Jornal Philia 31

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Jornal Informativo de História Antiga

Sumário

3

Pesquisas

4

Entrevista

6

Pesquisas

7

Cultura & Sociedade

A Homophilía na Educação Ateniense

Profª Margareth Bakos revela a recepção de símbolos do Egito Antigo no Brasil

Rituais Fúnebres africanos: um campo de experimentação

O Túmulo de Petosíris: início de um estilo gregoegípcio

Conselho Editorial Prof. Dr. Fábio de Souza Lessa UFRJ Prof. Dr. Alexandre Carneiro Cerqueira Lima UFF Profª. Drª. Ana Lívia Bomfim Vieira UEMA

Pesquisadora Maria de Fátima apresenta os rituais fúnebres dos Dogon na região do Malí, África Muita música, dança e máscaras ajudam a reorganizar as almas e preparar para o local que ele se torna divindade. (Página 6) Face Mask, 19th–20th century Dogon peoples; Mali Wood, palm rib, hide, fiber, pigment. H. 65 in. (165.1 cm) Gift of Lester Wunderman, 1977 (1977.394.39)

Professores e Pesquisadores representam o Brasil no V Colóquio Internacional Mito y Performance: De Grecia a La Modernidad em La Plata, entre os dias 16 e 19 de junho. (Página 2)

Entrevista Página 3

Edição Visual Profª Tricia Magalhães Carnevale

Profª. Margareth Bakos revela o Egito Antigo no Brasil e

Coordenação de Publicações Prof. Ms. José Roberto Paiva Gomes Edição Pesq. Carlos Eduardo Costa Campos

O túmulo de Petosíris traz além dos trechos do Livro dos Portais e do Livro dos Mortos, o cotidiano egípcio e grego, mostrando assim como o universo simbólico egípcio foi influenciado pela presença greco-macedônica. (Página 7).

NEA vai à Argentina

Expediente Coordenação e Direção Profª. Drª. Maria Regina Candido

Tumba egípcia sugere inovação estilística para a civilização Greco-egípcia

fala sobre seu Projeto Africanidades,

Ideologia e Cotidiano. Zeus e Ganimedes. Museu de Olímpia. GR37344

(Páginas 4 e 5)

 - Informativo de História Antiga – Ago, Set, Out de 2009 – Núcleo de Estudos da Antiguidade – UERJ

A História Antiga na América Latina Prof. Ms. José Roberto Paiva Gomes e Pesq. Carlos Eduardo Costa Campos A partir das trocas de amizade (philía) realizadas através das trocas de conhecimentos, que nós crescemos como pesquisadores. Essa é a idéia principal de nossa participação em colóquios internacionais, como os promovidos pela Universidade de La Plata, Argentina no primeiro semestre de 2009. Passamos a conhecer as pesquisas portenãs através da participação de Ana Tobias, coordenadora geral do evento e de Maria Cecília Colombani colaboradora de forma ativa do congresso divulgando os resultados de suas pesquisas pela Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, um local na América Latina responsável por dizer ao Mundo que nós, sul-americanos, estamos produzindo estudos de excelência voltados para a Antiguidade Clássica. A iniciativa do colóquio internacional ratifica e corrobora a possibilidade das interações e trocas nas áreas de diferentes saberes que dialogam com a Antiguidade. A partir do convívio com as pesquisadoras argentinas descobrimos que o mundo da pesquisa de língua espanhola apresenta uma historiografia avançada ao se tratar de apreender e assimilar o novo em termos científicos que vem da Europa ou das línguas anglo-saxãs. Os estudos transcendem o mundo ibérico e se pautam também na cultura grega, com ênfase na mitologia e na filosofia. Ficamos contentes com o convite das professoras em levar ao conhecimento dos alunos e maestros argentinos um pouco de nossa prática de pesquisa em Antiguidade Clássica, expressados principalmente pelas conferências do Prof. Dr. Fábio Lessa de História Antiga (UFRJ) e da Profª. Drª. Maria das Graças Augusto de Filosofia Antiga (UFRJ). Também estamos agradecidos pela aceitação dos trabalhos livres e coordenados pelos integrantes do LHIA e PPGHC/UFRJ - Alexandre Morais, Renata Maia e Pedro Vieira e a professora de História Antiga romana Regina Maria da Cunha Bustamante – e dos pesquisadores do Núcleo de Estudos da Antiguidade representados por sua Coordenadora Geral Maria Regina Candido e pelos pesquisadores e colaboradores José Roberto de Paiva Gomes, Carlos Eduardo Campos, Alair Figueiredo, Alinne Pereira Alessandra Viegas, Renata Renovato e Roger Ribeiro. Estamos preparados para os nossos novos papéis de pesquisadores internacionais e de turistas ávidos por conhecer e entender o outro que está tão perto na produção do saber longe de nós na distancia geográfica. Trocamos bastantes experiências acadêmicas como também de vida, afinal aprender a viver, mesmo que em um curto período de tempo e em outro país seja bem difícil. Deixamos neste editorial registrado a nossa gratidão pelas professoras Ana Tobias e Maria Cecília Colombani em nos receber e acolher em terras argentinas, assim nos fazendo sentir um pouco em casa por intermédio dos jantares, dos passeios e de diversas trocas acadêmicas realizadas.

