CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO
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“A QUARTIER LATIN teve o mérito de dar início a uma nova fase, na apresentação gráfica dos livros jurídicos, quebrando a frieza das capas neutras e trocando-as por edições artísticas. Seu pioneirismo impactou de tal forma o setor, que inúmeras Editoras seguiram seu modelo.” IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
Editora Quartier Latin do Brasil Empresa Brasileira, fundada em 20 de novembro de 2001 Rua Santo Amaro, 316 - CEP 01315-000 Vendas: Fone (11) 3101-5780 Email:
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Coordenação SERGIO ANDRÉ ROCHA Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho. Professor de Direito Tributário da Faculdade de Direito da FGV-Rio
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Editora Quartier Latin do Brasil São Paulo, verão de 2011
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Editora Quartier Latin do Brasil Rua Santo Amaro, 316 - Centro - São Paulo Contato:
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Coordenação editorial: Vinicius Vieira Diagramação: Miro Issamu Sawada Revisão gramatical: Silvana Moreli Vicente Dias Capa: Miro Issamu Sawada
ROCHA, Sergio André (Coord.). Curso de Direito Tributário – São Paulo: Quartier Latin, 2011. 1. Direito Tributário. I. Título ISBN: 85-7674-
Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil: Direito Tributário
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos do Código Penal), com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
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SUMÁRIO Agradecimento .......................................................................................25 INSERÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO Marciano Seabra de Godoi, 27 A postura libertarista ............................................................................... 29 O mito do tributo como combustível consumido nas atividades da máquina estatal ............................................................ 31 A postura libertarista cabe na nossa Constituição de 1988? .................33 JUSTIÇA FISCAL Marcus Abraham, 37 I. Introdução ...........................................................................................38 II. O Conceito de “Justiça” ....................................................................39 III. Justiça na Tributação .......................................................................48 IV. Direitos Humanos e o Direito Tributário .......................................52 V. As Três Faces da Justiça Tributária ...................................................57 VI. Valores e Princípios da Justiça Fiscal ...............................................62 VII. Conclusão .......................................................................................66 Referências Bibliográficas .......................................................................67 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS Raquel Cavalcanti Ramos Machado, 69 1. Imunidade como Limitação Constitucional ao Poder de Tributar .....70 2. Imunidade e Isenção ..........................................................................70 3. Imunidades e espécies tributárias .......................................................72 4. Imunidades do art. 150, VI, em espécie ............................................72 4.1. Imunidade recíproca ..................................................................73 4.1.1. Considerações gerais ..........................................................73 4.1.2. Imunidade recíproca e pessoas da Administração Indireta .............................................................74 4.2. Imunidade a templos de qualquer culto ...................................75 4.3. Imunidade de partidos políticos, entidades sindicais dos trabalhadores, entidades de assistência social e educacional sem fins lucrativos .................................................77
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4.4. Algumas questões comuns às imunidades das letras ‘b’ e ‘c’: a extensão da imunidade em respeito às finalidades essenciais das entidades e ainda o problema da tributação indireta ...................................................79 4.4.1. Com respeito às finalidades ...............................................79 4.4.2. O problema dos tributos indiretos .................................... 79 4.5. Imunidade de livros, jornais, periódicos, bem como do papel destinado a sua impressão .............................................81 a) Alcance material .......................................................................82 b) Os insumos imunes .................................................................82 c) Natureza objetiva da imunidade e a tributação de fabricantes e comerciantes ....................................................83 PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS Fernando Lemme Weiss, 85 1. Valores, princípios e regras .................................................................86 2. Princípios Formais ..............................................................................88 2.1. Princípio da legalidade ...............................................................88 2.2. Princípios da anterioridade e anualidade ...................................95 2.3. Princípio da irretroatividade ......................................................98 3. Princípios materiais ............................................................................99 3.1. Princípio da Isonomia e suas aplicações tributárias: generalidade e universalidade .......................................................99 3.2. Princípio da capacidade contributiva e suas aplicações: pessoalidade, progressividade, seletividade e vedação ao confisco .....102 3.3. Princípio da Não-Cumulatividade ............................................110 Referências Bibliográficas .......................................................................113 CONCEITO DE “TRIBUTO” José Marcos Domingues, 115 1. Introdução ..........................................................................................116 2. Antecedentes ......................................................................................117 3. Análise da definição legal no direito positivo brasileiro ....................120 4. Tributos em espécie ............................................................................125 Referências Bibliográficas .......................................................................133
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TRIBUTOS EM ESPÉCIE Lycia Braz Moreira, 137 I. Critérios para análise jurídica do tributo e identificação de suas espécies ..................................................................................138 II. Impostos ............................................................................................140 II.1. Classificação dos impostos ........................................................141 III. Taxas ................................................................................................143 III.1. Taxas de polícia .......................................................................146 III.2. Taxas de Serviço ......................................................................147 III.2.a. Serviço público de utilização efetiva ou potencial ..........147 III.2.b. Serviço público específico e divisível ..............................149 III.3. Taxa e Preço Público ...............................................................149 III.4. Taxa e Pedágio .........................................................................151 IV. Contribuições de melhoria ...............................................................152 V. Contribuições especiais ......................................................................154 V.1. Contribuições Sociais ................................................................156 V.2. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico ...........158 V.3. Contribuições de Interesse de Categorias Profissionais e Econômicas ..........................................................160 V.4. Contribuição de Iluminação Pública ........................................161 VI. Empréstimos compulsórios ..............................................................162 VII. Quadro Comparativo .....................................................................164 Referências Bibliográficas .......................................................................164 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA Ricardo Lodi Ribeiro, 167 1. Conceito .............................................................................................168 2. Competência Tributária e Sujeição Ativa. Indelegabilidade .............169 3. Classificação ........................................................................................169 3.1. Competência Exclusiva ..............................................................170 3.2. Competência Comum ...............................................................170 3.3. Competência Residual ...............................................................171 3.4. Competência Extraordinária ......................................................172 4. Critérios para Partilha da Competência Tributária ...........................172 4.1. Nos Impostos – Fato Gerador ...................................................173 4.1.1. Impostos da União – Art. 153 ..........................................173
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4.1.2. Impostos dos Estados – Art. 155 .....................................173 4.1.3. Impostos dos Municípios – Art. 156 ...............................174 4.2. Nos Tributos Vinculados – Competência para a Atividade Estatal ..........................................................................174 5. Conflitos de Competência .................................................................175 5.1. Bitributação ...............................................................................175 6. Competência Tributária e Federalismo Fiscal ...................................178 Bibliografia .............................................................................................182 AS FONTES DO DIREITO TRIBUTÁRIO João Bosco Coelho Pasin, 183 1.0. Noções Propedêuticas .....................................................................184 1.1. Classificação das Fontes do Direito Tributário .........................185 2.0. Fontes Formais ................................................................................189 2.1. A Constituição Tributária e as Emendas Constitucionais ........190 2.2. As Leis Complementares e o Código Tributário Nacional .......191 2.3. As Leis Ordinárias, Leis Delegadas e Medidas Provisórias .......191 2.4. Os Decretos Legislativos e os Tratados Internacionais ..............192 2.5. As Resoluções e os Convênios ....................................................192 2.6. As Normas Complementares .....................................................193 2.7. A Jurisprudência Administrativa e Judicial ...............................193 2.8. Os Usos e Precedentes Administrativos .................................... 193 3.0. Fontes Materiais ..............................................................................196 3.1. Os Princípios Gerais do Direito ................................................196 3.2. A Eqüidade ................................................................................197 3.3. Os Costumes ..............................................................................198 3.4. Doutrina .....................................................................................201 4.0. As Fontes do Direito em face da Analogia .....................................202 4.1. Analogia Legis .............................................................................. 204 4.2. Analogia Juris ............................................................................... 205 INTERPRETAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO Marciano Seabra de Godoi, 209 1. Casos práticos em que os métodos e os resultados da interpretação do direito tributário foram explicitamente problematizados pelos julgadores ......................................................210
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2. Em que consiste o ato de interpretar o direito? A visão ultrapositivista de Alfredo Augusto Becker: o direito como uma simples questão de fato ............................................ 221 3. Uma visão mais realista sobre a interpretação jurídica. Encarando com naturalidade as divergências teóricas sobre o direito e sobre o direito tributário ...........................................226 4. O direito tributário deve ser interpretado como qualquer outro ramo do direito? .......................................................228 5. Institutos de outros ramos do direito previstos nas normas do direito tributário: desfazendo a caricatura das posições de Gény ..........230 6. A interpretação econômica do direito tributário: seu significado original no início do século XX e seu sentido atual ..........................232 7. A teoria do abuso das formas jurídicas (ou da fraude à lei tributária) como uma das variantes da ideia de interpretação econômica do direito tributário ..................................236 8. Interpretação do direito tributário na doutrina brasileira anterior ao Código Tributário Nacional (CTN) ..............................238 9. Algumas normas sobre interpretação que constavam do Projeto de Código Tributário preparado por Rubens Gomes de Sousa e que foram suprimidas na aprovação do texto final do CTN em 1966 .............................................................................243 10. Análise das normas do CTN sobre interpretação e integração do direito tributário .........................................................248 APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA E LEIS INTERPRETATIVAS NO D IREITO TRIBUTÁRIO Vanessa Rahal Canado, 261 I. Introdução: Contexto e Metodologia de Análise ...............................262 II. Interpretação, Incidência e Aplicação das Leis Tributárias: do Antecedente da Regra-Matriz de Incidência Tributária ao Fato Jurídico-Tributário ...............................................................265 II.I. Interpretação e Construção das Normas Jurídicas Gerais e Abstratas ........................................................................265 II.II. Incidência, Aplicação e Construção das Normas Individuais e Concretas ................................................................269 II.III. Linguagem e Prova na Construção das Normas Individuais e Concretas ................................................................273
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II.IV. Regra-Matriz de Incidência Tributária e o Fato Jurídico-Tributário ..............................................................275 III. Leis Interpretativas e Irretroatividade no Direito Tributário .........278 NORMA TRIBUTÁRIA E FATO GERADOR Luís Cesar Souza de Queiroz, 281 I. Direito, linguagem e os sentidos de “norma tributária” e de“fato gerador” ..............................................................................282 II. Norma tributária e “fato gerador” tributário no plano normativo .......285 II.1. Uma noção preliminar de norma jurídica e de norma tributária ...........................................................................285 II.2. A construção da norma tributária.............................................286 II.2.1. A estrutura lógica da norma tributária ............................286 II.2.1.1. Functor deôntico ........................................................287 II.2.1.2. Antecedente ...............................................................290 II.2.1.3. Functor implicativo ....................................................294 II.2.1.4. Consequente ..............................................................296 II.3. Norma tributária em sentido estrito e em sentido amplo: regra matriz de incidência tributária (norma tributária) e norma administrativo-fiscal .......................................................299 II.4. O conteúdo da norma tributária ..............................................303 II.4.1. Critérios do antecedente ...................................................305 II.4.1.1. Pessoal .........................................................................305 II.4.1.2. Material ......................................................................309 II.4.1.3. Temporal e espacial ....................................................312 II.4.2. Critérios do consequente ..................................................313 II.4.2.1. Pessoal: ativo e passivo ................................................314 II.4.2.2. Material ......................................................................315 II.4.2.2.1. Qualitativo ...........................................................316 II.4.2.2.2. Quantitativo: base de cálculo e alíquota ..............317 II.4.2.3. Temporal e espacial ....................................................319 II.5. As acepções da expressão “fato gerador” no plano normativo .....322 III. A acepção da expressão “fato gerador” no plano fático ....................323 IV. Algumas palavras sobre o uso do termo “fato gerador” no CTN .......330
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PRESUNÇÕES NO DIREITO TRIBUTÁRIO Maria Rita Ferragut, 349 1. Palavras introdutórias .........................................................................350 2. Definição ............................................................................................350 3. espécies de Presunção Legal ...............................................................351 3.1. A Classificação Tradicional ........................................................351 3.2. Críticas à Classificação Tradicional ...........................................352 3.3. Critério Proposto .......................................................................354 4. Natureza Jurídica das Presunções Legais ...........................................356 4.1. Teoria Clássica ............................................................................356 4.2. teoria do Efeito Probatório ........................................................357 4.3. teoria do Indício enquanto Prova Incidental ............................357 4.4. teoria do Fundamento ................................................................357 4.5. teoria da Inversão do Ônus da Prova .........................................358 4.6. Nossa Posição .............................................................................360 5. presunções Legais ...............................................................................361 5.1. presunções legais hominis ............................................................ 361 5.1.1. Requisitos para a criação de regras jurídicas veiculadoras de presunções hominis............................................ 364 5.2. Presunções Legais Relativas .......................................................366 OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA E FUNDAMENTAÇÃO Fernando Aurelio Zilveti, 371 1. Introdução ..........................................................................................372 2. Obrigação no Direito Tributário ........................................................372 3. Adoção do conceito de obrigação tomada ao Direito Privado ...........376 4. Obrigação tributária e relação jurídica ...............................................377 5. A causa ou fundamentação na Obrigação Tributária ........................381 6. Conclusão ...........................................................................................388 COMENTÁRIOS AO ARTIGO 113 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL Aurélio Pitanga Seixas Filho, 389 1. Introdução ..........................................................................................390 2. Obrigação Tributária Principal ..........................................................390 3. Obrigação Tributária Acessória ..........................................................392
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NORMA GERAL ANTIELISIVA E PLANEJAMENTO FISCAL Ricardo Lobo Torres, 393 1. Introdução ..........................................................................................394 2. Analogia e Elisão Fiscal ......................................................................394 2.1. A licitude da elisão.....................................................................395 2.2. A ilicitude da elisão ...................................................................395 2.3. A zona cinzenta da elisão e a analogia .......................................396 3. A Elisão Abusiva e a Norma Geral Antielisiva ..................................397 4. A Simulação .......................................................................................399 4.1. As diferenças entre simulação e abuso de direito ......................401 4.2. A confusão entre simulação e elisão abusiva ..............................402 5. As Ambiguidades da Receita Federal ................................................405 5.1. As trapalhadas da MP 66/2002 ................................................405 5.1.1. Impossibilidade de definição da elisão ..............................406 5.1.2. As regras procedimentais ...................................................406 5.1.3. As multas ...........................................................................407 5.2. Novas trapalhadas da Receita Federal ........................................407 5.2.1. O art. 129 da Lei 11.196/05 e a prestação de serviços personalíssimos .............................................................407 5.2.2. O projeto de Lei nº 536/07 ..............................................409 5.2.3. O veto do Presidente à Emenda nº 3 ao Projeto da Super Receita .......................................................................410 5.3. A prática da fiscalização de rendas pelos órgãos inferiores da Receita Federal ........................................................411 5.3.1. Da elisão abusiva para a simulação .................................... 411 5.3.2. O exemplo da Espanha .....................................................411 6. As Dificuldades do Supremo Tribunal Federal no Julgamento das Normas Antielisivas ....................................................................413 6.1. A longa tradição do STF na elaboração da doutrina de combate à elisão abusiva ..........................................................413 6.2. As perplexidades atuais ..............................................................416 7. Conclusões ..........................................................................................417 8. Referências Bibliográficas ...................................................................419 SUJEITOS ATIVO E PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA Marcus Abraham, 423 I. Introdução ...........................................................................................424
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II. O Sujeito Ativo .................................................................................424 III. O Sujeito Passivo .............................................................................425 III.1. Características Gerais ..............................................................425 III.2. O Contribuinte .......................................................................426 III.3. O Responsável .........................................................................427 III.3.1. O Responsável por Solidariedade ...................................428 III.3.2. O Responsável por Sucessão ...........................................430 III.3.3. O Responsável por Subsidiariedade ...............................432 III.4. O Substituto Tributário ..........................................................434 Referências Bibliográficas .......................................................................437 LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO Sergio André Rocha, 439 1. Introdução: Importância da arrecadação tributária e transferência aos contribuintes das atividades de liquidação ..................................440 2. O lançamento como ato administrativo imprescindível para a constituição do crédito tributário ...................................................443 2.1. A definição do C.T.N................................................................443 a) Constituição do crédito tributário ...........................................444 b) Lançamento tributário: ato ou procedimento .........................445 c) Lançamento tributário e aplicação de sanções .........................446 d) Espécies de lançamento ...........................................................448 2.2. Definição doutrinária de lançamento: Posição doutrinária majoritária ....................................................448 2.3. Críticas à concepção tradicional do lançamento tributário .......450 2.4. Crédito tributário sem lançamento? ..........................................452 2.5. Lançamento tributário feito pelo contribuinte? ........................455 2.6. A questão na jurisprudência do STF e do STJ, e na legislação tributária federal ..........................................................458 3. Seria oportuna uma alteração no C.T.N. na parte do lançamento? .....459 APLICAÇÃO DA LEI TRIBUTÁRIA Aurélio Pitanga Seixas Filho, 461 1. Introdução ..........................................................................................462 2. Dever de informação ..........................................................................462 3. Consulta fiscal .................................................................................... 463
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4. Dever de escriturar e acertamento tributário .....................................464 5. A função fiscal .................................................................................... 465 6. Acertamento tributário administrativo ..............................................466 7. Acertamento tributário judicial .........................................................466 8. Lançamento tributário é um acertamento jurídico formal ................467 9. Confissão sempre é uma declaração de verdade .................................468 10. Lançamento tributário é um ato declaratório ..................................469 11. Documento representativo ...............................................................469 12. Nascimento e vencimento da dívida tributária ................................470 13. Existência do lançamento tributário – ato simples .........................471 14. Existência do lançamento tributário – procedimento administrativo ............................................................ 472 15. Eficácia do lançamento tributário ....................................................472 16. Relação jurídica de potestade ...........................................................472 17. Imperatividade do lançamento tributário e o princípio do solve et repete ................................................................... 474 18. Suspensão da exigibilidade do lançamento tributário .....................475 19. A provisoriedade do ato administrativo ...........................................475 20. Lançamento presuntivo ou por estimativa .......................................476 21. Reforma do lançamento e sua preclusão ..........................................479 22. Lançamento por homologação .........................................................480 23. Conclusão .........................................................................................481 SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO Edmar Oliveira Andrade Filho, 483 1. Exigibilidade e Suspensão ..................................................................484 2. Causas de Suspensão da Exigibilidade do Crédito Tributário ..........487 2.1. Moratória e Parcelamento ..........................................................487 2.2. Depósito do Montante Integral ................................................488 2.3. Reclamações e Recursos Administrativos ..................................489 2.4. Liminar em Mandado de Segurança .........................................490 2.5. Liminar em Ação Cautelar ou Tutela Antecipada ....................491 2.6. Outras Hipóteses de Suspensão da Exigibilidade do Crédito Tributário ..................................................................492 3. Suspensão da Exigibilidade: Decadência Prescrição ..........................494
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EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO Edmar Oliveira Andrade Filho, 497 1. Extinção do Crédito e da Relação Tributária .................................... 498 2. As Formas de Extinção do Crédito Tributário ..................................499 2.1. Do Pagamento ...........................................................................500 2.2. Pagamento Indevido ..................................................................502 2.3. Decadência e Prescrição .............................................................506 2.4. Compensação .............................................................................510 2.5. Transação .................................................................................... 510 2.6. Remissão .....................................................................................511 2.7. Conversão de Depósito em Renda .............................................512 2.8. Decisão Judicial Passada em Julgado e Decisão Administrativa Irreformável .........................................................513 2.9. Dação em Pagamento ................................................................514 3. Outras Formas de Extinção do Crédito Tributário ...........................515 EXCLUSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO Adilson Rodrigues Pires, 517 1. Introdução ao tema ............................................................................518 2. Isenção ................................................................................................520 2.1. Conceito .....................................................................................523 2.1.1. Concessão por lei ...............................................................523 2.1.2. Isenção objetiva, subjetiva e mista .....................................524 2.1.3. Interpretação restrita .........................................................525 2.2. Renúncia Fiscal ou Forma de Não Incidência? .........................525 2.3. Distinção entre isenção e imunidade .........................................527 2.4. Isenção e alíquota zero ...............................................................531 2.5. Isenções autônomas e heterônomas ...........................................533 2.6. Isenções totais e parciais .............................................................540 2.7. Consequências da revogação da isenção .....................................542 3. Anistia ................................................................................................542 REPETIÇÃO DE INDÉBITO Marcus Abraham, 545 I. Introdução ...........................................................................................546 II. O Conceito de “Repetição do Indébito Tributário” .........................546
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III. A Natureza Jurídica do Indébito Tributário ..................................548 IV. Fundamentos do Pedido de Restituição e Compensação ................549 V. O Pedido da Repetição do Indébito ..................................................551 VI. Questões Processuais do Pedido de Restituição ..............................554 VII. Conclusão .......................................................................................562 Referências Bibliográficas .......................................................................562 CRÉDITO TRIBUTÁRIO. GARANTIAS E PREFERÊNCIAS Aldemário Araújo Castro, 563 1. Garantias do crédito tributário ..........................................................564 2. Preferências do crédito tributário .......................................................570 SANÇÕES TRIBUTÁRIAS Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas, 577 1. Estrutura ............................................................................................578 2. Infração tributária e sua hipótese normativa ......................................579 3. Elisão e evasão tributárias ...................................................................581 4. Espécies de sanções tributárias ...........................................................584 4.1. Sanções administrativas ..............................................................584 4.1.1. Tipos de sanções administrativas .......................................585 4.2. Sanções penais ............................................................................587 4.2.1. Aspectos gerais dos tipos penais tributários ......................589 4.2.1.1. Crimes praticados por particulares .............................590 4.2.1.2. Crimes praticados por funcionários públicos .............595 Bibliografia .............................................................................................600 PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL Sergio André Rocha, 603 1. Introdução ..........................................................................................604 2. Natureza do Processo Administrativo Fiscal. Distinção entre processo e procedimento ..........................................................605 3. Princípios do Processo Administrativo Fiscal .................................... 606 3.1. Princípios Comuns aos Processos e Procedimentos Administrativos ...................................................607 3.1.1. Princípio da Legalidade ....................................................607 3.1.2. Princípio da Impessoalidade .............................................608
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3.1.3. Princípio da Moralidade ...................................................609 3.1.4. Princípio da Proteção da Confiança ..................................609 3.1.5. Princípio da Publicidade ...................................................610 3.1.6. Princípio da Eficiência ......................................................610 3.1.7. Princípio da Duração Razoável .........................................611 3.1.8. Princípio do Formalismo Finalístico (Instrumentalidade das Formas) ...............................................612 3.1.9. Princípio da Praticidade ....................................................613 3.1.10. Princípio da Motivação ...................................................614 3.2. Princípios Aplicáveis, com Exclusividade, aos Processos Administrativos ............................................................ 615 3.2.1. Princípio do Devido Processo Legal .................................615 3.2.2. Princípio da Ampla Defesa ...............................................616 3.2.3. Princípio do Contraditório ................................................617 3.2.4. Princípio do Duplo Grau de Cognição ............................618 4. Panorama do Processo Administrativo Fiscal Federal .......................619 4.1. Regência legal .............................................................................619 4.2. Procedimento e processo Administrativo Fiscal ........................620 4.3. Do Procedimento de fiscalização ...............................................620 4.3.1. Efeitos do Início da Fiscalização .......................................621 4.4. Dos prazos ..................................................................................621 4.5. Do Auto de Infração e da Notificação de Lançamento ............ 622 4.6. Pedido de Revisão da Legalidade do Ato Administrativo Fiscal – A Impugnação ................................................................623 4.7. Comunicação dos Atos Processuais ...........................................625 4.8. Competência Decisória ..............................................................628 4.8.1. Do Julgamento em Primeira Instância ..............................628 4.8.2. Do Recurso Voluntário e do Recurso de Ofício ...............631 4.8.3. Do Julgamento em Segunda Instância ..............................632 4.8.3.1. Histórico do Conselho Administrativos de Recursos Fiscais .................................................................632 4.8.3.2. Competência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais .................................................................633 4.8.3.3. A Questão da Composição Paritária ...........................634 4.8.3.4. Decisão com Base na Inconstitucionalidade de Lei e Efeitos das Decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o Conselho .......................................635
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4.8.3.5. Embargos de Declaração .............................................637 4.8.3.6. Do Recurso Especial, do Recurso Voluntário e do Julgamento pela Câmara Superior de Recursos Fiscais .................................................................638 4.8.3.6.1. Do Recurso Especial .............................................638 4.8.3.7. Recurso Hierárquico contra Decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais .......................................639 4.9. Coisa Julgada Administrativa ....................................................641 PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO Hugo de Brito Machado Segundo, 643 1. Noções Iniciais ...................................................................................644 1.1. Processo administrativo e judicial ..............................................644 1.2. Processo tributário e processo “civil” ..........................................644 1.3. As várias espécies de tutela jurisdicional.................................... 645 1.4. Ações de iniciativa do Fisco e ações de iniciativa do contribuinte .............................................................646 2. Ações de Iniciativa do Fisco ...............................................................646 2.1. Execução Fiscal ..........................................................................646 2.1.1. Noções gerais .....................................................................646 2.1.2. Sujeição passiva ..................................................................647 2.1.2.1. Sujeição passiva e CDA ...............................................647 2.1.2.2. Responsabilidade de sócios e dirigentes de pessoas jurídicas .................................................................648 2.1.3. Juízo de admissibilidade na execução fiscal e as chamadas “exceções de pré-executividade” .........................652 2.1.4. Questões ligadas à garantia do juízo .................................654 2.1.5. Oposição de embargos e a suspensão da execução ............ 655 2.2. Cautelar fiscal ............................................................................657 2.2.1. Noções gerais .....................................................................657 2.2.2. Hipóteses de cabimento ....................................................657 2.2.3. Efeitos do provimento que concede a medida cautelar fiscal ................................................................658 3. Ações de Iniciativa do Contribuinte ..................................................659 3.1. Embargos do executado .............................................................659 3.1.1. Noções iniciais ...................................................................659
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3.1.2. Embargos do executado e produção de provas ..................660 3.1.3. Matérias “vedadas” aos embargos à execução fiscal ............ 661 3.2. Mandado de segurança ..............................................................662 3.2.1. Noções gerais .....................................................................662 3.2.2. Direito líquido e certo .......................................................662 3.2.3. Cabimento em matéria tributária .....................................663 3.2.3.1. Mandado de segurança e compensação .......................664 3.2.4. Mandado de segurança coletivo ........................................665 3.2.5. Impetração preventiva e mandado de segurança contra “lei em tese” ....................................................................667 3.2.6. O prazo de 120 dias ..........................................................668 3.2.7. Medida liminar ..................................................................669 3.2.7.1. Agravo de instrumento, efeito suspensivo e antecipação dos efeitos da tutela recursal ............................671 3.2.8. O pedido de suspensão de liminar, e de suspensão de segurança .............................................................672 3.3. Ação anulatória de lançamento ..................................................674 3.3.1. Noção .................................................................................674 3.3.2. Anulatória e depósito judicial ...........................................674 3.3.3. Outras espécies de ação anulatória .................................... 675 3.4. Ação declaratória ........................................................................676 3.4.1. Conceito ............................................................................676 3.4.2. Cabimento em matéria tributária .....................................677 3.4.2.1. Ação declaratória e depósito judicial ..........................677 3.4.3. Efetividade da sentença meramente declaratória e a coisa julgada .........................................................................679 3.5. Ação de repetição do indébito ...................................................680 3.5.1. O direito à restituição ........................................................680 3.5.2. Repetição do indébito e repercussão .................................681 3.5.3. Prazo para o exercício do direito à restituição ...................683 3.5.3.1. Termo inicial do prazo ................................................683 3.5.3.1.1. Declaração de inconstitucionalidade ....................683 3.5.3.1.2. Extinção do crédito tributário ..............................685 3.5.3.1.3. Pagamento em face de “decisão condenatória” .....686 3.5.4. Execução de sentença, precatório e compensação .............686 3.6. Ação de consignação em pagamento ..........................................687
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3.6.1. Conceito e fundamento legal ............................................687 3.6.2. Algumas notas sobre o procedimento a ser seguido ..........689 3.6.2.1. Juízo ao qual deve ser dirigida .................................... 689 4. Ações de Controle de Constitucionalidade .......................................690 4.1. O controle de constitucionalidade pelo Judiciário ....................690 4.2. Controle “difuso” e controle “concentrado” de constitucionalidade ..................................................................690 4.3. Ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade ..............................................691 4.4. Jura novit curia e as ações de controle concentrado de constitucionalidade .............................................693 4.5. Efeitos da decisão que declara, em tese, a inconstitucionalidade de ato normativo .......................................693 5. Ações da Coletividade ........................................................................694 5.1. Ação Popular ..............................................................................694 5.1.1. Conceito e fundamentos ...................................................694 5.1.2. Cabimento em matéria tributária .....................................695 5.2. Ação Civil Pública .....................................................................696 Referências Bibliográficas .......................................................................696 DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL Sergio André Rocha, 699 1. Da Dupla Tributação Internacional ..................................................700 2. Medidas para evitar a dupla tributação ..............................................702 3. Convenções para evitar a dupla tributação da renda ..........................703 3.1. Evolução histórica das CDTRs .................................................703 3.2. A posição hierárquica das CDTRs no ordenamento jurídico brasileiro .........................................................................707 3.2.1. Reflexões sobre a aplicabilidade dos §§ 2º e 3º do artigo 5º da Constituição Federal em relação às CDTRs ........708 3.2.1.1. Reflexões sobre a aplicabilidade do § 2º do artigo 5º da Constituição Federal em relação às CDTRs ................709 3.2.1.2. Reflexões sobre a aplicabilidade do § 3º do artigo 5º da Constituição Federal em relação às CDTRs ................711 3.2.2. O artigo 98 do Código Tributário Nacional .....................713
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3.2.2.1. Análise quanto à compatibilidade do artigo 98 com a Constituição Federal ...................................................714 3.2.3. As CDTRs como veículos introdutores de regras especiais de tributação ...............................................................717 3.3. Objetivos das CDTRs ...............................................................719 3.3.1. Evitar a dupla tributação da renda .................................... 720 3.3.2. A repartição de receitas tributárias entre os países contratantes ................................................................721 3.3.3. Fomento aos investimentos estrangeiros (segurança jurídica e estabilidade da tributação sobre inversões estrangeiras) ................................................................723 3.3.4. Concretização do princípio da não-discriminação ............ 724 3.3.5. Evitar a evasão fiscal ..........................................................725 INTEGRAÇÃO ECONÔMICA E HARMONIZAÇÃO TRIBUTÁRIA Sergio André Rocha, 727 1. Introdução ..........................................................................................728 2. Instrumentos de harmonização legislativa .........................................733 3. Integração Econômica e Harmonização Tributária ...........................736 3.1. Considerações preliminares ........................................................736 3.2. Harmonização dos impostos incidentes sobre o consumo de mercadorias e serviços ..............................................738 3.2.1. O IVA na União Européia ................................................741 3.2.2. A tributação do consumo no MERCOSUL ....................745 3.3. Harmonização da tributação direta ...........................................746 3.4. Da harmonização dos encargos sociais .......................................749 4. Conclusão ...........................................................................................751 TRIBUTOS DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO José Antonio Minatel, 755 1. Impostos sobre o Comércio Exterior (Importação e Exportação) .....756 2. Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza .............758 2.1. Conceito de “Renda”: Notas Determinantes Extraídas do CTN .......................................................................760 2.2. Diretrizes Constitucionais para a Tributação da Renda............ 762 3. Imposto sobre Produtos Industrializados ..........................................764
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3.1. O Conceito de “Produto Industrializado” .................................766 3.2. A Seletividade em Função da Essencialidade ............................767 3.3. A Técnica da Não-Cumulatividade do IPI ..............................768 4. Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou Relativos a Títulos ou Valores Mobiliários ..................................770 5. Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural ..................................772 6. Imposto sobre Grandes Fortunas .......................................................774 Principais Contribuições de Competência da União .............................774 1. Contribuição sobre Remunerações a Pessoas Físicas.....................775 2. Contribuições sobre a Receita ou Faturamento ............................776 3. Contribuições sobre a Importação de Bens e Serviços .................780 4. Contribuição Social sobre o Lucro das Pessoas Jurídicas .............780 5. Contribuição sobre a Receita de Concursos de Prognósticos .......781 TRIBUTOS ESTADUAIS Luiz Fernando Mussolini Jr., 783 I. Introdução ...........................................................................................784 II. O ICMS e a Guerra Fiscal ...............................................................785 III. A Guerra Fiscal e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores ..................................................................812 IV. Taxas Estaduais: Um Exemplo do Abuso do Poder de Tributar ....813 DIREITO TRIBUTÁRIO MUNICIPAL Eutálio Porto, 819 1. Competência Tributária do Município .............................................820 1.1. A Autorização Constitucional para o Exercício da Competência ...........................................................................820 2. As Espécies Tributárias ......................................................................820 2.1. Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) ............................................................................820 2.1.1. Dois Impostos: Predial e Territorial (IPTU) ...................821 2.1.2. O Fato Gerador .................................................................822 2.1.3. Base de Cálculo .................................................................823 2.1.4. Zona Urbana X Zona Rural: uma definição ultrapassada ....824 2.1.5. IPTU Progressivo: o uso do imposto como penalidade .....827 Da Emenda Constitucional 29/00 ...........................................829
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2.1.6. Contribuinte do IPTU .....................................................830 2.2. Do ISSQN – Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza ......835 2.2.1. Do Fato Gerador do ISS6 ................................................836 2.2.2. Do Local da Prestação de Serviço .....................................836 2.2.3. Da Base de Cálculo ...........................................................839 2.2.4. Da Incidência do ISS sobre Profissionais .........................840 2.2.5. A Flexibilidade da Lista de Serviços ................................842 2.2.6. O Processo de Privatização e Transferência de Serviços Públicos para o Setor Privado .....................................843 3. Do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) ......................845 3.1. O Fundamento Constitucional .................................................845 3.2. Da Base de Cálculo ....................................................................846 3.3. Do Fato Gerador ........................................................................848 3.4. Da Alíquota ...............................................................................849 4. Da Contribuição de Melhoria ...........................................................849 5. Das Taxas ............................................................................................851 5.1. Da Taxa e Preço Público............................................................ 858 6. Da Contribuição de Iluminação Pública (CIP) ................................859 7. Do Serviço de Água e de Esgoto .......................................................863 Referências Bibliográficas .......................................................................865 RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR DANO TRIBUTÁRIO Gabriel Lacerda Troianelli, 867 1. Introdução: Responsabilidade Objetiva do Estado ...........................868 2. Responsabilidade por Ato Comissivo da Administração ...................869 3. Responsabilidade por Ato Omissivo da Administração ....................871 4. A Responsabilidade por Danos Morais .............................................872 5. O Dano Decorrente de Ato Judicial ..................................................874 Referências Bibliográficas .......................................................................877 ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA Maurício Pereira Faro, 879
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AGRADECIMENTO A preparação deste volume não foi um processo fácil. Elaborar uma obra coletiva em que quase todos os capítulos são imprescindíveis acrescenta uma carga considerável de complexidade, a uma atividade de coordenação que, em si, nem sempre é das mais fáceis. As desistências, comunicadas ou não, que infelizmente são esperadas na organização de um livro coletivo, tem um efeito muito mais complicado em um livro com este formato. Vencidas as dificuldades, temos muito orgulho deste trabalho, que certamente será um acréscimo valioso à literatura tributária nacional. Gostaria de agradecer muito aos autores deste livro, pela confiança e principalmente pela paciência. Em especial, gostaria de agradecer ao Professor Marcus Abraham, que no momento mais complicado do projeto, ajudou-nos assumindo mais capítulos e indicando autores para redigir capítulos que haviam sido abandonados pelos autores originais. Deixo também meu agradecimento à Quartier Latin, na pessoa de seu editor Vinicius Vieira, pelo excelente trabalho editorial. Rio de Janeiro, 14 de janeiro de 2010. Sergio André Rocha
[email protected]
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Inserção do Direito Tributário no Ordenamento Jurídico
Marciano Seabra de Godoi Graduado em Direito (UFMG) e em Economia (PUC Minas), Mestre (UFMG) e Doutor (Universidade Complutense de Madri) em Direito Tributário, Professor da PUC Minas (graduação e programa de mestrado/doutorado em direito público) e Advogado/Consultor Tributário em Belo Horizonte.
