Entrevista Estilo Ping-pong

  • June 2020
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View Entrevista Estilo Ping-pong as PDF for free.

More details

  • Words: 2,152
  • Pages: 3
Entrevista

Nilo Rosa dos Santos Anaíra Lôbo e Lorena Vinturini

Há muita coisa a ser feita Mestre em Administração Pública pela UFBA, Nilo Rosa afirma que do ponto de vista da infra-estrutura para a Copa, a cidade ainda tem muito trabalho pela frente.

“A maior limitação é a cabeça dos dirigentes. A cidade não está preparada e não vai se preparar para o peso de uma competição como essa.”

Antes de iniciar a entrevista e após ficar 30 minutos ao celular resolvendo problemas de pagamento de contas, o entrevistado afirma com veemência: “É por isso que Salvador não está preparada para sediar a Copa”. Nilo Rosa dos Santos nasceu em Niterói, leciona Desenvolvimento e Economia Contemporânea II na Universidade Estadual de Feira de Santana; Especializou-se em Desenvolvimento Econômico e Social e doutorou-se em Sociologia na Universidade de Paris I – Sorbonne-Pantheon. Ser a terceira maior cidade do Brasil é um dos estímulos para Salvador ter sido escolhida como uma das sedes da Copa de 2014? Também, mas não é só isso. É que Salvador é uma capital importante culturalmente, e é importante do ponto de vista político. Não foi só o tamanho da cidade. Foram esses fatores e outros. Salvador é muito importante culturalmente no Brasil e com certeza absoluta a copa teria que ser realizada aqui também. Ser uma cidade turística também? É, com certeza. Porque uma cidade turística tem muita atração para quem virá para copa. E a opinião dos torcedores, a pressão de querer sediar? Acho que não, isso não influência em nada porque eu acredito que em todas as capitais que desejavam, houve pressão. Por exemplo, o Rio de Janeiro mesmo que não tivesse pressão nenhuma sediaria a copa. Então, não é importante a pressão, porque não tem como canalizar essa pressão para quem decidiu onde seria realizada a Copa.

Além desses estímulos, existem também as limitações cidade. Quais são as maiores? A maior limitação é a cabeça dos dirigentes. A cidade não está preparada e não vai se preparar para o peso de uma competição como essa. Pra mim, esse é o maior limite.

E a questão do transporte, que já é problemática? Essa pra mim é uma questão drástica. O governador fez tudo errado. E digo tudo errado porque eu conheço alguns secretários do governador. Eu conversei e dei a seguinte sugestão ao Secretário de Desenvolvimento Urbano, Afonso Florence: Por que o governador não faz esse estádio de futebol no Km 23, 24 ou 21 da BR? Coloca o

10 DE OUTUBRO, 2009

Entrevista

Nilo Rosa dos Santos

estádio de um lado, a rodoviária do outro lado da BR e o metrô passa no meio. Puxa todo o crescimento da cidade para aquele lado. Aquela rodoviária onde está é impossível, não existe isso... Rodoviária que você leva uma hora para chegar. Então, a Copa é o grande momento de dar outro direcionamento para a cidade. Ao invés disso, o governador vai reformar o estádio da Fonte Nova, segundo eu vi o Fernando Schmidt falar, vai criar um edifício garagem e um centro de convenções naquela área da Fonte Nova. Aquela é uma área de preservação patrimonial, não para grandes empreendimentos modernosos. Vai ficar um caos na cidade. Aí eu pergunto a você se teria capital para fazer isso? Claro que teria! Os caras vão gastar 34 bilhões de dólares para fazer um trem bala no Rio de Janeiro. Por que não pega 4 bilhões e dá para a Bahia? Vai tudo para o sul maravilha, né? E o Nordeste vai ser só alegria (risos). O metrô de Salvador está há anos em obra. Diante desse quadro, você acha possível realizar todas os projetos para a Copa em 4 anos? Eu tive em Angola e lá foi um país arrasado pela guerra. A Odebrecht está lá e a China também. Sabe o que os chineses dizem para os angolanos? “Os brasileiros fazem essa estrada em quatro anos? Nós fazemos em dois.” Tragam os chineses para cá. Eles fazem...não atrasou uma obra na China. Eu não sou dessa área, não posso dizer se dá tempo ou não. O que eu quero dizer é que tem que fazer alguma coisa que seja mais do que oba-oba. Tem que fazer algo para um novo desenvolvimento e isso seria uma decisão política. Com decisão política o dinheiro aparece. O negócio é que o governador não toma nenhuma decisão nesse sentido, só conservadoras, nada de muito arrojado. Outra questão polêmica é a segurança pública. Como ela poder ser garantida para a Copa? Não pode. O que vai ser

