Ind Cultural

  • November 2019
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Indústria Cultural & Cultura da Mídia: da Modernidade à Lógica Cultural PósModerna 1 Autora: Maraisa Bezerra Lessa2 Unesp/Araraquara Grupo de Estudos e Pesquisas de Teoria Crítica: Tecnologia, Cultura e Formação Co- autor: Renato Márcio Martins de Campos3 Professor e pesquisador Centro Universitário de Araraquara – Uniara Universidade de Ribeirão Preto – Unaerp

Resumo Propõe-se discutir e atualizar o debate proposto pela Escola de Frankfurt acerca da cultura de massa, de modo a demonstrar a pertinência do conceito de indústria cultural para se pensar a lógica cultural contemporânea. Para tanto, faz-se um resgate histórico

em

termos

de

teoria

da

comunicação

de

modo

a

demonstrar

a

representatividade dessa discussão e a proximidade com os estudos sobre cultura da mídia desenvolvidos na pós-modernidade. Palavras-Chave: Teorias da Comunicação; Indústria Cultural; Cultura de Massa; Cultura da Mídia.

1-Introdução

Tomando como ponto de partida os debates propostos por Walter Benjamin, Theodor Adorno e Max Horkheimer; todos teóricos da Escola de Frankfurt; a respeito da formação da cultura de massa sob um viés crítico e de cunho marxista. Passando pela crítica desenvolvidaa estes teóricos, por Umberto Eco, em Apocalípticos e Integrados; trabalho que demonstrou a pertinência da cultura de massa em nosso cotidiano.

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Trabalho apresentado ao NP01 – Teorias da Comunicação, do IV Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom. Maraisa B. Lessa, cientista social e pesquisadora em nível de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UNESP de Araraquara, membro da Comissão Editorial da Revista Cadernos de Campos e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas de Teoria Crítica: Tecnologia, Cultura e Formação. [email protected]. 3 Renato de Campos, Mestre em Comunicação e Mercado pela Faculdade Cásper Líbero. Docente e pesquisador do Centro Universitário de Araraquara – UNIARA e da Universidade de Ribeirão Preto – Unaerp. www.renatodecampos.com.br. 2

Utilizando a obra de Fredric Jameson como forma de situar a problemática da pós-modernidade e do capitalismo tardio. Propõe-se o resgate e atualização do conceito de indústria cultural sob um viés multicultural apresentado por Douglas Kellner em seus estudos sobre a cultura da mídia. Neste sentido, há um processo de adoção de um conceito originariamente bipolar, em que se vislumbrava a luta de classes como meio a priori das conquistas sociais, adaptando-o ao posicionamento multifacetário da sociedade pós-moderna, onde a mídia tornou-se palco das discussões e posicionamentos sociais.

2- A Escola de Frankfurt: o avanço das técnicas de reprodução da arte e suas implicações no mundo moderno

O avanço das técnicas de reprodução da arte, eclodido a partir da segunda metade do século XIX, pode ser considerado um marco na história da humanidade, pois acarretou mudanças significativas não só na esfera da arte como também em todos os outros âmbitos da vida social. Dentre elas, a democratização do acesso à arte e à produção artística. Walter Benjamin foi o primeiro a apontar este fenômeno transitório pelo qual passou a esfera da arte, analisando as possíveis implicações políticas e econômicas resultantes do avanço das técnicas de reprodução na cultura do século XX. Para ele, a obra de arte á era de sua reprodutibilidade técnica perdeu sua aura, seu caráter único, autêntico e ritualístico de objeto de culto, para ganhar uma maior proximidade com as massas, passando a ser valorizada enquanto realidade exibível e adquirindo funções inteiramente novas, como um valor de uso político, possivelmente, revolucionário. A arte tecnicamente reproduzida deixou de ser resultado de um momento sublime de inspiração divina para tornar-se produto de um sistema de montagem coletivo, acarretando num certo nivelamento entre o processo de produção cultural e o trabalho industrial moderno. Dessa forma, a arte passou a se tornar produto industrial de massa, reprodutível e serial. Para Walter Benjamin, este processo representava indícios de superação da cultura tradicional burguesa e a possibilidade de construção de uma cultura revolucionária das massas em oposição ao fascismo e ao sistema exploratório capitalista. À “estetização da política”, Benjamin prefere a “politização da arte”.