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A inserção do direito tributário no ordenamento jurídico tradicionalmente é tratada pela doutrina – em geral nas partes introdutórias de obras como cursos e manuais – como o inventário das relações do direito tributário com o direito constitucional, com o direito civil, com o direito administrativo etc.1. Nesse inventário de relações, a tônica da doutrina atual é a chamada “unidade do sistema jurídico”2, negando-se qualquer autonomia científica ao direito tributário. A discussão sobre a autonomia do direito tributário é bastante datada. Até o século XIX, quando na Europa ainda não havia se afirmado completamente o Estado Fiscal3 e tampouco havia disciplinas e cadeiras de direito tributário nas faculdades de direito, o problema da autonomia do direito tributário obviamente nem se colocava. À medida que – no decorrer do século XIX e na primeira metade do século XX – avultavam a importância e o significado social e econômico do tributo, principalmente do imposto, começaram a surgir as cátedras, as obras e os professores especializados em direito tributário e, neste momento, era de se esperar que os catedráticos das disciplinas já centenárias – direito civil, de um lado, e direito administrativo, de outro – questionassem a maturidade científica do ramo então nascente e resistissem a aceitar que esse novo ramo fosse reconhecido como tal. Então os professores de direito tributário se esmeraram em arrolar argumentos para demonstrar que a disciplina jurídica dos tributos tinha princípios (como o da capacidade econômica) e institutos próprios (como o do lançamento) e que seria um erro estudar tal disciplina como um mero apêndice do direito administrativo, ou como um mero complemento do direito civil4. Hoje em dia os tributaristas negam peremptoriamente que haja “autonomia científica” do direito tributário, mas essa negativa tem um sentido bem diferente da negativa brandida pelos civilistas e administrativistas do século XIX. Diz-se atualmente que o direito tributário não tem autonomia
1
2
3 4
Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.16-22; e AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.11-13. Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.p.13-17; e COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.33. Cf. TORRES, op.cit., p.6-9; e GODOI, Marciano Seabra de. Justiça, Igualdade e Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 1999. p.173-183. Cf. FALCÃO, Amílcar. Introdução ao Direito Tributário. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p.12-20.
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científica no sentido de que suas normas são entrelaçadas com e têm a mesma natureza das normas dos outros ramos do direito, demandando os mesmos métodos de interpretação. Além disso, a “unidade da ordem jurídica” significa que uma “valoração fundamental constitucional” deve informar todos os ramos jurídicos e que as valorações fundamentais de cada um desses ramos não podem ser desrespeitadas ou negligenciadas pelos outros5. Mas isso não significa que o direito tributário positivo não possa criar institutos/princípios próprios ou alterar com alguma desenvoltura – para fins de incidência tributária – conceitos oriundos de outros ramos do direito. Os princípios e os institutos próprios do direito tributário (desenvolvidos principalmente no século XX) lhe dão uma identidade, mas não uma autonomia em relação aos demais ramos do direito. Há um aspecto essencial da inserção do direito tributário no ordenamento jurídico que raramente é tratado pela doutrina. Referimo-nos à tarefa de indagar qual o papel/significado atual do tributo dentro da ordem jurídica global desenhada na Constituição de 1988. Essa discussão inclusive nos parece que deve ser prévia àquela discussão tradicional tratada nos parágrafos acima. Quanto a essa indagação sobre o papel e o significado atual do tributo em nosso ordenamento jurídico, há uma certa postura – que se pode chamar “libertarista” – muito presente na doutrina brasileira atual. Essa postura revela quase sempre de modo implícito ou subentendido, a não ser na chamada Teoria da Imposição Tributária desenvolvida por Ives Gandra da Silva Martins6 nas décadas de 70/80, em que a tese libertarista é defendida de forma aberta e clara.
A
POSTURA LIBERTARISTA
A tese libertarista é a seguinte: o tributo foi no passado e continua sendo no presente “apenas um fantástico instrumento de domínio, por parte dos governantes”7. A justiça é algo presente nas normas de comando natural e de aceitação social (como a norma que obriga os pais a cuidarem de seu filho), mas o tributo é, “por excelência, veiculado por norma de rejeição social”. O “alicerce” da obrigação de pagar tributo nada tem a ver com princípios de
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Cf. TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Direito Tributário. v. I, 18. ed. alemã. Trad. Luiz Dória Furquim da. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008. p.68-70. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Teoria da Imposição Tributária. 2. ed. São Paulo: LTr, 1998. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma Teoria do Tributo. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). O Tributo – Reflexão Multidisciplinar sobre sua Natureza. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.7.
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justiça, mas sim com a “sanção”, que é “a própria essência do comando indicativo da obrigação”, a verdadeira “causa da norma obrigacional”8 ou “causa eficiente de seu cumprimento corrente”9. Essa postura libertarista complementa-se com a tese de que a economia teria “leis naturais”10 nas quais o Estado insiste em intervir. Uma dessas leis naturais é a de que “a liberdade de escolher pressupõe, necessariamente, uma menor intervenção do Estado” e “a maior disponibilidade de recursos, em mãos da iniciativa privada, provocaria desenvolvimento maior, maior produção [...]”11. A arrecadação dos tributos, segundo a postura libertarista, é, por definição, “desmedida para as reais necessidades do Estado”12. Essa tese sempre relaciona o tributo com as “necessidades estatais”, da máquina estatal, dos “detentores do poder”13, e nunca com as necessidades da própria sociedade civil, da coletividade. A cisão total entre sociedade civil e Estado é pressuposta, não chegando sequer a ser problematizada. Ainda segundo a postura libertarista, o caráter odioso da norma tributária (proclamado pela doutrina dos séculos XVIII e XIX) foi superado somente “no plano teórico” e doutrinário, mas não “no concernente à realidade prática”, pois haveria uma espécie de lei natural segundo a qual a arrecadação do tributo atende às “necessidades do Estado” (nunca se fala em necessidades da população ou dos indivíduos que compõem a sociedade civil), mas também aos “interesses privados dos detentores do poder, mesmo que se rotulem tais interesses de interesses públicos”14. Em suma, segundo a postura libertarista, o tributo confunde-se com uma pena, um castigo, tanto é assim que a proposta final da referida obra de Ives Gandra é usar o tributo para combater condutas ilícitas que desrespeitam “regras consideradas fundamentais para a convivência social”15. Para se ter uma ideia de como o tributo é identificado como um castigo, a proposta concreta do autor é usar a tributação como “grande instrumento de moralização de
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MARTINS, Ives Gandra da Silva. Teoria da Imposição Tributária. 2. ed. São Paulo: LTr, 1998. p.129. Idem., p.132. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Teoria da Imposição Tributária, op. cit., p.171. Idem, p.181. Idem, p.192. Idem, p.132. Idem, p.129. Idem, p.277.
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costumes”, gravando pesadamente a “exploração do lenocínio, copular ou fotográfico”, os jogos de azar, o “campo difícil da toxicomania”, num movimento de “utilizar-se da obrigação tributária como forma corrente de recondução da lei positiva aos contornos próprios da lei natural”16. Essa postura libertarista tem uma compreensão própria de como o direito tributário e o tributo se inserem no ordenamento jurídico. Essa visão não é adotada expressamente pelos doutrinadores brasileiros, sendo que a maioria deles talvez sequer a conheça de maneira detalhada. Contudo, o coração dessa postura libertarista – que vê o tributo mais como uma agressão arbitrária17 aos direitos dos cidadãos do que como um dever em prol da garantia de muitos direitos dos cidadãos – late em diversas manifestações doutrinárias sobre temas aparentemente técnicos e ideologicamente neutros. A postura libertarista está presente, por exemplo, nas ideias de Hugo de Brito Machado a respeito da finalidade do direito tributário. O tributo é visto pelo autor como algo responsável por “suprir os cofres públicos dos recursos financeiros necessários ao custeio das atividades do Estado”. Esse tributo envolveria dois personagens: um deles “é a maior expressão de poder que se conhece” – o Estado – e o outro é o contribuinte, a parte mais fraca a ser protegida. Daí a afirmação de que “o Direito Tributário tem por finalidade limitar o poder de tributar e proteger o cidadão contra os abusos desse poder”18.
O MITO
DO TRIBUTO COMO COMBUSTÍVEL CONSUMIDO NAS
ATIVIDADES DA MÁQUINA ESTATAL
Tal como ocorre com Ives Gandra, Hugo de Brito sempre descreve o tributo como um recurso “do Estado”; a arrecadação tributária sempre é descrita como “de recursos financeiros para o Estado”, destinada ao “custeio das atividades do Estado”19. O Estado é visto como completamente apartado da sociedade civil. Não é que essa descrição esteja errada; a questão é que se trata de uma descrição incompleta e pouco esclarecedora. Por que não reconhecer que o
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Idem, p.313. Arbitrária não como necessariamente autoritária e truculenta, mas no sentido de uma obrigação que, segundo a teoria libertarista, se impõe pela ameaça da sanção (daí o tributo ser “norma de rejeição social) e não pela justiça que fundamenta o dever. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.78. Idem, p.79.
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tributo se destina, ao fim e ao cabo, a financiar toda uma gama de atividades direta ou indiretamente relacionadas com o próprio sistema de direitos individuais e coletivos assegurados na Constituição? É certo que, neste processo, não se pode deixar de levar em conta a presença do Estado e de sua máquina não raro inchada, ineficiente e corrupta. Tampouco devemos esquecer as destinações frequentemente ilegítimas (palácios de justiça suntuosos, miríades de cargos em comissão nos três poderes) que o próprio orçamento dá às receitas públicas. Mas seria exato dizer que, conforme nossa Constituição, a contribuição de seguridade social recolhida por empregados e empregadores se destina a custear as atividades “do Estado”? Não seria mais preciso afirmar que o valor arrecadado se destina ao pagamento de aposentadorias, pensões e atendimentos de saúde pública? É exato descrever os salários pagos aos professores da rede pública e aos policiais militares como simples “despesas com o custeio da máquina estatal”? Não seria mais esclarecedor descrever tais despesas como recursos (oriundos dos tributos) diretamente relacionados à eficácia dos direitos dos cidadãos à educação e à segurança pública? Não estamos afirmando que o recolhimento de tributos vá representar necessariamente uma destinação mais valiosa econômica ou socialmente do que a que se daria aos recursos caso estes permanecessem nas mãos do contribuinte. O que estamos negando é que haja uma lei natural ou científica em sentido inverso. Na visão libertarista, o pagamento do tributo faz com que um recurso que tinha determinada utilidade para o contribuinte, para o mercado e para a economia nacional perca automaticamente essa utilidade e, a partir de então, se transforme num simples combustível a ser consumido nas engrenagens burocráticas da máquina do Estado. Daí se falar sempre na voracidade estatal, como se os tributos fossem recursos que se volatilizassem no interior do próprio Estado. Esquece-se que, até mesmo quando esquemas de corrupção se instalam no Estado e promovem desvios de recursos, o destino final do dinheiro não é as burras estatais e, sim, as contas privadas (quase sempre sediadas em paraísos fiscais) dos corruptos e corruptores. Não estamos asseverando que, nas lides administrativas ou judiciais em que se discute se determinado tributo é ou não devido nos temos da legislação em vigor, o interesse público mandaria o julgador se inclinar pela decisão no sentido do caráter devido da exação. Nada disso; o ser devido ou não determinado tributo depende do que dispõe a legislação, que deve ser corretamente interpretada. O que estamos combatendo é a defesa da postura inversa (in dubio pro contribuinte) baseada numa mensagem subliminar de que o tributo é a
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apropriação destrutiva (visto que destinada a ser consumida pela máquina estatal) de um patrimônio que a ordem natural do direito e das coisas (perturbada pela avidez dos governantes) mandaria deixar nas mãos do contribuinte20.
A
POSTURA LIBERTARISTA CABE NA NOSSA DE
CONSTITUIÇÃO
1988?
A tese libertarista descrita acima é falha mesmo numa ordem tipicamente liberal, em que as responsabilidades do Estado não vão além da defesa externa, da segurança pública e do aparato judicial. A falha vem de não perceber que a eficácia dos sagrados direitos negativos e liberdades públicas supõe a construção e a manutenção de uma estrutura institucional que depende diretamente da arrecadação dos tributos21. Daí ser um erro da tese libertarista identificar o tributo como algo tendencialmente destinado a diminuir a extensão e a manifestação dos direitos individuais dos cidadãos. É pelo vezo libertarista de ver no tributo somente a face de ameaça a direitos do cidadão, mas não sua outra face de substrato financeiro rigorosamente necessário para assegurar direitos ao mesmo cidadão, que Hugo de Brito afirma que a finalidade do direito tributário é “proteger o cidadão contra os abusos do poder de tributar”22. É certo que o poder de tributar deve ser limitado, e o direito constitucional-tributário em grande medida corresponde a normas que definem tais limites. Mas reduzir a função do direito tributário a unicamente traçar limites que protejam o contribuinte contra as garras do Estado é um exagero de quem enxerga o tributo como uma operação cujo resultado é sempre uma subtração (e nunca uma criação ou preservação) de direitos dos cidadãos23. A postura libertarista até hoje não percebeu o que Adam Smith24 intuiu ainda no século XVIII: que o imposto que anualmente retira 10% da renda e
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Para a discussão e a refutação dessa mensagem subliminar tão presente na doutrina do direito tributário brasileiro, vide: MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. O mito da propriedade – Os impostos e a justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Cf. HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R. The Cost of Rights – Why Liberty Depends on Taxes. Nova Iorque-Londres: W.W.Norton & Company, 1999. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.78. O papel do tributo como garantidor de direitos (inclusive negativos e de perfil liberal) dos cidadãos não escapa a TIPKE/LANG: “O escopo liberal-clássico da tributação se estende somente à necessidade financeira própria do Estado, que for necessária para realizar o ordenamento jurídico e econômico, que protege o indivíduo e a ele oferece as molduras institucionais para o desenvolvimento de sua personalidade.” (Op.cit., p.53-54). GODOI, Marciano Seabra de. Justiça, Igualdade e Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 1999. p.183-191.
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1% do patrimônio do indivíduo é o que garante a existência de juízes, policiais, cassetetes, fuzis, cárceres e carcereiros que, ao fim e ao cabo, são os responsáveis por garantir a incolumidade daquela renda e daquele patrimônio que remanesceram com o contribuinte. Se a tese libertarista já é falha para explicar a inserção do tributo na ordem jurídica e social de um Estado liberal clássico, no contexto de um Estado Democrático de Direito a tese libertarista se revela ainda mais inepta. Os libertaristas parecem não se dar conta de que, se levarmos a sério o compromisso gravado na Constituição de 1988 de “assegurar o exercício dos direitos sociais [‘educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância’ – art.6º] e individuais” (preâmbulo), de “erradicar a pobreza e marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art.3º), então a atividade financeira do Estado (da qual o tributo é um elemento central) deve ser vista como um instrumento de transformação social25 necessário para conferir e preservar a legitimidade do regime político26 e dar eficácia aos direitos constitucionais dos cidadãos27, e não como um capricho dos governantes que simplesmente retira recursos da atividade produtiva para desbaratá-los nas gargantas vorazes da máquina estatal. Os R$ 9 bilhões gastos em 2007 para atender a 45 milhões de pessoas no Programa Bolsa Família provieram naturalmente de tributos. É mais exato afirmar que esses recursos recolhidos por pessoas físicas e jurídicas se destinaram a “custear a máquina estatal” ou afirmar que se destinaram a prover segurança alimentar à parcela mais pobre da população brasileira? Os cerca de R$ 43 bilhões em tributos municipais, estaduais e federais direcionados em 2007 (Fundeb) para a educação infantil (creches e pré-escolas),
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“Se a justiça é concebida no texto constitucional de modo unitário e incindível como resultado do ordenamento jurídico, a dúvida que surge é a de até que ponto se podem conseguir a igualdade e os demais valores que a definem sem que para isso contribua também a política fiscal. Com efeito, dificilmente poderá haver redistribuição, igualdade real e solidariedade sem um sistema tributário orientado prevalentemente para esses fins. As consequências disso para o próprio conceito de tributo são evidentes, e impõem uma revisão da configuração que se fez do tributo no marco de uma filosofia político-jurídica que lança suas raízes no liberalismo” (LOZANO SERRANO, Carmelo. Consecuencias de la jurisprudência constitucional sobre el derecho financiero y tributário. Madri: Civitas, 1990. p.34). Sobre o papel fundamental dos tributos enquanto provedores de legitimidade ao regime político dos Estados democráticos contemporâneos, vide: DWORKIN, Ronald. Taxes and Legitimacy. In: DWORKIN, Ronald. Is democracy posible here? Principles for a new political debate. Princeton-Oxford: Princeton University Press, 2006. p.90-126. Sobre as funções essenciais dos tributos na construção de um regime político justo e igualitário no contexto das democracias contemporâneas, vide: RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p.303-314.
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o ensino fundamental, o ensino médio e o ensino especial, responsáveis pela educação de mais de 30 milhões de alunos, seriam corretamente descritos como “custeio das atividades da máquina estatal”? Esses exemplos servem para demonstrar que, além de propiciar o gozo dos chamados direitos e liberdades negativos (financiamento do aparato policial, judicial e administrativo), os tributos são estritamente necessários para garantir – ainda que minimamente – a eficácia de direitos fundamentais como educação e saúde. Nada na tese que ora defendemos propõe o gigantismo do Estado (programas organizados de transferência de renda supõem poucos custos burocráticos de controle) ou identifica um aumento na carga tributária como necessariamente um sinônimo de mais justiça social. Não se trata disso. Tampouco nutrimos qualquer ingenuidade acerca do secular patrimonialismo das estruturas de poder (públicas e privadas) de nosso país e da necessidade de exigir cada vez mais transparência contra os desmandos e malversações de recursos públicos. O que buscamos é tão somente extirpar do inconsciente coletivo dos operadores do direito a mensagem aí incutida subliminarmente pelo libertarismo: a mensagem de que o tributo é uma subtração simplesmente tolerável (mas não justificável por argumentos de justiça) de direitos legítimos do cidadão28, numa operação que, pela sua própria natureza, converte um recurso produtivo/ útil (enquanto nas mãos do contribuinte) em algo improdutivo/inservível (depois que ingressa no sorvedouro da máquina estatal). No plano positivo, o tributo é uma obrigação jurídica como qualquer outra, que surge se e quando verificadas as condutas previstas em lei29, demandando os mesmos métodos de interpretação e aplicação utilizados em outros ramos do direito. No plano da fundamentação ética, desde filósofos do direito até acórdãos de cortes constitucionais contemporâneas reconhecem que a solidariedade social é o esteio da obrigação de pagar impostos30, os quais possuem, sim,
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Como se as normas que definem o direito de propriedade e a autonomia contratual sem quaisquer limitações fossem, de um ponto de vista moral, prévias e superiores às normas de incidência tributária. Vide: GODOI, Marciano Seabra de. O quê e o porquê da tipicidade tributária. In: RIBEIRO, Ricardo Lodi; ROCHA, Sérgio André. Legalidade e Tipicidade no Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p.71-99. Vide: GODOI, Marciano Seabra de. Tributo e solidariedade social. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de. Solidariedade Social e Tributação. São Paulo: Dialética, 2005. p.141-167.
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princípios materiais de justiça31 e, por isso, não podem ser considerados a priori como “normas de rejeição social” (no sentido de normas que não oferecem qualquer justificativa moral do seu cumprimento aos seus destinatários, sustentando-se única e exclusivamente na ameaça da sanção). Finalmente, no plano pragmático de uma economia capitalista de mercado, o tributo compõe, tanto quanto os institutos da autonomia da vontade, da liberdade de contratar e dos direitos de propriedade, o quadro institucional necessário para a geração de riquezas, as trocas comerciais e a preservação de direitos individuais e coletivos dos cidadãos e das empresas32.
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Tipke/Lang afirmam que “a pergunta, se impostos são efetivamente justificados é no Estado Tributário sem o menor reparo confirmada” (Op.cit., p.185), o que naturalmente não os impede de reconhecer que fenômenos como a corrupção dos políticos e administradores e o desperdício de recursos públicos trabalham no sentido de minar o potencial de justificação do tributo. “Tributos não são necessários, se ao Estado tudo já pertence e se a Economia é exercitada pelo Estado sozinho. Por isso é confirmada mediante a instituição da tributação a utilização privada da propriedade e da economia [...] tributos são o preço da proteção do Estado, para segurança institucional, que é necessária para a economia privada” (TIPKE; LANG, op.cit., p.53-54).
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Justiça Fiscal
Marcus Abraham Doutor em Direito Público – UERJ Professor Adjunto de Direito Financeiro da UERJ Procurador da Fazenda Nacional
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I. INTRODUÇÃO O direito tributário que conhecemos hoje é fruto de uma longa evolução – em que, inicialmente, o Estado não conhecia qualquer limitação, atingindo seu ápice no absolutismo monárquico –, pois, no campo das imposições fiscais, era exercido de forma desregrada, na busca de recursos para seus confortos, luxos, ostentações, ou seja, para a concretização de interesses de um Estado que era apenas um instrumento de realização dos próprios governantes. Finalmente, após várias lutas, revoltas e revoluções, alterou-se a história da humanidade, com a consequente mudança do sistema de tributação, hoje estruturado com base no Estado Constitucional de Direito. A apreciação da face jurídica da justiça, que se inicia na Grécia antiga com Aristóteles e que, até hoje, mantém as suas bases originais pautadas na igualdade e na equidade, ganha reflexo na seara fiscal somente no final da Idade Média, com o Humanismo, que coloca o Homem como o centro dos interesses e transforma a obrigação tributária não mais em uma relação de poder, opressão e subordinação, mas, sim, em uma relação jurídica, fundada na legalidade e na liberdade, ao adquirir estatura de coisa pública. Mas o debate sobre os contornos da justiça social contemporânea retorna com as críticas feitas por Hans Kelsen, ao questionar as tradicionais concepções jusnaturalistas, também examinada, dentre outros, por Chaim Perelman, John Rawls (que retorna às ideias de Kant), Jurgen Habermas, Michael Walzer, Robert Alexy e Ronald Dworkin, que acabam por construir e reconhecer a sua fundamentação nos direitos humanos, dotandoa de pragmatismo e efetividade normativa, influenciando sobremaneira a seara fiscal. E o resultado materializa-se com as Constituições modernas, que passam a garantir os valores sociais, políticos e econômicos, consignando expressamente, em suas cartas, os direitos humanos fundamentais e consolidando, no Estado Democrático de Direito, o seu viés tributário: o Estado Democrático Fiscal, que se caracteriza pela consciência de que o erário público tem um fim destinado exclusivamente à coletividade e que, portanto, requer um equilíbrio orçamentário na sua gestão e a participação (indireta) do cidadão na determinação da estrutura tributária à qual se submeterá.
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II. O CONCEITO
DE
“JUSTIÇA”
Atribui-se a Aristóteles1 o início de inúmeras ciências, especialmente aquelas de ordem social, tendo em vista que este filósofo se dedicou a todos os ramos do conhecimento e foi o que mais precisamente desenvolveu os temas ligados à Filosofia do Direito. Lançou ele as primeiras noções de Justiça, não como valor relacionado à generalidade das relações metaindividuais, como faziam os estudiosos de sua época, mas dentro de um ponto de vista puramente jurídico, isto é, considerando as ideias de justiça e equidade como fontes inspiradoras das leis e do Direito. Foi o precursor de um conceito jurídico de “Justiça”, enfocando-a sob o contexto da “Polis”, isto é, mencionando sua importância na estrutura da elaboração das normas necessárias à vida gregária natural do homem. Para Aristóteles, somente a estrutura da “Polis” (ou modernamente: “Estado”) é capaz de promover o bem, tendo por fim a virtude e a felicidade. Para ele o homem é um animal político, pois é levado à vida política pela própria natureza. Tão influente foi o conceito de “Justiça” elaborado pelo filósofo da Grécia antiga que, ainda hoje, suas lições se encontram em plena harmonia com os princípios de igualdade e equidade, norteadores de quase todos os ordenamentos jurídicos do mundo contemporâneo. Neste conceito, há fortemente, em seu conteúdo, a ideia de equidade, trazendo em si uma função social na busca da dignidade do homem, conferindo a cada um o que lhe é devido. É fato a constatação de elaboração de normas constitucionais e infraconstitucionais tendo como conteúdo geral o acolhimento das noções elementares de justiça e igualdade, servindo de base para a organização do Estado e a normatização das condutas sociais. Assim, como bem registra Paulo Nader2: Os filósofos que antecederam Aristóteles não chegaram a abordar o tema de justiça dentro de uma perspectiva jurídica, mas como valor relacionado à generalidade das relações interindividuais ou coletivas. Em sua Ética a Nicômaco, o Estagirita formulou a teorização da justiça e equidade, considerando-as sob o prisma da lei e do Direito. Tão bem elaborado o seu estudo que se pode afirmar, sem receio de erro, que muito pouco se acrescentou, até nossos dias, àquele pensamento original.
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ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002. p. 14. NADER, Paulo. Filosofia do Direito. Rio de Janeiro, Forense, 5. ed., 1996. p. 36.
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A justiça procura estabelecer a equidade, de modo que cada um receba e possua o que lhe corresponde. Nem mais, nem menos. Pode-se falar em justiça legal, que regula a conduta de todos e a dos governantes em relação aos indivíduos; em justiça distributiva, que leva a comunidade a repartir os bens e encargos conforme a capacidade e os méritos de cada um; e em justiça comutativa, que preside as trocas. No seu conjunto, as três modalidades de justiça constituem o sustentáculo da vida social. É do conceito de “justiça” que se deduz uma primeira acepção da palavra “direito”, que significa o reto, o adequado, o bom e o justo. Os ideais liberais das Revoluções Americana (1776)3 e Francesa (1789)4, representados pela clássica tríade “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, estão na essência da concepção contemporânea de “justiça”, que hoje se expressam pelos estudos e difusão dos direitos humanos, implementação de direitos econômicos, sociais e políticos, tendo na “igualdade” o valor mais denso e imediato do que passa a ser concebido como justiça, já que, por ela, revoluções mudaram o mundo em que vivemos hoje, ideologias supostamente perenes restaram superadas, fazendo com que o poder transitasse de mãos numa incessante busca pela implementação do que, hodiernamente, conhecemos por Estado Democrático de Direito. O tema sobre a justiça sofre grande mudança conceitual a partir do pensamento de Hans Kelsen5, ao criticar as tradicionais concepções jusnaturalistas
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A Revolução Americana de 1776 foi a primeira grande rebelião do mundo colonial contra uma metrópole, no caso o reino da Grã-Bretanha. Uma série de incidentes crescentemente violentos colocou os colonos ingleses na América do Norte contra a sua terra natal, que culminou com a sua independência. Em 1787, a “Constituição dos Estados Unidos da América” e suas Emendas limitavam o poder estatal na medida em que estabeleciam a separação dos poderes e consagravam diversos Direitos Humanos fundamentais, tais como: a liberdade religiosa; a inviolabilidade de domicílio; o devido processo legal; o julgamento pelo Tribunal do Júri; a ampla defesa; bem como a proibição da aplicação de penas cruéis ou aberrantes. O BilI of Rights americano, ou Carta de Direitos, redigida pelo Congresso Americano em 1789, constituiuse em um resumo dos direitos fundamentais e privilégios garantidos ao povo contra violações praticadas pelo próprio Estado, normas posteriormente incorporadas à Constituição através das dez primeiras Emendas, sendo ratificada pelos três Estados em 15 de dezembro de 1791. A Revolução Francesa teve origem no Iluminismo, teoria filosófica que, entre outros propósitos, invocava a razão para debilitar a autoridade da igreja e os fundamentos da monarquia. Esse movimento social, posto em prática pelas massas populares, proporcionou à humanidade um legado fundamentado na obra de Jean-Jacques Rousseau (Contrato Social). Para Rousseau, a desigualdade entre os homens teria surgido com a noção de propriedade, a qual, por sua vez, teria gerado o Estado despótico através da sucessiva e descontrolada acumulação de bens. Em contraposição, afirmava que o Estado ideal deveria ser resultante de um pacto entre os indivíduos, que cederiam alguns de seus direitos até então consagrados, em prol de se tornarem verdadeiros cidadãos. O fundamento desse acordo, desse contrato social, seria a vontade geral, identificada com a coletividade, em consequência, soberana. KELSEN, Hans. O que é Justiça?. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1998; A Democracia. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1993; O Problema da Justiça. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1993.
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que vigoravam no início do século XX, num discurso desconstrutivista, chegando a afirmar que “a justiça é a eterna questão da humanidade”6, observando que, ao longo dos tempos, o conceito de “justiça” era pautado privilegiando determinados valores, como a vida, a liberdade individual, a segurança econômica, entre outros, atendendo aos interesses reconhecidos como dignos pelo formulador da ordem posta (Deus, cidadão, povo etc.), assim sendo, um juízo de valor relativo (conforme o ideal) e não absoluto. Kelsen considera a justiça como qualidade de uma conduta humana relativa ao tratamento de um indivíduo por outro, especialmente o tratamento dos indivíduos de uma comunidade por parte do legislador ou do magistrado. Confrontando tal conduta (ordem do ser) com o conteúdo de uma norma de justiça (ordem do dever ser), obtém-se um juízo segundo o qual a conduta é justa (valiosa) ou injusta (desvaliosa). Segundo ele, as normas de justiça representam os conceitos que os seres humanos, ao longo dos séculos, tomaram para si acerca do “justo” e do “injusto”. Ou seja, as normas de justiça são as normas que, ao longo dos tempos, foram tomadas pelos homens em sociedade como “válidas”, quando se tratava de julgar as condutas humanas para se valorar como “justas” ou “injustas”, e tais normas, encontradas na história dos povos e do pensamento filosófico, podem ser classificadas em dois grupos: o grupo das normas de justiça do tipo racional, originadas de atos dos seres humanos positivados no mundo fenomênico cujo conteúdo provém da razão e do tipo metafísico, de origem divina e com fundamento na fé em Deus7. Por sua vez, Chaim Perelman8 examina a noção de “justiça” a fim de extrair um substrato comum às diversas noções de justiça. A sua teoria assevera que o ato justo é aquele que determina um tratamento igual aos membros de determinada categoria essencial definida pela norma, abstendo-se em analisar o conteúdo em si da norma (se é ou não justa segundo um parâmetro universal), pois, para ele, “é a nossa visão do mundo, o modo como distinguimos o que vale do que não vale, que nos conduzirá a uma determinada da justiça concreta”. Assim, Perelman conclui que existem várias concepções particulares de justiça, cada uma delas baseadas em diferentes escalas de valores, não sendo possível afirmar racionalmente que somente uma destas concepções é a
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KELNSEN, Hans. O que é Justiça?. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1998. p. 1. GODOI, Marciano Seabra de. Justiça, Igualdade e Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 1999. p. 11-14. PERELMAN, Chaim. Ética e Direito. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1996. p. 59.
