O DESIGNER como Agente Transformador
Há muito se fala em design social. Na sua origem o design não estava diretamente relacionado ao lucro e à utopia social e a experimentação artística convivia com as indústrias insurgentes. Segundo a definição extraída do livro living by design, Pentagram, 1975. “Design é planejar a feitura de alguma coisa: algo que se possa ver ou pegar ou, ainda entrar; algo que seja bi ou tridimensional ou mesmo que exista na dimensão temporal. É sempre alguma coisa a ser vista e algumas vezes a ser tocada, e ainda outras, por associação, a ser ouvida. É, muitas vezes, um ítem isolado e, comumente, um produto fabricado em larga escala.” Somada a esta definição fria porém correta eu acrescentaria uma das principais qualidades do design, a capacidade de transformar o ambiente e modificar a relação entre os indivíduos. Capacidade esta esquecida por muitos que exercem atualmente a profissão. Este acontecido muito tem haver com a globalização e o impacto causado pelas novas tecnologias. A velocidade da nossa rotina foi alterada, hoje as informações circulam pelo mundo com rapidez impressionante, e nós temos que acompanhar o ritmo alucinante das máquinas, o mundo se encontra em uma competição acirrada que visa resultados no lucro. Tal fato ocasionou profundas mudanças
nas relações entre as pessoas, tornando-as muito mais individualistas. Soma-se a este panorama, o sentido mundial que os negócios vêm tomando nas últimas décadas. A necessidade de expansão mundial dos negócios têm aproximado culturas, vivências, morais, leis e modelos diferentes. Na seqüência, padrões éticos distintos têm se inter-relacionado com freqüência, tornando mais complexo ainda o estabelecimento do que é certo e o que é errado. Simultaneamente, assistimos à crescente oferta de mão de obra, lançada a cada semestre pelas inúmeras escolas de Design que se espalharam pelo Brasil, inseridos em um mercado de trabalho extremamente refratário à profissão. O aumento da porcentagem de profissionais formados, por sua vez, coincidiu com a chegada do computador que revolucionou a maneira de projetar e produzir originais acarretando, entre outras coisas, uma redução substancial dos preços cobrados. Como qualquer profissão, o design gráfico tende a se ajustar às linhas dominantes do mercado capitalista, nem sempre conseguindo estabelecer com ele uma dinâmica equilibrada onde os interesses do proveito financeiro sejam relativizados. Sendo assim, é extremamente difícil para o profissional fugir da expectativa de desempenho que pressupõe o máximo de lucratividade para o cliente e assumir compromissos com os setores que demandam
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atendimento às grandes questões coletivas, para as quais os recursos financeiros costumam ser escassos. Habitação, saúde, educação, transporte e ambiente urbano seriam, no entanto segmentos nos quais o designer brasileiro deveria estar atuando, não fosse o nosso um país socialmente injusto e o sempre renovado controle político de suas classes dominantes, responsável pela permanente distorção das prioridades sociais. E, na medida em que o design gráfico não foi incorporado nem como manifestação cultural nem como instrumento de projeto e planejamento, o Estado não aprendeu a ver nele o parceiro que tem condição de ser, e por isso a profissão é vista hoje pelas poucas pessoas que tem vaga noção do que é design, como um diferencial de luxo alcançável apenas por uma elite consumidora. Conforme o nosso código de ética profissional Capitulo II, artigo cinco O designer deve se interessar pelo bem público e com tal finalidade contribuir com os seus conhecimentos, capacidade e experiência para melhor servir à sociedade; Será que isso realmente está acontecendo? Posso afirmar sem medo de errar que faltou reflexão a nós designers sobre o que estava acontecendo com a profissão. Fomos levados pela maré. Mas sobre tudo deve ter faltado empenho e posicionamento para mudar este quadro. A mudança não depende somente do Estado (concorrências públicas e leis de incentivo ao Design), mas também das 1
Associações de Classe e das Universidades. O modelo de ensino vigente constantemente é justificado em termos de exigências 'profissionais' e 'realidades de mercado'. As prioridades de atualizar modelos ou redesenhar a aparência de um produto sob o ponto de vista meramente estilístico são vistas como 'naturais' e 'desejáveis', pois estimulam a economia. Não há nenhuma tentativa de transmitir um contexto mais amplo que permita ao aluno desenvolver uma reflexão crítica sobre o papel do Design na sociedade. O modelo se apresenta, portanto, como uma decorrência 'natural' das condições de trabalho, prestando-se a uma assimilação fácil e direta. Segundo Lewis Mumford “Nós temos que assumir as responsabilidades públicas sem 1 ficar esperando sermos recrutados.” A sentença acima e mostra exatamente o que deveria estar sendo feito atualmente no Brasil, principalmente por nós estudantes que normalmente entramos e saímos das faculdades sem ter noção da amplitude da nossa profissão. Deveríamos buscar meios de mostrar como nós podemos ser úteis à sociedade. Seja através dos projetos acadêmicos, ou na vida lá fora. É claro que é incrivelmente mais fácil em um mundo globalizado se comunicar com alguém em Tóquio do que entender e atender às necessidades de uma massa crescente que nem sabe que design existe. Porém ao não incluir os excluídos estamos nos excluindo também, pois com certeza se não criarmos
