CAPITULO I:
DIREITO E JUSTICA NO
“ENCONTRO
DE CULTURAS"
Pós IIª Guerra Mundial: encontro de culturas no lugar do conceito tradicional de descobrimento. Ocorreram varias revisões historiográficas que alteraram perspectivas tradicionalmente aceitas. Abaixo seguem algumas dessas novas perspectivas historiográficas. •
CHANNU. Revisão de teses vigentes em 1950 e 1960. Teria ocorrido uma mudança radical no séc. XVI: culturas que tinham contatos esporádicos (quando tinham) seriam irremediavelmente postas em contato com outras.
O texto vai estudar no âmbito da discussão de encontro de culturas como se deu o encontro de diferentes concepções, princípios, fundamentos e práticas jurídicas na América Colonial. Os povos da América teriam nas suas relações sociais uma esfera da juridicidade, com normas jurídicas especificas? Hegel & Kant. Povos sem escrita não possuíam historia e muito menos direito. No Brasil essa perspectiva foi adotada por Varnhagen, cuja abordagem redundava numa legitimação da incorporação dos indígenas à pratica produtiva (= escravização). Relativismo cultural. Crítica a essa posição por buscar entender na especificidade de cada cultura seus sistemas jurídicos ao invés de buscá-los relacionar com os referenciais ocidentais. • Métodos para executar isso: 1. buscar regras jurídicas das sociedades ágrafas nos textos escritos de outras sociedades; 2. pesquisar sociedades arcaicas ainda existentes. • Limitações dessas técnicas: no 1º método há o problema de analisar uma cultura pelo olhar do outro; na 2ª por quase não mais existirem culturas arcaicas.
Estrutura do texto
1. apresentação das diferentes juridicidades dos “universostempo” 2. cruzamento das juridicidades no contexto histórico americano colonial quinhentista.
Pontos em comum: europeus, indígenas e africanos.
1. APRESENTAÇÃO
Regras jurídicas + moral + religião oficiais concepção integradora. Não se pode querer ver um direito laico nos europeus quinhentistas.
DAS DIVERSAS JURIDICIDADES UNIVERSOS-TEMPO DIREITO LUSO-BRASILEIRO
&
HISPANO-AMERICANO
Direito & História Direito
•
•
•
Direito na Europa: regras de direito romano-germânico em elaboração por consolidações que buscavam conciliar as tendências centrípetas do Estado centralizador com uma tendência centrífuga dos direitos locais. Paises ibéricos: idem, ou seja, buscavam conciliar através de uma ordem jurídica os interesses monárquicos com os das diferentes comunidades locais. Exemplo: Ordenações Afonsinas & Manuelinas. A historia do direito pode ser estudada à luz da historia do absolutistismo: tensão entre a centralização burocrática e a reação particularista dos senhores territoriais, do clero regular e das estruturas corporativas.
FONTES • Direito justianeu: legistas reais • Direito canônico: fundamental para o direito de família • Direitos locais das comunidades: • direito consuetudinário tradicional; • direitos dos forais (importantes para o direito de propriedade); • direito comercial (regras sobre as obrigações e contratos podiam se chocar com os dois anteriores). MATÉRIA Direito privado = família, obrigações, propriedades, sucessões. • Direito de Estado = normas/preceitos processuais civis e penais, direito tributário (embora existam tributos extra-estatais), o que viria a ser direito administrativo e internacional. Conseqüências desse tipo de sociedade estamentalizada sobre o direito: diversidade de fontes divergentes + desigualdade perante a lei de acordo com a condição social do réu, especialmente no direito penal.
ALTAS • • •
•
COMUNIDADES •
•
•
CULTURAS NA AMERICA
Havia multiplicidade de experiências jurídicas devido a sucessivas dominações de povos. FONTES: costumes misturados dos dominados e dominantes, mas que diferiam muito pouco. MATÉRIA: • regras de parentesco; • impedimentos patrimoniais; • determinações sobre: usos de terras, educação de jovens e crimes. ESTRUTURA JUDICIÁRIA: • vários tipos de juizes; • tribunais com atuação originária e recursal; • conselho de justiça com competência recursal. INDIGENAS DO BRASIL COLONIAL
FONTES: • costumes tribais; • decisões dos chefes e/ou conselhos de anciões. MATÉRIA: • regras de parentesco; • regras matrimoniais; • penais; • guerras intertribais. ESTRUTURA JUDICIÁRIA: • julgamento pelo chefe/conselho; • desconhece-se instâncias recursais.
