LOBO ANTUNES: A ESCRITA E A VIDA ALÊ BRAGION
músico e pesquisador em teoria literária
Eu anuncio um canto novo. Ilhas cantai um canto novo! Profeta Isaías (citado por Lobo Antunes) O mês de julho vivia o seu primeiro fim de semana e a cidade de Paraty recebia – em sua já tradicional festa literária internacional, a FLIP – a discreta visita de um dos maiores prosadores da literatura portuguesa contemporânea: António Lobo Antunes. Vencedor do Prêmio Camões de 2007, autor de 21 romances e um dos prosadores portugueses mais traduzidos no mundo, Lobo Antunes – numa tarde chuvosa – estava de volta ao Brasil pela segunda vez e após 26 anos. Avesso ao burburinho que agitava Paraty, o escritor português chegou a pedir à organização do evento para que fosse transferido a uma pousada mais simples e mais distante do barulho da praça central; e também mais adequada a quem, aos 66 anos, recupera-se ainda de um doloroso tratamento contra um câncer. Recluso e entregue às suas leituras e aos inseparáveis cigarros, o escritor pouco foi visto circulando pelas históricas calçadas de pedra de Paraty. No entanto, silenciosamente preparava-se para oferecer à FLIP (e ao Brasil) lições de vida e de literatura a serem então ministradas em uma coletiva dada à imprensa (na sexta-feira, dia 3) e em uma conferência proferida na noite de sábado, dia 4. Percebendo a vida e a escrita como um jogo de aparências, Lobo Antunes iniciou sua coletiva lembrando que foi justamente um interno de um hospital psiquiátrico (o escritor formou-se em medicina e chegou a exercer a psiquiatria) quem um dia lhe despertou a atenção para o fato de que a aparência das coisas esconde a verdade sobre a constituição dos seres – pois, como vaticinou a ele seu paciente, “o mundo foi feito por detrás”. De tal confissão de um esquizofrênico, Lobo Antunes revelou ter tirado para si a grande lição sobre o que é escrever bem, uma vez que (como acontece na vida), para se escrever bem, “se tem de escrever por trás;” pois o leitor não pode ver as costuras da escrita, não pode ver o reverso do cenário, não pode ver a carpintaria. “Faulkner”, lembrou Lobo Antunes, “é ótimo para um principiante porque está tudo à mostra, todas as dobradiças, todo o reverso do cenário tá ali à mostra. Enquanto com Hemingway, por exemplo, com Scott Fitzgerald, aquilo é tudo feito por trás, é um ovo” – completou o mestre. Fundindo sempre vida e literatura (uma vez que uma está contida na outra), Lobo apontou alguns elementos biográficos que o constituíram e ainda o constituem enquanto escritor (e como ser humano). Neto de brasileiros, criado em Lisboa “à maneira do norte do Brasil”, Lobo Antunes iniciou-se no mundo da leitura por meio dos livros de literatura brasileira da casa de seu avô – tendo lido logo muito cedo Machado de Assis, Aluízio Azevedo, Raul Pompéia, entre outros. Considerando que “a idade adulta não é mais do que infância fermentada”, Lobo Antunes ressaltou a importância da literatura brasileira em sua vida, revelando que a ele “faz muita pena” ver que grandes escritores brasileiros, como Jorge de Lima (que, segundo o mestre, escreveu um dos mais belos poemas da língua portuguesa, “A Invenção de Orpheu”), andam completamente esquecidos. E, deixando de lado o poeta português Fernando Pessoa, afirmou serem Drummond e “Cabral” (João Cabral de Melo Neto) os dois maiores poetas da língua portuguesa do século XX.
Tanto em sua coletiva como na conferência da noite de sábado, ao comentar sobre o exercício da escrita (e da vida), Lobo Antunes reconheceu que escrever (e viver) é algo muito difícil – e que o escritor (como o ser humano) tem de aprender a reconhecer e saber exprimir nos livros a infinita riqueza das pessoas – pois, na vida, toda “experiência é única, sua vida é única, cada mulher é a primeira mulher, cada homem é o primeiro homem, e você tem de ser fiel a si mesmo, fiel a honra de estar vivo”. Por isso, ensinou o mestre, o escritor tem de “inventar um mundo novo” e, por conseguinte, tentar colocar também “todo um mundo dentro das capas de um livro”. Todavia, e em tal jogo de aparências em que as dificuldades da escrita desaparecem por trás da obra realizada, ser escritor – revelou Lobo Antunes – é também uma coisa “muito bela”, pois permite “que a gente se ponha de pé, sobre as patas de trás, e projetemos uma grande sombra”. Assim, disse ele, um livro muitas vezes não é feito a partir das grandes coisas da vida, mas com um material ao qual ninguém dá atenção – uma vez que “a nossa vida é feita de pequenas coisas, e são as pequenas coisas que são importantes: uma lágrima, um gesto, um olhar”, que se perpetuam dentro de cada um de nós e também dentro da escrita. Por isso, sinalizou Lobo Antunes, escrever “talvez seja a única vitória que a gente possa ter sobre a morte”. Na noite de sábado, encerrando seu clico de entrevistas e conferências e emocionando público e imprensa, o mestre lusitano – de olhos marejados – agradeceu aos brasileiros pela receptividade e pelo cuidado a ele dedicado. “O Brasil, para mim, não é um país. O Brasil são cheiros, são aromas, são cores...” – confidenciou Lobo Antunes. “Nunca fui tão bem tratado, Deus vos pague” – agradeceu por fim. Ao passo que, num coro íntimo do mais profundo silêncio, todos os presentes responderam a ele dentro de si: Que Deus pague a você, mestre Lobo Antunes! PROGRAMA EDUCATIVA NAS LETRAS
Sábados, às 10h / domingos, às 21h Rádio Educativa FM 105,9 Mhz www.educativanasletras.blogspot.com
Texto disponibilizado pelo blog da Jacintha Editores http://jacinthaeditores. blogspot.com ago./09
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