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A proletarização crescente do homem contemporâneo e a importância cada vez maior das massas constituem dois aspectos do mesmo processo histórico. O fascismo queria organizar as massas, sem mexer no regime de propriedade; o fascismo quer permitir-lhes que se exprimam, porém conservando o regime. O resultado é que ele tende naturalmente a uma estetização da vida política. A essa violência que se faz que se faz às massas, quando se lhes impõe o culto de um chefe, corresponde a violência sofrida pela aparelhagem, quando a colocam a serviço dessa religião. (...) Essa é a estetização da política, tal como a prática do fascismo. A resposta do comunismo é politizar a arte. (BENJAMIN, 1986a: 33-34)

Assim, é possível evidenciar na análise benjaminiana acerca das técnicas de reprodução da arte uma certa neutralidade técnica que, para alguns estudiosos, confere ao autor aparente otimismo em relação às técnicas reprodutivas. No estudo que realizei sobre o autor, pude perceber que Walter Benjamin analisa o caráter contraditório presente nas técnicas de reprodução da arte, abordando dois aspectos igualmente importantes inerentes a tal avanço: a técnica, enquanto instrumento didático contribuinte para a emancipação humana e, por outro lado, a técnica, enquanto aparato ideológico para a manutenção e reprodução do sistema capitalista. Em sua publicação datada de 1931, A pequena história da fotografia, é possível evidenciar com clareza estes dois aspectos presentes no autor:

Na fotografia, ser criativo significa acabar repassando a moda. “O mundo é belo” – eis aí exatamente a sua divisa. Nela se desmascara a atitude de uma fotografia capaz de montar qualquer lata de conservas no universo, mas não é capaz de captar uma só das situações humanas em que ela aparece (...). Já que no entanto a verdadeira face dessa criatividade fotográfica é a publicidade e a livre-associação, a sua legítima contrapartida é o desmascaramento e a montagem. (...) Um dos méritos surrealistas é terem preparado caminho para a “construção” fotográfica. Nesse confronto entre a fotografia criativa e construtiva, uma próxima etapa é o cinema russo. Não é afirmar demais: as grandes realizações de seus diretores só foram possíveis num país onde a fotografia não se volta para a excitação e o sugestionamento, mas para a experimentação e o didatismo. (BENJAMIN, 1986b:239)

O amador que retorna para casa com inúmeras fotografias feitas por ele não está, de fato, menos satisfeito, do que um caçador que volta de uma caçada com um monte de animais abatidos e que só serão de valor para o comerciante. E realmente parece aproximar-se o dia em que haverá mais periódicos ilustrados que do que locais para comerciar aves e animais. “Bater fotos” substituirá o abater animais. (BENJAMIN, 1986b:236 )

Conforme é possível evidenciar, Walter Benjamin estava consciente da possibilidade de emergência de um processo de massificação da cultura, bem como de suas implicações políticas e ideológicas. Todavia, ao invés de desenvolver com profundidade a crítica a cultura de massa, tentou formular teses combativas no âmbito

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da teoria da arte. Esta empreitada teve como ícone seu célebre ensaio, datado de 1935, A obra de arte á era de sua reprodutibilidade técnica, onde o autor afirma textualmente:

Seria errôneo, em consequências, subestimar o valor combativo dessas teses que, aqui, apresentamos. (...) O que distingue as concepções que empregamos aqui – e que são novidades na teoria da arte – das noções em voga, é que elas não podem servir a qualquer projeto fascista. São, em contrapartida, utilizáveis no sentido de formular as exigências revolucionárias dentro da política da arte. (BENJAMIN, 1936a: 13).