Lewis Mumford, Revista Aldeia Humana, série Brasil número 1. 2
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novas oportunidades de atuação, nós iremos aumentar a fila do desemprego no país. Já que o mercado não absorve mais que 30% dos alunos que saem das faculdades anualmente. Portanto, este posicionamento passa a ser questão de sobrevivência para nós e para o país. Com certeza nós podemos contribuir bastante para o nosso desenvolvimento econômico e social, cabe aos designers brasileiros lutar contra a pressão crescente que se faz sobre os países periféricos para que permaneçam abúlicos e abram mão do direito de inventar, tornando-se meros espectadores da invenção de povos econômica e politicamente mais poderosos. 2 A busca por uma personalidade brasileira para nossos produtos, a fim de termos maiores maiores para a exportação, ou mesmo para a nossa indústria fazer frente aos produtos importados consumidos internamente. A luta contra a poluição visual, desperdício de matéria prima, auxílio à educação, cultura e muitas outras situações clamam pelo auxílio do design. Muitas vezes o design é feita no país pelos necessitados, devido única e exclusivamente a falta de conhecimento da nossa profissão. Só para exemplificar temos como acontecimento atual à convocação de engenheiros para a reformulação das bulas de remédio, objeto que possui problemas sérios de legibilidade e cognição, tarefa esta que deveria estar sendo executada por nós designer que dominamos muito melhor os instrumentos para solucionar este tipo de problema. Logo, torna-se nítido e urgente a nossa tarefa de procurar meios de difundir mais a profissão e contribuir para uma qualidade de vida melhor e mais sustentável. Uma interessante experiência que vale ser destacada ocorreu com a maior rede de hospitais americanos, a Kaiser Permanente. 2
Para resolver uma série de queixas e problemas ligados ao atendimento, os executivos da Kaiser viam a necessidade de construir novos e caríssimos edifícios. Para ajudá-los a projetar as novas instalações, contrataram o escritório de design IDEO e logo tiveram uma surpresa. A firma redesenhou os espaços criando salas de espera mais confortáveis e consultórios menos gélidos. O Problema foi resolvido sem a construção um único prédio novo. “A IDEO nos mostrou que precisamos construir experiências humanas e não edifícios” disse Adam Nemer, da Kaiser. Exemplos como esses de compromisso com o usuário e funcionalidade, tem sido esquecido por muitos designers que são pressionados pelo mercado e pelo marketing das empresas a realizar objetos cada vez mais voltados para estética, menos duráveis e mais segmentados. Tudo para estimular o consumismo desenfreado, do mundo contemporâneo. As questões éticas devem ser exploradas igualmente em relação ao consumo. Questões como o papel do Design na perpetuação de esteriótipos, e noções de cidadania deveriam ambos ser sujeitados ao estudo acadêmico e ao debate. Precisamos hoje, de designers criativos, construtivos e de visão independente, que não sejam nem 'lacaios do sistema capitalista', nem ideólogos de algum partido ou doutrina, mas profissionais capazes de desempenhar o seu trabalho com conhecimento, inovação, sensibilidade e consciência. As Escolas de Design cabe a responsabilidade de fomentar essas qualidades no aluno. Não é justo que no Brasil o designer gráfico passe seus dias tomado apenas por folhetos, relatório anuais e projetos de identidade
Ana Luisa Escorel, Itinerário da globalização, O Efeito Multiplicador do Design. 3
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visual de empresas do supérfluo, quando o espaço urbano se apresenta de forma caótica, inóspita e irracional em praticamente todas as cidades brasileiras. Não é razoável que continue se ocupando primordialmente com a solução de problemas que beneficiam pequenos grupos, quando cerca da metade da população é brasileira é analfabeta de fato. Devemos melhorar a qualidade de vida do homem: para que ele entre num banco e consiga se localizar diante da sinalização; que consiga ler com clareza o prazo de validade de um remédio; que fique sentado oito horas e não sinta dor nas costas... Concluo dizendo que o designer deve se comportar como agente transformador que é, audaz e corajoso disposto a defender ideais não só ligados ao consumo, mas também aos ideais culturais e sociais, mostrando a todos que podemos contribuir para o desenvolvimento do país, melhorando a qualidade de vida do homem. Enfim, vamos nos valorizar para sermos valorizados!
Bibliografia: Whiteley, Nigel. O designer valorizado, revista Arcos, 1998 Escorel, Ana Luiza O efeito Multiplicador do design, Editora Senac, 2001. Revista Veja, editora Abril edição 1855, maio de 2004 Lins, Guto. Revista Design Gráfico, ano 8 número 72 Revista Design Gráfico, ano 7 número 63 O valor do design, ADG Brasil Mumford, Lewis. Revista Aldeia Humana, série Brasil número 1 Leite, Ricardo. O papel do design no projeto de desenvolvimento do Brasil
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