Prof. Ms. José Roberto Profª. Drª. Maria Regina Prof. Roger Pesq. Alinne Profª. Renata e à frente Profª. Ms. Alessandra e Pesq. Carlos Eduardo

PHILÍA - ISSN 1519-6917

3

 - Informativo de História Antiga – Ago, Set, Out de 2009 – Núcleo de Estudos da Antiguidade – UERJ

A Homophilía na Educação Ateniense Ricardo Almeida de Morais Na busca para entender as relações

esse amante, após este ter passado por

pelas quais um jovem grego passa até

todas as modalidades do saber e do

chegar ao nível de reconhecimento civil

conhecimento, ele se desliga da beleza e

perante a sociedade e toda Pólis, no que

das relações concretas.

tange

à

cidadania

grega,

qual

A base inata

à

desta pedagogia é a descoberta do

metodologia aplicada nesta formação e

“homem dentro do homem”. Foi Platão

qual o objetivo final desta educação.

quem criou e fez possível a existência do

Norteada pelo encontro dos belos na

humanismo

obra o Banquete de Platão.

filosófica consciente, e a obra que se

como

uma

concepção

A compreensão da aceitação da

expõe esse humanismo é o Banquete.

prática da homophilía [amizade entre

Este não se limita apenas a dialética

homens]

repleta de lógicas.

pelos

gregos,

que

é

apresentada através da historiografia.

Indicações para leitura

Através de prática sexuais que podem ser aceitas ou marginalizadas, mediante o comprimento das leis de conduta na formação

do

cidadão grego.

ZÉFIRO E JACINTHO. 211738, New York (Ny), Metropolitan Museum, 28.167

Uma

PLATÃO. O banquete In: Platão. São Paulo: Abril Cultural, 1972 [Coleção os

O

pedagogia que é baseada na pederastia.

documento

que

Platão

nos

Pensadores].

presenteia é o seu mais bem estruturado



diálogo sobre o amor [Eros] ao que é belo.

Por fim, o amante (...) deve se libertar de todos os laços que o mantêm preso a esse amante (...)

A

expressão

homophilía segundo

está a

homoerotismo

sendo

lógica

do

/

empregada

DOVER, K.J. A homossexualidade na Grécia

antiga.

São

Paulo:

Nova

Alexandria, 2007.

entendimento

quanto a uma relação entre iguais, neste

MARROU,

caso homens, aristocratas que buscam

Educação na antiguidade. São Paulo:

uma virtude moral. A obra não é apenas

Editora Pedagógica e Universitária, 1975.

Henri-Irénée.

História

da

um diálogo, mas, sobretudo um duelo de

 Quando os primeiros pelos de um

palavras, entre aristocratas de posição

SARTERC, Maurice. A homossexualidade

reconhecida.

os

na Grécia Antiga. Amor e sexualidade

O

Banquete

entre

helenos é o maior evento onde é

no Ocidente: Horácio Goulart e Suely

jovem ainda estão por vir [erómenos],

aclamada

a

Bastos. Porto Alegre: L&PM, 1992.

escolhe um homem adulto já barbado,

autêntica

arte

sábio

reconhecida

glorificação na poesia e no canto, onde o

[erastés], se juntam para estabelecer

vinho e bebido em conjunto. Que deve

uma

e

de

relação

espécies

de

cidadania de

homophilía,

umas

pederastia/pedagógica

verdadeira

tradição

masculina,

com

da a

ser julgado por Dionísio o qual é evocado como juiz da competição.

relacionadas com o rito de passagem da

Por fim, o amante está livre da

adolescência para a idade adulta. Essa

servidão que o prendia à paixão, a um

conjuntura se relaciona ao banquete de

ser humano mais velho, ao chegar em

Platão onde ocorre o discurso do amor

sua maturidade ele deve se libertar de

ao que é belo.

