Jornal Philia 30

  • Uploaded by: Tricia
  • 0
  • 0
  • June 2020
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View Jornal Philia 30 as PDF for free.

More details

  • Words: 4,383
  • Pages: 8
ISSN 1519-6917

Sumário

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA VENDA PROIBIDA

3

Reflexão

4

Imagem e Sociedade

5

Entrevista

6

ANO 11 – MAI/ JUN/ JUL – 2009 – Nº 30

O Patrimônio Cultural do Iraque e a Memória da Mesopotâmia Antiga

Saphos de Lesbos e a História de Gênero

Prof. Dr. Alexandre Carneiro traz o NEREIDA e fala do uso da imagem

Pesquisas

Dama de Elche. Museu Arqueológico Nacional, Madrid

Saphos e Alkaios em uma disputa musical em um simpósio. Munich Antikensammlungen J753.

Hiéra e Sfagia: Rituais de Guerra na Grécia Antiga

Conselho Editorial Prof. Dr. Fábio de Souza Lessa - UFRJ Prof. Dr. Alexandre Carneiro Cerqueira Lima - UFF

Museu do Iraque

Profª. Drª. Ana Lívia Bomfim Vieira - UEMA Expediente Coordenação e Direção Profª. Drª. Maria Regina Candido Coordenação de Publicações Prof. Ms. José Roberto Paiva Gomes Edição Pesq. Carlos Eduardo Costa Campos Edição Visual Profª Tricia M. Carnevale

Sfagia – Perseus esgorjando um cervo. British Museum, London, England.

Busto de Heródoto Agora Museum, Atenas

 - Informativo de História Antiga – Mai, Jun, Jul

de 2009 – Núcleo de Estudos da Antigüidade – UERJ - ISSN 1519-6917

Neste volume do jornal Phília podemos dizer que os assuntos tratados se distanciam, guerras antigas e modernas, mulheres gregas e celtas e divindades gregas; mas podemos aproximá-las no campo da alteridade, no reconhecimento do outro, quando formulamos e temos a capacidade de construir o conhecimento de si. Podemos denominar isso de um estudo etnográfico, o primeiro a caracterizar isso, para o mundo antigo, foi Heródoto quando em suas Histórias utilizando, os princípios de nomos e ethos caracterizando a alteridade grega. Foi a partir das guerras homéricas e médicas que os helenos formaram a sua identidade, a partir da dicotomia “eu”, identidade X “outro”, alteridade. Buscando interpretar essa identidade grega, Alair Figueiredo Duarte identifica que guerras e rituais cívicos, os sacrifícios aos deuses, andam juntos, em uma simbiose. Afinal, a derrota ou a vitória depende, desde o período homérico, do veredicto dos sacerdotes nos rituais de sacrifício com animais imolados, com o objetivo de obter presságios. Outro lugar de excelência para obter presságios era o oráculo de Delfos. A emergência do pensamento racional e da lógica sofista, entretanto, fizeram esses rituais de presságios serem abandonados ou deixados de lado como pré-requisito para o começo ou término de uma guerra. Busca-se somente um culpado, uma explicação racional. Os mesmos princípios que Alexandre, o Grande, quando teve contato com a cultura persa e a sociedade de Dario. Com pretensões claras de estabelecer o pan-helenismo, o rei macedônico relativiza a alteridade persa e procura entender seus costumes e tradições, procurando unir duas culturas ´civilizadas´ da Antiguidade. Com o incidente do incêndio do palácio do rei Dario, restabelecendo sua sophrosine, Alexandre determina a preservação dos costumes persas e, por conseguinte dos mesopotâmios, seus antecessores. Podemos dizer que o rei macedônio foi o precursor do fenômeno da globalização e que observa a cultura como a impulsionadora do que é ser civilizado.