2. CRUZAMENTO
DAS JURIDICIDADES NO CONTEXTO HISTÓRICO AMERICANO COLONIAL
QUINHENTISTA
CRUZAMENTO
DAS
≠
JURIDICIDADES
Versão tradicional: a ordem jurídica dos europeus se sobrepôs totalmente à dos demais povos. CRÍTICAS • América hispânica: pesquisas têm demonstrado que vice-reis das referidas colônias mandavam que se cumprissem determinadas normas jurídicas dos nativos. • Brasil: não tem havido estudos no sentido contrário não tendo se admitido a influência direta de institutos jurídicos indígenas nos portugueses ou na resolução de casos concretos. Apesar da necessidade de realizar estudos profundos sobre a temática, o autor propõe a seguinte classificação.
CLASSIFICAÇÃO • • •
•
DE APLICAÇÃO DAS
≠
JURIDICIDADES
Direito português: regiões de > presença do estado português com sua maquina burocrática. Direito indígena: permanência de costumes jurídicos tradicionais indígenas. Justiça privada: formalmente submetida à tradição jurídica portuguesa, materialmente essas regras jurídicas eram desconsideradas, valendo a lei do senhor. Há que se aventar a possibilidade de grande penetração de costumes jurídicos indígenas, no que pese a influencia destes no vestuário, alimentação, etc. Direito africano: não há estudos que possam garantir a existência de tradições jurídicas oriundas dos costumes africanos; necessidade de estudo.
CAPITULO II: A
JUSTIÇA COLONIAL: FUNDAMENTOS E FORMAS
3 CRÍTICA
VISÕES PARA O ESTUDO DA JUSTIÇA COLONIAL.
LIBERAL
Mundo pré Revolução Francesa: reino de privilegiados/improdutivos que deixavam burgueses empreendedores fora dos centros de decisão. • Fatores de atraso: economia corporativa + excesso de regulamentação mercantilista + desigualdade perante a lei , ou seja, paralisia econômica, baixos investimentos e frágil mercado interno. • Estado e Justiça: seguiam as mesmas valorações: corrupção, desorganização, despotismo e favorecimento. Tais adjetivos também foram aplicados ao estado português na colônia. •
VISÃO
CONSTITUCIONALISTA LIBERAL
Generalizações: identificação de certas categorias universais e a-históricas aplicadas ao Estado e à justiça absolutista acompanhada por iguais valorações condenatórias. • Crítica: essa visão só passou a ser contestada após o desenvolvimento da reação historicista alemã. •
VISÃO
INTEGRADA DO UNIVERSO
Religião e direito: o mundo ainda era visto de uma forma única que integrava religião e direito. A justiça não escapava a essa formulação, sendo considerada pautada pela religiosidade. • Exemplo: a associação entre pecado e crime dá exemplo dessa integração de universo. As Ordenações Afonsinas e Manuelinas, por exemplo, começavam pela tipificação das heresias e suas penas. •
Conclusão: a justiça do Antigo Regime não era burocrática (Weber); não trabalhava com categorias jurídicas cartesianas e auto-referentes; não é leiga nem por sua fundamentação nem pelo direito que aplica.
FUNDAMENTOS JUSTIÇA &
DA JUSTIÇA COLONIAL
ABSOLUTISMO
Justiça: instrumento de consolidação de políticas centralizadoras no fim da Idade
•
Média.
