Jubileu E Quaresma

  • May 2020
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Jubileu e Quaresma Peregrinação quaresmal no Ano Jubilar Jubileu e Quaresma Livres porque perdoados das dívidas Purificação da Memória em Tempo Quaresmal Um 70 vezes 7 na Quaresma do Jubileu Quaresma: tempo jubilar Peregrinação quaresmal no Ano Jubilar Os fiéis das grandes religiões tais como o Budismo, Xintoísmo, Islamismo, deslocam-se em peregrinação. Mas foi sobretudo o Cristianismo que despertou o velho instinto de nomadismo e atraiu milhões de peregrinos para os lugares da fé. Para o cristão, peregrinar é mudar de vida, converter-se. O tempo que decorre do início da Quaresma até à Páscoa é ocasião propícia para esta mudança. A história do povo de Deus está marcada pela peregrinação. Desde Abraão até aos nossos dias. "Sai da tua terra, do meio dos teus parentes e da casa de teu pai e vai para a terra que eu te mostrar", disse Javé a Abraão (Gn 12,1). E a Moisés: "O clamor dos filhos de Israel chegou até mim, e Eu vi a opressão com que os egípcios os atormentam. Por isso vai, Eu envio-te ao Faraó, para tirares do Egipto o Meu povo, os filhos de Israel" (Ex 3,9-10). A peregrinação têm por objectivo melhorar a vida do homem, desenraizá-lo de situações de mal, mudar-lhe mentalidades e costumes, arrancá-lo da angústia, opressão, miséria. "Eu vi muito bem a miséria do Meu povo que está no Egipto...Desci para o libertar... para o fazer sair desta terra para uma terra fértil e espaçosa, terra onde corre leite e mel" (Gn 3,8-9). Peregrinação e religiões Em todas as religiões e em todos os tempos os fiéis procuram libertação, que é ao mesmo tempo material (procura do bem-estar) e espiritual (aperfeiçoamento interior). Os Egípcios peregrinavam ao túmulo de Osíris em Abydos. Na Índia, consideráveis multidões peregrinam para os dois mil santuários dos altos lugares do Himalaia e das margens do Ganges. Os budistas visitam sempre os lugares de recordação de Buda. Em Meca, os peregrinos muçulmanos cumprem uma das grandes prescrições do islão: peregrinar. Mesmo na China, as montanhas santas de Taichan continuam a ser lugares venerados por milhões de peregrinos. No Japão, os xintoístas fazem peregrinação a numerosos lugares, entre eles, montanhas, fontes e vulcões (Fugi-Yama é o lugar mais sagrado). Mas foi sobretudo o cristianismo que despertou este velho instinto de nomadismo e atraiu milhões de peregrinos para os lugares da fé. Primeiro, para Jerusalém, com o Santo Sepulcro e os lugares onde viveu Jesus. Depois, Roma e Santiago de Compostela, para onde se desviaram os peregrinos cristãos, impedidos de visitar a Terra Santa, após a conquista de Jerusalém pelos sucessores de Omar, em 697. Relíquias e túmulos de santos atraíram multidões a S. Dinis e a São Martinho de Tours. Desde o século XIX, as peregrinações começaram a orientar-se para santuários marianos: medalha milagrosa na rue du Bac, em Paris (1830), La Salette (1846), Lourdes (1858), Pontmain (1871), Fátima (1917). A maior parte das peregrinações tiveram origem em aparições de Nossa Senhora, em tempos marcados pela influência da doutrina de Karl Marx e de Darwin. Todas essas aparições se caracterizam por um apelo da Virgem Maria à conversão, e reafirmam a liberdade e responsabilidade dos homens perante Deus. Por ocasião da celebração dos 2000 anos do nascimento de Jesus, o Papa João Paulo II convoca os cristãos para uma grande festa e incita-os a empreenderem peregrinações de conversão. O ano jubilar é "uma espécie de convite para uma festa nupcial", escreve o Santo Padre. E acrescenta, sublinhando a ideia de unidade cristã que deve caracterizar a peregrinação: "Acorramos todos, vindos das diversas Igrejas e Comunidades eclesiais espalhadas pelo mundo, para a festa que se prepara; tragamos connosco aquilo que já nos une, e o olhar fixo unicamente em Cristo permitanos crescer na unidade que é fruto do Espírito" (Incarnationis Mysterium, n. 4).

