Dificuldades De Aprendizagem Importante.pdf

  • December 2019
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View Dificuldades De Aprendizagem Importante.pdf as PDF for free.

More details

  • Words: 4,244
  • Pages: 15
1 Dificuldades de aprendizagem Enfoque psicopedagógico

Maria das Graças Vasconcelos Paiva Professora Adjunta, Instituto de Psicologia, Departamento de Fundamentos da Psicologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Patrícia Gomes de Azevedo Aluna do Curso de Psicopedagogia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro

1

Dificuldades de aprendizagem

| Introdução

A

s dificuldades de aprendizagem fazem parte da realidade das salas de aula de nossas escolas e têm gerado grande ansiedade nos professores, devido ao seu agravamento e à falta de solução imediata.

Segundo dados do Censo Educacional 2001-2002, Brasil (2002), mais de 25% de todas as crianças ingressadas no 1ª. série do ensino fundamental (5,89 milhões) fracassaram e não alcançaram a 2ª. série. O fracasso que se iniciou no período de alfabetização se estendeu até a 5ª. série, em que 33,6% dos alunos não conseguiram vencer. Muitas crianças deixam a escola ou terminam o fundamental sem saber ler e escrever. Capovilla e Capovilla (2007) vêm ressaltando isso. O objetivo deste trabalho é refletir sobre esta questão sob a perspectiva psicopedagógica, tentando evitar uma visão segmentada do sujeito e refletir sobre um ponto: significa fracasso na escolaridade o mesmo que falta de instrução? As dificuldades de aprendizagem ocorrem devido a várias causas. A criança pode apresentar alguma dificuldade cognitiva particular que faz com que o 3

1Atualização em transtornos de aprendizagem

aprendizado de certas habilidades se torne mais difícil que o normal. Contudo, a aprendizagem de alguns problemas, senão da maioria deles, resulta de questões educacionais ou ambientais que não estão relacionadas às habilidades cognitivas da criança. Estratégias educacionais ineficientes podem afetar gravemente o nível de aprendizado infantil. Independente da causa primária, as crianças com dificuldades de aprendizagem estão defasadas em relação a seus colegas quanto a importantes aspectos da aprendizagem. A psicopedagogia constitui uma das vertentes da ação educativa pedagógica que se refere à Psicologia Escolar. Por ser do domínio da ação, ela se exerce buscando diagnosticar e analisar os fatores que favorecem, intervêm ou prejudicam a aprendizagem. Um de seus objetivos é atuar junto a crianças com problemas nesta área, a pais e professores, intervindo no sentido de levar o aluno a reencontrar o prazer de aprender. O psicopedagogo pode também atuar de acordo com um sistema de finalidades livremente escolhido por ele ou atribuído pela instituição. Este campo de conhecimento pode ser considerado uma área da saúde e sua atuação pode ocorrer tanto no plano curativo quanto preventivo. Na função preventiva, cabe a este profissional atuar nas escolas e em cursos de formação de professores, dedicando-se a áreas como desenvolvimento infantil e na organização do ensino e aprendizagem. No aspecto curativo, sua prática clínica se dirige a crianças e adolescentes com problemas de aprendizagem, a seus respectivos pais e professores.

| Aspectos históricos das dificuldades de aprendizagem Para o Comitê Nacional Americano de Dificuldades de Aprendizagem (Meisels & Wasik, 1989), a expressão dificuldades de aprendizagem refere-se, genericamente, a um grupo heterogêneo de desordens, manifestadas quando da aquisição e no uso da audição, da fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. A origem da categoria dificuldades de aprendizagem desenvolveu-se a partir do conceito de “criança com lesão cerebral” formulado por Strauss e 4

