Espiritualidade Redentorista A Espiritualidade é condição para não sermos figueiras estéreis, cristãos de muita folha e pouco fruto; uma caminhada interior de aprofundamento é a atitude pessoal que constrói o “quarto secreto” dentro do nosso ser, onde o encontro transformador com o Pai acontece e possibilita uma nova densidade, a todos os outros encontros nos quais a nossa vida se vai construindo. Sem o rosto do Deus-Amor é impossível a Espiritualidade cristã. O selo da Espiritualidade cristã é a sua dimensão de resposta amorosa ao Amor Primeiro de Deus. A explicação disto está no próprio rosto de Deus revelado em Jesus de Nazaré: Deus é Amor. Então, Deus é, em si mesmo, proposta de Aliança. Se falar no Deus cristão é falar em proposta de Aliança, falar em Espiritualidade cristã é falar em resposta de Aliança, resposta à Aliança. Dizer “Espiritualidade” é dizer “SIM”, é dizer Namoro, é dizer Relação. O Espírito Santo é a Pessoa Divina que possibilita a reciprocidade (relação) amorosa entre o Pai e o Filho, foi Ele o possibilitador da nova relação de Deus com a Humanidade, em Jesus Cristo. Mas, além disso, é Ele também que nos habita e nos apela a uma dinâmica relacional de densidade humano-divina (entre o Homem e Deus), ao jeito de Jesus de Nazaré. Assim, Ele é o Cristo, o Redentor do Homem: pelo Seu Espírito Santo somos resgatados do pecado para entrarmos na comunhão com Deus. Anunciar a Jesus como o Redentor é anunciar o Amor de Deus como iniciativa de reconciliação, esse Amor primeiro, que não tem em conta o nosso pecado. Porque o Amor de Deus é maior que todas as infidelidades do Homem. Por isso, de modo particular, Afonso e os redentoristas dirigem -se aos mais abandonados, anunciando a Boa-Nova do Amor não desistente de Deus! A vivência da Espiritualidade não é inconsequente no nosso agir e ser no mundo e para o mundo. Porque não se trata de um intimismo alheante, compromete-nos de uma “forma nova” com o real que nos rodeia. No meio do mundo, todo o cristão tem algumas vocações fundamentais. Destacamos ser sábio. Basta olharmos para Jesus para compreendermos que ser sábio, ao seu jeito, implica inevitavelmente ser profeta, porque saborear a realidade com o paladar de Deus implica provocá-la e transformá-la segundo a vontade de Deus! Três Chaves da Espiritualidade Alfonsiana «Jesus estremeceu de alegria sob a acção do Espírito Santo e disse: “Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque
escondeste estas coisas aos sábios e aos entendidos e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado!”» (Lc 10, 21) A espiritualidade alfonsiana é um convite à transformação pessoal que nos conduz a uma sempre renovada atitude de resposta fiel ao Amor Primeiro revelado em Jesus. Para entendermos melhor as características da Espiritualidade vivida e proposta por Afonso, vamos conhecer “os três pilares” em que ele assentava sempre o mais importante da vida e da fidelidade a Cristo. São o Distacco, a Uniformidade com a Vontade de Deus e a Oração. DISTACCO Muitas traduções têm sido feitas deste conceito, e quase todas redutoras... Desprendimento, desapego, renúncia, desprezo?.. Falemos apenas em Amor Absoluto. Este conceito remete-nos para uma atitude de seriedade perante os apelos do amor, no seguimento do Evangelho: “Quem não está comigo, está contra Mim” (Mt 12, 30); “Seja esta a vossa linguagem: ‘Sim, sim’; ‘Não, não’. Tudo o que for além disto procede do espírito do mal.” (Mt 5, 37). Eis o Amor: não aceita demissões, passividade ou meios termos! Quando Afonso fala do distacco, as expressões que superabundam são Tudo e