Projeto de Produto A necessidade criada ou existente. O produto, a emoção e o desejo.
Wladmir Perez Blumenau 26/10/2006
A necessidade é dos requisitos primordiais do design. A maioria dos autores da área, Gui Bonsipe, Bruno Munari, Victor Papanek, Mike Baxter, entre outros, colocam a definição das necessidades sejam elas do mercado ou do público (usuário ou consumidor), como um fator decisivo na processo de design. Da definição das necessidades advém, na maioria dos casos, a identificação do problema de projeto. Por outro lado o desejo e a emoção estão presentes tanto no contato dos objetos com o usuário como na concepção do projeto, na fase criativa. A grande maioria dos métodos projetuais propostos pela literatura não contempla estes fatores. Sobre esta questão Itiro Iida, em um artigo apresentado no P&D, salienta que os métodos projetuais, por se tratarem de uma sistematização, em muitos casos, levam o designer a desenvolver projetos pouco sensíveis, frios, ou mesmo desprovidos de emoção. A criatividade tem também um componente emocional de desejo e realização. Para melhor entendimento destas questões se faz necessário a definição destes conceitos. A necessidade é uma condição estabelecida no indivíduo na ausência de algum bem ou benefício. Pode ser de ordem biológica, fisiológica, psicológica ou social. Este bem ou benefício ausente pode estar dentro de categorias que possibilitam a sobrevivência, subsistência básica do indivíduo, ou seu bem estar, tais como: moradia, alimentação, proteção, vestuário, saúde, etc. Da ausência destes bens e/ou benefícios advém o desejo, ou seja, o desejo é conseqüência de uma necessidade não atendida, não suprida na sua integralidade. Um desejo latente é uma expectativa que pode ser de um prazer proporcionado pela necessidade que virá ser atendida, prometida, Maslow no final da década de 40 estabeleceu uma escala de valor para as necessidades do indivíduo conhecida como a “Pirâmide de Maslow”. Nesta, ele estabelece um conjunto de necessidades por ordem onde não apenas são contempladas as fundamentais, mas também as geradas pelas condições advindas da sociedade e do meio. Neste sentido quanto mais o indivíduo se socializa, mais ele está exposto ao conhecimento de novos bens e benefícios, portanto mais desejos são podem ser provocados. A figura abaixo apresenta a pirâmide proposta por Maslow.
A sociedade industrial, desde o final do século XIX, possibilitou a produção de bens e serviços numa escala exponencial. A competitividade gerou uma quantidade de produtos, iguais, semelhantes e próximos. Quantos modelos de sapatos existem? Veículos, eletro-eletrônicos? E o que dizer dos modelos de celulares? A cada segundo um novo produto é lançado, substituindo outro, ou mesmo novos produtos são lançados, assim como novos conceitos. O passado, o presente e o futuro estão juntos num mesmo espaço/tempo. A indústria cultural produz não apenas objetos, mas hábitos, comportamentos, ídolos, símbolos e ícones, representando anseios, desejos, valores individuais e de grupos. São os chamados valores simbólicos, que globalizados pelos meios de comunicação ou produção em escala mundial, provocam nosso desejo a todo instante. A promessa de uma condição diferente da que estamos, nos seduz. O novo é atraente, instiga é sedutor. Temos expectativas de possuí-
lo. Desejamos, e como conseqüência, nos convencemos de que este desejo é lícito, necessário. Essa é a condição da sociedade industrial e Pós-Moderna. Ela nos seduz, nos dá prazer. A indústria aposta cada vez mais na estética, na forma como atributo fundamental de um objeto para atender estas expectativas. A forma não é mais derivada da função. A função em muitos casos é sublimada pelos atributos estéticos e simbólicos. Objetos passam a fazer parte de museus, quase que projetados para eles. Um caso típico desse sucesso é o de alguns objetos projetados pelos irmãos Campana, ou Philip Stark. A forma é um atributo de sedução, o prazer e a fruição estética nos emocionam. Donald Norman em “Emotional Design”, fala sobre o caráter psicológico da forma. Os psicólogos que desenvolveram a teoria da Gestalt no início do séc. XX já havia se dado conta disso. A forma provoca nosso sistema cognitivo, atrai, seduz, e como conseqüência, emociona. No entanto esse frenesi de expectativa e desejo gera um círculo vicioso. Quanto mais produtos, mais desejos são ativados. Temos necessidade que nossos desejos sejam