1

Dificuldades de aprendizagem

Wener apud Polity (2001). Eles tentaram estabelecer diferenças entre crianças com retardos mentais endógenos (genéricos que se formam no interior do órgão) e exógenos (que se formam no exterior ou na superfície, ligados a uma parte do corpo; lesões cerebrais, não genéricos). Os autores perceberam que a maioria das crianças com dificuldades de aprendizagem mostrava sintomas gerais característicos de crianças com lesão cerebral mínima, a conhecida síndrome de Strauss, que incluía entre seus sintomas distúrbios motores, da percepção, dos conceitos e do pensamento, perseveração, dispersividade, entre outros. Mais tarde, estes componentes foram ampliados e subdivididos, mas até hoje constituem o núcleo das características comportamentais de crianças com dificuldades de aprendizagem (Polity, 2001). Durante muitas décadas, especialmente nos anos 1940, a visão organicista foi a mais defendida para explicar as dificuldades de aprendizagem. Contudo, gradativamente, educadores, psicólogos e psiquiatras reconheceram a importância de outras abordagens como psicologia comportamental, cognitiva e os processos afetivo-emocionais. A visão organicista, no entanto, sempre prevaleceu sobre a educativa, reabilitadora e psicológica (Sisto & Martineli, 2006). Na década de 1960, a expressão dificuldade de aprendizagem competia com o conceito de transtorno de aprendizagem. Em 1965, surgiu nos EUA a Associação Nacional para Crianças com Dificuldades de Aprendizagem. Em seguida, outras foram aparecendo durante a década de 1970. No final dessa década, as dificuldades de aprendizagem constituíam um fenômeno social que terminou na metade dos anos 1970, classificado como distúrbio, sendo que os problemas de leitura e linguagem dominavam a cena. Este fato é difícil mesmo de ser negado, pois 60% das deficiências de aprendizagem residem na área da leitura. Nos anos 1980, a questão voltou a ser considerada de forma mais ampla, incluindo, além dos problemas de leitura, os da escrita. A tendência era ver sempre fundamentos explicativos neurológicos para os problemas de leitura e funcionais para outros mais específicos como disgrafia, discalculia, disortografia. Com base em dados empíricos, pesquisadores ingleses sugeriram que uma em cada seis crianças tinha chance de necessitar de algum tipo de ajuda 5

1Atualização em transtornos de aprendizagem

educativa especial em algum momento, seja por causa de uma dificuldade duradoura, ou não. Chazan (1980, apud Sisto & Martineli, 2006) confirma que 21% de sua amostra, na Inglaterra, tinham necessidades especiais de natureza leve, moderada ou grave. A partir de 1990, pesquisadores norte-americanos começaram a considerar a dimensão social do problema, tomando mais consciência e conhecimento da questão, o que resultou na melhoria das técnicas de diagnóstico e numa maior aceitação social do fenômeno. No Brasil, mesmo considerando a falta de estatística a este respeito, sabe-se que o número de crianças que não se alfabetizam nem mesmo até a 2ª. série, é estimado em 60%. O ciclo básico, assim como a proposta de não avaliação até a 4ª. série do ensino fundamental, só fez diminuir ainda mais as estatísticas sobre as dificuldades de aprendizagem.

| Definição do problema A definição do conceito de dificuldades de aprendizagem traz algumas preocupações que devem ser primeiramente salientadas. Nem sempre o termo distúrbio de aprendizagem foi definido sem ambiguidade, de forma objetiva e diferenciada. Com o avanço das teorias educacionais e psicológicas, o tênue limite entre ambos e a confusão feita por alguns autores puderam ser esclarecidos. Foi adotado, neste trabalho, o termo dificuldade de aprendizagem porque sobre este há um consenso, desde os anos 1960, de que o aluno não é o único responsável pelo sucesso ou fracasso na aprendizagem. E passou-se a considerar o fato de que os problemas de aprendizagem podem ser gerados, também, pelo ambiente educacional; mas sem perder de vista as possíveis origens orgânicas e intrínsecas ao sujeito. Por dificuldades de aprendizagem se entendem todos aqueles entraves no processo de aprendizagem provocados não só por problemas cognitivos e/ ou emocionais, mas também por situações geradas pela variável escola e pelos 6