Todo... São palavras típicas da santidade, que é exactamente, no caminhar do amor, nunca se contentar com o mediano: “amar Jesus Cristo de todo o coração”, “Jesus Cristo quer todo o nosso amor”, “Senhor, prefiro-vos a tudo”, “a Vós só quero e nada mais”, “é preciso deixar tudo para ganhar tudo”, “és o meu único amor, Tu só”, “ser todo de Deus”, “deixar tudo para ser todo” ... (Prática de Amar Jesus Cristo, cap. XI). Se queremos compreender este Amor Absoluto, olhemos para Jesus: “O meu alimento é fazer a vontade de meu Pai” (Jo 4, 34). O amor ao Pai, que se manifesta na fidelidade à sua vontade, ocupa lugar central na pessoa de Jesus; o amor a Deus abarca e unifica a totalidade da sua existência. Só um Amor absoluto unifica a existência humana, porque o Amor ou compromete a totalidade da pessoa ou não é Amor. Desta característica do distacco, enquanto amor absoluto e unificador, muitas vezes se depreende uma outra característica: dizer distacco é dizer amor exclusivo. Mas, amor absoluto e amor exclusivo não são sinónimos: o distacco é, antes, amor inclusivo. “Procurai primeiro as coisas do Alto, e tudo o resto vos será dado por acréscimo” (Mt 6, 33). O que Jesus diz é o seguinte: submetei a vossa vida e o vosso amor a uma escala gradativa
de importância. Nesta linha, falar em distacco é falar em escolher o amor a Deus como primazia, como prioridade. O distacco não é o centro da vida nem a meta do itinerário espiritual, funciona, no entanto, como um óptimo termómetro do amor a Deus. Quando o amor a Deus é uma primazia, muito se relativiza e secundariza espontaneamente... Quando o amor a Deus está no topo da escala, todas as coisas são usadas e apreciadas no seu devido valor... Quando o amor a Deus nos possui, vivemos na plena liberdade dos filhos de Deus, perante tudo e todos... É certo que o amor não obedece a leis matemáticas, mas tem no seu centro uma lógica muito séria de opções, exigências e consequências; e o distacco é uma das linhas mestras desta lógica que não tem apenas a ver com os outros ou com os bens materiais. Está sobretudo relacionado com o ser mais íntimo da pessoa humana. O essencial do distacco não se encontra no desapego livre das coisas ou das pessoas, mas na passagem pessoal “do eu ao Tu” de Deus. É este o itinerário do distacco. É um esforço que deve ser assumido conscientemente e apoiado na força de Deus que nos leva a derrotar forças egocêntricas fortíssimas que nos habitam e nos tentam fechar numa espiral de auto-enroscamento em que tudo e todos vivem “em função de mim e apenas na medida das minhas necessidades”. Para Afonso, era isto o mais fundamental do distacco: ser caminhada pascal, êxodo espiritual, de mim e das minhas coisas para Deus e as suas coisas. UNIFORMIDADE COM A VONTADE DE DEUS Falar de distacco é dizer que o amor secundariza; falar em uniformidade é dizer que o amor me secundariza, e ao mesmo tempo me unifica. Chegamos, assim, ao ideal do amor: a união com o amado. “Todo o amor aspira sempre e tende à união”. É neste amor unitivo que tem lugar a uniformidade com a vontade de Deus: amo-O de tal maneira e aspiro tão ardentemente ser com Ele, unir-me com Ele, que estou disposto a aceitar tudo que me permita unir-me mais a Ele, mesmo que seja a maior injustiça ou a maior dor. O meu amor tudo acolherá como mediação de união com o meu Amado. O importante neste acolhimento é o motivo: porque isso me permite unir-me mais a Deus. E aqui faz pleno sentido usar a palavra tudo, porque “nada nos separará do amor de Deus” (cf. Rm 8, 35) se soubermos acolher tudo como mediação de encontro, de união.
