalidade que dividia os homens em uma hierarquia de patentes mais baixas e mais altas de acordo com o nascimento ou algum outro critério irrelevante. A liberdade, a igualdade e, em seguida, a fraternidade de todos os homens eram seus slogans. No devido tempo se tornaram os slogans da Revolução Francesa. O reinado da liberdade individual 12 A maçonaria é uma sociedade considerada discreta, e não secreta. Seus membros discutem filosofia e as questões da sociedade. Existem lojas maçônicas em quase todos os municípios brasileiros. 13 Denodo – ousadia, bravura, coragem. 14 Galicistas – referentes à França/aos franceses.

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O Iluminismo: do velho mundo ao novo mundo

não poderia deixar de ter as consequências mais benéficas. Os mais extraordinários resultados podiam ser esperados – podiam de fato já ser observados como provenientes – de um exercício irrestrito do talento individual num mundo de razão. A apaixonada crença no progresso que professava o típico pensador do iluminismo refletia os aumentos visíveis no conhecimento e na técnica, na riqueza, no bem-estar e na civilização que podia ver em toda a sua volta e que, com certa justiça, atribuía ao avanço crescente de suas ideias. No começo do século15, as bruxas ainda eram queimadas; no final, os governos do iluminismo. [...]

Atividades 1. Com base no texto de Diderot da abertura do capítulo, explique as razões que caracterizam ser esse um texto iluminista. 2. Por que podemos afirmar que a ação política e administrativa de Pombal pode ser, ao mesmo tempo, considerada modernizadora e conservadora? 3. O Marquês de Pombal tomou algumas medidas que envolviam os povos indígenas na América. Cite tais medidas, as intenções pelas quais ele as realizou e as consequências dessas ações para as populações indígenas. 15 Hobsbawm ressalta as transformações ocorridas ao longo do século XVII, a ruptura com as tradições medievais que sobreviviam na sociedade europeia. Não é à toa que a Revolução Francesa é considerada como o início da Idade Contemporânea.

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2 Administração colonial: tensão entre portugueses e brasileiros Walfrido S. de Oliveira Jr.

Nada pode ser mais útil e necessário a um Estado do que o Comércio. Porque ele é a mais caudalosa e inexaurível Fonte de que emanam todos os cabedais que podem fazer um reino opulento, rico e respeitado sem nunca se diminuir a torrente das riquezas e prosperidades que dele se derivam. (Marquês de Pombal. In: FALCON, 2005, p. 32)

A administração da Coroa portuguesa visava a alguns objetivos sobre suas colônias americanas1. Dentre esses propósitos, podemos destacar: a manutenção do território, diante das ameaças internas e externas; a ampliação desses territórios, ocupando espaços para além do Tratado de Tordesilhas; o incentivo à agricultura de exportação e à agricultura de subsistência; o incentivo à busca por metais preciosos; a abertura de caminhos e a segurança destes; o abastecimento dos senhores e mineradores com a mão de obra escravizada; o monopólio da Justiça; e, não menos importante, a cobrança de impostos e taxas. 1 Lembramos que a administração da Coroa dividiu a América portuguesa em duas partes, que, no século XVIII, constituíam-se no Vice-Reino do Brasil e no Estado de Grão-Pará e Maranhão.

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Esses objetivos, por assim dizer, foram realizados com maior ou menor eficiência ao longo dos mais de três séculos de colonização, e é certo que as populações locais possuíam razões para reconhecer esses esforços, mas também tinham motivos para se queixarem da administração lusitana. Veremos alguns aspectos dessa administração, focando na figura do Marquês de Pombal, desde o período anterior a sua nomeação até os anos que se seguiram à sua destituição como ministro.

2.1 Período pombalino: despotismo esclarecido No Iluminismo português, destacou-se a presença de Sebastião José de Carvalho e Melo, conhecido na História como Marquês de Pombal. Tal agente político pautou suas ações num misto de Iluminismo e mercantilismo, o que caracteriza bem os esforços ditos modernizadores na Península Ibérica, em especial em Portugal e seu império ultramarino. No campo da política internacional, as ações de Pombal refletem os mesmos dilemas modernizadores e conservadores. Para demonstrá-los, vamos abordar as análises de Pombal ante as relações comerciais que Portugal mantinha com a Inglaterra, em específico com o Tratado de Methuen, conhecido como o “Tratado dos Panos e Vinhos”, firmado em 1703, por meio do qual se estabelecia um recíproco monopólio. Portugal só adquiriria tecidos da Inglaterra, e a Inglaterra só adquiriria vinhos de Portugal, além de reforçar acordos militares. No início do século XVIII, Portugal enfrentava uma crise financeira e militar, que envolvia disputas com a Holanda e com a Espanha, e a aliança militar com a Inglaterra era de fundamental importância. Segundo as observações de Pombal, o que mais prejudicava os interesses lusos não seria a obrigatoriedade das compras dos tecidos ingleses, mas os efeitos de outra legislação inglesa, o Ato de Navegação (Navigation Acts), criado por Cromwell2 em 1651, o qual determinava que todos os produtos 2 Oliver Cromwell (Huntingdon, 25 de abril de 1599 – Palácio de Whitehall, 3 de setembro de 1658) foi um líder político inglês e comandante das tropas parlamentaristas durante a Guerra Civil inglesa, iniciada em 1642 e finalizada com a condenação à morte de Carlos I, em 1649. Exerceu o comando durante o período republicano da Inglaterra entre 1649 e 1653.

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Administração colonial: tensão entre portugueses e brasileiros

comercializados nos portos ingleses deveriam ser transportados por navios ingleses. Tal política se consolidou em 1654, com a vitória inglesa perante a Holanda, que contestara tal Ato. Figura 1 – ABRAHAMSZ, Jan. A Batalha de Terheide. c. 1653. 1 óleo sobre tela, color.; 176 x 281,5 cm. Rijksmuseum, Amsterdam.

A pintura de Abrahamsz retrata uma batalha da guerra Anglo-Holandesa de 1653, demonstrando o domínio naval inglês estabelecido durante o século XVII. Esse monopólio de transporte não era previsto no Tratado de Methuen, mas os ingleses alegavam que não poderiam desobedecer a essa legislação, por ser uma tradição no país. Tal desvantagem comercial foi relatada pelo futuro marquês da seguinte maneira: O puro ganho que pode provir de qualquer Ramo do comércio não é o único objeto de quem nele trafica. Principal ou juntamente se deve atender à navegação que o mesmo comércio pode ocasionar. E com grande razão porque a navegação mercantil é a fonte de onde derivam as riquezas dos povos [...]. (FALCON, 2005, p. 18)

Notamos o teor das queixas de Pombal sobre o fato de as embarcações portuguesas não terem livre acesso aos portos ingleses, o que prejudicava a atividade comercial lusa. Mas o hábil dirigente, ainda na figura de diplomata, percebe que dessa desvantagem seria possível rever a presença inglesa nos portos da América portuguesa. Uma das máximas do comércio, segundo Pombal, era o de que se o comércio com as nações estrangeiras seria de grande importância, o comércio com as próprias colônias seria de importância maior (FALCON, 2005, p. 18). – 29 –

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Nesse caso, a criação da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão e a de Pernambuco e Paraíba marca uma ação mercantilista e protecionista de Pombal, tentando minimizar a dependência do comércio inglês e, assim, favorecer os comerciantes lusos, que investiram seus capitais nessas companhias. Por outro lado, a política externa lusitana, antes, durante e depois de Pombal, não poderia confrontar direta e decisivamente os interesses ingleses, pois foram várias as ocasiões em que os lusos necessitaram de auxílio militar de seus fortes aliados3. As dificuldades nas relações com os ingleses marcaram a política externa da Coroa portuguesa durante séculos, e mesmo a figura do Marquês de Pombal, tido por boa parte da historiografia lusitana como um líder “nacionalista”4 não conseguiu romper com essa dependência. Sua administração foi caracterizada no espectro do despotismo esclarecido, cuja característica principal seria a de unir práticas do liberalismo iluminista com os interesses administrativos da Coroa, numa política eclética que envolvia liberalismo e mercantilismo. O Tratado de Methuen ficou conhecido na historiografia de Portugal como uma política mercantil danosa aos interesses locais, pois não incentivou a criação de manufaturas no país, apesar dos esforços da Coroa para o seu surgimento. Tal afirmação, apesar de correta em certa medida, não leva 3 Os dois reinos possuíam um tratado militar desde 1386, conhecido como “Tratado de Windsor”. Podemos citar como início desse tratado e seus futuros reflexos os seguintes acontecimentos: a) Batalha de Aljubarrota, em 14 de agosto de 1385, entre portugueses com aliados ingleses, comandadas por D. João Mestre de Avis, e o exército castelhano e seus aliados liderados por D. João I de Castela. b) Expulsão dos holandeses do Brasil de Angola, em 1648, que contou com a mediação inglesa para o tratado de paz. c) A aliança como um fator de intimidação sobre a Espanha, tanto no continente europeu quanto na América. d) Por fim, o apoio à vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808. 4 Termo anacrônico para o século XVIII, mas que transmite o espírito de suas ações.

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Administração colonial: tensão entre portugueses e brasileiros

em conta a dinâmica do desenvolvimento das manufaturas inglesas. Devido ao sistema de putting-out5, podia-se produzir tecidos a preços competitivos e, após a criação das fábricas, da divisão do trabalho e do desenvolvimento de máquinas, a produção foi dinamizada e derrubaram-se os preços mais do que qualquer oficina artesanal portuguesa poderia conseguir. Já na constituição da identidade histórica brasileira, tal acordo, além das alegações lusas, também incluía o “roubo” das “nossas” riquezas naturais, pois os portugueses saldavam os déficits comerciais que realizavam com a Inglaterra com o ouro extraído do Brasil. Essas afirmações são anacrônicas, pois o território brasileiro no século XVIII não era autônomo, e sim uma colônia portuguesa, portanto Portugal não roubava nossas riquezas, mas se apropriava, por meio da cobrança de impostos, de suas riquezas coloniais. Uma parte muito importante da administração das colônias foi o sistema de cobrança de impostos. A cobrança de impostos nunca é uma prática que agrada à população de maneira geral, sempre foi um tema controverso, pois quem paga afirma que se cobra exorbitantemente, e o governo que recebe alega que faltam recursos para suas ações essenciais. Isso não seria diferente na América portuguesa na virada do século XVIII para o século XIX. Esse tema foi, com certeza, um dos pontos que mais gerou tensões na sociedade colonial. Vamos aprofundar essa questão.

2.2 O controle sobre o comércio e os impostos Há uma tese muito conhecida na historiografia nacional, desenvolvida por Caio Prado Júnior, denominada “O sentido da colonização”. Nela o autor 5 O sistema denominado de putting-out consistia na ação de um comerciante cujo interesse era controlar a atividade dos artesãos, para conseguir uma produção constante e direcioná-la ao mercado. Foi uma prática que retirou dos produtores diretos o controle sobre a origem da matéria-prima e sobre o destino da produção. Tal sistema dinamizou a produção artesanal, que era totalmente controlada pelo artesão. O final desse processo se dará com a construção das fábricas, divisão do trabalho fabril e invenção das máquinas.

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

propõe uma análise marxista6 do modo de produção, mas muito mais refinada do que encontramos em outros autores. Caio Prado propõe entender a empresa colonial americana como um apêndice das atividades comerciais europeias, ou, como ele próprio afirma: O comércio que os interessa, e daí o relativo desprezo por este território primitivo e vazio que é a América; e inversamente, o prestígio do Oriente, onde não faltava objeto para atividades mercantis. [...] mas ocupar com povoamento efetivo, isso só surgiu como contingência, necessidade imposta por circunstâncias novas e imprevistas. (PRADO JÚNIOR, 1996, p. 23-24)

As contingências do comércio com o Oriente impulsionaram os europeus, em especial os portugueses, a tomarem efetivamente posse de sua colônia americana, e isso só se tornaria viável com a inserção desse território no fluxo comercial internacional. Que produtos poderia a colônia oferecer? E que produtos seriam comercializados para ela? Essa famosa tese enfatiza as relações comerciais entre colônia e metrópole, tendo como base os conceitos de dependência e complementaridade. Isto é, as colônias só teriam sentido se mantivessem uma relação de dependência econômica com suas metrópoles, necessitando delas para obter as mercadorias essenciais à sobrevivência de sua população e fornecendo a elas mercadorias que pudessem ser comercializadas nos mercados internacionais. Para atingir esse fim, o controle do comércio exercido pela metrópole era fundamental. Por isso, houve uma política, ao longo dos anos de colonização, que visava estabelecer esse controle, não uma política única, imutável, mas que, devido às vicissitudes e contingências, tentava manter o “sentido da colonização”. Quem poderia comercializar, quais produtos poderiam ser comercializados e quais portos poderiam exercer o comércio eram preocupações que nortearam essas políticas envolvendo a colônia. 6 Marx, Karl Heinrich (Trier, 5 de maio de 1818 – Londres, 14 de março de 1883) foi um cientista social, historiador e revolucionário alemão. Seu pensamento foi de grande impacto na intelectualidade mundial. Para aprofundar seu conhecimento sobre o tema, indicamos a leitura do Dicionário do pensamento marxista, organizado por Thomas Bottomore (Editora Zahar). Disponível em: . Acesso em: 12 mar. 2017.

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Administração colonial: tensão entre portugueses e brasileiros

Pelas características geográficas e climáticas da colônia, os produtos tropicais foram logo percebidos como tendo um apelo de mercado para Portugal revendê-los no comércio europeu. E é claro que os metais preciosos também eram bem-vindos para esse fluxo comercial. Quanto às intenções de controle, a Coroa estabeleceu as companhias de comércio e o sistema de frotas, em 1649, que visava controlar todo o comércio entre a colônia e a metrópole (também o combate à pirataria motivou o sistema). O sistema de frotas regulava as datas em que as frotas sairiam dos portos de Recife, Salvador e Rio de Janeiro, e as datas que retornariam de Lisboa para esses locais. Mas essas tentativas não obtiveram o sucesso esperado, sendo várias vezes superadas pelas mais diversas razões. Entre elas, podemos citar: a pressão dos ingleses pelo comércio direto; a incapacidade dos comerciantes lusitanos sozinhos conseguirem abastecer todas as necessidades coloniais, e dependerem de comerciantes de outros reinos para esse fim; e, principalmente, o dinamismo que os comerciantes lusos estabelecidos na colônia imprimiam nas relações diretas com os portos portugueses na Ásia e, principalmente, na África, fugindo, assim, do controle comercial da metrópole, que, por incapacidade de realizar tal comércio, permitia aos seus súditos essa “liberdade”. O comércio atlântico ligando Recife, Salvador e Rio de Janeiro aos portos de Ajudá (no atual Benin) e Benguela (em Angola) foi intenso e direto (não passava por Portugal) durante todo o período colonial. Esse comércio traficava “ouro contrabandeado, óleo de baleia, açúcar, aguardente, tabaco, farinha de mandioca, arroz e outros produtos, recebendo em troca, sobretudo, escravos [...]” (CARDOSO, 1990, p. 91). Assim, não estava de acordo com o “sentido da colonização” proposto por Caio Prado7.

7 Uma polêmica muito marcante foi essa discussão estabelecida pelos defensores da tese de Caio Prado identificados com a Universidade de São Paulo (USP) e o professor Ciro Flamarion Cardoso, da Universidade Federal Fluminense, que apontava as dinâmicas do mercado interno no período colonial e as dificuldades da Coroa portuguesa em estabelecer um controle rigoroso sobre o comércio e outros aspectos da vida social na colônia.

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Figura 2 – Forte de São João Batista de Ajudá. 1886. 1 gravura, p/b.

Essa gravura, de autoria desconhecida, mostra o antigo e, em parte, abandonado, forte de São João Batista de Ajudá, uma feitoria portuguesa em Ouidah, antigo Daomé, atual Benin. Esse entreposto era fundamental para o comércio lusitano de escravos na chamada Costa da Mina. Foi uma possessão portuguesa até 1961. A proposta de Caio Prado não está errada em seu sentido teórico, realmente as intenções da Coroa residiam em controlar as atividades produtivas e comerciais de sua colônia, bem de acordo com o espírito do mercantilismo, mas esse controle não foi possível de ser realizado, abrindo uma série de “brechas”, tanto para os circuitos internos de produção e circulação quanto para os circuitos externos de comércio. As várias tentativas para se estabelecer esse controle são indícios de sua estrutural ineficiência. Visto que o controle sobre o comércio não foi tão eficiente quanto previsto pela Coroa, os esforços maiores se deram na cobrança de impostos. Se não era possível impedir o comércio direto entre Brasil e Angola, pelo menos ele deveria ser taxado. A Coroa via a possibilidade de essas taxas e impostos poderem minimizar as perdas com sua ineficiência em tentar estabelecer monopólios. Na colônia, havia tributos tanto para o comércio interno quanto para o externo; nas estradas reais, existiam os postos de cobranças ou “registros” e, nos portos, a alfândega cumpria esse papel. Com a descoberta e exploração do ouro, na virada do século XVII para o XVIII, Portugal intensificou as suas ações na tentativa de controlar a extração e, principalmente, a cobrança do imposto. – 34 –

Administração colonial: tensão entre portugueses e brasileiros

Em 1702, foi instituída a Intendência das Minas, órgão diretamente ligado à Coroa e que tinha por objetivo recolher o imposto do Quinto, isto é, uma taxação de 20% sobre o ouro extraído. Em 1734, esse tributo foi substituído pela capitação, que cobrava imposto de todos os moradores, fossem eles mineradores, comerciantes, homens livres e pobres ou escravizados. Desse modo, o sistema de capitação beneficiou em muito os grandes mineradores, penalizando a sociedade em geral. Em 1850, o Marquês de Pombal terminou com a capitação e retornou com o Quinto, além de criar a Casa de Fundição, por onde obrigatoriamente deveria passar todo o ouro extraído, que era transformado em barras, e ali mesmo cobrado o imposto da quinta parte. Também foi estabelecido um mínimo de imposto de 100 arrobas anuais, o que corresponde a 1.500 kg (TEIXEIRA; TOTONI, 1989, p. 32-33). Como a margem de 100 arrobas não estava sendo paga, em 1765 foi instituída a derrama, que deveria cobrar os déficits dos anos anteriores. A pressão sobre os mineradores era grande, os quais alegavam um declínio da produção para não pagarem a taxa anual de 100 arrobas. Mas a Coroa e suas autoridades desconfiavam de contrabando, que efetivamente acontecia em grande escala. Os mineradores estavam devendo muito imposto para a Coroa e tentavam garantir seus lucros usando fraudes. Esses senhores de minas enviavam seu ouro em pó aos ourives, para que fizessem barras, falsificando os lingotes oficiais, ou mesmo para a produção de joias, a fim de alegarem que eram antigas peças de família. Por isso a profissão de ourives foi muito controlada na colônia, chegando mesmo a ser proibida na região das minas e, em 1766, em toda a colônia. O século XVIII chegava a seu fim, e a conjuntura colonial passava por transformações. Em Portugal, Pombal foi destituído de sua função ministerial após a morte do rei José I, em 1777. A presença econômica do Brasil pesava muito favoravelmente para a Coroa, no que se costumou chamar de inversão colonial. Vamos analisar melhor esse contexto de fim de século.

2.3 Portugal e Brasil pós-Pombal Ao fim do século XVIII, Portugal resignara-se em sua condição de reino periférico, economicamente atrasado e culturalmente isolado, mas essa – 35 –

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

situação não pesava tanto, pois Lisboa ainda era a capital de um grande império, que se estendia pela América, África e Ásia. Apesar de sua economia não ser dinâmica, a Coroa arrecadava das colônias mais recursos do que necessitava para se manter. Os impostos eram cobrados em Portugal e suas colônias, que pagavam pela produção, circulação e consumo. Como já vimos, a opção por arrecadar via tributos foi a solução encontrada pela Coroa na medida em que não conseguia monopolizar o comércio. As reexportações de açúcar e algodão provenientes do Brasil auxiliaram a equilibrar a balança de comércio exterior. Com a Inglaterra, de quem Portugal adquiria tecidos e vários outros manufaturados, as exportações de vinho e azeite de oliva não eram suficientes para saldar as dívidas, e o ouro das minas também já estavam em declínio desde a metade do século. Mas a expansão das exportações de açúcar e, principalmente algodão, para as nascentes fábricas inglesas melhoraram a situação alfandegária, gerando superávits para Portugal. Notamos, assim, uma estreita relação entre a Coroa lusitana e a inglesa, que se consolidava no campo militar. Portugal teria grandes dificuldades em manter suas colônias, e também seu território europeu, sem o auxílio militar inglês. Leslie Bethell firma que a Coroa britânica era “o avalista da independência de Portugal e da integridade territorial do império português” (BETHELL, 2001, p. 187). À época, as ações do Marquês de Pombal foram marcadas pelo liberalismo e pelo conservadorismo, numa tentativa de resolver as questões próprias da Coroa portuguesa. Seu sucessor, Martinho de Melo e Castro (ministro de 1770 a 1795) também trabalhou com essa perspectiva, e o mesmo se pode dizer de Rodrigo de Souza Coutinho, futuro Conde de Linhares (ministro de 1796 a 1801). As tentativas de modernizar a economia em Portugal, com a criação e o apoio à manufatura, a modernização da agricultura e da educação, a melhoria do comércio com as colônias para reverter déficits comerciais e equilibrar os gastos do governo envolvido em conflitos territoriais, são até hoje alvo de discussão na historiografia lusa, em relação a sua eficácia ou não. – 36 –

Administração colonial: tensão entre portugueses e brasileiros

Outro fator que gerou uma melhoria na economia colonial foi de ordem geopolítica, resultado da neutralidade de Portugal no período das Guerras Napoleônicas, o qual não sofreu bloqueios navais, como os que a Espanha enfrentou. Sendo assim, o comércio da metrópole lusitana transcorreu sem muitos percalços e em vantagem em relação aos produtos coloniais espanhóis. Quando voltamos nosso olhar para o Brasil, vemos as ações da Coroa com o intuito de aumentar o controle, por meio de ações administrativas mais severas e centralizadas, como a mudança da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763, e a reintegração do Estado do Grão-Pará e Maranhão à administração do Vice-Reino do Brasil, em 1774. Mesmo possuindo um vice-rei na colônia, os governadores de província, principalmente os do Norte, respondiam diretamente a Lisboa, numa política claramente centralizadora. No campo comercial, o Brasil desfrutava de relativa liberdade, que ficou mais acentuada com a abolição do sistema de frotas, em 1766 – o qual previa as datas de saída dos barcos comerciais rumo à Lisboa –, e com o término das atividades das Companhias de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, em 1778, e de Pernambuco e Paraíba, em 1779. No que concerne à produção, foi incentivada a agricultura de exportação, mas proibidas as atividades manufatureiras, em especial as tecelagens, para que as exportações lusitanas tivessem mercado assegurado. Apesar dos esforços e controle, a produção das minas entrou em irremediável decadência após 1750, fato que foi aos poucos sendo admitido, mas que não impedia a Coroa de tentar cobrar o imposto atrasado. Por outro lado, no litoral, a produção para exportação estava vivendo uma melhoria. O cultivo de açúcar, que havia enfrentado uma crise após a expulsão dos holandeses do Brasil no século XVII, mas que nunca havia deixado de ser lucrativo e exportado em grandes quantidades, passa a contar com um cenário externo mais favorável e com uma recuperação nos preços. Várias colônias francesas enfrentavam problemas em sua produção, devido aos reflexos da Revolução Francesa. O algodão, que era plantado sobretudo no Norte, também foi cultivado no Nordeste e no Rio de Janeiro, tornando-se a segunda maior cultura de exportação. Não podemos esquecer que o fumo plantado na Bahia era exportado, principalmente para comércio escravista na África. Além desses, outros – 37 –

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produtos agrícolas de exportação podem ser mencionados, como o cacau, no Pará, o arroz, no Maranhão, o trigo, no Rio Grande do Sul, e o “aparecimento” do café no Rio de Janeiro, que exportou quantidades significativas já na década de 1790 (BETHELL, 2001, p. 191). Esse crescimento das exportações brasileiras refletiu positivamente nas reexportações portuguesas, e Lisboa novamente passou a se mostrar como um porto dinâmico no fim do século XVIII. No período entre 1791 a 1807, o comércio português registrou seguidos superávits (BETHELL, 2001, p, 191); nesse contexto, o açúcar e o algodão brasileiros eram responsáveis por 80% dos produtos exportados pelas colônias portuguesas e por 60% das reexportações de Portugal (BETHELL, 2001, p. 191 e 192). Figura 3 – BATES, Richard. Largo do Paço. 1808. 1 gravura, color. Biblioteca do Congresso, Washington.

