Entrevista (joaquim Morgado) - Entre Laçadas.docx

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ENTREVISTA – ENTRE LAÇADAS

a) Olá Joaquim é um prazer ter você No blog ENTRE LAÇADAS. Primeiramente gostaria que você falasse um pouco como foi sua infância. Na verdade já foi há muito tempo…  Cresci numa família pequena – só o meu pai, a minha mãe e eu. Morava também connosco uma moça, que era como se fosse da família, que trabalhava lá em casa e que era quem se ocupava de mim, pois a minha mãe trabalhava. Essa moça era por essa altura uma adolescente não muito mais velha do que eu (talvez uns 10 anos se tanto), então a vida era uma brincadeira, tanto para mim quanto para ela. Lembro-me que a única coisa que realmente me chateava era obrigarem-me a dormir de tarde – parecia-me um desperdício intolerável do que poderia ser um tempo dedicado à brincadeira… mas enfim… passado um tempo pararam com essa arbitrariedade…  fui filho único, mas no quarteirão onde morávamos, todas as casas tinham os quintais para o interior do quarteirão… grandes quintais, com árvores, flores e até um lago – então chamávamo-nos uns aos outros para brincar, saltávamos os muros que separavam as casas e dávamos largas à imaginação. Nunca senti que a minha infância fosse solitária, antes pelo contrário. Nessa época era normal as crianças poderem brincar na rua, não era uma coisa perigosa – na verdade ninguém pensava nisso. O desenvolvimento pessoal e social era algo que acontecia de uma forma articulada e natural. Tinha um menino espanhol que cantava sevilhanas e fazia uns filmes que eram muito populares nessa época (Joselito), com quem diziam que eu era parecido e que eu imitava e toda a gente achava muita graça – mais tarde verifiquei que isso foi apenas o início de um indescritível martírio… nunca mais deixei de ser comparado a algum artista de cinema…  b) Fale-nos como a poesia e o gosto pela música surgiram em sua vida? E conte um momento inesquecível seu com a poesia. As origens mais remotas que eu posso identificar estão associadas aos meus pais – a minha mãe escrevia poemas ela própria e o meu pai era grande admirador de um poeta popular muito apreciado no Algarve e no país em geral, António Aleixo – o que chamariam de poeta repentista aqui no Brasil. O meu pai sustentava a sua filosofia de vida em quadras desse poeta, que sabia de cor, e provérbios que ele recitava ou proferia com enorme e profunda redundância, de forma a que não era possível duvidar de que aquilo fosse mesmo verdade… Em algum momento, entre a infância e a adolescência, eu me apercebi de que faria eu mesmo, com facilidade, alguns versos, se quisesse. Já no início da adolescência uma professora de português determinou à turma que fizesse uma redação, como trabalho de casa. Eu resolvi escrevê-la em verso (nem sei porquê) e aquilo saiu direitinho e sem esforço com uns versos de 7 sílabas que até parecia que tinha sido de propósito . Evidentemente que aquela insólita iniciativa teve um impacto enorme no dia seguinte, durante a apresentação dos trabalhos de casa e eu passei a beneficiar da reputação de «poeta». O gosto pela música era, tanto quanto posso imaginar, uma coisa inata. Aquelas imitações para que

eu era insistentemente solicitado já seriam um indício de que eu tinha o que se chama comummente de «ouvido» e era naturalmente afinado. Já na escola primária, teve um dia em que um padre chegou lá com um órgão de pedais, com a intenção de selecionar quatro crianças para um coro de pequenos cantores que ele estava pretendendo recrutar nas escolas da cidade (sabemos como os padres são pouco dados ao recrutamento de vozes femininas… então, na falta de sopranos, as crianças tinham uma «utilidade»). E aí, lá fui eu, junto com os meus outros três condiscípulos, cantar em latim para o coro dos pequenos cantores de Stª Cecília – lá, aprendi os primeiros rudimentos de solfejo… mas não latim . Mais tarde veio o violão. Tinha um grande cantor e autor de canções, muito popular como cantor de protesto, que foi para Faro dar aulas (porque naquela época ninguém vivia de canções, muito menos quem não estivesse propriamente alinhado com o regime) e era professor exatamente dessa moça que trabalhava lá em casa e que a minha mãe fazia questão de que estudasse à noite. Daí, através dela (Dadinha, o diminuitivo de Natividade – era o nome dela) comecei a admirar também esse cantor que cantava baladas e fados de Coimbra e se acompanhava ao violão – o Zeca Afonso. Comecei a aprender com violões emprestados, que encontrava em casa de amigos, até que completei o 5º ano do Liceu, que era um grau difícil e importante  e o meu pai me perguntou o que eu desejaria como presente. É claro que eu nem hesitei – foi o meu primeiro violão… mesmo meu. O momento inesquecível… são tantos momentos inesquecíveis… todos aqueles em que a poesia acontece… uns se escrevem… outros querem ser escritos… eu não sei… Uma vez fui passar uns dias, creio que um fim-de-semana, em casa de uns amigos que moravam no campo. Na hora de dormir, esse meu amigo deu-me um livro – um livro pouco conhecido nessa época em que o Fernando Pessoa ainda não estava na moda  – «O Rosto e as Máscaras» do João Gaspar Simões (o primeiro biógrafo do Fernando Pessoa. Na verdade é um livro sobre a geração dos heterónimos onde tem umas cartas, uma correspondência entre os dois. A certa altura tem uma carta em que o Fernando Pessoa descreve o modo como lhe apareceu o Alberto Caeiro e de como escreveu, num primeiro momento, uma sequência ininterrupta de quarenta e tal poemas, encostado na sua famosa cómoda, sobre a qual ele escrevia em pé. Eu lendo aquilo pensei: «mas porque não?» eu poderia fazer exatamente isso – o que me pareceu ser uma forma espontânea de escrita automática, ou coisa parecida. O que é certo é que desse impulso inicial resultaram todos os poemas que viriam a constituir o meu 2º livro (O Caos) e que apareceria depois como o único que realmente existe publicado sob o título «CAOS & POLAROID». Nesse livro tem um poema chamado «Retorno». Foi escrito numa praia, algumas partes num desses bares que tem à beira da praia, num caderninho muito pequenino, daqueles que antigamente se usavam para anotar os números de telefone. O que esse momento teve de extraordinário e inesquecível, mais do que as palavras que propriamente constituem o poema ou as sensações que vivi enquanto o escrevia, foi a percepção, para mim evidente naquele momento, de que eu era uma boca, uma laringe, onde existia uma voz que não era eu. c) Atualmente você esta morando no Brasil, em qual cidade? Existe algum motivo especial?