Estado absolutista: necessidade de compreendê-lo nas suas especificidades: não havia divisão de poderes/funções; a justiça também absorvia atividades políticas e administrativas; várias justiças: justiça real, eclesiástica e a Inquisição; direito casuístico: diferentes tradições/experiências jurídicas: romanista, regalista, canônica e consuetudinária. 2 inovações do Estado absoluto: criação de um funcionalismo judicial – burocrático ou não – e um direito real. [contribuição de Weber]. FATORES DA JUSTIÇA COMO INSTRUMENTO • Criação de um funcionalismo +/- especializado • Legislação que pouco a pouco conferia maiores poderes ao rei1 em detrimento dos costumes/direitos locais. Nesse processo de centralização foi-se consolidando a idéia de uma esfera legislativa como sendo própria do poder real. Essa atuação legislativa e judicial do rei era legitimada pela analogia entre poder do príncipe e da divindade. •
• • • •
PODER
REAL
• • •
X
INDIVÍDUOS
Direito real deveria ser limitado por uma ordem divina eterna e imutável. Vontade individual possuía dupla limitação: mera delegação pelo rei,
Contrabalanceando isso: permanência de instâncias tradicionais de poder: senhores leigos e eclesiásticos + privilégios urbanos e corporativos. 1
limitada pelos instrumentos tradicionais que traduziam a essência das coisas: direito natural e divino e o direito costumeiro, fruto das práticas imemoriais de justiça das comunidades. 2 momentos do Estado absolutista: inicialmente era um Estado da justiça e, no sec. XVII, era um Estado de guerra e de fazenda, reduzindo o papel relativo da justiça dentro do aparelho estatal. •
FORMAS
DA JUSTIÇA COLONIAL
PAPEL DO ESTADO EM PORTUGAL & NO BRASIL Situação bem semelhante. Ao Estado cabia administrar a justiça, fazer as leis e fazer com que essas não ofendessem à lei natural ou divina (São Tomás). COMPOSIÇÃO DA JUSTIÇA PORTUGUESA COLONIAL : 1. JUSTIÇA REAL DIRETAMENTE EXERCIDA & 2. JUSTIÇA CONCEDIDA 1. JUSTIÇA REAL DIRETAMENTE EXERCIDA: funções judiciais, de governo e administrativas. Caráter ordinário: áreas civil e criminal • Juízes de fora: atividades judiciais + presidência da câmara municipal + responsabilidades administrativas [supervisão de estalagens e medidas de fomento econômico]. • Ouvidores: tinham essas mesmas atribuições ampliadas para a esfera da comarca + neutralização da clientela e açoitamento por pessoas poderosas + controle sobre povoamento/despovoamento + fomento econômico + realização de obras públicas + supervisão da arrecadação tributária [após séc. XVIII]. • Tribunais da Relação cortes de primeira instância e apelação + consultoria a governadores e vice-reis + definição de limites entre capitanias + sindicâncias policiais em navios. Caráter especializado: justiça militar + juizes especializados na área fiscal e os de águas e matas. • Surgiu com o crescimento/sofisticação do aparelho estatal. • Conseqüências: • O aumento do nº de ofícios e funções da justiça, apesar de feito em nome de uma modernização, fez crescer o patrimonialismo e o estatismo do Estado colonial português. • Aumento do volume de legislação especializada, introduzindo um caráter cada vez mais técnico. • Paradoxo da especialização: porque aumentou os quadros de justiça num momento de redução do papel da justiça no aparelho do Estado? Isso ocorre para garantir duas coisas: Estado conseguir receitas pela venda de cargos e setores da sociedade conseguirem viabilizar alguma ascensão social via preenchimento desses cargos.
2. JUSTIÇA CONCEDIDA: Realizada por delegação real, representava resquícios da justiça senhorial. Na colônia seu correspondente puro eram os donatários reais. Em termos organizacionais eram compostas por justiça eclesiástica e justiça municipal. • Donatários reais: nomeação de ouvidores, meirinhos, escrivães + competência civil de primeira e segunda instâncias[dos juizes e ouvidores] + competência criminal com alçada até de pena e morte em heresias, moeda falsa, traição e sodomia independente da condição social do sentenciado; para escravos, índios e homens livres sua alçada também chegava à pena de morte; para os privilegiados sua alçada era para penas de até 10 anos de degredo mais multas. Justiça eclesiástica: • Matéria: atuavam nos casos em que eclesiásticos eram parte em lides judiciais + matérias de fé + organização da igreja + relações entre Igreja e poder secular + casamento2 +processo eclesiástico + pagamento do dizimo + foro especial dos clérigos + atuação dos párocos e clérigos nos testamentos e sepultamentos, etc. Possuíam também Processo execução próprias: eram próprias, devendo socorrer-se de ajuda da esfera secular quando havia necessidade de medidas coercitivas. Inquisição • Fontes: baseava-se no direito canônico + decretos tridentinos + regimento baixado pelo rei. • Conflito competências: havia conflitos de competências já que sua jurisdição era cumulativa com a secular – por exemplo, no que se refere aos crimes de heresia, apostasia, etc. – e com a eclesiástica. Justiça municipal: referia-se a causas de menor monta. • Matérias: versavam sobre temas cíveis [família, sucessões, propriedade e obrigações] e criminais. Havia a descrição processual e se admitia recursos a outras instâncias. Devem ser consideradas instâncias não estatais de direito como a da justiça privada dos latifundiários, apesar de serem proibidas desde as Ordenações Manuelinas. ; dos indígenas e dos quilombolas. Se considerarmos essas instâncias, verifica-se que a ordem estatal portuguesa exerceu pouco controle no total da população da colônia.
Sobre o casamento dispunham sobre idade, capacidade nupcial, impedimentos, celebrações, matrimônio de escravos, divórcio. 2