O Paço Imperial, construído no século XVIII, servia como residência dos governadores e, posteriormente, dos vice-reis e do Imperador D. João VI. Desse modo, podemos observar que a metrópole se tornava dependente de sua principal colônia, no que afirmamos ser a “inversão colonial”. Em termos populacionais, o Brasil possuía (excluindo-se os indígenas não administrados) cerca de dois milhões de habitantes, mas esse número, devido à dispersão da população e às dificuldades de registro, pode ser bem maior. Sendo assim, pelo potencial econômico, demográfico e territorial de sua colônia, Portugal passava a ser eclipsado por ela, e já se falava em rever essa relação, com a transformação do Brasil em Reino Unido e uma possível transferência da corte para o Rio de Janeiro. Pois, como afirmou Robert Southey, “Um galho tão pesado, não pode ficar preso por tanto tempo a um tronco podre” (In: BETHELL, 2001, p. 192). – 38 –

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Ampliando seus conhecimentos

A costa dos escravos (ALBUQUERQUE; BRAGA FILHO, 2006)

Antes de os portugueses começarem a comercializar no Golfo do Benim não havia grandes reinos africanos em regiões florestais. A exuberante floresta tropical dificultava a penetração comercial nessas terras. O reino do Benim foi uma exceção. Nos últimos anos do século XV, uma expedição portuguesa foi à capital do reino e lá se deparou com uma grande cidade com ruas largas e compridas e muitas casas. Mas, não há dúvidas de que a expansão desse reino foi acelerada com a sua incorporação ao comércio negreiro nos séculos XVI e XVII. No Benim o controle comercial era do rei que comprava e vendia sal, peixe seco, noz de cola, couros, tecidos e cobre. Cientes de que o monopólio sobre o comércio garantia ao rei do Benim uma considerável força política, os portugueses tentaram convertê-lo ao catolicismo. Era uma forma de aproximar aquele reino africano do lusitano. Mas, ao rei do Benim não interessava ter compromissos exclusivamente com Portugal, já que outros europeus também cobiçavam integrar-se ao esquema comercial do lugar. Franceses, ingleses e holandeses também lhes propuseram acordos mercantis. A atitude do rei do Benim deixa claro que os termos desses acordos comerciais não dependiam apenas da habilidade dos europeus, também estavam a mercê dos interesses dos diferentes povos africanos. Por isso, não se pode entender a prosperidade do tráfico de escravos sem levar em consideração a combinação de interesses entre europeus e africanos. É bem verdade que as nações europeias tentaram manter o controle sobre as regiões – 39 –

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

produtoras de escravos, mas o tráfico africano era um negócio complexo e envolvia a participação e cooperação de uma cadeia extensa de participantes especializados, que incluía chefes políticos, grandes e pequenos comerciantes africanos. Há estimativas de que 75 por cento das pessoas vendidas nas Américas foram vítimas de guerras entre povos africanos. A avidez por escravos reorganizou de tal maneira o mapa político africano que alguns reinos experimentaram o apogeu nos séculos XVII e XVIII graças ao tráfico negreiro. Foi o caso dos reinos de Daomé, Sadra, Achanti e Oió. Até o século XVI, Oió era apenas uma cidade-estado iorubana que tinha na agricultura e na tecelagem as suas principais atividades. Dedicava-se especialmente à fabricação de tecidos, os famosos panos-da-costa que viriam a ser tão apreciados pelos negros na Bahia. Mas as atividades agrícolas e artesanais perderam importância diante do tráfico. No final do século XVI, as cidades iorubanas participavam tão ativamente desse comércio que a região do golfo de Benim passou a ser conhecida como Costa dos Escravos. Formou-se ali um mercado bastante competitivo. Entre os vendedores de escravos, principalmente os iorubás e daomeanos competiam pelas mercadorias europeias. Entre os compradores, a concorrência não era menos acirrada. Nos portos da Costa dos Escravos, ingleses, holandeses, franceses, portugueses e brasileiros abarrotavam os navios de gente destinada a ser “exportada” para as Américas. De fato, nenhuma grande nação europeia ficou fora deste que era o negócio internacional mais rentável da época. Os africanos escravizados, moradores de pequenas aldeias cada vez mais distantes do litoral, eram vítimas de assaltos e guerras.

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Administração colonial: tensão entre portugueses e brasileiros

Presas pelo pescoço umas às outras, essas pessoas eram levadas para os mercados onde aguardavam os compradores, às vezes por meses. Eram então trocadas, no século XVIII, principalmente pelo fumo de rolo produzido na Bahia, produto muito procurado naquela região e que garantia a primazia dos brasileiros. Mas o sucesso comercial não impediu que o reino iorubá corresse risco. Com a expansão do reino vizinho, o Daomé, vários territórios subordinados a Oió passaram a ser saqueados e a ter os seus habitantes escravizados. Desse modo, de implacáveis caçadores de escravos, os iorubás foram transformados eles mesmos em cativos, principalmente a partir do final do século XVIII. O reino do Daomé foi fortemente centralizado e se desenvolveu a partir de 1700 com o próprio tráfico atlântico. Como era imprescindível a um reino tão intimamente dependente do comércio de escravos, ali se concentrava um poderoso exército armado de mosquetes, encarregado de ampliar as fronteiras e capturar escravos, inclusive, no final do século XVIII, entre as populações sob o domínio do reino de Oió. O tráfico era tão fundamental para o reino de Daomé que em 1750, 1795 e 1805 foram enviados embaixadores daomeanos à Bahia com a incumbência de firmar acordos de monopólio comercial para o envio de cativos. Como veremos no próximo capítulo, os negócios entre as elites do Daomé e os proprietários baianos garantiram a regularidade do tráfico de escravos para o Brasil. Nesta mesma época, os portugueses já negociavam com os povos da África centro–ocidental, e com eles estabeleceram vínculos políticos e religiosos mais estreitos e negócios bem lucrativos [...].

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Atividades 1. Estudamos neste capítulo aspectos da relação entre Inglaterra e Portugal. Apontamos que essa relação quase sempre pendia favoravelmente para os interesses britânicos, mesmo num período de protecionismo como o pombalino. Identifique uma razão comercial e uma razão militar para que Portugal não conseguisse superar a dependência que tinha da Inglaterra. 2. Explique a tese de Caio Prado Júnior apresentada como “o sentido da colonização” e as possíveis críticas que podemos elaborar a ela. 3. A partir do texto A costa dos escravos, de Albuquerque Braga Filho, podemos afirmar que os europeus controlavam o comércio de escravos e outras mercadorias na costa atlântica? Justifique a sua resposta.

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3 Revoltas coloniais: contextos e propostas Walfrido S. de Oliveira Jr.

O espírito de rebelião é quase uma segunda natureza das gentes de Minas. A própria paisagem parece incitar ao motim [...] Posto que das Minas e seus moradores, bastava dizer [...] que é habitada de gente intratável, sem domicílio, e ainda que está em contínuo movimento, é menos inconstante que os seus costumes: os dias nunca amanhecem serenos; o ar é um nublado perpétuo; tudo é frio naquele país, menos o vício, que está ardendo sempre. Eu, contudo, reparando com mais atenção na antiga e continuada sucessão de perturbações que nelas veem, acrescentarei que a terra parece que evapora tumultos; a água exala motins; o ouro toca desaforos; destilam liberdades os ares; vomitam insolências as nuvens; influem desordens os astros, o clima é tumba da paz e berço da rebelião; a natureza anda inquieta consigo, e amotinada lá por dentro, é como no inferno. (VARGAS, 2005, p. 62-63)

Que população será essa? Que impressões horríveis foram traçadas no discurso de Pedro Miguel de Almeida Portugal e Vasconcelos, o Conde de Assumar, em 4 de setembro de 1717, no discurso de sua posse como Governador da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro (VARGAS, 2005, p. 62).

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Neste capítulo estudaremos as tensões existentes na Colônia, que poderiam ser internas ou externas: tensões entre senhores e escravos, entre as elites locais e entre as elites locais e o poder metropolitano. Analisaremos as razões que provocaram diferentes revoltas na América portuguesa, além de compreender a diferença entre revoltas nativistas e revoltas separatistas.

3.1 Tensões internas: senhores e escravos Embora não seja o ponto principal a ser abordado neste livro, não poderíamos deixar de analisar as relações entre senhores e escravos, pois estas marcaram profundamente toda a sociedade colonial e a sociedade pós-emancipação. Em termos quantitativos, novos dados foram apresentados quanto ao tráfico de escravizados entre África e América, dando destaque ao tráfico com o Brasil. Ao longo dos quase quatro séculos da escravidão, cerca de 5.848.265 africanos foram transportados por navios luso-brasileiros, como podemos observar na tabela a seguir. Tabela 1 – Estimativa de africanos escravizados. País Período

Espanha

Brasil

Estados

Grã-Bretanha

França

Unidos

1501-1600

119.962

154.191

1.922

0

66

1601-1700

146.270

1.011.192

428.262

4.151

38.435

1701-1800 1801-1900

10.654 784.639

2.213.003 2.469.879

2.545.297 283.959

189.304 111.871

1.139.013 203.890

Total

1.061.525 5.848.265

3.259.440

305.326

1.381.404

Fonte: VOYAGES, 2017. As relações entre senhores e escravizados não podem ser tratadas por somente um ângulo, por uma visão única; ao longo desses séculos, muitas nuances puderam ser apresentadas, muitas especificidades foram ressaltadas. Mas uma condição não mudava: a base do sistema escravocrata era a violência, e sem esta ameaça constante tal sistema não se estabelecia. Vamos abordar essa violência e, para além dela, as estratégias diárias de acomodação e negociação. – 44 –

Revoltas coloniais: contextos e propostas

Nesse sentido, usamos o termo tensão, como exemplo de uma relação posta em xeque, tensionada por situações que não são facilmente aceitas pelos “de baixo”, pelos escravizados, os quais não conseguem superar coletivamente essa condição de escravidão e sofrem as consequências de seus atos de resistência. A chibata deixou suas marcas nas costas de milhares de negros, e nas mentes de outros milhões1. Segundo o discurso dominante na época da escravidão, os castigos deveriam “ser justos”, pois o escravizado teria cometido algum delito (na concepção dominante dessa sociedade) e, por tal, precisava ser punido, assim como um pai educa seu filho. Esse castigo também deveria ser “moderado”, pois não se punia o escravizado de qualquer maneira: quando exercido por um senhor, o castigo deveria ser realizado num tronco e com o uso da chibata, e a quantidade de chibatadas precisaria ser compatível com a falta cometida. Nessa sociedade havia recomendações sobre essa reciprocidade entre crime e castigo, as quais eram publicadas em manuais de administração para os senhores. Também havia a questão de se mostrar a todos os escravizados de um senhor as razões que levaram à punição daquele indivíduo, para que os outros não repetissem tal delito, e, caso o fizessem, receberiam o mesmo castigo – este era o aspecto “pedagógico” da punição. Ressaltamos aqui que a utilização dos termos justo, moderado e pedagógico são construções da historiografia, mas que se remetem à formulação ideológica dominante no período da escravidão, como um discurso para legitimar suas práticas e ser entendido por todos2. Determinados autores já destacaram a escravidão como um ganho para o escravizado3, pois as condições africanas seriam piores que o cativeiro 1 As relações étnico-raciais são marcadas no Brasil pelo estigma da escravidão. Nesses séculos de exclusão a população negra brasileira foi lançada à margem da sociedade, além disso foram várias as tentativas para que introjetassem uma condição de inferioridade, para que os afrodescendentes não almejassem participar como cidadãos ativos da sociedade. Mas essas tentativas foram sempre, e continuam sendo, rechaçadas pelos movimentos que lutam pelos direitos dos descendentes daqueles seres humanos que foram escravizados. 2 Nesse sentido, recomendamos a leitura da obra de Silvia Lara, Campos da violência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. 3 Citamos a obra de José Joaquim de Azeredo Coutinho, Análise sobre a justiça do comércio do resgate dos escravos da costa da África, de 1808. Disponível em: . Acesso em: 4 abr. 2017.

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

brasileiro, já se afirmou que a escravidão era “doce”4, tal o açúcar produzido pelas mãos dos cativos, ou que o escravo assimilava uma condição de objeto de seu senhor, que ele era uma “coisa”5. No século XXI, foram consolidadas algumas visões sobre a escravidão, as quais buscam estabelecer os vínculos entre senhores e escravos, abordando vários aspectos dessa imbricada relação. As tensões e a violência, como já afirmamos, estão na base da relação entre esses dois grupos, visto que senhores e escravos possuem interesses diametralmente diferentes. Mas, no cotidiano, esse vínculo pode desenvolver diversos contornos, pois as relações sociais não são baseadas na revolta constante, e a construção de parâmetros de convivência seria uma saída para a anomia6. Ao falarmos em negociação entre senhores e escravos, estamos tratando da tentativa de se estabelecer parâmetros de convivência, embora saibamos que, na escravidão, todos os parâmetros são muito limitados para os escravizados. Negociar um momento de lazer, um batuque, uma folga religiosa, um tempo livre para se fazer uma horta, uma autorização para poder vender os produtos desta, a autorização para se casar e constituir uma família, a divisão dos lucros de um escravo de ganho com seu senhor, a posse de bens pessoais etc. são exemplos dessas relações de negociação. As profissões exercidas por esses escravizados também eram variadas e, no meio urbano, perpassavam quase todas as atividades corriqueiras, alcançando, em raras ocasiões, algumas funções nas quais o domínio da escrita era indispensável. Na figura 1, a pintura de Jean-Baptiste Debret nos informa sobre aspectos dessa variedade de atividades desenvolvidas por escravos urbanos. 4 Nesse caso, citamos a obra de Gilberto Freyre em 1933, Casa grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global. 5 Mencionamos a obra de Fernando Henrique Cardoso, Capitalismo e escravidão no Brasil meridional. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 6 Nesse caso o termo anomia refere-se à negação de um setor da sociedade em seguir as normas sociais. Os escravizados, embora não concordassem com o regime da escravidão, não conseguiam viver em um estado de constante revolta e, assim, procuravam criar espaços e normas de convivência com seus senhores e com o restante do corpo social.

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Revoltas coloniais: contextos e propostas

Figura 1 – DEBRET, Jean-Baptiste. Coleta de esmolas para irmandades. c. 1820. 1 aquarela sobre papel, color.: 18,7 x 24,2 cm. Museu Castro Maya, Rio de Janeiro.

Nessa representação de Debret, um negro contribui com dinheiro a um padre (e uma mão, da janela da casa, também), enquanto escravos exercem profissões remuneradas para rendimento de seus senhores: um acendedor de lampião e um entregador de água. Essas negociações foram percebidas, pela historiografia, de dois modos. Como tentativa dos senhores de exercer um controle mais pacífico dos escravos, para manter a produção sempre em bom ritmo e exigir a contrapartida do trabalho, ou como um exemplo da resistência dos escravizados, ao exigirem um reconhecimento de sua humanidade e negarem o discurso jurídico da coisificação. Fato é que a tensão permeava toda a sociedade escravocrata, pois em várias regiões o número de escravizados era superior ao de homens livres. A parcela livre e branca dessa sociedade se organizava para combater as possíveis revoltas. Efetivamente, uma revolta escrava de grandes proporções nunca ocorreu, já movimentos mais regionalizados levaram ao surgimento de quilombos (o termo poderia ser mocambos, segundo alguns autores7), símbolo maior da resistência, mas que, ao se constituírem nas terras da própria colônia, mostravam os limites dessas revoltas. 7 Como podemos verificar em notícia da Agência Fapesp, História de Palmares ganha nova cronologia com análise de fontes originais, disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2017.

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Ao analisarmos a situação dos escravizados na sociedade colonial, percebemos uma unidade de interesses entre os plantadores, mineradores, comerciantes e homens livre em geral, que desfrutavam das rendas produzidas pela mão de obra escravizada, e as autoridades portuguesas daquém e dalém mar. Todos atuavam juntos para manter essa forma de trabalho, usufruindo da exploração do trabalho desses homens e mulheres destituídos de sua condição de livres, para quem construíram um discurso de retirada de sua condição de humanidade, instituindo a sua condição de coisa, de não humano, discurso esse que esses mesmos homens e mulheres escravizados negaram assimilar como exemplo de suas próprias vidas. A escravidão era a tensão mais forte e mais presente em toda a sociedade colonial, mas não foi ela que levou à ruptura da condição de colônia. Vejamos outras possibilidades.

3.2 Diferenças de interesses entre a metrópole e as elites locais Durante o período colonial o Brasil foi dominado, externamente, pela portuguesa; internamente, por uma burguesia mercantil e patriarcal que teve seu momento de glória em meados do século XVII, com o ciclo do açúcar em Pernambuco e na Bahia. O simples fato de que o auge colonial ocorreu mais de 150 anos antes do final do domínio português, nos dá ideia do fracasso das elites coloniais e locais em promover o desenvolvimento do país. (PEREIRA, 2000, p. 236-237)

Essa afirmação de Pereira nos dá uma ideia da dificuldade que foi a formação de uma elite colonial, com um projeto próprio de desenvolvimento, pois, em grande medida, as ações da elite se davam dos portos para fora da colônia, muitas vezes numa relação de dependência. A organização administrativa da colônia obedecia à lógica da portuguesa em preservar seus interesses. Além da indicação do governador geral, também se elaboraram estratégias que pudessem garantir influência nas esferas locais de poder. Na administração das vilas e cidades, foram instituídas as câmaras municipais, que deveriam tanto tratar dos temas locais quanto representar os interesses da Coroa. As elites locais exerciam o poder político nessas câmaras, e, para participar delas, na colônia foi adotada a definição peninsular “dos – 48 –

Revoltas coloniais: contextos e propostas

homens bons”. Como não havia naquele período a atual ideia de democracia, existia claramente a necessidade de se estabelecer quem poderia participar delas e quem não poderia exercer esses cargos. Em Portugal, esse problema era solucionado pela existência de uma nobreza, que monopolizava quase todos os cargos, mas, na colônia, com a inexistência dessa classe, deveriam ser estabelecidos critérios de participação e exclusão. Assim, o critério principal foi a denominação de “homem bom”, que seria o indivíduo maior de 25 anos, casado, católico, contra o qual não pesassem denúncias de impureza de sangue e, é claro, que fosse proprietário de terras. No entanto, esses critérios eram elásticos na colônia, pois, devido à falta de uma elite de berço, reconhecida pela tradição familiar, a Coroa deveria se apoiar nos poderes locais. A condição de cristão novo, ou, posteriormente, de mulato, nem sempre era um impeditivo para se chegar à câmara. Outra situação que podemos afirmar é a relativa autonomia de que gozavam essas câmaras, ou por serem importantes economicamente, ou por representarem comunidades muito isoladas. As câmaras deviam arrecadar os impostos destinados à Coroa e arcar com diversas despesas locais, mas, por outro lado, criavam impostos sem a autorização do reino, numa demonstração de certa autonomia. Para tentar controlar essa autonomia local, a Coroa indicava o juiz de fora, que tinha como função verificar o cumprimento das medidas reais e inibir as iniciativas locais. Esse funcionário deveria manter isenção em relação às disputas locais, no sentido de promover uma justiça com imparcialidade, mas as suas ações pendiam mais para os interesses da Coroa do que para os locais. As relações entre o poder local e a Coroa ficariam ainda mais tensas, chegando ao conflito aberto. Uma dessas revoltas ocorreu no Maranhão, onde funcionava a Companhia do Comércio do Maranhão (1682), que monopolizava o fornecimento de escravos africanos e outros produtos importados e deveria levar para Portugal produtos da região. Os produtores locais reclamavam muito dos preços praticados pela Companhia, e outro motivo de queixa era a ação dos jesuítas na região, os quais, ao aldearem os indígenas, coibiam a sua escravização. – 49 –

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Percebemos, assim, uma elite local contrariada em seus interesses, a qual se organiza para tentar modificar a situação. Em 1684, cerca de 80 homens, sob o comando dos irmãos Manuel e Tomás Beckman, invadiram os armazéns da Companhia de Comércio. Entre as reivindicações do grupo, destacam-se: a deposição do Capitão-mor; a deposição do Governador; a abolição do monopólio; a extinção da Companhia; e a expulsão dos jesuítas. Notamos que as reivindicações não são pela autonomia da região, ou seja, o domínio português não foi posto em questão. Mas esses leais súditos da Coroa não tiveram o perdão do rei. Em 2 de novembro de 1685, Manuel Beckman e Jorge Sampaio foram enforcados. Outra revolta foi a Guerra dos Mascates (1810), que envolveu outra situação de tensão, a existente entre os senhores de engenho e os comerciantes. Na sociedade colonial, o senhor de engenho era uma figura respeitada, um senhor de terras e de homens, bem ao estilo da sociedade senhorial e nobiliária portuguesa. Quase ao estilo medieval, esses senhores possuíam mais poder do que dinheiro; toda a sua produção de açúcar era comprada já nos portos de Recife, Salvador e Rio de Janeiro por comerciantes – estes sim, detendo o capital, ligavam o comércio escravista colonial aos circuitos do mercantilismo europeu. Os comerciantes costumavam adiantar o dinheiro da compra da safra de cana para os donos de engenho, fazendo com que esses senhores contraíssem dívidas e mantivessem uma relação de dependência com eles. No caso da Bahia, na cidade de Olinda, que era a sede da Capitania, viviam os senhores, e na cidade do Recife moravam os comerciantes. Mas estes últimos conseguiram da Coroa a Carta Régia para a transformação de Recife em vila, e assim ter sua câmara e seu pelourinho. Esse foi o estopim do conflito da Guerra dos Mascates, que possui raízes mais profundas na decadência do preço do açúcar e na dependência econômica do fazendeiro em relação ao comerciante. A Coroa, embora respeitasse os donos de engenho, tinha muito mais interesse nas relações com os comerciantes, já que o dinheiro dos impostos sobre o comércio sustentava o erário luso.

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Revoltas coloniais: contextos e propostas

Figura 2 – POST, Frans. Paisagem com plantação c. 1660. 1 óleo sobre tela, color.: 71,5 x 91,5 cm. Museu Boijmans Van Beuningen, Rotterdam.

Após pegarem em armas e proferirem ataques e contra-ataques, as contendas foram interrompidas com a chegada de tropas portuguesas sediadas na Bahia. Os fazendeiros tiveram de aceitar a elevação de Recife à condição de vila, o que fortaleceu o poder dos comerciantes. Observamos que essa sedição também não teve caráter separatista, mas queria resolver as tensões dentro do sistema colonial. Além disso, podemos notar que havia a predominância social do senhor de engenho na estrutura interna daquela sociedade, mas o poder econômico dos comerciantes (depreciados pelos fazendeiros com a alcunha de mascates) estava se intensificando e impondo sua agenda política. No que diz respeito às possibilidades de relação entre o poder central e as lideranças coloniais, é fato que a Coroa portuguesa necessitava das elites locais para o exercício da administração, mas não podia admitir uma plena autonomia delas. Por seu lado, essas elites desejavam exercer mais plenamente o poder, mas não conseguiam viver sem a presença da Coroa, devido ao isolamento da colônia, ainda pouco povoada e distante dos principais centros do comércio.

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Ao fim do século XVIII, porém, essa conjuntura estava se alterando. Já havia um desenvolvimento na colônia, com circuitos internos de comércio e crescimento populacional. Também os ideais iluministas circulavam nos modestos salões locais, atraindo jovens, geralmente ricos, que haviam estudado em Coimbra e conheciam o ambiente cultural europeu. Dos questionamentos dos poderes locais, passou-se ao questionamento da dominação colonial. Mas esses movimentos não foram homogêneos, pois não defendiam o mesmo projeto para a sociedade. Vamos analisar melhor esse quadro.

3.3 Revoltas separatistas Ao analisar a conjuntura do fim do século XVIII, podemos perceber várias transformações, tanto no cenário internacional quanto no cenário colonial. A colônia se desenvolvera em vários aspectos, entre eles o demográfico, afetando cidades como Salvador e Rio de Janeiro, que já ultrapassavam os 50 mil habitantes, dentre os quais 50% eram negros, vários deles forros ou livres. Em geral, nesses ambientes urbanos circulavam os livros proibidos franceses e ingleses no original e com algumas traduções. As ideias iluministas eram debatidas em salões clandestinos. A palavra liberdade circulava, tanto como crítica à tirania política do rei quanto em relação às práticas liberais de comércio8. Nas cidades, a tensão entre o poder central e o poder local se acentuava: os “homens bons” desejavam uma maior autonomia, enquanto os representantes metropolitanos queriam manter os interesses da Coroa. A questão da cobrança de impostos era sempre motivo para divergências. Mas também havia uma tarefa em comum para os reinóis e homens bons: o controle sobre a disciplina dos escravizados e dos homens livres e pobres, que em número cresciam e se apropriavam das ideias liberais e iluministas que circulavam na colônia, traduzindo para os seus interesses os conceitos de liberdade e igualdade. 8 O sentido de liberal é o da defesa do livre comércio, em oposição ao mercantilismo, cuja característica era o controle das atividades comerciais pelos monarcas absolutistas.

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Revoltas coloniais: contextos e propostas

O fim do século XVIII representou um período de certa prosperidade, mas esta não se refletia em todo o corpo social. Na Região das Minas (hoje Minas Gerais), a decadência da mineração era evidente, e a prosperidade se dava no setor da produção voltada para o abastecimento interno e para a classe de comerciantes, que fazia circular tal produção e trazia os produtos europeus à colônia. Na região litorânea, os senhores de engenho ganharam com a melhora nos preços internacionais do açúcar e ampliaram a produção. Também nessas localidades os comerciantes ampliaram seus lucros e vendas para o mercado externo e interno. A população urbana enfrentou um período de aumento dos preços, pois as fazendas de cana ampliaram a área plantada e deixaram de lado os espaços da lavoura de subsistência, e mesmo a mão de obra escravizada tinha menos tempo livre para produzir suas hortas. Todo um mercado de produção local de alimentos foi afetado, e assim os produtos deveriam vir de mais longe e eram mais caros. Nesse contexto, abordaremos a seguir a Conjuração Mineira, de 1789, e a Revolta dos Alfaiates (também conhecida como Revolta dos Búzios), de 1798. Na Região das Minas, para além da decadência da mineração, podemos destacar o impasse com relação à cobrança de impostos. A elite local controlava boa parte dos cargos destinados a estabelecer o controle sobre essa cobrança, dividida entre os impostos de Entrada9 e o Quinto10 do ouro. Em 1751, institui-se a Derrama, que visava cobrar a diferença entre o imposto do Quinto arrecadado e as 100 arrobas estipuladas, mas isso só foi exercido em 1765. Esses impostos afetavam diretamente a elite econômica local, tanto a que se dedicava à mineração quanto os donos das fazendas de criação e produção de alimentos. Aliás, um típico plutocrata mineiro estava ligado a todas essas frentes: era minerador, fazendeiro e contratante. 9 O Imposto de Direito de Entrada servia como tributo alfandegário nas rotas que ligavam as minas aos portos do Rio de Janeiro e Salvador. O direito de cobrar esse imposto e instalar uma alfândega foi leiloado pela Coroa; em troca, o contratante deveria dar uma quota por ano ou triênio. 10 Imposto comum sobre a cobrança de metais preciosos; a Coroa dava permissão para a mineração, mediante a cobrança da quinta parte do minério extraído.