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verdadeira. Todo o sistema de justiça é fundamentado nos princípios que estão em sua base, e tal sistema dependerá de outros valores que não o valor justiça: “A justiça é o nome prestigioso que se dá ao bem que se concebe”9. Todavia, afirma que a justiça possui um valor próprio, sejam quais forem os outros valores nos quais o sistema de justiça se fundamenta: tal valor é o que resulta da necessidade racional de coerência e regularidade das regras que compõem o sistema. Ao distinguir três elementos na justiça de determinado sistema normativo (o valor que a fundamenta, a regra que a enuncia e o ato que a realiza), Perelman afirma: Os dois últimos elementos, os menos importantes, aliás, são os únicos que podemos submeter a exigências racionais: podemos exigir do ato que seja regular, que trate da mesma forma os seres que fazem parte de uma mesma categoria essencial (justiça formal); podemos pedir que a regra seja justificada, que decorra logicamente do sistema normativo adotado (princípio da não-arbitrariedade das normas). Quanto ao valor que fundamenta o sistema normativo, não podemos submeter a nenhum critério racional, ele é perfeitamente arbitrário e logicamente indeterminado. Com efeito, embora qualquer valor possa servir de fundamento para um sistema de justiça, esse valor em si mesmo, não é justo. O que podemos qualificar de justas são as regras e os atos que são conforme a estas regras. O caráter arbitrário dos valores que fundamentam um sistema normativo, a pluralidade e a oposição deles, fazem que um sistema de justiça necessário e perfeito seja irrealizável.10
Rompe-se com o formalismo exacerbado do positivismo jurídico, retornando às ideias de Kant e enfrentando a mais sensível questão jusfilosófica: a tensão entre a liberdade e igualdade. Nessa senda, John Rawls11, em sua obra A Theory of Justice, publicada no início da década de 70, propõe a superação da doutrina kelsiana acerca da viabilidade da construção racional de um conceito de “justiça”, baseada na concepção contratualista e antiutilitarista12, estudando
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Ibidem., p. 61. Ibidem., p. 63. RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça (trad.Almiro Pisetta e Lenita Esteves). São Paulo: Martins Fontes, 1997. Para Rawls, na teoria utilitarista que predominou nos últimos séculos no pensamento anglo-saxão, a sociedade estaria ordenada de forma justa quando suas instituições mais importantes estão reguladas de forma a conseguir-se o maior saldo líquido de satisfação (utilidade), obtido
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também noções filosóficas sobre o homem (individualista e liberal), o bem e a organização social. Segundo Rawls, a sociedade é vista como uma associação mais ou menos autossuficiente de indivíduos que, em seu relacionamento, reconhecem regras de conduta como obrigatórias, as quais são na maioria das vezes obedecidas, através de um sistema de cooperação social concebido para realizar o bem comum. A sociedade caracteriza-se por um conflito, bem como por uma identidade de interesses entre os indivíduos. A identidade de interesses possibilita que todos tenham uma vida melhor do que teriam se cada indivíduo vivesse isoladamente. O conflito de interesses existe e sempre existirá porque os indivíduos discordam, pelos mais variados motivos, quanto aos modos de repartição dos benefícios e dos ônus gerados pela existência da sociedade. Assim, esse autor postula uma concepção pública de justiça, que contenha elementos comuns conscientemente acordados entre indivíduos com diferentes ideias de Bem e diversas concepções concretas de justiça, sendo responsável por estabelecer os vínculos da convivência cívica. As instituições sociais (julgamentos, parlamentos, sistemas de propriedade, de organização familiar, mercados econômicos) são sistemas de regras que definem cargos e posições, com seus direitos e deveres, poderes e imunidades, especificando certas formas de ação como permitidas, outras como obrigatórias, outras como proibidas, e criando penalidades e defesas para o caso de ocorrerem violações13. Rawls propõe com sua teoria dois princípios de justiça social, que seriam escolhidos pelos indivíduos, influenciados por um véu de ignorância (“behind a veil of ignorance”), enquanto situados no que ele denominou de posição original (uma situação hipotética e legitimadora, em que os indivíduos não
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pela soma das participações individuais de todos os seus membros. Na doutrina social do utilitarismo, o princípio da escolha para uma associação de seres humanos é interpretado como uma mera extensão do princípio da escolha para um único homem. Segundo ele, o utilitarismo conforma uma teoria teleológica da justiça, que define o Bem independentemente do Justo, bem como define o Justo como aquilo que maximiza o Bem. O Bem é tomado como a satisfação do desejo racional do indivíduo, decorrendo, pois, que os termos justos da cooperação social são aqueles que consigam obter o máximo grau de satisfação dos desejos racionais dos indivíduos. O problema é que esta formulação leva a situações que atentam contra o intuitivo conceito de “justiça” do senso comum. Rawls observa que, para o utilitarismo, não importa, a não ser indiretamente, o modo como a soma de satisfações se distribui entre os indivíduos, como também não importa, a não ser indiretamente, como um indivíduo isolado distribui suas satisfações ao longo do tempo – o que importa em ambos os casos é a máxima realização, concluindo que: “O utilitarismo não leva a sério a diferença entre as pessoas”. (Ibidem. p. 24-30). GODOI, Marciano Seabra de. Justiça, Igualdade e Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 1999. p. 42-43.
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sabem qual posição social ou econômica irão ocupar na sociedade, ignorando suas habilidades físicas, mentais e propensões psicológicas, bem como suas ideias próprias e conceitos sobre Bem)14. Esses dois princípios estabelecem o seguinte: por um lado, é exigida uma igualdade radical na atribuição entre os indivíduos de direitos e deveres básicos fundamentais (primeiro princípio); por outro lado, considera-se que as desigualdades socioeconômicas entre os indivíduos somente são justas se for garantida uma igualdade equitativa de oportunidades e as desigualdades resultarem em benefícios para todos os indivíduos, em especial para os menos favorecidos da sociedade. Não há injustiça nos maiores benefícios de alguns somente se a situação dos menos afortunados também melhorar com tal desigualdade (segundo princípio). Tanto o primeiro quanto o segundo princípios de justiça dizem respeito à distribuição, entre os indivíduos de uma sociedade, do que Rawls chama de bens sociais primários (direitos, liberdades, oportunidades, prerrogativas, renda e riqueza e autoestima individual)15. E a justiça, nas palavras deste autor16: É a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento. Embora elegante e econômica, uma teoria deve ser rejeitada ou revisada se não é verdadeira; da mesma forma, leis e instituições, por mais eficientes e bem organizadas que sejam, devem ser reformadas ou abolidas se são injustas. A cooperação social possibilita que todos tenham uma vida melhor da que teria qualquer um dos membros se cada um dependesse de seus próprios esforços. Exige-se um conjunto de princípios para escolher entre várias formas de ordenação social. Esses princípios são os princípios da justiça social: eles fornecem um modo de atribuir direitos e deveres nas instituições básicas da sociedade e definem a distribuição apropriada dos benefícios e encargos da cooperação social.
Jurgen Habermas17, filósofo de formação, em sua obra Democracia e Direito, editada originalmente em 1992, busca estabelecer uma metodologia realista e construtiva, no sentido de solucionar conflitos de interesses concretos por meio
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Ibidem. p.44. Ibidem. p.45 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça (trad.Almiro Pisetta e Lenita Esteves). São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 3-5 . HABERMAS, Jurgen. Democracia e Direito: entre Facticidade e Validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
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do emprego da razão, preocupando-se também com o fundamento de legitimidade da ordem social. Segundo ele, não há uma hierarquia entre a moral e direito, sendo ambas espécies de normas de ação, e o significado de legitimidade depende do vínculo entre ética e direito, havendo um paradoxal condicionamento recíproco entre legalidade e legitimidade que só é compreensível em conexão com a moral, pois, no seu entendimento: [...] a legalidade tem que extrair a sua legitimidade de uma racionalidade, procedimental com teor moral. Esta racionalidade resulta de um entrelaçamento entre dois tipos de processos pois argumentações morais são institucionalizadas com auxílio de meios jurídicos.18
Embora coincidindo com Rawls em muitos aspectos19, Habermas critica fortemente a sua teoria de justiça, questionando o expediente da “posição original” 20, pois, segundo ele, este teria interpretado mal a ideia de imparcialidade quando testa a legitimidade dos princípios de justiça social, já que deveria haver algo “por detrás” desta posição a fundamentar a escolha de suas características. Propõe, assim, um modelo no qual se interpenetrariam justiça, razão comunicativa e modernidade, situando a validade ou a legitimidade do direito não no plano metafísico, mas no plano discursivo e procedimental, lançando mão do arcabouço teórico de sua “teoria da ação comunicativa”, na qual a linguagem é tomada como algo que vai além da dimensão sintática e semântica, constituindo o médium através do qual os sujeitos sociais podem interagir-se e fundamentar racionalmente as pretensões
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Ibidem., p. 194. Os pontos de contato e divergência entre a obra de Habermas e de Rawls foram bem expostos por Santiago Nino, quando ao autor assinala que: “Habermas coincide com Rawls em hay presupuestos formales, como el de imparcialidad, que son decisivos para otorgar validez a los princípios Morales. Sin embargo, mientras para Rawls estos son presupuestos formales de unrazionamiento moral monológico, para Habermas son reglas de una prácitca social del discurso intersubjetivo. Para Rawls, la validez de los principios morales está dada por la satisfacción del requerimiento de imparcialidad. Habermas, por otro lado, requiere un consenso de facto para ser constituido atraves del empleo de la regla de imparcialidad. Finalmente, mientras Rawls parece pensar que uno puede alcanzar la conclusión de que un principio moral es válido sólo por medio de la reflexión individual – aunque la discusión puede desempenhar um papel auxiliar – Habermas claramente sostiene que esto es imposible. Para Habermas, sólo la discusión coletiva, en la busqueda cooperativa de la verdade, es una forma confiable de accender al conocimiento moral”. (La Constituición de La Democracia Deliberativa. Madri: Editorial Gedisa, 1997, p. 160, apud NASCIMENTO, Rogério Soares do. A Ética do Discurso como Justificação dos Direitos Fundamentais na Obra de Jurgen Habermas. In: TORRES, Ricardo Lobo (Coord.). Legitimação dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 455). Como vimos, esta proposição de Rawls posiciona os indivíduos de uma sociedade sob um véu de ignorância, atribuindo-lhes a característica da imparcialidade e permitindo uma integração social pautada numa concepção abstrata e absoluta de “justiça”.
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de validade aceitas por todos os envolvidos. A positivação do direito moderno representaria a solução para o desafio de integração posto pelas sociedades dessacralizadas e seccionadas funcionalmente: através do sistema de direitos, as liberdades individuais passam a ser garantidas pela força das sanções previstas na lei, não sendo de se estranhar que a essência do direito moderno consista na definição dos direitos subjetivos privados, os quais demarcam o legítimo alcance das liberdades individuais e, destarte, são talhados em função da busca estratégica de interesses individuais21. Habermas oferece substituir a razão prática, fundada num sujeito o qual, através de sua consciência, descobre a norma mais correta, pela razão comunicativa, fundada numa pluralidade de sujeitos que, orientando sua ação por um conjunto de pressupostos procedimentais discursivos, chega a normas nas quais são co-originários os direitos humanos (autonomia privada) e a soberania popular (autonomia pública). Ressalta que há uma relação muito especial entre direito e poder político, pois o direito realiza a função de estabilizar expectativas de comportamento, e nisto é auxiliado pelo poder político que, garantindo a eficácia das sanções, institucionaliza no Estado o direito. Por outro lado, o poder, que tem a função de realizar fins coletivos, encontra no direito um meio de organização da dominação social, sendo o Estado Democrático de Direito a possibilidade de ligação entre o poder da sociedade civil e o poder administrativo do Estado, de modo a buscar um melhor balanceamento entre a ação coordenada pelo dinheiro e a ação coordenada pelo entendimento mútuo e pela solidariedade. Michael Walzer22 aproxima-se de Rawls na medida em que também vai procurar descrever uma sociedade justa, embora sob uma ótica diversa, enfatizando a existência de uma outra dimensão que não apenas a individual, vale dizer, a coletiva ou social, que se forma na comunidade política com a qual o indivíduo compartilha memórias, valores e perspectivas de futuro, atacando a ideia (de Rawls) da supervalorização do elemento individualista do homem, desenraizado de sua comunidade. A diferença entre os homens em sociedade é natural, não sendo em si injusta. A justiça no âmbito da
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GODOI, Marciano Seabra de. Justiça, Igualdade e Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 1999. p. 66-71. WALZER, Michael. Spheres of Justice – A Defense of Pluralism and Equality. New York: Basic Book, 1983, apud BARCELLOS, Ana Paula de. O Mínimo Existencial e Algumas Fundamentações: John Rawls, Michael Walzer e Robert Alexy. In: TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Legitimação dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 31-39.
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sociedade está na ausência de subordinação ou dominação, e seus integrantes são capazes de chegar a um consenso para alcançar o justo, através de valores sociais compartilhados, sendo que cada bem social (dinheiro, lazer, trabalho, poder político, educação etc.) deverá ser distribuído de acordo com as concepções da própria comunidade, por meio de três critérios: troca em um mercado livre (uso do dinheiro), mérito e necessidade. Finalmente, reconhece que há um conjunto de direitos mínimos do homem que decorre de sua humanidade, sem os quais o indivíduo perde a capacidade de se tornar membro da comunidade e de compartilhar o que quer que seja com os demais homens23. Robert Alexy24, diferente de Rawls e Walzer, propõe a construção de uma teoria jurídica dos direitos fundamentais mais concreta e pragmática que os demais autores, através da efetividade e da aplicabilidade das normas constitucionais, com o aprimoramento de mecanismos de solução de conflitos entre princípios jurídicos (diferenciação entre regras e princípios e a utilização da ponderação), tendo no princípio da dignidade da pessoa humana o pilar central da teoria, acompanhado dos princípios da igualdade, separação de poderes e legislador democrático na efetivação da justiça. Mas é com Ronald Dworkin25 que encontramos uma fundamentação mais consistente acerca de justiça e direitos humanos, porque propõe o reconhecimento moral e efetivo destes direitos, devidamente perfilhados em sociedade cujos integrantes deveriam ser tratados com igual respeito e consideração (equal protection). Para ele, os direitos decorrentes de princípios morais (arguments of priciples) seriam fundamentais por assegurarem uma esfera de liberdades inalienáveis do indivíduo, incluindo-se os direitos individuais, políticos, sociais, econômicos e culturais, prescindindo de reconhecimento legislativo e com eficácia plena através do Poder Judiciário. Contudo não se poderia exigir do Estado uma plena e absoluta garantia à liberdade pessoal, pois se deve reconhecer como legítimas as medidas utilitaristas que o Poder Público adota para tornar melhor a vida em sociedade. Assim, por intermédio da ideia de “individualismo ético” (estratégias de redistribuição de riquezas, renda mínima e impostos progressivos), Dworkin acredita ter conciliado a liberdade e a igualdade.
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Ibidem., p. 34-39. ALEXY, Alexy. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos Y Constitucionales, 2001. DWORKIN, Ronald. Takin Rights Seriously. Cambridge: Massachussets: Harvard University Press, 1978.
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III. JUSTIÇA
NA TRIBUTAÇÃO
Conforme Ricardo Lobo Torres26 bem coloca, “a reflexão sobre a justiça tributária só aparece no final da Idade Média”. O riquíssimo pensamento greco-romano sobre a justiça, de Platão e Aristóteles até Cícero, não contempla, senão incidentalmente, a questão do justo fiscal. A filosofia medieval27 é que vai recorrer ao argumento de que o tributo exigido além das necessidades do príncipe representa um furto, só constituindo peccatum, em contrapartida, o não pagamento do imposto justo. Nesse cenário, o humanismo coloca o homem no centro de suas preocupações éticas, estéticas e políticas. Permite-se, então, a discussão do tema da justiça na tributação, com a preocupação da isonomia (análise da condição dos pobres e ricos) e da redistribuição de riquezas, levando, então, a profundas mudanças sociais. Segundo Paulo Roberto Cabral Nogueira28, o estudo histórico não deixa dúvida de que a tributação foi causa direta ou indireta de grandes revoluções ou grandes transformações sociais, como a Revolução Francesa, a Independência das Colônias Americanas e, entre nós, a Inconfidência Mineira, o mais genuíno e idealista dos movimentos de afirmação da nacionalidade, que teve como fundamental motivação a sangria econômica provada pela metrópole por meio do aumento da derrama. Afirma Ricardo Lobo Torres29 que, com o advento do Estado Fiscal de Direito (que cultiva a igualdade e a legalidade, em que o poder tributário já nasce limitado pela liberdade), se estreitam as relações entre a liberdade e o tributo, em que: [...] o tributo nasce no espaço aberto pela autolimitação da liberdade e constitui o preço da liberdade, mas por ela se limita e pode chegar a
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TORRES, Ricardo Lobo. Ética e Justiça Tributária. In: SCHOUERI, Luis Eduardo (Coord.). Estudos em Homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998. p. 173. A filosofia medieval, situada no período que vai do helenismo (sécs. IV-V) até o renascimento e o início do pensamento moderno (final do séc. XV e séc. XVI), concentrado entre os séculos XII e XIV, tempo do surgimento e desenvolvimento da escolástica (sécs. XI-XII), deixa para trás o estigma da “Idade das Trevas”, período de obscurantismo e ideias retrógradas, marcado pelo atraso econômico e político do feudalismo, pelas guerras religiosas, teve sua produção estimulada com a criação das universidades (séc. XIII) em consequência do grande desenvolvimento das escolas ligadas às abadias e catedrais e o surgimento do humanismo (MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. p. 103). NOGUEIRA, Paulo Roberto Cabral. Do Imposto sobre Produtos Industrializados. São Paulo: Saraiva, 1981. p. 7-8. TORRES, Ricardo Lobo. Os Direitos Humanos e a Tributação – Imunidades e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995. p. 3.
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oprimi-la, se o não contiver a legalidade. O imposto adquire dimensão de coisa pública e nele o Estado passa a encontrar a sua fonte de financiamento, permitindo que os agentes econômicos ampliem a riqueza suscetível de tributação.
Do século XVIII ao século XX, o mundo atravessou duas grandes revoluções – a da liberdade e a da igualdade – seguidas de mais duas, a revolução da fraternidade, tendo por objeto o Homem concreto e a revolução do Estado social em sua fase mais recente de concretização constitucional. Cada revolução intentou tornar efetiva uma forma de Estado. Primeiro, o Estado liberal; a seguir, o Estado socialista; depois, o Estado social das Constituições programáticas, assim batizadas ou caracterizadas pelo teor abstrato e bem intencionado de suas declarações de direitos; e, por último, o Estado social dos direitos fundamentais, este, sim, por inteiro, capacitado da juridicidade e da concreção e regras que garantem estes direitos30. O Estado social nasceu de uma inspiração de justiça, igualdade e liberdade. Ao empregar meios intervencionistas para estabelecer o equilíbrio na repartição dos bens sociais, instituiu, ao mesmo tempo, um regime de garantias concretas e objetivas, que tendem a fazer vitoriosa uma concepção democrática de poder vinculada primariamente com a função e fruição dos direitos fundamentais, concebidos doravante em dimensão por inteiro distinta daquela peculiar ao feroz individualismo das teses liberais e subjetivas do passado31. Em verdade, o velho Estado Liberal das épocas clássicas, depois de cumprir sua missão revolucionária e exaurir sua essência racionalizadora, incorporou às instituições estatais, e nelas cimentou o princípio da separação dos poderes, talvez no terreno das garantias constitucionais da liberdade, sua herança mais feliz mais próspera e mais estimável32. Os positivismos do século XIX procuram analisar o tributo a partir das considerações utilitaristas. Stuart Mill teve seu papel de destaque na construção ética utilitarista do tributo, ao afirmar que o justo fiscal era medido pela utilidade marginal do capital (quanto maior a riqueza individual, menor a sua utilidade para o detentor do capital)33.
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BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 29. Ibidem., p. 11. Ibidem., p. 13. TORRES, Ricardo Lobo. Ética e Justiça Tributária. In: SCHOUERI, Luis Eduardo (Coord.). Estudos em Homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998. p. 174.
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Mas, com o que se convencionou chamar de “virada kantiana”, a teoria da justiça pós-positivista supera os ideais dos positivismos normativistas de Kelsen, restabelecendo o retorno dos valores ao centro do discurso jurídico, através da reaproximação entre ética e direito, com a fundamentação moral dos direitos humanos e pela busca da justiça edificada no imperativo categórico, tendo no livro A Theory of Justice, de John Rawls, publicado no ano de 1971, a certidão do renascimento dessas ideias34. Esta releitura da obra de Kant, segundo Ricardo Lobo Torres35, traz as seguintes proposições: a) inclusão da regra de justiça, ao lado da de liberdade, no imperativo categórico; b) a positivação jurídica da norma ética abstrata; c) a projeção da ética tributária para as dimensões cosmopolita, internacional, nacional e local; d) a efetividade jurídica do mínimo ético; e) a perspectiva orçamentária do justo tributário. Neste sentido, afirma Vicente de Paulo Barretto36 que “o direito pósmoderno aparece, então, quando o lemos sob essa nova ótica, não como instrumento de conservação social, mas sim como agente de mudança social”. Segundo as palavras do mestre alemão Klaus Tipke37: O moderno direito tributário está concebido com uma dupla finalidade, já que não se destina, exclusivamente, à obtenção de recursos. Ao mesmo tempo, procura dirigir a economia e a redistribuição de renda. [...] A Teoria da Justiça ou Ética é um ramo da filosofia, também da Filosofia Política, assim como da Filosofia do Direito e do Estado. A Ética é a teoria dos princípios, regras, critérios ou padrões valorativos da justiça e do comportamento justo. Ainda na literatura os conceitos de “Ética” e “Moral” sejam frequentemente usados como sinônimos, nós entendemos como “Ética” a teoria do comportamento justo, e como “Moral” o comportamento ou agir segundo essa teoria. O legislador, que observa a teoria do Direito Tributário justo, demonstra moral tributária ou age moralmente em matéria tributária. O cidadão, que paga impostos segundo leis tributárias justas, demonstra moral tributária ou age moralmente em matéria tributária.
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TORRES, Ricardo Lobo. Liberdade, Segurança e Justiça no Direito Tributário. Justiça Tributária – 1o. Congresso de Direito Tributário – IBET. São Paulo: Ed. Max Limonad, 1998. p. 679. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol. II. Valores e Princípios Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 5. BARRETTO, Vicente de Paulo in prefácio de Margarida Maria Lacombe Camargo. Hermenêutica e Argumentação – Uma Contribuição ao Estudo do Direito. 2a ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. TIPKE, Klaus. La ordenanza tributária alemana de 1977. Revista Española de Derecho Financiero, n. 14, p. 360, apud BOTELHO, Werther. Da Tributação e Sua Destinação. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 37.
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Assim, o princípio da justiça tributária encontra vida, alma e impulso na virtude da justiça. Esta leva o contribuinte virtuoso a viver como cidadão que luta por uma ordem tributária socialmente mais justa. Para falarmos em Justiça Tributária numa sociedade democrática, precisamos notar a presença de pelo menos duas características: i – uma forte regulação na distribuição de bens na estrutura básica da sociedade; ii – cidadãos-contribuintes que, em uma democracia constitucional, pagam tributos e mantêm um fundo comum público, destinado a garantir a oferta de bens e de serviços impossíveis de serem assegurados com equidade a todos os cidadãos, se entregues ao mercado38. Embora a justiça tributária não seja rigorosamente redistributiva, por lhe faltar a instrumentalidade própria da despesa pública, esclarece Ricardo Lobo Torres39: [...] esta é a que oferece o melhor instrumental para a redistribuição de rendas, com a adjudicação de parcelas da riqueza nacional a indivíduos concretos, abrangendo simultaneamente a justiça orçamentária, a tributária e a financeira (subvenções e transferências).
Na lição do supracitado autor: As desigualdades na sociedade hodierna, máxime nas de economia subdesenvolvida, são de tal forma chocantes que o anseio de redistribuição de bens se coloca como objetivo básico de partidos políticos e tema central das discussões na área da filosofia, do direito, da economia, da sociologia e dos demais ramos do saber. Como, entretanto, fazer a redistribuição de rendas de modo justo em sociedades complexas? Examine-se o caso do Brasil: são quase 180 milhões de pessoas, das quais aproximadamente 30 milhões se encontram abaixo do nível razoável de pobreza, ou seja, na miséria absoluta; a população restante, trabalhadora, participa com grande desigualdade da riqueza da nação, sendo dado divulgado pelo Banco Mundial que o Brasil é o país que no Ocidente apresenta a maior e mais iníqua concentração de renda. Como resolver o problema, fazendo com que aumente o número de pessoas que participam decente e razoavelmente do esforço nacional e da criação da riqueza? Qual o papel do Estado na transferência de riqueza entre
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NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Limites Éticos e Jurídicos ao Planejamento Tributário. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Coord.). Planejamento Tributário. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2004. p. 30. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol. II. Valores e Princípios Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 113.
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as classes sociais? Em que consiste e como opera, afinal, a justiça distributiva? Várias são as respostas. Durante algumas décadas se desenvolveu a teoria da justiça social, que pretendia chegar à redistribuição de rendas por intermédio de processos econômicos espontâneos ou da ação de instituições sociais. Os impasses surgidos nas discussões em torno da justiça social abriram espaço para que aparecessem os céticos e os relativistas, a defender a impossibilidade de uma teoria da justiça (Nozik, Luhman e Hayek). Mas a reação à teoria da justiça social se fez de modo mais profundo e coerente pelos teóricos que desenvolveram a doutrina da justiça política, a partir da ideia de que a redistribuição espontânea de rendas é utópica e de que há necessidade da intermediação das instituições políticas e da Constituição (Rawls e Hoffe), em permanente interação com as instituições sociais.
IV. DIREITOS HUMANOS
E O
DIREITO TRIBUTÁRIO
Existem regras que toda sociedade deverá possuir e não podem ser recusadas a ninguém, uma vez que seu respeito se impõe a todos, inclusive ao Estado. Tais direitos são chamados de essenciais porque decorrem da própria essência do ser humano e são considerados fundamentais porque estão na base da ordem social. São os direitos humanos fundamentais, que não podem ser negados, devendo, ao contrário, ser reconhecidos por todos e principalmente pelo Estado que, acima de tudo, deverá respeitar e garanti-los. Esses direitos, afirma Manoel Gonçalves Ferreira Filho40: [...] graças ao reconhecimento, ganham proteção. São garantidos pela ordem jurídica, pelo Estado. Isto significa passarem a gozar de coercibilidade. Sim, porque, uma vez reconhecidos, cabe ao Estado restaurá-los coercitivamente se violados, mesmo que o violador seja órgão ou agente do Estado.
Os direitos humanos, independentemente da corrente jusfilosófica adotada ou mesmo de sistematização, positivação ou forma de legitimação, pré-existem à norma, possuindo um conteúdo fortemente jusnaturalista, na medida em que derivam da própria natureza do ser e independem da Sociedade ou do Estado para serem reconhecidos. A doutrina dos direitos do Homem,
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FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 5ª ed.rev. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 31.
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que tem grande peso no constitucionalismo ainda hoje, não nasceu no século XVIII. Ela, no fundo, nada mais é do que uma versão do direito natural que já despontava na Antiguidade41. Para Celso Lafer42, a positivação dos Direitos Humanos nas Constituições teve o objetivo de conferir segurança àqueles direitos ali previstos, tornando aceitável pela sociedade na administração do mundo moderno. Mas não há como se esperar que tais direitos sejam uniformes para todos os povos, dadas as suas distinções socioculturais de cada época e lugar. As instituições básicas, a saber, família, educação, economia, política, religião e recreação, variam e se influenciam de sociedade para sociedade, conforme os fatores que lhe são peculiares, inerentes e importantes, tais como economia, religião, ciência, história, filosofia e, principalmente, conforme seu ordenamento jurídico e constitucionalismo. Sobre a função dos direitos humanos, afirma Canotilho43: Os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente a ingerência destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).
Se do passado tivemos grande influência da tradição religiosa, no nosso presente e num futuro próximo, teremos necessariamente o inter-relacionamento das normas de direitos humanos dos vários povos e suas respectivas características, sem perdermos de vista a consideração sobre novas questões que surgem a cada dia, originárias do desenvolvimento das ciências modernas, do desenvolvimento de meios de transporte e de comunicação em massa, trazendo não somente conflitos econômicos, mas também problemas éticos e culturais44.
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Ibidem., p. 9. LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Schwarcz, 1991. p. 23, apud NOGUEIRA, Alberto. A Reconstrução dos Direitos Humanos na Tributação. Ed. Renovar: Rio de Janeiro, 1997. p. 2. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1998. p. 373. Em todo o mundo antigo – Babilônia, Egito, Grécia, Roma, Índia – o Direito esteve vinculado à religião. A base da legislação hebraica, ditada por Moisés e reunida na Toráh, tem seus fundamentos na religião, de sorte que o povo judeu se organizou sob a inspiração religiosa: família, propriedade, poder político, alimentação, vestuário – tudo está disciplinado segundo uma ética religiosa proveniente da vontade de Deus. Hammurabi legislou para seu povo sob
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É do Direito Constitucional, traçando as linhas comportamentais do Estado e da Sociedade, que teremos o posicionamento concreto da sua estrutura, dotado de função harmonizadora, na busca do equilíbrio da convivência do homem em sociedade e seu desenvolvimento digno e pacífico. Através de suas feições, poderemos identificar se se trata de um estado de Direito ou de Fato, Democrático ou Totalitário, Liberal ou Autocrático. Mais ainda, é por ele que poderemos analisar a relação entre o Estado e os Direitos Humanos, tendo em vista que todo sistema jurídico deverá se conformar com as disposições constitucionais como condição de validade de suas normas. Já é tradição que as declarações de direitos sejam parte integrante das Constituições, como é o caso da americana (incluída por emenda), alemã, espanhola, portuguesa, italiana e brasileira, embora alguns defendam a ideia de que a declaração de direitos deve ser apartada da Constituição e pairar como um instrumento supraconstitucional45. No caso brasileiro, desde a nossa primeira Constituição republicana (1891), já estavam expressamente enumerados (exemplificativamente) os direitos fundamentais que iriam reger a sociedade brasileira. Em nossa atual carta constitucional (1988), o artigo 5o, parágrafo 1o, estabelece que: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Topograficamente, encontramos no seu Título II – “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” –, os capítulos I a IV (arts. 5o a 16), que tratam dos direitos e deveres individuais e coletivos, os direitos sociais, a nacionalidade e os direitos políticos. No Título VIII – “Da Ordem Social”, encontramos matérias relativas à seguridade social, saúde, previdência e assistência social, educação, desporto, ciência e tecnologia, comunicação social, meio ambiente, família, criança e adolescente, idoso e índio. Os referidos direitos são classificados em função de sua natureza e conteúdo: a) individuais (artigo 5o), que reconhecem direitos aos indivíduos (brasileiros e estrangeiros), diante dos demais membros da sociedade e em face do Estado, como à vida, à liberdade, à igualdade, à propriedade etc.; b) coletivos (artigos 5o, 8o, 9o, 225 etc.), que se expressam pela liberdade de atuação dos indivíduos de forma coletiva, como a liberdade de reunião e associação profissional e sindical, direito de petição, direito de greve, direito ao meio ambiente
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a invocação dos deuses. O Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, contém na sua estrutura social e moral regras de cunho religioso. O próprio cristianismo, com sua concepção de homem e de Deus, expandiu-se moldando instituições sociais, políticas e jurídicas. (OLIVEIRA, Almir. Curso de Direitos Humanos. Editora Forense: Rio de Janeiro, 2000. p. 26-31). Ibidem., p. 92.
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equilibrado etc.; c) sociais (artigos 6o, 193 e seguintes), que seriam aqueles assegurados ao homem, como indivíduo, em suas relações sociais e culturais, possibilitando condições melhores de vida especialmente aos mais fracos, tais como direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, assistência aos desamparados etc.; d) nacionalidade (artigo 12), que definem a nacionalidade, sua aquisição e exercício de suas faculdades, como a exclusividade ao brasileiro nato do exercício de determinados cargos; e) políticos (artigos 14 a 17), assim entendidos como aqueles que regulam a forma de participação e influência do povo no governo e ao exercício da soberania popular, como a capacidade eleitoral ativa e passiva. Além destes, podemos também encontrar outras normas de igual função, porém com aplicabilidade direta na esfera fiscal, ou seja, normas de natureza tributária, econômica, financeira e orçamentária, que não estão incluídas dentre o rol dos direitos fundamentais sociais, expressamente previstos dos artigos 145 a 192 da Constituição, através de regras e princípios explícitos e implícitos, que visam conferir proteção ao beneficiário da atividade estatal – o contribuinte – contra possíveis abusos do Estado, pela sua ânsia em tributar. São normas-garantia que, se rompidas, podem acarretar a violação de uma outra, ainda superior: a da justiça fiscal. Neste sentido, chama atenção Roque Carrazza46 ao afirmar que: [...] as pessoas políticas, enquanto tributam, não podem agir de maneira arbitrária e sem obstáculo algum, diante dos contribuintes. Muito pelo contrário: em suas relações com eles, submetem-se a um rígido regime jurídico. Assim, regem suas condutas de acordo com as regras que veiculam os direitos fundamentais e que colimam, também, limitar o exercício da competência tributária, subordinando-o à ordem jurídica.
A justiça fiscal é o valor supremo do Estado de Direito dependente de impostos e, ao mesmo tempo, o valor supremo da comunidade de contribuintes. Apenas à violação de um Direito Tributário Justo podem ser impostas sanções justas. O Direito Tributário encontra as desigualdades econômicas existentes numa economia de mercado. O princípio da igualdade exige que a carga tributária total seja igualmente distribuída entre os cidadãos. O componente social da justiça exige que ricos contribuam proporcionalmente mais que os mais pobres. O princípio da liberdade põe limites à oneração fiscal do contribuinte47.
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CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 11ª ed. São Paulo: Malheiros. 1998. p. 280. TIPKE, Klaus. YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 18.
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Das normas constitucionais que protegem o cidadão na atividade fiscal, podemos primeiramente citar aquelas clássicas, previstas nos artigos 145, 150, 151 e 152 da Constituição Federal, como os deveres de respeito a: a) capacidade contributiva (parágrafo 1o, artigo 145, CF); b) segurança jurídica (artigo 150, incisos I e III, CF); c) igualdade (artigo 150, inciso II, 151 e 152, CF); d) vedação ao confisco (art. 150, inciso IV); e e) imunidades (art. 150, incisos V e VI). Além destas, topograficamente sistematizadas, temos também aquelas estabelecidas nos artigos 1o, inciso III, 3o, 5o, inciso LXXIV, 196, 203 e 208, I, que dispõem sobre a proteção ao mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana. Mas não podemos deixar citar outras normas que, independentemente de estarem de modo expresso previstas na Constituição, compõem o conjunto de direitos humanos na seara fiscal. Assim, é o caso da proibição de prisão por dívida, inclusive as fiscais, com base no Pacto de San José da Costa Rica. No mesmo sentido temos a extirpação da regra do solve et repete, que, no Brasil, foi retirado do ordenamento jurídico tributário pelo Decreto-lei n. 822/6848. É comum, outrossim, encontrarmos em tratados e convenções internacionais princípios genéricos sobre matéria fiscal. Assim temos a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Cidadão, a Convenção Modelo da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Tratado de Maastricht, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e a Declaração Universal dos Direitos do Homem. É de se mencionar o renascimento das ideias de se instituir um Código de Defesa do Contribuinte, ou Estatuto do Contribuinte, como tem sido chamado. Assim, verifica-se a instituição, em 1996, nos Estados Unidos, da “Segunda Declaração de Direitos do Contribuinte” (Taxpayer Bill of Rights II). A Espanha aprovou a “Lei de Direitos e Garantias dos Contribuintes” (Ley de Derechos y Garantias de los Contribuyentes – LDGC). Finalmente, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, aprovada em Roma, em primeiro de novembro de 2004, encontram-se inúmeras normas de proteção ao contribuinte.