Prof. Ricardo Almeida de Morais Licenciado em História pela UNIGRANRIO

todos os laços que o mantêm preso a PHILÍA - ISSN 1519-6917

 - Informativo de História Antiga – Ago, Set, Out de 2009 – Núcleo de Estudos da Antiguidade – UERJ

Profª Margareth Bakos revela a recepção de símbolos do Egito Antigo no Brasil Entrevista concedida ao Pesquisador Carlos Eduardo da Costa Campos – NEA/UERJ Philía: Como foi sua trajetória acadêmica? MBakos: O meu mestrado foi realizado, em 1982, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, que lançou o primeiro curso de mestrado no estado do Rio Grande do Sul. Para elaboração da dissertação de mestrado pesquisei, a partir da abolição da escravatura, a história sul-riograndense ao longo do século XIX. O doutorado foi realizado na Universidade de São Paulo (USP), em 1986, com concentração em História Econômica. Para a elaboração da tese, voltei aos arquivos do meu estado, centrando a atenção em um fato sui generis, o continuísmo político ocorrido na primeira metade do século XX: a permanência, ao longo de quarenta anos, de apenas três chefes municipais no governo de Porto Alegre. Este percurso de pesquisa articulou-se com meu ingresso no magistério superior: em 1987, após a aprovação em um concurso para História moderna e contemporânea, fui admitida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), para lecionar História da Antiguidade Oriental. Foi, então, que resolvi fazer um pós-doutorado em Londres (1988), como bolsista do Conselho Nacional de Pesquisas e Desenvolvimento (CNPq). No University College London, aperfeiçoei minha formação em história do Egito, então enriquecida com o aprendizado da escrita hieroglífica na City University. Philía: Qual o espaço de fala sobre História Antiga no Rio Grande do Sul?

PHILÍA - ISSN 1519-6917

MBakos: Aprendi, em meu período de docência na UFRGS, com o exemplo da Profª Loiva Otero Felix, responsável também pela minha aproximação com o grupo liderado pela Profª Neyde Theml, a criadora do Laboratório de História Antiga (LHIA) da UFRJ, e organizadora de seus eventos, atualmente na XIX edição, que esse espaço da área deveria ser aberto com a promoção de eventos porque, aqui, como em outros estados da Federação, o estudo de História Antiga é pouco incentivado. Foi, assim, com esse intuito e com vistas à criação de um espaço de trocas e de atualização, que lancei a Jornada de Estudos de História Antiga. Em princípio, a proposta era instituir um fórum em que os estudantes de História da PUCRS pudessem ter contato direto com pesquisadores em História Antiga brasileiros, suas fontes bibliográficas e conhecimentos advindos de museus e arquivos, visto que muitos deles dificilmente teriam condições de ter esse acesso individualmente. O tom inusitado dos eventos, conferido por sua intenção explícita de valorizar o antigo Egito no seu entorno asiático e africano, suscitou o interesse de alunos dos cursos de História do Rio Grande do Sul e de todo o pais, até mesmo de regiões distantes como o Nordeste. Uma evidência disso foi o que ocorreu na décima edição da Jornada, que contou com o patrocínio da CAPES: a Jornada trouxe da França o papa da egiptomania internacional, Jean Marcel Humbert, e lotou o auditório do Prédio 40 da PUCRS, com um público de mais de quinhentas pessoas. Philía: Qual a sua temática de pesquisa na atualidade? MBakos: Pelas características da minha formação acadêmica, as pesquisas por

mim realizadas sobre Egito antigo tiveram que disputar um espaço em relação a outras obrigações minhas, em relação aos programas de pósgraduação, nos quais sempre fui solicitada a dar aulas e orientações sobre escravidão, abolição e questões de política e urbanização. Somente agora, em 2009, encontrei um viés, muito rico, para problematizar e canalizar minhas experiências e inquietações. Atualmente, desenvolvo um único projeto de pesquisa, intitulado