1

Dificuldades de aprendizagem

ambientes educacionais. Já o termo distúrbios de aprendizagem se refere mais a questões intrínsecas do aluno, como disfunções neurológicas. A segunda precaução a tomar é quanto ao diagnóstico que, por ser de ordem acadêmica, corre o risco de levar a falhas e tendências por falta de abrangência dos instrumentos utilizados e observações feitas para se chegar aos resultados. As dificuldades de aprendizagem são pluricausais, e um diagnóstico pouco criterioso pode ter sérias consequências para o indivíduo, como rotular, gerar preconceitos, e um longo período de tratamento, às vezes de necessidade questionável. Isso sem considerar os problemas de natureza afetivo-emocional. Torna-se muito difícil diagnosticar uma criança como tendo dificuldades de aprendizagem sem ter domínio sobre as múltiplas causas que podem provocar a queda na aprendizagem. Raramente, as dificuldades de aprendizagem se deixam com segurança diagnosticar antes do fim da préescola ou no início do ensino fundamental. Esta é uma variável muito sensível ao fator desenvolvimento. Entre as características de uma pessoa com dificuldade de aprendizagem se encontram: a inteligência normal ou elevada, ausência de problemas sensoriais ou motores, oportunidades escolares adequadas e proveniência de meio socioeconômico favorável (Sternberg & Grigorenko, 2006), o que não está em contra-senso com o conceito. Apesar dos esforços teóricos e metodológicos realizados pelos pesquisadores da área, não há uma definição aceita universalmente do que seja dificuldade de aprendizagem, pois a coexistência de variáveis heterogêneas no mesmo grupo dificulta a demarcação de fronteiras. Historicamente, a delimitação deste conceito está vinculada a um grupo de mães de Chicago, que, a partir de 1963, lutou pelo diagnóstico de seus filhos que manifestavam dificuldades para a aprendizagem escolar, sem causa aparente. O grupo tomou a iniciativa de convidar diversos profissionais de psiquiatria, psicologia, neurologia, solicitando uma definição para o caso de seus filhos que recebiam os mais diversos diagnósticos, tais como o de portadoras de lesões cerebrais ou disfunções cerebrais mínimas ou dislexia, deficiência 7

1Atualização em transtornos de aprendizagem

mental, auditivas e motoras. Neste contexto, o psicólogo Samuel Kirk, apud Sisto e Martineli (2006), que trabalhava com crianças com problema de leitura e retardo mental, sugeriu o termo dificuldade de aprendizagem para denominar a questão. As dificuldades de aprendizagem, em nosso país, não configuram uma categoria, a não ser dentro da educação especial como parte da con­ cepção geral de necessidades educativas especiais. No início dos anos 1960, os educadores norte-americanos classificavam, em ordem decrescente com base em resultados de teste de inteligência (medida de QI), as crianças que não aprendiam a ler e escrever. Elas eram classificadas em cinco grandes categorias: 1) aprendizes lentos (QI entre 75 e 90, inteligência abaixo da media); 2) retardadas mentais (QI abaixo de 75); 3) crianças com transtornos emocionais e socialmente não adaptadas; 4) privadas ou marginalizadas culturalmente; e 5) crianças portadoras de dificuldade de aprendizagem. Num primeiro momento, o conceito de dificuldade de aprendizagem foi usado de forma ideológica para explicar e justificar o fracasso de crianças provenientes de grupos sociais desprivilegiados, sugerindo uma suposta falta de capacidade dos negros para a leitura. Enquadravam nas últimas categorias os negros, os pobres e os migrantes; nas primeiras, as crianças de classe média (Sisto & Martineli, 2006). No final dos anos 1960, as dificuldades de aprendizagem constituíam um fenômeno social que terminou na metade dos anos 1970, sendo classificado como distúrbio. Os problemas de leitura e linguagem dominavam a cena, já que cerca de 60% das deficiências de aprendizagem residem na área da leitura, problemas na escrita e na fala (Wong, 1996, apud Sisto & Martineli, 2006). Em 1980, de acordo com Sisto e Martineli (2006), estudos realizados no Texas consideraram como sendo os problemas mais típicos das crianças com dificuldade de aprendizagem as falhas na escola, deficiência em leitura, escrita e linguagem, imaturidade, e desempenho sócio-interativo inferior à média. As dificuldades de aprendizagem se diferenciam dos déficits de atenção e hiperatividade, ainda que haja coexistência desta em 40 a 50% dos casos. Apesar 8