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Não obstante vozes contrárias que afirmam o restabelecimento desta obrigação com a edição da Medida Provisória 1.863/1999, que modificou os artigos 33 e 43 do Decreto no 70.235, de 06 de março de 1972 (o qual, por delegação do Decreto-Lei no 822, de 05 de setembro de 1969, regula o processo administrativo de determinação e exigência de créditos tributários da União), ao determinar a obrigatoriedade do depósito de 30% do valor devido para promover o recurso voluntário ao Conselho de Contribuintes na esfera administrativa.
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E, no Brasil, temos atualmente um projeto de lei complementar em trâmite no Congresso Nacional, com o fim de instituir o Código de Defesa do Contribuinte49.
V. AS TRÊS FACES
DA JUSTIÇA
TRIBUTÁRIA
Falar de justiça em seara fiscal nada mais é do que discutir temas como a dimensão da carga fiscal, as relações entre fisco e contribuinte e a harmonia do sistema tributário. Tais assuntos ganham sua expressão no campo jurídico pelo debate da capacidade contributiva, no primeiro caso; sobre a igualdade e a equidade, no segundo caso; e, finalmente, sobre a segurança jurídica nas relações fiscais. Equalizar estes três fatores é o grande desafio de qualquer nação contemporânea constituída em Estado de Direito, já que a tributação possui um elevado custo social, econômico e político e que, como a história moderna já demonstrou, foi motivo para inúmeras revoluções populares, insurreições e guerras.
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Trata-se do Projeto de Lei Complementar n. 646/99, de autoria do Senador Jorge Bornhausen (PFL), que estipula: a) que a instituição de tributos atenderá ao princípio da justiça tributária, e a justa tributação será aquela que atender aos princípios de isonomia, capacidade contributiva, equitativa distribuição da carga tributária e progressividade, não confiscatoriedade; b) que as Leis instituidoras de taxas deverão identificar expressamente o serviço prestado ou posto à disposição do cidadão contribuinte; c) o respeito à anuidade, mediante publicidade que se dê dentro do ano civil anterior, impedindo-se, desta forma, a circulação de jornais oficiais em segunda edição, após o encerramento do ano civil; d) que somente lei complementar poderá estabelecer requisitos para imunidades tributárias; e) o fornecimento de certidões sem restrições e pleno acesso à informação; f) a vedação ou a interdição de estabelecimentos, proibição de transacionar com repartições públicas e a proibição de instituição de barreiras fiscais e outros meios coercitivos para cobrança extrajudicial de tributos; g) que a partir da aprovação do código, o Cadin passará a ser um órgão meramente informativo, sendo vedada a publicação em jornais do nome do contribuinte em débito; h) somente o Poder Judiciário poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade e a desconsideração somente atingirá sócios que se ocultem atrás de pessoa jurídica; i) ninguém será obrigado a atestar ou testemunhar contra si próprio, principalmente o pequeno contribuinte, que não tem recurso para contratar tributarista; j) partese do princípio da boa-fé do contribuinte, até prova em contrário; k) nenhum depósito, fiança, caução ou qualquer outro ônus poderá ser exigido do contribuinte administrativamente ou em juízo como condição para defesa ou recurso, com exceção da garantia de execução fiscal, terminando assim a imposição dos 30% de garantia de instância recursal administrativa; l) que será obrigatória a identificação do funcionário que fizer o atendimento e a prestação de informações somente se dará por escrito, bem como a defesa individual e coletiva do contribuinte será feita através da criação, no Ministério Público, de um mecanismo de defesa semelhante ao Procon; m) a padronização do modelo de notificação; n) o reembolso de fianças e outras garantias de instância judicial; o) que o crédito tributário do contribuinte decidido definitivamente poderá, por opção sua, ser compensado com débitos relativos à mesma Fazenda Pública; p) o prazo de 30 dias para respostas por parte do fisco prorrogável por mais 30 dias; q) a não autuação durante o prazo da consulta; r) o menor ônus possível para o contribuinte; s) que a ação penal só poderá ser iniciada após o encerramento do processo administrativo que comprove a irregularidade fiscal; e t) o prazo de 30 dias para inscrição de débito em dívida ativa.
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Discorrer sobre tais matérias em face da realidade brasileira é uma tarefa sobremaneira complexa. Isto ocorre não apenas devido às inúmeras dificuldades políticas, econômicas, jurídicas ou meramente estruturais que o Brasil vem atravessando nas últimas décadas, mas também por questões socioculturais, onde a sonegação sempre foi um vício arraigado no seio da sociedade brasileira desde a sua colonização. Reduzir a carga fiscal, simplificar o sistema tributário e implementar uma política econômica desenvolvimentista, sem deixar de lado o aspecto social, são as questões de ouro. Ao se tratar de dimensão de carga fiscal, não há controvérsia acerca do imperioso dever de respeito à capacidade contributiva do cidadão. Alfredo Augusto Becker50 bem sintetizou a ideia que este princípio informa: “A capacidade contributiva é o princípio de cada indivíduo contribuir para as despesas da coletividade, em razão da sua força econômica. Significa apenas: possibilidade de suportar o ônus tributário”. Mas este não é o único sentido deste princípio. A essência da Justiça Fiscal é o seu traço mais forte e característico. Busca-se, com ele, garantir o ideal e o justo na tributação. Hugo de Brito Machado51 afirma que: “[...] hoje é indiscutível a presença do princípio da capacidade contributiva, como norma realizadora da Justiça Fiscal, nas constituições de um grande número de países”. Utilizando as palavras de Manoel Lourenço dos Santos52: O princípio da capacidade contributiva, universalmente consagrado pela Ciência das Finanças, facilmente impressiona o nosso espírito, como regra comum de justiça: o Estado deve repartir a carga tributária de acordo com as possibilidades econômicas de seus habitantes, de modo geral, e, de modo específico, conforme a capacidade econômica de cada indivíduo, poupando, tanto quanto possível, o necessário físico de cada um.
E, na mesma linha, ressalta Sacha Calmon Navarro Coelho53 “que o princípio da capacidade contributiva não é um dispositivo meramente
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BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3a ed. São Paulo: Ed. Lejus, 1998. p. 479. MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios Jurídicos da Tributação na Constituição de 1988. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 62. SANTOS, Manoel Lourenço dos. Direito Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1970. p. 96. COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários a Constituição de 1988 – Sistema Tributário. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 98-101.
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programático: trata-se de um princípio constitucional de eficácia plena conferente de um direito público subjetivo ao cidadão-contribuinte”. Pois bem, no tocante à questão do relacionamento entre Fisco e Contribuinte, sabe-se que os grandes impérios da Antiguidade se formaram e se mantiveram por conta da cobrança de tributos. Grécia e Roma sustentaramse no topo do mundo na era clássica pelo mesmo motivo. Na época dos descobrimentos, os estados ibéricos financiaram as grandes viagens marítimas para expansão comercial através do tributo. Por outro lado, diversas revoluções originaram-se basicamente por uma tributação desmesurada, como são exemplos: a) a Revolução Americana, movimento que resultou na independência das antigas Treze Colônias, teve como um dos seus fundamentos a política fiscal inglesa (Lei do Açúcar, do Selo e do Chá); b) A Revolução Francesa, que, na Europa do século XVIII, teve como motivo, dentre outros, a tributação absurdamente pesada do Clero, imposta aos camponeses, e da Nobreza, em face da Burguesia, para sustentar suas guerras e despesas de uma Corte suntuosa; c) A Inconfidência Mineira (1789), ocorrida aqui no Brasil; dentre as revoltas coloniais, é considerada a mais célebre por marcar o início do processo de emancipação política brasileira, tendo se iniciado em oposição à opressiva administração das minas de ouro, dada a abusiva tributação sobre aquela atividade, chegando em níveis de cobrança até 20% do metal extraído. Como bem salienta Aliomar Baleeiro54 : [...] a lenta e secular evolução da democracia, desde a Idade Média até hoje, é marcada pela gradual conquista do direito de os contribuintes autorizarem a cobrança de impostos e do correlato direito de conhecimento de causa e escolha dos fins em que serão aplicados. Da Carta Magna e das revoluções britânicas do século XVII às revoluções americana e francesa do século XVIII, há uma longa e penosa luta para conquista desses direitos que assinalam a íntima coordenação de fenômenos financeiros e políticos. Ao invés das “finanças neutras” da tradição, com seu código de omissão e parcimônia tão do gosto das opiniões individualistas, entendem hoje alguns que maiores benefícios a coletividade colhera de “finanças funcionais”, isto é, a atividade financeira orientada no sentido de influir sobre a conjuntura econômica.
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BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 80.
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As atuais dificuldades de relacionamento entre Fisco e Contribuinte são inúmeras. Vão desde problemas com a grande quantidade de normas tributárias, até sua compreensão e interpretação, o que gera, no mínimo, resistência na sua aplicação e um alto custo para se manter o contribuinte atualizado com seus deveres, especialmente se estivermos falando de empresas que têm um elevado número de obrigações acessórias e funcionários exclusivamente responsáveis por estas operações fiscais. Questões que envolvem agentes de fiscalização também servem para estremecer este relacionamento, já que não é raro encontrarmos servidores que buscam obter ganhos ilícitos através de seu cargo, no exercício da sua função. Há também as dificuldades meramente procedimentais, tais como a excessiva morosidade na obtenção de certidões negativas, respostas em consultas fiscais, pedidos administrativos de regimes especiais e restituições e compensações. Não se pode esquecer também dos entraves e restrições em nível de defesas administrativas e judiciais, sem falar no conteúdo político de muitas decisões em nossos tribunais superiores. Consideramos, entretanto, que a questão da segurança jurídica nas relações fiscais é, de todas, a mais sensível. A estabilidade normativa repousa na essência do Estado de Direito Contemporâneo, fundado nas ideias de justiça, igualdade e liberdade, perfil humanizador do poder jurídico nos fundamentos e democrático na essência de seus valores. Nos dias de hoje, com sistemas tributários tão complexos, mais do que nunca é preciso confiar nas regras que garantem a segurança nas relações jurídicas quando se realizam negócios, mormente os de grande envergadura financeira, que envolvem intricados aparelhos materiais, humanos e principalmente jurídicos. Adam Smith, aliás, já recomendava que a tributação justa deveria ser sempre clara e moderada, determinada de modo preciso quanto à cota a pagar, quanto ao objeto que se deve pagar, quanto aos modos e prazos para o pagamento e quanto às pessoas obrigadas ao tributo; caso contrário, estimular-se-ia a sonegação ou, no mínimo, se desestimularia o cumprimento de tais obrigações. Grandes empreendimentos, formalizados em contratos empresariais, detêm certas características, principalmente de acordo com as variáveis econômicas e financeiras da conjuntura em que são firmados. Entretanto, muitas vezes sua configuração é essencialmente determinada por planejamentos de ordem jurídica (fiscal, societária ou contratual), em que se busca otimizar os recursos empregados. Todavia, para isso, há que existir um conhecimento prévio da ordem jurídica, bem como a certeza de que esta seja segura e perene o suficiente para encorajar o empresário, nacional e estrangeiro, a investir seus recursos sem riscos desnecessários, além daqueles já incorporados e aceitos ao mundo dos negócios. O empreendedor
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precisa de certas garantias para poder implementar e desenvolver seus projetos com tranquilidade. Eventual insegurança poderia levar à desestruturação de qualquer setor empresarial, por afastar possíveis novos investimentos que, aliados à desestabilização dos já existentes, acarretariam a desaceleração do desenvolvimento da economia, levando da recessão ao desemprego e, por consequência, ao incremento da criminalidade, que é um mal presente em qualquer sociedade, mas potencializado naquelas cujo regime jurídico encontre instabilidade normativa. Não se pode negar que a sociedade moderna, num ritmo progressivamente acelerado, tem se tornado cada vez mais complexa, e, com ela, a atuação do Estado faz-se, na mesma medida, imprescindível. Entretanto, acreditamos numa atuação necessariamente equilibrada e harmônica entre os ideais do regime liberalista e intervencionista, flexível e mutável o suficiente para encontrar a sua medida justa e ideal, conforme a conjuntura que se apresentar. Porém cremos, inclusive, que, independente de seu modelo ou escola, deve haver uma performance fundada essencialmente em um conceito mestre: o de “justiça”, em qualquer tempo ou lugar, almejando sempre a realização e o respeito da dignidade do homem, especialmente na seara fiscal, cujas tensões entre Estado e Cidadão são latentes e constantes. O Estado tem por obrigação inafastável encontrar não somente os recursos necessários para a sua atuação funcional primária, mas, principalmente, perscrutar formas de redistribuição de riquezas, com equilíbrio e parcimônia. É neste momento que o conflito brota, pois enquanto, de um lado, o Estado busca receitas para fazer frente a suas despesas com a sociedade (e institui ou modifica constantemente os mecanismos para tanto), de outro, temos o contribuinte que, naturalmente, procura estabelecer os meios para implementar e desenvolver seus empreendimentos de forma menos onerosa. E, a partir daí, estabelece-se um círculo vicioso, originário da tensão entre interesses antagônicos, embora legítimos: Fisco versus Contribuinte. O primeiro, imbuído na proteção dos interesses da coletividade. O segundo, na defesa dos seus próprios. E o reflexo deste cenário na área fiscal é de um sistema tributário complexo e instável, caracterizado por sua fragilidade na eficiência, mas pujante e vigoroso na sua estrutura. Não é por menos que, há muitos anos, Alfredo Augusto Becker já expressava seu descontentamento com o sistema tributário pátrio, chegando a intitular o primeiro capítulo de sua clássica obra Teoria Geral do Direito Tributário55 com o nome de “Manicômio Jurídico Tributário”. E, com o mesmo espírito crítico-
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sarcástico, escreveu o Carnaval Tributário56, em que tece peculiar crítica ao nosso sistema tributário, adjetivando-lhe, já no início, de “irracional”. Imagine se o ilustre autor ainda estivesse vivo nos dias de hoje: o que será que ele diria? Acompanhando Becker, Antonio Roberto Sampaio Dória57, em sua clássica obra sobre elisão e evasão fiscal, assim se manifestou: “Nos tempos modernos, o desconhecimento do complexo legal tributário, tornado seu domínio no que já se denominou – especialidade esotérica”. Como síntese dos principais problemas brasileiros na atualidade58, demonstrando-se a ineficiência do sistema (que acaba por se legitimar pela causa), temos: a) técnicas de sistemas de retenções; b) substituição tributária e condensação monofásica em tributos plurifásicos; c) indedutibilidades no imposto sobre a renda; d) cumulatividade nos impostos sobre a circulação de mercadorias; e) retenções nos impostos sobre serviços; f ) tributação indiscriminada sobre as movimentações financeiras; g) pautas fiscais; h) quebra de sigilo fiscal e meios fiscalizatórios excessivos; i) limitações nas compensações; j) produção legislativa tributária desmesurada; k) obstáculos no desenvolvimento do procedimento administrativo (depósitos de garantia e ingerências políticas nas decisões administrativas); l) privilégios processuais para a fazenda pública (prazos especiais, limitação à concessão de liminares etc.) e pressão política exercida sobre os julgadores.
VI. VALORES
E
PRINCÍPIOS
DA JUSTIÇA
FISCAL
Ao mesmo tempo em que a Constituição Federal de 1988 (assim como as anteriores) concede a competência para a União, Estados, Municípios e Distrito Federal para instituir tributos (artigos 148 e 149), encarrega-se de estabelecer limites para a tributação, buscando a realização da justiça fiscal – o balanceamento entre os direitos do cidadão e os interesses do Estado. Por influência, dentre outros, de Aliomar Baleeiro, em sua clássica obra Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar59, consolidou-se a ideia de que tais limitações se manifestavam essencialmente na forma de princípios. Segundo o
56 57 58 59
Idem. Carnaval Tributário. São Paulo: Saraiva, 1989. DÓRIA, Antonio Roberto Sampaio. Elisão e Evasão Fiscal. 2ª ed. São Paulo: Bushatsky, 1977. p. 23. MARINS, James. Elisão Tributária e sua Regulação. São Paulo: Ed. Dialética. 2002. p. 14-15. Ibidem., p. 34. BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. At. Mizabel Abreu Machado Derzi. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. 2.
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autor: “Nenhuma Constituição excede a brasileira, a partir da redação de 1946, pelo zelo com que reduziu a disposições jurídicas aqueles princípios tributários. Nenhuma outra contém tantas limitações expressas em matéria financeira”. A consideração dos princípios nos dias de hoje (na era denominada de pós-positivismo) nitidamente se contrapõe àquela tida pelo juspositivismo, que os encarava apenas como meras pautas programáticas supralegais, desprovidos de normatividade e de relevância jurídica, entendidos como derivados do próprio Direito Positivo. Os princípios, pelos ideais do pós-positivismo, ganham maior efetividade normativa, com aptidão para produzir efeitos na realidade prática e serem considerados pela jurisprudência. Entram nos códigos do direito positivo como fonte normativa subsidiária da inteireza dos textos legais. É na idade do pós-positivismo, narra Paulo Bonavides60, que: [...] tanto a doutrina do Direito Natural como a do velho Positivismo ortodoxo vêm abaixo, sofrendo golpes profundos e críticas lacerantes, provenientes de uma reação intelectual implacável, capitaneada por Ronald Dworkin, jurista de Harvard, que passa a tratar os princípios como Direito, reconhecendo-lhes o atributo de normatividade, contribuindo também, e no mesmo sentido, os juristas alemães Robert Alexy e Friederich Muller.
Este autor nos apresenta uma classificação tripartite dos princípios segundo suas funções: a) função fundamentadora da ordem jurídica, em que as normas que se contraponham aos princípios constitucionais perderão sua vigência ou validade, dotando-os de eficácia diretiva ou derrogatória; b) função interpretativa, em que os princípios cumpririam papel diretivo, no sentido de orientar o operador do direito na aplicabilidade das demais normas jurídicas e; c) função supletiva, servindo de instrumento para integrar o Direito, suplementando os vazios regulatórios da ordem jurídica61. Ressalte-se que Ruy Barbosa62, há muito, assentou que “não há, em uma Constituição, cláusula a que se deva atribuir meramente valor moral de conselhos, avisos ou lições. Todas têm a força imperativa de regras ditadas pela soberania nacional ou popular aos seus órgãos”.
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BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 265. BONAVIDES, Paulo. Op. cit. p. 283. BARBOSA, Ruy. Comentários à Constituição Federal Brasileira, vol. 2, 1933. p. 489. apud BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. Limites e Possibilidades da Constituição Brasileira. 7a ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 84.
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Tais limitações, para inúmeros autores, concretizam-se na Constituição Federal de diversas maneiras. A grande parte da doutrina costuma, simplesmente, relacioná-los de forma única e denominá-los de “Princípios Constitucionais Tributários”. Outros, seguindo a linha do mestre Ricardo Lobo Torres, distinguem as imunidades e as proibições dos demais princípios de segurança jurídica, de equidade, de isonomia e de justiça63. Ao nosso ver, podemos melhor dividir as limitações da seguinte maneira: a) princípios estruturais; b) princípios de segurança jurídica; c) princípios de igualdade e; d) princípios de liberdade. Nos primeiros, temos o conjunto de normas que estabelecem as competências tributárias, os meios e as formas de exercício do poder fiscal, dentro da estrutura jurídico-constitucional do Estado Democrático brasileiro, criando os devidos parâmetros para a realização da atividade tributária. A segurança jurídica, por sua vez, uma das emanações deste Estado de Direito, atribui à norma função fundamental na realização da justiça, garantindo-se a certeza do Direito, funcionando como instrumento de proteção do contribuinte ao criar um ambiente jurídico estável, harmônico e seguro. A igualdade na tributação é mais uma das faces da justiça fiscal e dos direitos humanos na tributação, na medida em que busca condicionar a atividade do legislador, do administrador público e do aplicador do direito de maneira a que conceda tratamento isonômico entre os cidadãos e, igualmente, proíba a desigualdades na tributação. Finalmente, a ideia de liberdade na tributação indica a separação entre a coisa pública e a privada, tendo no tributo o mecanismo que mantém o equilíbrio entre as necessidades que o Estado possui para realizar sua atividade e o preço pago pelo cidadão para garantir a sua liberdade, estabelecendo uma imposição fiscal dentro de uma medida que respeite a dignidade da pessoa e, por ela, se possa atingir a justiça tributária. Assim, os Princípios Estruturais, que estabelecem a estrutura normativa do Estado Brasileiro, se dividem em: a) Pacto Federativo e Republicano – pelo qual se constitui a forma de Estado e de Governo, dividindo os direitos e deveres dos entes integrantes da federação, delimitando a sua gestão e estabelecendo a separação dos Poderes; b) Princípio da Indelegabilidade da Competência Tributária – que, ao autorizar a instituição dos tributos aos entes federativos e a sua respectiva gestão, restringe a sua alteração por seus titulares; c) Princípio da Territorialidade – determina que os efeitos da lei tributários se limitarão ao
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Esta classificação é feita por Ricardo Lobo Torres em suas diversas obras, inclusive no seu Curso de Direito Financeiro e Tributário. 13ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
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alcance geográfico do ente tributante; d) Princípio da Uniformidade Geográfica – indica que os tributos da União serão uniformes em todo o território nacional (art. 151, I, CF); e) Princípio da Não-Discriminação Tributária – trata-se do impedimento de graduar diferentemente os tributos em razão da origem ou do destino dos bens por não haver hierarquia entre os entes federativos (art. 152); f ) Princípio da Supremacia do Interesse Público – revela a superioridade das questões coletivas sobre as dos particulares em uma ponderação de interesses; g) Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público – proclama que o agente público e seu respectivo órgão têm o poder-dever de agir, não lhes facultando o ato administrativo de natureza tributária. Já os Princípios de Segurança Jurídica, que indicam a previsibilidade e a estabilidade nas normas jurídicas e seus efeitos estabelecendo a certeza no direito, podem assim ser classificados: a) Princípio da Legalidade e da Tipicidade – impõe que a criação de tributos e seus elementos devem ser feitos por lei propriamente dita, sendo, inclusive, vedada a analogia; b) Princípio da Irretroatividade das Leis – estabelece que as normas jurídicas não podem voltar no tempo e atingir atos e fatos já realizados (inclusive o fato gerador), sob pena de violar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada (art. 5º, XXXVI, e 150, III, “a”, CF); c) Princípio da Anterioridade – indica que o tributo não pode ser cobrado no mesmo exercício em que haja sido publicada a lei que o instituiu ou aumentou, bem como deverá haver um lapso temporal de 90 dias. Os Princípios da igualdade classificam-se da seguinte maneira: a) Princípio da Isonomia (art. 150-II, CF) – que veda a tributação desigual entre os que se encontrem em situação semelhante; b) Princípio da Capacidade Contributiva (art. 145, § 1o, CF) – prevê que a tributação seja feita de acordo com as condições econômicas do contribuinte; c) Princípio da Progressividade (art. 156, § 1o, CF) – indica que a incidência do tributo seja crescente ou decrescente em função da sua base de cálculo, que será parametrizada conforme a capacidade contributiva; d) Princípio da Seletividade – determina que a carga fiscal do tributo deve variar conforme a essencialidade do bem sobre o qual recai; e) Princípio da NãoCumulatividade (arts. 153, § 3o, II e 155, § 2o, I, CF) – permite que cada contribuinte, na mesma relação econômica plurifásica, seja tributado apenas pela sua parcela financeira (referente apenas a sua etapa) e não pelo valor total da operação, através do mecanismo de compensação; f ) Princípio da Solidariedade (arts. 1o, 3o, 170 e 195, CF) – indica que todos os cidadãos brasileiros devem contribuir para as despesas coletivas do Estado, para que se possa construir uma sociedade livre, justa e solidária, desenvolver o país,
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acabar com a pobreza e a marginalização e minimizar as desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem de todos. Finalmente, os Princípios da Liberdade podem ser assim dispostos: a) Princípio da Universalidade de Jurisdição (art. 5º, XXXV, CF) – prescreve que a lei não excluirá apreciação do Poder Judiciário, inclusive em matéria fiscal; b) Princípio da Ampla Defesa (art. 5º, LV, CF) – consagra o devido processo legal, assegurando as garantidas do cidadão na defesa dos seus interesses; c) Princípio do Direito de Petição (art. 5º, XXXIV, CF) – que permite a qualquer um acessar os órgãos públicos para fazer valer seus direitos; d) Princípio da Proteção à Propriedade Privada (art. 5º, XXII, CF) – que assegura o direito de propriedade, parametrizando a tributação, inclusive com a sua função social; e) Proibição do Confisco (art. 150, IV, CF) – que veda a tributação excessiva que possa violar o direito de propriedade e restringir a livre iniciativa (art. 170, CF); f ) Princípio da Liberdade de Tráfego (art. 150, V, CF) – que veda a incidência tributária sobre situações que tenham como fato gerador o deslocamento de pessoas ou coisas entre Estados e Municípios da federação; g) Princípio das Imunidades tributárias (art. 150, VI, CF) – visa a proteger pessoas, instituições e coisas, devido à sua importância e necessidade para a vida em coletividade; h) Princípio do Mínimo Existencial – indica que a tributação não pode recair sobre uma parcela mínima à subsistência digna do cidadão (implícito na Constituição, mas existente em suas diversas normas, como na dignidade da pessoa humana).
VII. CONCLUSÃO Já é o momento de se meditar com maior ponderação sobre a tributação no mundo contemporâneo. Aos Governos, cabe a análise de uma ampla, profunda e consistente reforma nos seus sistemas tributários, reavaliando-se a justa dimensão da carga fiscal, propondo-se a redução da produção legislativa e simplificando-se a sua estrutura, bem como, especialmente, desenvolvendose novos mecanismos de solução de conflitos entre o Fisco e o Contribuinte. Porém, mais do que isso, impõe-se seriedade no emprego do erário público, de forma transparente, racional e, sobretudo, responsável. Aos Contribuintes, por sua vez, cabe a reflexão sobre o cumprimento dos seus deveres fundamentais, especialmente o de pagar tributos, analisando-o sob uma ótica dotada de ética e moral. Somente através destas mudanças encontraremos, na prática, o verdadeiro significado de justiça fiscal.
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68 - JUSTIÇA FISCAL
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Imunidades Tributárias
Raquel Cavalcanti Ramos Machado Advogada Professora de Tributário, Administrativo e Financeiro Coordenadora de Pós-Graduação em Tributário e Direito Constitucional Contemporâneo Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará
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70 - IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
1. IMUNIDADE COMO LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL PODER DE TRIBUTAR
AO
Considerando que as competências tributárias são traçadas na Constituição Federal, a mesma também prevê realidades e pessoas que não podem ser alcançadas pelo poder de tributar dos entes políticos. Esse âmbito, que importa um próprio redesenho da competência tributária genericamente considerada, é o que se chama imunidade tributária. Não é possível, portanto, compreender a competência tributária de cada um desses entes, sem compreender as imunidades. Realmente, entender qual a abrangência do poder de cada ente para criar tributos sobre as realidades econômicas que a Constituição especifica requer compreender quais estão ressalvadas desse mesmo poder. As imunidades, como se vê, retiram dos entes o próprio poder legislativo de criação do tributo quanto a algumas realidades. Assim é que, por exemplo, os Municípios têm competência para instituir o Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana, mas, em face da chamada imunidade recíproca, que impede um ente de instituir impostos sobre patrimônio, renda e serviços dos demais entes políticos (CF/88, art. 150, VI, “a”), os Municípios não têm competência para instituir IPTU sobre prédios da União ou dos Estados. Caso crie lei nesse sentido sua norma será flagrantemente inconstitucional. O termo imunidade é elucidativo dessa configuração jurídica, uma vez que, como anuncia o dicionário, uma de suas acepções é “capacidade de ficar afastado, livre, protegido de influência” (Dicionário Houaiss da Lingua Portuguesa). Assim, ao empregar o termo imunidade para salvaguardar algumas pessoas e realidades da incidência de tributos, o Direito de certa forma preserva o sentido coloquial que se tem da palavra, possibilitando a melhor compreensão do instituto.
2. IMUNIDADE E ISENÇÃO Terminamos o item anterior referindo-nos à relação entre o significado coloquial e o conceito técnico do termo imunidade. Nesse ponto, se por um lado reconhecemos a relativa adequação entre um e outro, não podemos deixar de nos reportar à confusão que eventualmente se faz entre duas realidades jurídicas bem distintas, cujo significado coloquial se assemelha, a saber, “imunidade” e “isenção”. É certo que tanto a “imunidade”, quanto a “isenção” ensejam o não pagamento do tributo, mas o mecanismo através do qual o Ordenamento
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Jurídico faz com que esse mesmo efeito seja alcançado, num e noutro caso, é bastante distinto. E essa diferença possui relevante efeito prático, sobretudo, quanto à interpretação das normas que as consagram. As imunidades, como se afirmou acima, são uma limitação constitucional ao poder de tributar. As normas que as consagram estão, portanto, na Constituição. Mas não apenas. Referidas normas que disciplinam a relação tributária têm o fim precípuo de proteger valores importantes ao Estado Federado e à Democracia, tais como a autonomia dos entes, a liberdade religiosa, a liberdade de pensamento, a liberdade política e sindical, a liberdade de expressão e a própria promoção da cultura e do desempenho de funções importantes para a sociedade, diretamente por particulares. Sendo assim, e considerando o princípio da máxima efetividade da Constituição, normas que consagram imunidades devem ser interpretadas de forma especial, de modo a garantir, na máxima medida possível, a promoção dos valores que justificam cada um delas. Já a isenção é dada por lei. Sendo assim, como quem tem competência para elaborar a lei de tributação, que cria o tributo, é determinado ente específico, a depender do fato gerador considerado, apenas esse mesmo ente tem competência para criar hipóteses de isenção (CF/88, art. 150, § 6º e 151, III). Ao assim agir, o ente cria uma exceção à regra geral de tributação, que, nos termos do art. 111 do CTN, deverá ser interpretada de forma “literal”. Conquanto se saiba, atualmente, ser inadequado e mesmo impossível interpretar uma norma apenas literalmente, não se pode negar que as normas que consagram isenções têm interpretação menos abrangente do que as que consagram imunidades, sendo essa a idéia que a norma veiculada no art. 111 do CTN visa a transmitir. Tratando-se a isenção, como se disse, de exceção à regra de tributação, a ser elaborada pelo ente com competência constitucional para criar o tributo respectivo, o Ordenamento não tolera a chamada isenção heterônoma, ressalvadas as hipóteses já admitidas no próprio texto constitucional (v.g., art. 156, § 3º, II). Ou seja, apenas o ente com competência para criar o tributo é que pode isentar, não podendo outro (hetero) fazê-lo. Tal idéia foi expressamente consagrada na Constituição Federal, em duas de suas normas, quais sejam o art. 150 § 6º e o art. 151, III. Mas ainda que não constasse do texto constitucional expressamente, a vedação decorreria da própria lógica da repartição constitucional de competências tributárias. Afinal, de nada valeria a Constituição atribuir a um ente competência para alcançar determinada realidade econômica, se outro ente pudesse impor a ele o reconhecimento de isenções sobre essa mesma realidade.
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72 - IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
3. IMUNIDADES
E ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS
As imunidades mais comumente estudadas pelos que se ocupam do Direito Tributário são as consagradas no art. 150, VI da Constituição Federal, que se referem expressamente a “impostos”. A Constituição, porém, consagra outras imunidades, ao longo de seu texto, relativas a outras espécies tributárias, mais precisamente quanto a taxas e contribuições. Tome-se como exemplo a imunidade prevista no art. 5º, XXXIV, e a consagrada no art. 149, § 2º, I, que trata das contribuições em geral, e ainda a do art. 195, § 7º da CF/88, que cuida das contribuições de seguridade social. Voltando à literalidade do art. 150, VI, como se disse, a imunidade nele prevista alcança tão somente os impostos. Nesse sentido, fiel à literalidade, tem se orientado a jurisprudência do STF: “A imunidade prevista no art. 150, VI da Constituição Federal não alcança a contribuição para o PIS, mas somente os impostos incidentes sobre a venda de livros, jornais e periódicos.” (RE 211.388-ED, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 10-2-98, DJ de 8-5-98).
Esse entendimento, porém, deve ser visto com reservas, pois despreza a evolução da realidade tributária brasileira, em que a carga tributária vem sendo aumentada não pela criação ou majoração de impostos, mas, sobretudo, pelo uso de contribuições. Contribuições, aliás, que, pela própria natureza, podem ter mesmo fato gerador que impostos, não se lhes aplicando, neste particular, o disposto no art. 4º do CTN. Ou seja, a interpretação dada pelo Supremo, se mantida de forma intransigente, implica desprezo à intenção constitucional de ver algumas realidades jurídicas desoneradas de tributação, permitindo sua burla por meio, muitas vezes, da mera mudança no nome da exação.
4. IMUNIDADES DO
ART.