Africanidades, Ideologia e Cotidiano

(AIC). Pela abrangência da proposta, o projeto abriga problemas discutidos em todas as minhas pesquisas anteriores, e agrega os projetos de todos os meus orientandos atuais e ex-orientandos. O AIC funciona como um grande guardachuva que comporta desde as relações escravistas no Brasil colonial e o cotidiano do poder políticoadministrativo da população gaúcha ao último dos meus projetos pessoais: a egiptomania. A egiptomania é um ramo da egiptologia, situado entre a ciência e a imaginação, pois trabalha com imagens e vocabulários inusitados no Brasil, que remetem a valores e simbologias do Egito antigo. Esse projeto descobriu, pontuou e mapeou a presença do Egito antigo neste país, tema ora abrigado sob o termo atualizado de africanidades (Lei 10.639/03). Os primeiros resultados, alcançados graças ao apoio do CNPq e da FAPERGS, foram publicados em 2004 no livro Egiptomania: o Egito no Brasil, pela ed. Paris, da Contexto. Esse livro traz o mote, que levou à formação do AIC: buscar, na cultura brasileira, como ensina Homi Bhabha, um espaço de entendimento das diferenças sociais. O AIC foi fundado a partir de discussões nascidas em reuniões com meus exorientandos, com destaque para Lucia

 - Informativo de História Antiga – Ago, Set, Out de 2009 – Núcleo de Estudos da Antiguidade – UERJ

Regina Brito Pereira e Arilson dos Santos Gomes que pesquisaram as relações de afro-brasileiros, via suas participações na educação e na política gaúcha, respectivamente. Ainda são membros ativos do grupo: Ana Paula de Andrade Lima de Jesus que defendeu, recentemente a dissertação de bacharelado, Pirâmides do Egito antigo:

imagens do cotidiano brasileiro no séc. XX e XXI, o mesmo feito de Karine dos

Santos que defendeu a dissertação de bacharelado sobre caricaturas com esfinges. Fazem parte ainda do grupo, Márcia Brito que pesquisa sobre, para tese de doutorado, com obeliscos no Brasil, tema em que já obteve o título de Mestre, no Programa de Pósgraduação em História da PUCRS e Gregory Balthazar da Silva, bolsista PIBIC, que desenvolve uma pesquisa sobre Cleópatra VII nesta Universidade. O objetivo de Gregory é apontar o contexto africano da faraona e o vazio historiográfico sobre essa realidade. Este grupo de pesquisa está vinculado à linha de pesquisa Sociedade, Urbanização e Imigração, do Programa de Pós-graduação de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). Philía: Qual a relação entre as pesquisas que coordena e a atualidade? MBakos: Todos os temas do projeto AIC são atuais. Veja-se, por exemplo, o caso de um que parece distante: os hieróglifos egípcios. Ocorre que eles estão de volta ao mundo imagético do cotidiano de nossos alunos, acostumados a acessar a internet, na qual encontram os emoticons, ou transitando em uma cidade, onde os sinais de trânsito e de propaganda incendeiam, a cada minuto, o imaginário com logotipos e siglas novas. Nesse sentido, os hieróglifos são temas para egiptolologia, egiptomania e a egiptofilia. A genial decifração dos hieróglifos por François Champollion ainda trouxe a possibilidade de leitura e compreensão da vida dos antigos egípcios por eles mesmos; a historiografia sobre o Egito antigo, não obstante, ainda está lutando para encontrar as matrizes africanas de sua história, apagadas por uma

historiografia baseada nas fontes grecoromanas. Assim, tanto o AIC, como as Jornadas promovem a idéia de que o ensino-aprendizado da História Antiga deve ser atualizado. Elas recomendam o abandono da visão eurocêntrica, tradicional, conferida ao processo histórico nesse período, e a revisão do lugar que esse olhar tem destinado às sociedades desenvolvidas no continente africano, com ênfase no Egito faraônico.

A egiptomania é um ramo da egiptologia, situado entre a ciência e a imaginação, pois trabalha com imagens e vocabulários inusitados no Brasil, que remetem a valores e simbologias do Egito antigo.