Essa possibilidade revolucionária inerente às técnicas de reprodução da arte foi fortemente refutada por Adorno, especialmente em O fetichismo da música e a regressão da audição, onde o autor aponta a importância das técnicas de reprodução como sustentáculo ideológico do sistema capitalista. Em 1946, com a publicação de Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer aprofundaram esta tese apontando os fundamentos da crítica à cultura de massa e à indústria cultural. Estes dois autores foram os primeiros a cunhar o termo indústria cultural em substituição á cultura de massa. Segundo eles, o termo cultura de massa poderia ser utilizado por defensores dessa cultura para designar ilusoriamente uma cultura advinda espontaneamente das massas e não revelar seu verdadeiro caráter que era a fabricação industrial para o consumo de massas. O conceito de indústria cultural designava sem dar margem para ambiguidades um sistema organizado de cima para baixo destinado a produção e distribuição de cultura para o consumo de massas. Porém, diferentemente das demais mercadorias, os produtos culturais têm como peculiaridade o poder de influírem diretamente nas consciências dos indivíduos, moldando-os de acordo com os interesses políticos e econômicos vigentes. A indústria cultural é formada por ramos ajustados constituindo um sistema que atua agregando e modificando os bens culturais das culturas superior e popular trazendo prejuízos para ambas. Neste processo, a chamada arte séria, pertencente a cultura superior, perde todo seu potencial crítico e intelectual para tornar-se facilmente assimilável pelas massas e a arte popular deixa de ser manifestação autêntica da cultura do povo para adquirir elementos novos que a desprovi do aspecto rude e resistente que caracteriza as manifestações originais.

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Os diversos ramos assemelham-se por sua estrutura, ou pelo menos ajustam-se uns aos outros. Eles somam-se quase sem lacuna para constituir um sistema. Isso, graças tanto aos meios atuais da técnica, quanto à concentração econômica e administrativa. A indústria cultura é a integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores. Ela força a união dos domínios, separados há milênios, da arte superior e da arte inferior. Com o prejuízo para ambos. A arte superior se vê frustrada de sua seriedade pela especulação sobre o efeito; a inferior perde, através de sua domesticação civilizadora, o elemento de natureza resistente e rude, que lhe era inerente enquanto o controle social não era total. (ADORNO, 1971: 288)

Em A Televisão e os padrões da cultura de massa, Adorno tenta apontar algumas características que a cultura superior e a cultura popular comungam e diferenciam-se da cultura de massa. Para ele, a divisão entre alta cultura e cultura popular resulta do desenvolvimento histórico. Desde os primórdios, verifica-se a preocupação do artista com o impacto causado por sua obra no público. O problema é que a preocupação com o público tornou-se central na modernidade, tomando formas tão determinantes que a própria distinção entre arte autônoma e comercial se dá em grande medida em virtude da comercialização. No mundo moderno muitas produções culturais trazem a marca do anti-comercial como um recurso para atender as exigências publicitárias do mercado. Dessa forma, a produção de artigos culturais adquiriu proporções tão gigantescas que acabou por bombardear os indivíduos, sem fornecer-lhes alternativas para escapar do sistema. Os elementos latentes nas culturas popular e erudita são absorvidos, transformados, enlatados e redistribuídos para a grande massa. Mas desta vez, mais pobres de conteúdo, padronizando os gostos, os padrões e os comportamentos a serviço da manutenção e reprodução do sistema capitalista. Conforme

afirmou

Adorno

em

sua

crítica

a

racionalidade

capitalista

desenvolvida em Dialética do Esclarecimento, a indústria cultural é a razão instrumental capitalista no universo da cultura. É a forma contemporânea de tutoria, pois está relacionada a idéia de administração social. “As idéias de ordem que ela inculca são sempre a do status quo. Elas são aceitas sem objeção, sem análise renunciando à dialética, mesmo quando elas não pertencem substancialmente a nenhum daqueles que estão sob sua influência”. (ADORNO, 1971: 293) Assim, por estar diretamente em contato com as massas, produzindo distração e entretenimento, a indústria cultural acaba impedindo a reflexão e a troca de experiências entre os homens, mascarando o controle social e diminuindo a resistência. Conforme afirma Adorno, “Através da ideologia da indústria cultural, o conformismo substitui a consciência”. (ADORNO, 1971: 293)