Peregrinação quaresmal A peregrinação manifesta um ardente desejo de mudança inerente à espécie humana e revela a sua condição peregrina de ser que se encontra sempre a caminho (homo viator). Peregrinar é passar para a outra margem, para outra cidade; é procurar outra condição de vida; é deixar o passado e projectar-se para a frente; é mudar de vida. A peregrinação tem, por isso, como primeira condição, deixar para trás todos os impecilhos que dificultam a caminhada. Para os cristãos, o maior impecilho é o pecado, ou a condição de homem velho adormecido em situações que o afastaram de Deus. A meta da peregrinação cristã é a celebração da festa da Páscoa, em que o homo viator se encontra recriado e configurado com Cristo ressuscitado. Esta celebração tem um tempo de preparação: a peregrinação quaresmal, ou tempo de conversão. A peregrinação "é exercício de ascese activa, de arrependimento pelas faltas humanas, de vigilância constante sobre a própria fragilidade, de preparação interior para a conversão do coração" (Incarnationis Mysterium n. 4). O arrependimento/conversão leva o cristão a cobrir-se simbolicamente de cinzas no começo da Quaresma. Reconhece assim a sua origem: o pó da terra, que recebeu o sopro vital de Deus Criador. Cobrir-se de cinzas significa renunciar ao pecado de soberba de Adão, que quis ser autosuficiente e rejeitou Deus, para ser senhor de si próprio. Humilhando-se a si mesmo e obedecendo até à morte, Jesus oferece-se à humanidade, pecadora e rebelde, qual fruto de vida pendente de árvore nobre plantada no chão do Calvário, em contraposição à árvore do paraíso onde, na desobediência, Adão quis usurpar a ciência do bem e do mal (Gn 3,5). No processo de conversão, o cristão aceita a lógica de Jesus Cristo enunciada após quarenta dias de jejum: à cobiça de poder, reage com a obediência e a oração; ao desejo desenfreado de ter, responde com um estilo sóbrio de vida, com a solidariedade e a esmola; ao prazer cego e desumanizante, contrapõe o jejum. "Através da vigilância, do jejum, da oração, o peregrino avança pela estrada da perfeição, esforçando-se por chegar, com a ajuda da graça de Deus, 'ao estado de homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo' " (Ef 4,13). (IM, n.7). Na peregrinação quaresmal, o cristão encontra-se com a misericórdia e santidade de Deus. O nosso Deus é antes de mais um Deus de misericórdia que espera longamente à porta de casa pelo filho transviado. Ele deseja ardentemente o nosso regresso, está sempre pronto a perdoar, a fazer de nós homens novos, recriando em nós a Sua imagem e semelhança apagadas pelo pecado. A sua ternura é mais forte que a de uma mãe pelo filho (Is 49, 15), os seus desvelos são tão intensos como os do bom pastor que carrega aos ombros a ovelha perdida (Lc 15,1-7), o seu coração é tão magnânimo como o do pai que acolhe em festa o regresso do filho que andava perdido (Lc 15,11-32). Ao decidir empreender a peregrinação de regresso a casa, o filho pródigo não se deixa dominar pelo medo do pai. "O caminho da conversão supõe vencer o medo de Deus" (D. José Policapo in "Subamos a Jerusalém", p.25, Paulus editora). "Não há pecados sem perdão, não há abandono que não possa ter regresso, não há fraqueza que não possa ser transformada em força, pela graça do Espírito de Deus" (idem). O encontro do amor misericordioso revela ao pecador outro atributo de Deus: a Sua santidade infinita. Por isso, o pecador arrependido sente vibrar no seu coração o convite de Jesus: "Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai que está nos céus". A peregrinação quaresmal é tempo de purificação da memória. Esta consiste em perdoar e receber perdão. O cristão, que experimentou o perdão de Deus, não pode privar os seus irmãos desse mesmo dom. Quem experimenta no seu coração a paz e a alegria da misericórdia de Deus, abre por sua vez o coração e os olhos à caridade para os que vivem pobres e marginalizados.

Quem não perdoa, não pode dormir; e se dormir, só terá pesadelos. Só o perdão pode curar as chagas da mente e do coração. Todos os cristãos precisam de purificar a memória. "Isto requer de todos um acto de coragem e de humildade para reconhecerem as faltas cometidas" (IM 11). O pecado tanto pode ser pessoal como colectivo. Peca a pessoa e peca a Igreja enquanto comunidade de crentes, santos e pecadores. Por isso os cristãos (a Igreja), por causa daquele vínculo que os une uns aos outros dentro do Corpo místico, continuam a carregar "o peso dos erros e culpas dos antepassados". O Santo Padre, na qualidade de Sucessor de Pedro, pede que "neste ano de misericórdia a Igreja, fortalecida pela santidade que recebe do seu Senhor, se ajoelhe diante de Deus e implore o perdão para os pecados passados e presentes dos seus filhos" (IM 11). Uma atitude feliz e corajosa para celebrar pela duo milésima vez a Páscoa de Jesus, que se humilhou até à morte de cruz, para oferecer à humanidade o dom do perdão e do amor de Deus, Pai de misericórdia. Jubileu e Quaresma À primeira vista, há uma ligação imediata entre estas duas realidades - a quaresma e ano jubileu: são tempo de conversão efectiva, tempo de mudança, tempo de prática de obras de misericórdia a preparar um tempo novo, uma vida nova, um mundo novo. São tempos de 'morte', melhor, de morrer para muita coisa, em vista de um nascer de novo, de uma verdadeira ressurreição. Mas a relação entre a quaresma e o ano jubileu é capaz de ser algo mais profundo, mais global e envolvente da espiritualidade e do quotidiano dos cristãos... Hoje, na Igreja, o ano jubileu é uma comemoração - a comemoração da vinda de Jesus Cristo ao mundo. É o aniversário dum mistério, o mistério da Incarnação, o qual, em si mesmo, se anuncia como uma dádiva de amor e de bem para com todos os