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Um fator que desencadeou a insatisfação geral dessa elite, segundo Kenneth Maxwell, [...] acima de tudo, foi a chegada do Governador e Visconde de Barbacena em 1788 com instruções detalhadas de Martinho de Melo e Castro para implementar uma raiz e um ramo da reforma de todo o sistema tributário de Minas. Em julho de 1788, Barbacena convocou a Junta da Fazenda Mineira, transmitiu a reprimenda de Lisboa, insistiu na imposição da derrama e anulou todos os contratos. As palavras do novo governador caíram como uma bomba. O atraso com a Fazenda Real na quota de 100 arrobas anuais chegava ao montante de 538 arrobas11 de ouro, ou seja, três bilhões e meio de réis. As dívidas nos contratos de dízimos e entradas representavam dois bilhões e meio de réis. (MAXWELL, 1989, p. 16-17)

Essas medidas eram uma declaração de conflito contra esse poderoso grupo, que mantinha uma relativa autonomia administrativa na região, fazendo-os sangrar em bens e em poder. A reação não tardou; destacadamente em Vila Rica, um grupo reunira-se na casa de Claudio Manoel da Costa: Entre os visitantes mais regulares do poeta, nos anos do decênio de 1780, contava-se Tomás Antonio Gonzaga, também poeta e o ouvidor de Vila Rica. Tomás Antônio Gonzaga, nascido no Porto, cresceu no Brasil onde frequentou o Colégio dos Jesuítas da Bahia. Os dois eram o centro de um grupo que contava com o intendente de Vila Rica, Francisco Bandeira, o contratante João Rodrigues de Macedo, o ex-ouvidor de São João d’El Rei, Alvarenga Peixoto, e dois padres — Carlos Correia, vigário da rica paróquia de São José do Rio das Mortes, e o cônego Luis Vieira da Silva, da catedral de Mariana. (MAXWELL, 1989, p. 13)

Dessas reuniões, e de outras, um plano de sedição à Coroa foi formulado e, segundo Maxwell (1989), ocorreu da seguinte forma: Os detalhes da proposta revolução mineira foram decididos no fim de 10 de dezembro de 1788: envolvidos na conspiração estiveram o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, comandante do regimento da cavalaria de Minas, os famosos Dragões, o dr. José Alvares Maciel, filho do capitão-mor de Vila Rica, o padre José da Silva de Oliveira Rolim, filho do principal administrador do Distrito Diamantino, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, Carlos Correia, vigário de São José, e o ex-ouvidor e coronel de milícias Alvarenga Peixoto. Os seis reuniram-se para formalizar os planos de um levante 11 Cerca de oito mil quilos.

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Revoltas coloniais: contextos e propostas armado contra a Coroa portuguesa. Eram todos nascidos no Brasil e representavam diferentes zonas da capitania. E todos eram agentes da revolução em andamento. (MAXWELL, 1989, p. 17)

Das propostas que ficaram registradas nos autos da devassa, podemos registrar: a criação de manufaturas e de uma fábrica de pólvora; a alforria aos escravos e mulatos nascidos no país; a fundação de uma universidade em Vila Rica; a separação entre Igreja e Estado; o estímulo ao crescimento populacional; a milícia de cidadãos, em vez de um exército permanente; e um parlamento em cada cidade, subordinado a um parlamento principal da capital (MAXWELL, 1989, p. 21). Esse movimento, no entanto, fracassou, devido à delação de Joaquim Silvério dos Reis, que, em troca do perdão de suas dívidas, divulgou aos representantes da Coroa os planos dos revoltosos. A Derrama estava marcada para fevereiro de 1789, mas foi suspensa, e as tropas leais à Coroa começaram a prender os suspeitos. Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi preso no Rio de Janeiro em 10 de maio de 1789. Assim, percebemos que essa foi uma revolta contra o domínio português liderada pela elite econômica da região, que se viu aviltada com a dupla penalização da cobrança de impostos e a perda da influência política, resultante de uma evidente falta de habilidade das autoridades metropolitanas. Outro movimento pela emancipação em relação a Portugal foi a Revolta dos Alfaiates, ou Revolta dos Búzios, na Bahia. Na cidade de Salvador, em 1798, num domingo de 12 de agosto, os moradores locais se depararam com panfletos, redigidos com erros de concordância e gramática, mas que tinham mensagens claras contra a opressão da Coroa e citavam o exemplo francês: [...] as naçoens do mundo todas tem seus olhos fixos na França, a liberdade he agradável para todos: he tempo pôvo, povo o tempo he xegado para vos defendereis a vossa liberdade; o dia da nossa revolução da nossa liberdade e da nossa felicidade está para xegar, animai-vos que sereis feliz para sempre. (MATTOSO, 1969, p. 149)

Para os interesses coloniais, a citação da França e seu exemplo não agradavam em nada os representantes da Coroa, e, para as elites locais, a citação da palavra escravidão também provocava calafrios. Esses panfletos ficaram conhecidos como os “boletins sediciosos” (TEIXEIRA, 2013, p. 3). – 55 –

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Os sediciosos marcaram uma reunião, secreta, que contou, entre outros 50 participantes, com a presença de três homens que delataram às autoridades os participantes, os líderes e as intenções. A partir das investigações, 48 suspeitos foram presos e processados. Quatro deles foram condenados à morte por enforcamento e executados na Praça da Piedade, localizada bem no centro da Cidade do Salvador. 02 Soldados - Lucas Dantas de Amorim Torres; - Luís Gonzaga das Virgens. 02 Alfaiates - Manuel Faustino Santos Lira (aprendiz); - João de Deus do Nascimento (mestre). (TEIXEIRA, 2013, p. 8)

É importante notar que, entre os suspeitos, analisando as condições dos 48 acusados frente às das testemunhas, verifica-se que prevalece o grande descompasso no que tange à situação civil e de cor, considerando que aqueles que testemunharam formavam uma população quase total de brancos e livres, enquanto os acusados eram negros ou afrodescendentes. (TEIXEIRA, 2013, p. 13)

A execução dos condenados à morte se deu no dia 8 de novembro de 1899. Para finalizar, reproduzimos a seguir um trecho da sentença do juiz, indicando as razões para a condenação e execução dos acusados, o que nos faz refletir sobre aspectos da atualidade brasileira. E, pela dedução dos fatos descritos e suas convincentes provas, o que tudo visto, e mais dos autos, condenam os réus Luiz Gonzaga das Virgens, pardo, livre soldado, solteiro, 36 anos; Lucas Dantas de Amorim Torres, pardo, liberto, solteiro, 24 anos; João de Deus Nascimento, pardo, livre, casado, alfaiate, 27 anos; Manoel Faustino dos Santos Lira, pardo, forro, alfaiate, 22 anos [...] a que com baraço e pregão, pelas ruas desta cidade, sejam levados a Praça da Piedade, por ser também uma das mais públicas dela, onde, na forca, que, para este suplício se levantará mais alta do que a ordinária, morram morte natural para sempre, depois do que lhes serão separadas as cabeças e os corpos, pelo levante projeto, pelos ditos réus, chefes, a fim de reduzirem o continente do Brasil a um Governo Democrático. (grifo nosso). (ANNAES... 1922/23)

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Revoltas coloniais: contextos e propostas

Percebemos, por essa sentença recebida pelos condenados na época, que a ação de tornar a Colônia um país democrático foi considerada um crime. O profissional que trabalha com o ensino da História não pode perder de vista as lutas do povo brasileiro para a construção de uma nação democrática, baseada no Estado de Direito, e os esforços que cada geração deve fazer para sua manutenção.

Ampliando seus conhecimentos

Transcrição paleográfica (MATTOSO, 1969, p. 149)

3º dos 10 Avisos, e/ou Boletins Sediciosos afixados, em vários locais da cidade do Salvador, no dia 12 de agosto de 1798 que originou o movimento conhecido como Revolta dos Alfaiates/ Conjuração Baiana/ Revolta dos Búzios. O vos Homens Cidadaons, ovos Povos curvados e abandonados pelo Rei, pelos seus despotismos pelos seus ministros [...] O vos Povo que nascesteis para sereis livres e para gozareis dos bons efeitos da Liberdade, o vos Povos que viveis flagelados com o pleno poder do Indigno Coroado esse mesmo rei que vos creasteis; esse mesmo rei tirano he quem se firma no trono para vos veixar, para vos roubar e para vos maltratar. Homens, o tempo he xegado para a vossa ressureição; sim para ressussitareis do abismo da escravidão para levantareis a sagrada Bandeira da Liberdade. A liberdade consiste no estado felis, no estado livre do abatimento: a Liberdade he a doçura da vida, o descanço do homem com igual paralelo de huns para outros, finalmente a liberdade he o repouso e bem aventurança do mundo. – 57 –

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

A França está cada vez mais exaltada, a Alemanha já lhe dobrou o juelho, Castela so aspira a sua aliança, Roma ja vive aneixa, o Pontifice já está abandonado, e desterrado; o rei da Prucia está prezo pelo seu próprio povo; as naçoens do mundo todas tem seus olhos fixos na França, a liberdade he agradável para todos: he tempo pôvo, povo o tempo he xegado para vos defendereis a vossa liberdade; o dia da nossa revolução da nossa liberdade e da nossa felicidade está para xegar, animai-vos que sereis feliz para sempre.

Atividades 1. Elabore um comentário sobre as tensões presentes na relação entre senhores e escravos e as possibilidades de convivência possível entre ambos. 2. Por que podemos afirmar que a Revolta dos Beckman e a Guerra dos Mascates foram movimentos nativistas, e não separatistas? 3. Diferencie, em relação a suas composições sociais e motivações, a Conjuração Mineira da Revolta dos Búzios.

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4 Napoleão e a expansão do Iluminismo Walfrido S. de Oliveira Jr.

Sobreviventes formais de uma era anterior, tais como o Sagrado Império Romano e a maioria das cidades-Estados e cidades-impérios, desapareceram. [...] as antigas repúblicas de Génova e Veneza desapareceram em 1797 e, ao final da guerra, as cidades alemãs livres tinham sido reduzidas a quatro. [...] Fora da Europa, é claro, as mudanças territoriais das guerras foram consequência da total anexação britânica das colónias de outros povos/assim como dos movimentos de libertação colonial inspirados pela Revolução Francesa (p. ex. em São Domingos) ou que se tornaram possíveis ou impostos pela separação temporária das colónias de suas metrópoles (como na América espanhola e portuguesa). [...] o feudalismo foi formalmente abolido, os códigos legais franceses foram aplicados e assim por diante. [...]. Uma vez oficialmente abolido, o feudalismo não mais se restabeleceu em parte alguma. (HOBSBAWM, 1982, p. 107-108)

Neste capítulo, vamos abordar as alterações na conjuntura europeia a partir da Revolução Francesa, com ênfase no período Napoleônico, e os reflexos dessas nos movimentos emancipacionistas. Em particular, daremos destaque às emancipações da América espanhola.

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4.1 O papel de Napoleão na Revolução Francesa Quando a Revolução Francesa teve início, em 1789, os olhos do mundo ocidental voltaram-se para o entendimento dessa experiência. Quando o rei Luís XVI foi executado, em 1793, ninguém tinha mais dúvidas sobre os rumos desse movimento. Os liberais, em vários reinos europeus, apoiavam a Revolução, e nas colônias também eram lidos e debatidos esses ideais. Quando Napoleão assume o governo da Revolução, em 1899, após o golpe conhecido como 18 de Brumário1, a Revolução Francesa tende a se encerrar no território francês, e seus ideais, a se expandirem pela Europa, devido às guerras napoleônicas. Vários intelectuais saudavam a entrada das tropas napoleônicas em seus reinos, na esperança de que junto viessem os ideais iluministas. Napoleão foi responsável por uma renovação nas táticas militares e também na convocação dos soldados – as convocações maciças (levée en masse2) modernas. Com as guerras revolucionárias, os jacobinos conseguiram manter viva a Revolução contra as coligações estrangeiras. As vitórias do general Napoleão o credenciaram a assumir o consulado e, posteriormente, permitiram a sua autocoroação como imperador. Militarmente, lutou mais de sessenta batalhas e perdeu poucas, principalmente no período final de seu governo. Hobsbawm nos esclarece: A relativa monotonia do sucesso francês torna desnecessário discutir as operações militares de guerra terrestre com grandes detalhes. Em 1793-4, os franceses preservaram a Revolução. Em 1794-5, ocuparam os Países Baixos, a Renânia, partes da Espanha, Suíça e Savoia (e Ligúria). Em 1796, a celebrada campanha italiana de Napoleão deu-lhes toda a Itália e quebrou a primeira coalizão contra a França. [...] Daí em diante a supremacia francesa nas regiões conquistadas ou controladas em 1794-8 permaneceu inquestionável. (HOBSBAWM, 1982, p. 104)

1 Após a Revolução, o Comitê de Salvação Pública adotou um novo calendário, e o mês de novembro passou a ser designado como Brumário. Esse calendário foi instituído em 1792 e abolido em 1805. 2 Termo empregado por Hobsbawm (1982) no capítulo “A Revolução Francesa”, de sua obra A era das revoluções.

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Napoleão e a expansão do Iluminismo

Essas batalhas não representavam somente a vitória militar, mas também a expansão da base ideológica iluminista e liberal pela Europa. Os privilégios de nascimento, o absolutismo e o clero estavam sendo questionados por todo o continente europeu. Devemos lembrar que todos os importantes estados europeus eram monárquicos e de base social feudal, com exceção da Inglaterra3. Napoleão sofreu um terrível revés na sua campanha da Rússia. Devido à dificuldade de invadir a Inglaterra após sua derrota na Batalha de Trafalgar, em 1805, o imperador francês tentou bloquear o comércio com a Inglaterra em todo o continente. O czar russo desobedeceu a essa ordem de bloqueio, e Napoleão enviou um exército de mais de 500 mil soldados, que dominaram Moscou. Mas, segundo Hobsbawm, [...] o czar não estabeleceu a paz, e Napoleão se viu diante da opção entre uma guerra interminável, sem perspectiva clara de vitória, ou a retirada. Ambas eram igualmente desastrosas. Os métodos do exército francês, como vimos, implicavam rápidas campanhas em áreas suficientemente ricas e densamente povoadas para que ele pudesse retirar sua manutenção da terra. Mas o que funcionou na Lombardia e na Renânia, onde estes processos tinham sido desenvolvidos pela primeira vez, e ainda era viável na Europa Central, fracassou totalmente nos amplos, pobres e vazios espaços da Polônia e da Rússia. Napoleão foi derrotado não tanto pelo inverno russo quanto por seu fracasso em manter o Grande Exército com um suprimento adequado. A retirada de Moscou destruiu o Exército. De 610 mil homens que tinham, num ou noutro momento, atravessado a fronteira russa, 100 mil retornaram aproximadamente. (HOBSBAWM, 1982, p. 105)

Apesar das derrotas sofridas por Napoleão em 1814 e 1815, e todo o processo de restauração desenvolvido pela Santa Aliança4, a semente do liberalismo já havia germinado no continente europeu e fora dele. A sociedade anterior à Revolução Francesa efetivamente já podia ser chamada de Antigo Regime, pois uma nova concepção de sociedade, economia, ciência, política e direitos individuais efetivamente saía do mundo das ideias e se materializava na sociedade. 3 Na Inglaterra o rei João foi obrigado a assinar um documento de 1215 que limitou o poder dos monarcas ingleses, conhecido como Carta Magna. 4 A discussão da paz após o período napoleônico gerou uma aliança entre os países vencedores, denominada Santa Aliança. O termo santa já traz seu caráter conservador. Compunha a aliança o Império Austríaco, o Império Russo e o Reino da Prússia.

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Figura 1 – MEISSONIER, Jean Louis Ernest. Friedland. 1875. 1 óleo sobre tela; color.: 135,9 x 242,6 cm. Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque.

Esta obra constrói uma representação da vitória de Napoleão na Batalha de Friedland, de 1807, e inspirou o pintor brasileiro Pedro Américo a produzir a sua representação sobre a Independência do Brasil, no quadro Independência ou Morte, de 18885.

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O impacto dessas transformações afeta as nossas vidas na atualidade, pois os conceitos de democracia, direitos humanos, liberalismo e o desenvolvimento científico são tributários diretos desse período. Embora, no campo da política e direitos individuais, essas conquistas não foram desfrutadas pelo conjunto das sociedades europeias logo no início do século XIX, suas ideias foram incorporadas ao imaginário popular e se transformaram em bandeiras de luta, ao longo dos séculos XIX e XX. Vivendo o início do século XXI, temos o dever de preservar e ampliar essas conquistas. Desse modo, as ações de Napoleão não foram sentidas apenas no continente europeu. Do outro lado do Atlântico, as colônias ibéricas também foram diretamente afetadas pelas investidas das guerras napoleônicas. 5 Sobre esse aspecto da crítica de arte, podemos sugerir as obras de E. H. Gombrich, e seu conceito de schemata, entendido como a chancela (aprovação) que os mestres e os críticos dão às novas obras dos jovens artistas. Não se trata de plágio, mas do conceito de homenagem, muito utilizado no século XIX, ainda mais se tratando de uma pintura oficial, encomendada por D. Pedro II para enaltecer a figura do pai como o “herói” da independência do Brasil. Estas representações encomendadas deveriam impressionar pelo tamanho da obra e por sua dramaticidade, colocando o herói no centro das ações.

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4.2 A invasão napoleônica na Península Ibérica Os espanhóis e portugueses se envolveram nas campanhas contra a Revolução Francesa desde a primeira coligação contra a Revolução e a execução do casal real francês. Nesse episódio, o reino espanhol declarou guerra à França, e tropas espanholas, com a participação de tropas portuguesas, atravessaram os Pirineus e dominaram Toulon em 1793. Rapidamente as tropas francesas estabeleceram um contragolpe e não só desalojaram os invasores como também transpuseram os Pirineus e dominaram vilas espanholas. Dessa campanha foi assinado um tratado de paz entre Espanha e França, em que a primeira reconhecia a república francesa e se mantinha atrelada aos interesses desta. No entanto, devido à política napoleônica de isolamento comercial da Inglaterra, conhecida como Bloqueio Continental ou Sistema Continental, a Coroa portuguesa se viu numa difícil situação, haja vista seus acordos com a Inglaterra. Nesse sentido, Napoleão instigava a Coroa espanhola a invadir e anexar o reino luso. Carlos IV era o rei da Espanha, mas sua imagem já estava desgastada em seu reino, e por isso aceitou a oferta francesa de pilhagem e anexação de Portugal. O general Junot, com aproximadamente 25.000 homens, iniciou a travessia da França para a Espanha no dia 18 de outubro de 1807. Tropas espanholas encontraram essa expedição em Alcântara, na fronteira com Portugal. Embora não houvesse resistência militar portuguesa, as condições do caminho e do clima dificultaram o avanço da coligação. Com aproximadamente 1.550 soldados, Junot entrou em Lisboa em 30 de novembro. Nesse momento a corte portuguesa, com o auxílio inglês, já havia embarcado para o Rio de Janeiro, transferindo a sede do governo e da Coroa para sua principal colônia. Após esse ato em conjunto, Napoleão avaliou que a simples aliança com o rei Carlos IV já não convinha, e assim se preparou para invadir o reino aliado. A presença do exército francês excedia os 60 mil soldados em território ibérico, e sua mobilização já em território espanhol seria prenúncio de uma fácil vitória. – 63 –

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

A falta de coesão interna também favorecia essa invasão. Alguns setores importantes da sociedade e da economia espanhola desdenhavam a presença de Carlos IV e seu ministro Godoy6, responsáveis por retornar com práticas anteriores às reformas liberais de seus antecessores. Havia uma tensão entre o desgastado rei e seu questionado ministro, e o jovem príncipe Fernando, apoiado por parte da nobreza e burguesia espanhola, desejosa pela continuidade das mudanças liberais bourbônicas. Essa tensão se definiu com uma revolta palaciana no dia 17 de março de 1808 (o palácio de Aranjuez, nos arredores de Madri), a qual exigiu a renúncia de Godoy e a abdicação de Carlos IV. Nessa conjuntura, assume o príncipe com o título de Fernando VII. Não obstante, em março do mesmo ano, com a justificativa de acalmar os ânimos internos e manter a paz na região, Napoleão exige a renúncia de Fernando VII e repassa a Coroa espanhola para seu irmão José Bonaparte, coroado José I. A resistência espanhola não se fez esperar; levantes populares surgiram em todo o território, mas foram duramente reprimidos pelas tropas napoleônicas. Figura 2 – GOYA, Francisco, O três de maio de 1808, ou Os fuzilamentos na montanha do Príncipe Pio. 1814. 1 óleo sobre tela; color.: 266 x 345 cm. Museu do Prado, Madri.

Esse quadro de Goya representa a repressão do exército francês e a resistência civil espanhola à invasão napoleônica em Madri, no dia 3 de maio de 1808. 6 Manuel Godoy y Álvarez de Faria (Badajoz, 1767 – Paris, 1851).

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Napoleão e a expansão do Iluminismo

Com a alteração do cenário ibérico, cujas monarquias foram destituídas ou se refugiaram na colônia, as relações entre metrópoles e colônias sofreriam alterações. Com a lealdade em questão, as colônias espanholas não se viam na obrigação de obedecer ao rei usurpador. Com a invasão napoleônica, a Inglaterra passou da condição de inimiga para aliada, e o bloqueio ao porto de Cadiz transformou-se em resistência às tropas napoleônicas. Essa presença militar inglesa possibilitou a manutenção da cidade de Sevilha, e seu porto de Cadiz como foco da resistência espanhola à invasão. Na cidade de Sevilha foi criada la Junta Suprema Central, ou Junta de Sevilha, que acumulou os poderes executivo e legislativo (em 1810, passou a se chamar Consejo de Regencia de España e Indias). Tal conselho mantinha a resistência espanhola à invasão e tentava administrar o comércio colonial. Nas colônias, as camadas ricas da população e que não possuíam os direitos políticos ficaram conhecidas como criollos, os quais mantinham uma relação de tensão e acomodação com os representantes da Coroa, que eram enviados diretamente da Espanha para exercer os cargos de administração. Apesar de serem vistos com desconfiança pelas autoridades peninsulares, os criollos mantinham uma lealdade à Coroa espanhola e se viam como integrantes e súditos dela. Essa relação entre as colônias e a metrópole deveria ser de complementariedade, pois da colônia deveriam vir os produtos agrícolas que não podiam ser cultivados na Europa e também metais preciosos, e em troca a metrópole deveria enviar os produtos manufaturados. Mas ela nunca se concretizou, devido à falta de condições da metrópole em manter uma frota mercante capaz de suprir as necessidades das colônias, além de não conseguir manter uma produção própria, necessitando importar e revender os bens de consumo necessários nas colônias. Assim, nações estrangeiras sempre abasteceram as colônias espanholas, seja pelo comércio legal, seja pelo contrabando. Essa metrópole, que não conseguia manter sua parte no acordo colonial, mantinha-se, em grande medida, pela presença da representação da Coroa, a construção da figura do rei, da corte, da Espanha e seu império ultramarino. Mesmo na América, um fidalgo se percebia como membro de uma corte europeia, um súdito da Coroa espanhola. Com a entrada do rei usurpador, – 65 –

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irmão de Napoleão, essa relação foi rompida, a lealdade passou a ser direcionada ao rei preso, e na prática a aspiração por um autogoverno ganhou força. Vamos observar melhor esse cenário.

4.3 Movimentos pela independência na América espanhola A relação entre as colônias espanholas e a sua metrópole era de falta de complementariedade, isto é, a colônia cumpria uma função de exportadora de metais preciosos, como ouro e, principalmente, a prata das minas de Potosí, porém a contrapartida metropolitana era muito deficiente. Pela lógica desse comércio, a Espanha deveria fornecer os produtos faltantes nas colônias, normalmente manufaturados, ou pelo menos que sua marinha mercante levasse essas mercadorias até elas. A Espanha não conseguia nem produzir esses manufaturados, e, quando conseguia, suas condições de transporte terrestre e marítimo não eram suficientes para levar os produtos. Tal situação abria, obrigatoriamente, a América espanhola a comerciantes de outras nacionalidades. Portugueses, franceses, holandeses e, principalmente ingleses transportavam mercadorias com a utilização de suas embarcações7. Nem produtos agrícolas espanhóis conseguiam chegar a contento em suas colônias. Durante o século XVIII, houve, devido à mesma conjuntura vivenciada em Portugal, um movimento da Coroa em modernizar as relações sociais e econômicas na Espanha e em suas colônias. E tal como em Portugal, essa onda iluminista “era eclética na aspiração e pragmática na intenção” (LYNCH, 2001, p. 19), isto é, utilizava diferentes escolas de pensamento. Dentre elas, destacamos a fisiocracia, para dinamizar as relações de produção no campo, e o liberalismo, para as relações de comércio interno. Porém, para as colônias, foram reorganizadas as práticas do mercantilismo, a fim de obter uma exploração mais eficiente dos recursos coloniais. 7 Os portugueses tinham uma querela com a Coroa espanhola, devido à existência da Colônia de Sacramento, na margem oposta do Rio de la Plata, em relação à cidade de Buenos Aires. Realizavam o contrabando de escravos africanos pela prata do Potosí, cuja prática minava as relações entre a Espanha e suas colônias, mas a Espanha, por não conseguir manter um constante fluxo de escravos para suas colônias, fazia “vista grossa” a esse contrabando.

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Porém esse sopro de modernização foi freado pela ascensão de Carlos IV, cujo interesse era fortalecer as relações aristocráticas, dando vários passos atrás na implementação da ascensão por mérito, e recolocando o direito de nascimento como critério para ocupação dos postos do Estado. O ministro Godoy, que não era da alta nobreza, mas almejava esta condição e conseguiu, freou as transformações iluministas, desagradando elites políticas e, principalmente, econômicas, tanto nas colônias quanto na Espanha. Na América espanhola, as elites coloniais eram os criollos, que dominavam a economia, como proprietários de minas e de terras, e exploravam a mão de obra indígena, em maior escala, mas também a mão de obra africana, principalmente nas regiões de plantation8. As práticas do Iluminismo português apresentaram semelhanças em relação às práticas do Iluminismo espanhol para as Américas. O aumento do controle sobre as colônias foi marcante, intensificando a presença do Estado e aprofundando as relações mercantilistas. A América espanhola era dividida em dois vice-reinos. O da Nova Espanha, que abrangia principalmente os territórios do atual México, parte do atual território dos EUA e a América Central, foi criado em 1535 e permaneceu até 1821, com o processo de independência. O vice-reino do Peru, criado em 1542, com sede em Lima, abrangia toda a América do Sul espanhola e passou pelas seguintes transformações administrativas: em 1717, foi desmembrado o vice-reino de Nova Granada (atualmente Panamá, Equador, Venezuela e Colômbia), com capital em Bogotá, e, em 1776, foi desmembrado o vice-reino do Rio da Prata, com sede em Buenos Aires, abarcando os atuais territórios da Argentina, Paraguai, Bolívia e Uruguai. Esse processo de descentralização administrativa tinha por objetivo ampliar a presença da Coroa nos territórios mais distantes ou de maior dificuldade de acesso. Outro ponto implementado foi a substituição dos repartimientos pelas intendências. Pelos repartimientos, os administradores (corregidores de índios) enviados pela Coroa não recebiam salários, mas dinamizavam as relações 8 Plantation, nome dado ao sistema de produção agrícola baseado na exploração extensiva de largas faixas de terra, com mão de obra compulsória, normalmente escrava, e cujo produto se destinava ao mercado externo.