150, VI,
EM ESPÉCIE
O artigo 150, VI da Constituição Federal consagra quatro imunidades, que, em verdade, são sete, considerando que a letra ‘c’ trata, sozinha, de quatro imunidades. As imunidades contempladas pelo art. 150, VI, da CF/88 são: a imunidade recíproca, a imunidade de templos de qualquer culto, a imunidade de partidos políticos, de sindicatos dos trabalhadores, de entidades de assistência social e educacional sem fins lucrativos e, por fim, a imunidade do livro, jornal,
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periódico e do papel destinado a sua impressão. Apesar de serem sete as imunidades do art. 150, VI, cuidaremos, porém, de cada uma da forma como o fez a Constituição, agrupadas em quatro. Cada imunidade, como se disse, além de explicitamente retirar dos entes competência para tributar determinadas realidades e pessoas, consagra, em verdade, a promoção de um valor importante para a Federação ou para a própria democracia. Ao estudarmos cada uma das imunidades procuraremos deixar claro qual o valor que se buscou preservar. Por fim, antes de iniciarmos a análise de cada uma das imunidades, importa observar que algumas protegem objetos ou situações e outras protegem pessoas da tributação, daí alguns fazerem referência a imunidades objetivas (v.g., imunidade de livros, jornais e periódicos) e a imunidades subjetivas (v.g., imunidade recíproca).
4.1. IMUNIDADE RECÍPROCA 4.1.1. CONSIDERAÇÕES
GERAIS
Imunidade recíproca equivale à impossibilidade de os entes da Federação instituírem impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros. No caso da imunidade recíproca, o valor constitucional que se quis assegurar foi exatamente a autonomia e o equilíbrio financeiro entre os entes da Federação, indispensáveis para a própria concepção de uma Federação. Seria mesmo inócuo, por um lado, dar autonomia aos entes para alcançar a capacidade contributiva expressa em alguns fatos econômicos e, por outro lado, possibilitar que fossem eles próprios alvo de tributação. Alguns doutrinadores afirmam que faltaria mesmo capacidade contributiva aos entes federados. Entendemos, porém que há certa imprecisão nessa idéia. Tanto não é assim que algumas hipóteses de incidência semelhantes entre si e que podem servir a impostos e a contribuições asseguram a imunidade em relação a impostos, mas não em relação a contribuições, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal. O fundamento da imunidade é mesmo o equilíbrio do pacto federativo: cada ente deve ter uma realidade econômica própria a ser alcançada por suas normas de tributação e não deve procurar sujeitar os outros entes a tal tributação, para que fiquem mais claras e organizadas as regras da partilha. Eventuais valores a serem alcançados por um ente da federação em relação a outro devem ser resolvidos nos limites do Direito Financeiro (repartição de receitas arrecadadas) e não do Direito Tributário (divisão de competência tributária).
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Exatamente por decorrer do pacto federativo, entendemos que o Supremo Tribunal Federal se equivoca quando interpreta o termo “imposto” de forma literal, não estendendo a imunidade a outras espécies tributárias. O primeiro equívoco torna-se evidente diante de uma consideração histórica, segundo a qual, quando da promulgação da Constituição, o legislador constituinte não poderia considerar que a União passaria a usar novas “contribuições” como se fossem impostos. O segundo decorre de uma total incoerência do Supremo que, a pretexto de interpretar uma norma consagradora de imunidade, que deve, em tese, se submeter ao princípio da máxima efetividade, restringe-lhe o significado, amarrado a invocado tecnicismo que se sabe não ser de domínio do legislador. Sim, pois, se por um lado é do conhecimento da doutrina que impostos são espécies distintas de taxas e contribuições, por outro lado, não é do conhecimento do legislador, que não domina, com precisão, as nuances da linguagem tributária. A preocupação do Supremo, portanto, deveria ser com os valores a preservar e não com a precisão técnica de linguagem, supostamente presente no texto constitucional. Linguagem precisa é indispensável, sim, mas se deve aplicá-la em meios onde as regras do jogo de linguagem são da compreensão de todos os envolvidos. Para se perceber a falta de precisão da linguagem do legislador nesse ponto, basta observar o art. 195, § 7º da CF/88, no qual, em vez de usar o termo “imunidade”, empregou “isenção”. Seja como for, por fim, o Supremo é incoerente ao ora alargar termos utilizados pela Constituição, como no caso da extensão da imunidade a empresas públicas prestadoras de serviço monopolizado, ora invocar a literalidade desses mesmos termos, ao pretexto de que se faz necessária a precisão da linguagem. Ou a preocupação do Supremo deve ser com os valores, os princípios e a realidade econômica subjacentes à imunidade, relacionados ao equilíbrio do pacto federativo, ou deve ser com a atenção ao sentido técnico e restrito de certos termos. Entre uma e outra interpretação, entendemos que a primeira prestigia não só o valor consagrado pela imunidade, como ainda os princípios de interpretação constitucional.
4.1.2. IMUNIDADE RECÍPROCA E PESSOAS
DA
ADMINISTRAÇÃO INDIRETA
Como a preocupação da Constituição é com o equilíbrio financeiro dos entes da Federação e, tendo as entidades que compõem a Administração Indireta personalidade de Direito Público, devendo ser vistas, sob vários
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aspectos, como uma continuidade dos próprios entes que os instituem, a imunidade recíproca também é extensiva às Autarquias e Fundações. Induvidosamente as Autarquias e Fundações são entidades criadas pelos entes da federação, com a finalidade de desenvolver atividade típica do Estado, e tanto é assim que se sujeitam a idêntico regime jurídico administrativo, com os mesmos poderes e deveres administrativos. O que as diferencia á apenas a ausência de autogoverno, próprio dos entes as criaram. Além disso, como se pode observar do capítulo da Constituição que trata das Finanças Públicas, o orçamento da Administração Direta e da Indireta com personalidade de Direito Público, o chamado orçamento fiscal, é elaborado conjuntamente, por agrupar gastos de mesma natureza, considerando a finalidade de atuação governamental. Por outro lado, as pessoas jurídicas que integram a Administração Indireta, mas têm personalidade de Direito Privado, podem atuar na economia, campo próprio de atuação dos particulares. Sendo assim, a Constituição, para evitar concorrência desleal entre entidades da Administração e particulares, além de não ter estendido a imunidade recíproca às pessoas administrativas com personalidade de Direito Privado, afastou expressamente a concessão de qualquer privilégio fiscal às empresas públicas e sociedades de economia mista (CF/88, art. 150, § 3.º e 173, II e § 2.º). Na prática, porém, algumas pessoas da Administração Indireta com personalidade de Direito Privado, apesar de desempenharem serviço público que, em tese, poderia ser também explorado por particulares, prestam-no em regime de monopólio, como é o caso da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT e da INFRAERO. Assim, apesar de formalmente se organizarem sob a forma de empresa pública e não obstante a expressa vedação constitucional de concessão de benefícios fiscais, o Supremo estendeu a imunidade recíproca a essas empresas (Cf, v.g., RE 428.8214/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, e RE 363.412 AgR/BA, rel. Min. Celso de Mello). Concordamos com a decisão do Supremo que homenageia a lógica da imunidade recíproca. Apenas entendemos que tal preocupação deveria ser aplicada a outras questões envolvendo imunidades.
4.2. IMUNIDADE A TEMPLOS DE QUALQUER CULTO Ao imunizar templos de qualquer culto, a Constituição preocupou-se em assegurar o valor liberdade religiosa.
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Podem alguns considerar que para assegurar referida liberdade, bastaria a Constituição não admitir tributação diferenciada entre templos de religiões diversas. Esse raciocínio, porém, ignora que algumas religiões, por tradição histórica, já detinham patrimônio considerável e outras nada possuíam ou possuem, sobretudo as que ainda estão por se desenvolver. Importa, assim, não apenas garantir uma tributação isonômica, mas impedir que o tributo, cobrado pelo Estado, de alguma forma influencie o desenvolvimento de qualquer religião que seja. O problema envolvendo a imunidade dos templos reside em compreender o significado do termo “templo”, ao qual, coloquialmente, muitas vezes se associa o lugar em que se realizam orações ou cerimônias religiosas. O Supremo Tribunal Federal, porém, procurando dar a máxima efetividade à proteção constitucional, alargou o conceito de templo para considerá-lo como o de entidade incumbida da promoção de valores religiosos. Assim, a imunidade alcança não apenas o espaço físico, mas bens, serviços e rendas relacionados à atividade-fim da entidade, vale dizer, à referida promoção de valores religiosos1. A razão para essa interpretação decorre da determinação do § 4º do mesmo artigo da Constituição, segundo o qual “as vedações expressas no inciso VI, alíneas ‘b’ e ‘c’, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”. Já que a Constituição se refere à entidade, patrimônio, renda e serviços relacionados a uma finalidade, não pode evidentemente estar a se referir apenas ao prédio em que se realizam as orações. Nesse ponto, portanto, é de se observar que o maior mecanismo de controle de que se dispõe, para evitar que a imunidade não seja aproveitada para fins diversos, é se atentar para o investimento dos valores obtidos na exploração de imóveis e outras atividades, para a manutenção da entidade religiosa. Importa, dessa forma, diferenciar a atuação do templo enquanto entidade voltada ao engrandecimento espiritual, de empresas ligadas a uma religião específica, como emissoras de rádio e televisão que, dentre inúmeras atrações voltadas à obtenção de lucro, possuem algumas programações religiosas. Nesse
1
Nesse sentido: RE 325.822, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 18-12-02, Plenário, DJ de 14-5-04; AI 690.712-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 23-6-09, 1ª Turma, DJE de 14-8-09; AI 651.138-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 26-6-07, 2ª Turma, DJ de 17-8-07.
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segundo caso, o propósito principal é a realização de negócios. Trata-se de uma empresa e não de um templo.
4.3. IMUNIDADE DE PARTIDOS POLÍTICOS, ENTIDADES SINDICAIS DOS TRABALHADORES, ENTIDADES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E EDUCACIONAL SEM FINS LUCRATIVOS. Em uma só alínea, a Constituição consagra imunidades que protegem valores distintos. São, em verdade, quatro imunidades contidas em uma só alínea. Através da imunidade a partidos políticos, consagra-se a liberdade política. A imunidade a entidades sindicais dos trabalhadores consagra a liberdade sindical. Nesse ponto, importa observar que a imunidade só atinge mesmo o sindicato dos trabalhadores e não o sindicato de empregadores. Certamente, o constituinte partiu da presunção de que, por conta da própria relação econômica de poder, quem mais precisa se sindicalizar e, nessa condição, precisa de proteção é o trabalhador e não os empregadores. A ausência de imunidade a sindicato dos empregadores não afeta sua liberdade já que possuem maior capacidade contributiva, havendo ainda, historicamente, menor interesse por parte dos que corporificam o Estado de cercear-lhes as atividades, comparativamente aos sindicados de trabalhadores. A imunidade a entidades de assistência social e entidades educacionais sem fins lucrativos, por sua vez, tem por fim estimular a realização, por particulares, de atividades de incumbência do Estado. Dentre as imunidades enumeradas na letra c do art. 150, VI da CF, talvez seja essa a que mais gere discussões doutrinárias e jurisprudenciais, que se resumem, em verdade, nos seguintes pontos: a)
Qual a natureza da lei que pode traçar as condições para que determinada pessoa seja considerada imune;
b)
A natureza da atividade desenvolvida pela pessoa imune.
Quanto ao primeiro ponto, a controvérsia decorre do termo “lei” empregado pela Constituição. Sim, pois se consagrou o entendimento de que quando a Constituição usa o termo lei está a referir-se à lei ordinária. Nos casos em que exige lei complementar, usa expressamente o qualificativo complementar. Imunidade, porém, como se afirmou, é limitação constitucional ao poder de tributar. No art. 146 da CF, que trata do papel da lei complementar em
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matéria tributária, há determinação expressa a que essa matéria seja regulamentada por lei complementar. Consideramos, assim, que o intérprete não deve se apegar a essa distinção primária de que sempre que a Constituição exige lei complementar, o faz expressamente. O raciocínio jurídico, sobretudo considerando a utilidade das normas, não pode ignorar o sistema em que o texto está inserido. Na verdade, esse é um princípio basilar de hermenêutica, que, se aplicado à Constituição, deve ser implementado com mais empenho e seriedade. Entendemos que as limitações a que se sujeitam as entidades de assistência social e educacional sem fins lucrativos estão contidas no art. 14 do CTN. Eventual alteração desses dispositivos somente pode ser feito por outra lei complementar, em respeito ao art. 146 da CF/88. Quanto ao segundo ponto, qual seja, a natureza da atividade da pessoa imune, importa observar que a Constituição expressamente as referiu: assistência social e atividade educacional. Assim, não é qualquer pessoa sem fim lucrativo que goza da imunidade prevista no art. 150, VI, ‘c’ da CF/88. Tal observação é importante, porque há quem confunda o termo genérico ONG, e ainda as OS’s (Organizações Sociais) e as OSCIP’s (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público), estas duas últimas integrantes do chamado terceiro setor, com pessoas jurídicas que merecem um tratamento tributário ou administrativo diferenciado por parte do Estado. Para compreender o significado da expressão assistência social é preciso analisar a parte da Constituição que trata da Seguridade Social, sistema que engloba a saúde, a previdência social e a assistência social. As atividades referentes a esta última vêm expressamente discriminadas no art. 203. Apesar de entendermos não se tratar de enumeração taxativa, o certo é que são todas atividades relacionadas ao apoio a pessoas que dificilmente poderiam se desenvolver, ou manter por si, partindo apenas do desempenho de suas habilidades. Já o termo “educação”, além de contar com significação menos problemática no âmbito da linguagem coloquial, é definido pelo art. 205 da CF/88 como a atividade que visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Assim, algumas Organizações Sociais, por exemplo, podem ter por fim, nos termos da própria lei, desenvolver atividades relacionadas à “pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente” (art. 1º da Lei 9.637). Dificilmente, nesses casos, tais organizações, apesar de serem sem fins lucrativos, poderão ser enquadradas como de assistência social.
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4.4. ALGUMAS QUESTÕES COMUNS ÀS IMUNIDADES DAS LETRAS ‘B’ E ‘C’: A EXTENSÃO DA IMUNIDADE EM RESPEITO ÀS FINALIDADES ESSENCIAIS DAS ENTIDADES E AINDA O PROBLEMA DA TRIBUTAÇÃO INDIRETA
4.4.1. COM
RESPEITO ÀS FINALIDADES
Como se afirmou logo no início do capítulo, a Constituição, ao imunizar determinadas realidades e pessoas, em verdade, assim o faz para promover valores caros ao Estado Democrático de Direito. Por conta disso, a interpretação das imunidades sempre exige atenção aos fins que almeja proteger. Em relação aos templos, assim como no que se refere aos partidos políticos, entidades sindicais dos trabalhadores e entidades de assistência social sem fins lucrativos, a imunidade abrange o patrimônio, a renda ou serviços, desde que atendidas as finalidades essenciais de cada um. Com isso, se por um lado a Constituição protege não só o patrimônio diretamente utilizado por cada uma das pessoas imunes, exige que o valor eventualmente obtido na exploração desse patrimônio seja revertido para o alcance dos fins da entidade. Assim, se uma entidade assistencial possui um prédio que não utiliza, mas o aluga, o prédio ainda assim poderá se beneficiar da imunidade, caso o valor arrecadado a título de aluguel seja computado em sua contabilidade para alcance de suas atividades. Questão interessante examinada pelo Supremo foi a relacionada à imunidade de colônia de férias pertencente a sindicato de trabalhadores. Nesse julgado entendeu o Supremo que, como colônia de férias é atividade dissociada dos fins próprios de um sindicato, relacionados à defesa de direitos dos trabalhadores, a colônia não gozaria de imunidade (RE 245.093-AgR).
4.4.2. O PROBLEMA DOS TRIBUTOS
INDIRETOS
A classificação dos tributos em diretos e indiretos2 tem gerado inúmeros problemas de ordem prática, dentre eles o relacionado à extensão da imunidade.
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Tributos diretos são aqueles cujos ônus pelo pagamento são suportados por quem tem o dever jurídico de entregá-los ao Fisco. Assim, por exemplo, o IPVA de um carro é tributo direto, porque o proprietário do veículo, que tem o dever de entregá-lo ao fisco, é quem suporta seu ônus financeiro. Já tributo indireto é aquele cujo ônus pelo pagamento do tributo pode ser repassado
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Ainda sem adentrar na questão da imprecisão de referida classificação, o certo é que a jurisprudência a assimilou, não podendo o operador do direito ignorá-la. Quanto à extensão da imunidade o ponto a ser considerado é o seguinte: já que alguns consideram que o encargo de certos tributos pode ser repassado, em que casos a entidade imune poderá se beneficiar? Quando for consumidora ou quando for fornecedora? Examinando a questão, o Supremo Tribunal Federal, nesse ponto, nem sempre manteve a coerência, que talvez só recentemente esteja sendo alcançada. Como se disse, a classificação entre tributos diretos e indiretos é imprecisa. E o é porque considera dados econômicos incertos, que, ao ingressarem nas considerações jurídicas, são tidos como certos. Trata-se assim de uma qualificação equivocada de fatos. Como normas incidem sobre fatos, a análise indevida dos fatos levará à aplicação indevida das normas. Não se pode ter certeza quanto a como serão repassados os encargos por tributo que pode ou não ser globalmente inserido no preço de um produto. Foi bem analisando essa questão que, diante do pleito de entidades imunes de não se sujeitarem ao ICMS quando adquirentes de produtos onerados por esse imposto, o STF considerou que seriam “contribuintes de fato”, não podendo sua imunidade servir para beneficiar o “contribuinte de direito”, não imune (RE 202.987). Em decisões anteriores, aliás, o STF já havia consignado esse entendimento, estabelecendo que um Município, pelo fato de ser imune (CF/88, art. 150, VI, “a”), não poderia invocar essa imunidade para eximir-se do ICMS incidente sobre a energia por ele consumida, eis que o “contribuinte de direito” da exação seria a concessionária de energia elétrica, não imune. O problema da apontada falta de coerência é que, em diversos acórdãos, quando os “contribuintes de direito” eram detentores de imunidade tributária,
a um terceiro, diferente daquele que tem o dever de entregá-lo ao fisco. As questões envolvendo tributos indiretos geralmente têm lugar em cadeias relacionais, como nos casos em que a lei escolhe responsáveis tributários e não o contribuinte como obrigado ao pagamento do tributo. A jurisprudência, porém, tem confundido a repercussão jurídica, com a repercussão econômica e tem estendido a classificação de tributo indireto mesmo para casos como de compra e venda, em que se tem considerado que no preço global do bem pago pelo consumidor estão inseridos os ônus tributários incidentes sobre a mercadoria. De acordo com a jurisprudência do STJ, o IPI, o ISS e o ICMS são considerados tributos indiretos. Considerando o ICMS, por exemplo, o raciocínio desenvolvido é o de que como a relação de compra e venda de mercadoria pressupõe duas pessoas (comerciante e comprador), afirma-se que o comerciante pode repassar o ônus do ICMS ao consumidor. Assim, o comerciante indiretamente suportaria essa prestação compulsória que seria diretamente suportada pelo comprador. Daí o nome tributo indireto.
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e pediam o seu reconhecimento em relação aos tributos ditos “indiretos”, o STF por igual lhes julgou improcedente a pretensão, por entender que tais tributos repercutiriam sobre o consumidor final, não imune (RE 191.067/ SP, Rel. Min. Moreira Alves, j. em 26/10/1999, v. u., DJ de 3/12/1999). A incoerência é de facílima verificação, e dispensa qualquer comentário adicional. Parece, contudo, que ela está sendo superada, no sentido de reconhecer a imunidade, relativamente ao tributo indireto, quando pleiteada pelo contribuinte de direito. É o que se depreende de julgados mais recentes do STF: “IMUNIDADE TRIBUTARIA. CF, ART. 150, VI, C. SERVIÇO SOCIAL DO COMERCIO – SESC. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE DIVERSÃO PÚBLICA. A renda obtida pelo SESC na prestação de serviços de diversão pública, mediante a venda de ingressos de cinema ao público em geral, e (ou é?) aproveitada em suas finalidades assistenciais, estando abrangida na imunidade tributaria prevista no art. 150, VI, c, da Carta Republica. Precedente da Corte: RE 116.188-4 Agravo regimental improvido. (AI 155822 AgR, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/09/1994, DJ 02-06-1995 PP-16238 EMENT VOL-01789-03 PP-00425)
Em outro julgado, partindo da premissa – já acolhida em outros julgados do próprio STF – de que a imunidade subjetiva abrange inclusive o IPTU do imóvel alugado a terceiros, situação na qual, em tese, também poderia haver o “repasse” do ônus representado pelo tributo aos inquilinos, a Corte decidiu que imunidade tributária abrange inclusive o ICMS incidente sobre produtos vendidos pela entidade imune, ainda que em tais casos pudesse haver, se tributada a operação, o eventual repasse do tributo a consumidor final não imune. (STF, Pleno, RE 210251 EDv/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, j. em 26/ 2/2003, m. v., DJ de 28/11/2003, p. 11)
4.5. IMUNIDADE DE LIVROS, JORNAIS, PERIÓDICOS, BEM COMO DO PAPEL DESTINADO A SUA IMPRESSÃO
A última imunidade referida pela Constituição em seu art. 150, VI, se, por um lado, é de fácil leitura, por outro lado, exige uma análise mais cuidadosa, sobretudo, considerando a força com que a tecnologia está a alterar a realidade por ela disciplinada. Antes, porém, de examinarmos uma possível interpretação da norma considerando a revolução dos fatos, consideremos o entendimento já assentado
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quanto à realidade dos livros, jornais e periódicos de papel. Três, sobretudo, são os pontos a examinar: a) alcance material, b) os insumos imunes, c) natureza objetiva da imunidade e a tributação de fabricantes e comerciantes. A) ALCANCE MATERIAL
A finalidade consagrada nessa letra ‘d’ do inciso VI, do art. 150 da CF/ 88 é ao mesmo tempo assegurar a liberdade de expressão e promover a cultura. Considerando esse fim, a questão que se coloca é que tipo de livro, jornal e periódico enquadra-se, ou melhor, se é possível fazer algum tipo de limitação, a depender de seu conteúdo. Por exemplo, seria possível argumentar que determinado veículo de informação, por estampar apenas figuras que não promovem cultura útil, não deveria ser beneficiado pela imunidade? A resposta, a toda evidência, é negativa, principalmente considerando a sociedade plural em que se vive, em que a própria avaliação quanto ao que seja útil ou não muda de grupo ideológico a outro. Assim, qualquer dado pode eventualmente ter relevância cultural, mesmo que veicule sobretudo figuras, como ocorre em relação a álbuns de figurinhas3, ou com revistas eróticas e de moda. Entender de modo diverso poderia implicar censura a determinado grupo, exatamente o que a imunidade tributária visa a evitar. O que deve ser observado nesse ponto apenas é a finalidade da informação: se cultural, ou seja, relacionada à instrução do espírito, ou meramente mercadológica. Num caso, aliás, tem-se verdadeira informação, no outro, publicidade. Assim, é que encartes de publicidade não têm imunidade. B)
OS
INSUMOS IMUNES
Quanto aos insumos, a Constituição fez referência expressa ao papel utilizado na impressão de livros, jornais e periódicos. A jurisprudência entendeu que a imunidade somente poderia se restringir mesmo ao papel e a produtos que a ele se assemelhassem, como o papel filme que envolve a capa de alguns livros para dar mais brilho e possibilitar visual mais atrativo. A tinta usada na impressão, por exemplo, não se beneficiaria da imunidade.
3
Nesse sentido: STF, 1ª T., RE 221.239-6/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, j. em 25/5/2004, DJ de 6/ 8/2004, RDDT 109/165.
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Os fatos, porém, evoluíram e questões ecológicas e tecnológicas levam a crer que, dentro de pouco tempo, o livro de papel será substituído pelo livro eletrônico, cujo suporte para o conteúdo será um equipamento tecnológico semelhante ao papel, capaz de, a um só tempo, servir como meio para vários livros, a exemplo do Kindle. Ou seja, o termo papel referido pela Constituição praticamente não será alcançável, apesar de permanecer a intenção do legislador de garantir uma tributação diferenciada que possibilite a liberdade de idéias e a promoção da cultura. É claro que essa nova realidade demanda uma reinterpretação das palavras contidas na Constituição. Seria algo semelhante a imaginar que nossa Carta Magna tivesse sido promulgada à época em que os escritos eram realizados em pedras e, apesar da evolução dos meios de propagação do conhecimento, a matéria considerada como beneficiada pela imunidade fosse não o novo suporte de divulgação, mas a antiga pedra já não mais utilizada. Manter a contemporaneidade da Constituição requer mantê-la aberta às peculiaridades dos fatos atuais sobre os quais irradia seu poder e sua proteção4. C)
NATUREZA OBJETIVA DA IMUNIDADE E A TRIBUTAÇÃO DE FABRICANTES E COMERCIANTES
Por fim, ainda quanto à imunidade do livro, deve-se atentar para o fato de que se trata de imunidade objetiva, ou seja, imunidade concedida em função do bem que de outra forma estaria sujeito à tributação (livro, jornal...), e não em face de características do sujeito a ser tributado. Assim, produtores ou vendedores de livros, jornais e periódicos não podem invocá-la em relação ao imposto de renda incidente sobre seus lucros, por exemplo.
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Como observa Cristina Queiroz as cláusulas constitucionais “freqüentemente estabelecem uma ‘constituição vivente’ (living constitution) que delega aos juízes o poder de aplicar ‘normas contemporâneas concretas’ que os constituintes não previram e nalguns casos até haviam claramente rejeitado.” (Interpretação Constitucional e poder judicial: sobre a epistemologia da construção constitucional. Coimbra: Coimbra, 2000, p. 113)
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Princípios Tributários
Fernando Lemme Weiss Mestre e doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Procurador do Estado do Rio de Janeiro; ex-Procurador do Município do Rio de Janeiro; Promotor no Estado de São Paulo; Professor da Universidade Cândido Mendes-Centro, da pós-graduação em Direito Fiscal da PUC-RJ e da FGV-Management; advogado.
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1. VALORES,
PRINCÍPIOS E REGRAS
O início do século XX foi dominado pelo chamado positivismo jurídico, estruturado por Hans Kelsen por meio de sua Teoria Pura do Direito. Trata-se de uma corrente filosófico-jurídica que pretendia identificar o Direito com a norma escrita, positiva, portanto. Seu objetivo era garantir a segurança jurídica através da simplicidade na aplicação do Direito, concebido como sistema coerente de normas expressas. As discussões embasadas em valores e princípios (como justiça, isonomia e dignidade humana) eram cabíveis durante a elaboração das normas. No entanto, uma vez aprovadas através de um procedimento correto e transparente, estas deveriam prevalecer e ser aplicadas mesmo que isso provocasse eventuais injustiças. O fim da Segunda Guerra Mundial trouxe o desejo de um Direito mais justo e menos engessado por meio da norma escrita, pois o nazismo fora fortemente identificado com o positivismo. Na segunda metade do século XX, surgiu o chamado pós-positivismo, doutrina que defende a prevalência dos valores sociais e dos princípios jurídicos sobre a frieza das regras, embora estas sejam elaboradas os tomando por base. O pós-positivismo não representa um retorno ao inseguro Direito natural, muito aceito no século XIX, mas uma nova forma de entender as normas escritas. Trata-se de uma doutrina voltada à permanente ponderação (no sentido de balanceamento, aplicação simultânea na melhor medida possível) entre os princípios constitucionais durante a elaboração, a interpretação e a aplicação das leis. Eles não servem apenas para orientar os legisladores na redação das normas, mas todos os aplicadores do Direito. A partir da década de 1990, a ideia de prevalência dos princípios e a inclusão deles nas constituições de quase todo o mundo geraram o chamado neoconstitucionalismo, que é o pós-positivismo com base constitucional. Esta doutrina permite o controle de validade das condutas públicas em geral (o que inclui normas, decisões judiciais e administrativas) por meio do confronto direto com a Constituição. Luis Roberto Barroso1 o conceitua como o novo Direito Constitucional que se desenvolveu, na Europa, a partir da segunda metade do século XX e, no Brasil, após a Constituição de 1988. Defendem os adeptos do pós-positivismo que o sistema jurídico está estruturado em dois tipos de normas: normas-princípio, que revelam os ideais
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BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito. Revista de Direito da Procuradoria Geral Estado Rio de Janeiro, n.60, p. 179, 2006.
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preponderantes do sistema jurídico, como igualdade, legalidade, dignidade humana, direito de propriedade e liberdade, entre outros; e as normas-regra, que são as concretizações dos princípios, como as que garantem o direito de reivindicação ao proprietário e os prazos de defesa e recurso no processo penal. As normas-princípio são determinações para serem aplicadas da melhor forma possível, pois seus contornos são imprecisos, ao contrário das regras, que pretendem direcionar as condutas de forma mais precisa. As regras detalham os direitos e deveres das pessoas e do Estado e têm como conteúdo permitir, obrigar ou impedir condutas específicas. Os princípios constitucionais da capacidade contributiva, publicidade e isonomia geram diversas regras, como as que estabelecem as alíquotas dos impostos, determinam a publicação de todas as leis e decisões administrativas e judiciais que interessem aos contribuintes e garantam igualdade de tratamento, entre outras. Humberto Ávila2 traça a distinção aduzindo que os princípios estabelecem fins a serem buscados e as regras, comportamentos a serem adotados. Os princípios são a descrição jurídica dos sentimentos socialmente preponderantes denominados valores. Valores são pré-jurídicos, pois já estão presentes na sociedade antes da elaboração de qualquer norma, e representam a tradução em palavras das necessidades do homem civilizado – individuais, sociais, físicas ou espirituais. Pode-se concluir que os valores representam as intenções da sociedade, os princípios têm a função de indução dos comportamentos no sentido dos valores e as regras servem para obrigar, permitir ou proibir condutas de forma a efetivar os princípios e valores constitucionais. Estes três níveis de orientação de conduta diferem quanto ao grau de elaboração e precisão. A segurança jurídica é o valor basilar do sistema jurídico, porque representa o sentimento humano inicial e permanente em prol da proteção física e patrimonial, que justifica a criação e a manutenção do Estado. Tem, por isso, função de orientar a aplicação de todos os princípios, embora sua associação mais direta seja com os princípios formais, tratados no tópico 2. É um dos dois valores fundamentais da humanidade, juntamente com o desejo de justiça. A justiça é uma intenção permanente de todos os homens, embora não haja consenso quanto à maneira de alcançá-la nem em relação aos seus contornos. Ninguém discorda de algumas ideias genéricas (e, por isso mesmo, pouco úteis) como o brocardo romano de Ulpiano, que condensava os preceitos jurídicos
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ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo; Saraiva, 2004. p.78.
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romanos na trilogia “honeste vivere, alterum num laedere e suum cuique tribuere” (“viver honestamente, não lesar aos demais e atribuir a cada um o que é seu”). O problema é que eles permitem aplicações diametralmente opostas e variáveis. A busca da justiça gerou o surgimento dos princípios materiais, tratados no tópico 3.
2. PRINCÍPIOS FORMAIS 2.1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE A legalidade é um princípio se conceituada como dever genérico de o Estado e suas autoridades agirem de acordo com normas aprovadas pelos representantes do povo. Trata-se da principal forma de concretização da segurança jurídica, que pode ser representada por um ideal de estabilidade e previsibilidade. O princípio da legalidade gera diversas regras constitucionais, como as previstas no I e § 6°, do art.150, que impõem ao Poder Público o dever de somente criar ou aumentar tributos por meio de lei, além de tratar por essa via de diversas matérias tributárias, como a concessão de benefícios fiscais. Essas regras aplicam o princípio da legalidade e não possuem abstração alguma. O mesmo pode ser dito em relação aos demais princípios formais, que constituem regras voltadas a efetivar o princípio da segurança jurídica, principalmente. Contudo, optamos por manter a denominação tradicional em virtude do caráter objetivo deste trabalho. A Constituição Federal (CF) de 1988 expressa a legalidade em vários momentos. O art. 5°, caput, e seu inciso II afirmam a igualdade de todos perante a lei e a ampla liberdade de agir, na medida em que restrições somente são admitidas “em virtude de lei”. Esta expressão significa que a delimitação da conduta das pessoas não precisa estar exaurida na lei, podendo ser genericamente nela prevista e detalhada por regulamentos (com fundamento na lei). Em relação à Administração Pública em geral e especificamente à atividade tributária, a legalidade foi estabelecida por meio dos arts. 37 e 150, inciso I e § 6°. A doutrina costuma sintetizar a comparação afirmando que, enquanto a legalidade tem uma função regedora para o Estado, funciona como garantia da liberdade para todas as pessoas, físicas e jurídicas. A lei diz o que o Estado deve fazer e o que o particular pode fazer. Só a lei consegue exercer a função de produzir referências estáveis e conhecidas de todos a respeito dos parâmetros das relações jurídicas entre as pessoas. A legalidade também importa em garantia do princípio democrático, pois ela é o produto da concordância coletiva acerca das normas genéricas de conduta. A tramitação pública das leis
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permite que toda a sociedade tenha conhecimento sobre sua maturação, o que gera uma segurança muito maior do que a regulação de relações por meio de normas emanadas do Executivo, que vêm a público repentinamente. A legalidade, desde que fruto de democracias realmente representativas, garante que as melhores ideias sejam retratadas nas leis, pois o constrangimento social provocado pela transparência – também denominado opinião pública – é fundamental para conduzir os representantes do povo por caminhos justos. A transparência tende a neutralizar interesses escusos, em razão da necessidade de convencer a maioria. A qualidade das leis também depende da seriedade com que os parlamentos se dedicam a analisar a sua redação, consequências, viabilidade prática e aproveitamento das experiências. O princípio da legalidade em sua aplicação tributária originou-se no art. 12, da Magna Carta de 1215, e popularizou-se no final do século XVIII, por intermédio das primeiras constituições das ex-colônias americanas e da CF americana. Esteve expresso em quase todas as nossas Constituições3. A CF de 1988 estabelece diversas exceções ao princípio da legalidade tributária: por meio de seu art. 153, § 1°, permite que o Executivo altere livremente as alíquotas do II, IE, IPI e IOF4, o que já acontecia nas Constituições de 1946, após a Emenda Constitucional (EC) n° 18/65, e de 1967. Alguns aspectos dos tributos também podem ser regulados pelo Executivo, sem que isso importe em ofensa ao princípio da legalidade. É o que ocorre em relação ao estabelecimento de graus de risco (leve, médio ou grave) da contribuição denominada Seguro de Acidentes do Trabalho (SAT), voltada a custear a despesa do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) com os acidentes de trabalho5. Respeitar a legalidade constitucional não se resume a cumprir a lei emanada da entidade a que está subordinada a autoridade. Como qualquer cidadão, todas as autoridades federais, estaduais e municipais devem conhecer e cumprir as leis oriundas das três entidades, pois só assim é possível cumprir a Constituição, que estabelece direitos, deveres e reparte competências.
