JUBILEU E CARIDADE-SOLIDARIEDADE Um dia observei um coxo agarrado a umas muletas velhas, caminhado vagarosamente e sob um dos sovacos apertava ainda um pau a que se agarrava um cego; e os dois riam e tagarelavam animados, como se fossem as pessoas mais felizes do mundo. Percebi, assim, que ninguém é tão pobre que não tenha alguma coisa para dar. E que nem é preciso muito para se ser feliz. 1. Fragilizados pelo pecado Até há uns dez anos, o muro de Berlim simbolizava a divisão do mundo. Caiu. Estará o mundo mais unido agora? Tem condições para isso. Os progressos técnicos, sobretudo no campo das telecomunicações, tornaram o longe perto e a Terra transformou-se naquilo a que alguns gostam de chamar a "aldeia global". Mas a esta dita aldeia outros preferem chamar a "sociedade dos dois décimos". Porquê? Porque as forças económicas mundiais estão a pôr em prática a ideia de que num futuro próximo bastará dar emprego a 2% da mão de obra para que se produzam todos os bens necessários. E ainda porque, já agora, nesta dita aldeia, só duas em cada dez pessoas têm condições para uma vida humanamente digna. A globalização está a dar em concentração. Concentração do poder económico, das empresas, dos bancos, das agências noticiosas. A ditadura do capital está a ocupar o lugar da "ditadura do proletariado". Tudo isto mostra que há outros muros, que resistem mais a ser derrubados que o muro de Berlim. Estão na nossa sociedade, estão até dentro de nós. As suas pedras e cimento são o egoísmo, a ganância, a soberba e avidez do poder, etc., numa palavra, aquilo a que se chama "pecados capitais", raízes de todos os outros. São eles que nos dividem e fragilizam. Mas também estes muros hão de cair. 2. Fortalecidos por Deus Este ano jubilar é dedicado à Santíssima Trindade. Meditando neste mistério fundamental da nossa fé, contemplamos esta verdade tão profunda como simples: "Deus é Amor". E esse Amor foi derramado em nossos corações, foinos dado pelo Pai, sem medida, quando nos deu o Seu Filho; e continua a ser-nos dado pelo Espírito Santo, que o Filho nos enviou e envia de junto do Pai. É nos dado sobretudo na Eucaristia. A Eucaristia é Cristo entregue por nós. Ele, sendo rico, fez-se pobre para nos enriquecer a todos com a sua pobreza. Ensinou-nos com o seu exemplo que é melhor dar que receber e que mais importante do que dar coisas é dar-se a si mesmo. A Eucaristia é mistério de comunhão, de comum união. É Deus que se dá às pessoas para que elas façam o mesmo. Deus une-se com todas e cada uma
das pessoas e, assim, n'Ele, faz de todos um só povo, uma só família. Andávamos divididos, andamos divididos, longe de Deus e dos irmãos, mas Deus não se cansa de vir ter connosco e de nos convidar à união: com Ele e entre nós. A desunião enfraquece-nos; recebendo Deus, somos fortalecidos e, na união, na solidariedade, fortalecem-nos uns aos outros. 3. A Igreja como sacramento de solidariedade Cada vez mais a Igreja, lendo e relendo aquilo que o Espírito Santo no Concilio Vaticano II lhe fez ver acerca de si mesma, se descobre como mistério de comunhão. Ela é por desígnio de Deus, e deve sê4o cada vez mais pela vida dos seus membros, espelho que reflecte Deus, imagem de Deus Amor. É por isso e para isso que a Eucaristia é centro da vida da Igreja. Não se vai ou se está sozinho na Missa. Missa bem vivida é aquela para a qual cada um se preparou ao longo da semana praticando a caridade, na qual cada um entra pedindo perdão a Deus e aos irmãos por ter sido egoísta, na qual cada um carrega consigo as alegrias e esperanças mas também as angústias e tristezas dos outros, e da qual todos saem mais unidos para cumprirem no mundo a ordem de Jesus: "fazei isto em minha memória". Isto é o que Jesus fez: a sua entrega por nós. "Isto" é entregam-nos também, fazendo-nos o próximo de quem quer que precise de nós. Há uma outra palavra para dizer comunhão; essa palavra é "solidariedade". É uma palavra constantemente repetida, ao longo dos últimos trinta e tantos anos, desde o Concilio, no ensinamento oficial da Igreja, sobretudo quando se trata de problemas sociais. Solidariedade lembra solidez; de facto, só sendo solidários é que somos sólidos, resistentes ao poder do mal, fortes na fé, na esperança e no amor. Viver a solidariedade na Igreja é cada um pôr ao serviço dos outros os dons recebidos de Deus. Assim, a Igreja será, cada vez mais, uma comunidade de ministérios, de prestação voluntária e gratuita de serviços. Há os serviços ligados com a Palavra de Deus, os directamente relacionados com a Caridade e a Justiça, com a defesa da dignidade humana e dos direitos fundamentais das pessoas, sobretudo das mais débeis e sem defesa, como as crianças, nascidas e por nascer; os idosos, os deficientes, os marginalizados, os refugiados e deslocados de guerra, etc.. E há também a denúncia das injustiças, o fazer campanha por causas nobres e o juntar-se com outros formando associações para a prática da caridade e da justiça. Sim, juntar-se a outros, porque a união faz a força. 4. Ou solidários ou solitários A solidariedade é o alicerce humano da vida cristã; sem ela nada que se pareça com vida cristã se pode construir. Quem puder leia o que dizem as encíclicas sociais dos últimos Papas, sobretudo as de João Paulo II, sobre a solidariedade. De uma delas escolho este pequenino extracto: "A
solidariedade é, sem dúvida, uma virtude cristã. (...) À luz da fé, a solidariedade tende a superar-se a si mesma, a revestir as dimensões especificamente cristãs da gratuidade total do perdão, da reconciliação (...) O próximo, então, torna-se a imagem viva de Deus Pai, resgatado pelo sangue de Jesus Cristo, e tornado objecto da acção permanente do Espírito Santo. Por isso, ele deve ser amado, ainda que seja inimigo". Meditemos também nestas palavras do representante do Papa ao Congresso Eucarístico Nacional, celebrado em Braga no passado mês de Junho:" A opção pelos pobre é o testemunho mais seguro de que tomamos partido pelo Homem. Não simplesmente viver para os pobres, nem mesmo com os pobres, mas viver como os pobres: quem não conhece pessoalmente a mordedura da pobreza arrisca-se a esquecer o seu dever solidário e a adormecer no seu conforto solitário . Que nenhum de nós adormeça no seu conforto solitário!