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internas e conseguiam cobrar diretamente dos fazendeiros e comerciantes, cujo interesse era o de obrigar os aldeamentos indígenas a comprarem excedentes que vinham do comércio externo, ou produzir para este comércio. Nessa relação, a Coroa economizava nos salários, mas perdia no controle político-administrativo, pois os corregidores estavam sempre dependentes das suas boas relações com a elite local. As intendências emanciparam os indígenas, numa tentativa de inseri-los no mercado e não serem mais administrados pelos corregidores. As comunidades indígenas, por sua vez, nunca vivenciaram a experiência de uma produção voltada para o mercado, pois viviam de maneira comunitária, com pouca ou nenhuma presença de moeda (ou suas mais variadas representações, como penas de pássaros ou sementes de cacau, por exemplo). Passaram, depois da conquista, à tutela dos funcionários corregidores, e culturalmente não estavam preparados para essas novas relações pautadas pelo mercado. Os fazendeiros e comerciantes, pelo seu lado, não gostaram dessas transformações, pois os indígenas estavam presos nas redes de produção nas haciendas (aqui definidas como grandes fazendas ou latifúndios, que poderiam ser privadas ou eclesiásticas) e também participavam do mercado como compradores de bens vendidos pelos comerciantes. Outra medida adotada pela reforma bourbônica9, e similar ao que fora implementado em Portugal, foi a expulsão da Companhia de Jesus em 1767. Tal medida causou profundas marcas na sociedade, pois boa parcela dos jesuítas expulsos era nascido no continente europeu e teve que abandonar seu território, deixando redes familiares, que demonstraram sua insatisfação em várias ocasiões. Essa expulsão foi percebida, também, como uma oportunidade para os criollos endinheirados, pois tiveram a chance de adquirir as terras da Companhia. Na questão do comércio e dos tributos, as reformas bourbônicas refletiram os interesses mercantilistas. O monopólio sobre diversos produtos, entre eles o sal, as bebidas alcóolicas, a pólvora e o fumo, visavam à garantia antecipada da cobrança desses contratos de monopólio. Já em relação aos impostos, 9 Casa real europeia, de origem francesa, que no século XVIII passa a deter o trono na Espanha, tornando-se a casa real deste país.

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o movimento foi diferente. A cobrança dos impostos era feita por contratantes privados, que compravam o direito de cobrá-los; mas isso foi reformulado, passando os agentes da Coroa a cobrá-lo diretamente – a chamada alcabala, ou imposto sobre as vendas, que variava de 4 a 6%. Grande parte das reclamações se davam porque a renda desses impostos não gerava as mudanças necessárias na infraestrutura colonial, e sim eram convertidas em espécie e remetidas para a Coroa. “Nos anos favoráveis, a renda colonial chegou a representar vinte por cento da receita do tesouro espanhol” (LYNCH, 2001, p. 29). Com o período de guerras, no fim do século XVIII e início do XIX, e a aliança com a França, a Coroa espanhola angariou a inimizade da poderosa Inglaterra, e os conflitos que se seguiram nas guerras napoleônicas fez com que a Coroa exigisse uma cota de sacrifícios dos criollos, tanto no controle sobre os impostos, como no pedido direto de doações. Foi exatamente esse período de guerras que movimentou definitivamente as elites coloniais em direção à independência. Lynch nos esclarece: O papel imperial da Espanha e a dependência da América foram submetidos ao seu teste final durante a longa guerra com a Inglaterra, a partir de 1796. Em abril de 1797, depois de vencer a armada espanhola no cabo de São Vicente, o almirante Nelson fundeou um esquadrão britânico ao largo do porto de Cadiz e impôs um bloqueio total. (LYNCH, 2001, p. 40)

Sem poder contar com o lucrativo comércio colonial e sem receber as rendas dos impostos coloniais, a combalida economia espanhola estava à beira de uma nova bancarrota. Do outro lado do Atlântico, não havia outra possibilidade se não o livre comércio; os portos se abriram aos países neutros, que inundavam os portos coloniais com produtos britânicos revendidos. Essa experiência da guerra e a sua consequência no livre comércio, evidenciou a incapacidade da metrópole de proteger os interesses coloniais, na medida em que não conseguia proteger-se dos inimigos externos, ampliando a experiência de autonomia colonial, embora as autoridades peninsulares tentassem impor a presença e os interesses da Coroa. Os criollos exigiam uma maior participação na administração, na medida em que mantinham a maioria das rendas com seus impostos. Um fator que mantinha essa elite criolla em – 69 –

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

alerta era a possibilidade de conflito com as raças10, ou seja, a ameaça de uma guerra social amedrontava os criollos a ponto de manterem a sua lealdade com uma Coroa que pouco lhes atendia. Entre outras revoltas, a de Tupac Amaro no Peru foi o exemplo mais acabado. Uma revolta comandada por mestiços com boas condições econômicas, descendentes da família real inca. Tal rebelião tinha por objetivo abolir os corregidores e as mitas11 ou seja, eram reivindicações dos indígenas, que afetavam diretamente os interesses dos criollos. Nesse ponto havia uma comunhão dos interesses da elite colonial com a administração peninsular. Mas quando a ruptura se daria de maneira definitiva, ou seja, quando a elite colonial tomaria a definitiva ação de ruptura com a metrópole? A crise definitiva se deu em 1808, com a imposição de José I como rei da Espanha. Nas colônias, a lealdade à Coroa se partiu, ninguém queria jurar lealdade ao rei usurpador, e Fernando VII estava preso. Os cabildos coloniais12 passaram, na teoria, a jurarem fidelidade ao rei preso, ou à Junta de Sevilha, mas na prática passaram ao autogoverno. Nesse contexto se destacou o cabildo Abierto de Buenos Aires, que, em 1810, votou pela remoção do vice-rei Baltasar Hidalgo de Cisneros e proclamou um autogoverno; porém nesse momento os cabildos não escreveram nenhuma declaração de independência e continuaram jurando lealdade ao rei Fernando VII. Quando se espalhou a notícia de que o cabildo de Buenos Aires havia deposto o vice-rei e se proclamado governante de todo o vice-reino do Rio da Prata, muitas cidades (ou melhor, os cabildos dessas cidades) não aceitaram a decisão, iniciando assim o período de guerra na região, entre os defensores do cabildo de Buenos Aires e os defensores do vice-rei. Somente em 1816 foi redigida uma declaração de independência. 10 Entende-se por raça os vários grupos mestiços que, ao longo da colonização, foram se inserindo no corpo social, até com destaque econômico, mas, por não serem brancos, não conseguiam ascender aos cargos públicos. 11 Mita: trabalho indígena compulsório nas minas de prata de Potosí. 12 Se na América portuguesa existiam as câmaras, na América espanhola existiam os cabildos como órgãos da administração municipal. Era o espaço que permitia ao criollo participar das decisões políticas.

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Napoleão e a expansão do Iluminismo

Algumas regiões do vice-reino tinham tanta vontade de se tornar independentes da Espanha, quanto de Buenos Aires. A elite paraguaia conseguiu expulsar os representantes da Coroa e resistir às tropas enviadas de Buenos Aires, formalizando sua independência em 1811. Da mesma forma, ocorreram movimentos de resistência à unificação com Buenos Aires nas regiões que formam o Uruguai e a Bolívia. Mesmo a atual região interiorana da Argentina não teve nenhum entusiasmo em se unir a Buenos Aires; o atual território da Argentina foi construído ao longo do século XIX, com muitos episódios militares e negociações econômicas. De 1810 a 1821, quase toda a América espanhola conquistou sua independência, entre idas e vindas, e após uma recolonização com a queda de Napoleão e o retorno ao trono de Fernando VII, os vice-reinos espanhóis se transformaram nas nações americanas. Dos quatro vice-reinos surgiram 18 nações emancipadas. Espelhamos na figura a seguir a construção dessas nações a partir dos movimentos independentistas iniciados em 1810: Figura 3 – América espanhola e o surgimento de nações independentes. Vice-Reino de Nova Espanha

México 1821

Guatemala 1821

El Salvador 1821-1841

Costa Rica 1821-1848

Honduras 1821-1838

Nicarágua 1821-1838 13

Cuba 1898

República Dominicana 1865

14

13 Guatemala, Honduras, El Salvador, Costa Rica e Nicarágua romperam seus laços com a Espanha, em 1821, e formaram a Federação Centro-Americana, que foi se dissolvendo à medida que as unidades que a formavam saíam da Federação. 14 A República Dominicana, após períodos de autonomia, invasão e recolonização, solidificou sua independência em 1865. Já Cuba foi o último território a conseguir sua autonomia da Espanha, em 1898.

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Vice-Reino do Peru

Peru 1821

Chile 1818

Vice-Reino de Nova Granada

Venezuela 1810-1830

Colômbia 1810-1830

Equador 1822-1830 15

Panamá 1903 16

Vice-Reino do Rio da Prata Argentina 1810

17

Uruguai 1825

Paraguai 1811

Bolívia 1825

18

Fonte: Elaborada pelo autor.

15 O processo de independência da região gerou um território denominado Grã-Colômbia, que foi dissolvido em 1830. 16 O Panamá conseguiu sua independência no contexto da construção do Canal que leva seu nome, em 1903. 17 O Uruguai conquistou sua independência do Império brasileiro. 18 O atual território boliviano ficava numa área de disputa entre o vice-reino do Peru e o vice-reino do Rio da Prata.

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Napoleão e a expansão do Iluminismo

Ampliando seus conhecimentos

A Era das revoluções: 1789-1848 (HOBSBAWM, 1982, p. 127-128, 161)

[...] Poucas vezes a incapacidade dos governos em conter o curso da história foi demonstrada de forma mais decisiva do que na geração pós-1815. Evitar uma segunda Revolução Francesa, ou ainda a catástrofe pior de uma revolução europeia generalizada tendo como modelo a francesa, foi o objetivo supremo de todas as potências que tinham gasto mais de 20 anos para derrotar a primeira; até mesmo dos britânicos, que não simpatizavam com os absolutismos reacionários que se restabeleceram em toda a Europa e sabiam muito bem que as reformas não podiam nem deviam ser evitadas, mas que temiam uma nova expansão franco-jacobina mais do que qualquer outra contingência internacional. E, ainda assim, nunca na história da Europa e poucas vezes em qualquer outro lugar, o revolucionarismo foi tão endêmico, tão geral, tão capaz de se espalhar por propaganda deliberada como por contágio espontâneo. Houve três ondas revolucionárias principais no mundo ocidental entre 1815 e 1848. (A Ásia e a África permaneciam até então imunes: as primeiras revoluções em grande escala na Ásia, o “Motim Indiano” e a “Rebelião Taiping”, só ocorreram na década de 1850.) A primeira ocorreu em 1820-4. Na Europa, ela ficou limitada principalmente ao Mediterrâneo, com a Espanha (1820), Nápoles (1820) e a Grécia (1821) como seus epicentros. Fora a grega, todas essas insurreições foram sufocadas. A Revolução Espanhola reviveu o movimento de libertação na América Latina, que tinha sido derrotado após um esforço inicial, ocasionado pela conquista – 73 –

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

da Espanha por Napoleão em 1808, e reduzido a alguns refúgios e grupos. Os três grandes libertadores da América espanhola, Simon Bolívar, San Martin e Bernardo O’Higgins, estabeleceram a independência respectivamente da “Grande Colômbia” (que incluía as atuais repúblicas da Colômbia, da Venezuela e do Equador), da Argentina (exceto as áreas interioranas que hoje constituem o Paraguai e a Bolívia e os pampas além do Rio da Prata, onde os gaúchos da Banda Oriental - hoje Uruguai - lutaram contra argentinos e brasileiros) e do Chile. San Martin, auxiliado pela frota chilena sob o comando do nobre radical inglês Cochrane – em quem C. S. Forester se baseou para escrever o romance Captain Hornblower (Comandante Corneteiro) –, libertou a última fortaleza do poderio espanhol, o vice-reino do Peru. Por volta de 1822, a América espanhola estava livre, e San Martin, um homem moderado, de grande visão e rara abnegação pessoal, deixou a tarefa a Bolívar e ao republicanismo e retirou-se para a Europa, terminando sua nobre vida no que normalmente era um refúgio para ingleses endividados, Boulogne-sur-Mer, com uma pensão dada por O’Higgins. Enquanto isto, Iturbide, o general espanhol enviado para lutar contra as guerrilhas camponesas que ainda resistiam no México, tomou o partido dos guerrilheiros sob o impacto da Revolução Espanhola e, em 1821, estabeleceu definitivamente a independência mexicana. Em 1822, o Brasil separou-se pacificamente de Portugal sob o comando do regente deixado pela família real portuguesa em seu retorno à Europa após o exílio napoleônico. Os EUA reconheceram o mais importante, dos novos Estados quase que imediatamente, os britânicos reconheceram-no logo depois, cuidando de concluir tratados comerciais com ele, e os franceses o fizeram antes do fim da década.

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Napoleão e a expansão do Iluminismo

Fora da Europa, é difícil falar de nacionalismo. As muitas repúblicas latino-americanas que substituíram os velhos impérios espanhol e português (para sermos exatos, o Brasil se tornou uma monarquia independente e assim permaneceu de 1816 a 1889), com suas fronteiras frequentemente refletindo pouco mais do que a distribuição das propriedades dos nobres que tinham apoiado essa ou aquela rebelião local, começaram a adquirir interesses políticos estáveis e aspirações territoriais. O ideal pan-americano original de Simon Bolívar (1783-1830) na Venezuela e San Martin (1778-1850) na Argentina foi impossível de realizar, embora persistisse como uma poderosa corrente revolucionária em todas as regiões unidas pela língua espanhola [...]. A grande extensão e variedade do continente, a existência de focos de rebelião independentes no México (que deram origem à América Central), na Venezuela e em Buenos Aires, e o especial problema do centro do colonialismo espanhol no Peru, que foi libertado a partir de fora, impunham uma fragmentação automática. Mas as revoluções latino-americanas foram obra de pequenos grupos de aristocratas, soldados e elites afrancesadas “evoluídas”, deixando a massa da passiva população branca, católica e pobre, e dos índios indiferente ou hostil. Só no México a independência foi conquistada pela iniciativa de um movimento de massa agrário, isto é, indígena, que marchou sob a bandeira da Virgem de Guadalupe; e por isso o México trilhou desde então um caminho diferente e politicamente mais avançado que o resto da América Latina continental. Entretanto, mesmo entre a minúscula camada dos latino-americanos politicamente decisivos, seria anacrónico falarmos nesse período de algo mais que o embrião da “consciência nacional” colombiana, venezuelana, equatoriana etc.

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Atividades 1. Com a presença de Napoleão no comando da Revolução Francesa, houve uma alteração em seus rumos. Se, por um lado, Napoleão freou as aspirações mais radicais na França, por outro levou os ideais da Revolução para toda a Europa. Discorra sobre essa afirmação. 2. Como podemos relacionar as guerras Napoleônicas ao contexto das independências da América espanhola? 3. No contexto das colônias espanholas na América, houve diferenças nos interesses entre a ação administrativa colonial e as pretensões políticas dos criollos. Argumente sobre essas diferenças de interesse.

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5 Uma corte nos trópicos Tiago Rattes de Andrade

A persistência dos velhos padrões coloniais viu-se pela primeira vez seriamente ameaçada, entre nós, em virtude dos acontecimentos que sucederam à migração forçada da família real portuguesa para o Brasil, em 1808. O crescente cosmopolitismo de alguns centros urbanos não constituiu perigo iminente para a supremacia dos senhores agrários, supremacia apoiada na tradição e na opinião, mas abriu certamente novos horizontes e sugeriu ambições novas que tenderiam, com o tempo, a perturbar os antigos deleites e lazeres da vida rural. (HOLANDA, 1967, p. 183)

Entre os anos de 1808 e 1821, a presença da Família Real Portuguesa no Brasil gerou mudanças extremamente significativas em nossa História. Em decorrência das invasões de Napoleão e do bloqueio continental, a estratégia encontrada pelo então príncipe regente de Portugal foi partir para o Brasil, em um gesto histórico que, durante muitos anos, suscitou debates. Seria esse um ato de covardia ou estratégia arrojada?

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Muito aconteceu desde o dia em que a corte portuguesa aportou pela primeira vez na capital Salvador. Ocorreram muitas mudanças institucionais, culturais, políticas e econômicas, além da inserção em definitivo do Brasil no mapa das grandes potências da época, com sua elevação a Reino Unido. É essa fascinante história que iremos contar neste capítulo.

5.1 Razões que levaram Dom João VI a partir com a corte Antes de avançar em relação ao processo histórico que iremos analisar neste capítulo, é fundamental fazermos algumas colocações de fundo historiográfico. Esse episódio de nossa história é muito rico para isso. É muito comum vermos obras de entretenimento como filmes e séries de TV, que constroem a imagem de um Dom João VI como glutão, medroso e hesitante. Boa parte da interpretação acerca da vinda da família real portuguesa para o Brasil, principalmente o senso comum, foca-se na ideia de que essa partida foi produto da covardia do monarca em enfrentar Napoleão. Muitas pessoas acabam reproduzindo a ideia de que essa decisão pode ser observada pelo viés da coragem ou não de entrar em uma guerra. No entanto, é necessário que ofereçamos um olhar mais complexo sobre essa realidade histórica, fugindo desses estereótipos. Seria plausível pensar que um homem educado para ser um monarca de inspiração absolutista seria incapaz de pensar numa saída que incluísse alguma estratégia? Por mais que houvesse disparidade entre as forças militares da França e de Portugal, temos evidências suficientes para acreditar que a opção de Dom João VI em retirar a corte de Portugal e deslocá-la para o Brasil envolve muito mais do que o medo do enfrentamento.

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Uma corte nos trópicos

Figura 1 – L’ÉVÊQUE, Henry. O príncipe regente de Portugal e toda a família real embarcando para o Brasil no cais de Belém. 1815. 1 gravura, p/b: 50 x 60 cm. Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa.

Aliás, um fato um tanto quanto singular é pensarmos que Dom João VI pode ser considerado um dos últimos representantes de um perfil monárquico absolutista. Embora tenha desfrutado da posição de rei e imperador, sua ascensão contou com alguns caminhos sinuosos. Vale lembrar que seu irmão Dom José seria o herdeiro do trono caso não tivesse morrido. Além disso, Dom João VI acabou por assumir o posto de príncipe regente por decorrência da doença de sua mãe, Dona Maria I, popularmente conhecida como Maria, a louca. Embora tenha pouco se destacado em sua juventude, João teve uma educação extremamente erudita, como era de praxe nas tradicionais monarquias. Estudava artes, música e línguas, além de receber a educação política que os sucessores de casas monárquicas deveriam obter.

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Ainda no fim do século XVIII, casou-se com a infanta Carlota Joaquina, apesar da resistência de muitos setores da própria Coroa portuguesa, que temiam uma nova união ibérica, já que Carlota era espanhola. Nesse mesmo fim de século, iniciava-se uma série de problemas para a monarquia tradicional de Portugal. Era o tempo das luzes, e cabeças de monarcas caíam em revoluções. A ascensão de Napoleão, como veremos, consolidaria ainda mais os problemas de Dom João VI. Inclusive o afastaria mais uma vez da Espanha, nesse momento alinhada com a França. Olhando desse ponto de vista, é possível construirmos outra forma de narrar esse personagem. É tarefa fundamental do historiador verificar todas as perspectivas e oferecer uma análise complexa e múltipla, fugindo de estereótipos e de visões fechadas. Outro personagem muitas vezes abordado com pouco rigor é a própria rainha Carlota Joaquina, muitas vezes tratada apenas como desbocada, desequilibrada e de hábitos sexuais pouco ortodoxos. Sabemos que a afinidade dela com o marido Dom João não era significativa. Porém, é necessário lembrar que os casamentos desse período eram realizados com o objetivo de traçar estratégias políticas. A postura firme de Carlota representava, de forma muito clara, a defesa dos interesses da Espanha diante de Portugal. E isso era algo corriqueiro na época. Figura 2 – Autor desconhecido. Retrato de Carlota Joaquina de Borbón (1775-1830). c. 1830. 1 óleo sobre tela, color. Acervo do Palácio Nacional da Ajuda, Lisboa.

Na representação da figura 2 podemos verificar uma Carlota Joaquina não tão bela como outras personagens da época. Vale destacar que o artista procurou trazer em seu pescoço a imagem de Dom João VI como forma de simbolizar a lealdade e a proximidade de ambos, algo muito questionado no senso comum. – 80 –

Uma corte nos trópicos

Muito se falou sobre a rainha: que teria inúmeros amantes, crises de histeria e de autoritarismo. Mas o que efetivamente nos importa aqui é o fato que ela desempenhou um papel político fundamental ao lado de Dom João VI.

5.2 O processo político da retirada da corte de Portugal O primeiro elemento a ser retomado é que, à época, a Europa vivia o processo de invasões napoleônicas e, por consequência, o Bloqueio Continental. Um dos objetivos centrais de Bonaparte era justamente derrotar a Inglaterra. Para isso, era necessário impor sucessivas derrotas também a seus aliados, ou mesmo subjugá-los. Portugal era uma dessas nações que se tornaram alvo das ações militares do imperador francês. Em meio às constantes pressões francesas e à notícia de que um exército de franceses e espanhóis se aproximara, era necessário tomar uma decisão objetiva. Os ingleses naquela etapa já haviam se decidido: se moveriam até o porto de Lisboa e dariam duas possibilidades para Dom João VI e sua corte. Caso os portugueses optassem em não se curvar diante de Napoleão, teriam escolta militar até o Brasil; do contrário, a Inglaterra acabaria por atacar Lisboa e tentar conquistar a cidade. Dom João VI preferiu não entrar em uma guerra em que não teria chances de vencer e muito menos abandonar aqueles que poderiam continuar sendo bons aliados políticos e, sobretudo, econômicos. Antes de partir, o príncipe regente ainda ordenou que fossem afixados cartazes pela cidade para acalmar o povo. Os dizeres explicavam que a partida era inevitável e que a população deveria evitar qualquer tipo de resistência, para que não se derramasse sangue, e que em breve a situação se normalizaria. Aparentemente tudo estava devidamente calculado nessa decisão política. Em 22 de janeiro de 1808, Dom João VI chegou a Salvador com a corte. Desembarcaram e foram recebidos com festas e procissões preparadas pelo poder político local. É importante dizermos que havia uma expectativa muito grande dos habitantes da colônia em relação à presença da monarquia nesse território. Um imaginário significativo estava difundido acerca da corte e de seus hábitos; tudo era razão para curiosidade: moda, cultura, hábitos alimentares. Definitivamente o Brasil nunca mais seria o mesmo. – 81 –

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Entre 1808 e 1822, o Brasil passou a ter um papel central na lógica administrativa do Império Português. Saiu da condição de colônia importante para tornar-se o Reino Unido de Portugal e Algarves, abrigando a administração colonial. Politicamente, essa mudança era algo inusitado para a época, tanto que não aconteceu de imediato. Com a presença francesa em Portugal após a invasão de Napoleão, era mais do que natural que Dom João VI permanecesse cuidando do Império no Brasil. Mas esse quadro se tornou insustentável quando Napoleão foi derrotado e Portugal desocupado, em 1814. Para resolver essa situação, era necessário formalizar a condição institucional do Brasil. Assim, em 1815 Dom João VI editou um decreto que elevou oficialmente o Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarves. Vejamos um trecho desse rico documento: Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Eleva o Estado do Brasil á graduação e categoria de Reino. D. João por graça de Deus, Principe Regente de Portugal e dos Algarves etc. Faço saber aos que a presente carta de lei virem, que tendo constantemente em meu real animo os mais vivos desejos de fazer prosperar os Estados, que a providencia divina confiou ao meu soberano regimen; e dando ao mesmo tempo a importancia devida a vastidão e localidade dos meus dominios da America, a copia e variedade dos preciosos elementos de riqueza que elles em si contém: e outrossim reconhecendo quento seja vantajosa aos meus fieis vassallos em geral uma perfeita união e identidade entre os meus Reinos de Portugal, e dos Algarves, e os meus Dominios do Brazil, erigindo este aquella graduação e categoria politica que pelos sobreditos predicados lhes deve competir, e na qual os ditos meus domínios ja foram considerados pelos Plenipotenciarios das Potencias que formaram o Congresso de Vienna, assim no tratado de Alliança, concliodo aos 8 de Abril do corrente anno, como no tratado final do mesmo Congresso: sou portanto servido e me praz ordenar o seguinte: I. Que desde a publicação desta Carta de Lei o Estado do Brazil seja elevado a dignidade, preeminencia e denominação de Reino do Brazil [...]. (BRASIL, 1815, grifos nossos)

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Uma corte nos trópicos

Como é possível verificar, o argumento central de Dom João VI para esse ato era o de que ele seria vantajoso para todos os seus súditos. Dessa forma, ele garantiria a regularidade institucional para permanecer ainda por um bom tempo no Brasil, sem ter de retornar imediatamente a Portugal. Outro fato político acabaria por deixar esse quadro ainda mais complexo. Em 1816, morre Dona Maria I, rainha de Portugal. Dessa maneira, Dom João VI passa de regente para rei, ganhando ainda mais visibilidade e responsabilidades. Figura 3 – DEBRET, Jean Baptiste. Aclamação do Rei Dom João VI no Rio de Janeiro. 1834. 1 gravura, color. Acervo da Biblioteca Mario de Andrade, São Paulo.

Na figura 3, na tela de Debret, é possível observarmos uma representação da aclamação de Dom João VI como rei de Portugal. A imagem traduz os elementos de simbologia da corte. Além da tentativa de reproduzir os elementos luxuosos, é possível verificarmos a presença dos diversos atores que compunham a corte neste período. Militares, clérigos e nobres eram parte fundamental na sustentação dessa sociedade e de sua legitimidade.