1

Dificuldades de aprendizagem

de serem produtoras de debilidade na aprendizagem, estas síndromes não podem ser classificadas como um quadro de dificuldades de aprendizagem.

| As dificuldades de aprendizagem na perspectiva da psicopedagogia A psicopedagogia é uma área de estudo responsável por intervir e tentar compreender as dificuldades encontradas no campo das aprendizagens humanas. Os psicopedagogos defendem que a aprendizagem exige um encontro de um ser histórico, um organismo em nível de estruturação cognitiva, um sujeito que possui emoções e tantos outros aspectos pessoais e sociais. Define as dificuldades de aprendizagem como sintomas que expressam necessidades que aparecem no mesmo momento histórico em que está ocorrendo a aprendizagem (Visca, 2003). Para a psicopegagogia, estar em situação de defasagem na aprendizagem significa estar diante de algo que pode ter natureza afetiva, cultural, cognitiva, funcional, ou uma combinação destes fatores. O indivíduo pode não conseguir vencer essa situação por falta de ferramentas, ou por não saber utilizá-las para transpor os bloqueios. De acordo com Barbosa (2006), a presença do desafio nem sempre será caracterizada como uma dificuldade patologizante, isso vai depender da forma como este é encarado pelo sujeito, pela família e pela comunidade em geral. As aprendizagens não são entidades desconectadas do meio, ou seja, doenças internas aos aprendizes. Em toda ação, este ser total precisa ser considerado em interação com as situações de aprendizagem. Como área multidisciplinar (psicologia cognitiva, neuropsicologia, psicolinguística, patologia da linguagem entre outras) a própria psicopedagogia está constantemente a exercitar este esforço integrador a fim de atingir seus objetivos. Sua contribuição é valiosa no sentido de mostrar a necessidade de superar formas simples de classificação (ter ou não ter), mostrando que as dificuldades de aprendizagem são um contínuo de gravidades e de diferenças entre as pessoas, passível de acontecer durante o ciclo vital de qualquer um. Tudo isso pode levar a um melhor entendimento das questões de aprendiza9

1Atualização em transtornos de aprendizagem

gem ainda sem solução. Sem abandonar a questão da patologia e etiologia dos transtornos de aprendizagem, “a psicopedagogia aprofunda conhecimentos que lhe possibilitam uma contribuição efetiva não só relacionada aos transtornos de aprendizagem, mas também na melhoria da qualidade de ensino oferecido nas escolas”(Scoz, Rubenstein, Bossa, & Barone, 1987, p. 34). A psicopedagogia surgiu com a proposta de facilitar o acesso à aprendizagem e com o objetivo de ir mais além, buscando um contato direto com o indivíduo. Esta é uma das razões pelas quais não se pode deixar de considerar os fatores culturais, afetivos e cognitivos que ocorrem dentro da família, da escola e da comunidade. Com relação à situação social, grande número de crianças brasileiras e de outros países africanos e asiáticos sofre uma desvantagem de natureza socioeconômica o que acarreta um atraso considerável de natural social; em consequência, seguem-se problemas escolares de adaptação logo nos anos iniciais. Elas não percebem na escola o seu mundo e lá não relatam livremente suas experiências em classe, porque até mesmo a escola rejeita e desconhece sua cultura, suas crenças e história. Embora teoricamente os professores afirmem que o cotidiano e as experiências infantis anteriores sejam fundamentais para a aprendizagem, nem sempre eles as descortinam como temática na sala em classe. Sem considerar o que povoa a mente da criança, pode-se criar um distanciamento e desenvolver um obstáculo ao conhecimento e à comunicação. Surgindo dificuldades de aprendizagem, geralmente a escola encaminha as crianças para serem tratadas fora de seus muros, sem as ver ou ouvir como portadoras do sintoma da doença da instituição. A instituição se defende atrás de programas curativos para continuar parada e ineficiente. A história escolar de cada um professor também contribui para o sucesso ou o fracasso (Bollone, 2003). Este conhecimento histórico pode facilitar a nossa compreensão e nos orientar na intervenção dos problemas de aprendizagem, considerando o sujeito em todas as dimensões: a dinâmica afetiva, social e biológica que estabeleceram ao longo de sua história (Smith & Strick, 2003). 10