Posicionamento que Kátia M. Paim Pozzer não observa no mundo pós-moderno, com relação aos mesmos objetos que outrora, a política macedônica preservará. Em razão das guerras modernas e a destruição do outro, daquele que precisa ser punido, em nome da ´ civilização’. O grande legado cultural dos mesopotâmios, e dos próprios iraquianos modernos, esta desaparecendo com o roubo dos vestígios arqueológicos em meio as lutas por poder econômico entre Ocidente e Oriente no século XXI. Estabelecer laços de hospitalidade e amizade foi um dos princípios que Safo de Lesbos estabeleceu quando desenvolveu o circulo de jovens meninas em Mytilene, atraindo moças de diferentes lugares, inclusive da Ásia Menor. Esses princípios de fidelidade e de integração social formulado pelas famílias aristocráticas e entre o masculino e o feminino aparecem na Atenas Clássica como eixo das festividades cívicas. A abordagem da Arqueologia de Gênero, utilizada por Maria Regina Candido, com relação ao estudo das imagens em artefatos cerâmicos estabelece Saphos de Lesbos sendo re-apropriada pelos atenienses como uma simposiasta, integrada e atuando socialmente em favor da sociedade políade. Os estudos de Gênero também serão a preocupação de Pedro Peixoto, mas com correlação a sociedade celta, cuja participação feminina se demonstra mais ativa. As mulheres ou as deusas celtas não serão silenciadas como as gregas de um modo geral. Assim novamente a identidade masculina necessita da alteridade feminina para existir e adquirir poder e se fazer representar socialmente. Essa retomada das imagens antigas como objeto de pesquisa é o foco principal das reuniões do grupo de pesquisa do CNPQ intitulado NEREIDA (homenageando as filhas do deus marinho Nereu). Estabelecer a representação das imagens dos artefatos cerâmicos greco-romanos é a intenção do grupo. Identificar a espacialidade e a identidade das sociedades antigas nos aparece como um caminho para fugir da “ditadura” do texto, e o único modo de compreender as sociedades antigas. O estudo das imagens como prática interdisciplinar em conjunto com o texto, nos possibilita desenvolver novas problemáticas e hipóteses de trabalho. Assim a imagem se estabelece como documentação histórica.

Prof. Ms.José Roberto de Paiva Gomes Editor – Philia e NEARCO (NEA/UERJ) Mestre em História Comparada pelo PPGHC/UFRJ

02

 - Informativo de História Antiga – Mai, Jun, Jul

de 2009 – Núcleo de Estudos da Antigüidade – UERJ - ISSN 1519-6917

Katia P ozzer

A representação plástica mais antiga de um rosto feminino, feita em mármore e datada de 3.000 a.C., aproximadamente, procedente de Warqa, foi recentemente recuperada pela Interpol.

Proponho aqui algumas reflexões sobre a memória da Mesopotâmia, através da terrível destruição do patrimônio histórico daquela civilização, ocasionada pela invasão e pela guerra no Iraque. E, assim, darnos conta do imenso e cada vez maior poder de destruição do ser humano e da sua própria história. Os eventos históricos

e

as

os tempos. O atual Iraque, principal território da antiga Mesopotâmia tem 11.000 anos de história e cerca de meio milhão de sítios arqueológicos, destes

saqueados em ações semelhantes as de Bagdá, simultaneamente no norte e no sul do país. Além do roubo dos objetos, estimados em 170.000, foram levados e/ou destruídos os fichários

25.000 são considerados de maior importância, tendo sido ''apenas'' 10.000 escavados regularmente. O país possu i, ainda centenas de museus e bibliotecas. E todo este patrimônio vem sendo saqueado e destruído desde a ''Guerra do Golfo'' em 1991, quando uma primeira lista de objetos roubados foi estabelecida em mais de 4.000 peças.

dos acervos destes museus, inviab ilizando a possível identificação das peças e seu museu de origem e facilitando o tráfico internacional de antigüidades (http://www.theart newspaper.com/iraqmus/index.html). Soma-se à isto, o saque sistemático aos sítios arqueológicos em todo o território. Num país sob um duríssimo embargo comercial há mais de 10 anos, com um empobrecimento considerável da população, em meio à uma invasão por exércitos

Outro importante objeto roubado, e ainda desaparecido, é esta placa circular de argila, com uma provável representação da deusa Ištar, escavada no sítio arqueológico de Mari e datada do final do II milênio a.C.

vicissitudes humanas advindas da guerra são reincidentes na história. Um velho rei traído por um colaborador, que acaba retirando-se do poder e dando lugar ao usurpador; um político rebelde e arrogante que quer a guerra a qualquer preço; um capitão corajoso, forjado em combate, que vê a guerra como o pior dos males e soldados mercenários, sem escrúpulos, são traços e personagens que existiram na

O saque e a destruição perpetrados contra o Museu do Iraque, em Bagdá, em 2003, foi um ato realizado por contrabandistas profissionais, fortemente armados, ligados à máfia internacional de antigüidades. Estima-se que cerca de

Antigüidade e existem nos dias de hoje.