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5.3 O impacto da transferência da corte para as instituições brasileiras A chegada da corte portuguesa gera uma série de transformações fundamentais para o Brasil, envolvendo fatores culturais, políticos e econômicos. Uma das primeiras medidas adotadas foi a abertura dos portos às nações amigas, quando Dom João VI ainda estava em Salvador. O Brasil passava a ser então o epicentro comercial do Império português, fato que terá impacto direto e extremamente relevante para a elite brasileira, até então acostumada com as restrições econômicas impostas pelo pacto colonial. Como afirma Carvalho, A transformação do Rio de Janeiro em corte real começou apenas dois meses antes da chegada do príncipe regente, quando as notícias do exílio real foram recebidas. As ações imediatas deveriam dar conta dos novos usos, nova classe, novas necessidades e novos agentes que junto com a corte chegavam ao Brasil. Menos de uma semana após sua chegada, ainda em Salvador, D. João VI decretou a abertura dos portos às “nações amigas”. Esta medida representou um golpe de morte no pacto colonial que, na prática, obrigava que todos os produtos das colônias passassem antes pelas alfândegas em Portugal, ou seja, os demais países não podiam vender produtos para o Brasil, nem importar matérias-primas diretamente das colônias alheias, sendo forçados a fazer negócios com as respectivas metrópoles. (CARVALHO, 2014)

A área cultural também teria impacto significativo no reino. Ainda em Salvador, Dom João VI autorizou a abertura da primeira faculdade de Medicina em território brasileiro. A produção de livros finalmente se tornaria legal no Brasil, o que significou o surgimento de tipografias e a ampliação da circulação de conhecimento. Do ponto de vista prático, uma série de medidas foram extremamente importantes para o Brasil. Por meio da vinda da Família Real, foi possível a criação da Biblioteca Real, do Museu Nacional, do Banco do Brasil, da Academia de Belas Artes e uma série de outras instituições que contribuíram para a consolidação da vida social e cultural brasileira.

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Uma corte nos trópicos

Alguns relatos mostram que essas profundas mudanças fizeram com que Dom João VI desse um valor significativo para o país e que deixá-lo um dia tornar-se-ia um imenso desafio. Era claro para a maior parte das pessoas que circulavam na corte que o rei estava extremamente insatisfeito de ter de retornar a Lisboa. Alexandre José de Melo Morais (1816-1882), médico, político e historiador alagoano, relatou sobre a saída de Dom João VI do Brasil: Muitas são as referências que o historiador faz à tristeza do monarca durante os meses que separam a chegada das notícias sobre a revolução em Portugal e sua decisão de deixar o Brasil. “O rei vivia triste, abatido, embezerrado, [...] Quando no dia 26 de fevereiro [de 1821] o trouxeram de São Cristóvão para a cidade, foi rodeada sua traquitana pelos corifeus da revolução, [como] os célebres Padre Góis, Padre Macambôa, Pimenta, e o famigerado Porto, que foi empresário do Teatro de São João (hoje de São Pedro) e outros, que na praça do Teatro ou Rocio, mandando tirar as bestas da sege, fizeram que algumas pessoas do povo que gritavam – Viva el Rei Constitucional – puxassem-lhe a mão a carruagem. O rei [...] banhou-se em lágrimas, e de quando em quando limpava os olhos até chegar ao Paço da Cidade. Nesse dia decidiu-se a partida do rei para Portugal”. Também depois do decreto de 7 de março, que oficializa a decisão, “às vezes chorava – dizia a marquesa de Jacarepaguá, educada no Paço e familiar da camareira-mor da rainha-mãe”. (SCARRONE, 2008)

Provavelmente Dom João VI já tinha em mente que as dificuldades que iria enfrentar no retorno a Portugal não se resumiriam apenas a sua adaptação à vida na Europa. Como sabemos, já se iniciava um movimento de cunho liberal em Portugal que iria deixar profundas marcas também no Brasil. O que vale demarcarmos aqui é que a presença da Família Real no Brasil serviu para importantes transformações políticas e econômicas, as quais devem ser observadas sob um amplo viés.

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Ampliando seus conhecimentos

O Rio de Janeiro a partir da chegada da Corte Portuguesa: planos, intenções e intervenções no século XIX (CARVALHO, 2014)

A transferência da Família Real portuguesa

A pesquisa que deu origem a este artigo teve como objetivo recuperar, sob o olhar dos planos urbanísticos, dos projetos, intenções e transformações efetuados no Rio de Janeiro no século XIX, a maneira de pensar a cidade a partir da chegada da corte real, mostrando o quanto esse fato foi fundamental para alterá-la, posteriormente, no início do século XX. Colônia de Portugal desde o século o século XVI e capital do vice-reino desde 1763, o Rio de Janeiro teve seu desenvolvimento marcado pela transferência da corte portuguesa em 1808. Desde então, até 1821, foi sede da monarquia portuguesa, única cidade das Américas na história a receber o aparato burocrático e o contingente populacional antes instalado na Europa. Até então nenhum rei havia visitado seus territórios ultramarinos, nem mesmo para conhecê-los, muito menos para morar e governar. A fuga da monarquia portuguesa para sua colônia americana por ocasião da invasão dos exércitos napoleônicos é um divisor de águas no processo histórico brasileiro. Os preparativos iniciais para acomodar a família real marcaram apenas o começo da transformação do Rio de Janeiro, pois o projeto de construir uma nova cidade e capital imperial perdurou por todo reinado brasileiro do príncipe regente (SCHULTZ, 2008). – 86 –

Uma corte nos trópicos

A estrutura urbana encontrada pela família real foi em grande parte construída por Luis de Vasconcelos e Sousa, que administrou a cidade entre os anos de 1778 e 1790. O vice-rei é considerado autor da primeira remodelação urbana do Rio de Janeiro e precursor das intervenções voltadas à adequação da cidade aos conceitos modernos das capitais europeias, atuando não só na expansão da estrutura urbana, mas também nos usos desses espaços. Sua gestão é conhecida principalmente pela construção do Passeio Público e reurbanização do Largo do Carmo, expressões da prosperidade da época. A transformação do Rio de Janeiro em corte real começou apenas dois meses antes da chegada do príncipe regente, quando as notícias do exílio real foram recebidas. As ações imediatas deveriam dar conta dos novos usos, nova classe, novas necessidades e novos agentes que junto com a corte chegavam ao Brasil. Menos de uma semana após sua chegada, ainda em Salvador, D. João VI decretou a abertura dos portos às “nações amigas”. Esta medida representou um golpe de morte no pacto colonial que, na prática, obrigava que todos os produtos das colônias passassem antes pelas alfândegas em Portugal, ou seja, os demais países não podiam vender produtos para o Brasil, nem importar matérias-primas diretamente das colônias alheias, sendo forçados a fazer negócios com as respectivas metrópoles. Permitiu assim a integração do Brasil ao mercado mundial e consequente invasão de produtos estrangeiros, rompendo a base sobre a qual se assentava o domínio metropolitano: o monopólio comercial. De acordo com Pinto (2007), essa medida era prova de uma contradição inevitável na política econômica adotada pela Corte, que queria imprimir os princípios do liberalismo econômico em pleno território colonial. – 87 –

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

No que diz respeito ao perímetro urbano do Rio de Janeiro Dom João VI cria o imposto da décima para os prédios urbanos em condições habitáveis dentro dos limites das cidades e vilas. Prática já conhecida em Portugal, o tributo consistia no pagamento anual para a Real Fazenda, por parte dos proprietários, de 10% dos rendimentos líquidos dos prédios, com o objetivo de suprir os cofres da corte portuguesa estabelecida no Rio de Janeiro, criando uma fonte de renda imediata. Silva (2012, p. 52) ressalta que três medidas de impacto devem ser destacas, que foram colocadas em prática logo na chegada da família real, quando “uma nova forma de organização começava a ser gestada, articulando conhecimento, atuação sobre o espaço urbano e normas”. Foram elas: criação da Intendência Geral da Polícia, o diagnóstico médico e o mapa oficial, o qual tinha como objetivo registrar a situação da cidade e servir de instrumento para planejar as mudanças necessárias à nova sede da corte, articulando o projeto civilizatório ao território. Juntas indicavam uma nova forma de organização e intervenção, principalmente se atrelados à introdução da décima urbana. O diagnóstico é produzido, ainda em 1808, pelo médico Manuel Vieira da Silva, físico-mor do reino, encarregado por D. João de investigar as causas da insalubridade da cidade. O fato de ter sido encomendado pelo príncipe e publicado na imprensa transformaria o estudo em orientação oficial. Os objetivos de D. João eram criar uma cultura de discussão na cidade e divulgar um documento que fosse visto como inquestionável. Os médicos eram interlocutores privilegiados para falar dos problemas da estrutura urbana, principalmente por articular a saúde e doença da população ao meio geográfico (SILVA, 2012, p. 61). Essa associação permitiria que o higienismo se tornasse um potente discurso para pensar a cidade durante o século XIX e primeiras décadas do século XX. – 88 –

Uma corte nos trópicos Reconstruindo a Corte Portuguesa

A vinda da família real foi o primeiro momento em que a ideia de civilização começaria a ser articulada ao território da cidade, e todas as mudanças que ocorreriam na estrutura urbana e social naquele período teriam como pano de fundo a sua adaptação à função de sede do Império nos trópicos (SILVA, 2012); uma nova maneira de se pensar a cidade seria introduzida marcando definitivamente o futuro da cidade do Rio de Janeiro. A instituição responsável pelo bem público e comum era a Intendência Geral da Polícia, uma das repartições trazidas pela família real; era responsável pelas obras públicas, abastecimento de água, iluminação e segurança, e ainda pela disciplinarização da vida dos moradores. A provisão e a regulamentação de moradias figuravam entre os empreendimentos mais imediatos com que a Intendência estava envolvida A transformação do Rio de Janeiro em corte real tinha de envolver a marginalização da estética e das práticas que não conseguiam refletir essa mudança. Era consenso entre as classes dominantes que não ser mais colônia significava adotar um projeto colonial: civilizar- se. Para isso era necessário a criação e imposição de uma uniformidade estética e cultural “no sentido de tornar a cidade em condições de servir de sede às principais autoridades do reino” (BRASIL, 1923, p. 11).

Construir uma corte real significava construir uma cidade ideal; uma cidade na qual tanto a arquitetura mundana quanto a monumental, juntamente com as práticas sociais e culturais dos seus residentes, projetassem uma imagem inequivocamente poderosa e virtuosa da autoridade e do governo reais. (SCHULTZ, 2008, p. 157)

Em março de 1811 Viana propôs que a solução da crise na provisão de habitações na já apertada Cidade Velha podia ser encontrada se a atenção fosse centrada numa região fora do – 89 –

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

centro da cidade conhecida como Cidade Nova, aonde os pântanos cobriam a maior parte de área. Os residentes deveriam ser estimulados a secar e aterrar a área e construir casas. Assim, a cidade seria enobrecida, mais habitações estariam à disposição, e os alugueis cairiam. A imposição de padrões para a construção na área poderia ser disfarçada por meio de isenções. Mais importante, “as intervenções da Coroa dariam fim à ‘liberdade mal entendida’ de construir como quiser, reforçando consequentemente a autoridade do príncipe regente” (SCHULTZ, 2008, p. 163). Ficou estabelecido então que seria concedida isenção da décima urbana por dez ou vinte anos aos proprietários que edificassem casas de sobrado nos terrenos situados na Cidade Nova; a construção de casas de um só pavimento ficava proibida. [...]

Atividades 1. Uma das tarefas do historiador é buscar analisar de forma ampla os fatos históricos e seus personagens, oferecendo a seu leitor um olhar que fuja de estereótipos e visões deterministas. Dito isso, como podemos utilizar a imagem Dom João VI para exemplificar esse olhar? Como debater a contraposição entre o senso crítico e o senso comum em relação a esse personagem? 2. A presença de Dom João VI no Brasil, e por consequência a necessidade de gerir o Império Português no país, acabou por gerar transformações institucionais relevantes. Uma delas foi a elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarves. Descreva esse processo. 3. Uma das medidas adotadas por Dom João VI ainda quando estava em Salvador foi a abertura dos portos às nações amigas. O que representou essa medida e quais suas consequências para o pacto colonial? – 90 –

6 As transformações do Rio de Janeiro: a nova capital Tiago Rattes de Andrade

A vinda da família real foi o primeiro momento em que a ideia de civilização começaria a ser articulada ao território da cidade, e todas as mudanças que ocorreriam na estrutura urbana e social naquele período teriam como pano de fundo a sua adaptação à função de sede do Império nos trópicos [...]; uma nova maneira de se pensar a cidade seria introduzida marcando definitivamente o futuro da cidade do Rio de Janeiro. (CARVALHO, 2014, s/p)

Este capítulo tem como objetivo debater as transformações que se consolidaram no Brasil com a instalação da corte real no país. O foco, neste caso, é nas mudanças culturais e sociais que acabaram por se estender no território, em especial na cidade do Rio de Janeiro. Como sabemos, o Rio de Janeiro viveu uma grande e ampla transformação para poder sediar o poder político do Império Português. E, para isso, uma série de mudanças na realidade colonial dessa cidade foram necessárias. É importante salientarmos que a cidade toda acabou por sentir de alguma maneira esse processo, que envolveu não só a instalação de novas instituições, mas também um processo de disciplinarização contínuo.

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

6.1 Transformações econômicas e seus impactos Nos dias de hoje, talvez seja difícil mensurar o impacto gerado pela transferência da corte europeia para o Brasil, pois estamos habituados a ter informações complexas sobre realidades distintas em tempo recorde. Mas, se pensarmos sobre o cenário de informações do início do século XIX, fica mais fácil entender esses efeitos. Quando tratamos especificamente da corte portuguesa, sabemos que havia uma série de informações necessárias para que se constituísse a relação entre monarquia e seus súditos. Sendo assim, uma parcela significativa dos brasileiros conhecia em alguma dimensão a corte de Dom João VI. Mas, obviamente, muito do que se sabia era também cercado por um imaginário gigantesco – algo natural, por se tratar de um tema tão edificante para todo um império. É mais do que natural que as pessoas, ao tomarem conhecimento da vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil, fossem tomadas por uma série de curiosidades e desejos. Para a elite local, a corte portuguesa significava não só uma autoridade política a ser respeitada, mas também certo modelo de civilidade, de hábitos e costumes. A expectativa criada foi grande, já que inevitavelmente isso mudaria em definitivo a vida de muitas pessoas, trazendo novos hábitos de consumo, de vivência e civilidade1. Entender as mudanças do cotidiano do Brasil no início do século XIX é justamente construir esse olhar sobre o fascínio e o impacto que a presença da corte causaria naquele momento. Nada mais seria como antes, e isso traria consequências muito determinantes para a história do Brasil. O primeiro destino da corte foi Salvador, onde uma série de medidas foram tomadas por Dom João VI. Mas, na sequência, toda a comitiva se deslocou para o Rio de Janeiro, e foi decidido que essa cidade seria a capital. Tal gesto seria decisivo para uma série de outras transformações políticas, culturais e econômicas no Brasil. 1 Quando tratamos do conceito de civilidade, estamos aqui nos remetendo de alguma forma a uma noção derivada do conceito de civilização de Norbert Elias, ao definir a visão que o Ocidente tem sobre si mesmo. Sobre esse assunto, ver mais em: ELIAS, 1993.

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As transformações do Rio de Janeiro: a nova capital

Muitos historiadores buscaram relatar o impacto da chegada da Família Real ao Rio de Janeiro. O que vale destacar aqui é que essa chegada foi muito importante para a consolidação do imaginário: as pessoas deslocaram-se para o porto na expectativa de ver de perto a família, que simbolizava não só um poder político formal, mas também uma série de elementos culturais que davam sentido à existência daquele Brasil. E esse Brasil passaria a ser peça direta e decisiva de toda a lógica política do Império, e não apenas uma rica engrenagem. É possível inferir que as pessoas que ali estavam acenando para Dom João VI não imaginassem isso. Algumas delas talvez estivessem atentas aos traços da moda, tentando identificar hábitos culturais europeus que poderiam ser absorvidos por uma elite local ávida de civilização. O que estava em jogo naquele momento era, antes de tudo, um aspecto muito significativo da tradição. A tradição tem, na perspectiva sociológica, a função de preservar para a sociedade costumes e práticas que já demonstraram ser eficazes no passado. Para Weber, os comportamentos tradicionais são formas puras de ação social, ou seja, são atitudes que os indivíduos tomam em sociedade e são orientadas pelo hábito, pela noção de que sempre foi assim. Nessa forma de ação, o indivíduo não pensa nas razões de seu comportamento. O comportamento tradicional seria, então, uma forma de dominação legítima, uma maneira de se influenciar o comportamento de outros homens sem o uso da força. (SILVA; SILVA, 2005, p. 405)

A instalação da Família Real no Rio talvez seja um dos exemplos mais significativos para entendermos o sentido do termo tradição. Como uma corte, até então distante do ponto de vista geográfico e que teria tudo para ser vista com desconfiança, conseguiria consolidar mudanças tão significativas no Brasil? Os aspectos apresentados daqui para frente nos ajudarão a entender melhor esse processo. É fundamental pontuarmos aqui as transformações econômicas como peça-chave desse processo histórico tão peculiar e relevante. Como sabemos, uma das primeiras medidas de Dom João VI ao chegar ao Brasil foi a abertura dos portos às nações amigas. Esse gesto afetou não só a grande produção colonial. A abertura econômica também teve efeito direto em hábitos cotidianos de consumo, como alimentação e vestuário. Isso demonstrava claramente que as transformações que estavam por vir eram muito mais amplas do que simplesmente o surgimento de uma nova ordem política. – 93 –

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Figura 1 – DEBRET, Jean Baptiste. Retrato de Dom João VI. 1817. Óleo sobre tela. 60 x 42 cm. Acervo do Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.

O retrato de Dom João VI feito por Debret nos ajuda a entender um pouco desse projeto de civilização que deveria se perpetrar no Brasil e, ao mesmo tempo, exercer fascínio na elite local. Os apetrechos, as roupas, a postura, tudo isso indicava o perfil de uma monarquia forte, erudita e capaz de propiciar estabilidade. Por outro lado, era necessário que a monarquia fosse capaz de exercer um sentimento de legitimidade e respeito entre a população menos privilegiada. Sobre as medidas efetivas que ajudaram a transformar o Brasil e o Rio de Janeiro naquele período, podemos sintetizá-las no quadro a seguir: – 94 –

As transformações do Rio de Janeiro: a nova capital

Quadro 1 – Medidas importantes de Dom João VI entre 1808 e 1821. 1808

Banco do Brasil

1808 1808

Escola de Medicina (Bahia) Imprensa Real

1808

Jardim Botânico do Rio de Janeiro

1808

Primeiro jornal do país, a Gazeta do Rio de Janeiro

1810 1810

Academia Real Militar Biblioteca Real

1810

Instalação de indústria de ferro em Minas Gerais e São Paulo

1816

Academia Real de Belas Artes

Fonte: Elaborado pelo autor.

6.2 As mudanças culturais e sociais Mudanças culturais e sociais advêm de transformações complexas do ponto de vista histórico e acabam por produzir efeitos que podem ser sentidos ao longo de muito tempo, além de uma série de imaginários que são reproduzidos. O caso que estamos levantando aqui não é diferente. Sendo assim, para entendermos o que mudou efetivamente no Rio de Janeiro naquele período, é interessante buscarmos algumas informações sobre o processo em sua completude. Mas, adequar a cidade à sua nova condição de corte não significava apenas atender a essas necessidades de caráter pragmático. Como nova corte real o Rio de Janeiro deveria ser a expressão do poder da monarquia e do grau de civilização do Império Português, segundo a representação que seus habitantes faziam da cidade a partir de então. Transformá-la em corte significava estabelecer aí uma sociedade de corte, com seus espaços e formas de sociabilidade próprios, copiados das cortes europeias, condenando hábitos e costumes oriundos do período colonial como inadequados à nova condição alcançada pela cidade, ao mesmo tempo em que se buscava difundir na nova capital do Império os elementos daquilo que era considerado um ideal europeu de civilização. (BARRA, 2015, p. 792-793)

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Adequar o Rio de Janeiro a um padrão de civilidade que permitisse a instalação de um corte europeia: esse era o grande desafio a ser resolvido naquele momento. Por mais que a cultura local partisse do pressuposto de que fôssemos todos súditos de uma Coroa, é mais do que natural que os desafios fossem significativos. Não se tratava apenas de construir uma relação de respeito ou submissão, o que estava em jogo era a criação de um ambiente apropriado para que a corte se estabelecesse no Brasil e assumisse todas as suas responsabilidades, tarefas e atribuições. Um dos desafios para a instalação da corte era, em primeiro lugar, a adequação do espaço físico. Muito se falou na historiografia acerca das desapropriações de casas para instalar uma multidão de pessoas que aqui chegava. Sem dúvida, esse é um impacto significativo e que merece atenção. O cotidiano da cidade, das pessoas em suas casas, começava a sofrer uma significativa interferência. Mas um aspecto que nos chama atenção e que vale ser explorado aqui é o que remete à necessidade de adequação para receber as instituições que vinham com a família real e que seriam fundamentais para o governo. Como é de conhecimento, junto de Dom João VI vieram desde bibliotecas até a necessidade de fundação de um banco no Brasil. A mudança na paisagem, no espaço físico da cidade, seria muito mais complexa do que uma simples ocupação de imóveis. O Rio de Janeiro passava a ganhar novo sentido em seus espaços. Se pensarmos no exemplo da Academia Imperial de Belas Artes, temos uma dimensão da grandiosidade das transformações culturais e sociais. A academia foi fundada por Dom João VI, e, como forma de dar um pontapé significativo para a produção de arte no Brasil, foi trazida uma missão de artistas franceses para o país em 1816. Entre os artistas que aportaram no Brasil naquele ano estavam Jean-Baptiste Debret, o arquiteto Grandjean de Montigny e o pintor Nicolas-Antoine Taunay. A vinda desse grupo teve um papel decisivo na difusão da arte no Brasil e ajudou a construir um olhar muito peculiar sobre o território, que influencia até hoje a forma como vemos a nossa formação social e cultural. Basta pensarmos na coleção de obras deixadas por Debret, retratando o Brasil, por exemplo.

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As transformações do Rio de Janeiro: a nova capital Quando a corte portuguesa se instala no Rio de Janeiro, em 1808, a expressão artística brasileira, essencialmente voltada para o domínio religioso, ainda vive sob o regime de associações de artesãos. Uma vez restaurada a estabilidade política na Europa, em 1815, o Conde da Barca, preocupado em atrair talentos estrangeiros para a antiga colônia então elevada à condição de reino ao mesmo nível de Portugal e dos Algarves, em nome do príncipe regente D. João VI, recorre ao seu representante em Paris, o Marquês de Marialva. O sábio Alexander von Humboldt, à época coberto dos louros de sua expedição sul-americana, é consultado e sugere o nome de Joachim Lebreton, secretário perpétuo demitido havia pouco da Académie des Beaux-Arts de l’Institut de France por causa de um discurso bastante polêmico onde ele argumentava contra a restituição das obras “confiscadas” durante as campanhas napoleônicas. (FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, 2017)

Como podemos observar pela citação, atos como esse que garantiu a criação da Academia e a Missão Artística Francesa significavam uma grande transformação do ponto de vista técnico e cultural para o Brasil. Obviamente não se trata aqui de hierarquizar a cultura e desprezar o que era produzido no Brasil antes da vinda de Dom João VI, mas sim de entender como as mudanças institucionais foram significativas para transformações na produção artística local. Muitos desses artistas que vieram para o Brasil aqui constituíram família e deixaram um legado. Figura 2 – TAUNAY, Nicolas-Antoine. Vista do Outeiro, Praia e Igreja da Glória. 1817. Óleo sobre tela. 37 x 48 cm. Museu Castro Maya, Rio de Janeiro.

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

6.3 O cotidiano da cidade pós-Dom João VI O dia a dia dos moradores do Rio de Janeiro nunca mais seria o mesmo depois que Dom João VI passou a ocupar a cidade e impor a ela uma série de mudanças. Quando falamos em cotidiano, estamos tratando de uma série de elementos que envolvem a forma de viver de cada habitante. A instalação da corte no Brasil trouxe mudanças culturais muito fortes. As modificações do espaço urbano podiam claramente ser notadas à medida que se caminhasse pela cidade, seja nos largos e praça, no porto, nas casas comerciais ou nas repartições públicas. Os salões e cafés que concentravam membros da elite local eram tomados pelo mesmo assunto: quais mudanças viriam? A quais novidades eles poderiam assistir nas próximas semanas? Além disso, vale destacar, a circulação dos membros da corte pelas ruas do Rio iria influenciar também na moda e no comportamento local. Mais do que nunca, a elite local tinha agora exemplos a serem observados, padrões a serem seguidos. Era necessário construir relações, ter acesso à corte, buscar um espaço de influência que pudesse aumentar ainda mais os privilégios. Como vimos, o Rio de Janeiro não foi mais o mesmo. O processo de superação de aspectos coloniais tidos como antiquados e inadequados precisavam ser superados aos poucos. O cotidiano da cidade passaria então por um movimento de disciplinarização constante, no intuito de garantir que esse processo de adaptação se efetivasse e a cidade se tornasse digna de sediar o poder político de um império tão vasto. A instituição responsável pelo bem público e comum era a Intendência Geral da Polícia, uma das repartições trazidas pela família real; era responsável pelas obras públicas, abastecimento de água, iluminação e segurança, e ainda pela disciplinarização da vida dos moradores. A provisão e a regulamentação de moradias figurava entre os empreendimentos mais imediatos com que a Intendência estava envolvida. A transformação do Rio de Janeiro em corte real tinha de envolver a marginalização da estética e das práticas que não conseguiam refletir essa mudança. Era consenso entre as classes dominantes que não ser mais colônia significava adotar um projeto colonial: civilizar- se. Para isso era necessário a criação e imposição de uma uniformidade estética e cultural “no sentido de tornar a cidade em condições de servir de sede às principais autoridades do reino”. (CARVALHO, 2014)

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As transformações do Rio de Janeiro: a nova capital

Como vimos, portanto, as transformações seriam profundas e influenciariam o cotidiano como um todo. A cidade passa a exercer um papel decisivo no imaginário de toda América portuguesa cumprindo o papel que muitos imaginaram para ela. Dom João VI, de alguma forma, acabou por mudar o curso do Brasil por meio das mudanças constituídas na nova capital brasileira. Figura 3 – DEBRET, Jean-Baptiste. Largo do Paço. 1 gravura, color. In: ______, Voyage Pittoresque et Historique au Brésil. Paris: Firmin Didot, 1834-1839. 3 v. Acervo da Biblioteca Mário de Andrade, São Paulo.

