Desigualdade e Pobreza Por Eliana Simonetti A disparidade entre os muito ricos e os muito pobres é o principal problema a enfrentar no terceiro milénio. A Suécia tem sensivelmente a mesma área de terreno cultivável de Cuba, recursos naturais semelhantes, um clima menos propício ao cultivo e menos população, mas o PIB (produto interno bruto) sueco é 11 vezes maior do que o cubano. A diferença em dólares norte‐americanos, em termos de rendimento per capita, de uma das nações industriais mais ricas do mundo, a Suíça, e um dos países mais pobres, Moçambique, é de cerca de 90 para 1. A pobreza afecta profundamente os países do Sul de África e da América Latina. Segundo o Banco Mundial, 81% da população do planeta tem rendimentos que, nos Estados Unidos, seriam qualificados como apenas suficientes para uma má alimentação. A questão preocupa, há muitos anos, o Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas e FMI. Mas não há receita alguma de órgão financeiro ou entidade benemérita capaz de a resolver com facilidade. Os países com economias emergentes que se empenharem com vigor no combate às desigualdades sociais poderão diminuí‐las, mas nunca a curto prazo. Países verdadeiramente miseráveis, como muitos dos africanos, talvez nem consigam fazê‐lo sem ajuda externa. Entretanto é preciso fazer alguma coisa para evitar que haja disparidade tão grande entre um belga e um habitante da Uganda. Um seminário realizado em 2001 na Universidade de Harvard, Estados Unidos, em que participaram académicos das mais variadas especialidades como historiadores e economistas, debateu o problema ao longo de uma semana, na perspectiva da identificação das suas causas. Concluiu‐se que, para além dos motivos conhecidos, como a escassez de recursos naturais, governos com administrações desequilibradas e falta de oportunidades de negócio, os países pobres sofrem por uma razão menos palpável: têm uma mentalidade que não favorece o enriquecimento, uma cultura da pobreza. «Mais do que qualquer dos factores que influenciam o desenvolvimento dos países, é principalmente a cultura que explica por que é que alguns se desenvolvem mais rápida e homogeneamente do que outros», afirma o economista Lawrence Harrison, professor em Harvard e autor do livro Underdevelopment Is a State of Mind. A conclusão foi tão perturbadora, que se passou a discutir se era lícito que países desenvolvidos ou instituições internacionais interviessem para promover a mudança de mentalidade dos povos.
Nos Estados Unidos existe uma vasta literatura sobre o assunto. O livro mais divertido chama‐se Eat the Rich e foi escrito por um jornalista, P. J. O’Rourke, que passou diversos anos a viajar, conheceu países muito pobres e muito ricos, e teceu hipóteses explicativas para a disparidade. A primeira é que não pode ser uma questão de inteligência, porque nenhuma parte do mundo reúne tantas pessoas estúpidas, mas ricas, como Beverly Hills; em contrapartida, na Rússia, onde o xadrez é um desporto‐rei, as pessoas passam fome. A explicação também não está só nos recursos naturais: África tem diamantes, ouro, urânio e muito mais e é paupérrima; Escandinávia é pequena e gelada e é rica. Sua conclusão: «o milagre da prosperidade das economias industriais modernas está nos princípios que os nossos pais nos ensinam desde a infância — a importância do trabalho, da educação, do respeito pela propriedade alheia, pela lei e pela democracia». A Colômbia tem terras férteis e um clima favorável para o cultivo de flores. Na década de 1970, alguns fazendeiros começaram a dedicar‐se a essa actividade. Com o tempo, descobriram que poderiam exportar para os Estados Unidos, onde as flores tinham preço elevado. Criaram uma rota aérea para Miami e relaxaram. Anos depois, a Dinamarca, que tem pouco terreno cultivável e clima agreste, desenvolveu uma tecnologia que lhe permite exportar flores para o mercado americano por preço inferior. A primeira reacção dos colombianos foi pedir subsídios ao governo. O resultado foi a ruptura total desse mercado. «Os produtores de flores perdiam dinheiro e, desolados, diziam apenas: “A culpa não é nossa”», afirmam dois economistas que acompanharam a ruína da floricultura colombiana, Michael Fairbanks e Stace Lindsay, autores do livro Plowing the Sea. O título é retirado de um trecho do epitáfio de Simón Bolívar, que dizia que tentar fazer uma revolução na América Latina é como tentar plantar no mar — uma tarefa sem grandes hipóteses de sucesso. Actualmente, parece consenso que a resposta ao problema é o investimento em educação e saúde. Trata‐se de saneamento básico, da universalização dos conceitos de higiene e de escolas que preparem as pessoas para competir no mercado globalizado.Actualmente, 8 em 10 habitantes do planeta vivem em países pobres, três quintos não têm accesso a saneamento, um terço não tem acesso a água potável e um quinto não se beneficia de assistência médica. A África subsaariana, com 773 milhões de habitantes, tem menos linhas de telefone do que Nova York. Um único morador da Califórnia consome mais proteína, água, gasolina e eletricidade do que toda uma vila do Sudeste Asiático. Como fenómeno económico dominante, sem modelo alternativo que lhe faça sombra, a globalização se tornou o telhado de vidro da modernidade. Removeu pontos que estrangulavam o desenvolvimento, permitiu investimento em transportes, comunicações, saneamento básico. O PIB global vem dobrando a cada 25 anos. Entretanto aldeia global é pequena demais para tamanha diferença de qualidade de vida entre os mais ricos e os mais pobres. Uma vez constatado o triunfo da globalização capitalista, é hora de melhorar a existência da maioria de miseráveis do planeta.