12 mil objetos foram roubados somente naquela ação e as tropas de

A guerra no Iraque, empreendida pela coalizão coordenada pelos governos inglês e norte-americano (gestão Bush pai e filho) com a finalidade de controlar uma das regiões do planeta mais ricas em

ocupação, apesar dos insistentes e desesperados apelos da direção do museu, nada fizeram para proteger ou impedir tal ato de barbárie (http://icom.museum/iraq.html). Sabemos que este massacre foi

petróleo e água, deflagrou uma, senão a maior, catástrofe cultural de todos

realizado em âmbito nacional, isto é, vários museus e bibliotecas foram

estrangeiros, num cotidiano de violência, com atentados à bomba diários, a luta pela sobrevivência também passa, infelizmente, pelo saque de sítios arqueológicos de reconhecido valor internacional, pois a venda de um pequeno objeto pode representar o alimento para toda uma família por várias semanas... Diante desta terrível realidade, pesquisar sobre a memória da Mesopotâmia antiga é missão urgente e necessária!

Profª Drª Katia Pozzer Licencidada e Mestre em História pela UFRGS e Doutora em História pela Université Paris 1 PanthéonSorbonne, SORBONNE, França.

03

 - Informativo de História Antiga – Mai, Jun, Jul

de 2009 – Núcleo de Estudos da Antigüidade – UERJ - ISSN 1519-6917

Maria Regina Candido a

protagonista na hydria, no kalathos

fazer uma viagem ao passado através

aplicar os conceitos da arqueologia

produzidos em Atenas reforça ainda

das imagens e

apreender outras

clássica de gênero como forma de

mais o

temáticas possíveis através do Grupo

reavaliar a documentação pertinente

serenidade, passividade e do silêncio

de Estudos de Imagens: NEREIDA

aos clássicos partindo da perspectiva

feminino.

coordenado pelo Prof. Dr. Alexandre

teórica feminista na qual aborda a

Carneiro da UFF. O grupo de estudos

mulher grega e a romana como

Nossa proposta se pauta em

(Núcleo de Estudos de

convidamos

os

pesquisadores

ideal masculino

moderação,

Referências

se reúne nos dias 20 a 21

Campbell, DA ed. Greek Lyric I: Sappho Alcaeus. Cambr idge MA / London: 1982.

na UFF para apresentar o PPGH-UFF estado atual da pesquisa

Gentili, B . Poesia e pubblico nella Grecia antica. Da Omero al V secolo. Rome and Bar i: 1985.

sobre imagens. A convite do Prof.º Mestre José Roberto de Paiva Gomes, iniciei a

Greene, Ellen. Reading Sappho:contemporar y approches. California: University California Pr ess, 1999.

pesquisa sobre a poetisa Saphos de Lesbos visando escrever um artigo a quatro

Nagy, G. "Myth and Greek Lyric". RD Woodar d (ed.). "The Cambr idge Encyclopedia of Classical Mythology. Cambr idge: 2007.

mãos a ser apresentado no referido encontro de abril de 2009. Saphos de Lesbos

Nelson, Sar ah M. World of Gender:the archaeology of womens lives around the globe.US: Row man Altamira, 2007,

têm uma farta historiografia e algumas imagens, ambas ajudam a compor muita controvérsia sobre a sua

Representação dos instrumentos gregos antigos. http://www.homoecumenicus.com/ancient_instruments.htm

sexualidade fato que leva os pesquisadores

a tecerem

atores sociais a partir da cultura análises

material e mantém interface com a

sobre a protagonista a partir da

documentação textual.

história de

Como exemplo, apontamos a análise

gênero

destacando

o

erotismo e a homossexualidade.

da relação da mulher grega

A temática sobre gênero ganhou

e os instrumentos musicais de sopro e

espaço junto a História Social e

de cordas. A partir dessa temática

sugerimos tecer um olhar alternativo

podemos

a partir da perspectiva da arqueologia

modalidades

de gênero cujo conceito emergiu a

sopro como o aulos e os harmoniosos

partir dos movimentos feministas da

instrumentos

década de 60/70 e busca se afastar

barbitos, phorminx, lyra e a khitara.

nos de de

aproximar

das

instrumentos cordas

como

de o

do androcentrismo, da construção do

A nossa conclusão parcial nos

estereótipo feminino de mãe e esposa

aponta que as imagens de Saphos de

e da relação binária de oposição

Lesbos, mesmo participando como

‘homem/público x mulher/privado. Os

estudos

mulher

simposiasta, seguiu o modelo padrão na

idealizado pelo universo masculino

Antiguidade ainda permanecem como

grego no qual o silêncio feminino era

um anexo dos estudos clássicos e

a maior virtude. A imagem da

04

da

Yatromanolakis, D. "Ritual Poetics in Archaic Lesbos: Contextualizing Genr e in Sappho" Towards a Ritual Poetics. Athens: 2003.