A gravura de Debret, apontada na figura 3, nos permite observar uma representação de um Rio de Janeiro transformado em decorrência da preocupação com a reformulação dos espaços públicos. Isso nos remete ao fato já citado de que era fundamental transformar a cidade para que ela se tornasse digna de sediar um império. A estrutura do portuário, o amplo largo, o casario, a circulação de pessoas, tudo isso nos ajuda a entender esse processo. Um fato interessante de se demarcar é que fica claro, para quem percebe as transformações que o Rio de Janeiro viveu nesse período, que os problemas locais eram bem significativos. Por mais que possa parecer obvio, é necessário frisar que as condições do Rio de Janeiro que antecederam a chegada de Dom João VI não eram das melhores. Em contraste à riqueza que aportou no Rio de Janeiro em 1808, as condições urbanas da cidade e de vida da sua população eram extremamente precárias, e com o aumento repentino das demandas, as carências ficaram mais evidentes: faltava água, comida e moradia [...]. Não havia sistema de esgotos. Os restos da casa, do banheiro à cozinha, eram jogados na praia para que as marés lavassem, e tudo

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência era transportado em tonéis em ombros escravos. As ruas eram escuras e perigosas. A água potável era escassa e o abastecimento de alimentos era deficitário, principalmente o de carnes, cujo consumo era um luxo só presente em poucas ocasiões festivas no ano. (COSTA; LEMLE, 2008)

Como é possível notar pelo relato, o trabalho que teria de ser desempenhado pela corte para tentar tornar o Rio uma cidade “decente” para a monarquia seria muito mais complexo do que se poderia imaginar. Não à toa, as medidas envolviam o endurecimento de regras relacionadas ao espaço público, na tentativa de garantir a superação dos hábitos tidos como “atrasados”. Mas é claro que muitos dos problemas da cidade vinham da desigualdade social e do enorme abismo imposto por uma sociedade extremamente desigual. Não é difícil imaginarmos que para a aristocracia os problemas eram diferentes, assim como as soluções tendiam a preservar seus privilégios. Isso nos leva a tocar em um outro assunto importante de ser frisado: embora inúmeros avanços tenham acontecido no campo cultural e artístico, a vida seguia muito dura para uma parcela muito grande daquela sociedade escravista. Mas que a vida era difícil era. Jurandir Malerba conta que, mesmo sendo maioria, os negros sofriam com a intransigência da polícia, que coibia suas principais atividades de lazer, como os jogos de casquinha e a capoeira. Havia várias formas de opressão. De acordo com Vera Tostes, diretora do Museu Histórico Nacional, os códigos sociais eram bem diferenciados para cada grupo que compunha a sociedade – a maioria de escravos, os negros livres, os brancos pobres, os funcionários da Coroa e os nobres que chegavam, entre outros. (COSTA; LEMLE, 2008)

Sendo assim, o movimento da vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil, embora tenha sido fundamental para uma série de mudanças políticas, sociais, culturais e econômicas, manteve praticamente intacta as relações sociais, principalmente as que envolviam a vida de milhares de escravos e descendentes, que seguiriam ainda amargando o cotidiano violento e duro. O novo Rio de Janeiro talvez não poderia ser classificado como pior ou melhor. O importante, na verdade, é perceber que as transformações ocorridas nesse período deixaram marcas essenciais para que entendamos o – 100 –

As transformações do Rio de Janeiro: a nova capital

processo histórico que o país viveria no período posterior. Sem essa visão, o entendimento torna-se turvo e incompleto. Muitas das marcas acabaram por tornar-se tão intrínsecas que praticamente foram naturalizadas em nossos imaginários, como é o caso das representações que Debret fez do Brasil. Aliás, uma boa síntese desse período é justamente o Brasil pintado por ele. Em suas telas, é possível ver a vida nas ruas, os comerciantes, os homens de grosso trato, os escravos. Há uma vida intensa no espaço público, a convivência, a interação, a ocupação de paisagens especiais de um Rio de Janeiro que se construía aos poucos, para se tornar, por mais de um século, uma prodigiosa capital do Brasil. A musicalidade, a religiosidade, tudo isso estava presente nas imagens legadas a nós. Essas imagens construíram uma representação sobre o Brasil, que se baseia no olhar europeu. E o flagelo da escravidão continuaria vivo e seria, por muitas décadas, o elemento edificante da economia nacional – mesmo quando inúmeros países já a haviam abandonado.

Ampliando seus conhecimentos O texto extra desse capítulo pode nos ajudar a construir algumas relações históricos importantes para nosso ofício. Dentre elas, a capacidade que precisamos ter de estabelecer relações entre o presente e o passado e construir relações de causa e efeito. Pense nisso ao longo desta leitura. A cidade corte: o Rio de Janeiro no início do século XIX (BARRA, 2015)

Resumo

A instalação da corte portuguesa no Rio de Janeiro em 1808, e a transformação da capital da colônia em sede do Império Português, propiciou uma série de transformações tanto no aspecto físico da cidade quanto no comportamento de seus – 101 –

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

habitantes. Se, por um lado, a partir de então o Rio de Janeiro deveria ser a expressão do poder real e do grau de civilização do Império Português; por outro lado, a construção dessa Europa possível nos trópicos apresentava limites. O presente artigo aborda esse momento crucial da história urbana do Rio de Janeiro, chamando a atenção para a coexistência de duas formas distintas de sociabilidade como expressões de duas cidades que, apesar de divergentes e mesmo antagônicas, apresentavam necessários pontos de contato e de circularidade cultural por dividirem o mesmo espaço. [...] 1 Introdução

Há pelo menos cinco anos, os moradores do Rio de Janeiro têm convivido com um grande volume de obras levadas a cabo pelos governos municipal e estadual sob o pretexto de preparar a cidade para receber os “megaeventos” que já começaram a acontecer. Os principais dos quais, a Copa do Mundo de Futebol da FIFA, realizada no ano passado, e que teve o Rio de Janeiro como uma das suas cidades-sede; e as Olimpíadas, a serem realizadas exclusivamente na cidade em 2016. No meio dos quais, a comemoração dos 450 anos da cidade, neste ano, se tornou um mero detalhe. Esta preparação da cidade tem transformado e, como não podia deixar de ser, transtornado o cotidiano dos moradores, com medidas tais como uma reorganização geral das linhas de ônibus e a abertura de novas avenidas rasgando bairros tradicionais e levando embora, junto com o casario antigo, parte da própria memória da cidade e de seus habitantes. Com a promessa de que o legado que essas obras deixarão para os moradores compensará todo o transtorno presente. Em outros momentos da história da cidade, outros “megaeventos” também exigiram intervenções que sacudiram o cotidiano dos moradores. Muitas vezes, sacudindo-os de suas próprias – 102 –

As transformações do Rio de Janeiro: a nova capital

casas. O mais lembrado dos quais, as reformas urbanas do prefeito Pereira Passos, no começo do século XX. O “bota-abaixo”, que deu origem ao período da história da cidade que ficou conhecido como belle époque. Mas aquele que pode ser considerado o primeiro “megaevento” realizado no Rio de Janeiro aconteceu ainda no início do século XIX. A instalação da corte portuguesa no Rio de Janeiro em 1808 desencadeou uma série de mudanças na capital da colônia portuguesa da América que visavam adequar a cidade à sua nova função: a de sede do novo Império Português recriado na América de acordo com projetos longamente acalentados por letrados e estadistas portugueses. Nesse período a cidade viu um aumento significativo no seu número de habitantes que, segundo alguns autores, praticamente dobrou entre 1808 e 1821, incrementado pelos incontáveis emigrados portugueses, por europeus de diversos outros países e por habitantes de outras capitanias que não cessaram de chegar ao longo dos treze anos de permanência da corte portuguesa no Rio de Janeiro. Assim como também não cessaram de chegar novas levas de escravos vindos da África e, também, de outras capitanias. No que diz respeito ao aspecto físico da cidade, o aumento no número de habitantes impulsionou a expansão dos limites geográficos do núcleo urbano; demandou um grande investimento em obras de melhoria da precária infraestrutura da cidade; suscitou a preocupação com a aparência na construção dos imóveis; e determinou a refuncionalização de diversos espaços tradicionais da cidade no intuito de abrigarem os serviços do Paço e órgãos da administração do Império Português. Mas, adequar a cidade à sua nova condição de corte não significava apenas atender a essas necessidades de caráter pragmático. Como nova corte real o Rio de Janeiro deveria ser a expressão do poder da monarquia e do grau de civilização do Império Português, segundo a representação que seus habitantes faziam da cidade a partir de então. Transformá-la em – 103 –

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

corte significava estabelecer aí uma sociedade de corte, com seus espaços e formas de sociabilidade próprios, copiados das cortes europeias, condenando hábitos e costumes oriundos do período colonial como inadequados à nova condição alcançada pela cidade, ao mesmo tempo em que se buscava difundir na nova capital do Império os elementos daquilo que era considerado um ideal europeu de civilização. O Padre Luís Gonçalves dos Santos, um dos principais cronistas do reinado de D. João na América, nas suas Memórias para Servir à História do Reino do Brasil faz um elogio daqueles que ele considera os principais atos administrativos do monarca português durante a sua permanência no Rio de Janeiro. Na sua interpretação, tais medidas teriam o intuito de tirar a colônia da situação de barbárie em que até então jazia, como se aquele estado de coisas não tivesse sido obra da própria Coroa portuguesa:

Tudo isto vemos hoje, senão com admiração, porque estas coisas insensivelmente se fazem diante dos nossos olhos, certamente com gratidão à augusta presença do senhor D. João VI, com a qual este país de rude, e agreste vai aos poucos povoando-se, civilizando-se, e embelecendo-se, bem como depois de um rigoroso inverno se anima, reverdece e floresce a natureza com a chegada da risonha primavera. (...) Mas, apenas chegou Sua Majestade, quando logo franqueou o comércio, permitiu a indústria, facultou as artes, e ciências, admitiu os estrangeiros, mandou abrir estradas, facilitou a comunicação dos povos e, entre outros bens, que nos concedeu, promoveu a civilização. Ora todos sabem quanto poder tem ela sobre os homens, e sobre o terreno, que eles habitam, por mais rudes e bárbaros que tivessem sido. (SANTOS, 1981, p. 122)

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As transformações do Rio de Janeiro: a nova capital

Como explica o sociólogo alemão Norbert Elias, o conceito de civilização resumiria tudo em que a sociedade ocidental, desde o século XVIII, se julgava superior a sociedades mais antigas ou a sociedades contemporâneas, porém mais primitivas (ou menos civilizadas). Dessa forma, tal conceito expressaria, antes de qualquer coisa, “a consciência que o Ocidente tem de si mesmo” (ELIAS, 1993, p. 23). Porém, civilização não seria apenas um estado, mas sobretudo um processo. Na virada do século XVIII para o XIX, os países europeus consideravam o processo de civilização como terminado em suas próprias sociedades. Nesse momento em que a consciência da civilização, vale dizer, a consciência da superioridade de seu próprio comportamento e sua corporificação na ciência, tecnologia ou arte começou a se espraiar pelas nações europeias, estas, se autodefinindo como nações civilizadas, atribuíram a si próprias o papel de transmissoras a outrem dessa mesma civilização. Elias estuda o processo civilizador em termos de um processo de transformação do comportamento humano. O controle dos sentimentos individuais pela razão e a elevação do patamar de sentimentos como vergonha e repugnância eram sinais específicos de fases particulares da marchada civilização. Esse autor mostrou como a sociedade de Corte, através de suas normas de etiqueta a serem observadas por todos aqueles que dela faziam parte (inclusive o rei), ocuparia um papel central nesse processo de controle das pulsões, emoções e afetos, e de interiorização individual das proibições sociais, que constitui o processo civilizador. Dessa forma, da transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro e a instalação de uma sociedade de corte teria o efeito de impulsionar aqui esse processo civilizador. [...]

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Atividades 1. Uma das características que envolvem o processo da vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil é o imaginário sobre a presença de uma corte europeia no Brasil. Quais aspectos podem ser destacados sobre esse tema? 2. As mudanças sociais e culturais do Rio de Janeiro pós-Dom João VI passavam também por um processo de disciplinarização da sociedade. Explique. 3. No caso da adaptação do Rio de Janeiro à presença da corte de Dom João VI, é possível afirmar que isso gerou mudanças significativas na cidade, que afetam até os dias de hoje o imaginário que se tem do Rio de Janeiro. Aborde essa questão.

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7 Elites e povo: laços e distanciamentos Tiago Rattes de Andrade

[...] para compreender a relação do Estado imperial brasileiro com suas elites é necessário ampliar a abordagem para além das relações bipolares, considerando as múltiplas direções que apresenta. Ao contrário do que caracteriza essas interpretações historiográficas, que em geral analisam a formação das elites situando-a nos anos de 1830- 1840, torna-se fundamental buscar sua história antes do século XIX, considerando as relações de continuidade e as imbricações permanentes entre Estado e sociedade, entre o público e o privado, entre o central e o regional, entre a prática política e os interesses econômicos individuais ou coletivos. (MARTINS, 2007, p. 34)

Neste capítulo abordaremos as relações entre as elites e o povo na construção do estado nacional brasileiro, no século XIX. Para isso, trataremos de algumas questões conceituais relevantes sobre a formação dessa elite ao longo do Brasil Colônia, apontando alguns pensadores que foram fundamentais para o entendimento desse processo histórico.

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Posteriormente, discorreremos a respeito das características culturais e sociais que envolvem essas elites. Quem são elas? Qual sua origem? Onde estudaram? Qual o impacto de sua formação? Por fim, apresentaremos algumas características que as tornam um tanto quanto plurais e diversificadas, algo essencial para compreendermos o Brasil do século XIX.

7.1 As raízes da formação de nossas elites Um dos grandes desafios da historiografia é entender como constituímos nossas próprias elites políticas ao longo da história. Durante o século XVI e em parte do século XVII, o Brasil recebia substancialmente portugueses, que para cá vinham na tentativa de construir riqueza. Aos poucos uma mudança demográfica considerável passa a ser notada: nossa própria população se formava, de pessoas nascidas na colônia e não mais em Portugal. Se em outro momento a elite local era composta essencialmente por europeus, a partir de determinado momento ela passa a ser composta por pessoas nascidas em terras brasileiras, com outros vínculos sociais, culturais e políticos. Ao longo do século XVIII, uma série de movimentos políticos eclodiu na colônia, os quais questionavam a relação da metrópole com a colônia e tinham inspiração em ideias liberais. Era o século das luzes, e apareciam pela primeira vez as elites locais, com reivindicações próprias. Esse foi um momento marcante, que nos aponta justamente o surgimento e fortalecimento dessa elite política cada vez mais local e com interesses próprios. Dois movimentos ganharam muito destaque na historiografia e também no senso comum: a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana, tanto por suas semelhanças quanto por suas diferenças. Ambos os movimentos reivindicavam uma nova relação entre Brasil e Portugal. Questionavam duramente o pacto colonial, e, no caso da Conjuração Baiana, havia também uma clara posição contrária à escravidão. Ao tratarmos desses movimentos é inevitável pensarmos no papel desses novos atores políticos. Cabe dizer que ao longo desse processo histórico uma série de características dessas elites seria determinante para entendermos nossa própria história. A fim de que possamos analisar isso de maneira mais objetiva, é importante nos voltarmos ao nosso passado, ao início do processo de colonização. – 108 –

Elites e povo: laços e distanciamentos

Obviamente esse é um tema complexo, ao qual muitos pesquisadores têm se dedicado. Porém, é interessante que enfoquemos algumas teorias clássicas de abordagem desse processo. Para fins de organização de conhecimento, selecionamos aqui dois autores que acabaram por ajudar a constituir duas grandes correntes de pensamento muito importantes para a historiografia durante décadas. Trataremos da obra de Caio Prado Júnior e de Sérgio Buarque de Holanda, os quais explicaram, de maneiras diferentes, o processo de formação do Brasil Colonial e, por consequência, a ação de nossas elites. Embora sejam explicações de caráter distinto, é importante salientarmos que não são olhares excludentes e, inclusive, muitos pesquisadores procuram dialogar com o tipo de conhecimento produzido por ambos. Caio Prado Júnior foi pioneiro ao construir um grande modelo explicativo acerca do processo de colonização do Brasil, apoiado no marxismo. Sendo assim, sua base de análise preocupa-se centralmente com os aspectos econômicos da sociedade. O grande desafio colocado por esse autor é entender como a economia, especificamente o pacto colonial, definiu os rumos históricos do Brasil em sua colonização. Uma das características desse olhar marxista sobre a história baseia-se na concepção do materialismo histórico, em que a história da humanidade pode ser percebida pela sucessão de regimes econômicos e pela luta de classes. Essa abordagem influenciou as questões que esse autor procurou responder ao longo de suas teses. Para Caio Prado, há um “sentido da colonização”, o qual diz respeito à lógica de que a colônia serve exclusivamente como fonte de exploração para a metrópole. Sendo assim, não existiria nenhum tipo de acumulação de capitais no Brasil, e toda riqueza era deslocada para a metrópole. Sem acumulação e tendo como único objetivo atender os interesses materiais da metrópole, o papel da elite local seria apenas o de reproduzir esse sistema de exploração. Por consequência, não há o que se falar sobre projetos locais significativos de poder, visto que a elite local é parte do projeto de poder da metrópole. A tese do “sentido da colonização” influenciou muitos historiadores brasileiros, que procuraram dar continuidade às ideias de Caio Prado ou mesmo aperfeiçoá-las – é o caso de grandes nomes como Fernando Novais e Ciro Flamarion Cardoso. – 109 –

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência Todo povo tem na sua evolução, vista à distância, certo “sentido”. Este se percebe não nos pormenores de sua história, mas no conjunto dos fatos e acontecimentos essenciais que a constituem num largo período de tempo. Quem observa aquele conjunto, desbastando-o do cipoal de incidentes secundários que o acompanham sempre e o fazem muitas vezes confuso e incompreensível, não deixará de perceber que ele se forma de uma linha mestra e ininterrupta de acontecimentos que se sucedem em ordem rigorosa, e dirigida sempre numa determinada orientação. É isso que se deve, antes de mais nada, procurar quando se aborda a análise da história de um povo, seja, aliás, qual for o momento ou o aspecto dela que interessa, porque todos os momentos e aspectos não são senão partes, por si só incompletas, de um todo que deve ser sempre o objetivo último do historiador, por mais particularista que seja. (PRADO JÚNIOR, 2011, p. 15)

Essa característica de modelo de colonização explicaria, segundo Caio Prado Junior e seus seguidores, parte dos problemas do desenvolvimento brasileiro. Teríamos uma elite que desde os tempos coloniais era habituada a ser parte de um processo de acumulação externa. Embora Caio Prado considere que o século XIX abrira uma série de transformações relevantes para a construção do Brasil, na prática é esse “sentido” do papel da elite que acaba dando o caráter do modelo político e econômico que virá após a Independência. Isso explicaria a manutenção da escravidão, do latifúndio e de um forte modelo de dependência externa. Uma nova nação surge, porém sua elite local ainda está atrelada aos interesses internacionais, fazendo do Brasil apenas parte de um ciclo de exploração. É justamente isso que explicaria nosso atraso e subdesenvolvimento. Sérgio Buarque de Holanda, por sua vez, foi responsável por outra tradição de pensamento, inspirada em conceitos mais próximos das ideias de Max Weber, por exemplo. O centro de sua análise, embora considere também aspectos econômicos, preocupa-se em abordar elementos culturais que ajudam a explicar o perfil de nossas elites na colônia e como elas mesmas se inserem no século XIX. Um dos conceitos fundamentais trazido por ele é o de patrimonialismo, um dos mais utilizados pelo pensamento social brasileiro nas últimas décadas. Basicamente, exprime a não separação dos interesses privados dos negócios públicos, fato que seria responsável por boa parte dos problemas brasileiros e operaria fortemente devido a uma herança ibérica. Em monarquias da península ibérica, seria usual que os negócios públicos – 110 –

Elites e povo: laços e distanciamentos

fossem conduzidos de forma a beneficiar os interesses privados daqueles que estavam à sua frente. Essa prática geraria uma grande dificuldade de separação entre público e privado em nossa cultura política. Isso explicaria em boa parte as questões históricas de corrupção e apropriação indevida dos recursos do Estado por parte de nossas elites políticas. Outra particularidade do pensamento de Sérgio Buarque de Holanda que explica o comportamento dessa elite e nos ajuda a entender parte dos dilemas do Brasil até os dias de hoje é a ideia do homem cordial. A cordialidade em questão não se trata da bondade, mas sim da propensão do brasileiro a resolver as questões públicas no âmbito privado, o que enfraqueceria bastante o interesse e a esfera públicos e fortaleceria sempre os mais poderosos. Em vez de recorrermos ao Estado e às leis que poderiam nos proteger, tenderíamos a buscar soluções por meio de “conhecidos” e “padrinhos” poderosos, os quais, por terem algum tipo de relação de poder, seriam capazes de resolver os problemas, usando de sua influência. A consequência dessa prática de cordialidade é justamente o constante enfraquecimento do público em detrimento do privado. Isso torna a população pobre ainda mais vulnerável, em um contexto de desigualdade. Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade — daremos ao mundo o “homem cordial”. A lhaneza1 no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal. Seria engano supor que essas virtudes possam significar “boas maneiras”, civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante. Na civilidade há qualquer coisa de coercitivo — ela pode exprimir-se em mandamentos e em sentenças. Entre os japoneses, onde, como se sabe, a polidez envolve os aspectos mais ordinários do convívio social, chega a ponto de confundir-se, por vezes, com a reverência religiosa. (HOLANDA, 1995, p. 146)

A cordialidade brasileira também tem como característica uma afetividade acima da racionalidade. Ao invés de pautarmos as relações por meio de 1 Lhaneza: afabilidade, candura, simplicidade.

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

elementos objetivos e racionais, como, por exemplo, escolher um político que seja mais preparado para suas funções e tenha uma reputação digna do interesse público, seria uma constante em nossa história que as relações de afeto substituam essas características. Essa propensão à afetividade explicaria a manutenção de relações clientelares, a ascensão de governos populistas e até mesmo o caráter autoritário de alguns de nossos governos. A tese do homem cordial ajudou a construir outras teses que explicam a formação e o comportamento de nossas elites. Um exemplo é a formulação de Roberto DaMatta (1986) sobre o “jeitinho brasileiro” e o argumento de autoridade pautado no “você sabe com quem está falando?”, muito difundidos no Brasil. Para esses autores, a prevalência dos aspectos privados sobre o público na sociedade brasileira ajuda a construir uma cultura de resolução de conflitos e problemas fora das instituições. Por isso seria tão importante a constituição de influência e apadrinhamento. Uma série de outras teses nas últimas décadas dialogaram com essas vertentes, contribuindo, e muito, para entendermos de forma mais complexa a formação da elite brasileira. Porém o que nos importa assinalar aqui é que a consolidação dessa elite ao longo do século XVIII e no início do XIX passou por relações internas e externas que foram decisivas para determinar seu caráter. A economia, a cultura e a política são fatores que precisam ser compreendidos de maneira encadeada, para que tenhamos um olhar mais completo e crítico sobre os passos dados por esses grupos na construção de processos políticos tão fundamentais como a independência.

7.2 Aspectos sociais e culturais da elite brasileira A economia, sem dúvida, é ponto crucial para garantir que um grupo social conquiste um espaço de elite. Condições materiais, posse de recursos, tudo isso ajuda, e muito. Porém é fundamental conhecermos como esses grupos pensam e aprender um pouco mais sobre a formação cultural que receberam. – 112 –

Elites e povo: laços e distanciamentos

Ao longo do processo de colonização no Brasil, não havia aqui instituições educacionais, principalmente na etapa inicial. Não existia a educação fundamental, e muito menos a formação superior, o que deixava homens livres pobres fora de qualquer processo educacional formal, e o mesmo acontecia com os escravos. Aliás, convém lembrar que, em boa parte de nossa história, era considerado crime alfabetizar um escravo. Uma alternativa para as famílias da elite local era encaminhar um de seus filhos para a carreira eclesiástica. Ter um membro da família no clero poderia também constituir relações de poder significativas além de garantir instrução adequada e um grau relevante de cultura. Aos que buscavam uma carreira secular no Brasil deveriam tomar o rumo da Europa para obter uma formação superior de qualidade. A maioria deles ia estudar na Universidade de Coimbra, em Portugal, e o principal curso ambicionado por esses jovens ricos era o de Direito. Esse era o campo de conhecimento mais amplo e relevante no período, o que fazia com que a maior parte dessas famílias sonhasse em tornar seus filhos bacharéis. Esse é um dado relevante e que viria a definir em muito os caminhos do Brasil. A Universidade de Coimbra havia passado por transformações curriculares significativas, impulsionadas pelas reformas do Marquês de Pombal, em meados do século XVIII. O objetivo de Pombal, então primeiro ministro de Portugal, era impulsionar o desenvolvimento da nação, buscando criar condições favoráveis ao crescimento e fortalecimento de instituições mais dinâmicas e modernas. Para isso, um de seus focos era justamente a formação universitária em Portugal. Como já mencionamos, a Europa vivia o “século das luzes”; as ideias iluministas transitavam, e era necessário que esse reino de alguma forma se apropriasse do imaginário liberal do período. A formação que os filhos da elite brasileira tiveram em Coimbra foi fundamental para fornecer o repertório cultural determinante nos rumos que a nação tomou ao longo do século XIX. Em especial durante o processo da independência brasileira, a unidade de pensamento dessa elite seria fundamental para o sucesso do modelo de nação que viria a surgir. Essa é parte da tese central do historiador José Murilo de Carvalho; para ele, conhecer a formação comum que esses filhos da elite tiveram é essencial à compreensão de como, no século XIX, eles se movimentaram no sentido de construir as bases políticas e sociais do Império. – 113 –

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência Elemento poderoso de unificação ideológica da elite imperial foi a educação superior. E isto por três razões. Em primeiro lugar, porque quase toda a elite possuía estudos superiores, O que acontecia com pouca gente fora dela: a elite era uma ilha de letrados num mar de analfabetos. Em segundo lugar, porque a educação superior se concentrava na formação jurídica e fornecia, em consequência, um núcleo homogêneo de conhecimentos e habilidades. Em terceiro lugar, porque se concentrava, até a Independência, na Universidade de Coimbra e, após a Independência, em quatro capitais provinciais, ou duas, se considerarmos apenas a formação jurídica. A concentração temática e geográfica promovia contatos pessoais entre estudantes das várias capitanias e províncias e incutia neles uma ideologia homogênea dentro do estrito controle a que as escolas superiores eram submetidas pelos governos tanto de Portugal como do Brasil. (CARVALHO, 1980, p. 65)

Uma das características da formação em Direito na Universidade de Coimbra era o jusnaturalismo, ou direito natural. O intuito do Marquês de Pombal ao instituir esse modelo era contrapor-se à escolástica, até então predominante na formação educacional ibérica. A doutrina jusnaturalista procurava distinguir entre aquilo que era razoável ou não como forma de orientar o justo nas decisões políticas. A fundamentação jurídica de uma sociedade deveria buscar naturalmente o que fosse mais adequado, racional e equilibrado, ao mesmo tempo em que se respeitassem as instituições e tradições. Essa influência do pensamento jusnaturalista nos permite compreender o comportamento das elites políticas brasileiras em momentos como a construção da primeira Constituição Brasileira, de 1824. Embora essa Constituição traga algumas inovações, como a separação dos três poderes e a noção de governo representativo, ela mantém o regime de propriedade latifundiária e a escravidão. Além da formação universitária, destacamos que o século XVIII teve grande importância para a questão cultural. Nessa época, consolidou-se a ideia de que um homem de elite deveria ser um homem culto, disposto ao estudo das Ciências, como Matemática e Astronomia, mas também conhecedor de artes como o teatro e a música. Em regiões com maiores núcleos urbanos no Brasil Colônia, era intensa a produção artística e cultural. Podemos destacar, além da literatura, a consolidação do barroco brasileiro nessa época. – 114 –

Elites e povo: laços e distanciamentos

Parte significativa dessa arte vinha da Europa, que era considerada o grande centro cultural do mundo nesse período. Ainda assim, é possível notarmos o crescimento da produção local em vários campos artísticos e culturais, que deixariam marcas fundamentais ao longo do século XIX.