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A Constituição de 1824 mencionava a legalidade em seu art. 179, inciso I. A de 1891, por meio do art. 72, §§ 1° e 30. A Carta de 1934, por meio dos arts. 17, VII, 113, 3, e 185. A de 1937 não mencionava o princípio, embora ele estivesse implícito em matéria de impostos em razão do disposto no art. 13, “d”. A CF de 1946 tratava da legalidade pelo art. 141, §§ 2° e 34. A Carta de 1967 versava sobre a legalidade por meio dos arts. 20, I e 153, §§ 2° e 29, tendo sido os dois últimos integralmente mantidos pela EC n° 01/69 e o primeiro renumerado para 19, I. Impostos de importação, exportação, sobre produtos industrializados e sobre operações financeiras. A jurisprudência aceita uniformemente a constitucionalidade desta função do Executivo—STJ, RESP n° 948.853/MG, Rel. Min. Teori Albino, 1ª Turma, pub. 1/10/2008.
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A Constituição brasileira lista as espécies normativas aprovadas total ou parcialmente pelo Congresso Nacional em seu art. 59. Somente as leis ordinária e complementar, previstas nos incisos II a III, podem ser denominadas espécies de lei, uma vez que as medidas provisórias, os tratados internalizados pelo procedimento comum e as leis delegadas se enquadram na categoria de leis ordinárias. O princípio da legalidade não se exaure na mera edição de leis, sendo função precípua do Chefe do Executivo regulamentar as leis para sua fiel execução, nos termos do art. 84, IV, da CF. Essa atividade de interpretação, esclarecimento e orientação acerca do cumprimento das leis produz normas cogentes e pautadas na legalidade como os decretos regulamentares, resoluções da Receita Federal, dos secretários estaduais e municipais de Fazenda, importantes para o Direito Tributário. A regra geral decorrente da leitura dos arts. 47 e 69, da CF, é que todos as matérias sejam reguladas por meio de lei ordinária, salvo se algum dispositivo constitucional exigir lei complementar. Algumas das leis mencionadas na Constituição somente serão válidas se tratarem especificamente daquela matéria. É o que ocorre em relação às leis que criam autarquias e autorizam a criação de fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas (art. 37, XIX); estabelecem benefícios fiscais (art. 150, § 6°); autorizam alguns créditos orçamentários e especiais (art. 166, § 8°); bem como estabelecem o imposto predial e territorial urbano (IPTU) progressivo no tempo (art. 182, § 4°). A especificidade é apenas uma característica de exclusividade de conteúdo, nada tendo a ver com a forma, que continua a ser ordinária. A regulação de outros assuntos pela mesma lei gera inconstitucionalidade. A figura da lei complementar (LC) surgiu no Direito brasileiro por meio da EC n° 4, de 2/09/1961, à CF de 1946, que instituiu o sistema parlamentar de governo. Seu art. 22 dispunha: “Poder-se-á complementar a organização do sistema parlamentar de Governo ora instituído, mediante leis votadas, nas duas casas do Congresso Nacional, pela maioria absoluta dos seus membros”. Embora essas leis não tivessem sido expressamente denominadas complementares, estava criada uma espécie legislativa com conteúdo pré-determinado pela Constituição e quorum de aprovação diferenciado. É exatamente isso o que até hoje caracteriza as leis complementares no Brasil, da mesma forma que as chamadas leis orgânicas em diversas outras constituições do mundo. A EC n° 18/65 reformou todo o sistema tributário nacional, tendo expressamente mencionado as leis complementares em diversos dispositivos. A expressão “complementar” tem o claro significado de preenchimento de espaços voluntariamente deixados pelo legislador Constituinte, em razão da
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dificuldade e até da inconveniência em tratar de forma exaustiva algumas questões. A CF de 1988 prevê a necessidade de tratar alguns assuntos por intermédio da LC nos arts. 146, 148, 154, I, 155, § 2°, XII, 154 I, 161, 195, I, e §§ 2°, 3° e 4°, entre outros. Em geral, cabe à LC regulamentar assuntos considerados mais importantes pelo Constituinte, sendo que algumas delas estabelecem parâmetros para a elaboração de leis ordinárias. Às LCs é reservado o tratamento de matérias como normas gerais sobre Direito Tributário, os conceitos de fato gerador, base de cálculo, prescrição e decadência. A diferença entre as leis ordinária e complementar resume-se ao círculo de competência constitucionalmente estabelecido para as LCs. Caso uma LC trate de matéria típica de lei ordinária, como ocorreu com a LC n° 70/91 acerca de benefícios fiscais em relação à contribuição para o financiamento da seguridade social (COFINS), nada impede que uma lei ordinária revogue esta parte da LC, que materialmente é ordinária, pois não precisaria ser complementar6. Se a mera edição de LC sobre um assunto que a CF não exigiu que fosse tratado por LC impedisse a revogação por uma lei ordinária, a Constituição estaria sendo aditada pelo legislador complementar (por meio da inclusão de novas matérias veiculáveis apenas por LC). As medidas provisórias (MP) foram criadas pelo Constituinte de 1988 em substituição aos decretos-lei (DL), presentes nas constituições ditatoriais brasileiras de 1937, 1967 e EC n° 01/69. A inspiração para as MPs foi o art. 77, da Constituição Italiana7. São normas de vigência e eficácia imediata, sujeitas à aprovação pelo Parlamento no prazo de 60 dias, renováveis por igual período. Diferem dos DLs porque estes podiam ser aprovados por decurso de prazo, mantinham a denominação e numeração após a aprovação (formalmente não se convertiam em lei, como as MPs), somente poderiam versar sobre matérias específicas8 e não poderiam ser utilizados por estados e municípios9.
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Assim entendeu o STF através do acórdão prolatado no Ag.Reg. no RE n° 451.988-7/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, pub. 17/03/2006. Sua redação é: “Il Governo non può, senza delegazione delle Camere [76], emanare decreti che abbiano valore di legge ordinaria. Quando, in casi straordinari di necessità e di urgenza, il Governo adotta, sotto la sua responsabilità, provvedimenti provvisori con forza di legge, deve il giorno stesso presentarli per la conversione alle Camere che, anche se sciolte, sono appositamente convocate e si riuniscono entro cinque giorni [612, 622]. I decreti perdono efficacia sin dall’inizio, se non sono convertiti in legge entro sessanta giorni dalla loro pubblicazione. Le Camere possono tuttavia regolare con legge i rapporti giuridici sorti sulla base dei decreti non convertiti.“ O art. 55, da CF de 1967, listava as matérias: segurança nacional, finanças públicas, inclusive normas tributárias, criação de cargos públicos e fixação de vencimentos. Essa vedação estava expressa no parágrafo único, do art. 200. A CF de 1988 não trouxe vedação alguma, podendo os estados e municípios incluírem as MPs em seu processo legislativo por meio das Constituições estaduais e leis orgânicas, como fizeram os Estados do Acre, Santa Catarina, Tocantins e Paraíba.
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As MPs surgiram sem limitação de matérias, embora a jurisprudência tenha entendido serem inaplicáveis para regular matérias de LC e de Direito Penal. A EC n° 32/2001 mudou significativamente o sistema, pois a rejeição das MPs deixou de ser ex tunc, passando, na prática, a ter efeitos ex nunc, em razão do disposto no § 11, do art. 62. O § 1°, deste artigo, trouxe uma longa lista de matérias que não mais podem ser reguladas por MP, o que reduziu a usurpação de funções do Legislativo usualmente praticada pelo Executivo. Sob o ponto de vista tributário, as alterações mais significativas vieram com a introdução do inciso III, do § 1°, que impede a regulação por MP de matéria reservada à LC, e do § 2°, que subordina a eficácia de MPs que instituam ou majorem impostos à conversão em lei no exercício anterior. Essa restrição só vale para os impostos, o que significa que as contribuições e taxas ainda podem ser criadas ou aumentadas em um exercício para cobrança no seguinte (ou apenas 90 dias depois, no caso das contribuições sociais), mesmo sem prévia aprovação e consequente conversão em lei no ano de sua edição. O § 5° determina que cada uma das casas legislativas avalie a existência da relevância e da urgência, que são pressupostos constitucionais de utilização das MPs, antes de deliberar sobre o mérito. A jurisprudência estende esta avaliação ao Judiciário, embora não de forma puramente política e discricionária, como é feita pelo Congresso10. Os tratados internacionais ingressam no ordenamento jurídico nacional com o status de lei ordinária, após a ratificação pelo Congresso e promulgação pelo Presidente, como entende o STF11. Esse entendimento corrige o erro cometido pelo art. 98, do Código Tributário Nacional (CTN)12, que coloca os tratados acima das leis, o que só a Constituição Federal poderia fazer13. O
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ADI n° 2.213 MC/DF, Rel. Min. Celso Mello, pub. 23/04/2004. RHC n° 79.785/RJ, Rel. Sepúlveda Pertence, pub. 22/11/2002; ADI n° 1.480/DF, Rel. Min. Celso de Mello, pub. 18/05/2001. O objeto deste acórdão foi a Convenção n° 158, da Organização Internacional do Trabalho, que veda a demissão arbitrária de trabalhadores. Ocorre que a CF de 1988, por meio de seus arts. 7°, I, c/c 10, I, do ADCT, prevê a demissão imotivada e indenizada, admitindo ressalva por LC. O STF entendeu que o tratado não poderia suprir a edição de LC e que seu art. 10 permitia a cada Estado-Parte optar pela “solução normativa que se revelar mais consentânea e compatível com a legislação e prática nacionais [...]”. “Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.” Além de colidente com a CF, este artigo ainda gera confusão por ter utilizado o verbo “observar” no sentido de respeitar. Esse é o entendimento de Luciano Amaro, que afirma não caber a uma lei, mesmo complementar, estabelecer hierarquia entre as normas, o que é função da CF (Direito Tributário brasileiro. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 178).
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STF também entendeu que eles não têm precedência alguma sobre o ordenamento nacional e não podem versar sobre matéria que caiba apenas à lei complementar. É essencial ao estudo da legalidade a distinção entre os conceitos de “reserva de lei” e “preferência de lei”. A reserva de lei, que Ricardo Lobo Torres14 considera um subprincípio da legalidade, decorre da Constituição e significa que somente a lei pode diretamente impor deveres e obrigações. Luis Roberto Barroso15 considera haver uma distinção entre: reserva absoluta de lei, “quando se exige do legislador que esgote o tratamento da matéria no relato da norma, sem deixar espaço remanescente para a atuação discricionária dos agentes públicos que vão aplicá-la”; e reserva relativa, “quando se admitir a atuação subjetiva do aplicador da norma ao dar-lhe concreção”. Em Direito Tributário, cabe à lei estabelecer, reservadamente, todos os elementos de definição dos tributos, como fato gerador, base de cálculo, alíquotas, contribuintes, bem como a criação e a extinção de benefícios fiscais. Algumas matérias, como prazo de pagamento16 e condições para o exercício de benefícios tributários, podem ser reguladas administrativamente por decretos, resoluções e até por instruções normativas da Receita Federal, embora em relação a tais atos administrativos opere a preferência de lei. Ou seja, se houver lei versando sobre o assunto, ela terá preferência, e as normas regulamentares não poderão contrariá-la, embora possam suprir sua falta sem qualquer ofensa ao princípio da legalidade. É usual que, do princípio da legalidade, seja extraída uma derivação denominada princípio da legalidade estrita ou da tipicidade. Trata-se de uma ideia mal importada do Direito Penal e aplicada de forma a livrar da tributação algumas situações por meio de interpretações puramente literais, desconsiderando aspectos sistemáticos e teleológicos. Ocorre que tipos são as descrições legais de condutas permitidas, proibidas ou determinadas e têm redação voltada a abranger todas as situações que se enquadrem na hipótese legal. Ricardo Lodi ensina que: “Buscar na repartição constitucional de competências tributárias o arcabouço para uma tipicidade fechada é extrair da
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TORRES, Ricardo Lobo Torres. A Legalidade Tributária e seus Subprincípios Constitucionais. RPGE-RJ, v. 58, p. 197, 2004. BARROSO, Luis Roberto. Agências Reguladoras, Constituição, Transformações do Estado e Legitimidade Democrática. In: BINENBOJM, Gustavo (coord.). Agências Reguladoras e Democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 82. STJ, RESP n° 87.907/SP, Rel. Min. João Otávio Noronha, 2ª Turma, pub. 08/11/2004 – prazo de recolhimento de tributo não se sujeita à reserva legal.
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Constituição uma sistemática que não só nela não é prevista, como contraria todos os princípios nela consagrados”17. O legislador, seja ordinário ou constitucional, tem a opção de elaborar as normas pela tipificação (descrição genérica) ou listagem (enumeração de condutas ou resultados que pretende regular). Esta segunda forma de legislar dá-se por meio de listas, que servem para diminuir ao máximo o campo de interpretação possível. Portanto, fica claro que listar é uma técnica legislativa oposta à técnica de tipificar. Representa uma contradictio in terminis dizer que uma lista é taxativa em razão do princípio da tipicidade fechada. Ao defender a utilidade da tipicidade fechada ou restrita, não se pode perder de vista que a conduta de detalhar importa em excluir as situações que ficaram fora da definição ou lista (para os que justificam a lista na tipicidade), o que só é aceitável se houver uma distinção isonomicamente defensável entre as situações. Ao contrário do preconizado pelos defensores da tipicidade, é a busca permanente da igualdade que gera a segurança jurídica e não a vinculação absoluta à literalidade das normas – esta sim proporcionadora de insegurança decorrente da eventual arbitrariedade da redação. Como aduz Ricardo Lobo Torres18, o princípio da legalidade é incapaz de dar nascimento a uma ordem tributária plena e completa. Outros princípios constitucionais, como o da capacidade contributiva e o da democracia, devem ser invocados na interpretação e integração. A usual comparação com o Direito Penal colaborou para justificar a errônea aplicação do princípio da tipicidade ao Direito Tributário. A base valorativa dos Direitos Tributário e Penal, contudo, é oposta, o que deveria desestimular comparações. Os tributos são regidos pela generalidade e pela isonomia, cabendo a todos os membros de uma sociedade custearem a manutenção de sua estrutura, na medida de suas possibilidades. Constituem o detalhamento desse dever participativo, inerente ao status de cidadão. O Direito Tributário é o direito do sucesso, porque incide sobre as demonstrações de riqueza oriundas da atividade econômica viabilizada pela sociedade organizada. O Direito penal é tipicamente excepcional, voltado a reprimir os comportamentos isolados contrários às regras de convivência. A tipicidade penal visa a estabelecer restrições à plena liberdade na exata medida do necessário à convivência civilizada. Sua
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RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Justiça Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 38. TORRES, Ricardo Lobo. Normas de interpretação e integração do Direito Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 142-143 e 168.
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aplicação concreta é sinal de fracasso na finalidade de desestimular as condutas lesivas aos direitos que ele visa proteger.
2.2. PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE E ANUALIDADE O princípio da anterioridade está voltado a evitar a surpresa do contribuinte e impor um mínimo de planejamento responsável ao Poder Público. Sua previsão constitucional consta do art. 150, inciso III, alíneas “b” e “c”19. A alínea “b” impede a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. Por intermédio da alínea “c”, acrescida pela EC n° 42/03, o princípio constitucional da anterioridade recebeu um significativo reforço, pois foi acrescido prazo de 90 dias à exigência de antecedência em relação ao exercício seguinte, prevista na alínea “b”. A inspiração foi o prazo de anterioridade também de 90 dias (“noventena”) já existente para as contribuições sociais tratadas no art. 195, § 6°. Agora existem dois requisitos temporais para a cobrança: edição da lei no ano anterior e lapso de 90 dias entre a publicação e o início da incidência do tributo criado ou majorado. É irrelevante que os 90 dias transcorram, total ou parcialmente, no ano anterior ou naquele em que se inicie a cobrança, pois o período de aviso prévio é respeitado da mesma forma. Trata-se de excelente e moralizadora inovação, essencial para viabilizar um mínimo de planejamento por parte dos contribuintes, que até a EC n° 42/03 podiam ser surpreendidos com a aprovação de um aumento no dia 31 de dezembro, eficaz para o dia 1° de janeiro. No entanto, o § 1°, do art. 150, estabelece diversas exceções à anterioridade estabelecida nas alíneas “b” e “c”, do inciso III. Em resumo, assim se aplica a anterioridade: 1)
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Continuam sem anterioridade nenhuma (nem anual nem nonagesimal): II, IE, IOF, o empréstimo compulsório previsto
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; III - cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b.”
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no art. 148, I, e os impostos extraordinários por motivo de guerra, previstos no art. 154, inciso II, da CF; 2)
Estão vinculadas apenas à anterioridade nonagesimal (tributo criado ou aumentado pode ser cobrado 90 dias depois da publicação): contribuições sociais e IPI;
3)
Estão sujeitos apenas à anterioridade anual, prevista no art. 150, III, “b”: imposto de renda (IR), aumento da base de cálculo do IPTU e imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA), além do EC previsto no art. 148, II; e
4)
Estão sujeitos às duas espécies de anterioridade, anual + nonagesimal: imposto sobre grandes fortunas (IGF) (se vier a ser instituído), contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDEs), contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas, taxas, contribuição de iluminação pública, aumentos de alíquota do IPVA e IPTU, aumentos de alíquota e de base de cálculo do ICMS, ISS, ITBI, ITCMD e ITR20.
A regra da anterioridade hoje prevalente constitui uma evolução simplificadora em relação à anualidade tributária, que foi prevista na CF de 1946 no § 3421, do art. 141. Ela estabelecia a necessidade de ratificação anual das leis tributárias por meio do orçamento, para que todos os tributos pudessem ser cobrados. A prévia aprovação da lei orçamentária em relação ao início do exercício financeiro era pressuposto de validade da cobrança de tributos pela Fazenda. Se as rendas referentes a algum tributo não fossem expressamente mencionadas no orçamento, ele teria sua cobrança suspensa no ano seguinte. Era um caso de suspensão de eficácia da lei tributária em razão da ausência de ratificação orçamentária anual. O art. 51, da Lei n° 4.320/64, repetiu a redação do § 34. No entanto, as necessidades de arrecadação da União geraram a edição, em 1963, da súmula n° 66, do STF, que permitia a cobrança de imposto criado ou aumentado após a aprovação da lei orçamentária (no ano anterior), já a partir do início do exercício
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Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e serviços de transporte e comunicação (ICMS); imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS); imposto sobre a transmissão causa mortis de bens e direitos e doações (ITCMED); imposto sobre a transmissão de bens imóveis (ITBI); e imposto territorial rural (ITR). “Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvada, porém, a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra.”
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seguinte, dispondo: “É legítima a cobrança do tributo que houver sido aumentado após o orçamento, mas antes do início do respectivo exercício financeiro”. Em 1965, foi aprovada a EC n° 18, que revogou o § 34, da CF de 1946, e instituiu a anterioridade, embora apenas para os impostos sobre o patrimônio e a renda. Em 1966, entrou em vigor o CTN, que, em seus arts. 9, II e 104, ratificou a anterioridade apenas para os impostos sobre o patrimônio e a renda. A CF de 1967, por meio do § 29, do art. 150, restaurou a regra da anualidade tributária prevista na versão original da CF de 1946. Por fim, a EC n° 01/69 revogou a anualidade substituindo-a pela ampla anterioridade (em relação a quase todos os tributos) por intermédio da alteração de redação deste § 2922. A maior amplitude da nova redação do § 29 também revogou a anterioridade apenas parcial (patrimônio e renda), prevista no CTN. A CF de 1988 manteve a anterioridade, como já mencionado, e ratificou tacitamente o fim da anualidade ao admitir que os recursos continuam a ser arrecadados mesmo que não haja orçamento23. A anualidade tributária é remanescente do Estado Patrimonial, superado há séculos, e importava em autorização anual para a cobrança de tributos, pois estes eram destinados preponderantemente a despesas transitórias, como guerras. Atualmente o Estado assumiu tarefas muito mais relevantes e permanentes, que constituem a sua própria justificativa de existência, como o provimento de educação, saúde, assistência, aposentadoria e custeio dos necessitados de modo geral, que dependem totalmente da receita tributária permanente. Esses direitos fundamentais compõem o conceito de “dignidade da pessoa humana”, essencial para um Estado Democrático Social de Direito, sendo impensável sua suspensão ou sua revogação. Admitir que a arrecadação tributária tenha que ser anualmente ratificada importa em reconhecer que os direitos que dela dependem também tenham que ser confirmados ano a ano, uma vez que não são implementáveis sem o respeito aos antecedentes deveres tributários.
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“§ 29 - Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça, nem cobrado em cada exercício, sem que a lei que o houver instituído ou aumentado esteja em vigor antes do início do exercício financeiro, ressalvados a tarifa alfandegária e a de transporte, o imposto sobre produtos industrializados e outros especialmente indicados em lei complementar, além do imposto lançado por motivo de guerra e demais casos previstos nesta Constituição.” É o que dispõe o § 8°, do art. 166: “Os recursos que, em decorrência de veto, emenda ou rejeição do projeto de lei orçamentária anual, ficarem sem despesas correspondentes poderão ser utilizados, conforme o caso, mediante créditos especiais ou suplementares, com prévia e específica autorização legislativa”.
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2.3. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE A irretroatividade tributária é mais uma das regras garantidoras do princípio da segurança jurídica e está prevista no retrotranscrito art. 150, III, “a”, da CF, que garante ao contribuinte não sofrer tributação “em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”. Luciano Amaro24 ressalta o erro redacional da CF, pois o fato anterior à lei só pode ser chamado de gerador se ela aumentar o tributo. Se a lei for criadora, ela terá sido apenas um fato pretérito tributariamente irrelevante. A primeira menção à irretroatividade veio na Carta de 1824, por meio do art. 179, que dispunha, em seus incisos II e III: “Nenhuma Lei será estabelecida sem utilidade pública” e “a sua disposição não terá effeito retroactivo”. Desde então, somente esteve ausente da CF de 1937. Além da segurança jurídica, a irretroatividade tributária decorre dos princípios da legalidade e da capacidade contributiva. A irretroatividade é uma leitura da legalidade sob o aspecto temporal, impedindo que a eficácia da lei que crie ou aumente tributos retroaja a período anterior ao de sua vigência. Se não existia (aquela) lei quando da ocorrência do fato econômico, ele não poderia ser considerado gerador de tributo, daquela forma e com aquela intensidade prevista na lei nova, sob pena de admitir-se que não se aplicava à lei vigente à época do fato, o que seria a própria negação do princípio da legalidade. Ficaria afastada a aplicação do princípio da segurança jurídica, principal justificativa de instituição da legalidade. A irretroatividade também decorre da capacidade contributiva, uma vez que este princípio não significa apelas limitação da exação aos recursos disponíveis do sujeito passivo, mas também previsibilidade dos custos na composição do preço por quem vende a mercadoria ou serviço. Se o contribuinte levou em conta uma determinada incidência tributária ao estabelecer o preço, ofenderia sua capacidade de suportar a tributação aplicar um tributo novo ou uma nova e maior alíquota sobre a operação já ocorrida, pois a margem de lucro então estabelecida não a considerava. A parcela do preço que restou ao agente econômico estaria sendo confiscada em razão da retroação da lei tributária, o que ofenderia o seu direito de propriedade.
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Op. cit., p. 118.
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O CTN trata da retroatividade em seus arts. 105 e 10625. O inciso II deste último versa sobre a erroneamente chamada “retroação benéfica” (retroação para desfazer punições sofridas pelo contribuinte). Ela constitui, a rigor, o mero cancelamento ou redução de punições originalmente válidas como efeito da publicação de uma lei nova que as reduza ou deixe de prevê-las. Não é uma retroação típica (como os efeitos ex tunc da decisão que declara a inconstitucionalidade) por não ser capaz de alterar os efeitos pretéritos das punições, como anular uma exclusão de licitação em razão da dívida tributária ou gerar direito à restituição das multas pagas, por exemplo.
3. PRINCÍPIOS
MATERIAIS
3.1. PRINCÍPIO DA ISONOMIA E SUAS APLICAÇÕES TRIBUTÁRIAS: GENERALIDADE E UNIVERSALIDADE
Foram considerados princípios materiais os associados ao conteúdo das normas e voltados a produzir uma justa elaboração e interpretação. Eles têm mais substância e, por isso, são de muito mais difícil aplicação do que os princípios formais, que se prestam a uma verificação externa e bem mais óbvia. O princípio da isonomia reflete uma busca permanente de equiparação entre os cidadãos, não apenas no que concerne aos direitos e deveres, como também em relação aos resultados por eles alcançados. Qualquer sociedade democrática moderna deve procurar implementar a isonomia sob pena de aprofundar a desigualdade, o que traz graves consequências sociais e econômicas. A tributação é a melhor forma de produzir a aproximação isonômica entre as pessoas, pois constitui meio de redistribuição de renda e benefícios sociais. A isonomia esteve presente em todas as nossas Constituições26 e a CF de 1988 fez menção a tal princípio no caput do art. 5°, tendo especificado sua
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“Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa nos termos do artigo 116. Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; II – tratando-se de ato não definitivamente julgado: a) quando deixe de defini-lo como infração; b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.” Constituição de 1824, art. 179, XV e XVI; CF 1891, no art. 72, § 20; CF de 1934, art. 113, I; CF de 1937, art. 122, 1; CF de 1946, art. 141, § 1°; CF de 1967, art. 150, § 1°; EC n° 01/69, art. 153, § 1°.
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aplicação em relação ao Direito Tributário por meio do inciso II, do art. 15027. A redação do inciso II evidencia que essa isonomia tributária é mais ampla do que a mera igualdade formal, já garantida pelo art. 5° e seu inciso I. O princípio da isonomia é o de mais difícil aplicação, pois é frequentemente concretizado pela própria negação da igualdade formal, por meio de normas de proteção de minorias, pequenos contribuintes, entre outras. É mais fácil impor genericamente a igualdade fria do que regulá-la para que as pessoas não sejam oprimidas ou prejudicadas pela uniformidade exagerada nem pela distinção mal fundamentada. O problema nodal é o conceito de “situação equivalente”, incluso no inciso II. Obviamente ele serve para equiparar duas ou mais situações diferentes, mas com relevantes pontos em comum. Difícil é identificar o grau de equivalência que justifica tratar da mesma forma duas situações essencialmente semelhantes (possuem os mesmos elementos principais), mas perifericamente distintas, e o nível de distinção a partir do qual é justo tratar diferentemente as pessoas e as atividades econômicas. A teoria da justiça publicada em 1971, por John Rawls28, serve para nortear a abrangência da isonomia e o gerenciamento da equivalência entre as pessoas. Rawls elaborou uma concepção geral, da qual extraiu dois princípios: 1° – Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas que seja compatível com um sistema semelhante para as outras. 2° – As desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo: a) consideradas como vantajosas para todos dentro do limite do razoável; b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos.
A conjugação entre os dois princípios justifica a livre iniciativa e a livre concorrência, bem como as normas que protegem tributariamente as microempresas, como o SIMPLES. Elas constituem desigualdades econômicas vantajosas para toda a sociedade, na medida em que permitem que qualquer pessoa inicie uma atividade econômica em razoáveis condições de concorrer com
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Art. 150. “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.” RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 64 e 66.
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grandes empresas já estabelecidas, o que protege a coletividade dos monopólios e cartéis, além de gerar mais empregos. Os benefícios fiscais dirigidos à instalação de indústrias em regiões pouco desenvolvidas são desigualdades acessíveis a todos que se disponham a lá investir. Por outro lado, é ofensiva à livre concorrência e à isonomia a instituição de benefícios fiscais que atendam a apenas um grupo de empresas, sem proporcional retorno à sociedade, e gerando vantagem competitiva em relação a outras empresas nacionais. O princípio da isonomia, aplicado juntamente com o federalismo, gera a regra da uniformidade de tratamento entre os entes federativos, prevista nos arts. 150, I e II, e 152, da CF. A igualdade ratificada por este último impede que uma mercadoria vinda do exterior seja menos tributada do que uma fabricada no Brasil. Além de anti-isonômico, o privilégio destinado a mercadorias importadas ofende o princípio da proteção do mercado interno, expresso no art. 219, da CF. No entanto, o STF29 entendeu durante anos que as pessoas físicas não precisavam pagar ICMS ao importarem mercadorias, apenas porque não eram contribuintes do imposto, desconsiderando que elas arcariam com o ICMS embutido no preço se comprassem as mesmas mercadorias no Brasil e que são os importadores que promovem a circulação de mercadorias no território nacional, pois agem em lugar dos vendedores localizados no exterior e não submetidos à Fazenda Nacional. Em sentido contrário e a favor da incidência, dispunham as súmulas 155 e 198, do STJ, que o ICMS incide sobre a importação de aeronaves e veículos por pessoas físicas. Foi necessária a edição da Emenda Constitucional n° 33/01 para restaurar a isonomia, que havia sido mal-entendida pelo Supremo. Segundo Klaus Tipke30, o princípio da universalidade tem um caráter objetivo e significa que toda e qualquer manifestação de capacidade contributiva deve ser tributada. Uma de suas aplicações é a ampla incidência do IR sobre todos os ganhos das pessoas, físicas ou jurídicas, sendo irrelevante a denominação dos rendimentos (expressão utilizada no inciso II, do art. 150). A generalidade tem um caráter subjetivo e significa que todas as pessoas que manifestarem capacidade contributiva devem arcar com o dever fundamental de pagar tributos.
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Dispõe a súmula 660, do STF: “Até a vigência da EC 33/2001, não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do ICMS”. TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 76.
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O Constituinte de 1988 posicionou esses princípios apenas como critérios aferidores da justiça na imposição do imposto de renda, por meio do art. 153, § 2°, o que não afasta a aplicação a outras espécies tributárias, pois se trata de princípios basilares a toda a tributação, por decorrerem da isonomia.
3.2. PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E SUAS APLICAÇÕES: PESSOALIDADE, PROGRESSIVIDADE, SELETIVIDADE E VEDAÇÃO AO CONFISCO
É o princípio que permite a verificação da legitimidade da imposição tributária, pois só deve sofrê-la quem a suporta. Aliomar Baleeiro31 ensina que a capacidade contributiva significa a “idoneidade econômica para suportar, sem sacrifício do indispensável à vida compatível com a dignidade humana, uma fração qualquer do custo total dos serviços públicos”. José Marcos Domingues32 entende que a capacidade contributiva é a possibilidade-dever de cada um contribuir para o custeio do Estado e determina a medida do sacrifício individual suportável. A capacidade contributiva representa uma evolução dos princípios mais genéricos da igualdade e generalidade. Hoje não é mais suficiente à implementação da justiça a ampla sujeição tributária, o que já fora conquistado pela Revolução Francesa pela abolição dos privilégios fiscais da nobreza. Evoluímos para o difuso direito a que todos contribuam na medida de suas possibilidades, típico da terceira geração de direitos do homem. Atualmente é possível dizer que isonomia só se efetiva quando o encargo sofrido por cada contribuinte tiver o mesmo peso para todos, o que só é possível se variar na medida da capacidade contributiva de cada um. O tributo constitui a retribuição pecuniária que as pessoas entregam à sociedade em razão de sua inserção social, sendo medido pelo retorno que cada um obteve. Esse retorno é aferido pela aquisição de renda, mercadorias e serviços, bem como pela acumulação de patrimônio, viabilizados pela sociedade organizada. Justo é que pague cada um na medida de suas possibilidades recebendo as prestações do Estado na medida de suas necessidades e possibilidades deste.
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BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7ª ed. Atual. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 259. OLIVEIRA, José Marcos Domingues. Capacidade contributiva. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 6.