1

Dificuldades de aprendizagem

Por um lado, toda informação que uma criança com dificuldade de aprendizagem recebe deve ser processada quando enfrenta problemas, por outro é fundamental fazer uma reflexão sobre o que sente e como reage afetivamente às situações de pressão e conflito entre outras. Segundo Piaget (1995) a afetividade seria a energia da qual depende o funcionamento da inteligência sem, contudo, modificar as estruturas desta última. Esta afirmativa leva a inferir que a vida afetiva pode ser a desencadeadora de nossas condutas, acelerando ou retardando o desenvolvimento intelectual, mas não é capaz de construir novas estruturas, nem tampouco de modificar as já existentes. Os aspectos afetivos e cognitivos são de natureza distinta, uma nova estrutura privilegia os aspectos qualitativos enquanto a energia se refere a uma intensidade, supõe sempre estruturas pré-existentes e opera independente do conteúdo, enquanto o afeto seleciona o conteúdo ou o objeto sobre o qual quer agir de acordo com o seu interesse. As variáveis afetivas ganharam nos últimos anos considerável peso, em especial, na psicopedagogia onde se procura resgatar o indivíduo como ser total. A relação defendida por Piaget entre o cognitivo e o afetivo, embora se restrinja ao campo teórico, já aponta para a importância de se considerar os elementos afetivos em todos os atos inteligentes (Pinto, 2003). Na visão da psicanálise, o primeiro interesse de investigação da criança é sobre o seu lugar no mundo, estando esta questão diretamente relacionada com a descoberta de sua posição masculina e feminina. Assim, parte do desejo de saber mais sobre a sexualidade é reprimida e parte é sublimada, ou seja, deslocada para outros elementos socialmente adaptados, não ligados socialmente à sexualidade, mas que permitem ao indivíduo continuar a sua busca na tentativa de compreender o seu lugar no mundo. A afetividade e os impulsos afetivos sexuais são os motores do desenvolvimento psicológico aos quais se subordinam os processos intelectuais. Os processos instintivos são controlados através de mecanismos de defesa. Tradicionalmente, os estudos que se interessam pelas bases cognitivas das dificuldades de aprendizagem se concentram em várias áreas como lin11

1Atualização em transtornos de aprendizagem

guagem, leitura, escrita, matemática e com as dificuldades gerais. O problema principal colocado é o de saber de que forma o sistema cognitivo das crianças com dificuldade de aprendizagem processa as demandas de tarefas cognitivas, tendo como parâmetros os sistemas cognitivos das crianças com desempenho escolar normal. O ensino de algumas dessas tarefas supõe muitas dificuldades, tanto do lado de quem ensina como de quem aprende. Na visão de Bryant e Bradley (1987), toda criança encontra dificuldade em aprender a leitura e a escrita. São fundamentais para esta aprendizagem o registro e a consciência metalinguística do significante para reconhecimento explícito da palavra. Na leitura, a criança deve segmentar a palavra explicitamente em seus menores elementos, tomar consciência deles e assim chegar ao princípio do alfabeto, que pressupõe a consciência da menor unidade sem significado que permite discriminar uma palavra da outra. Assim, este princípio torna o sujeito capaz de reconhecer a palavra escrita e de decodificar. Para ilustrar com um exemplo, MAR, BAR e DAR são três palavras diferentes formadas de três sons elementares. A única diferença entre elas é o primeiro fonema /M,/ /B,/ /D/. Há dificuldades que não estão relacionadas ao desenvolvimento da criança e que necessitam de acompanhamento específico para orientá-la e orientar a equipe de professores quando necessário. As pessoas que apresentam distúrbios de leitura (disléxicos), podem não apresentar nenhuma dificuldade para falar, embora tenham problemas para processar símbolos escritos. As dificuldades mais comuns encontradas pelos professores na escrita são: dificuldades ortográficas, omissões na escrita, falta de registro e comportamento regressivo no processo de aprendizagem da escrita, entre outras. Nos últimos anos, foi constatada a necessidade não só de maior pesquisa sobre como o ser humano aprende a ler, mas também melhor maneira de ensinar a leitura. Constitui uma descoberta científica o fato de que a leitura se baseia em representações fonológicas e, portanto, o método fônico (Capovilla 12