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A indústria cultural dita as regras, produz conselhos conformistas e lança uma variedade de modismos que acabam por contribuir para a manutenção da ordem social, dificultar a percepção crítica e incentivar o consumo. Para tanto, conta com um gigantesco aparato publicitário que além fazer propaganda de si mesma, utiliza-se da psicanálise para aguçar os desejos libidinais dos indivíduos, tratando-os como uma massa de consumidores-objetos desprovidos de individualidade, a não ser aquela forjada pela ideologia da indústria cultural. Dessa forma, conforme afirma Adorno “o consumidor não é rei, como a indústria gostaria de fazer crer, ele não é o sujeito dessa indústria, mas seu objeto”. (ADORNO, 1971: 288) Para aqueles que acreditam que a indústria cultural satisfaz os desejos do público, Adorno argumenta que o público deseja aquilo que foi ensinado a gostar. Conforme já afirmara Walter Benjamin, o avanço das técnicas de reprodução da arte alterou substancialmente a percepção das massas no século XX, levando a chamada decadência do gosto. Nessa linha, Adorno afirmou que no mundo moderno gostar tornou-se o mesmo que reconhecer. Para ele, isto é facilmente observável no âmbito musical. Não raras vezes, quando ouvida pela primeira vez a música fere os tímpanos do ouvinte, desagradando-o. Todavia, quando a música é facilmente assimilável e ouvida repetitivamente acaba adestrando a percepção auditiva do indivíduo, tornando-se grande sucesso. Segundo Adorno, os produtos culturais atingem todos os níveis de consciência psicanalítica do indivíduo. Seus conteúdos veiculam não só uma mensagem explícita, como também uma mensagem oculta a ser absorvida pelo inconsciente dos indivíduos. Dessa forma, a indústria cultural difunde não só regras sociais e comportamentos como também formas de conceber e analisar o mundo, pois “ela impede a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e decidir conscientemente” (ADORNO,1971:295), contribuindo para a manutenção do status quo e para a expansão do consumo. Nesse sentido, Adorno expressa uma frase célebre: “dependência e servidão dos homens, objetivo único da indústria cultural” (ADORNO, 971:294).

3 - Umberto Eco: a crítica aos críticos Por volta de 1979, o italiano Umberto Eco uniu alguns de seus ensaios acerca da problemática da cultura de massa para compor Apocalípticos e Integrados, onde tenta abordar imparcialmente aspectos negativos e positivos da cultura de massa. Contudo, o

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aspecto de Apocalípticos e Integrados que mais interessa nesta discussão é a crítica que o autor realiza aos frankfurtianos, os quais chama de apocalípticos. Para tanto, parte do pressuposto de que estes consideram a cultura como algo aristocrático e que, portanto pensá-la compartilhada por todos seria um contra-senso. Nesse ataque á cultura de massa, Eco apresenta ainda a defesa dos chamados integrados, segundo os quais estaríamos vivendo numa época de democratização do acesso aos bens culturais e livre circulação da arte popular. Conforme sugere Eco, apocalípticos e integrados constituem duas faces de uma mesma moeda, visto que a produção intelectual dos apocalípticos constitui o produto mais sofisticado oferecido ao consumo das massas. Para o autor, “Apocalípticos e Integrados não sugeriria a oposição entre duas atitudes, mas a predicação de adjetivos complementares, adaptáveis a esses mesmos produtores de uma crítica popular da cultura popular” (ECO, 1993:9) Ou seja, a crítica também é mercadoria. Conforme já lembrara Adorno com relação à arte, “muitos produtos culturais que trazem a marca de fábrica do anticomercial (...) exibem traços de comercialismo em seu recurso ao sensacional”. (ADORNO, 1973:546) Para Eco, os apocalípticos consolam os leitores fazendo-os acreditar que por terem consciência crítica a respeito da indústria cultural não fazem parte da massa. No entanto, se esquecem que vivem imersos no universo dos meios de comunicação de massa e que precisam desses meios até mesmo para veicular suas críticas ao sistema. Nas palavras de Eco: O universo das comunicações de massa é o nosso universo (...) Ninguém foge a essas condições, nem mesmo o virtuoso, que, indignado com a natureza inumana desse universo da informação, transmite o seu protesto, através dos canais de comunicação de massa, pelas colunas do grande diário, ou nas páginas do volume em paperback , impresso em linotipo e difundido nos quiosques das estações. (ECO, 1993: 11)