atendidos no momento, temos expectativas de novos por vir, queremos mais. O último modelo de celular, o último modelo de carro, bolsa, sapato, etc. A produção não pode parar. Já não sabemos se estes desejos são para atender realmente uma necessidades ou apenas o desejo por ele mesmo, pelo prazer de ter. Thierry Kazazian um premiado designer francês em seu livro “ Haverá idade das coisas leves”, salienta que precisamos diminuir a produção de objetos e produtos senão em pouco tempo seremos soterrados pelos mesmos. O autor fala que estamos com um déficit na nossa “Pegada Ecológica”, um conceito desenvolvido pelo WWF. O conceito diz que para um indivíduo viver bem, em condições dignas ele precisa por volta de 1,9 hectares, estamos segundo Kazazian ocupando 2,3 e a tendência é de aumentar esse índice. É evidente que nem toda população atinge este índice. Em sociedades industriais e mais evoluídas este índice chega a 5 como é caso da França. A questão aqui não é se devemos parar de projetar ou produzir mais. O fato é que os projetos e produtos deverão ser cada vez mais conscientes e responsáveis. Alguns autores como Lobach, contemplam em seu método projetual a responsabilidade social e ambiental. O desejo por objetos com este “selo” é cada vez mais solicitado, desejado. A forma e a beleza deixam de ter apenas um valor contemplativo, onírico, hedonista e individualista. O que nos faz sentir bem, o que nos pode dar prazer é estarmos também num ambiente agradável. Os objetos fazem parte como nós, designers, consumidores e empresas, de um sistema único como afirma Latour em sua proposição dos Atores-Rede. Cabe ao designer o papel fundamental nesse processo. O de tornar esta rede mais agradável, bela e sedutora. Para tanto ele deve considerar que um produto de design contemple pelo menos 6 funções: Prática, de uso; Formal; Simbólica; Econômica; Social e Ambiental. • • • • • •
A função prática e de uso ele deverá considerar todas as questões relativas às necessidades fundamentais, do sistema, do individuo e do objeto; A função formal deverá considerar os atributos estéticos e plásticos que atendam as necessidades, filosóficas e psicológicas. A arte provoca emoções; A função Simbólica o designer deverá considerar as necessidades representativas, sígnicas dos objetos. Os significados e símbolos necessários a sua condição ontológica e social; Na função Econômica como gestor e projetista, o designer contempla as necessidades do mercado, empresas e consumidores, não necessariamente usuários; A função Social O designer também como gestor, projetista e principalmente como agente social, trabalha com as necessidades e desejos de uma coletividade, de uma comunidade, num sentido mais humanista e holístico; Na função Ambiental reside a oportunidade do designer atender as necessidades do planeta. Embora pareça uma pretensão para nós, ela é lícita, e acima de tudo necessária. Fazemos parte do sistema. É necessidade do meio que o designer assuma esse papel.
Ser designer, fazer design é muito mais do que seguir métodos, utilizar ferramentas e técnicas complexas, tecnologias de ponta, é ter o espírito de designer. A emoção sentida no ato criativo é transmitida ao projeto e consequentemente será sentida pelo usuário. Atender à
necessidades, não pode se resumir às econômicas e de mercado, importantes, porém não as únicas. O desejo premente atendido, seja ele qual for, emociona, nos faz rir, nos faz chorar. Concordamos com Itiro Iida quando ele diz que um método ou a tecnologia engessa o designer. A emoção é fundamental, é necessária, nos deixa sensíveis às reais necessidades dos outros, sem ela nós não incorporamos o verdadeiro espírito do design.
Bibliografia Baxter, Mike. Projeto de Produto. São Paulo: Ed. Edgard Blucher, 1998 Bonsipe, Gui. Teoria y Práctica del Diseño Industrial. Barcelona: Ed Gustavo Gilli, 1978 Iida, Itiro. Bom e bonito no Design. P&D, 2006 Kazazian, Thierry. Haverá a idade das coisas leves. São Paulo: Ed. Senac, 2005. Latour, B. Jamais Fomos Modernos. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994. Lobach, Bernd. Design Industrial. Rio de Janeiro: Ed. 2Ab, 2005. Maslow, Abraham H. Diário de Negócios de Maslow. São Paulo: Ed. Qualitymark, 2003. Munari, Bruno. Dise`no y Comunicación Visual. Barcelona: Ed. Gustavo Gilli, 1977 Papaneck, Victor. Arquitetura & Design, Lisboa: Ed. Green Imperative, 1995. Norman, Donald. Emotional Design. USA: Ed. Basic Books, 2005