Litisconsorcio Ativo Necessario

  • June 2020
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CONSIDERAÇÕES SOBRE O LITISCONSÓRCIO ATIVO NECESSÁRIO Michelle Miranda Perez - Analista Judiciária do TRE/BA; Bacharela em Direito pela UFBA; Pós-graduanda em Direito do Estado pelo JusPodivm/Unyahna.

1. Litisconsórcio. Conceito. Litisconsórcio é a pluralidade de partes no mesmo processo, em um ou ambos os pólos, havendo, portanto, uma cumulação subjetiva do processo. A sua disciplina se encontra nos artigos 46 a 49, do Código de Processo Civil. O litisconsórcio é ativo quando houver mais de um autor, é passivo quando houver mais de um réu e é misto quando houver mais de um autor e mais de um réu. Conforme possam ou não as partes dispensar a formação da relação processual plúrima, o litisconsórcio se classifica em facultativo e necessário. Será facultativo quando, havendo possibilidade de litigar em conjunto, o litisconsórcio se estabeleça por vontade das partes. De outro lado, o litisconsórcio será necessário quando estabelecido por disposição legal ou pela natureza da relação jurídica. O objeto de nosso estudo é a admissibilidade ou não do litisconsórcio quando a necessidade de sua formação ocorrer no pólo ativo da relação processual.

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2. A formação do litisconsórcio necessário no pólo ativo Sobre o litisconsórcio necessário, assim dispõe o artigo 47, do Código de Processo Civil: “Art.47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo. Parágrafo único. O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo.” Quando o litisconsórcio for necessário no pólo passivo, não há maiores problemas nem divergências doutrinárias, já que, caso não seja observado o litisconsórcio na propositura da ação, o juiz ordenará que o autor promova a citação de todos os litisconsortes necessários (artigo 47, do Código de Processo Civil). No entanto, quanto se trata de litisconsórcio ativo necessário, a doutrina se divide e alguns doutrinadores chegam mesmo a defender a inadmissibilidade dessa espécie de litisconsórcio, a exemplo do professor Ernanes Fidélis Dos Santos, que, sustentando vigorar no sistema brasileiro o princípio de que ninguém é obrigado a litigar, como autor, em demanda judicial, entende que, no caso previsto no artigo 10, do Código de Processo Civil, em que um cônjuge necessita do consentimento do outro para propor ações que versem sobre direitos reais imobiliários, tal consentimento é apenas um pressuposto processual, e não uma obrigação de o outro cônjuge ser autor.

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A discussão é ainda maior nos casos em que a lei determina o litisconsórcio ativo necessário e alguns dos co-legitimados se recusam a integrar a relação processual como autores. Como o Código de Processo Civil, em seu artigo 47, utiliza o termo “citação” para o ato de regularizar o processo ante a ausência do litisconsorte necessário, boa parte da doutrina e da jurisprudência tem entendido que só é possível a regularização quando o litisconsorte for ocupar a posição de réu, ao argumento de que citação é o ato pelo qual se chama o réu em juízo para se defender.

Desse modo, concluem pela impossibilidade de chamamento dos

litisconsortes ativos, uma vez que o artigo 47, do Código de Processo Civil, referese a citação, e este ato é incompatível com o chamamento de autores. Esse entendimento é defendido por Humberto Theodoro Júnior, para quem o litisconsórcio ativo necessário sempre decorre de exigência legal, só se aplicando a segunda parte do artigo 47, do Código de Processo Civil (pela natureza da relação jurídica), aos casos de litisconsórcio passivo necessário. Seguindo o entendimento de Celso Agrícola Barbi, o professor Humberto Theodoro Júnior sustenta que, se não observado o litisconsórcio ativo necessário na propositura da ação, não poderá o juiz ordenar a citação dos outros litisconsortes, ao fundamento de que tecnicamente citação significa o chamamento que se faz ao réu para apresentar sua defesa. Ademais, sustenta que ninguém pode ser constrangido a demandar como autor, porque o direito de ação é uma faculdade e não uma obrigação. Outra parte da doutrina assinala que citação significa o primeiro chamamento a juízo de algum interessado na causa. Dessa forma a citação não o

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ato de chamamento do réu, e sim de qualquer interessado, incluindo os litisconsortes ativos, cuja presença seja necessária para integração do processo. Essa segunda corrente doutrinária, à qual se filia o professor Nelson Néri Júnior, aproxima-se do Direito Italiano, em que, na hipótese de não comparecimento dos litisconsortes no processo, o juiz deve “determinar a integração do contraditório”. Desse modo, utilizando um termo mais amplo, o código italiano permite a integração tanto no pólo ativo quanto do passivo. Segundo Nelson Néri Júnior, não há razão para dúvidas acerca da existência do litisconsórcio ativo necessário, e o problema de um dos litisconsortes não querer litigar em conjunto com o outro deve ser resolvido com a citação dos outros litisconsortes para integrar de maneira forçada a relação processual, incluindo-o no pólo passivo, pois o que importa para a lei e para que a sentença seja válida e eficaz é que os litisconsórcios necessários participem da relação processual, não importando em que pólo esteja. Defende ainda o renomado doutrinador que o fato de um dos litisconsortes não querer litigar não pode inibir os outros de ingressarem com a ação em juízo, pois isto ofenderia a garantia constitucional do direito de ação. Nessa esteia, cita como exemplo a hipótese de ação anulação de escritura de compra e venda celebrada por um dos cônjuges, em que o outro cônjuge é litisconsorte necessário. Outra discussão levantada na doutrina e que não pode ser olvidada é a que trava o conflito entre o princípio constitucional da liberdade (art.5º, II) e o princípio da inafastabilidade da Jurisdição (art.5º, XXXV). Isso porque de um lado,