1

Dificuldades de aprendizagem

& Capovilla, 2007a, 2007b) seria o mais indicado para o ensino desta habilidade. Estas pesquisas foram estimuladas pela constatação de que o número de crianças com dificuldade em aprender a ler estava sempre aumentando em todo o mundo, e pouco se conhecia como o sistema cognitivo processava a leitura. Infelizmente em nosso país o ensino da leitura traz dificuldades. Em nossas escolas ainda contamos com alunos heterogêneos em classes regulares, possuindo, muitas vezes, algumas deficiências de linguagem e tendo professores faltosos e nem sempre bem preparados e bem renumerados para ensiná-los. Ocorre ainda o fato de que os sistemas escolares de ensino são desafiados por ações judiciais que os acusam de falhar na provisão de programas educacionais adequados. Os problemas de leitura só aparecem quando a criança começa a relacionar letra e som, e isso só ocorre na escola, quando da aprendizagem sistemática da leitura e ela terá de segmentar a palavra explicitamente; Em muitas famílias, os pais não envolvem os filhos ainda não alfabetizados em leitura, lendo junto e para eles; mostrando figuras em um livro, lendo em voz alta, encorajando-os a criar palavras que rimam ou de sons similares, ou mesmo aumentando o seu vocabulário ou mesmo, ouvindo-os. Esta reação dos pais não é, contudo, irracional; afinal, pensam eles, é para isso que irão à escola. Assim, os problemas serão detectados só quando a criança já está na escola dando início à aprendizagem de leitura. Os pais geralmente sentem culpa e expressam “que deveriam ter percebido antes”. Pode parecer estranho, mas alguns pais preferem aliviar a ansiedade, aceitando a explicação de cérebro mal formado, hereditariedade ou genes problemáticos por terem deixado de proporcionar à criança um ambiente de leitura adequado. No caso da dislexia, as pesquisas de abordagem neuropsicológica e neurológica se esforçam para propor, se possível, alguma medida médica, mas o que tem dado mais resultado na prática é o esforço educacional. Segundo Sternberg e Grigorenko (2003), os esforços educacionais podem ser classificados em três categorias: 13

1Atualização em transtornos de aprendizagem

1. Tipos especiais de pré-leitura e ensino precoce de leitura, assim como programas especiais de apoio, quando necessários realizados por professores com treinamento adequado; 2. Uma quantidade significativamente maior de prática de leitura consciente e apurada, incluindo exercícios em computador; 3. Aumento de consciência dos pais para desenvolver habilidades de pré-leitura nos filhos, encorajar a prática do leitor iniciante com dificuldade e dar continuidade por meio de um programa de reforço. O tratamento bem sucedido envolve a escola, o suporte da família e a prática da criança. Para alcançar este objetivo é necessário que o profissional seja competente em conhecimentos fundamentais sobre a correspondência entre linguagem escrita e falada e a estrutura da linguagem. Segundo Demo (2005), o papel do professor é crucial, pois a forma como ele encara as dificuldades dos alunos pode facilitar ou não o desenvolvimento da aprendizagem. Ser um aluno deficitário na aprendizagem não significa uma condição permanente. Este momento pode mostrar mudanças, buscar um equilíbrio, ou até mesmo uma regressão necessária, cuja causa é desconhecida. Se buscarmos sempre ver o erro, podemos esquecer os elogios. Uma consequência deste fato é que corremos o risco de ver a criança como possuidora de um problema maior na escolaridade. Os pais, quando convivem constantemente com a criança, acumulam uma grande quantidade de experiência sobre o seu desenvolvimento e se encontram em uma posição privilegiada para detectar problemas de toda ordem sobre elas. São uma fonte de informação segura, mesmo que não possuam detalhes sobre o desenvolvimento infantil, e podem ajudar no diagnóstico e tratamento de seus filhos. O professor pode, em parceria com as famílias, ajudar umas crianças que precisam de mais tempo para aprender uma tarefa do que outra. São as atitudes da família e do professor frente à criança que vão definir uma dificuldade de aprender ou não. Ainda orientados pelos professores, os pais podem observar mais o desenvolvimento da linguagem dos filhos, em geral, e, de forma particular, ajudá-los na aquisição do vocabulário. 14