homens e mulheres que vivem esta existência finita, limitada, marcada por dores, angústias e ânsias de libertação. Ora, o mistério pascal é justamente o da celebração desse Jesus que se deixa aniquilar, que se deixa matar, fiel a um projecto de salvação de tudo e todos. Quaresma e ano jubileu são, assim, tempo de re-centrar a nossa vida em Jesus Cristo e no seu Evangelho. Constituem tempo privilegiado para uma leitura mais assídua e meditada dos evangelhos, para uma maior configuração com a vida e projecto de Jesus, para uma relação mais intensa e pessoal com Deus pela oração. Tempo para descobrir, em Jesus, a humanidade divinizada e a divindade humanizada. São tempo de busca da luz, a luz que nos guia na vigília pascal e nos há-de guiar em toda a vida: Jesus é a nossa luz, só Ele é caminho, verdade e vida. Tempo, pois, de recusa e abandono de todos os ídolos que se queiram converter em absoluto nas nossas vidas. Outro aspecto de profunda conexão entre jubileu e quaresma é o que nos desvenda o ideal e a prática da peregrinação. Quaresma aponta necessariamente para os quarenta anos de peregrinação do povo bíblico no deserto, para os quarenta dias de errância de Jesus também no deserto. A peregrinação a Roma, a Jerusalém, ou a qualquer outro lugar, é também uma nota fundamental do jubileu. Assim como Jesus veio do Pai e para ele regressou, através da sua Incarnação e Ressurreição, assim também a vida do cristão há-de ser uma peregrinação contínua, uma conversão contínua. Tomamos mais consciência de que deus é o único e verdadeiro Senhor do tempo e da história, que tudo vem d'Ele e se encaminha para ele. Isso é motivo de celebração, de festa, de paragem interior e louvor... mas é também compromisso de caminhar em busca de aperfeiçoamento, em busca do limar de todas as arestas que ainda nos impedem de ser santos como Deus é Santo, de ser perfeitos como o Pai é perfeito. Finalmente, parece-me importante destacar um outro nexo entre jubileu e quaresma: a libertação de todas as cadeias de morte que sempre afectam pessoas e sociedades, hoje como ontem. O ano jubileu, que a Bíblia diz celebrar-se todos os cinquenta anos, era uma instituição que, no

seguimento do que se vivia no dia de sábado e no ano sabático (de 7 em 7 anos), servia para práticas autenticamente revolucionárias (mesmo se não temos a certeza de que tudo se fazia como estava prescrito na Bíblia...), tais como libertação dos escravos, possibilidade de regresso ao seu clã/família, perdão de todas as dívidas, recuperação do património pela devolução dos bens aos antigos proprietários, repouso da terra onde os pobres podiam ir recolher do que necessitassem, etc. etc. Todas estas medidas tinham uma intenção: dar a oportunidade a todos de um recomeçar a partir do zero, começar uma vida nova. E é bem uma perspectiva quaresmal: a preparação da ressurreição, a preparação dos 'novos céus e nova terra' pede uma conversão de mentalidades e de atitudes e de estruturas e de leis e de instituições e de costumes que, muitas vezes, matam a vida plena que Jesus quer que vivamos. Reavivar, actualizando, as leis sociais do jubileu bíblico, eis um desafio autêntico para a quaresma: amnistias de vária ordem? Restituição a trabalhadores? Resgate de escravos (como o fez há pouco o Vaticano em relação a jovens da Serra Leoa)? Perdão de dívidas dos países pobres? Mais abertura face a casais cristãos que tiveram que refazer a sua vida? Jesus fez a sua quaresma, os seus quarenta dias no deserto, "cheio do Espírito Santo", acabado de receber o baptismo do Jordão (Luc. 4). Foi esse mesmo Espírito que guiou toda a vida de Jesus para proclamar, viver e estabelecer, de facto, o Reino, o Ano da graça! É esse mesmo Espírito Santo que nos será dado como indulgência maior e nos capacitará para viver todo o ano jubilar em espírito quaresmal, em espírito de renovação das nossas vidas. Com Ele teremos forças no nosso caminhar peregrino, com Ele ousaremos o desprendimento das cargas que nos matam e destroem, com ele ganharemos a coragem para os combates da construção de um mundo mais ao gosto de Deus e do Homem. Livres porque perdoados das dívidas O Jubileu é um tempo de alegria porque é tempo de libertação. Assim foi quando se anunciava que "no quinquagésimo ano será proclamada na vossa terra a liberdade de todos os que a habitam". Era a libertação dos que deixaram de ser livres por não terem meios para viver ou simplesmente porque foram submetidos a essa condição por abuso dos outros. A missão de Jesus enquadra-se nessa linha como Ele o proclamou na sinagoga de Nazaré e, assumida pelos seus seguidores, continua a realizar-se em cada gesto de quem se deixa mover pelo mesmo Espírito. Iniciando a Quaresma, um "tempo favorável e de salvação", pode-se dizer que o seu espírito mais genuíno é a vivência jubilar da libertação, que parte da sua primeira fonte e modelo que é o amor de Deus: inteiramente gratuito, unicamente dom. Apenas uma condição é imposta pelos recebedores: serem perdoados "como perdoamos aos nossos devedores". Isto se passa ao nível interpessoal, mas também ao nível da própria família humana na sua globalidade. Por isso o Papa, na Tertio Millenio Adveniente, indica com clareza que uma das formas de viver o Jubileu passa pelo empenhamento dos cristãos em proporem que ele seja "um momento favorável, entre outras coisas, a uma redução importante ou até ao perdão total da dívida internacional". Verificou-se esse envolvimento, que teve momentos altos nas manifestações por altura da Cimeira do G8, primeiramente em Birmingham e, no passado mês de Junho, em Colónia. O mais importante dos seus resultados não foi a redução conseguida, "migalhas de consolação", mas sim, como diz a Directora da Coligação Jubileu 2000, constatar que "a criação de um novo paradigma económico está surgindo pela crise financeira, por milhões de pessoas que estão fazendo campanha em todo o mundo, por influência dos media e por estrelas do pop e pessoas famosas que reflectem a mudança da forma de pensar do povo." Também entre nós se deram alguns passos: o grupo dinamizador da Campanha pelo Perdão da