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encontra-se o direito daquele que não quer demandar e de outro, o direito daquele que pretende invocar a tutela jurisdicional. Alguns doutrinadores asseveram que a citação para integrar o pólo ativo da relação processual violaria o princípio da liberdade, porque ninguém pode ser compelido a litigar. Outros afirmam que tal entendimento esbarra no princípio da inafastabilidade da jurisdição, que deve se sobrepor ao princípio da liberdade, já que a lei pode restringir a liberdade, mas não o direito do acesso à justiça, tendo em vista que o referido preceito constitucional não comporta qualquer exceção. Diante de tal polêmica, Barbosa Moreira sustenta a prevalência do princípio da liberdade no exercício do direito de ação, aduzindo que não há como forçar alguém a demandar. Desse modo, aduz que se o litisconsorte ativo necessário se recusar a integrar o processo, o máximo que o juiz pode fazer é ordenar a sua citação, sob pena de declarar extinto o processo. No mesmo sentido leciona o professor Cândido Dinamarco, para quem se um dos litisconsortes ativos necessários se recusar a participar da relação processual, o processo deve ser extinto por ilegitimidade ativa de parte. Para ele, determinar a citação do co-legitimado ativo para vir ao processo figurar como autor, sob pena de revelia, é um enorme absurdo, pois citação se faz a demandados e não a possíveis demandantes. Conclui, assim, que a admissibilidade do litisconsórcio ativo necessário configura-se no caso rigorosamente restrito do sistema, em que, segundo o direito material, cada um dos co-legitimados tenha o poder de opor-se aos resultados desejados pelos outros, ou seja, da legitimidade conjunta para realização do negócio jurídico decorre a legitimidade conjunta para postular em juízo os mesmos resultados que este produziria.

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A jurisprudência de nossos tribunais, ao tratar do tema, demonstra uma preocupação com a preservação do direito de ação em harmonia com outros direitos fundamentais, de modo que há uma tendência em se considerar excepcional a admissibilidade do litisconsórcio ativo necessário. A título ilustrativo, vale destacar o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSO

CIVIL.

LITISCONSÓRCIO

ATIVO

NECESSÁRIO.

EXCEÇÃO AO DIREITO DE AGIR. OBRIGAÇÃO DE DEMANDAR. HIPÓTESES EXCEPCIONAIS. RECURSO PROVIDO. I - Sem embargo da polêmica doutrinária e jurisprudencial, o tema da admissibilidade ou não do litisconsórcio ativo necessário envolve limitação ao direito constitucional de agir, que se norteia pela liberdade de demandar, devendo-se admiti-lo apenas em situações excepcionais. II - Não se pode excluir completamente a possibilidade de alguém integrar o pólo ativo da relação processual, contra a sua vontade, sob pena de restringir-se o direito de agir da outra parte, dado que o legitimado que pretendesse demandar não poderia fazê-lo sozinho, nem poderia obrigar o co-legitimado a litigar conjuntamente com ele. III - Fora das hipóteses expressamente contempladas na lei (verbi gratia, art. 10, CPC), a inclusão necessária de demandantes no pólo ativo depende da relação de direito material estabelecida entre as partes. Antes de tudo, todavia, é preciso ter em conta a excepcionalidade em admiti-la, à vista do direito constitucional de ação.” (Superior Tribunal de Justiça, RESP 141172/RJ, Relator Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Quarta Turma, DJ 13/12/1999)

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3. Considerações finais Após o estudo de diversas posições doutrinárias e seus fundamentos, comungo meu entendimento com o do professor Nelson Néri Júnior, no sentido de que a citação dos litisconsortes ativos necessários deve ser feita para integração no pólo passivo. A meu ver, a participação daqueles que se recusaram a demandar como autores deve se dar no pólo passivo porque a partir do momento em que eles se negaram a litigar como autores, travou-se uma resistência à pretensão dos outros e, por isso, devem ocupar posições antagônicas. Desse modo, se apenas um dos co-legitimados propuser a ação, não poderá o juiz extinguir o processo ao fundamento de ilegitimidade da parte, já que tal falha poderá ser sanada com a integração dos outros co-legitimados no pólo passivo, garantindo a eficácia e validade da sentença, haja vista que todos estarão participando da relação processual. Sendo assim, convenço-me de que o direito de ação daquele que tem seu direito lesado deve prevalecer sobre o direito de liberdade daquele que não quer demandar, pois o artigo 5º, inciso II, da Constitucional Federal, restringe a liberdade ao determinar que seremos obrigados a fazer ou deixar de fazer alguma coisa em virtude de lei. E nesse esteio, o artigo 47, parágrafo único, do Código de Processo Civil, é uma norma que restringe a liberdade, garantindo o direito do colegitimado a buscar a prestação jurisdicional.

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4. Referências DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições do Direito Processual Civil, v.II.

2ª edição. São Paulo: editora Malheiros, 2002.

JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil, v.I. 7ª

edição. Rio de Janeiro: editora Forense, 1991.

NÉRI JÚNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 2ª edição. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 1996. SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual do Direito Processual Civil, v.I. 3ª

edição. São Paulo: editora Saraiva, 1994.

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