7.3 A pluralidade da elite brasileira no século XIX Embora a elite brasileira do século XIX estivesse coesa no seu projeto de construção de uma grande nação continental e escravocrata, havia algumas nuances em suas características políticas, sociais e culturais. Apresentaremos algumas teses que são centrais na compreensão das características desses grupos no Brasil, compreendendo a transição do século XVIII para o XIX. Ao longo do século XIX, a atividade cafeicultora firmou-se como ponto forte da economia brasileira, constituindo, em algumas regiões do Brasil, uma poderosa e rica elite. Dessa elite cafeicultora destacou-se uma série de figuras proeminentes da política brasileira, com atuação direta nos eventos mais relevantes dessa área em nossa história. Uma das teses que aponta essa relevância dos cafeicultores para a política brasileira na época é de Ilmar Rohloff de Mattos, O tempo Saquarema (MATTOS, 1990). Nessa obra, o autor mostra como o grupo dos Saquaremas, especificamente do Rio de Janeiro, detentor de poderio econômico, construiu uma hegemonia política decisiva para o Império. Mattos trata do conceito de classe dirigente para explicar como tal grupo constituiu sua hegemonia, em um sentido gramsciano2. não deixamos de “deslocar” ou “ampliar” o conceito de dirigentes (propriamente falando, de dirigentes saquaremas), os quais não mais se restringem aos “empregados públicos” encarregados da administração do Estado nos seus diferentes níveis. Por dirigentes saquaremas 2 Segundo Ana Rodrigues Cavalcanti Alves, “Gramsci afirma que é muito comum um determinado grupo social, que está numa situação de subordinação com relação a outro grupo, adotar a concepção do mundo deste, mesmo que ela esteja em contradição com a sua atividade prática” (ALVES, 2010, p. 74). De acordo com Gramsci, “esta concepção do mundo imposta mecanicamente pelo ambiente exterior é desprovida de consciência crítica e coerência, é desagregada e ocasional. Dessa adoção acrítica de uma concepção do mundo de outro grupo social, resulta um contraste entre o pensar e o agir e a coexistência de duas concepções do mundo, que se manifestam nas palavras e na ação efetiva” (ALVES, 2010, p. 74).

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História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência estamos entendendo um conjunto que engloba tanto a alta burocracia imperial [...] quanto os proprietários rurais localizados nas mais diversas regiões e nos mais distantes pontos do Império, mas que orientam suas ações pelos parâmetros fixados pelos dirigentes imperiais, além dos professores, médicos, jornalistas, literatos e demais agentes “não públicos” – um conjunto unificado tanto pela adesão aos princípios de Ordem e Civilização quanto pela ação visando a sua difusão. (MATTOS, 1990, p. 15-16)

A tese de Mattos aborda a importância da economia para o fortalecimento dessa elite, mas expõe também o papel que os setores culturais tinham na perpetuação desse poder. Um ponto muito interessante é que os Saquaremas seriam parte fundamental no enfrentamento dos interesses dos Luzias, grupo político mais alinhado aos portugueses. Por outro lado, estudos atuais mostram que esse poder das elites estava mais espalhado ao longo do território, não ficando restrito apenas ao Rio de Janeiro. Além disso, a atividade cafeicultora não era a única que sustentava essa elite; hoje existem pesquisas que mostram a relevância dos pecuaristas e dos agricultores de outras culturas. Essas figuras, espalhadas pelo território nacional, também foram importantes para o jogo político e a construção do Império. Por sua vez, trabalhos como A velha arte de governar, de Maria Fernanda Vieira Martins (2007), também mostraram que, além dos interesses econômicos, essas elites precisavam ordenar uma série de interesses locais, que incluíam atender as demandas de suas redes sociais e familiares. Ou seja, ao pensarmos a atuação das elites, devemos pensar também na dimensão micro. Nesse sentido, [...] a prática relacional extrapola seu sentido exclusivamente econômico, ligado à necessidade de estabelecer alianças vantajosas do ponto de vista material ou de manutenção dos bens e propriedades da família, para assumir o sentido de busca de uma maior previsibilidade e mesmo interferência no ritmo dos acontecimentos. É exatamente essa abordagem que abre espaço para a atuação direta e o estabelecimento de estratégias, sejam individuais ou de grupos. A necessidade da montagem dessas estratégias tornava-se mais premente quanto mais se distanciava a esfera de decisão, o que ocorria com a progressiva centralização do poder dos Estados nacionais em formação. Essa situação gerava maior insegurança, porém, por outro lado, provocava, no nível local, a necessidade constante de adaptação dessas famílias,

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Elites e povo: laços e distanciamentos de reorganização de poder e criação de vias de acesso à informação. (MARTINS, 2007, p. 29)

Dito isso, podemos fazer um gancho interessante para entender justamente essas relações entre elites e povo. Uma das tradições brasileiras é a do poder local, e, para o estabelecimento desse poder, é fundamental que se constituam as chamadas relações clientelares. O fenômeno do clientelismo, diga-se de passagem, não é exclusivo do Brasil. Remonta a práticas antigas, inclusive na Europa. A relação entre proprietários de terra e não proprietários geralmente demarca o clientelismo: aquele que não tem a posse da terra acaba tendo de se submeter àquele que tem, seja por meio de seu trabalho ou da lealdade política. Se por um lado o membro da elite, proprietário de terras, explorava os não proprietários, existiam também obrigações implícitas nessa relação. Muitas vezes isso envolvia proteção, segurança e auxílio em momentos difíceis, como doença e morte. Esses vínculos acabaram por marcar historicamente as relações sociais no Brasil, com impactos relevantes até os dias de hoje, inclusive na política. Por fim, cabe reiterar que o perfil ambíguo dessas elites brasileiras é determinante para entendermos o processo que viria posteriormente, com a Independência. Uma elite que busca algumas modernizações porém faz de tudo para evitar grandes transformações na sociedade.

Ampliando seus conhecimentos O texto a seguir tem como objetivo apresentar uma possibilidade de entendermos como funcionavam os debates entre a elite política brasileira do século XIX. A pesquisa aponta como esses homens percebiam a representação política e organizavam seus argumentos na tentativa de ampliar ou reduzir os meios de participação no período. Convém observarmos como o pensamento político desses homens vai se construindo. – 117 –

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

“Da Excelência e das vantagens”: o direito ao voto em debate no Conselho de Estado Imperial (ANDRADE, 2012, p. 241-249)

O debate sobre nação sempre foi um grande desafio para os historiadores. Mais especificamente – no caso brasileiro – a nação (e sua gênese) está diretamente relacionada à construção de um Império. Um projeto amplo, grandioso e gestado por décadas através da interação entre diversos atores daquela sociedade. Menos nos interessa aqui esse processo, mas sim o seu resultado, que por sua vez é importante para a compreensão do caráter desse império. Falo aqui de uma sociedade complexa. Um estado-nação de dimensões continentais, onde a unidade territorial se manteve para além da simples ideia de força ou coesão. Trata-se de uma rede de relações políticas, instituições múltiplas, espaços de sociabilidade, elementos de interação entre indivíduos, significação e ressignificação de práticas e relações sociais diversas que envolviam a constante transformação política, social e cultural. Sendo assim,

considera-se o Estado como uma instância do político, por sua vez interpretado não como um domínio isolado da realidade, mas como “o lugar onde se articula o social e sua representação, a matriz simbólica na qual a experiência coletiva se enraíza e se reflete por sua vez”. Assim, também o próprio Estado torna-se um espaço onde se desenvolve uma dinâmica própria, uma instância em que se inserem as relações sociais e políticas presentes na sociedade, considerando-se o papel do indivíduo e sua capacidade de ação, ou, como diz Norbert Elias, segundo uma interpretação que tem como elemento central os atores e suas redes de relacionamentos, e não as ações despersonificadas. (MARTINS, 2007, p. 24) – 118 –

Elites e povo: laços e distanciamentos

Esse brainstorm de ideias sobre nação serve aqui apenas para evidenciar e tentar marcar de forma enfática que tratamos de uma sociedade muito mais complexa que a historiografia tradicional conseguiu retratar. Aqui não há o interesse em levantar autores para referendar posições assumidas em um puro e simples argumento de autoridade, mas sim de erguer uma preocupação em apresentar caminhos que nos auxiliem a compreender através de outros autores como a sociedade do XIX, em especial sua elite, não pode ser tratada de forma singular, assim como a dinâmica de suas interações com o estado e outros atores. Esse estado resignifica e se apropria constantemente um passado,

Contudo, não há mais uma distância entre aquele que exerce algum poder político sobre os outros, e aquele que está isento de algum tipo de controle das condutas. Enfim, aquela metáfora do corpo não é mais tomada como simples analogia funcionalista (segundo a qual apenas um concebe as ordens e os demais executam), porque o corpo social depende agora de uma ética para ser também o lugar de exercício do poder político: a moderação das paixões aparece como uma nova função do governo político. (OLIVEIRA, 2005, p. 63)

Se o tema do estado nacional nos é caro, não menos o é o do estudo das elites políticas. As perspectivas tradicionais sempre dedicaram um olhar pejorativo, muitas vezes anacrônico sobre as elites. Tratadas quase sempre como “reacionárias”, “conservadoras” ou apenas ocupadas com a manutenção do status quo, em muitos estudos clássicos da historiografia brasileira foram assim tratados. Nas últimas décadas boa parte da interpretação da ação das elites políticas e do caráter do governo monárquico foi pautada basicamente por duas interpretações. De um lado a perspectiva da “elite por formação”, edificada através da obra de – 119 –

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José Murilo de Carvalho (1980) e a perspectiva gramsciana de Ilmar Rohloff de Mattos (1990). Ambas as interpretações foram fundamentais para a historiografia em determinado momento, sendo assim, não se trata da refutação de obras que são importantes e merecem apreço, mas da necessidade de análise crítica e a busca de responder a novas questões muitas vezes trazidas pelas fontes primárias e novos paradigmas. Não se trata aqui de buscar uma “reabilitação” das elites brasileiras do XIX, mas sim analisá-las dentro dos seus marcos temporais. Estudos recentes tem buscado dar conta desse desafio de retratar o papel das elites políticas diante o governo monárquico brasileiro dentro de uma lógica diferente, como o caso de trabalhos de Dolnikhof (2009) onde a preocupação central é redimensionar a ideia de representação política dentro da lógica do século XIX e dessa forma compreender a ação e funcionamento desses governos através da lógica de sua própria época.

Atividades 1. Tendo em vista as principais teses de Caio Prado Junior e Sérgio Buarque de Holanda, aponte as diferenças entre os dois modelos de explicação do processo colonial brasileiro, destacando as percepções sobre economia e cultura. Identifique os conceitos construídos por ambos. 2. A formação cultural, em especial a educacional, foi um traço importante para entendermos o perfil da elite política brasileira do século XIX. Sobre isso, aborde em um texto: a. as características da formação universitária que essa elite recebia em Coimbra, no curso de Direito; b. como essa educação, em especial o currículo, influenciou na atuação dessas elites no Brasil da época. – 120 –

Elites e povo: laços e distanciamentos

3. Sobre as características das elites políticas brasileiras, em sua diversidade no século XIX: a. Como se constituíam as relações clientelares entre povo e elite? b. Alguns estudos demonstram que havia um grau de pluralidade dessa elite no período no que tange à origem regional e à atividade econômica. Disserte a respeito.

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8 O processo de Independência

A dispersa, desarticulada e fluida nação encontra, instalado no Rio de Janeiro, um arcabouço fechado, disposto a exercer uma vigilante ditadura sobre o país. O banho liberal, irradiado dos acontecimentos portugueses e brasileiros dos dois últimos anos, não permitia, entretanto, a passiva adoção do sistema absolutista. Não consentiam as circunstâncias, de outro lado, potencialmente desagregadoras, a cópia do modelo teórico do liberalismo europeu ou da democracia norte-americana. A organização do Estado entrelaça-se, dentro das tendências em conflito e sob o dilaceramento centrífugo das capitanias, ao cuidado superior de manter e soldar a unidade política do país, tarefa gigantesca e incerta diante dos obstáculos geográficos e dos valores provinciais não homogêneos. (FAORO, 1987, p. 250)

Compreender a formação da nação brasileira é, antes de tudo, compreender o processo político da independência. Esse evento foi muito marcante, fortemente influenciado por ideias políticas que circulavam na época e que deixaram marcas até os dias de hoje. Era o tempo da consolidação das ideias liberais.

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

O processo de Independência nos exige entender uma série de peculiaridades de nosso poder local: a correlação de força das elites, os desejos do então príncipe regente Pedro I e também as ações de Portugal. Por fim, compreender esse momento histórico passa pela análise de um dos marcos mais relevantes da construção da nação: a Constituição de 1824. Esse documento diz muito sobre os conflitos e as negociações do Brasil que surgia.

8.1 Antecedentes do processo de emancipação A chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil gerou uma série de transformações sociais, culturais e políticas. Mas, do ponto de vista econômico, elas foram ainda mais significativas. A abertura dos portos para as nações amigas constituiu-se em uma boa novidade para a elite local, que tinha agora a oportunidade de negociar produtos diretamente com os compradores nos portos brasileiros. Na prática, o pacto colonial esvaía-se, mesmo não tendo ainda o Brasil se tornado uma nação independente. Por outro lado, os benefícios da instalação da corte no Rio de Janeiro não eram sentidos da mesma forma por todas as elites locais. No caso de Pernambuco, ficava cada vez mais clara a insatisfação com os custos de manutenção de uma máquina de Estado que não promovia os mesmos benefícios para todo o território. A elite que circundava a corte no Rio de Janeiro acabava por usufruir dela de maneira mais eficiente. Não é de se estranhar que, em 1817, tenha eclodido uma rebelião em Pernambuco contestando os impostos e entraves para o desenvolvimento local, inspirada por ideias liberais, como as que alimentaram a Revolução Francesa e a Independência dos EUA. A rebelião foi derrotada por Dom João VI, que, no mesmo período, por ocasião da morte de sua mãe, sagrou-se oficialmente rei, em uma grande celebração no Rio de Janeiro. Como podemos perceber, aparentemente tudo caminhava para um desfecho tranquilo para os interesses lusitanos. Na Europa, indicava-se a derrota de Napoleão e, por consequência, a retomada do poder de Dom João em Portugal. O grande território brasileiro estava apaziguado. – 124 –

O processo de Independência

Outro episódio histórico precisa ser compreendido para que possamos avançar: a Revolução Liberal do Porto. Nesse início do século XIX, as ideias liberais incendiavam a Europa, e não foi diferente com Portugal. A nação vivia uma grande crise, causada pelas invasões napoleônicas. A economia ia mal, e uma grande incerteza política se abatia sobre o país. Nesse contexto, o movimento revolucionário do porto iniciou-se, erguendo duas bandeiras. A primeira era a da elaboração de uma constituição moderna de inspiração liberal, que fosse capaz de dar respostas aos novos dilemas civilizatórios. E a outra era a reafirmação da soberania monárquica; porém esta desencadearia uma situação política peculiar. Para que Portugal constituísse uma monarquia constitucional, era necessário que seu rei retornasse. Dom João VI já havia atrasado em muito seu retorno à Europa, e, dessa vez, a reivindicação das elites portuguesas era clara: o rei deveria retornar e assumir seu lugar de fato. Essa exigência agradava uma parte da elite, a qual considerava fundamental que Portugal retomasse os lucros efetivos com a exploração colonial do Brasil. E isso significava restituir o Império Luso-Brasileiro. Podemos imaginar o que se passou na cabeça das elites brasileiras. Com a elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal, muitas portas haviam sido abertas, e as possibilidades de lucro e crescimento eram claras. Mas se Dom João VI retornasse, quais seriam as reais possibilidades de tudo isso permanecer? O futuro do Brasil tornava-se incerto com o movimento das cortes em Portugal. O pensamento liberal iluminista circulava em Portugal nos debates sobre a construção da nova Constituição; autores como Rousseau e Diderot eram lidos com frequência. No Brasil, a repercussão fora imediata; jornais e panfletos eram distribuídos e davam conta da situação portuguesa. Um movimento intenso se formava e reivindicava o papel do Brasil nesse processo. Em 1821, Dom João VI achou por bem jurar a Constituição como forma de demonstrar seu compromisso e legado. Porém um decreto de março do mesmo ano determinou seu retorno para a capital portuguesa. No Brasil, o cenário não era nada bom. Além das inúmeras incertezas, um clima de radicalização parecia erigir no Rio de Janeiro. – 125 –

História do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

Nesse ambiente é que, aos poucos, a figura de Dom Pedro I ganhou destaque. Até aquele momento, já casado com Dona Leopoldina (uma relação que historicamente teve muitos problemas), Dom Pedro sabia apenas que deveria retornar junto de seu pai a Portugal. No entanto, Dom Pedro I permaneceria no Brasil. Esse gesto envolve uma série de interpretações históricas. Podemos inferir que havia, por parte do jovem, um interesse direto em se constituir príncipe regente e dar início a seu próprio legado político. Há, também, a possibilidade de pensarmos que Dom João teria sido leniente com a decisão do filho de ficar em terras brasileiras. Dessa forma, pelo menos temporariamente conseguiria garantir que o território permanecesse sob o poder de sua família. Pedro I inicia então sua trajetória como regente e busca dar demonstrações de luz própria, ao providenciar algumas iniciativas políticas genéricas. Ao mesmo tempo, cresce no país a ideia do constitucionalismo, estimulado pelas cortes ao fim de 1821. Um grande dilema estava colocado para a elite brasileira: de um lado, a possibilidade de estabelecer um modelo de governo constitucional, mas, de outro, o risco de que esse constitucionalismo português na prática submetesse o Brasil novamente a uma relação de exploração.

8.2 O papel das elites internas: radicais e moderados Dois grupos ocupavam um papel fundamental no processo pré-independência no Brasil. Havia um grupo mais radical, inspirado por um ideário liberal e comandado por Joaquim Gonçalves Ledo, um político e jornalista que editava o famoso jornal Revérbero Constitucional Fluminense. Esse grupo tinha uma clara aversão aos interesses monárquicos e defendia uma ruptura clara e objetiva com Portugal, para a construção de uma nova nação. O outro grupo, mais conservador, era comandado por um dos mais tradicionais políticos de nossa história, José Bonifácio de Andrada. Esses indivíduos, por sua vez, queriam garantir um processo que fosse o mais “seguro” para os interesses de todos, inclusive os da Coroa. Autores importantes que se debruçaram sobre nossa história, como Faoro (1987), já apontavam o quanto o comportamento dessa elite, preocupada sempre com transições que não alterassem a – 126 –

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correlação de poder na sociedade, foi decisivo para construirmos uma sociedade de privilégios. Ao mesmo tempo, crescia a exigência do retorno do príncipe regente a Portugal, o que atemorizava de vez a elite brasileira, tanto a conservadora quanto a mais liberal. Com a ausência de Pedro I, a possibilidade de seus interesses serem novamente submetidos aos da elite portuguesa era grande. Ainda ao fim de 1821, firmou-se um movimento chamado Clube da Resistência, que reunia políticos e membros da elite na tentativa de convencer e dar apoio a Pedro I, para que ficasse por aqui, rejeitando assim a exigência de seu retorno por parte da corte. Embora fossem dois grupos diferentes, é possível perceber a existência de uma ação unitária pelo objetivo de garantir a permanência de Pedro no Brasil. No início de 1822, esse movimento das elites locais se acentuou. Em janeiro, Dom Pedro I recebeu um documento com mais de oito mil assinaturas, pressionando-o para não deixar o país. Assim, a elite movimentava-se com agilidade para evitar a todo custo a sanha recolonizadora que vinha de Portugal. Era necessário agir rápido. Nesse contexto, Pedro I procurou dar uma resposta à altura às demandas locais. Foi o famoso episódio do Dia do Fico, em nove de janeiro de 1822. Nessa ocasião, pressionado, o príncipe regente resolve manifestar-se oficialmente e, pela primeira vez, fala abertamente em defender os interesses do Brasil. Embora haja uma série de desencontros sobre os fatos e a forma como as coisas aconteceram nesse dia, é fato que essa foi uma movimentação política com o intuito de manter a situação sob controle e evitar uma possível revolta. Aliás, esse era um dos pontos debatidos constantemente no país. Manter-se vinculado a Portugal poderia gerar muitos prejuízos: até que ponto essa incerteza acerca da recolonização não poderia suscitar um movimento ainda mais radical? Essa era uma das preocupações de figuras como José Bonifácio. Outros líderes políticos locais temiam que a radicalização do processo levasse também à radicalização das pautas. E se as palavras de ordem contra a escravidão aparecessem? Até mesmo o ideário da República poderia se desenvolver em meio a uma situação como essa. – 127 –

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A resposta de Dom Pedro I causou furor em Portugal. Ele encaminharia um documento no qual ficava claro que o Brasil não mais queria ser tratado como “filho de Portugal”, e sim “como irmão” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 212). Embora possamos questionar os reais interesses de Pedro, é notável que um documento como esse foi capaz de gerar uma reação nas elites locais. O regente estava jogando o jogo para valer. Enquanto isso, embora concordassem com a permanência do príncipe regente no Brasil, as elites locais em muito divergiam. Os grupos mais ao Norte ainda não estavam totalmente convencidos de que a mudança da capital para o Rio de Janeiro havia sido um bom negócio, ao mesmo tempo que as elites do Sudeste não cogitavam ceder em qualquer aspecto. E sabemos bem que estas últimas eram muito beneficiadas. Havia, ainda, as discussões sobre que modelo político deveria ser adotado por aqui. Um grupo significativo advogava por uma monarquia constitucional, mas, dentro dele, existiam discordâncias sobre o tipo de representação e sua abrangência. Uma minoria defendia o fim da monarquia e o surgimento de uma república, nos moldes dos EUA. A pressão das elites seguia, e um novo movimento se deu de forma homogênea. Por meio de uma nova petição, Dom Pedro I foi pressionado a convocar uma Assembleia Nacional Constituinte no Brasil. O entendimento geral de que uma Constituição era um instrumento fundamental estava claro. Curiosamente, o texto-base dessa convocação fora escrito por Joaquim Ledo e José Bonifácio, figuras que tradicionalmente estavam em lados opostos. Porém, a tese de Ledo de que a escolha dos representantes para a constituinte deveria se dar por eleições diretas acabou sendo derrotada. Bonifácio, por sua vez, ocupava cada vez mais espaço no governo de Pedro I. Ao longo do mês de agosto de 1822, o caminho para a ruptura total com Portugal parecia claro. As tropas portuguesas eram consideradas inimigas e os governos de províncias não deveriam dar emprego a nenhum português. A independência parecia inevitável. No fim de agosto e início de setembro, Pedro I viajou pelo país, na tentativa de apaziguar os ânimos entre as elites locais. O objetivo era percorrer algumas regiões e fazer a boa e velha política. Já havia passado por Minas Gerais, pelo Rio de Janeiro, e encontrava-se, por fim, em São Paulo. – 128 –

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Na capital do reino, o conselho de ministros, comandado por José Bonifácio, queria pressa; cada minuto que atrasasse a independência poderia gerar problemas. Por isso, um emissário partiu com as recomendações de Bonifácio para Pedro I. O então regente acabou sendo pego de surpresa, em uma situação pouco nobre. A farda, as condições da comitiva e até o cenário não favoreciam o que chamamos de posteridade histórica. Muitas vezes, a imagem que temos do Grito do Ipiranga é aquela retratada por Pedro Américo, quase 70 anos depois do fato ocorrido. Hoje sabemos, por meio de fontes históricas, que a cena não foi tão triunfante e bela como a pintura retratou. Mas assim se fez a formalização da separação entre Brasil e Portugal. Nas margens do Rio Ipiranga, Pedro I dava o grito que ficou tão famoso, embora seja apenas um pequeno detalhe do que realmente aconteceu naquele período. Por fim, parecia que Pedro I conseguiria apaziguar os ânimos, satisfazendo as duas facções políticas das elites locais, tanto as mais radicais quanto as mais moderadas. Para completar a missão, seria recebido com festa no Rio de Janeiro. Figura 1 – AMÉRICO, Pedro. Independência ou morte, ou Grito do Ipiranga. 1888. Óleo sobre tela, color.; 415 x 760 cm. Museu Paulista, USP.

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No entanto, ainda seria necessário dar uma resposta adequada aos dilemas que o Brasil precisava enfrentar. Que tipo de governo se instalaria? Avançaria a ideia de uma constituição? Quais seriam os limites de poder? E como ficaria a escravidão? Em resumo, que nação estaria nascendo naquele momento? Vejamos mais a seguir.