Philía: Como foi a XV Jornada de Estudos do Oriente Antigo, realizada entre os dias 04 e 06 de junho de 2009? MBakos: Para comemorar os seus quinze anos, a XV Jornada, com maior duração e sem interrupção de continuidade no país sobre o tema Oriente Antigo, buscou este ano a parceria com o Instituto Goethe, o que tornou possível a vinda da Diretora do Museu Egípcio de Berlim: Sylvia Shoske. Ela apresentou uma conferência sobre as Pedagogias das Coleções Egípcias. Outras esplêndidas e pontuais apresentações sobre esse tema central foram as de Moacir Elias, diretor do Museu Egípcio do Paraná, e de Klaus Hilbert, do Curso de História e do Museu de Ciência e Tecnologia da PUC/RS. As falas dos convidados que atenderam ao convite da XV Jornada, contribuíram em muito para o alcance dos objetivos da Jornada e a promoção de inúmeros e interdisciplinares diálogos com mundo faraônico, em interfaces entre história, museologia e antropologia. A principal convidada brasileira da XV Jornada foi Profª Drª Maria Regina Candido, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que apontou, com maestria, as ligações

5

entre o mundo mediterrânico oriental e ocidental, através de práticas mágicas. Philía: Qual a sua visão sobre as pesquisas do NEA/UERJ através da Profª Drª Maria Regina Candido? MBakos: A Profª Drª Maria Regina veio como convidada à Jornada, atendendo à sugestão de jovens alunos, que faziam parte da Comissão Coordenadora. Os ecos da sua competência, como pesquisadora, líder de pesquisa e palestrante, já tinham chegado neste rincão. Ela proferiu duas conferências magistrais. A primeira, na abertura do evento, intitulado Vestígios sobre a

cultura material sobre magia: Museu de Kerameikos, e a segunda, Práticas mágicas na Atenas Clássica e ao longo do mar Mediterrâneo. A erudita pesquisadora encerrou com chave de ouro a proposta central da XV Jornada, que, aliás, segue a mesma desde sua primeira edição, em 1995: a preocupação com a compreensão e mapeamento das tradições e ensinamentos do antigo Egito, atualizados pelos gregos e romanos, e chegados ao Brasil, também trazidos pelos africanos, ao longo da colonização portuguesa, visto que eles seguem permanentes, fortes e ativos entre nós, estimulando o estudo sobre os tempos faraônicos no Brasil. As previsões concretizaram-se, e a fala da ilustre pesquisadora, a qual vamos nos esforçar para registrar em Anais confere visibilidade à excelência das pesquisas empreendidas pelo Núcleo de Estudos de Antiguidade da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, por ela criado e coordenado em nível de excelência.

Profª. Drª. Margareht Marchioi Bakos Professora Adjunta na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul onde exerce atividades ligadas ao Ensino e a Pesquisa, junto ao Curso de História e ao Programa de Pós-graduação em História. Doutora em História Econômica Universidade de São Paulo

pela

PhD em História pela University of London PHILÍA - ISSN 1519-6917

 - Informativo de História Antiga – Ago, Set, Out de 2009 – Núcleo de Estudos da Antiguidade – UERJ