A crítica de Umberto Eco aos críticos da cultura de massa é bastante pertinente para se pensar essa sociedade marcada pela preponderância dos meios de comunicação de massa na sociedade. Entretanto, conforme já alertaram os frankfurtianos, a crítica nem sempre desempenha a função de suscitar ruptura, mas ao contrário, na maioria dos casos tem o intuito de abastecer o sistema ao invés de modificá-lo. A indústria cultural capta todas as fatias de público procurando, ao menos na aparência, atender as suas expectativas. Dessa forma, o público não percebe que na realidade é ele quem está satisfazendo as exigências da indústria e do mercado.

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4 - Fredric Jameson: a pós-modernidade

Segundo Fredric Jameson, esta crítica a cultura de massa desenvolvida na modernidade é fundamental para se pensar esse momento muito peculiar de nossa história, marcado pela emergência da cultura de massa como a principal forma de produção cultural a se impor à sociedade: é a chamada pós-modernidade. Esta nova época histórica nasceu no final da década de 1940 e início dos anos de 1950 a partir do crescimento econômico dos Estados Unidos no pós-guerra. Está relacionada, portanto, a fase pelo qual passa o capitalismo, caracterizada pela preponderância dos meios de comunicação de massa e pela hegemonia cultural dos Estados Unidos no restante do globo. Enquanto a arte moderna insurgia contra os valores burgueses com o intuito de subverter a ordem social, a arte pós-moderna insurge contra a arte moderna como uma tentativa de reiterar os valores capitalistas de consumo, rompendo com a antiga distinção entre cultura erudita e cultura popular ou de massa. Nesse sentido, os grandes artistas da modernidade insurgiam contra a cultura de massa em prol de uma cultura erudita e os artistas pós-modernos rompem com a distinção entre cultura de massa e cultura erudita, inserindo qualquer forma de arte na lógica do capital e do consumo até mesmo aquelas canonizadas pelo conteúdo subversivo na modernidade. Atualmente o que se tem de mais subversivo é o “punk rock” que, ao invés de romper com o sistema, são comercializados, abastecendo-o. Nas palavras de Jameson: As formas mais agressivas de arte – punk rock, digamos, ou o chamado material sexual explicito – são consumidas com voracidade pela sociedade e comercializadas com êxito, ao contrário das produções da anterior modernidade. O que significa que, mesmo que a arte contemporânea ainda apresente os mesmos traços formais do antigo modernismo, a sua posição dentro de nossa cultura está basicamente alterada. Por um lado, a produção de mercadorias (...) está agora intimamente associada às mudanças de styling que decorreram da experimentação artística (...) Por outro lado, os clássicos da modernidade anterior são agora parte do assim chamado cânon, e são assinados em escolas e universidades – o que, por sua vez, os esvazia de todo seu velho potencial subversivo” (JAMESON: 1985: 26)

Outro aspecto fundamental que diferencia a pós-modernidade de sua antecessora se refere à questão da identidade e do sujeito. Enquanto a modernidade estava ligada à invenção de um estilo pessoal, na pós-modernidade prevalecem fortes indícios de que esse tipo de individualidade está morto. E, por conseguinte os artistas pós-modernos não