1

Dificuldades de aprendizagem

| Conclusão Concluímos que muitos fatores são necessários para solução desse complexo problema: pedagógicos, políticos, econômicos, sociais e institucionais. A psicopedagogia, como campo de intervenção interdisciplinar, pode atuar efetivamente em termos de trabalho preventivo-institucional em salas equipadas para atender a crianças com dificuldades de aprendizagem. Esta é uma questão prática e também teórica. Infelizmente em muitos estados da União esta realidade ainda não existe. Pode ainda participar do funcionamento das atividades educacionais e das relações institucionais com o intuito de fazer valer os direitos e a formação para a cidadania.

| Referências |

1.

Barbosa, L. M. S. (2006). Psicopedagogia: um diálogo entre a psicopedagogia e a educação. Curitiba, PR: Bolsa Nacional do Livro.

2.

Bollone, G. J. (2003). Dificuldades de aprendizagem ou dificuldades escolares. Psiq Web. Disponível em . Acesso em fevereiro de 2005.

3.

Bryant, P., & Bradley, L. (1987). Problemas de leitura na criança. Porto Alegre, RS: Artes Médicas.

4.

Capovilla, A. G. S., & Capovilla, F. C. (2007a). Alfabetização: método fônico (4ª. ed.). São Paulo, SP: Memnon.

5.

Capovilla, A. G. S., & Capovilla, F. C. (2007b). Problemas de leitura e escrita: como identificar, prevenir e remediar numa abordagem fônica (5ª. ed.). São Paulo, SP: Memnon.

6.

Demo, P. (2005). Ser professor é cuidar que o aluno aprenda. São Paulo, SP: Cortez.

7.

Brasil (2002). Censo Educacional 2001-2002. Brasília, DF: Inep – Mec, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Disponível em . Acesso em março de 2008.

8.

Meisels, S. J., & Wasik, B. A. (1989). Who should be served? Identifying children in need of intervention. In S. Meisels, & Shonkoff (Eds.), Handbook of early childhood intervention. Cambridge, MA: Cambridge University Press

9.

Piaget, J. (1995). A psicologia da criança. Rio de Janeiro, RJ: Bertrand Brasil.

10. Pinto, M. A. L. (Org.), (2003). Psicopedagogia: diversas faces, múltiplos olhares. São Paulo, SP: Olho d´Água. 11. Polity, E. (2001). Dificuldades de aprendizagem e família: construindo novas narrativas. São Paulo, SP: Vetor. 12. Scoz, B. J. L., Rubenstein, E., Bossa, E. M. M., & Barone, L. M. C. (1987). Psicopedagogia: caráter interdisciplinar na formação e atuação profissional. Porto Alegre, RS: Artes Médicas. 13. Sisto, P. P., & Martineli, S. C. (2006). Afetividade e dificuldade de aprendizagem: uma abordagem psicoeducacional. São Paulo, SP: Vetor. 14. Smith, L., & Strick, L. (2003). Dificuldades de aprendizagem de A a Z: um guia para pais e educadores. Porto Alegre, RS: Artmed. 15. Sternberg, R. J., & Grigorenko, E. L. (2006). Crianças rotuladas: o que é necessário saber sobre as dificuldades de aprendizagem. Porto Alegre, RS: Artmed. 16. Visca, J. (2006). Os caminhos da psicopedagogia no terceiro milênio. Disponível em: . Acesso em maio de 2006.

15

Related Documents

Dificuldades
July 2020 9
Dificuldades
May 2020 14
Dificuldades
December 2019 13
Aprendizagem
June 2020 19