De momento estamos em Belo Horizonte. A minha paixão pelo Brasil e pela cultura brasileira, pelo povo brasileiro e pelos seus artistas é uma coisa que vem de longe. Deixando de lado outras especulações de natureza, digamos, mais subjetiva, começou pela música, pela canção popular. Eu comecei, lá pelos finais dos anos 60 do século passado, a escutar o Chico Buarque, a Gal Costa (as primeiras músicas brasileiras que aprendi a tocar terão sido a «Valsinha» e o «Trem das Onze», que conhecia cantado pela Gal) – paradoxalmente foi só bem mais tarde que fiquei sabendo a respeito de João Gilberto e mesmo de Tom Jobim – Vinicius de Morais, claro, que parecia misturar a aura diáfana do poeta lírico com a vertigem histriónica da «pop star». Tudo isto acontecia ao mesmo tempo que conhecíamos os Beatles e os Rolling Stones, Bob Dylan ou os Crosby, Stills, Nash and Young, mas tinha para nós duas qualidades peculiares – a língua por um lado (aquilo ser moderno e ser cantado em português) e a circunstância histórica de ambos os países viverem sob ferozes ditaduras. Gostar de música brasileira fazia parte de uma atitude de resistência contra a americanização e anglofonização do mundo, que estava em marcha desde o final da 2ª guerra mundial – isso na origem. À medida que esse sentimento se foi cristalizando, fui aprendendo a admirar o Brasil por outras razões, a sua cultura de modo mais geral e vário, bem como uma percepção que se foi desenvolvendo no meu espírito a respeito de um destino mítico da entidade nação que se manifesta através da existência do povo brasileiro, relativamente ao devir espiritual da humanidade como um todo. Atualmente, a minha mulher sendo brasileira, isso transformou-se numa coisa pessoal, que tem impacto sobre as vicissitudes da minha vida concreta e, por esse motivo, eu passo longos períodos no Brasil – geralmente no Amapá, mas agora circunstancialmente, em BH. d) Para encerrar, quero saber quais os projetos que você está desenvolvendo em sua carreira como poeta? Eu não sei se poderemos, com propriedade, falar de «carreira como poeta», tanto quanto se questionará com certeza que ser poeta possa configurar uma profissão e, consequentemente, uma carreira. Na verdade a minha vida «útil» acabou por ser dedicada à educação de crianças e essa já conheceu o seu epílogo. É claro que, ao longo desse tempo, a minha atividade sempre foi sendo pontuada com iniciativas culturais de partilha e divulgação da arte, fora do sistema educativo propriamente dito, desenvolvendo recitais de poesia, intervenções artísticas e organização de ações que visam essencialmente a possibilidade de proporcionar às pessoas interessadas a vivência orientada e a experiência da arte para aquelas que sentem inclinação ao desenvolvimento de uma sensibilidade artística. Foi nesse sentido que desenvolvi alguns modelos de funcionamento de oficinas especialmente orientadas para o «DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA ESTÉTICA» e para a «OFICINA DE POESIA» em particular, atividades para as quais continuo estando disponível. Joaquim Morgado Facebook: https://www.facebook.com/planetajoaquino/ Email: [email protected]

Telefone para contratação de peças e oficinas: +55 96 98131 7676

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