Dívida apresentou mais de 100.000 assinaturas, sinal da interpelação que foi para muitos e do envolvimento para alguns. Há agora que continuar a desenvolver uma atitude crítica perante o nosso mundo que se tornou numa aldeia, onde tudo o que é importante também nos diz respeito. Em relação à Dívida Externa há que enquadrá-la na dramaticidade da situação, expressa nos números, contemplada nas imagens dos media, e sentida no corpo e no espírito de tanta gente com quem a nossa vida se cruza no dia a dia: os homens e as mulheres que deixaram as suas terras para aqui tentarem sobreviver. E esses são apenas uma amostra deste mundo cada vez mais perto e ao mesmo tempo cada vez mais contrastante, como nos é mostrado pelo Relatório do Desenvolvimento Humano, segundo o qual os activos das 200 pessoas mais ricas são maiores do que o rendimento conjunto de 41 % da população mundial; onde uma contribuição de 1% dessas 200 pessoas podia prover o acesso de todos à educação primária; onde a distância entre os países mais ricos e os mais pobres, sendo de 3 para 1 em 1820, passou de 72 para 1 em 1992. O apelo à conversão significa dar uma orientação nova às atitudes que não estão em sintonia com o Reino de Deus. Falar do perdão da dívida implicará ultrapassar a atitude simplista de quem diz: "se deves, paga" e passar para uma atitude mais crítica que permite perguntar: "perdoar para quê ?" E nesta fase convém, em primeiro lugar, saber que, ao advogar o perdão, ninguém quer beneficiar os ladrões e os corruptos, mas apenas aqueles que suportam os efeitos negativos de dívidas que não contraíram; em segundo lugar, convencer-se de que o perdão não corresponde a uma esponja passada por sobre os problemas, mas é um processo estruturado de forma a não permitir a repetição do mal cometido; depois importa saber que as disponibilidades liberadas pelo perdão devem ser devidamente monitorizadas por entidades independentes. E, acima de tudo, é preciso acreditar que o perdão dignifica, eleva e liberta a quem o concede. Não tem sentido falar de Jubileu sem a referência à libertação dos cativos de qualquer tipo; fazer um Jubileu para Deus é tarefa completamente inútil, uma vez que foi Ele que o estabeleceu por causa dos seus filhos que quer ver livres e felizes. Diante do mundo desequilibrado e desumanizado e, ao mesmo tempo tão próximo de cada um de nós, uma pessoa não poderá falar de jubileu se alguma coisa não fizer para que este seja um "ano da graça" para aqueles que mais dela precisam. Quase sempre não passarão de coisas pequeninas e insignificantes; mas serão as que estão ao nosso alcance. E desprezar estas possibilidades constitui uma rejeição daquilo que Deus nos oferece como dom. Dizer que estas questões não têm nada a ver com a nossa fé, corresponderá a dizer que Deus não tem nada a ver connosco; deixá-las só para os políticos, significará prova de menoridade e de irresponsabilidade; pensar que devem ser resolvidas só por quem as criou lá bem longe, será pôr-se fora do espírito "católico", isto é universal; lançá-las para fora do nosso mundo religioso será entrar num templo dentro do qual Deus não se encontra. À cultura da marginalização gerada pelo egoísmo e por um sistema que deixa ao mercado estabelecer as regras e hierarquizar valores há que contrapor uma cultura da solidariedade e da responsabilidade. E esta cultiva-se dentro de cada um, mas também na família aberta aos outros, na comunidade feita povo a caminhar com o povo, nas escolas identificadas com o projecto de um mundo novo e fugindo ao risco de se tornarem incubadoras de futuros gestores de um mundo evangelicamente caduco, nos grupos nascidos para ajudarem os outros a serem mais felizes, nas tertúlias daqueles que estão em posse de muito saber e que têm a obrigação de o pôr ao serviço dos outros. A campanha pelo perdão da dívida vai continuar, o problema do comércio internacional está a preocupar mais a sociedade civil (lembre-se o que se passou em Seattle nos últimos dias do milénio), a xenofobia provocará os nossos conceitos e atitudes (veja-se o caso de El Ejido, aqui ao lado), a defesa da vida humana como valor fundamental também nos poderá interpelar (recorde-se a campanha promovida pela Comunidade de Santo Egídio contra a pena de morte), o

relacionamento entre os países do Norte e os do Sul poderá despertar a nossa imaginação e criatividade (não se esqueça que em Portugal funciona, durante este semestre, a Presidência da Comunidade), o problema da guerra e da paz e especialmente o caso de Angola constitui um sério apelo (esteja-se atento, pois vai ser levada a cabo uma campanha de recolha de assinaturas entre as crianças em favor dessa causa). Converter-se ao Senhor quer dizer virar-se para Ele, para o mundo novo que nos é proposto. Virar-se também para o perdão da dívida, a qual constitui um dos ingredientes da confusão na casa dos filhos de Deus. Purificação da Memória em Tempo Quaresmal 1. A purificação da memória na bula "Incarnationis Mysterium" O tema da "purificação da memória" ocorre, na Bula de proclamação do Grande Jubileu do ano 2000 - "Incarnationis Mysterium" - no interior do conjunto dos sinais da celebração jubilar, já anunciados na carta apostólica "Tertio millenio adveniente", e que o Santo Padre de novo recorda. Estes sinais ou sugestões são sobretudo de natureza "penitencial", ou seja, daquela evangélica necessidade de mudança de mentalidade (e que