Prof.ª Dr.ª Maria Regina Candido Doutora em História Social (UFRJ) Professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), do PPGHUERJ e do PPGHC-UFRJ Coordenadora do Núcleo de Estudos da Antiguidade (NEA/UERJ) Pesquisadora do ARCHAI (UnB), NEREIDA (UFF) e LHIA (UFRJ)

 - Informativo de História Antiga – Mai, Jun, Jul

de 2009 – Núcleo de Estudos da Antigüidade – UERJ - ISSN 1519-6917

Entrevista concedida ao Pesq. Carlos Eduardo da Costa Campos – NEA/UERJ Philía:

Fale sobre o seu núcleo Philía: Qual o espaço do estudo de pesquisa (NEREIDA) e dos das imagens e representações seus pesquisadores? no suporte cerâmico no Brasil? Philía:

Qual a sua temática de pesquisa?

Alexandre: O NEREIDA é um

grupo com perfil multi-institucional Alexandre: pesquisando

Atualmente estou as imagens

relacionadas ao artesanato e ao comércio em Corinto, no período da Tirania dos Cy psélidas. Busco compreender o

papel

de

(sagrados, concretos e abstratos).

Seria possível estabelecer uma relação dos seus estudos com a nossa atualidade? Philía:

Alexandre: Sim, procuro compreender as representações criadas pelos coríntios sobre seus comerciantes,

de

2008

em

estudar

as

imagens

da

cerâmica ática, coríntia e etrusca.

Percebemos nos últimos anos um interesse significativo [...] em direção ao estudo das imagens na cerâmica grega, em particular da Ática.

(Espaços

Sagrados na Ásty de Corinto Arcaica) busquei investigar a espacialidade coríntia por meio de minha experiência de “ser

Como foi o primeiro evento realizado pelo seu grupo de pesquisa? Philía:

Alexandre: Tivemos um resultado

bastante satisfatório. A palestra da

carioca”. O meu olhar partiu dos marcos espaciais de minha cidade,

Profa Dra Ana Maria

embalado pela música e letra de

contribuíram para um profícuo

Tom Jobim (Sam ba do Avião) para identificar os marcos

debate

espaciais

uma

histórica. O segundo encontro do

“identidade coríntia”. Comerciantes, prostitutas, turistas, artesãos e

grupo do NEREIDA está marcado

cidadãos irão trav ar contato em

encontro de história antiga e

distintos espaços em suas cidades.

mediev al no Maranhão (UEMA).

criadores

de

Percebemos nos últimos anos um interesse significativo de professores e de pesquisadores, tanto de graduação quanto de pós, em direção ao estudo das imagens na cerâmica grega, em particular da Ática. Tais estudos possibilitam aos historiadores entrarem em contato com um universo bem diferentes de dados e de informações. Já temos, desde os anos 90 do século passado, pesquisadores na UFRJ, UERJ e agora na UFF “treinados” em decodificar as mensagens criadas pelos artesãos domiciliados nas póleis.

deuses,

espaços de culto e de festas. No artigo que escrev i para a rev ista Phôinix

da UFF, UERJ, UFRJ, Unirio e UEMA. O nosso intuito consiste

tais

práticas na economia da pólis, bem como na criação de espaços

artesãos,

envolvendo professores e pesquisadores

Alexandre:

Mauad

(UFF) e as duas mesas redondas

imagens

acerca como

dos

usos

das

documentação

para o mês de outubro durante o

Prof. Dr. Alexandre Carneiro Cerqueira Lima Doutor em História Social (UFRJ) Professor da Universidade Federal Flum inense Coordenador do Núcleo de Estudos de Representações e de Imagens da Antiguidade (NEREIDA/PPGH- UFF) Pesquisador do Centro de Estudos Interdisciplinares da Antiguidade (CEIA/UFF), do Núcleo de Estudos da Antiguidade (NEA/UERJ) e do Laboratório de História Antiga (LHIA/UFRJ)

Aqui no Rio ou na Antiga Corinto.

