Darío Portela Núnez
ANTERO DE QUENTAL: ESTADIA EM NOVA IORQUE Antero de Quental decide viajar a América do Norte em Julho de 1969. As rações para que tomara essa decisão, como nos faz saber Teotónio Almeida (Rio Atlântico, 1999) há que procura-las numas declarações feitas por carta a um seu amigo de Lisboa e que António Arroyo (A viagem de Antero de Quental a América do Norte), autor da Renascença, recolheu para a posteridade. Parece ser que Antero ficara muito desilusionado com o ambiente social que se respirava em Lisboa e optou pela solidão para se evadir. É muito provável que esta situação psicológica no autor que aqui sometemos a estudo, tivera-o animado para que se dislocasse de Portugal. “[...] Eu vivo aqui eremiticamente, mas o espectáculo de decomposição moral desta pobre terra, que aí me estava continuamente debaixo dos olhos, tinha-se-me tornado insuportável, e fugi de Lisboa (sublinhado de Antero), preferindo a solidão, onde ao menos posso, durante largos períodos, ignorar coisas aflitivas.[...]”
Pensar ou não que Antero tinha feito essa viagem com a intenção clara de se instalar em Nova Iorque são, apenas, elucubrações que nunca com certeza chegaremos a verificar ou desmentir. O que sim é certo, como nos conta Arroyo, é que Quental foi no lá no barco de carga dum amigo: o “Carolina”. Fez arribada, primeiramente, em Nova Escócia, notando-se ele, já nessa altura, muito mal de saúde. A segunda e última visita seria a Nova Iorque onde, devido às doenças não pudo sair muitas vezes do barco e tinha que ficar em posição horizontal por não poder reter os alimentos. Aproveitava esses momentos de recuperação física pra aprender alemã que, seguramente, este fato ajudou a sua melhor compreensão das ideias de Hegel, tão presentes na sua obra artística. Das suas atividades durante a estadia norte-americana pouco se sabe tirando passeios pelo Central Park e alguma visita a certa exposição industrial. Como estamos a ver é um período da sua vida que presenta bastantes incógnitas, coisa que o faz um tema atrativo para tratar ainda que ás vezes nos introduza no terreio lamacento das hipóteses. O seu estado de saúde tinha tornado tão malo, que o seu próprio amigo (o capitão do “Carolina”) e o resto da tripulação temiam seriamente pela sua integridade. Contudo, sabe-se que o autor português valorou, nessa altura, ter ficado lá ensinando noções de língua ao filho dum banqueiro muito rico que tinha interesses no Brasil. Num primeiro momento, a sua resposta foi de aceptação, mas de ali a uns dias declinou a oferte por se topar mais doente e sem folgo nenhum para acometer tal empresa. Por outro lado, a sua situação econômica no pais das oportunidades era verdadeiramente crítica, mas não aceptou empréstimo de ninguém pois não tinha a certeza de viver o suficiente para devolver esse dinheiro. Tal era o seu estado de saúde... Pouco depois, em vez de folgar pela cidade, achou mais apropriado retornar no barco para casa. Da sua visão da curiosa viagem resulta estranho que não se conheçam nem atoparam impressões diretas de Antero sobre esta singradura com estancia no novo continente. O que sim se conhecem são as impressões que Mariano Machado de Faria e Maia, coetâneo de Quental, recolheu do autor português. São estas, aponta, umas apreciações muito parelhas às de Herbert Spencer: “Reconhecia altamente a sua grandeza e compreendia-lhe as causas, mas admirava-a mais do que a estimava. A rudeza e a grosseria americanas repugnavam-lhe. E essa apreciação, ainda assim, compreendia apenas os problemas políticos e sociais, devendo de aqui deduzir-se que o poeta não ficara a conhecer a América, que pouco ou nada ali vira, ou observara.” Esta última aclaração de Machado de Faria acho que é muito subjectiva e tem, claramente, uma visão rotundamente oposta à que Quental tem dos Estados Unidos. A Antero o que o afligia eram as pessoas e o ambiente politico-social que indultavelmente estão interconectados. Marchou de Portugal pra fugir a desídia e encontrou-se em América do Norte com a mãe de todas as desídias.
Tal vez já fosse enfermo, sendo um homem muto suscetível e propenso a se afligir pelos males do mundo, pero a estadia nos estados unidos acabou-o de rebentar. E, como se diz nestas biografias que aludimos, mesmo case o mata. Mas há que fazer uma leitura positiva e ver na estadia americana um revulsivo no intelecto com repercussões importantes na atividade social de Antero. Por isso não estranha, e mesmo semelha sintomático, que pouco depois de chegar a Portugal fosse um dos promotores das Conferencias e da e da vertente de atuação nas masas para que a sociedade analisasse o sistema de valores e ideologias na Europa para buscar uma saída frutífera ao pais. Foi no ano da Comuna de Paris (1871). Creio que não fazem falta mais aportações simbólicas ao assunto. A meu modo de ver Antero foi um visionário da repulsa mundial posterior cara o American Way of Life e o pais da doutrina Monroe (“América para os americanos”) expedida em 1823 e da potencia imperialista que chegaria a ser no SXX. Lembremos que seguia a Proudhom e aos mentores do socialismo utópico e que mesmo tinha lido a Marx e a Engels. Quental viveu a maior parte da sua vida sendo um revolucionário, também na literatura (Questão Coimbra). Um pessimista, sim, não cabe dúvida à vista de tanta apreensividade que ele tinha, mas aqui há que fazer nossas as palavras de Saramago quem bendize a todos os pessimistas já que sem eles não haveria nunca revolucionários.