poderíamos designar como a vertente interior, noético-cordial da conversão) e da igualmente evangélica necessidade de mudança de rumo ou mesmo de inversão de marcha, segundo uma metáfora espacial (e que poderíamos considerar como a vertente exterior, visível da conversão e da penitência), como forma de inverter a marcha da história, a muitos títulos um processo de afastamentos e de distanciamentos, a respeito de Deus, do homem e do mundo, fragmentando-se ao infinito. Este processo cósmico e histórico de um universo que se expande e se afasta ao infinito nos dramas (e mesmo tragédias) dos humanos desentendimentos, contradiz a saudade de uma unidade primordial pressentida na memória espiritual da humanidade agora como que esquecida de si, e contradiz sobretudo a lógica da Incarnação que é simbólica da comunhão, já sofrida na agonia do Senhor e na Sua oração pela unidade ("para que todos sejam um só; como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu Me enviaste": Jo 17, 21), e contradiz igualmente a lógica pentecostal do Espírito Santo que congrega a Igreja na unidade e na comunhão -"como se tivessem uma só alma"(Act 2,46) - invertendo e escatologicamente demolindo a lógica babélica do afastamento, onde se pressente o diabolismo que se inscreve na história do "pecado" da humanidade - "mysterium iniquitatis" -, qual mácula original que a acompanha no seu devir. 2. A dinâmica penitencial/quaresmal estruturante do ano jubilar As sugestões do Santo Padre na Bula de proclamação do ano santo evocam as principais acções penitenciais (conversão interior e mudança de rumo existencial), porque o ano jubilar é sobretudo um ano penitencial, de conversão e de mudança, como condição de possibilidade de aceder à alegria da festa da reconciliação, da paz e da unidade. Estas acções penitenciais são todas elas importantes, porque consubstanciam esta dupla dimensão da penitência, como conversão e como mudança, mas sobretudo como reconciliação, e é neste ponto que se dá um perfeita convergência entre espiritualidade jubilar e espiritualidade quaresmal, como facilmente se pode ver. 3. A "purificação da memória" no conjunto dos sinais penitenciais jubilares O Santo Padre evoca, na bula "Incarnationis Mysterium", os principais sinais penitenciais do ano jubilar, nos quais a "purificação da memória" ocupa, na nossa leitura, o lugar central, ou até, para

usarmos uma metáfora musical, constituem uma variação sobre o mesmo tema. Para o mostrar, consideremos analiticamente cada um dos sinais. a) A peregrinação (IM 7) mostra a condição do homem como o ser que se encontra sempre a caminho, 'homo viator', orientado para um fim que é também e ao mesmo tempo o seu princípio e a sua origem fundamental. A peregrinação reconduz o peregrino à memória de si, no caminhar da alma para o reencontro pacificado consigo mesma, ao mesmo tempo que convida à terapêutica do desenraizamento, a fixar-se no que seja essencial na nossa vida, que é uma passagem para a outra margem, um permanente estar em trânsito. E o que é essencial? b) O essencial é o caminho, ou a direcção do caminho, ou a via de acesso ou a porta santa (IM 8) da entrada na meta para onde a peregrinação existencial se orienta. Mas que é memória também de que há caminhos e de que há portas que não conduzem a lugar nenhum e que não dão entrada em parte nenhuma. A "porta santa" é o sinal de passagem também, mas sobretudo de entrada, na cidade de Deus, na terra da promessa... Porta que é estreita e que é alargada... Porta que é Cristo mesmo, de acesso ao mistério de Deus e ao mistério do homem enquanto tal. c) A indulgência/penitência (IM 9-10) é tomada de consciência, a memória interiorizada e celebrada do mistério do pecado na vida dos cristãos, o pecado cuja gravidade consiste no afastamento (revolta, desobediência, indiferença, esquecimento...) de Deus, dos outros, de nós próprios e do mundo. Neste sentido poderá perceber-se melhor, do ponto de vista cristão, a crise ecológica, porquanto, no mundo dos diabolismos e dos afastamentos, a terra deixou de ser habitável... A penitência como mudança necessária de vida, como necessária reparação do mal que cada um de nós na sua vida praticou. A "indulgência" é o perdão da pena temporal merecida pelo pecado e que deve ser cumprida, quer seja no "tempo histórico", quer seja no "tempo intermédio"(purgatório). Trata-se do tempo necessário à reparação do mal causado ao próximo e, por conseguinte, a Deus, porque é com o próximo (sobretudo na sua pobreza e indigência) que o Senhor se identifica. Então a indulgência surge como a sublime manifestação da solidariedade espiritual que caracteriza o mistério da Igreja, a qual, na comunhão dos santos, se oferece para reparar as consequências nefastas do pecado que os cristãos, cada um individualmente, não pode realizar. Neste sentido, mais do que "ganhar" indulgências, deverá falar-se em "pedir" indulgência à Igreja, para que ela por nós repare o mal que nós, pobres pecadores, cometemos. Na indulgência o cristão coloca-se em sintonia com o mistério da comunhão eclesial pedindo à Igreja que se ofereça por ele, e ele mesmo oferecendo-se pelos outros, na celebração deste mistério da humana solidariedade no bem e no mal. Na indulgência que se pede e que se dá, na pobreza de quem sofre e faz sofrer, os cristãos participam no mistério da Igreja que se oferece por cada um de nós, que participamos na graça e no mistério de outros, os Santos, mas sobretudo no mistério da redenção, no qual o Senhor continua a oferecer-Se por aqueles que por si mesmos nada podem. d) É aqui que o Santo Padre insere a "purificação da memória" (IM 11), que é a celebração propriamente dita do perdão, do perdão que se pede, do perdão que se oferece, porque a palavra do perdão só pode ser ouvida, escutada, acolhida. A palavra do perdão ninguém pode dizê-la a si mesmo. O perdão só pode ser dito aos outros e para os outros, ou escutado dos outros e pelos outros. A purificação da memória é o sinal da presença do Espírito Santo, que cura as máculas do coração sem deixar feridas; a memória purificada é condição da reconciliação e da alegria jubilar, porque liberta o homem, liberta o cristão do ressentimento. E aqui tem de novo sentido a indulgência, porque na indulgência, como perdão, implora-se que a Igreja purifique (colocandose em lugar deles) a memória dos que não podem, ou não sabem ou não querem; que ela interceda por aqueles que desejariam ouvir ou dizer a palavra do perdão, que purifica e pacifica o