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A CF de 1988 expressou a capacidade contributiva em seu art. 145, § 1°, apenas em relação aos impostos, ao contrário da CF de 1946, que o estendia a todas as espécies de tributos. Dispõe, in verbis: Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. [Grifos nossos]
O Constituinte utilizou a expressão “capacidade econômica”, embora quase toda a doutrina prefira “capacidade contributiva”. Não há oposição entre elas, sendo razoável afirmar que capacidade contributiva é a capacidade econômica que interessa à tributação. As teorias que procuram justificar o princípio da capacidade contributiva apenas na disponibilidade de recursos por parte do contribuinte não explicam a tributação sobre o patrimônio (IPTU, ITR, IPVA, contribuição de melhoria...), que é um ônus inerente à propriedade em um Estado fiscal moderno. A capacidade contributiva em relação a tais tributos não decorre da disponibilidade financeira, que pode nem existir. Ela é estabelecida com base em uma associação entre o direito de propriedade e sua natural decorrência, que é o rateio participativo das despesas de manutenção da estrutura que permite o seu uso e proteção, conceito que inclui as ruas, calçadas, estradas, bem como o aparato policial/judicial estabelecido para garantir o exercício do direito de propriedade. A capacidade contributiva concernente a tais espécies tributárias tem um nítido caráter retributivo, portanto. Seria inaceitável que uma massa falida ficasse livre de pagar IPTU ou IPVA, enquanto as demais pessoas continuam a custear o funcionamento da cidade. Igualmente indevido seria que alguém pudesse livrar-se do pagamento de tais tributos transferindo os bens para seus filhos menores, por exemplo, que não têm qualquer disponibilidade financeira. Em relação a tais espécies, é ainda mais importante identificar o princípio da solidariedade como fundamentador de todos os tributos, pois todos nós fazemos parte de um condomínio indissolúvel que é o Estado moderno, uma vez que somos titulares de seu patrimônio e já nascemos compulsoriamente inseridos na sociedade. Exatamente por isso, temos o dever de colaborar para mantê-lo. Ao contrário da solidariedade civil, calculada em razão de frações patrimoniais fixas, a solidariedade política basilar que produz o Estado é
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quantificada quanto aos deveres pecuniários em proporção das riquezas obtidas ou acumuladas pelos cidadãos. Já quanto aos direitos, sua quantificação está associada às necessidades de cada um, legalmente previstas. A expressão “graduados segundo a capacidade contributiva”, colocada no § 1°, do art. 145, permite dupla interpretação. A primeira é de autorização para que o legislador estabeleça a progressividade em relação a todos os impostos, pois a utilização de “graduados” no plural permite concluir que poderá haver mais de uma alíquota (que é uma espécie de grau) incidente sobre a mesma base de cálculo (o mesmo produto ou serviço). A segunda interpretação serve para justificar a seletividade, que é a utilização de alíquotas distintas para produtos ou serviços diferentes em razão da essencialidade de cada um para a satisfação das necessidades humanas. O princípio da capacidade contributiva é aplicável por meio de alguns métodos, como pessoalidade (verificação das condições de cada contribuinte), progressividade e seletividade. A utilização da pessoalidade é viável em relação a poucos tributos, como o IR e a contribuição social sobre o lucro (CSL). Nestes, cada contribuinte demonstra à Fazenda quais foram suas receitas e despesas, pagando de acordo com o que lhe sobra. Em relação às demais espécies tributárias, a capacidade contributiva é verificada de forma mais ampla e presumida, em razão da inviabilidade prática e grave inconveniência de variar as alíquotas para cada contribuinte. A doutrina majoritária33 entende que a expressão “sempre que possível” não importa em mero conselho, mas significa que somente quando for totalmente impossível poderão ser a capacidade econômica e a pessoalidade relegadas a segundo plano. Parte da doutrina denomina subprincípios a progressividade e a seletividade, juntamente com a vedação ao confisco. A utilização do princípio da capacidade contributiva, por meio de qualquer uma de suas aplicações ou subprincípios, é constitucionalmente delimitada pela necessidade de respeito ao mínimo vital (que pode ser construído pelo conteúdo do salário mínimo, descrito no art. 7°, inciso IV, da
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Nesta linha, Américo Lacombe (Princípios Constitucionais Tributários. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 35) e Regina Helena Costa (Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 88). Marciano Seabra de Godoi (Justiça, igualdade e Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 1999. p. 202) defende uma interpretação sistemática da Constituição, afastando a faculdade legislativa quanto à aplicação da capacidade contributiva. O legislador estaria obrigado a graduar os impostos segundo a capacidade contributiva do contribuinte salvo se fundamentar a incidência tributária em outros valores constitucionais.
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CF) e pela vedação ao efeito confiscatório, que está expressa no art. 150, inciso IV. A aplicação destes dois conceitos reduz e até afasta a tributação sobre produtos essenciais ao ser humano, evitando também que incida em excesso mesmo sobre bens supérfluos ou sobre quem tem muita capacidade contributiva, o que seria confiscatório. O princípio da vedação ao confisco não precisaria estar expresso, pois decorre diretamente da preservação do direito de propriedade, tratado em diversos dispositivos como os incisos XXIII e XXIV, do art. 5°, e 170, II. A CF só admite o confisco, ou expropriação de bens, na hipótese prevista no art. 243. Pode ser considerado um princípio de segundo grau (deriva de outro), por ser uma aplicação do princípio da capacidade contributiva juntamente com o direito de propriedade. Vindo do latim confiscare, com o sentido de apreender, a incidência tributária confiscatória pode caracterizar-se mesmo que haja grande disponibilidade financeira por parte do contribuinte. Um tributo patrimonial será confiscatório se for aplicada uma alíquota desproporcionalmente alta, ainda que o bem em questão possua pequeno valor e o contribuinte possa pagar sem sacrifício. Assim, mesmo para uma grande empresa que possua um veículo ou terreno de pouco valor, a elevação desproporcional de alíquotas de IPVA ou IPTU será confiscatória, da mesma forma que para os pequenos contribuintes. Por outro lado, o imposto não será confiscatório se a alíquota for razoável, ainda que algum contribuinte específico não tenha nenhuma disponibilidade financeira para arcar com seus débitos. A progressividade é um método de aplicação da capacidade contributiva, por meio da elevação gradual das alíquotas incidentes sobre a base de cálculo do tributo à medida que esta se amplia. A elevação progressiva do ônus tributário implica contribuição crescente, provinda dos que mais proveito tiraram da sociedade organizada. Como aduzido, tributo é a retribuição pecuniária decorrente da inserção social e a progressividade de sua incidência é plenamente justificável, pois, quanto maior a riqueza obtida ou detida, mais necessário é utilizar a estrutura social para protegê-la, uma vez que a possibilidade de apreensão individual se esvai geometricamente com o acréscimo de fortuna. Como ensina José Maurício Conti34, a progressividade foi historicamente pautada em Teorias do Sacrifício, que utilizavam a igualdade de sacrifício entre
34
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CONTI, José Maurício Conti. Princípios tributários da capacidade contributiva e da proporcionalidade. São Paulo: Dialética, 1997. p. 80-88.
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os contribuintes como justificativa para a tributação progressiva. Quanto maior a renda ou o patrimônio excedente do mínimo essencial, menor seria o sacrifício decorrente de uma tributação dessa parcela superior por alíquota única, o que justifica o estabelecimento de alíquotas progressivamente maiores. A CF de 1988 mencionou a progressividade juntamente com a generalidade e a universalidade, no inciso III, do art. 153, dispositivo referente ao imposto de renda, em vez de mencioná-la como princípio geral, o que fizeram diversos países35. Essa colocação sistemática estimulou a interpretação restritiva no sentido da inaplicabilidade aos demais tributos. Por diversas vezes o Supremo declarou inconstitucional a instituição da progressividade na fixação da alíquota tanto do ITBI36 quanto do IPTU, por entender que a proporcionalidade (uma só alíquota independente do valor da base de cálculo) já é suficiente para dar efetividade ao princípio da capacidade contributiva, devendo a progressividade restringir-se aos impostos cujos dispositivos constitucionais a mencionam. Nesse sentido, foi aprovada a súmula n° 668 com o seguinte teor: “É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da emenda constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana”. É fundamental para respeitar a isonomia e não desestimular o desenvolvimento que a(s) alíquota(s) superior(es) seja(m) aplicada(s) apenas à faixa de renda ou parcela do preço que exceda aquela correspondente à faixa anterior. No IR, por exemplo, estão isentos os contribuintes que ganham até x. A partir de x + 1 até y, incide a alíquota de 15%. Por fim, sobre todas as quantias recebidas acima de y, incide a alíquota de 27,5%. Esta forma de progressividade aplicada ao IR é a única justa, sendo denominada graduada. A consequência natural da instituição da progressividade é fracionar a base de cálculo em tantas parcelas quanto sejam as alíquotas. Se a progressividade fosse simples, com as alíquotas maiores incidindo sobre todo o rendimento e não apenas sobre as quantias recebidas pelos contribuintes acima das faixas inferiores, haveria desestímulo ao crescimento, pois alguns reais de ganho excedente trariam um ônus muito superior em tributação.
35 36
A progressividade consta das Constituições dos seguintes países: Bolívia, Chile, Colômbia, Espanha, Itália, Jordânia, Portugal e Venezuela. STF, 2°T., Rel. Min. Marco Aurélio, RE n° 233.995-5/SP, jul. 17/08/99, acerca do ITBI. Idem RE n° 234.105-3/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, julg. 08/04/1999.
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Assim, se um município estabelece a progressividade em seu IPTU aplicando alíquotas de 1% para imóveis cujo valor venal seja de até 300 mil reais e 2% para imóveis cujo valor venal seja superior a R$ 300 mil, presumese (mesmo que não esteja expresso na lei) que um imóvel que valha R$ 301 mil reais teve a sua base de cálculo dividida pela lei em duas partes: a primeira, de R$ 300 mil, e a superior, de mil reais. Pagará 1% de R$ 300 mil (três mil reais) + 2% dos mil reais que entraram na faixa seguinte de alíquota (20 reais), totalizando três mil e vinte reais. Se a alíquota de 2% incidisse sobre todo o valor venal, o contribuinte pagaria seis mil reais, quase o dobro, embora a capacidade contributiva demonstrada seja menos de 1% maior do que a de outro contribuinte que tenha um imóvel de R$ 300 mil. Ele estaria sofrendo um confisco de três mil reais em razão de um acréscimo patrimonial de mil reais. É claro, portanto, que a instituição de uma progressividade não graduada ofende ao princípio da capacidade contributiva. A chamada regressividade é a diminuição de alíquotas à medida que aumenta a base de cálculo, o que é uma forma extremamente injusta de cobrança, salvo se atender a finalidades constitucionais relevantes, como o adequado uso da terra e a fixação do homem no campo. Em atenção a essas metas constitucionais, decorrentes dos fundamentos expressos no art. 1°, III e IV (dignidade humana e direito ao trabalho), dos objetivos listados no art. 3°, III (erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais), e das funções sociais da propriedade rural, previstas no art. 186 – todos da CF – o art. 153, § 4°, I, dispõe que o ITR “será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas”. A progressividade aqui mencionada deve ser entendida como o dever dirigido ao legislador para que estabeleça alíquotas maiores para as propriedades menos produtivas. Este critério pautado no adequado aproveitamento das terras é previsto na Lei n° 9.393/96 e gera regressividade em razão do valor, pois as terras improdutivas valem menos que as produtivas. A seletividade é uma das formas de aplicação da capacidade contributiva, consistindo na variação do nível de intensidade da incidência tributária, tendo como critério de discriminação o grau de dependência humana do produto tributado para alcançar patamares mínimos de dignidade. Esta dependência está voltada à satisfação dos direitos fundamentais do homem versados no Título II, da Constituição Federal. A aferição dos contornos do que seja a dignidade humana, em cada sociedade, representa uma das mais difíceis tarefas do Direito, principalmente porque tem de se valer de outras ciências, como a sociologia e até a medicina.
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A forma mais frequente de aplicação da seletividade é a variação de alíquota em razão da importância de cada produto ou serviço, levando em conta a capacidade contributiva dos contribuintes de fato das mercadorias ou serviços, que são os consumidores. Mesmo que os contribuintes de direito em relação à venda de mercadorias da cesta básica, por exemplo, sejam grandes supermercados, isso não justifica a tributação de produtos essenciais em altos patamares, pois os tributos indiretos, como IPI e ICMS, são repassados aos consumidores. A CF de 1988, em seu art. 155, § 1°, inciso III, estabeleceu que o ICMS pode ser seletivo, ao passo que em relação ao IPI – cuja incidência abrange, em grande parte, os mesmos produtos – afirmou que deve ser seletivo, o que é incoerente com o princípio da capacidade contributiva, pois não existe qualquer motivo para a diferenciação. A distinção provavelmente decorreu da influência do sistema tributário anterior, que previa a uniformidade da alíquota do então ICM por meio do § 5°, do art. 23, da CF de 1967, enquanto que, para o IPI, já estabelecia a seletividade, pelo § 3°, do art. 21. A EC n° 29/2000 introduziu o inciso III, no § 1°, do art. 156, para permitir que o IPTU tenha “alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel”. Essa variação de alíquotas constitui mais uma aplicação da seletividade e ratifica a prática de tributar diferentemente imóveis residenciais, comerciais e industriais37. Desde a edição da emenda passou a ser possível que dois imóveis residenciais com idêntico valor, mas localizados em bairros distintos, sofressem a incidência do IPTU por alíquotas diferentes, em razão da melhor qualidade dos serviços urbanos de um deles, por exemplo. O IPTU tornou-se o imposto com mais possibilidades de utilização extrafiscal: pode induzir a atividade econômica por meio da seletividade prevista no § 1°, do art. 156; promover o ordenamento urbano por meio da progressividade prevista no art. 182, § 4°; distribuir a renda por intermédio da progressividade em razão do valor, também prevista no § 1°, do art. 156. A seletividade não pode ser confundida com a progressividade, pois esta acarreta o aumento de alíquota à medida que aumenta a base de cálculo de um mesmo objeto tributável, como a renda ou patrimônio. A tributação progressiva está voltada ao contribuinte de direito (que tem o dever de recolher o tributo) e gera a utilização de alíquotas diferentes sobre o mesmo bem,
37
O STF admite a diferenciação de alíquotas em relação ao IPTU, no que concerne a terrenos não construídos, residências e imóveis não-residenciais, afirmando não constituir progressividade. AG Rg no RE n° 427.488-4 RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, pub. 19/05/2006.
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apenas em razão de seu valor. Já a seletividade é aferida em relação a cada espécie de bem e tem como foco o provável contribuinte de fato (o consumidor, que arca com o imposto ao adquirir a mercadoria ou serviço). A extrafiscalidade é a política tributária que tem por fim atingir as metas da sociedade – sejam econômicas, educacionais, políticas ou urbanísticas –, induzindo agentes econômicos por meio da elevação ou redução da carga tributária incidente sobre alguns bens, serviços ou atividades. Ela se contrapõe à fiscalidade tradicional, que apenas visa arrecadar quantias para prover o erário público dos recursos necessários a atender às necessidades públicas. Todo tributo é fiscal por definição, embora a maioria deles também tenha uma utilidade extrafiscal, que é mais intensa ou até mesmo preponderante em relação ao IPI, IOF, II e IE. A utilização dos tributos como instrumento de modificação social pode ser feita pela variação das alíquotas e da instituição de benefícios fiscais, voltados a estimular atividades socialmente importantes e desestimular as indesejáveis. Sempre que não decorrerem da baixa capacidade contributiva dos contribuintes de direito ou de fato, os benefícios fiscais devem ser justificados em políticas fundamentadas em princípios externos ao Direito Tributário (por isso, extrafiscais), como o desenvolvimento econômico, a proteção do mercado nacional, dos deficientes, do meio ambiente etc. É o que ocorre com os distritos industriais e zonas francas, que visam a atrair indústrias para regiões pouco desenvolvidas por meio de benefícios fiscais. Também a extrafiscalidade é o fundamento da tributação reduzida para combustíveis que poluem menos e para os respectivos veículos. A proteção ambiental é um princípio extratributário que prepondera sobre capacidade contributiva quando da decisão legal acerca do estabelecimento das alíquotas, uma vez que a renda dos que consomem os diferentes tipos de combustíveis e compram os veículos tende a ser semelhante. A extrafiscalidade não afronta a capacidade contributiva, mas apenas a desloca do centro para a periferia da decisão política tributária, deixando de servir como critério da seleção do objeto e gradação da alíquota para constituir o parâmetro de delimitação do extremo. Frequentemente a tributação pautada em critério extrafiscal constitui um atalho, meio mais direto de atingir a finalidade constitucional do que cobrar e em seguida gastar. A Constituição de 1988 fez algumas referências à utilização extrafiscal de tributos associada à progressividade, em relação ao IPTU (art. 182, § 4°, II) e ao ITR (art. 153, § 4°, I). Ambos os dispositivos visam estimular o adequado uso do solo por meio da ameaça de tributação elevada sobre imóveis subutilizados ou não utilizados.
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3.3. PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE O estabelecimento da não-cumulatividade é uma forma de fazer justiça em relação a impostos que incidem sobre a circulação de mercadorias ou serviços, evitando que o consumidor arque com um custo tributário decorrente de várias incidências do mesmo imposto sobre a mesma mercadoria, o que ofenderia o princípio da capacidade contributiva. Trata-se de um instituto típico dos chamados tributos indiretos, como o IPI e ICMS, expressamente incluídos no preço cobrado do consumidor, por dentro ou por fora, pois nestes é facilmente visualizável o montante do imposto pago na aquisição dos insumos. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, se não houvesse a não-cumulatividade, os moradores das regiões mais afastadas dos locais onde são produzidas as mercadorias, tendencialmente as mais pobres, pagariam muito mais caro por elas, pois o ICMS arcado pelos diversos intermediários entre o fabricante e varejista seria acumulado e suportado pelos consumidores. Este efeito ofenderia de uma só vez os princípios da capacidade contributiva (os mais pobres estariam pagando mais tributo) e isonomia. Também afrontaria um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, expresso no art. 3°, III, da CF, que é a redução das desigualdades regionais. Pelo mesmo argumento, o princípio da não-cumulatividade pode ser considerado também uma aplicação do princípio da neutralidade, pois deve ser tributariamente irrelevante o número de agentes da cadeia econômica, sob pena de estar o Estado induzindo a uma concentração vertical (mesma empresa fabricando, distribuindo e vendendo ao consumidor), concentradora de renda e inviabilizadora das pequenas empresas. Em síntese, a não-cumulatividade é um princípio de segundo grau em relação aos princípios mencionados, na medida em que constitui uma forma de aplicá-los. A forma de incidência não-cumulativa, que surgiu nas Constituições brasileiras pela EC n° 18/65, fora originalmente expressa na CF de 1988 apenas para o IPI e ICMS, por meio dos arts. 153, § 3ª, inciso II, e 155, § 2ª, que dispõem: IPI – “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrando nas anteriores”; ICMS – “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”. O princípio da não-cumulatividade pode ser basicamente efetivado de duas formas:
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a) A primeira é calcular o tributo apenas sobre o valor agregado em cada operação, usual na Europa e demais países do Mercosul, que adotam o imposto sobre o valor agregado (IVA). Se o comerciante compra uma mercadoria por R$ 100,00 e vende por R$ 150,00, deve calcular o imposto apenas sobre a margem de lucro. Se a alíquota for de 18%, por exemplo, ela pagará nove reais. Por esse sistema, não interessa ao comerciante/industrial a carga tributária que tenha incidido nas operações anteriores. A não-cumulação é garantida pela incidência do tributo apenas sobre a parcela nova do preço, que é o valor acrescido por quem revende a mercadoria; b) O sistema brasileiro é um pouco mais complicado, sendo regulado pela LC n° 87/96, pelos arts. 19, 20 e 33, em relação ao ICMS, e pelo art. 49 do CTN, leis e decretos que o regulamentam, no que concerne ao IPI. O contribuinte calcula o imposto, seja o IPI ou ICMS, sobre o valor total da venda e abate o imposto pago pelos seus fornecedores nas operações pelas quais adquiriu tanto a mercadoria revendida (caso dos comerciantes atacadistas e varejistas) quanto os insumos que utilizou para produzir a mercadoria que vendeu (industriais). Aproveitando-se o exemplo anterior, se o comerciante vende uma mercadoria por R$ 150,00, deve aplicar a alíquota de 18% sobre este valor. Seu débito com o fisco será de R$ 27,00. No entanto, ele tem direito a abater do valor devido as quantias que pagou como contribuinte de fato ao adquirir a mercadoria que revendeu. Se ele pagou R$ 100,00, cabe a seu fornecedor demonstrar (destacar) na nota fiscal o valor de R$ 18,00 referente ao ICMS. Este destaque é importante para caracterizar o direito a crédito do adquirente, que lança em sua contabilidade o crédito de R$ 18,00, para ser utilizado no abatimento do débito que surgirá no momento da venda da mercadoria. Pagará R$ 27,00 menos R$ 18,00. Ou seja, os mesmos nove reais do exemplo anterior. Em resumo, o sistema brasileiro de não-cumulatividade permite que um contribuinte de direito (que vende a mercadoria ou serviço de transporte ou comunicação) abata de seu débito o que pagou como contribuinte de fato, no momento em que adquiriu as mercadorias ou serviços de transporte ou telecomunicações. Independentemente de qual seja a forma (IVA ou imposto sobre o valor bruto com abatimento dos créditos), os contribuintes sempre alegaram, com razão, que muitos dos seus custos empresariais decorrem de operações tributadas pelo ICMS, como a aquisição de máquinas (industriais e comerciais), materiais
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de consumo, energia elétrica e telecomunicações. Ou seja, existe um custo financeiro consistente no pagamento de impostos aos mesmos credores – os Estados – que não podia ser abatido do imposto que lhes era devido em razão da operação final praticada pelo contribuinte, apenas porque não decorriam de materiais fisicamente embutidos nas mercadorias a serem vendidas. Por meio da LC n° 87, de 1996, os contribuintes do ICMS conseguiram fazer prevalecer uma visão econômica da tributação, obtendo direito ao crédito financeiro, que é o sistema de aproveitamento integral do montante daquele mesmo imposto pago pelos contribuintes ao exercerem sua atividade econômica, mesmo que em razão de investimentos e despesas não diretamente incorporados à mercadoria vendida. Até a sua edição prevalecia o sistema de crédito físico regulado pelo Decreto-Lei n°406/68 e pelo Convênio n° 66/88, que apenas permitiam o creditamento do imposto pago em relação à mercadoria fisicamente vendida, o que inclui os insumos a ela incorporados pelos industriais. A LC n° 87/96, por meio de seu art. 20, permitiu o creditamento (contabilização feita pelo próprio contribuinte, em seu favor, para abater de seus débitos de ICMS) do imposto pago no momento da aquisição de bens para o ativo permanente, como máquinas, veículos, aparelhos de arcondicionado etc. Se não houvesse expressa previsão legal, este creditamento não seria possível, pois a empresa que adquire bens para utilizar e não para revender é consumidora final deles. É óbvio que o imposto transferido ao fornecedor dos bens que integram o ativo permanente faz parte do custo tributário da empresa e é essencial para a produção da mercadoria cuja venda será tributada pelo Estado. Pelos mesmos motivos, o art. 20 também admitiu o creditamento do ICMS pago pelo contribuinte na aquisição de materiais de consumo, energia elétrica e telecomunicações. Contudo, em razão das necessidades de caixa dos estados, o direito ao amplo crédito financeiro foi sendo sucessivamente mitigado e postergado, por meio de sucessivas leis complementares38, que alteraram a redação do § 5°, do próprio art. 20 e do art. 33. O ICMS pago quando da aquisição de bens para o ativo permanente só pode ser utilizado
38
A última delas foi a n° 122/2006, que postergou para janeiro de 2011 o creditamento completo das despesas com ICMS feita pelos empresários ao adquirirem material de consumo, energia elétrica e serviços de telecomunicações. Atualmente eles só podem aproveitar o ICMS que tiverem pago na condição de adquirentes de insumos do processo produtivo (material de limpeza das máquinas, energia para que elas funcionem...), mas não o que tiver relacionado com o escritório da empresa, como por exemplo (iluminação, telefonemas para os fornecedores, computadores ...).
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pelo contribuinte em 48 parcelas mensais, mesmo que os bens durem menos do que isso39. De forma coerente, o princípio da não-cumulatividade foi estendido ao PIS/PASEP e à COFINS40. Estes tributos são tradicionalmente considerados diretos por não terem seu valor destacado na nota fiscal. Entretanto, apesar da ausência do destaque, são calculados sobre a receita bruta dos contribuintes, o que tem o mesmo efeito econômico de calcular e destacar sobre cada operação comercial para a maioria dos industriais, comerciantes e prestadores de serviço, que quase não têm outras rendas além das decorrentes de sua atividade empresarial principal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7ª ed. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1997. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito. Revista de Direito da Procuradoria Geral Estado Rio de Janeiro, n. 60, 2006, p. 137-179. ______. Agências Reguladoras, Constituição, Transformações do Estado e Legitimidade Democrática. In: BINENBOJM, Gustavo (coord.). Agências Reguladoras e Democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 59-87. CONTI, José Maurício. Princípios tributários da capacidade contributiva e da Proporcionalidade. São Paulo: Dialética, 1997. COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo: Malheiros, 1993. GODOI, Marciano Seabra de. Justiça, igualdade e Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 1999. LACOMBE, Américo Masset. Princípios Constitucionais Tributários. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Capacidade contributiva. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Justiça Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
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Em relação ao IPI, a legislação não tem redação semelhante, motivo pelo qual o STJ vem rejeitando o direito ao crédito de insumos que não se incorporam ao produto, como o material de consumo e material permanente. AgRg no AgRg no RESP n° 386.774/MG, pub. 29/11/2004; RESP n. 500.076/PR, pub. 15/03/2004, ambos relatados pelo Min. Francisco Falcão, 1ª Turma. Lei nº 10.637/2002, EC n° 42/03 e Leis n° 10.833/2003 e 10.865/04. A não-cumulatividade em relação a estas duas contribuições é apurada pelo contribuinte, na forma das referidas leis, por meio da aplicação de alíquota idêntica à aplicada sobre sua receita bruta (1,65% para o PIS e 7,6% para a COFINS) sobre as despesas cujos fornecedores pagam os mesmos tributos.
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114 - PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS
TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002. TORRES, Ricardo Lobo. A Legalidade Tributária e seus Subprincípios Constitucionais. RPGERJ, v.58, p. 193-219, 2004. ______. Normas de interpretação e integração do Direito Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. WEISS, Fernando Lemme. Princípios Tributários e Financeiros. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
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Conceito de “Tributo”
José Marcos Domingues Doutor em Direito e Professor Titular de Direito Financeiro (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Professor da pós-graduação da PUC-Rio, da PUC-São Paulo, da UFF e da FGV-Rio.
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116 - CONCEITO DE “TRIBUTO”
1. INTRODUÇÃO Tributo é a forma mais exuberante de o Estado contemporâneo obter recursos para o financiamento da despesa pública. A Despesa é custeada pelas Entradas Financeiras (gênero que designa todo dinheiro que chega aos cofres públicos). As entradas financeiras têm como espécies os ingressos e as receitas. Os ingressos se configuram como meros movimentos de fundos na contabilidade pública, não representando incremento de patrimônio, como se verifica nos casos das cauções1 e dos empréstimos2 (uma e outros sujeitos a resgate em favor dos respectivos prestadores – depositantes ou mutuantes), ao lado das indenizações (que, por definição, recompõem o patrimônio desfalcado por um ato ilícito3). Aos ingressos corresponde um lançamento negativo que neutraliza a entrada consubstanciada num lançamento positivo. As receitas, ou coletivamente a Receita Pública, têm na definitividade e no incremento patrimonial os seus elementos fundamentais. Segundo a chamada classificação alemã, as receitas se dividem em originárias e derivadas, conforme os critérios4 da origem e do meio de obtenção. Por essa classificação, são receitas originárias, patrimoniais ou voluntárias, aquelas que provêm de dentro do Estado, da exploração do próprio patrimônio público (sua origem); são obtidas sem coerção (daí, voluntárias), mediante concurso da vontade do prestador (ex voluntate). Derivadas, coativas ou obrigatórias são as receitas que vêm de fora, advêm do patrimônio privado, sendo dele extraídas coativamente, por força de lei, sem o concurso da vontade do devedor (ex lege). São receitas originárias os aluguéis, foros e laudêmios, bem como especialmente os preços financeiros. São receitas derivadas as penalidades e os tributos. Segundo Einaudi5, os preços financeiros subdividem-se em preços públicos (categoria padrão), preços políticos e preços quase-privados. Os
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Por exemplo, em garantia de adimplemento contratual (Lei nº 8.666/93 – art. 56, § 1º, I.), ou em garantia de execução de crédito tributário (Lei nº 6.830/80, art. 7º, II). Mútuos de direito público conexos ao processo financeiro do Crédito Público. Por exemplo, danos em viatura pública em acidente de trânsito. Outros critérios seriam o político (receitas federais, estaduais, distritais, municipais), o econômicocontábil (receitas correntes e receitas de capital – cf. Lei nº 4.320/64, art. 11), o da permanência ou periodicidade (receitas ordinárias e receitas extraordinárias). Apud BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 13ª ed. Atual. por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 125-127.
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preços públicos, como os de fornecimento ou análise de água, ou de acesso a locais públicos, compõem-se do custo do bem alienado6 ou serviço prestado; já os preços políticos abrangem frequentemente serviços destinados à população menos favorecida, muitas vezes sequer cobrindo o custo acima citado, sendo subsidiados pelos impostos; e os preços quase-privados, como os de venda de combustíveis ao consumidor, se formam num regime de concorrência, adquirindo por isso feição privada, embora percebidos por órgãos ou entidades da Administração Pública, os quais atendem a finalidade pública. As penalidades são as multas e os confiscos. As multas são sanções repressivas em face de ilicitudes; podem ser administrativas, em função do desrespeito à legislação administrativa (de trânsito, de posturas urbanas, de saúde pública), judiciais (decorrentes de condenação criminal) ou tributárias (em face da violação das leis tributárias). Os confiscos (perda de propriedade) são penas impostas face à prática de ilícitos gravíssimos (em geral, a perda dos instrumentos e do produto dos crimes7; dos bens objeto de descaminho ou de contrabando; dos bens adquiridos como resultado de peculato). Os tributos são as receitas públicas derivadas por excelência. Decorrem de uma racional divisão dos custos de manutenção do Estado por quantos sejam destinatários de sua ação, na medida em que detentores de força econômica para tal (capacidade contributiva). Como se verá a seguir, as categorias tributárias básicas são o imposto, a taxa e a contribuição de melhoria.
2. ANTECEDENTES O vocábulo “tributo” decorre do latim tributum,-i, por sua vez proveniente de tribu,-s, certamente uma referência às três primitivas tribos de Roma8, notando-se que o verbo tributo,-ere significa dar, conceder9. Tributo é um instituto presente em diversas áreas do Conhecimento.
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Devem-se destacar aqui as participações governamentais na exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais (art. 20, § 1º, da Constituição Federal), que correspondem ao preço dos recursos naturais. Cf. art. 5º, XLVI, “b”, e art. 243 e parágrafo único, da Constituição Federal; art. 91 do Código Penal; art. 12, I, da Lei nº 8.429/92 – improbidade administrativa. “[...] porque as atribuições eram impostas por um terço a cada tribo” (Cf. MEIRA, Sílvio. Direito Tributário Romano. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1978. p. 6). Cf. AMED, Fernando José; NEGREIROS, Plínio José Labriola de Campos. História dos Tributos no Brasil. São Paulo: Edições Sinafresp, 2000. p. 22.
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Na Política, tributo identifica-se como expressiva marca do Poder exercido em relação a determinado território. Na Ciência da Administração, o tributo entende-se como fonte primária de custeio dos serviços públicos. Na Economia, o tributo surge como instrumento por excelência de transferência de recursos do setor privado para o setor público, meio de financiamento dos encargos do Governo10 e elemento de organização da produção e distribuição da riqueza11. Nas Finanças Públicas, o tributo é a forma ordinária de Receita12 obtida para satisfação da Despesa estimada em função de objetivos de múltiplas naturezas, com vistas ao financiamento das ações de Estado, no bojo das quais hodiernamente avultam as políticas públicas 13 (“programas de ação governamental, consistentes numa atividade, ou seja, uma série ordenada de normas e atos conjugados para a realização de um objetivo determinado”). E, no Direito, o tributo se afigura como prestação decorrente do dever, que se diz fundamental14, “expressão da soberania baseada na dignidade humana”, de manutenção do Estado criado pela Cidadania para a promoção do Bem Comum, através da garantia de valores socialmente apreciáveis e constitucionalmente tutelados, como a vida e a dignidade humana, a igualdade, a liberdade, a segurança15. Pode-se dizer que onde há Estado há tributo, a sombra do Estado, sócio inexorável do cidadão. Quer nas sociedades mais primitivas, quer na Roma Antiga, ainda que fundamentados numa solidariedade espontânea, os tributos sempre foram
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Cf. REZENDE, Fernando. Finanças Públicas. São Paulo: Atlas, 2001. p. 151 e seguintes. Cf. BANALOCHE PEREZ, Julio. Manual de Economia Financiera. Madrid: Editorial de Derecho Financiero, 1971. p. 138, 144. Cf. BALEEIRO, Uma Introdução, op. cit., p. 145. Cf. COMPARATO, Fábio Konder. O MP na defesa dos direitos econômicos, sociais e culturais. In: CUNHA, Sérgio S.; GRAU, Eros R. (coords.). Estudos de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 248. No dizer de Bidart Campos, “a obtenção de recursos para o Erário e a realização de gastos têm uma finalidade inequívoca (...) que políticas públicas funcionais atendam às necessidades sociais [...]” (El Orden Socioeconômico en la Constitucion. Buenos Aires: Ediar, 1999. p. 363). Cf. NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Almedina, 1998. p. 54 e segs. Segundo o clássico Thomas Cooley, a justificativa da tributação reside nos “deveres recíprocos de proteção e apoio entre o Estado e aqueles que estão sujeitos à sua autoridade” (A Treatise on the Law of Taxation. 1st. reprint of the second edition, greatly enlarged. New York & London: Johnson Reprint Corp., 1886. p. 2).
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dotados de algum nível de coerção, ainda que moral ou social, para mais adiante assumirem a sua feição atual de determinação jurídica estatal. Prestam-nos os mais aptos à caça ou à pesca, à guerra sob a forma de contribuição in natura ou in laborem, tendo em consideração o provisionamento ou a defesa da Comunidade. Com a sofisticação da economia, a intermediação da moeda substitui o escambo nas trocas do mercado. A monetização da economia atinge evidentemente o tributo, que passa a ser prestado em dinheiro16. Na Roma Imperial e em civilizações similares, o tributo de galardão da cidadania passa a marca da opressão, sendo exigido dos povos submetidos ao jugo da força militar, quer como espoliações, quer como capitações (por cabeça, tributo sobre a existência humana) ou trabalho escravo. No Feudalismo medieval, o tributo confunde-se com prestações de ordem patrimonial, próprias do regime de vassalagem, como as enfiteuses, os dotes, as quotas de produção agropastoril. Já nos Tempos Modernos, o tributo adquire o color de direitos realengos, como as prestações devidas em função de autorizações ou alvarás régios para o exercício de atividades, profissões etc., bem como as pilhagens dos corsos, convivendo com toda sorte de privilégios em favor da nobreza e do clero, que levaram às revoltas liberais dos séculos XVIII e XIX. A partir do Liberalismo e consequente a democratização do Estado, que então se institui através de uma Declaração de Direitos ou uma Carta Constitucional ou Lei Fundamental, desenha-se o dever de prestar tributo como decorrente da Cidadania, estabelecido com base na Igualdade e medido pela riqueza ou capacidade econômica do contribuinte; o tributo é concebido como intervenção estatal na economia privada e conformado por princípios da nova ordem que passa a reger as relações do povo com o Estado. É importante realçar que a ideia de contenção do poder soberano de decretar tributos sempre esteve presente na História. Do adágio interpretativo romano in dubio contra fiscum, da interpretação restritiva da Idade Média, do no taxation without representation da Magna Charta bretã de 1215, da declaração das Cortes de Coimbra (1621), das inglesas Petition of Rights (1629) e Bill of Rights (1689), até diversas revoluções ou revoltas políticas ulteriores, em maior ou menor grau, atribuíveis ao exagero das exigências fiscais que desrespeitavam a dignidade e o sentimento de justiça dos obrigados ao seu pagamento, como a Boston Tea Party de 1773 (Independência Norte-
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Cf. GIULIANI FONROUGE, Carlos M. Derecho Financiero. v. 1, 7ª ed. Buenos Aires: Depalma, 2001. p. 315.