05

 - Informativo de História Antiga – Mai, Jun, Jul

de 2009 – Núcleo de Estudos da Antigüidade – UERJ - ISSN 1519-6917

Alair Figueiredo Duarte Em se tratando de sociedades da Antiguidade como as sociedades helênicas, a atividade ritual não se tratava apenas de uma crença, mas de uma necessidade que incluía a relação custo-benefício. A freqüência com que os antigos gregos conviviam com as guerras acentuavam a relação entre rito e sociedade. Como nos afirma John Keegan, a própria maneira dos antigos gregos guerrearem - grupo de homens alinhados de maneira disciplinada em uma batalha campal - envolvia uma ritualidade. Diz o autor: “Sua tradição, seu dever, até mesmo seu desejo era de uma atividade ritualística, cara a cara com as lanças do inimigo (KEEGAN, 1995:261)”. Segundo Michel H. Jameson (HANSON, 1998:197), os rituais apropriados de guerras para os helenos representavam interior e exteriormente uma garantia de aprovação dos seres divinos. Afinal, a Guerra é um lugar onde a vida humana é tocada pelo orgulho e pelo risco, lugar onde os auspícios muitas vezes tornam -se os paradigmas entre a vida e a morte. No final do VI e durante todo o V séc. a.C. era comum, antes de partirem para a guerra, soldados recorrerem a sacerdotes para examinarem fígados de animais visando interpretar os presságios quanto ao seu futuro nos confrontos. Ou seja, se o momento era favorável a uma vitória, ou a uma derrota. Michael H. Jameson nos apresenta dois tipos de rituais ligados à guerra na Grécia Antiga: a Hiéra e a Sfagia (HANSON, 1993: 197-223). Embora relacionados, eles possuem estruturas distintas. A Hiéra tratava-se de um ritual que exigia uma cerimônia mais complexa. A vítima após ser executada sob um altar tinha suas vísceras observadas pelo mântis, o único capaz de ler os signos dos presságios. Depois disso as vísceras eram queimadas em uma pira para que a essência fosse absorvida através da fumaça pela divindade. Após esta etapa do rito, as partes do animal eram divididas seguindo uma hierarquia social. Segundo M. Jameson (1998: 200), Sfagia é um cognato grego do verbo sphazein, significa perfurar a garganta, trata-se de um rito que deveria ser realizado nos ins tantes iminentes ao combate com as tropas já postas em l i n h a , p ro n tas p a ra a b a ta lh a . Já a

06

Sfagia tratava-se de um ritual exclusivamente dedicado ao derramamento do sangue. Diferindo-se da Hiéra não necessitava de um altar e pira, as vísceras do animal não eram queimadas nem comidas pelos homens. As palavras pronunciadas durante o rito da Sfagia eram exclusivamente voltadas à ação de matar e derramar o sangue da vítima para que através dele se pudesse fazer uma leitura dos signos. A vítima animal no ritual da Sfagia era executada (ritos de sangria): O homem apanhava um caprino macho, o mais saudável; puxava suas narinas apoiando-se na garupa do animal com a perna, e perfurava sua garganta com uma espada deixando o sangue cair no solo. Embora decidir sobre a guerra fosse uma tarefa destinada às assembléias de cidadãos e magistrados, durante o período Clássico grego, Delphos foi o oráculo mais consultado (Ibidem: 131). O plano divino tinha ação efetiva nas decisões políticas, como podemos apreender da narrativa de Tucídides: “Os lacedemônios resolveram que deveriam considerar o tratado rompido e que os atenienses eram os culpados, mandaram enviados a Delphos para perguntar ao deus, se lhes convinha fazer a guerra (livro I: 118)”. Diante da ascensão do pensamento racional emergente da Filosofia e da iconoclastia dos sofistas, no período clássico, esta ordem ficou profundamente abalada. Confiar as decisões políticas exclusivamente nas projeções premonitórias seria um risco muito grande a se correr, apesar da estreita relação entre o mundo dos homens e do o plano divino. Nesta nova conjuntura, principalmente durante a Guerra do Peloponeso, muitos atos foram executados exclusivamente com base na força das armas. Afinal as decisões com o uso da razão visam assegurar e possuir uma certeza quanto o futuro. A esperança de uma suposta intervenção divina foi sendo abandonando paulatinamente. É o que nos demonstra o diálogo entre atenienses e mélios: “Dos deuses nós supomos, e dos homens nós sabemos que (livro V: 101-105)”. Não obstante, atualmente vivamos sob a égide de um pensamento que se intitula agir segundo perspectivas seguras sem tomar por base um hipotético desejo divino, e que recorramos a sinais e presságios; os ritos con tinuam