8.3 Uma nova nação que surge Entender a nação que se constituía em 1822 exige muitas reflexões acerca de nossas raízes e inovações. O Brasil surge em um contexto de transformações globais, de efervescência de ideias, de questionamentos políticos profundos e significativas mudanças econômicas. Uma das primeiras reivindicações da elite local à qual Pedro I teria de se atentar era a manutenção do território brasileiro nos parâmetros de então. O exemplo das colônias espanholas não era muito bem-vindo por aqui, já que a desagregação do território em inúmeras repúblicas parecia gerar uma consequência clara: precipitar o fim da escravidão e do latifúndio. Esse risco as elites brasileiras não queriam correr. Além disso, havia nesses homens alguns resquícios da ideia de um grande império, algo muito forte na cultura política portuguesa. Essa relação com o território explica boa parte da mobilização da elite local em manter a monarquia como sistema de governo, consagrando Pedro I como imperador. Obviamente isso parece um tanto contraditório se pensarmos que um português seria o chefe de uma nação que acabara de se livrar de Portugal. Mas, como sabemos, no processo histórico nem tudo é tão límpido quanto parece. Era necessário fazer de tudo para evitar a desagregação. E, ainda mais importante eram os ecos de revoltas escravas vindas do Haiti, os quais assombravam os senhores brasileiros. Pior do que o risco do fim da escravidão era que esse fim acontecesse pelas mãos dos próprios escravos, escrevendo seu próprio destino. – 130 –

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Apesar da unidade em defender a independência, no plano interno as elites políticas seguiam divididas, e o trabalho de Pedro I não seria fácil. Acertar os ponteiros dessa nova nação iria requerer muita habilidade política e o estabelecimento de um marco decisivo: uma Constituição que estabelecesse um pacto político, contemplando todos e garantindo a ordem que o Império precisava para deslanchar. Em 1823, iniciaram-se os trabalhos da constituinte, cujo texto-base ganhara a alcunha de “Constituição da Mandioca”, devido ao fato de que o sistema eleitoral proposto era censitário, ou seja, definia um critério de renda para o voto. E esse critério era estabelecido justamente pela medida de 150 alqueires de mandioca, para efeitos comparativos. Um dado que sempre devemos retomar é o de que boa parte das ideias que influenciaram a elaboração do projeto dessa constituição derivavam das influências diretas do currículo da Universidade de Coimbra, em especial do curso de Direito. Como nos mostra Carvalho (1980), era justamente essa formação que dava unidade à maior parte das ideias e possibilitava a construção de instituições que atendessem os interesses dessa elite. Estudos recentes como o de Lynch (2014) reiteram a importância desse pensamento político para entendermos a formação institucional do Brasil. Os grupos mais liberais, que chamamos aqui de Partido Brasileiro, lutaram na constituinte para que houvesse a separação dos três Poderes – executivo, legislativo e judiciário –, seguindo os preceitos da época, inspirados na obra de Montesquieu. Como forma de garantir a liberdade política, esse grupo defendia a predominância do poder legislativo sobre o executivo, em que estaria o imperador e seus ministros. Era uma maneira de impedir qualquer chance de despotismo por parte do monarca. Obviamente, Pedro I e o grupo do chamado Partido Português não achavam esse o melhor caminho. Assim, mais uma vez o jovem imperador se aproximara de José Bonifácio, já que suas propostas eram as que não reduziriam o poder real. Cabe dizer que, no geral, as propostas para a Constituição Brasileira ganhavam contornos liberais. O momento não poderia gerar outro efeito. Como vimos anteriormente, a Revolução do Porto deixou marcas no Brasil, e as discussões das cortes haviam gerado uma série de ideias por aqui. Para Pedro I, esse era um processo arriscado. – 131 –

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Em novembro de 1823, o Imperador decide dissolver a Assembleia Nacional Constituinte usando da força militar. Era um claro recado: não aceitaria ter seus poderes limitados por ninguém. Já no ano de 1824, o monarca apresentaria um novo texto constitucional, dessa vez elaborado por um pequeno grupo de sua confiança. Era necessário conjugar a ideia de um governo representativo com o poder monárquico. O início do século XIX havia sido um momento de intensos debates sobre o tema da representação e legitimidade dos governos. Dessa forma, a separação dos três poderes estava clara, mas havia a criação de um quarto poder, o Moderador. Este teria como função garantir a estabilidade do Império. Por meio dele, o Imperador poderia intervir em decisões fundamentais da nação, sob o pretexto de garantir estabilidade, racionalidade e ordem. Por um lado, a Constituição de 1824 tinha características avançadas, apesar de ter sido feita a “portas fechadas” e outorgada. Ela submetia a Igreja ao Estado, instituía um legislativo bicameral, regulamentava o direito ao voto (apesar de censitário, analfabetos poderiam votar). Mas, por outro lado, mantinha toda a estrutura escravocrata no império, mesmo que boa parte das nações já a houvesse abolido e que o Brasil já tivesse sofrido muitas pressões para fazer o mesmo. É muito importante pensarmos o surgimento da nação brasileira, em 1822, como a conjunção de fatores complexos. O primeiro deles, como vimos, é a correlação de forças internas entre as elites e a capacidade de Dom Pedro I de intermediá-las. O segundo, não menos importante, é o caráter econômico. Os dilemas sobre a escravidão e a propriedade da terra eram fundamentais para a decisão de se construir um imenso império ou permitir a fragmentação, como ocorreu na América Espanhola. Outra característica é a centralização de poder. Muitos defendiam que a Constituição deveria garantir uma nação federalista, inspirada no modelo dos EUA, por exemplo. Mas sabemos que venceu a proposta de uma nação onde o poder central é forte, algo que reflete até hoje em nossa cultura política. Tais fatores seriam fundamentais para evitar grandes rupturas e manter a escravidão. E os efeitos ao longo de nossa história são conhecidos. Ainda nos dias de hoje temos vários elementos que podem demonstrar como essa manutenção da escravidão por tempo recorde no Brasil foi decisiva – 132 –

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para muitas de nossas mazelas sociais. Construímos uma sociedade na qual a cor da pele segue determinando posição social, o trabalho braçal é carregado de um olhar pejorativo e um grande abismo continua separando brancos e negros no que tange o acesso à educação e ao mercado de trabalho.

Ampliando seus conhecimentos

Representação na monarquia brasileira (DOLHNIKOFF, 2009)

O excelente texto de Hilda Sabato traz ricas contribuições para se pensar as experiências de representação política do século XIX em países recém organizados a partir de um passado colonial. A análise se concentra na organização republicana, o que obviamente exclui a monarquia brasileira. Mas um exercício interessante, a meu ver, é, apesar das óbvias diferenças entre estas repúblicas e a nossa opção monárquica, procurar traçar algumas semelhanças entre estas experiências. A proposta se justifica na medida que repúblicas e monarquias constitucionais no século XIX eram variações de governos representativos, modelos surgidos na Europa e Estados Unidos na transição do século XVIII e XIX e que tinham em comum o estabelecimento de novas relações entre Estado e sociedade, com a inclusão na participação política de setores antes dela alijados. Neste texto pretendo alinhavar alguns elementos que apontam para o debate no Brasil sobre a construção da relação entre representantes e representados, tanto do ponto de vista da cidadania, como do ponto de vista da normatização das eleições. A análise da cidadania na América hispânica efetivada por Sabato ganha imensa riqueza a partir do pressuposto de que os governos representativos do século XIX não podem ser – 133 –

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examinados sob a ótica das democracias modernas e sim devem sê-lo de acordo com a especificidade do período. Desta forma torna-se possível avaliar a natureza e conteúdo da cidadania e sua importância no jogo político, inclusive tomando em conjunto as diversas experiências republicanas latino-americanas. O mesmo ponto de vista deve ser adotado para o Brasil. A organização da monarquia constitucional seguiu os modelos prevalecentes na época, notadamente a Inglaterra e a França. O que significava, conforme as análises de Bernard Manin, Hannah Pitkin e Giovani Sartori, uma profunda remodelação do Estado, na qual a inclusão de participação não impedia que se constituísse um regime de natureza excludente, uma vez que eram preservados a iniciativa política e o poder decisório nas mãos de determinados grupos. Manin aponta inclusive a escolha de eleições como forma de indicar os representantes como uma opção que visava garantir que apenas uma elite selecionada pudesse efetivamente ocupar os cargos públicos1. Inclusão e exclusão conformaram, portanto, estas experiências e, neste contexto, a construção da cidadania foi um processo pelo qual uma gama de indivíduos passou a gozar de direitos políticos, sem que, contudo, isto tivesse uma perspectiva universalizante como nas democracias modernas. Prevaleceu uma concepção cara ao liberalismo europeu do século XIX de que era preciso garantir a qualidade dos representantes, de modo que homens devidamente qualificados chegassem ao parlamento habilitados para decidir de acordo com os “verdadeiros interesses nacionais”. Um representante de qualidade seria escolhido se o voto fosse exclusivo de eleitores também qualificados. A consequente 1 PITKIN, H. The concept of representation. Los Angeles: University of California Press, 1967; MANIN, B. Los principios del gobierno representativo. Madrid: Alianza Editorial, 1998; SARTORI, G. A teoria da representação no Estado representativo moderno. Belo Horizonte: Edições da Revista Brasileira de Estudos Políticos, Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais, 1962.

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limitação dos setores da população que participariam do jogo político através do voto era tida como virtuosa, da mesma forma que no século XX, inversamente, se considerará virtuosa a expansão deste eleitorado. Por esta razão, no século XIX muitos defendiam a adoção de critérios de limitação da cidadania política, tanto para votar como para ser eleito, fossem exigências censitárias fossem de alfabetização. Era considerado necessário que apenas aqueles com melhor “discernimento” pudessem eleger e serem eleitos, de modo a resultar em um parlamento capaz de formular o “bem comum”. As virtudes que conferiam este “discernimento” poderiam ser a independência material, concretizada pela propriedade ou pela renda, a capacidade intelectual, concretizada pela educação, etc. A preocupação em garantir a escolha de uma elite portadora de virtudes que a diferenciava da massa da população, fosse por sua riqueza, fosse por sua sabedoria, resultou, na Inglaterra e na França, na restrição ao direito de voto e ao direito de ser eleito. Nos dois países o voto era censitário e só proprietários poderiam ser candidatos. Nos Estados Unidos, por outro lado, desde o início os liberais constataram que não era necessário impor restrições legais para votar e ser eleito, uma vez que as eleições por si só garantiriam que apenas uma elite pudesse concorrer aos cargos públicos. Segundo Manin, levou quase “cem anos para que os europeus chegassem a ver esta propriedade das eleições ou, ao menos, que recorressem a ela para assegurar a distinção dos representantes”2, prescindindo assim de regras que limitassem o direito de voto e de ser eleito. As restrições ao direito de voto calcavam-se na diferenciação entre cidadania civil e cidadania política. Como aponta Pierre Ronsavallon ao analisar o caso francês, participar do processo eleitoral não era considerado um direito inerente do indivíduo, 2 MANIN, B. Los principios del gobierno representativo. Madrid: Alianza Editorial, 1998. p. 163.

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mas uma função pública que apenas alguns homens estavam qualificados para exercer. Os direitos residiam no campo da cidadania civil e não da cidadania política. Apenas quando surgiram, no final do século XIX, setores sociais com força suficiente para pressionarem por mudanças é que o voto passou a ser considerado um direito associado à idéia de inclusão social. A concepção de que a participação eleitoral deve se estender a todos, associando representação política com ampla representatividade e inclusão social, foi portanto um fenômeno emergente no final dos oitocentos3. Até mesmo um publicista como José de Alencar, que defendia o sufrágio universal, afirmava: “nenhuma das leis fundamentais dos países representativos garante expressamente o direito do sufrágio como um direito absoluto do cidadão”4. Afinado com o debate sobre representação na Europa e Estados Unidos, Alencar salientava que a cidadania civil era condição do exercício da cidadania política, mas nem todos que gozavam da primeira deveriam ter acesso direto à segunda. O exercício da cidadania colocou problemas semelhantes no Brasil àqueles estudados por Hilda Sabato, uma vez que se tratava também aqui do desafio de construir um governo representativo em um território de passado colonial com profunda estratificação social. E este desafio passou também aqui por definir quem pertencia e quem não pertencia à comunidade política, quem teria o direito de exercer o papel de representante e quem seria representado, enfim, quem seria cidadão. No Brasil é possível identificar as três formas de exercícios da cidadania apontadas pela autora: eleitoral, militar e expressão de opinião pública. No caso da cidadania através da ação militar, ela também se constituiu no Brasil através da Guarda Nacional, nossa milícia cidadã. No que diz respeito à opinião 3 RONSAVALLON, P. La consagración del ciudadano: historia del sufragio universal en Francia. San Juan: Instituto Mora, 1999. 4 ALENCAR, J. de. Sistema representativo. Brasília: Senado Federal, 1997. p. 76.

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pública, a imprensa teve aqui papel similar ao apontado por Sabato na América hispânica, embora ainda esteja para ser estudado no caso brasileiro o papel de associações surgidas da sociedade civil. No que diz respeito à participação eleitoral, a opção pelo voto censitário na constituição brasileira de 1824 estava de acordo com a visão européia de que esta era uma condição para a “boa representação”. Em que pese as restrições, no entanto, o eleitorado brasileiro não estava fora dos padrões da época. No que diz respeito ao universo de votantes, conforme aponta José Murilo de Carvalho, 13% da população total (excluindo os escravos) tinha direito de voto, de acordo com o recenseamento de 1872. Em torno de 1870, na Inglaterra eram apenas 7%, na Itália, 2% e na Holanda 2,5%5. Mas é preciso tomar cuidado com estas comparações. No Brasil as eleições eram realizadas em dois graus (votantes escolhiam eleitores que por sua vez escolhiam deputados e senadores), seguindo o modelo adotado na França revolucionária. Como aponta Rosanvallon, o voto de primeiro grau tem uma natureza distinta do de segundo grau. Só este último é efetivamente uma decisão política, enquanto os votantes de primeiro grau exercem apenas um papel de legitimação do processo eleitoral: “as assembléias primárias não fazem mais que designar os eleitores: procedem somente a uma espécie de legitimação original do procedimento representativo. Porém, as verdadeiras eleições têm lugar em outra parte, nas assembléias eleitorais, as de segundo grau, que só reúnem a centésima parte dos cidadãos ativos”6. [...]

5 CARVALHO, J. M. de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 31. 6 RONSAVALLON, P. La consagración del ciudadano: historia del sufragio universal en Francia. San Juan: Instituto Mora, 1999. p. 174.

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Atividades 1. Entre os antecedentes do processo de Independencia do Brasil, está um processo ocorrido em Portugal: a Revolução do Porto. Destaque os principais fatos desse evento histórico que tiveram efeito direito em nossa Independência. 2. Dois grupos da elite brasileira atuaram firmemente no processo de Independência, um mais liberal e outro mais moderado. Identifique esses grupos, seus principais representantes e quais eram as diferenças de suas ideias. 3. Após a Independência, um grande embate se estabeleceu para a construção da primeira Constituição Brasileira. Com base nisso, aponte: a. O que defendia o Partido Brasileiro para a Constituição? b. Quais os riscos identificados por Pedro I nesse processo? c. Alguns historiadores acreditam que, apesar de outorgada, a Constituição de 1824 apresentou alguns avanços. Quais eram eles? d. Quais a justificativas para a definição de um poder moderador na Carta Constitucional?

Gabarito

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1. O Iluminismo: do velho mundo ao novo mundo 1. O texto se caracteriza por ser iluminista na medida em que faz um apelo a certos valores iluministas, como o da liberdade, que pode ser tanto a liberdade política, de escolha de um governante, religiosa, criticando o catolicismo como uma religião do estado; e de pensamento, apelando para o uso da razão. 2. Ao observarmos o conjunto das ações de Pombal, podemos identificar algumas ações que se enquadram no “espírito” do Iluminismo, como a reforma do ensino em Coimbra, a expulsão dos jesuítas, a flexibilização das leis de pureza de sangue, o término da escravidão em Portugal e da escravidão indígena no Brasil.

Por outro lado, algumas medidas se caracterizam por serem bem conservadoras, como a extrema lealdade ao rei e as ações para o fortalecimento de sua imagem, por exemplo, a liderança máxima e a criação das companhias monopolistas de comércio.

3. a. Proibição do uso da Língua Geral, interesse de reforçar a presença lusitana na colônia, e, por consequência, a figura do rei D. José I. Os povos indígenas que viviam administrados pela Coroa se viram obrigados a adotar cada vez mais os costumes portugueses, em detrimento de seus costumes ancestrais. b. A abolição do trabalho escravo indígena. Pombal imaginava incorporar essas populações à condição de súditos da Coroa, e a condição de livre era para esse intento. Os indígenas que eram escravizados, ou estavam ameaçados de o sê-lo, passaram, em sua maioria, à condição de trabalho compulsório, muito distante da condição de um orgulhoso súdito do rei.

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c. Expulsão dos jesuítas da colônia. Essa ação pretendia tanto modernizar a educação na colônia quanto retirar a população indígena da tutela dos religiosos, passando esse papel a ser feito pela Coroa. Isso resultou na fundação de vilas, mas nem todas prosperaram, pois alguns povos indígenas, devido ao estranhamento dessa nova situação, preferiram abandoná-las e retornar à condição de seminômades.

2. Administração colonial: tensão entre portugueses e brasileiros 1. Uma razão comercial foi o Tratado de Methuen, que proporcionava aos ingleses comercializarem seus tecidos diretamente em Portugal. Além disso, devido às alterações sociais e econômicas vivenciadas na Inglaterra após a Revolução Gloriosa, a industrialização estava num estado bem mais avançado em Portugal, e, como consequência, os preços dos tecidos ingleses eram mais baixos do que conseguiam atingir as manufaturas lusitanas.

A razão militar é que Portugal necessitava da Inglaterra como aliada, pois o reino peninsular não conseguia manter todos os seus interesses e territórios. A simples demonstração dessa aliança evitou uma série de conflitos bélicos para Portugal, que lhe custariam territórios e recursos.

2. Caio Prado Júnior nos apresenta a tese de que o Brasil é um capítulo da História do mercantilismo dos séculos XVI e XVII, e, sendo assim, nossa colonização se deu como planejamento do mercantilismo português, isto é: com o objetivo de fornecer produtos tropicais e consumir produtos metropolitanos.

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Podemos criticar Caio Prado por não dar a devida importância aos circuitos internos de produção, circulação e acumulação, nem ao comércio direto que comerciantes luso-brasileiros realizavam principalmente com os portos africanos.

3. Não. No texto fica clara a presença das lideranças africanas nesse processo. A África nunca foi um continente desprovido de cultura e os reinos africanos, durante a Idade Moderna, dialogaram com as Coroas europeias nas relações comerciais, religiosas e militares. Não podemos pensar nos africanos inertes frente a essas atividades: vários reinos ou grupos armados se fortaleceram nesse comércio, mas com consequências desastrosas para a sociedade e para a economia das populações africanas.

3. Revoltas coloniais: contextos e propostas 1. As tensões entre os senhores e os escravos se evidenciam pelo caráter opressivo dessa relação. A base da escravidão é a violência, pois os escravizados têm por obrigação o trabalho e por motivação a ameaça constante da violência. Mas nenhuma relação tão extensa no tempo e no espaço pode sobreviver somente com a violência, as relações de convivência também se estabeleceram, com diferentes conformações e dinâmicas. Negociar um tempo livre para o trabalho em benefício próprio, ou para exercitar a sociabilidade da dança, da festa, seriam possibilidades conquistadas pelos escravizados ao longo dos séculos de escravidão. 2. Porque ambos os movimentos não pretendiam a ruptura política com a Coroa, não questionavam a vassalagem com o rei de Portugal, apenas pretendiam resolver questões locais, que afligiam interesses de certas elites em determinadas regiões, inclusive apelando para a intervenção do rei. – 142 –

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3. A Conjuração Mineira teve como seus condutores pessoas ligadas à elite da Região das Minas, e as suas motivações estavam ligadas à cobrança de impostos e à perda de sua ação política.

A Revolta dos Búzios foi liderada por pessoas que não faziam parte da elite local, homens livres e pobres que questionavam o poder colonial e se utilizavam de um discurso iluminista de liberdade, embora não o compreendessem tal como os franceses o formularam.



Em relação à punição, percebemos que os negros e mulatos de Salvador sofreram punições mais severas (enforcamento de quatro revoltosos) do que os sediciosos mineiros.

4. Napoleão e a expansão do Iluminismo 1. Quando Napoleão assumiu o consulado e principalmente no período que se autoproclamou imperador, impôs os limites das transformações iniciadas com o processo revolucionário. O radicalismo jacobino foi combatido e os interesses burgueses foram assegurados na França e exportados para o resto da Europa. As guerras, que no início foram para a defesa da França e dos ideais da Revolução, passaram a ser guerras de conquista. Isso levou a experiência francesa a outros reinos, combatendo-se as práticas do Antigo Regime por toda a Europa, até a restauração de 1815, mas que não mais seriam apagadas nas sociedades europeias. 2. Uma das ações relacionadas ao contexto das guerras napoleônicas foi a invasão da Espanha e a substituição da monarquia espanhola pelo irmão de Napoleão. Nas colônias americanas, o clima foi de negação dessa nova realidade, sendo que os cabildos e autoridades peninsulares de governo se recusaram a obedecer ao usurpador, mas, na falta de uma legitimidade peninsular, passaram a desenvolver um governo – 143 –

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autônomo. Esse foi o início de um processo que levou à criação das nações latinoamericanas. 3. A elite colonial, conhecida como elite criolla já controlava a vida econômica das colônias, mas a administração ficava a cargo de agentes vindos diretamente da Espanha. Os administradores deveriam atender aos interesses da Coroa, mas a elite colonial exercia pressão e, principalmente, uma influência econômica sobre esses administradores, para que os interesses criollos fossem atendidos. Somente as camadas mais populares não encontravam espaço de pressão, fazendo com que, no período das revoltas regionais, surgissem várias revoltas populares, as quais causaram grande preocupação para os interesses da Coroa e também para os dos criollos.

5. Uma corte nos trópicos 1. É importante que o historiador, ao analisar Dom João VI, verifique de forma histórica e não anacrônica os desafios colocados. Como sabemos, ele recebeu uma complexa educação para tornar-se um rei absolutista e tinha um grau significativo de domínio político. Sendo assim, é importante que desconfiemos sempre de análises que reduzem um personagem histórico a uma caricatura. 2. A elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal permitiu que o país recebesse uma série de instituições e fosse visto em pé de igualdade, do ponto de vista legal, com a então sede do Império. Dessa forma, Dom João VI resolvia o impasse de gerir politicamente todas as possessões estando em solo brasileiro. Ao mesmo tempo, ele regulamentava uma situação que o deixava mais confortável, tendo em vista os dilemas políticos que se constituíram em Portugal no início do século XIX. – 144 –

Gabarito

3. A abertura dos portos visava instituir novas regras comerciais para que as transações ocorressem no Brasil. Cabe lembrar que até então o país estava dominado pelo pacto colonial, que fazia com que todo comércio ficasse restrito à metrópole. Para a elite local, era um excelente negócio, pois a colocou definitivamente no centro do comércio mundial. Foi um passo decisivo para o fim do pacto.

6. As transformações do Rio de Janeiro: a nova capital 1. Um dos elementos a serem abordados aqui é que havia toda uma expectativa em relação à chegada da corte, já que esta significava para uma série de habitantes da colônia um modelo de hábitos e cultura. Sendo assim, a presença da corte por aqui representava a possibilidade de essa população ter contato com uma gama de hábitos e rituais que até então habitavam apenas seu imaginário. 2. Uma das necessidades nessa época era justamente garantir que os hábitos tidos como coloniais, ou seja, ultrapassados e não condizentes com a época nova que se inaugurava com a presença de Dom João VI e a corte, fosse superada. Isso significava, inclusive, regulamentar formalmente uma série de regras e determinações para garantir que a cidade fosse adaptada a suas novas funções. 3. Com a vinda de Dom João VI a cidade sofreu grandes impactos desde sua estrutura urbana passando por suas instituições culturais. Isso colocou o Rio de Janeiro em um papel ativo na sociedade brasileira e se construiu uma forte representação da cidade como expressão de grande brasilidade, que impera até os dias de hoje. É importante que imaginemos como um processo desse porte pode ser comparado com as transformações urbanas decorrentes de grandes eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas atualmente. – 145 –

Histrória do Brasil: dos tempos do Iluminismo à Independência

7. Elites e povo: laços e distanciamentos 1. Caio Prado Junior, de inclinação marxista, preocupou-se mais com os aspectos econômicos, procurando entender como o pacto colonial determinou o desenvolvimento do Brasil. Já Sérgio Buarque de Holanda procurou oferecer uma visão pautada na cultura, explicando esse processo por meio de conceitos como o patrimonialismo, oriundo da tradição ibérica. 2. a. A formação da elite em Coimbra foi influenciada pelas reformas de Pombal. Uma das preocupações era a de adequar Portugal ao século das luzes em que vivia a Europa, trazendo ideias iluministas para o currículo universitário. Uma das características dessa formação era o jusnaturalismo. b. É possível notar a influência de ideias liberais em vários momentos do século XIX no Brasil, com destaque para a formulação da Constituição de 1824. 3. a. Geralmente os não proprietários de terra submetiam-se aos interesses dos proprietários de terra, seja pelo trabalho, seja por meio de favores políticos. b. Apesar da predominância da cafeicultura e do poder constituído no Rio de Janeiro, havia elites apoiadas em outras atividades econômicas, como a pecuária, e em regiões diferentes do Brasil. Essas elites também foram fundamentais para a construção do Império.

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Gabarito

8. O processo de Independência 1. A Revolução do Porto permitiu a circulação de ideias liberais tanto em Portugal quanto no Brasil. Além disso, acentuou a necessidade do retorno de Dom João VI a Portugal, o que acabou por mobilizar ainda mais as elites brasileiras em busca da independência. 2. O grupo mais conservador, liderado por Bonifácio de Andrade, procurava uma ruptura moderada e uma manutenção de relação com a cultura política monárquica portuguesa. Já o outro grupo, mais radical, liderado por Joaquim Ledo, lutava pela ruptura imediata com Portugal e suas tradições para construir um modelo de governo mais autônomo. 3. a. Um modelo de separação de três poderes, em que o executivo estivesse submetido ao legislativo. b. Tornar-se um monarca sem poderes e, por consequência, decorativo. c. A Carta Constitucional de 1824 instituía a separação de três poderes, o sistema bicameral e a submissão da Igreja ao Estado. d. O poder Moderador era baseado na ideia de que o monarca deveria prezar pela racionalidade, ordem e equilíbrio. Dessa forma, poderia intervir quando a situação política exigisse, como forma de corrigir os rumos da nação.

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