“O que vai ser feito (em relação à segurança) tanto aqui quanto no Rio é aumentar o número de policiais e armá-los. O que vai acontecer é um grande cerco à miséria.”

feito tanto aqui quanto no Rio é aumentar o número de policiais e armá-los. O que vai acontecer é um grande cerco à miséria, como fez Lídice da Mata na época de uma atividade ecológica que teve aqui na Bahia. Ela simplesmente limpou a cidade, tirou todos os miseráveis daqui. Então ele vai fazer isso, vai cercar como acontece no Pelourinho, vem um grupo de turistas simpáticos, loiros, de olhos azuis e um monte de policial cercando. É isso que ele pode fazer. Porque a segurança está ligada a outro fator, que ele não resolve. A segurança está ligada à forma como a maior parte da população negra de Salvador é tratada. É social. A visibilidade que a copa trará à cidade irá atrair novos turistas? Durante o evento, sim. Após o evento vai ter uma sobra, mas não vai ser determinante. A Copa Não é uma forma de propaganda? Claro que a cidade vai ficar mais conhecida. Salvador já é conhecida e a Copa vai trazer mais gente. Mas do ponto de vista do turismo do nível da copa, não vai. Falando de economia... Haverá um retorno financeiro compatível ao investimento? Olha, um retorno financeiro à altura do que poderia existir, não vai. Se o governo fosse ousado e fizesse investimento no sentido que eu sugeri aí haveria sim. Porque criaria simplesmente um novo pólo de desenvolvimento. O governo está trabalhando num pólo de desenvolvimento saturado e com outra tradição. Aquela área da Fonte

Nova não é de Shopping Center, de Centro de Convenções. Vai ter crescimento? Claro! vão ter obras, pontes, viadutos e um monte de coisa. Mas se direcionasse no outro sentido teria mais retorno. Esse retorno financeiro vai beneficiar que parcela da população? Vai beneficiar os mesmos. A Bahia ficou estagnada 100 anos. A nossa economia ficou parada até início dos anos 70. A partir daí com a chegada do grupo de Antônio Carlos Magalhães ao poder, foram 40 anos de crescimento da Bahia. Mas nesses 40 anos, quem é que ganhou? Os mesmos. Salvador é uma grande invasão, não há urbanização. As invasões têm que ser urbanizadas. O crescimento da cidade é concentrador, fisicamente. A cidade só cresce para onde a elite quer. A cidade cresce para a Vitória, Pituba, Trancredo Neves... Enquanto isso todo entorno, toda periferia Liberdade, Cajazeiras, Fazenda Grande - é uma grande favela. Essas áreas deveriam ser urbanizadas para a Copa; abrir estradas, jardins, parques... Então, quem vai ganhar são os setores hoteleiros e de turismo, que são extremamente concentrados, e as empresas aéreas. A população vai ganhar para sobreviver. Vai vender amendoim, acarajé... Mas não vai ser o que poderia. O que vai ser investido socialmente que permanecerá após a copa? Imagine a Liberdade...o que ela vai ganhar com a Copa em termos de infra-estrutura? Nada! A não ser que a gente faça como o presidente francês está querendo fazer, incluir a felicidade no PIB (Produto Interno Bruto). Se incluir a felicidade, o povo vai ganhar muito porque o baiano vai ficar muito feliz com a copa. Aí se botar isso, o PIB vai crescer...Mas falando sério, como eu disse, alguns setores vão ganhar e o povo vai ganhar para sobreviver. Mas não vejo nenhum debate, nenhum ponto de atividade do tipo de criar um grande campo na