coração, mas não podem. Ela faz por nós o que nós não podemos fazer. Mas porque a memória é a faculdade da identidade, purificar a memória é redescobrir a identidade, pessoal, social, cultural, e mesmo eclesial, nesta época de esquecimentos e de desencontros. Mesmo se é feita quase de passagem, como um entre tantos sinais, a purificação da Memória aparece como o núcleo essencial do processo de conversão e de mudança, de uma urgência epocal nesta fase de transição e de decadência cultural que nos é dado viver. Mas de uma purificação que não é apenas das sombras (porque purificar não é o mesmo que apagar), mas sobretudo daquela agostiniana confissão da experiência do perdão e da mudança, que só é possível no toque da graça, no toque do Espírito Santo, o único que tem acesso ao interior inefável e misterioso do coração humano. Como confissão, a purificação da memória tornar-se-á um cântico do louvor agradecido, para o recomeço de uma nova etapa da história pessoal e comunitária, porque o que fica para trás passou, o que importa é o que se aguarda, porque o Senhor faz novas (e as renova) todas as coisas (2Cor 5,17-18: '...quem está em Cristo é uma nova criatura...'; Fil 3,12-14: '... esquecendo-me do que está para trás e avançando para o que está adiante...') c) A purificação da memória terá como consequência a caridade (IM 12), sobretudo na sua forma de caridade social (e pastoral e fraterna, e tantas outras formas). A caridade, embora esteja na sua origem, é também consequência do perdão e da reconciliação, da mudança de vida, que reconverte o coração do homem para o próximo, para o irmão que se encontra ao lado. Este talvez seja o maior desafio para as comunidades cristãs, chamadas a ser fermento, oásis de frescura neste deserto histórico das indiferenças, da massificação, do anonimato. d) A purificação da memória passará também pela memória dos mártires (IM 13), que nos remete para a história da santidade, para a história da Igreja que tem nos mártires de todos os tempos, do passado como do presente, os melhores dos seus filhos, que se identificaram com o Senhor no derramamento do seu sangue. A purificação da memória pela evocação do testemunho dos mártires permitirá a redescoberta da unidade reconciliada da vida, na coerência interna da palavra e da acção, da verdade, da liberdade e do amor. g) A Virgem Maria (IM14), aquela que interiorizava no seu coração o que escutava, escuta que é acolhimento do mistério da Incarnação do Verbo de Deus, aquela que é a mãe de Deus, da Igreja e nossa mãe, é o modelo perfeito da vivência do ano jubilar, porque é a figura excelsa da Igreja, dócil acolhimento do Verbo Incarnado e missão de O manifestar, de O dar à luz como redentor do homem. 4. Purificação da memória, espiritualidade jubilar e vivência quaresmal A espiritualidade jubilar, de reencontro e de purificação da memória, adensa-se na espiritualidade quaresmal, pelo que, este ano, a vivência cristã da quaresma assume uma dimensão particular. Se virmos bem, podemos estabelecer sugestivas relações que afinal nos permitem descobrir que por trás de tudo está precisamente o cuidado divino e o cuidado pastoral em restituir, em restaurar (Sto. Atanásio) a imagem de Deus no homem, estragada pelo pecado, também como afastamento e esquecimento de si. A redenção, neste ano jubilar especial e intensamente celebrada, aparece sobretudo como restituição do homem à sua dignidade, entretanto esquecida, não respeitada, destruída. Podemos ilustrar isto com o seguinte quadro, no qual se colocam em relação os temas estruturais da espiritualidade quaresmal e da espiritualidade cristã, fundada trinitariamente, e assim perceber a pertinência e oportunidade de todo o programa de preparação e de vivência do ano jubilar proposto pelo Santo Padre a toda a Igreja: As relações que se estabelecem são as seguintes. Tomando como referência a tentação satânica de Jesus Cristo no deserto, podemos ver nessas tentações a sedução pelo 'carpe diem', em torno do prazer, da honra e do poder, por exemplo, na

tentação e sedução de aparecer permanente sob as luzes da ribalta, de protagonismo, etc., e pela sedução do ter, da riqueza, do uso dos bens, da fruição de si. Aqui está a insinuação diabólica de um modelo de homem conseguido, de homem plenamente realizado... Mas esse não é o caminho que Cristo segue, não é o caminho cristão. Pelo contrário, Jesus contrapõe outro modelo de homem, não do adâmico ou do trágico, mas sim o caminho do servo (Is 52-53), caminho paradoxal do escondimento, da pequenez e da insignificância, representado pelas três respostas de Jesus Cristo a Satanás, aqui sintetizadas em torno da oração, do jejum e da esmola, como caminho outro ou como modelo de um outro tipo de humano que se colhe na atitude de fé (obediência), ou seja, de confiante entrega ao mistério de Deus, que se vive na atitude de esperança (pobreza), segundo a lógica do Espírito Santo, que abre o homem para a perfeição do amor (caridade) do Pai (castidade). Pode ver-se neste quadro o cruzamento da