Rituais Fúnebres africanos: um campo de experimentação Maria de Fátima do Rosário Na mitologia africana os antepassados que contribuíram com a e não trazerem prejuízo aos vivo, como espalhar sua ira, semeando formação do grupo social ou foram os responsáveis pelo processo de pragas, destruindo colheitas e deixando a família desprotegida. O ritual migrações, algo constante na cultura dos grupos na África antiga. Através fúnebre dos gregos nos chamou a atenção devido à similitudes e de contato com a natureza adquiriram conhecimento das ervas e frutos, diferenças existentes quando comparadas às comunidades africanas. descobriram plantas que serviram de alimento plantas medicinais, os Nos sistema de pensamento dos povos da África o mundo se africanos dominavam as técnicas de metalurgia, e agricultura, divide duas partes uma habitada pelos vivos e outra parte habitada por conhecimentos que definiram o poder de reis dos e sacerdotes. Aqueles entidades sobrenatural: os mortos, os ancestrais, forças em que as que detinham o saber obtiveram o poder logo, após a morte estes homens pessoas buscavam orientação para lidar com o problema do cotidiano através de rituais foram preparados para chegarem ao mundo do (Mello e Souza, 2006). Nessa perspectiva caberia ressaltar que o sobrenatural se tornando divindade e passavam a ser tratados com deuses. conceito integra o campo de experimentação entre gregos e africanos e Segundo Janheinz Jahn (1963, p.238) nos reporta ao mundo da cultura clássica esculturas e máscaras eram confeccionadas com o próprio mundo tradicional o formado para receber os espíritos desses mortos em pela totalidade das sociedades “pré-história momento de invocação. Eram nessas obras africanas”. Nossos ancestrais quiseram que os esculpidas em madeiras que os ancestrais O nosso interesse está nos rituais homens que deixaram esta vida vinham quando evocados no momento do fúnebres dos Dogon um grupo étnico que fossem contados nos números dos ritual. Os mortos através das esculturas e habitam as falésias de Bandiagarra no Mali, deuses. máscaras interagiam com a comunidade por África. O ritual é composto por danças com (Cícero apud Coulanges, 2002: p meio de conselhos, proteção e esperança. As homens mascarados totalizando 22) comunidades africanas acreditavam que das aproximadamente 70 (setenta) máscaras. máscaras os mortos falavam ao ser humano Para os Dogon, a dança constrói uma ligação cuja figura o sacerdote reconhecia. O espírito para o mundo sobrenatural composto de ... do determinado defunto ancestral através da deuses e ancestrais, sem esta relação os maneira peculiar que o dançante e possuído mortos não podem transitar em paz para o Porém esta veneração executavam os movimentos. mundo da divindade e trazer benefícios para jamais se destina a madeira e sim O ritual aos mortos parece ter sido a os vivos. Estes também possuem santuário ao muntu [alma] a que havia prática religiosa mais antiga da terra. Os consagrado aos seus antepassados, neles elegido como sede. (Janheinz Jahn, africanos assim como os homens gregos estão enterrados aqueles que deram origens 1963) adoraram seus mortos. De formas diferentes às quatro tribos que compõe o grupo, outros povos tiveram práticas e rituais sacrifícios de animais são oferecidos neste fúnebres parecidos, fato que possibilita a santuário. comparação. Os deuses eram seus pais, os Como nas demais comunidades antigas chefes dos grupos heróis da comunidade. O homem na sua emoção diante do mediterrâneo como a grega, os Dogon tem como atributo principal o da morte transcendeu, percebeu e sentiu a essência da alma. Ou talvez as culto aos ancestrais através da dança. almas dos mortos fizeram-se percebidas, comunicaram-se... Daí o “A morte foi, pois o primeiro mistério”. A religião dos mortos imaginário da comunidade criar os dogmas e as regras da organização parece ter sido a mais antiga entre os homens (COULANGES, p.22). religiosa, porque o ser humano é um ser essencialmente religioso. Elevou o seu pensamento do visível para o invisível, do transitório para O culto aos ancestrais presentes em diferentes culturas antigas e o eterno do humano para o divino. modernas nos permite efetuar o campo de experimentação, ou seja, a comparação com a sociedade Grega. Os ancestrais gregos tinham suas Bibliografia representações através de túmulos que eram venerados como templo. Fustel de Coulanges em seu livro “A Cidade Antiga” permeia a história da COULANGES, Fustel de. A cidade Antiga. São Paulo/Editora Martin sociedade grega através de seus costumes mais marcando o culto aos Claret, 2002. mortos. Embora tais crenças possam nos parecer muito remota ainda podemos observar os resquícios desses costumes em nossos dias atuais, o JAHN, Janheinz. Muntu: Las Culturas Neo Africanas. México/Editora nosso dia de finados. Fondo de Cultura Economia 1963. Os mortos como nas demais comunidades do Mediterrâneo eram considerados sagrados. De acordo com Fustel de Coulanges havia um altar MELLO e SOUZA, Marina de. África e para o sacrifício (Coulanges, p. 22) os ancestrais recebiam dos vivos toda a Brasil Africano. São Paulo: Ática, 2006. veneração que o ser humano podia ter para com uma divindade a quem cultuavam e temiam. A devoção incluía a obrigação, de oferecer os banquetes fúnebres na qual colocavam em interação os vivos com os mortos. Os alimentos eram levados e colocados sobre os túmulos, os vinhos Graduanda Maria de eram derramados, e por vezes, havia o sacrifício de sangue na quais Fátimado Rosário animais eram degolados. Incisões eram abertas nos túmulos para que vinhos e sangue descessem até os mortos. No imaginário social do grego eles necessitavam dos alimentos para manterem a relação culto benefício Graduanda em Pedagogia pela FEBF/UERJ PHILÍA - ISSN 1519-6917