10 DE OUTUBRO, 2009

Entrevista

Nilo Rosa dos Santos “Se a copa não precisasse de nada, só do povo de Liberdade, por exemplo, ou desapropriar uma área enorme e salvador, fazer um estádio de treinamento. Isso estaríamos é possível e necessário. Tem que ser preparados. A feito! Um dia vai ser feito... turistada poderia Esse dinheiro investido pretere chegar todinha que o setor social, já que poderia estar sendo aplicado de outra seria uma festa só. forma? Olha só, esses eventos são Agora do ponto de importantes. É como disse até o vista da infraPresidente, você tem que fazer escolas, parques...mas também tem estrutura, não.” que fazer esses eventos. Não pode falar como algumas pessoas andam dizendo que “as pessoas estão com fome, e você pensando nisso”. Isso traz recursos. Agora, a questão é a forma democrática ou não que esses recursos são aplicados. Têm obras que seriam necessárias e outras aparentemente não são necessárias agora, mas para o futuro seria. Então, se urbanizasse a Liberdade - é uma idéia absurda - mas se fizesse isso para a Copa poderia não ser fundamental, mas para frente seria. Tiraria dinheiro de alguma outra obra e colocaria numa obra como essa. Na verdade, você pode colocar dessa forma, que a infra-estrutura que vai ser criada para a Copa retira dinheiro de outras atividades, já que a grande dificuldade de Salvador é a geração de renda. Qual o maior interesse político que permeia a escolha da cidade como sede? O Nordeste sempre foi preterido nos grandes investimentos. Na época da ditadura militar você via grandes obras no sul. O metrô no Rio de Janeiro é uma maravilha, a ponte Rio-Niterói é magnífica. Nesse período todo, qual foi o grande investimento que teve no Nordeste? Um ou outro. Até a grande obra do Lula que seria a transposição do São Francisco, que traria muito dinheiro para o Nordeste, está encalhada. Então, o interesse político, que foi a grande briga de Wagner, era exatamente trazer para cá esse evento para trazer investimento e visibilidade para o Nordeste.

As eleições de 2010 irão interferir nos projetos da Copa? Eleições só ajudam, elas trazem um momento de ebulição que as pessoas querem discutir, criticar e concorrer. Então a eleição é um momento propício para um evento como esse porque se as coisas não estiverem bem encaminhadas até o ano que vem, as obras não estiverem começado e os projetos não estiverem claros para a população, Wagner perde, Geddel perde. É propaganda. Salvador é palco de grandes eventos como o Carnaval. Essa experiência ajuda?Ajuda muito porque o Carnaval de Salvador é uma grande festa e é tradicional. Então o povo de Salvador já tem muita experiência de receber turista. O problema é que a fome e a miséria atrapalham um pouco porque se tiver que assaltar o turista, o cara assalta. Fora essa brincadeira, essa festa dá a Salvador a certeza que vai ser uma bela festa. Do ponto de vista da festa eu não tenho dúvida que a Bahia fará bonito.(mudei) Nós temos tradição de grandes festas, a gente exporta festa.

não tem nada de inovador. O prefeito continua a pensar a cidade para as próximas eleições e não para daqui a 10, 15, 20 anos! No ano das eleições eles fazem obras de impacto. Nas últimas eleições o prefeito ganhou com aquela obra da Centenário. Ele faz obras nos grandes corredores e acha que é suficiente. Isso que ele fala só teria sentido se ele tivesse pensando a cidade mais a frente. É um grande evento, é um grande momento, mas é preciso que o dirigente seja arrojado e ele não é. Salvador está preparada para sediar a Copa de 2014? Não. Não está preparada. As autoridades têm um longo caminho pela frente, muita, mas muita coisa para fazer. O povo está preparado. Se você me perguntar se povo de salvador está preparado para a Copa a resposta é: tranqüilamente! Se a copa não precisasse de nada, só do povo de Salvador, estaríamos preparados. A turistada poderia chegar todinha que seria uma festa só. Agora do ponto de vista da infra-estrutura, não. Ainda tem muito trabalho pela frente. Aí sim vai valer a pressão popular, porque o povo está vendo que as obras do metrô estão paradas. Eles cobrarão e essas obras vão ter que sair. Então eu acredito que do ponto de vista do preparo do povo estamos prontos para a copa. Já do ponto de vista do preparo das autoridades administrativas, de gestão, de projetos, principalmente de projetos arrojados, não! De projetos que a Bahia precisa que o Nordeste precisa e que Salvador precisa. Eu acho isso...

Segundo o prefeito, um evento como a Copa pode significar o início de uma verdadeira transformação positiva da cidade. Você concorda? Não. Eu concordo se as autoridades tivessem essa compreensão. Porque do ponto de vista dos investimentos 10 DE OUTUBRO, 2009

Related Documents

Pingpong
November 2019 4
Estilo
July 2020 22
Estilo
December 2019 32
Estilo
July 2020 13
Pingpong Perempuan.docx
October 2019 4