Tocamos em algo central: compreendermos qual é a vontade de Deus e de que forma se revela. “Esta é, na verdade, a vontade de Deus a vosso respeito: a vossa santificação” (1Ts 4,3). A uniformidade essencial é com esta vontade de Deus: a nossa santificação, ou seja, a nossa perfeição no amor. Mas Deus revela-se de forma pessoal, isto é, sempre de maneira nova, original e irrepetível. Além disso, a revelação de Deus nunca acontece em “estado quimicamente puro”, mas sempre através de mediações. Para aceitar a realidade como mediação de cumprimento dessa vontade, é que nem sempre estamos despertos... “Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8, 28) e “nada nos poderá separar do amor de Deus” (Rm 8, 35). Por isso, a concretização prática da uniformidade com a vontade de Deus na nossa vida passa por uma interiorização espiritual da realidade com que nos confrontamos, de modo a que cada situação, acontecimento ou encontro seja interiormente acolhido como possibilidade de crescimento no amor a Deus e aos irmãos, e aí transformado em degrau de santificação. Acolhe -se a realidade como mediação de santificação na medida em que se saboreia interiormente, se espiritualiza, se olha com critérios de essencialidade. Na nossa vida, podemos catalogar os acontecimentos, encontros ou momentos, de dois modos: agradáveis – desagradáveis; positivos – negativos. Ora, ao tratarmos do tema da uniformidade, é fundamental compreendermos que “agradável e positivo” não são sinónimos, bem como não o são “desagradável e negativo”. Viver em uniformidade é saber discernir o positivo do agradável, sabendo que tudo é mediação de crescimento no amor na medida em que for tomado positivo, e não por ser simplesmente agradável. Além disso, é necessário cultivar uma atitude teologal, isto é, de Fé, Esperança e Amor, que nos capacita a tirar até do desagradável frutos positivos para a nossa vida. Com efeito, a vida humana pode ser vivida a vários níveis. A Espiritualidade cristã conduz--nos a vivê-la ao nível do essencial, daquilo que é realmente importante. O itinerário espiritual que percorremos exige também este itinerário que nos faz passar de uma vida ao nível do acidental (exterioridade) ao nível do essencial (interioridade). É aqui que se apoia também a uniformidade com a vontade de Deus (essencial) e as mediações quotidianas nas quais se manifesta (acidental). Saborear a vida, a história, a realidade, os acontecimentos, ao nível do essencial é penetrar na própria vida de Deus e caminhar no acidental com critérios de essencialidade, de continuidade e de infinitude. É necessário “nascer de novo” (cf. Jo 3, 7), para um
novo nível de vida, vivida na sua essência, onde encontraremos o porquê e o para quê da nossa uniformidade com a vontade de Deus. ORAÇÃO Se toda a vida espiritual é a dinâmica de reciprocidade eu-Tu animada pelo Espírito Santo, a oração é o contexto interior privilegiado para o amadurecimento espiritual, já que é por ela que Deus deixa de ser um Ele para ser um Tu. Jesus é o Messias dos encontros, encontros transformadores e profundos nos quais se cumpria a Sua Missão de revelar o rosto paterno de Deus e actuava o Seu amor redentor. Mas, o encontro por excelência no qual todos os outros ganhavam lugar e sentido, era o encontro com o Pai. Com Cristo aprendemos que a oração é o encontro com o Pai que vai moldar todos os outros encontros da nossa vida. Um encontro é sempre um sair de si próprio em direcção ao outro. Portanto, é isto a oração ao jeito de Cristo, um sair de si próprio para se colocar em Deus, numa dinâmica de dom e abandono totalmente gratuito e desinteressado, como exige o verdadeiro amor.
Espiritualidade Redentorista
A principal originalidade da oração cristã encontramo-la logo como porta de entrada do modelo de oração que Jesus propôs aos discípulos: Pai (Mt 6, 9-13). Mas só compreendemos profundamente a importância desta originalidade quando Marcos nos diz qual a palavra usada por Jesus para dizer pai: “Abba” (Mc 14, 36). Abba e Imma são as primeiras palavrinhas que qualquer bebé judeu aprende a dizer. Correspondem ao nosso papá-mamã que com tanto agrado ouvimos os bebés aprender e repetir vezes sem fim quando ainda quase não se endireitam sozinhos... Portanto, numa tradução literal, o Abba de Jesus significa Papá. É exactamente nesta intimidade que Jesus coloca a oração que deve ser feita pelos seus discípulos. A oração de Cristo não é um formulário recitado a uma divindade sem nome e sem rosto, impessoal e distante, mas um recolhimento íntimo no amor e na confiança de onde brota a palavra “AbbaPapá”, não aprendida de um devocionário ou decorada pela inteligência, mas emergindo do coração onde a presença do Pai é uma certeza e o seu amor é acolhido.
Jovens Redentoristas http://www.jovensredentoristas.com Província Portuguesa da Congregação do Santíssimo Redentor Estrada da Luz, 122 http://www.cssr.pt.tc/ Comunidade Paroquial do Santíssimo Redentor—Damaia Largo da Igreja—Damaia—Amadora ©JRDamaia- 2007
Logo de manhã cedo, ao voltar para a cidade, Jesus teve fome. Vendo uma figueira à beira do caminho, aproximou-se, mas não encontrou nela nada senão folhas. Disse então: “Nunca mais nascerá fruto de ti!” E, naquele mesmo instante, a figueira secou. (Mt 21, 18--19)