Importa-se de repetir…? Por: Aloísio Maia Nogueira
A
qui há atrasado, fui dos que comprei o DVD que trazia o "Expresso" de borla (ou o contrário, não sei bem). No caso vertente, o filme era o da imagem ao lado, cujo título em português agora não me lembro, mas, como sou poliglota de primeira àgua, isso também não faz diferença por aí além. Enfim, dava-se o caso do filme em questão ser o "Lost in translation", o que dito por mim soa a qualquer coisa com "lóste in transleixão". Tinha apanhado, aqui e ali, algumas referências encomiosas à fita - Festival de Cannes e etc - e como a cavalo dado não se olha o dente, alegremente passou a ser de minha propriedade. Como veio foi como ficou! Embrulhadinho no plástico, à espera de melhores dias. Faço aqui um parêntesis para lavrar um protesto. Não sei de que raio é feito o diabo do plástico com que embrulham CDs e DVDs, mas só podem estar a gozar connosco. Aquilo deve ser feito, de certeza, em alguma liga de titânio, pois, de cada vez que tento ouvir pela primeira vez um disquinho recém comprado é o cabo dos trabalhos. Envolvo-me sempre numa luta homérica para quebrar o dito cujo plástico e só consigo os meus intentos através do manuseio de toda a sorte de armas brancas e instrumentos afiados, com risco da própria integridade física. Já só me falta usar machado. Adiante! O filme andou de Anás para Caifás, aos tombos por aqui e por ali. Foi tirado da caixa e ficou esquecido no meio de uma das cerca de trezentas pilhas de papéis que eu mantenho conscienciosamente desarrumadas à minha volta. Reencontrei-o por estes dias, entre a conta do telefone e outro papelucho que pregava os milagrosos benefícios de uma bugiganga qualquer. Já que estava com a mão na massa e acredito que não se devem menosprezar os pequenos sinais do destino, pensei para mim "É agora!" Lá o vi, com rara atenção. Passa-se o seu enredo no Japão, lugar que é o principal personagem do filme. Distante e diferente como só o Japão consegue ser, aquela maluqueira caleidoscópica japonesa fornece o contraponto ideal para servir de pano de fundo a uma história corriqueira: uma homem e um mulher, cada um com vidas próprias que seguem caminhos absolutamente perpendiculares. Esses caminhos, numa inevitabilidade geométrica, cruzam-se por momentos e os caminhantes ficam suspensos no seu lento caminhar, como que a ganhar fôlego para o resto da jornada. O filme vive da expectativa acerca do que acontecerá aos caminhos: Das perpendiculares resultarão duas linhas paralelas? Os caminhos não podiam ser mais diferentes entre si: o do homem, longo e sinuoso, já povoado de outros viajantes que ao longo do trajecto se foram juntando por esta ou por aquela cumplicidade; o da mulher, ainda curto, fresco e viçoso, onde todas as derivações são ainda possíveis. Chegados à encruzilhada, o que fazer?
A vida é avarenta e poupada em sinais de trânsito, particularmente nas suas encruzilhadas. Parcas indicações nos são fornecidas sobre o melhor caminho a seguir, pelo que a maioria das vezes estamos por nossa própria conta e risco. Por isso são frequentes as colisões. Num tempo de GPS e mapas interactivos, o sistema operativo que temos carregado no nosso disco duro, embora revolucionário ao tempo da sua concepção, nunca foi objecto de nenhum upgrade. O Vida 1.0 ® continua o mesmo desde o tempo das cavernas e a respectiva documentação técnica está escrita em aramaico antigo, o que não facilita nada a tarefa. Vale-nos a existência de algumas traduções meramente empíricas. Mas, a verdade é que em situações criticas, a maioria das vezes, a qualidade da tradução deixa muito a desejar e ficamos a navegar à vista. O jeito é confiar que no final tudo acabe por dar certo ou então não inventar e apostar em comandos suficientemente conhecidos e já testados. Bem sei que isso pode desperdiçar recursos importantes do software, mas, quem pode garantir que não nos perdemos na tradução? E se, onde se lê “passar ao nível seguinte” não for, na versão aramaica original, um simples “delete”. É que estas línguas antigas têm nuances semânticas que não lembram ao careca. Complicado? Não. Na verdade, é até bem simples: O filme é um filme bom. É um filme de quase-amor… O que lhe terá ele segredado ao ouvido? Sábado, 11 de Novembro de 2006 Banda sonora: Jorge Palma – “A gente vai continuar”