espiritualidade quaresmal, com os conselhos evangélicos, com as virtudes teologais, com os dons do Espírito Santo e, finalmente, como raiz última, com as pessoas da Santíssima Trindade. Por trás, por conseguinte, da espiritualidade cristã (comum, aliás, como único caminho, mas que pode ser percorrido de muitos modos) está o projecto divino do humano, as bases ou alicerces, como que os princípios arquitectónicos de uma antropologia segundo o caminho e o ideal da santidade, que é seguimento e participação no mistério da Santíssima Trindade, o tema por excelência de contemplação e de adoração neste ano jubilar. Das comunidades cristãs em ano jubilar - e, neste ponto espera-se muito sobretudo das comunidades religiosas propriamente ditas, que, segundo a grande teologia da tradição monástica, podem e devem ser consideradas como autênticos laboratórios da existência cristã comprometida na radicalidade do seguimento de Cristo no caminho da caridade solidária, daquele paulino "já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim"(Gal 2,20), - espera-se uma profunda transformação, uma profunda renovação espiritual e apostólica, no sentido de reencontrar-se, se é que se perdeu, aquela atmosfera de acolhimento, de recolhimento, de silêncio, e de alegria cristã que decorrem de uma existência austera e pacificada. Um 70 vezes 7 na Quaresma do Jubileu No percurso do ano 2000, o Jubileu é uma revitalização interior do dia a dia e no Jubileu da Quaresma, que tem início na quarta-feira de cinzas, a 8 de Março, é uma purificação dos obstáculos que pomos a este "ano de Graça" (Lc. 4,19). E o maior obstáculo é o pecado contra Deus e contra o nosso semelhante, que pode tomar o nome de máxima injustiça que sendo contra Deus se repercute nos outros (Mt. 6,9) e que sendo contra os outros se repercute em Deus. O tempo humano está carregado de um dinamismo interior que vem da criação e tem continuidade ascendente até ao fim dos tempos e neste movimento ascensional, o nascimento de Jesus Cristo marca a plenitude do tempo (Gal. 4,4). Neste contexto, o Jubileu é uma actualização da força de plenitude que Jesus Cristo incutiu no tempo, levando-o à sua mais alta perfeição. É pois Jesus Cristo que é o motivo do Jubileu, enquanto lembrança e enquanto celebração. Estas duas faces do Jubileu devem exprimir-se em sinais, gestos e acções concretas e operativas, que essencialmente são estas: a conversão, a penitência, a remissão dos pecados e a reconciliação entre os desavindos. (Cf. TMA, 14). A Quaresma que se aproxima é um tempo propício de perdão e reconciliação que, este ano, participa da grande Graça do ano jubilar. A Quaresma é constituída por duas linhas de força: a memória do baptismo e a prática da penitência a partir da certeza que o próprio justo peca sete vezes ao dia por isso todos precisamos de perdão: receber perdão e conceder perdão.

Nesta situação de vivência quaresmal e jubilar, torna-se então mais urgente o apelo forte que nos vem daquela norma evangélica que constitui, sem dúvida, um ideal elevado que nos é imposto pelo seguimento de Jesus Cristo: "Não te digo que (perdoes) até sete vezes sete, mas até setenta vezes sete" (Mt. 18,22). Esta mesma norma, de espírito novo, é necessária para o cristão ser sal da terra e luz do mundo (Mt. 5,13-14), participando de forma eficaz para transformar a sociedade dos homens. Quem está atento aos sentidos que o mundo toma e é sensível aos valores humanos e à dignidade da pessoa, reconhece que é necessário arrepiar caminho para criar um "mundo novo", com uma cultura de humanismo e de paz e não de materialismo e de violência., como lucidamente se exprime, no âmbito da UNESCO, Frederico Mayor, no seu livro recente "Un Monde Noveau". Há pedras fundamentais na construção de um mundo diferente, mas entre as principais está, sem dúvida, o reconhecer o mal que toma o nome de injustiça, de violência, de agressão e de encantonamento dos mais fracos nas zonas da indignidade. O mal tem sempre uma dimensão social: afecta quem o pratica e a quem o suporta. E é precisamente nessa juntura social que é indispensável o perdão: pedir perdão e conceder perdão, no espírito do ideal das 70 vezes sete, que sintoniza com o objectivo do Jubileu original que era o restabelecimento da igualdade entre todos os filhos de Israel e a saída de si mesmo e da sua instalação para ir em socorro dos mais pobres. Não é situação do passado, nem do século XIX, nem do princípio deste século XX, a fractura entre ricos e pobres. Hoje, essa fractura só tende a aumentar. Num mundo de mais riqueza, há cada vez mais pobreza. E a riqueza existe nos ricos e a pobreza nos pobres. Não são entidades abstractas. Na segunda metade do século XX, o rendimento mundial cresceu sete vezes mais, enquanto o rendimento médio por pessoa só cresceu três vezes mais. Entre 1960 e 1995, os mais ricos tiveram um aumento de rendimento de 70% para 86%, enquanto os mais pobres perderam rendimento de 2,3% para 1,3%. Estes números são o indicativo de que as desigualdades agravaram-se nos últimos anos e elas são causadas pelos pecados dos homens. Será que esta situação ainda desperta, por si mesmo e por forças envolventes, ondas de ódio contra os que possuem bens volumosos? Temos que criar condições para que o ódio e a violência não triunfem nos corações, mas cresça em todos o espírito da paz e do perdão (cf. CA, 27). Isso deve levar a mobilizar os recursos em ordem ao crescimento económico dos fracos e ao desenvolvimento das capacidades dos pobres (cf. CA, 28). O Jubileu é um tempo de espírito e de conversão do coração e de mudança de vida que têm necessariamente origem no perdão que imploramos a Deus e que estamos dispostos a dar, na dimensão do ideal evangélico dos 70 vezes 7. Na verdade o perdão é a grande manifestação do espírito de Deus e é a condição essencial para a construção do mundo novo que é indispensável não só para a felicidade, mas mesmo para a sobrevivência da vida humana. A medida da civilização, da felicidade e da realização plena da pessoa e da sociedade é a medida do perdão. Quaresma: tempo jubilar Preparamo-nos para a celebração do Tempo Santo da Quaresma. O Santo Padre, na sua mensagem para a Quaresma 2 000 - Eu estarei convosco até ao fim do mundo - recorda-nos que a Quaresma do Ano Santo se configura com características específicas: "A celebração da Quaresma, tempo de conversão e de reconciliação, reveste-se dum carácter muito particular neste