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possuem uma identidade pessoal e nem mecanismos para expressá-la. Nesse contexto não há mais o que inventar, pois todos os estilos estéticos já foram criados. Para Jameson o principal traço da produção cultural na pós-modernidade é o pastiche. O autor ressalta a importância de não se confundir pastiche e paródia. Embora ambos envolvam a imitação de outros estilos, a paródia tem como peculiaridade o intuito de ridicularizar a natureza privada desses estilos. Ao contrário do pastiche, que é esvaziado de conteúdo crítico. O pastiche ocorre no interior da cultura de massa. Como exemplo, Jameson cita os “filmes de nostalgia” que buscam resgatar as sensações e as particularidades do passado, recriando cenários antigos e estereótipos construídos no interior da mente e não mais tendo o mundo real como referência. Assim sendo, é possível afirmar que todos os traços apontados na pósmodernidade já estavam presentes na modernidade. Esse processo de transição, embora desprovido de mudanças completas de conteúdo, acarretou numa reestruturação dos modelos existentes: traços que apareciam em segundo plano são hoje os mais importantes e traços que apareciam como predominantes passaram para o segundo plano. Nesse sentido, pode-se perceber que os prognósticos frankfurtianos acerca da produção cultural na sociedade moderna podem ser utilizados também para se analisar a lógica da cultura pós-moderna. No entanto, é preciso atentar para não trair o próprio projeto filosófico frankfurtiano, segundo o qual o pesquisador deve estar embebido por uma reflexão constante no espírito, pois esta é fundamental para se pensar os momentos históricos em suas peculiaridades. Caso contrário, corre-se o risco de dogmatizar o pensamento teórico e a cultura.

5 – A Cultura da Mídia: Aplicação do Conceito de Indústria Cultural na PósModernidade

Um dos questionamentos básicos para a produção teórica em comunicação seria como traçar um viés crítico às produções midiáticas na pós-modernidade sem incorrer em um posicionamento polarizado como a dos frankfurtianos em relação à indústria cultural. Faz-se necessário, então, perceber como um conceito advindo de uma escola de tradição marxista, faz-se tão presente em nossa realidade impregnada pelas regras de mercado. Para Douglas Kellner, as novas tecnologias midiáticas proporcionam ao mesmo tempo: diversidade de escolha e novas formas de controle coercitivo. Nesta afirmativa

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já explicita o caráter mediador de forças dos meios de comunicação de massa, os quais, para o autor são geradores de coerção ideológica apenas pela sua ocorrência: Na verdade, sua simples existência já cria a possibilidade de minar as energias políticas e de manter as pessoas bem guardadas dentro dos confins de seus centros de entretenimento doméstico, distante do tumulto das multidões e dos locais de ação política de massa (KELLNER, 2001, p.26).

A cultura da mídia produzida e direcionada às massas é, portanto, fruto de uma indústria cultural estabelecida através de grandes conglomerados de comunicação e formatada através de suportes tecnológicos cada vez mais sofisticados. Entretanto, Kellner chama atenção para este fator multifacetário, não se pode se restringir ao antigo discurso entre direita e esquerda. Socialismo e capitalismo não mais embatem entre si na disputa política e ideológica. Ao contrário, percebe-se uma incorporação dos discursos progressistas e conservadores no cenário midiático. Os meios de comunicação de massa passam a ser o palco de discussões e tendências sociais, produz-se à socialização, rivaliza-se com outras instituições sociais tradicionais deste cenário, mas também se produzem questionamentos. Enquanto a cultura da mídia, em grande parte, promove os interesses das classes que possuem e controlam os grandes conglomerados dos meios de comunicação, seus produtos também participam dos conflitos sociais entre grupos concorrentes e veiculam posições conflitantes, promovendo, às vezes, forças de resistência e progresso. Conseqüentemente, a cultura veiculada pela mídia não pode ser simplesmente rejeitada como um instrumento banal da ideologia dominante, mas deve ser interpretada e contextualizada de modos diferentes dentro da matriz dos discursos e das forças sociais concorrentes que a constituem (KELLNER, 2001, p. 27).

6- Considerações Finais

Pensar as implicações da cultura de massas no limiar do século XXI é se defrontar com uma das questões de maior amplitude social da atualidade, visto que abrangem concomitantemente às instâncias psicológicas do indivíduo e as esferas econômicas, políticas e culturais da sociedade. O prognóstico benjaminiano de que o lento desenvolvimento da superestrutura adquiriria proporção ao ponto que levaria até mesmo a influenciar no próprio andamento da infra-estrutura parece ter encontrado seu ápice nos dias atuais. Conforme afirma Jameson, na chamada pós-modernidade cultura e economia encontram-se ainda mais justapostas que outrora. Os avanços técnicos são fundamentais para o