a estar presente nas ações políticas e a mostrar eficiência no controle e na ordem social. Se em troca da certeza quanto o futuro as sociedades antigas sacrificavam em nome das leis divinas; atualmente, pelo mesmo motivo, sacrifica-se em nome da Lei dos homens. Diante das “turbulências” e incertezas quanto ao futuro, os grupos sociais da atualidade sempre clamam a seus líderes por uma certeza, e e xigem o sacrifício ou condenação de um culpado. Mostrando-nos, que os homens do presente continuam a viver as mesm as incertezas que seus ancestrais viviam no passado. As ações ritualísticas em busca de presságios assim como a ação das armas, nada mais são do que uma antecipação com finalidade de subjugar todos que puderem, pela astúcia ou pela força, até chegar o mom ento que não tendo ninguém fora de seus domínios, tenha-se segurança quanto ao futuro (HOBBES, XIII: 79). “É por falta desta segurança que governos vivem com armas direcionadas em suas fronteiras espionando as ações vizinhas (XIII: 81)”. Podemos afirmar que há um ponto de interseção envolvendo ritos, presságio e guerra que é a busca de garantias. É por elas que combatentes helênicos recorriam às práticas da Hieroscopia, é também em razão delas que a cada dia a tecnologia bélica avança, gerando um ciclo sem fim de guerras. DOCUMENTAÇÃO E BIBLIOGRAFIA TUCIDIDES. A História da Guerra do Peloponeso. Brasília: Editora UNB, 1986. HANSON, Victor Davis. Hoplites: The Classical Greek Battle Experience. London and New York: Routledge Press, 1993. HOBBES, Thomas. O leviatã. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1974. (Coleção os pensadores) KEEGAN, John. Uma História da Guerra. São Paulo: Comp. das Letras, 1995.

Prof. Alair Figueiredo Duarte Mestrando PPGHC/UFRJ Pesquisador NEA/UERJ Linha de Pesquisa: Relações de Poder e Economia no Mundo Antigo

 - Informativo de História Antiga – Mai, Jun, Jul

de 2009 – Núcleo de Estudos da Antigüidade – UERJ - ISSN 1519-6917

Pedro Vieira da Silva Peixoto Como, de uma maneira tão concisa, direta e curta, em um espaço tão importante de circulação de idéias, informações e conteúdo – que é o próprio jornal Philía – eu poderia ser capaz de chamar a atenção dos leitores a respeito de uma temática extremamente rica, desafiadora e dinâmica que é a que diz respeito às relações de gêneros entre as sociedades celtas da Antiguidade? Certamente, uma resposta definitiva a tal questão ainda me foge. Buscarei, contudo, aqui, dedicar-me a estar o mais próximo possível dela. As sociedades celtas podem ser consideradas como, efetivamente, os principais atores de toda a Proto-História e/ou Idade do Ferro européia. Se por um lado essas sociedades, contudo, jamais apresentaram qualquer princípio de uma unidade estabelecida, seja no campo político, social, artístico, religioso ou linguístico, dentre outros – por exemplo, jamais houve uma ‘Civilização Celta’ ou um ‘Império Celta’– acredito ser extremamente interessante destacar o fato de que, por outro lado, é possível identificarmos semelhanças linguísticas, religiosas, instituições e práticas culturais



Estela de Covventina personagem romano-celtica Miniatura - reconstrução da face/ Espírito feminino ou Ninfa Escavações em Carraburgh/ Northumberland/ Inglaterra próximo a muralha de Adriano



diferentes compartilhadas entre as diversas localidades ‘celtas’. Ao longo dos últimos anos, venho desenvolvendo um estudo que busca direcionar os olhos, de uma forma geral, para a temática das mulheres nas sociedades celtas. Tais sociedades, salvo por algumas raríssimas inscrições epigráficas, não deixaram, porém, vestígios escritos significativos.

As sociedades celtas podem ser consideradas como, efetivamente, os principais atores de toda a Proto-História e/ou Idade do Ferro européia.