7

 - Informativo de História Antiga – Ago, Set, Out de 2009 – Núcleo de Estudos da Antiguidade – UERJ

O Túmulo de Petosíris: início de um estilo grego-egípcio Ronaldo G. Gurgel Pereira Petosíris foi o sumo-sacerdote “lesonis”

(administrador)

do

e

templo

dedicado a Thoth em Hermopolis Magna (Tuna el-Gebel). Ele viveu durante o séc. IV a.C., no período que comprendeu o fim da Segunda Dominação Persa e o início do governo macedônio. Seu

túmulo

foi

contruído

na

Fig. 1. A) artesãos egípcios incrustam ouro e prata em leito funerário

B) Detalhe

necrópole de Tuna el-Gebel em um estilo misto

egípcio

e

grego.

Nele

foram

sepultados quatro gerações de

sumo-

sacerdotes de sua família. Cabe aqui observar que um túmulo egípcio possui em linhas gerais quatro funções básicas (1): serve de proteção para os corpos (o monumento em si); local de transformação para o próximo estágio da existência

Fig.2.A) camponeses gregos fazem a colheita

B) Detalhe

(espaço para ritos funerários); local da pósvida (presença de divindades veiculadas às práticas funerárias,“portas falsas”, etc. ); local de memória (espaço próprio para o culto aos mortos, estelas funerárias, etc.). Além de inscrições com trechos do Livro dos Portais e do Livro dos Mortos, o túmulo também retrata cenas do quotidiano. Nessas cenas (2) estão representados os afazeres de egípcios (fig. 1 A e B) e de gregos (fig.2 A e B). Através da análise dessas cenas quotidianas é possível perceber a precocidade e a intensidade do grau de influência que a presença greco-macedônia exercera no universo simbólico egípcio. A inovação estilística do túmulo se faz notar quando comparamos o estilo adotado para representar os gregos. Enquanto as cenas egípcias são retratadas segundo os cânones egípcios tradicionais, as cenas gregas buscam o estilo grego (vide trajes, cabelos e barba). Foi uma inovação sem precedentes até então, mas que iria tornar-se característica da civilização greco-egípica durante os próximos séculos. Notas (1) Um estudo mais aprofundado sobre túmulos egípcios pode ser encontrado em: S.Bickel, La Cosmogonie Égyptienne. Fribourg, 1994. (2) Imagens extraídas de : N. Cherpion et al., Le Tombeau de Pétosiris à Touna el-Gebel, Le Caire, 2007.

Menu, B. L’Élite Provinciale à L’arrivée d’Alexandre: Les inscriptions du Tombeau de Pétosiris in : Égypte, Afrique & Orient, n.6, septembre 1997, 28-30. Cherpion, N. et al., Le Tombeau de Pétosiris à Touna el-Gebel, Le Caire, 2007.

Bibliografia Bickel, S. La Cosmogonie Égyptienne : Avant le Nouveau Empire (Orbis Biblicus et Orientalis 134), Fribourg, 1994.

Prof. Drando Ronaldo G. G. Pereira Doutorando em Egiptologia pela UNIBAS – Basiléia, Suíça Mestre em História Comparada pela UFRJ PHILÍA - ISSN 1519-6917

 - Informativo de História Antiga – Ago, Set, Out de 2009 – Núcleo de Estudos da Antiguidade – UERJ

Normas para Colaboradores - 800 palavras ou 5000 caracteres com espaço. - Resumo (100 palavras ou 800 caracteres com espaço) e palavras-chave. - 2 Imagens com referência. - 1 Foto do autor de rosto. - Fonte: Tahoma 9, espaçamento entre linhas simples. - Bibliografia. - Notas no corpo do texto entre parênteses indicados ao final do texto.

PHILÍA - ISSN 1519-6917

Atividades do NEA A Universidade do Estado do Rio de Janeiro está preparando a sua XVIII Semana de Iniciação Científica (Out.2009) Os pesquisadores do NEA Carlos Eduardo da Costa Campos (PIBIC CNPq) e Alinne Pereira da Costa (PIBIC UERJ), que fazem parte do projeto Cemitério do "Kerameikos: lugar antropológico dos praticantes da magia dos katádesmoi na Atenas do V e IV a.C", desenvolvido pela Profª. Drª. Maria Regina Candido concorrerão pela premiação no evento.

www.nea.uerj.br

[email protected]

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