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desenvolvimento cultural e econômico. Nesse sentido, o pensamento frankfurtiano de que com o avanço das técnicas de reprodução da arte, não só a economia passou a interferir na cultura como também a cultura passou a influenciar no desenvolvimento econômico faz-se ainda mais atual na sociedade contemporânea. O próprio Adorno se estivesse vivo reveria muito de seus conceitos ao se propor realizar uma crítica imanente. Os autores frankfurtianos viveram um momento muito peculiar de nossa história, marcado pela emergência dos meios de comunicação de massa a se impor à sociedade como substituição aos valores da alta cultura. Esses autores, em especial Adorno e Horkheimer souberam apontar com clareza as implicações políticas e ideológicas decorrentes deste processo. Fato é, que essas mudanças se consumaram de forma irreversível. Umberto Eco tinha razão: vivemos submersos no universo dos meios de comunicação de massa em tal profundidade que até mesmo para a crítica não há como escapar deles. Parece que a indústria cultural ao mesmo tempo em que banaliza e elimina aspectos genuínos contidos nas culturas tradicional e popular, tornou-se não raras vezes condição a priori para a produção e democratização do acesso à cultura na sociedade contemporânea. O mundo não mais se divide entre capitalistas e comunistas. Ao contrário, está marcado pela emergência de movimentos sociais que se utilizam dos meios de comunicação de massa para realizarem um verdadeiro duelo ideológico nas telas. Para alcançar altos índices de público esses novos meios incorporam as diversas visões de mundo, constituindo o que Douglas Kellner chamou de cultura da mídia. Nesse contexto, se coloca uma nova questão: que tipo de cultura produz os meios de comunicação de massa em nossos tempos? Certamente não será aquela valorizada por Adorno. Ao contrário. É uma cultura adequada aos padrões de consumo capitalista. A indústria cultural forja identidades, lança modismos e concepções de mundo contribuindo para a expansão do sistema capitalista e dando sustentáculo para a propagação da ideologia dos Estados Unidos. Conforme afirma Jameson, trata-se de uma nova cultura, típica desta nova fase do capitalismo. Pensar a cultura somente como pensava os frankfurtianos é restringir o olhar para traz e desconsiderar as mudanças, avanços e retrocessos de nossos tempos. É petrificar a história e dogmatizar a cultura. Entretanto, não se aproveitar de suas contribuições é cegar-se, abstendo-se de compreender a lógica cultural do capitalismo tardio.

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É neste cenário que os estudos sobre a cultura da mídia propõe uma possibilidade de crítica ao processo de socialização via comunicação de massa e um espaço de discussão e posicionamento social representado pelo palco midiático. Dessa forma, uma visão múltipla de todas as forças que compõem o cenário global em termos de lutas e participações sociais – os movimentos de minorias étnicas; o feminismo; a luta entre liberais e conservadores – obtém espaço no campo da cultura da mídia. Na pós-modernidade a cultura da mídia abre espaço para uma discussão multicultural e multiperspectívica da realidade, o que torna os estudos teóricos em comunicação mais abertos aos próprios produtos culturais decorrentes da cultura de massa.

7-Referências Bibliográficas

ADORNO, Theodor. A indústria cultural. In: COHN, G. Comunicação e Indústria Cultural. São Paulo: Edusp, 1971. ADORNO, Theodor. HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. ADORNO, Theodor. O fetichismo da música e a regressão da audição. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1975. ADORNO, Theodor. A Televisão e os padrões da cultura de massa. In: Cultura de massa. São Paulo: Cultrix, 1973. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Benjamin, Walter. Obras Escolhidas I: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1986. BENJAMIN, Walter. A pequena história da fotografia. In: Benjamin, Walter. Obras Escolhidas I: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1986. ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 1993. JAMESON, Fredric. Pós-modernidade e sociedade de consumo. In: Novos Estudos Cebrap, No 12, jun. 1985. JAMESON, Fredric. A Cultura do dinheiro: ensaios sobre a globalização. Petrópolis: Vozes, 2001. KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru, SP: Edusc, 2001.

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