Mas no que tange às questões relativas aos estudos de gênero, posso dizer que a cultura material e a Arqueologia como um todo permitem a elaboração de questões outras que, embora também de grande importância, não optei por considerar neste momento de trajetória investigativa. Boa parte das imagens que possuímos representadas no senso comum de idéias, ainda nos dias atuais, a respeito das mulheres celtas, advém, majoritariamente, da documentação textual da Antiguidade. Em linhas gerais, a mulher celta que pega em armas, participa de disputas, que se faz ser obedecida, que intervém em interesses masculinos, e que, por fim, iguala-se aos homens em diversos aspectos, inclusive no que diz respeito à força física e coragem, não é, como muitos pensam, fruto de uma invenção romântica moderna – ao contrário, esse estereótipo de representação tem suas origens na Antiguidade, em autores tais como, por



exemplo, Plutarco, Diodoro da Sicília, Estrabão, Tácito, Amiano Marcelino, dentre outros. Em vez de buscar, nesses relatos, comprovações empíricas a respeito de como as relações de gênero se davam entre os celtas, o que busco é desenvolver uma análise crítica e problematizada a respeito dos discursos criados no Mediterrâneo sobre tais mulheres. Isto é, como essas mulheres são representadas e quais os discursos e dinâmicas existentes em tais representações. Acredito ser este um campo de estudo, além de, certamente, inovador, bastante produtivo e enriquecedor. Esse tipo de investigação nos permite contemplar um riquíssimo objeto de estudo ainda muito pouco estudado pela historiografia brasileira – as sociedades celtas – como também ampliar nossos conhecimentos sobre as relações de gênero na Antiguidade como um todo e, ainda, igualmente, em relação às principais tensões, interações, contatos e conflitos entre gregos, celtas e romanos. Os estudos célticos representam um importante caminho que só tem a contribuir com os estudos de História no Brasil enriquecendo-o, mas que, infelizmente, ainda nos dias de hoje, permanece estranho a muitos pesquisadores e acadêmicos brasileiros.

Pedro Vieira da Silva Peixoto Graduando de História e Pesquisador LHIA/UFRJ Orientador: Prof. Dr. Fábio de Souza Lessa (LHIA/UFRJ)

07

 - Informativo de História Antiga – Mai, Jun, Jul de 2009 – Núcleo de Estudos da Antigüidade – UERJ - ISSN 1519-6917

No primeiro semestre de 2009, o NEA/UERJ participou do processo de seleção de projetos, que visava conceder bolsas de iniciação científica (PIBIC CNPQ/ UERJ). A Prof.ª M.ª Regina Candido concorreu com o projeto Cemitério do “Kerameikos:

lugar

antropológico dos praticantes da

magia

dos

katádesmoi na Atenas do V e IV a.C.” Os avaliadores concederam duas bolsas PIBIC para o Núcleo, uma CNPQ e uma UERJ. Os pesquisadores indicados pela referida professora para trabalharem na pesquisa foram: Carlos Eduardo da Costa Campos (Monitor e Coordenador de Eventos e Cursos do NEA) e Alinne Pereira da Costa (Vice – Coordenadora Financeira do NEA). Através deste processo seletivo vemos os resultados de muit os estudos e trabalho árduo para assegurar o espaço da História Antiga, na UERJ e no Brasil.

Em junho desse ano os professores mestrandos Alair Duarte, Renata Maia, Flávia Cristina, os pesquisadores Carlos Eduardo e Alinne Pereira, Prof. Ms. José Roberto, Profª. Ms. Alessandra Viegas, além da Profª. Drª. Maria Regina Candido apresentarão os resultados de suas pesquisas no V Colóquio Internacional "Myto y Performance. De Grécia a la Modernidad", na Universidad Nacional de La Plata, Argentina. O evento, que reunirá pesquisadores em História Antiga de diversos países da América Latina e Europa, está programado para os dias 16, 17, 18 e 19 de junho.

www.nea.uerj.br

nea.uerj@g mail.co m

Apoio e Imp ressão:

Related Documents

Jornal Philia 30
June 2020 12
Jornal Philia 31
June 2020 4
Jornal 30/06/2009
May 2020 7
Jornal
May 2020 41
Jornal
April 2020 33
Jornal
November 2019 41

More Documents from ""

May 2020 10
May 2020 8
May 2020 20
May 2020 7
May 2020 3