ano, porque decorre no Grande Jubileu do ano 2000". E sustenta esta convicção na constatação de que, "o tempo quaresmal constitui o ponto culminante daquele caminho de conversão e reconciliação que o Jubileu - ano da graça do Senhor - propõe a todos os crentes, para renovarem a sua adesão a Cristo e anunciarem com maior ardor o seu mistério de salvação no novo milénio". Neste sentido, o Secretariado Arquidiocesano de Pastoral Litúrgica, sensível ao convite do Santo Padre, procurará promover tudo quanto possa concorrer para a celebração deste "tempo precioso para experimentar a força renovadora do amor de Deus que perdoa e reconcilia". Tendo presentes as propostas sinodais e, na fidelidade às suas funções de "sugerir e promover todas as iniciativas práticas que possam contribuir para os progressos da Liturgia, especialmente para acorrer em auxílio dos sacerdotes que já trabalham na vinha do Senhor" (Instrução Inter Oecumenici, 47; Carta Apostólica Vicesimus Quintus Annus, 21; Carta sobre a Preparação e a Celebração das Festas Pascais, 86), e para que as próximas celebrações quaresmais "se façam com dignidade e devoção" (I.O. 39), o Secretariado está a preparar e disponibiliza a partir do início da próxima semana, policopiados, subsídios para a celebração da Quaresma jubilar. Os ditos subsídios constam de elementos para as celebrações a partir da Quarta-feira de Cinzas e neles consta também um esquema possível de Celebração Penitencial; podem ser procurados na Secretaria Arquiepiscopal ou na "Livraria Diário do Minho". O Secretariado procurará ter sempre presente a nova sensibilidade do nosso tempo, quanto à Quaresma, a partir da sua restauração litúrgica com o Concílio Ecuménico Vaticano II. Relativamente à actual celebração litúrgica da Quaresma, o Vaticano II, na Constituição Sacrosanctum Concilium, no artigo 109, recomenda o seguinte: "Ponham-se em maior realce, tanto na liturgia como na catequese litúrgica, os dois aspectos característicos do tempo quaresmal, que pretende, sobretudo através da recordação ou preparação do Baptismo e pela Penitência, preparar os fiéis, que devem ouvir com mais frequência a Palavra de Deus e dar-se à oração com mais insistência, para a celebração do mistério pascal. Por isso: a) Utilizem-se com maior abundância os elementos baptismais próprios da liturgia quaresmal e retomem-se, se parecer oportuno, elementos da antiga tradição; b) O mesmo se diga dos elementos penitenciais. Quanto à catequese, inculque-se nos espíritos, de par com as consequências sociais do pecado, a natureza própria da Penitência, que é a detestação por ser ofensa de Deus; nem se deve esquecer a parte da Igreja na prática penitencial, nem deixar de recomendar a oração pelos pecadores". Linhas de força da Quaresma Palavra de Deus, actualizada nos ritos sacramentais descobre-nos os objectivos da Quaresma. Objectivo final: Realizar em nós o ritmo de morte/vida da Páscoa de Cristo; dar a morte ao homem velho, para realizar o homem novo segundo o modelo, que é Cristo, o Homem novo segundo o desígnio de Deus. Objectivos imediatos: Tomada de consciência da nossa situação de pecado (pecado pessoal, colectivo, estrutural) endurecimento, incredulidade, insensibilidade -, para chegar à convicção da nossa pobreza, da nossa incapacidade ou dificuldade para "ler" ou '"traduzir" o Evangelho na nossa vida. Como "pecados" específicos anotaríamos: o formalismo, o minimalismo, o legalismo, o literalismo, o dogmatismo, a intransigência, a agressividade, atitudes, comportamentos, que têm as suas raízes, psicológicas, educacionais, sinais de imaturidade, de infantilismo; sinais também de culpabilidade.

- A identidade cristã; o específico cristão. Diferenciação do crente. Motivações, atitudes, comportamentos cristãos. - A iniciação aos grandes sinais bíblico-sacramentais. Problema inquietante, delicado, dada a dificuldade dos nossos contemporâneos "tecnologizados" para perceber, intuir os sinais naturais, base da significação histórico-salvífica. - Conhecimento-fé-adesão a Jesus Cristo, "Servo de Deus", "Único Salvador", constituído "Senhor", que realiza na sua pessoa, na sua existência o Mistério da Páscoa (morte-vida). - Conhecimento-fé-adesão a Cristo, Mestre, caminho, Verdade e Vida, que com as suas obras e seu ensino nos revela e nos dá a razão do Mistério Pascal realizado n'Ele. - Descoberta do Deus revelado em Jesus Cristo, o Deus amor, misericordioso, Deus "Pai", "esposo", "amigo", com entranhas maternais, que toma a sério o homem, valoriza-o, respeita-o, perdoa-lhe, que se "identifica" com o pobre, com o débil... Aspectos a ter em conta Não é permitido o toque a solo de instrumentos musicais; só em acompanhamento do canto. Podem usar-se as Orações Eucarísticas da Reconciliação. O altar não deve ter flores; discrição no adorno em geral. Deve haver uma celebração penitencial. Em vez do Aleluia canta-se outro cântico. Nas férias da Quaresma as memórias obrigatórias tomam-se facultativas. A homilia é recomendada. Secretariado de Pastoral Litúrgica de Braga

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