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Americana), a Inconfidência Mineira e a Tomada da Bastilha (Revolução Francesa), ambas de 1789, sendo que da última adveio a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1791) a qual dispunha, no artigo 13, que as contribuições indispensáveis à manutenção da Administração Pública seriam “igualmente repartidas entre todos os cidadãos, em razão de suas aptidões”, seguiu-se a luta cidadã em busca de dignidade fiscal. No Brasil, o projeto de Código Tributário Nacional17 preconizou a seguinte definição de tributo: “[...] toda prestação pecuniária instituída por lei com caráter compulsório pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no uso de competência constitucional inerente à sua condição de pessoa jurídica de Direito Público” (art. 17).
3. ANÁLISE DA DEFINIÇÃO LEGAL NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO O vigente Código Tributário Nacional (CTN – Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966) dispõe, no seu art. 3°, que: “[...] tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor que nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. A par da crítica que se possa fazer ao avanço do Código sobre a atividade de conceituação jurídica, que é de ser reservada à Doutrina, o fato é que o Legislador brasileiro assim procedeu em diversos dispositivos do Código, como se vê no artigo 16 (definição de imposto), no artigo 114 (fato gerador) e no artigo 142 (lançamento). Isso deveu-se à necessidade de consolidação ou compilação de institutos fundamentais do direito tributário, num cenário de muita heterogeneidade cultural e política no seio da Federação pátria, a justificar, de resto, uma função pedagógica do CTN, que se faz notar ao longo do texto, sobretudo na distinção das três figuras tributárias básicas: o imposto (art. 16), a taxa (art. 77) e a contribuição de melhoria (art. 81). A interpretação do dispositivo acima não prescinde da invocação de outros, quais sejam, o art. 113 e o art. 114 do Código. O primeiro define a relação jurídico-tributária como uma obrigação, espécie de dever jurídico que se qualifica como um vínculo de natureza patrimonial (atinente à transferência de riqueza privada) e pessoal (tendo por sujeito ativo o Estado-credor18 e
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Iniciativa do Ministro da Fazenda, Osvaldo Aranha, que encomendou o anteprojeto a Rubens Gomes de Sousa (1953). Art. 119.
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sujeito passivo ou devedor contribuinte-devedor ou responsável19), vínculo esse que se extingue com a satisfação da prestação (objeto), o tributo propriamente dito (art. 3º). Prestação. O primeiro elemento da definição legal é o de ser o tributo uma prestação. Quer isto dizer que o tributo é, na verdade, o objeto da obrigação, a obrigação tributária (art. 113 e § 1° do CTN). Adjetiva-a o caráter pecuniário, isto é, o tributo é prestado em dinheiro; ou, pelo menos no dizer do Código, é valorado, medido, em dinheiro. Ensejar-se-ia aqui a discussão a propósito da legitimidade de tributos in natura, isto é, não in pecunia, que, no passado distante, foram regra e hoje constituiriam exceção. Seriam tributos in natura os exigidos em unidades, em fração ou percentual de uma certa colheita ou produção (por exemplo, tantos quilos de arroz, “y” cabeças de gado por milhar possuído ou ainda “x %” dos fardos de lã tosquiada etc.). Mas o CTN parece não reconhecer os tributos in natura. O tributo representará sempre uma quantia. Ainda que se possa tomar um bem como medida do tributo, esta será um valor de ordem econômica, expresso em pecúnia ou dinheiro. Justifica-se: superado o escambo, com a economia monetizada, já se disse, o Estado deixou de exigir bens e serviços dos seus súditos, administrados, cidadãos, para pagar por eles através do processo da Despesa Pública; e o tributo prestado é Receita Pública, com a qual fundamentalmente o Estado custeia o gasto público (Despesa Pública). Como visto, obrigação é o dever jurídico, decorrente de relação jurídica que se caracteriza pela patrimonialidade, consubstanciando um vínculo pessoal que se extingue com a satisfação da respectiva prestação. A obrigação tributária propriamente dita, obrigação principal na linguagem do CTN (art. 113 e parágrafo único), contrasta com a chamada obrigação acessória (art. 113, § 2°). A obrigação principal tem por objeto um dare, o pagamento de tributo (art. 3°). Já a dita acessória tem por objeto um facere ou um non facere, isto é, comportamentos positivos ou negativos no interesse do Fisco (arrecadação ou fiscalização dos tributos); por isso a melhor doutrina as qualifica como deveres instrumentais em favor da atividade administrativa dos órgãos fazendários (declaração de rendimentos, escrituração de livros fiscais; recusa de mercadoria desacompanhada de nota fiscal etc).
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Art. 121 e parágrafo único.
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A obrigação tributária em sentido próprio ou estrito é uma obrigação de dar, de entregar bem fungível, pecúnia. O tributo é a prestação que satisfaz aquela obrigação. Não infirma essa análise a circunstância de o Direito admitir a extinção excepcional do dever tributário mediante a entrega ou dação de bens à Fazenda Pública. O acolhimento desse instituto no âmbito da tributação se justifica por ser esse um sucedâneo da excussão do patrimônio do devedor insolvente, sem liquidez, que não tem dinheiro para satisfazer o débito tributário. Em vez de vê-lo leiloado em hasta pública, deve ser autorizado a antecipar-se ao desfecho de um longo, custoso e desgastante processo com a finalidade assinalada. Antes mesmo de o CTN acatar o instituto, as Leis federais n° 7.621, n° 7.636 e n° 7.637, todas de 1987, e as Lei fluminenses n° 688, de 1983, n° 1.241, de 1987, e n° 2.055, de 1993, preconizaram a solução; em 2001, a Lei Complementar n° 104 a adotou no inciso XI do artigo 156. A expressão “em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir” serve para justificar não só a legitimidade da dação em pagamento, mas também a utilização de títulos de crédito (cheque, vale-postal e títulos da dívida pública) em pagamento do tributo. Previsão legal. A legalidade tributária. Ao aludir ao caráter compulsório da prestação tributária, o Código consagra a Doutrina universalmente aceita no sentido de ser o tributo o objeto de uma obrigação ex lege, isto é, para cuja formação é irrelevante a adesão ou a manifestação positiva da vontade, do devedor, distinguindo-se aí da obrigação ex voluntate, ou seja, aquela cujo vínculo se constitui a partir de uma interação livre entre credor e devedor, podendo este recusar-se a integrar o liame. O tributo é objeto de uma obrigação que tem por fonte fundamentalmente a lei, encontrando na prestação de alimentos o seu símile civil. Ninguém individualmente é consultado pelo Estado sobre se deseja ou não pagar imposto para a manutenção da diplomacia ou da polícia, se quer ou não ter à sua disposição determinado serviço de licenciamento remunerado por taxa, ou se aprecia certa obra urbanística que virá a valorizar seu imóvel, a partir do que se sujeite a uma contribuição de melhoria. Da mesma forma, não se pergunta a alguém se lhe agrada pagar pensão alimentícia a um parente necessitado. O tributo está, efetivamente, submetido genericamente ao princípio da legalidade (art. 5°, II, da Constituição), especializando-se o rigor formal através da legalidade tributária (art. 150, I), a exigir tipificação legal de todos os elementos do instituto (tipicidade tributária). O art. 97 do CTN esclarece o
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conteúdo do princípio, ao clarificar que elementos são esses, como o sujeito passivo, o fato gerador, a base de cálculo e a alíquota, entre outros. Deve-se notar que o CTN atende ao mandato constitucional, como lei complementar tributária, dispondo (rectius, solucionando) conflitos de competência, regulando as limitações ao poder de tributar e baixando normas gerais de direito tributário (art. 146, I a III, da Carta Federal). Pretende-se que legalidade tributária seja mais exigente do que a legalidade genérica regradora da atividade estatal como um todo (o Estado só pode agir em virtude de lei). Porém, a Constituição exige que somente a lei crie tributo, esgotando nela a disciplina do instituto concretamente considerado, sem lugar para a discricionariedade administrativa. Tributo não constitui sanção de ato ilícito. A prestação tributária não se confunde com a repressão a ilicitudes. O tributo é devido em função do exercício da potestade pública, irresistível, por força das responsabilidades políticas e administrativas que o Estado recebe da Cidadania para promoção do Bem Comum, que devem ser custeadas pelos respectivos destinatários, os quais, em última análise, criaram o Estado com essa finalidade, em seu próprio benefício, portanto. Assim, o tributo é uma prestação ordinariamente devida ao Estado, somente pelo fato de a pessoa merecer a atenção do Poder Público estar sujeita à ação respectiva. Atos ilícitos são reprimidos através de sanções repressivas, que são castigos impostos em face do descumprimento de um dever. No direito público, o ilícito fere a ordem pública e deve ser exemplarmente punido, a fim de que não se reproduza o desrespeito e se dissemine uma sensação de impunidade generalizada. As infrações tributárias conforme o grau de sua relevância podem chegar a ser tipificadas como crimes, como ocorre com a sonegação fiscal, em que o agente procura esconder ao Estado a existência da obrigação tributária decorrente do respectivo fato gerador. Isso não quer dizer que não possa haver tributação do produto ou resultado da atividade ilícita. Muito ao contrário, essa tributação impõe-se como decorrência lógica do princípio da igualdade, na sua expressão generalidade tributária. Se uma atividade lícita é exercida transparentemente e as decorrentes manifestações de capacidade contributiva são tributadas (outra decorrência do princípio geral de igualdade), então não há qualquer razão para que as atividades ilegais, tão ou mais proveitosas do ponto de vista econômico, não sofram tributação (o contrário seria premiá-las). A ilegalidade merece ser reprimida, sem dúvida. Mas o circunstancial proveito econômico
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respectivo deve ser visto objetivamente como uma forma de riqueza, como qualquer outra, apta a dela se extrair uma contribuição para a manutenção do Estado. Limpa ou não, pouco importa a origem da riqueza (non olet – não tem cheiro, na frase latina cunhada pelo Imperador Vespasiano, em resposta a seu filho que estranhara a instituição de uma cobrança sobre o uso das latrinas públicas romanas); toda manifestação de riqueza deve ser tributada; não é a licitude ou a ilicitude da riqueza que a define como tributável, mas a sua mera existência objetiva, insista-se20. Não se deve confundir também a denominada extrafiscalidade com sanção de ato ilícito. Como se verá adiante, a extrafiscalidade (a tributação com fins não arrecadatórios) não visa a impedir uma certa atividade (para isso existem as multas e as proibições), mas tem por fim condicionar a liberdade de escolha do agente econômico, através da graduação da carga tributária, em função, por exemplo, de critérios ambientais. Cobrança. O lançamento tributário. O tributo é cobrado mediante ato administrativo denominado lançamento tributário, que o CTN procura definir, equivocadamente, no art. 142, como um procedimento. Na verdade o lançamento pode e deve coroar um procedimento de apuração da ocorrência e enquadramento legal do fato gerador da obrigação tributária, mas com aquele não se deve confundir. Na verdade, o lançamento é o ato de aplicação do direito tributário material e exigência (cobrança) do tributo21 tendo em vista a verificação do fato gerador; ato praticado pela Administração Tributária; ato administrativo. Vinculação. Neste momento, o que é mais relevante assinalar é que a cobrança do tributo se faz de forma plenamente vinculada, isto é, o lançamento é praticado pelo agente do Estado-Fisco sem discricionariedade, quer quanto à competência para agir, quer quanto à forma, à oportunidade e ao conteúdo do ato em questão. Daí o advérbio plenamente utilizado pelo CTN para qualificar a vinculação. Embora os atos administrativos se classifiquem simplesmente em discricionários ou vinculados, parece que o CTN quis,
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Dispõe o CTN: Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos. Cf. XAVIER, Alberto. Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1977. p. 27, 38-40, 48. Idem in Do Lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. 2ª ed., reformul. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 32 e seguintes.
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didaticamente, chamar a atenção para a circunstância de que aquela vinculação se dá por qualquer ângulo que se examine o lançamento.
4. TRIBUTOS
EM ESPÉCIE
Segundo Ramón Valdés Costa, “na doutrina jurídica predomina a classificação tripartida em impostos, taxas e contribuições, que é praticamente unânime na Itália, Espanha e América Latina”22. Esta tradicional classificação encontra guarida no artigo 145 da Constituição e no artigo 5° do Código Tributário Nacional, que reconhecem como tributos os impostos, as taxas e as contribuições (estas, as de melhoria). Não quer isto dizer que a Carta Magna não considere tributos outras figuras financeiras, como o empréstimo compulsório e a contribuição parafiscal, pois o regramento constitucional reservado a elas é nitidamente tributário23. Simplesmente parece que a Constituição não quis reconhecer-lhes autonomia, na medida em que não dispõem de fatos geradores próprios, mas sim correspondentes aos do imposto ou da taxa, estes sim, categorias ontologicamente distinguidas pelo Direito Tributário em função dos respectivos fatos geradores, critério cientificamente hábil a diferençar as espécies tributárias, como, aliás, em boa hora, já fora reconhecido pelo Código Tributário Nacional (art. 4°., I). Com olhos formalistas postos na letra de dispositivos mal redigidos da Constituição, a jurisprudência positivista do Supremo Tribunal reconhece autonomia às contribuições, malgrado admita que seus fatos geradores principais e respectivas bases de cálculo em nada difiram dos reservados a impostos, placitando, assim, inúmeras fraudes materiais à Carta, como se dá com a sonegação de participação de Estados e Municípios na respectiva arrecadação, o que vulnera o pacto federativo de 1988, a par de múltiplos
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Curso de Derecho Tributário. 2ª ed. Buenos Aires, Santa Fe de Bogotá, Madrid, Depalma, Temis, Marcial Pons, 1996. p. 87. Embora reconhecidamente polêmicos os conceitos de “contribuição parafiscal” e de “empréstimo compulsório”, julgamos estar com a melhor doutrina ao considerá-los como tributos, por incluírem-se na definição, substancialmente correta, do art. 3° do Código Tributário Nacional; ambos são prestações pecuniárias, públicas e compulsórias, que não constituem punição a ilicitudes, instituídas em lei, devidas em razão da ocorrência de fatos geradores e cobradas pelo lançamento (ato administrativo vinculado). Conceituamos “contribuição parafiscal” como o tributo devido a entidades paraestatais ou fundacionais em razão de atividades públicas especiais por elas desenvolvidas. E “empréstimo compulsório”, o tributo pago sob promessa unilateral de integral restituição.
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bis in idem tributários que tornam caótico o hoje esfacelado sistema tributário nacional. A destinação específica das contribuições e a restituição dos empréstimos compulsórios nada têm a ver com a sua compulsoriedade, pedra de toque do Direito Tributário. A contribuição parafiscal e o empréstimo compulsório integram, assim, o Sistema Tributário Nacional e se regem, com algumas variações, pelos princípios gerais do Direito Tributário, como a igualdade, legalidade e tipicidade do fato gerador24. A Constituição assumiu declaradamente o caráter tributário das contribuições parafiscais (art. 149 c.c. art. 146), já agora secundada pelo Supremo Tribunal Federal25 (RE n°. 138.284, Relator CARLOS VELLOSO); a Suprema Corte (RE n°. 111.954, Relator OSCAR CORRÊA) também revogou o enunciado n°. 418 da sua Súmula para reconhecer o caráter tributário dos empréstimos compulsórios.26
Finalidade. Por este critério, distinguem-se os tributos em fiscais (que têm finalidade de arrecadação de recursos financeiros), parafiscais (que se destinam ao custeio de atividades paralelas à da administração pública direta, como a seguridade social – art. 195 da Constituição) e extrafiscais (que atendem a fins outros que não a arrecadação, mas, geralmente, à correção de situações sociais indesejadas e à condução da economia – estímulo ou desestímulo de certas atividades27). Um caso especial e contemporâneo de extrafiscalidade é a o da tributação ambiental28, que procura incentivar a produção e consumo de bens ecologicamente adequados, através de isenções ou reduções de carga tributária nos termos da Constituição (art. 170, VI). Outros exemplos de extrafiscalidade são os dos incentivos fiscais visando ao desenvolvimento regional (arts. 43, § 2°, III, c/c art. 151, I); o emprego do imposto territorial rural no combate ao latifúndio (art. 153, VI, e § 4°); e o imposto predial e territorial urbano progressivo como instrumento de política de aproveitamento do solo das cidades (art. 182, e § 4°, II). A finalidade ou destinação do produto da arrecadação dos tributos, embora irrelevante apenas para a qualificação da espécie tributária, ou melhor, da respectiva
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Quanto aos princípios da anualidade e anterioridade, cf. a lição de Flávio Bauer Novelli em: O Princípio da Anualidade Tributária. In: Revista Forense, v. 267, p. 94. Trata-se de um trabalho primoroso, profundo estudo histórico e doutrinário do tema. Nesse julgamento, datado de 1° de julho de 1992, o voto condutor do acórdão inclui expressamente as contribuições parafiscais entre as espécies tributárias (Revista de Direito Administrativo, n. 190, p. 78, 82-83). Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 126, p. 330 e seguintes. FANUCCHI, Fábio. Curso de Direito Tributário Brasileiro. v. 1, 4ª ed. São Paulo: Resenha Tributária, 1976. p. 56-58. Cf. nosso Direito Tributário e Meio Ambiente. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
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natureza jurídica específica, isto é, se imposto, taxa ou contribuição de melhoria (art. 4°, II, do Código Tributário Nacional), não teria qualquer importância do ponto de vista jurídico-tributário, segundo a doutrina tradicional, à qual já nos filiamos no passado29, pois os interesses considerados no momento pré-jurídico da concepção ou idealização do tributo pertenceriam à esfera de avaliação política do legislador e o destino dos recursos públicos se regeria somente pelo Direito Financeiro, ao regular os gastos das verbas públicas, e não pelo Direito Tributário, que se limitaria a regrar a instituição e a arrecadação dos tributos. Mas o Código não declara que a finalidade é absolutamente irrelevante para qualificar o tributo como tal. E finalidade é referida em doutrina como princípio de destinação pública do tributo30. Parece-nos hoje que o princípio jurídico da proporcionalidade condiciona, sim, aquele momento jus-político de elaboração da lei tributária e é ele que permite verificar a sua adequação aos interesses e fins constitucionalmente legítimos e suscetíveis de serem considerados no momento da criação do tributo31, a permitir o correspondente controle de constitucionalidade. É que, quando existente, a finalidade específica ou destinação específica do tributo é conexa ou vinculada ao respectivo fato gerador, como um acessório, na medida em que lhe serve de justificativa de instituição, como no caso das contribuições e empréstimos compulsórios (Constituição, art. 149, art. 148, I e II). Já o fundamento de validade do tributo (manifestação de
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Cf., nosso: Espécies de Tributos. Revista de Direito Administrativo, op.cit., p. 46-51. Cf. A. D. Gianinni: “os tributos têm três características: devidos a um ente público; fundamentados no poder de império do Estado; têm a finalidade de prestar os meios para facilitar as necessidades financeiras do mesmo”. (I Concetti Fondamental del Diritto Tributario apud Nicola D’Amati, Derecho Tributario, Teoria y Critica, cit., p. 21). A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal confirma a orientação estabelecida pelo Plenário num caso isolado, em que se declarou a inconstitucionalidade de acréscimo moratório do ICM paulista—tido pelo Tribunal como integrante do produto da arrecadação do imposto a ser, na proporção de 20% do todo, encaminhado aos Municípios (art. 23, § 8º, da Constituição de 1967), por ter sido afetado à Santa Casa da Misericórdia; levantada a preliminar de falta de interesse do contribuinte na declaração de inconstitucionalidade porque, mesmo que acolhida, o acréscimo continuaria devido, só que em benefício dos cofres públicos, o Tribunal rejeitou a preliminar, forte no voto do Ministro Moreira Alves: “A meu ver, desde que o acréscimo seja criado em lei com destinação específica, que é inconstitucional, a destinação específica contamina o próprio acréscimo. [...] o estado criou esse acréscimo para atender a uma finalidade que é vedada pela Constituição. Assim, no meu entender, se a finalidade é inconstitucional, o acréscimo criado para atender a essa finalidade também o será” (RE nº 97.718 - SP, julgado em 24.03.83, ac. unânime. Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, v. 106, p. 1132-1137, especialmente p. 1135). Essa argumentação vem reiterada nos julgamentos de diversos extraordinários nos quais se afirmou a inconstitucionalidade da Lei paulista n.6.556, de 30.11.89, que aumentou em 1% a alíquota do ICMS, com destinação específica da majoração de atender a aumento de capital da Caixa Econômica estadual, para financiamento de programa habitacional [leading case: RE nº 183.906 (Pleno, 18.9.97), publicado no DJU de 30.04.98, ementário 1908-03].
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riqueza ou serviço público) integra o fato gerador como condição de criação do tributo. Ou seja, a finalidade específica de certos tributos é relevante para o Direito Tributário, sim, para colorir ou adjetivar o fato gerador típico, como o faz todo chamado fato gerador acessório em relação ao respectivo fato gerador principal (ou típico). Nas palavras de Amílcar Falcão: O fato gerador típico (fattispecie tipica) dá lugar ao nascimento da obrigação tributária; é o pressuposto relevante para a produção desse efeito jurídico. Todavia, em algumas hipótese, tal efeito variará ou se modificará, pela presença de um fato auxiliar ou subsidiário (fato aggiuntivo), como pode ser o caso da destinação de bens em matéria de imposto de importação ou consumo, do emprego do rendimento em matéria de imposto de renda, da destinação de imóveis, edificados ou não, em matéria de impostos predial e territorial ou do imposto sobre o lucro obtido por pessoas físicas na alienação de propriedades imobiliárias etc.; é o que designamos como fato gerador complementar ou acessório.32
Vê-se, assim, que a finalidade específica de certos tributos33 os qualifica juridicamente, integrando-se aos respectivos fatos geradores principais, como fato gerador acessório. A finalidade específica afigura-se, desse modo, verdadeira condição de legitimidade concreta do tributo nas situações em que a ordem jurídica lhe designa uma função outra que não a simples arrecadação de dinheiro para custeio geral da máquina pública, mas sim à consecução de certas metas e à implementação de determinadas políticas públicas34. A destinação dos tributos pode não ser relevante para definir a sua particular natureza jurídica, mas o é, absolutamente, sim, para legitimá-los concretamente em certos casos quando a ordem jurídica se socorre deles para perseguir determinado fim (como é o caso dos tributos ambientais, extrafiscais ou especiais35).Os tributos extrafiscais têm origem constitucional36. Fundamentação jurídica da extrafiscalidade. Como se disse, a imposição tradicional (tributação fiscal) visa exclusivamente à arrecadação de recursos financeiros (fiscais) para prover ao custeio dos serviços públicos.
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Fato Gerador da Obrigação Tributária. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. p. 132. E a restituição dos empréstimos compulsórios que, segundo Amílcar Falcão, é uma forma especial de destinação específica (Natureza Jurídica do Empréstimo Compulsório. Rio de Janeiro: UERJ, 1966. edição mimeografada). Cf. Direito Tributário e Políticas Públicas, DOMINGUES, José Marcos (coord.). São Paulo: MP Editora, 2008. Cf. CALVO ORTEGA, Rafael. Curso de Derecho Financiero. v. 1, 9ª ed. Madrid: ThomsonCivitas, 2005. Derecho Tributario, parte general. Cf. FANUCCHI, Curso, op. cit., p. 56.
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Já a denominada tributação extrafiscal é aquela orientada para fins outros que não a captação de dinheiro para o Erário, tais como a redistribuição da renda e da terra, a defesa da indústria nacional, a orientação dos investimentos para setores produtivos ou mais adequados ao interesse público, a promoção do desenvolvimento regional ou setorial etc. Como instrumento indeclinável de atuação estatal37, o direito tributário pode e deve, através da extrafiscalidade, influir no comportamento dos entes econômicos, de sorte a incentivar iniciativas positivas e desestimular as nocivas ao Bem Comum. A extrafiscalidade é “a atividade financeira que o Estado exercita sem o fim precípuo de obter recursos para o seu erário, para o fisco, mas sim com vistas a ordenar ou re-ordenar a economia e as relações sociais38”. Ela é uma das tarefas fundamentais do Direito Tributário, comprometido com uma verdadeira revolução, a criação de um novo Ser Social39, que será, acrescentese, identificado com o dever fundamental de pagar tributo40. Desenvolve-se a extrafiscalidade com fundamento na lei, sendo conexa à liberdade. Daí ser a grande tarefa da tributação extrafiscal a salvaguarda da liberdade41. A extrafiscalidade, esclareça-se, não visa a impedir uma certa atividade (para isso existem as multas e as proibições), mas tem por fim condicionar a liberdade de escolha do agente econômico, através da graduação da carga tributária, em função, por exemplo, de critérios ambientais. A extrafiscalidade permite ao contribuinte alternativa de escolha42 de gravame mais ameno “ou a de nenhum gravame tributário, conforme sua
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“A evolução do papel do Estado desde um ideário liberal até uma concepção social dos poderes públicos abre caminho ao intervencionismo dos entes públicos para se alcançarem os múltiplos objetivos que assinalam os ordenamentos jurídicos, de forma especial as respectivas Constituições” (DÍAZ, Antonio López. Las Modalidades de la Fiscalidad Ambiental. In: MELLO, Celso A. B. (coord.) Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba, I - Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 27. BEZERRA FALCÃO. Tributação e Mudança Social. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 48. Para Alonso Gonzáles: “este tipo de tributo extrafiscal, quase quimicamente puro, se dá muito isoladamente. Será mais frequente encontrar fins fiscais e extrafiscais mais entrelaçados” (Los Impuestos Antonomicos de Caracter Extrafiscal. Madrid: Marcial Pons, 1995. p. 23). BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 533. NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Almedina, 1998. FALCÃO, op. cit., p. 196. Nesse sentido, a liberdade é vista como vetor da ordem econômica, entendendo-se a Economia como a “Ciência da Escolha”, nas palavras de Denize Flouzat, citadas por Oscar Dias Corrêa (O Societarismo, op. cit., p. 151). Por isso Keynes, segundo Bezerra Falcão, terá visto no intervencionismo extrafiscal a melhor salvaguarda da liberdade pessoal e da multiplicação das alternativas de vida (“É remédio para curar a doença ao mesmo tempo em que preserva a eficácia da liberdade”) (Op. cit., p. 198).
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atuação se desenvolva neste ou naquele sentido previsto em lei”43. Esta é a razão fundamental para se afastar a confusão que faz certa doutrina44 entre extrafiscalidade e tributação sancionatória45. Pareceria absurda a ideia de o Estado ensejar opção de ação lícita e depois punir a eleição de uma delas. A extrafiscalidade, esclareça-se, não visa a impedir uma certa atividade (para isso, existem as multas e as proibições), mas tem por fim condicionar a liberdade de escolha do agente econômico, através da graduação da carga tributária, em função, por exemplo, de critérios ambientais. Portanto, a tributação extrafiscal, fundada na teoria kelseniana da sanção premial, nada tem a ver com uma dita tributação punitiva (como a incidente sobre a distribuição disfarçada de lucros), que pretende “impedir diretamente um ato que a lei proíbe”, por isso mesmo caracterizada por Rubens Gomes de Sousa46 como uma penalidade e não como um vero tributo. Fato gerador – é a situação, fato ou conjunto de fatos, tipificados hipotética e genericamente em lei, que, ocorrendo na vida real, sujeita alguém ao pagamento de tributo. É, na feliz formulação de Amílcar Falcão, “o fato, conjunto de fatos ou estado de fato, a que o legislador vincula o nascimento da obrigação jurídica de pagar um tributo determinado”47, ou, na dicção do art. 114 do CTN, “a situação definida em lei como necessária e suficiente” à ocorrência da obrigação tributária. Tal é o conceito que tradicionalmente permite diferençar o tributo das demais prestações pecuniárias de natureza pública pelas suas características de coerção e independência quanto à licitude da conduta do sujeito passivo, ensejando, ademais, ontológica distinção entre as diversas espécies tributárias. Daí haver o fato gerador sido acolhido, corretamente, pelo CTN como elemento determinante da natureza jurídica dos tributos (art. 4°), e não a base de cálculo ou base imponível (perspectiva dimensível do fato gerador) como queria Alfredo Becker48. É que a base de cálculo é função e não a
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FANUCCHI, op. cit., p. 56. Cf. referências em: FIGUEIREDO, Maria Fernanda Lemos de. Uma crítica à instituição do “imposto ecológico” com base no princípio do “poluidor-pagador”. in Arché: interdisciplinar. Rio de Janeiro: Universidade Cândido Mendes, v. 9, n. 27, ano 2000, p. 133-158. Tributação sancionatória ou punitiva é expressão que traz contradição nos termos, incompatível com o conceito doutrinário de tributo e com o conceito positivado no art. 3º do CTN. Distribuição Disfarçada de Lucros. In: Imposto de Renda – Comentário 1.3. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1971, ano II, p. 299-301. Fato Gerador da Obrigação Tributária. 4ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1977. p. 26. Teoria Geral do Direito Tributário. 2ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 1972. p. 338.
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própria materialidade do tributo (Geraldo Ataliba)49; ela é objeto do fato gerador (Dino Jarach)50. Não há dúvida de que a base de cálculo deve ser a expressão econômica do fato gerador, mas ela só se legitimará se for logicamente consistente com ele. O valor maior entre ambos há de ser o fato gerador, pois ele é que dá nascimento à obrigação tributária. Falcão51 já alertava para o desvirtuamento dos tributos no caso de a base de cálculo não guardar relação de pertinência ou inerência com o fato gerador, desfigurando-os ou desnaturando-os. Em suma, havendo incompatibilidade entre eles, a lei tributária não poderá ser aplicada. Pelo critério do fato gerador, tem-se a tricotomia tradicional que classifica os tributos em impostos, taxas e contribuições de melhoria52. Pensamos que essa tricotomia é ainda o grande norte de classificação dos tributos, pois que baseada em critério tipicamente jurídico e científico, qual seja, o da situação cogitada pelo Legislador ao instituí-los e que faz surgir o dever fundamental de pagá-los. E não se vê em Doutrina, até o momento, uma abertura para se considerarem, seja o empréstimo compulsório, seja a contribuição – social, corporativa ou de intervenção no domínio econômico –, algo diverso de um imposto ou uma taxa com um fim pré-determinado53.
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Hipótese de Incidência Tributária. 3ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1984. p. 121. O Fato Imponível. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1989. p. 153-154 (trad. bras. da 3a ed. Abeledo Perrot). Op. cit., p. 137-138. Para uma análise crítica das classificações dos tributos, ver, do autor, Espécies de Tributos (op. loc. cit.), onde se formulou critério de classificação com base no princípio da capacidade contributiva. A classificação proposta é compatível com a tricotomia adotada pela Constituição Federal, parecendo que, na verdade, como se disse, ela é esclarecedora ou reveladora das próprias virtudes desta última. García Belsúnce assevera que: “[...] as preferências tributárias só se legitimam se, além de adequar-se ao princípio da capacidade contributiva, se fundamentarem na necessidade ou conveniência de atender a propósitos de interesse nacional que conduzam ao bem-estar geral” (Temas de Derecho Tributario. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1982. p. 99). Causa preocupação certa tendência legislativa de assemelhar taxas com impostos, inclusive em matéria ambiental. Parece que esse desvio deve ser combatido, sob pena de se perder a identidade científica de cada uma dessas categorias teóricas. São exemplos desse equívoco: a Taxa de Fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários, cuja base de cálculo varia em função do patrimônio líquido da empresa fiscalizada, elemento que tem a ver com a riqueza do contribuinte e não com o quantum de serviço público fiscalizatório, quando o elemento conexo a este seria o volume de títulos lançados no mercado (debêntures e ações); Taxas de Coleta de Lixo que tomam como critério de sua graduação a área do imóvel do contribuinte, quando deveriam levar em conta o número de dormitórios ou o número de ocupantes como elemento de conexão razoável à presunção de produção de rejeitos; a Taxa de Fiscalização do IBAMA e outras que seguem o seu modelo, quando levam em conta na sua medida o porte (receita) do contribuinte, elemento sem conexão com a carga de serviço a ser desenvolvido pela Fiscalização Ambiental. Embora se compreenda que, para os economistas, todos os
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No Brasil, a Emenda Constitucional n° 18, de 1965, e o Código Tributário Nacional, de 1966, adotaram a classificação tricotômica dos tributos, no que foram agora acompanhados pela Constituição Federal de 1988 (art. 145): – imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica relativa ao contribuinte (art. 16 do CTN); – taxa é a espécie tributária cujo fato gerador é o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível54, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição (art. 77); e – contribuição de melhoria é o tributo que tem por fato gerador a valorização imobiliária decorrente de obra pública, tendo, como limite total, a despesa realizada e, como limite individual, o acréscimo de valor que da obra resulta para cada imóvel beneficiado (art. 81). Capacidade contributiva. Agora, como o Estado do Direito não pode negar aos seus súditos o pleno gozo do princípio da capacidade contributiva, expressão tributária do princípio da igualdade, que permeia todas as espécies de tributos, justifica-se tomá-lo também como critério de classificação deles, tendo em vista o momento ou a intensidade de sua incidência em cada caso. Assim é porque a riqueza de cada indivíduo, “a possibilidade de cada um”, deve ser medida de sua respectiva contribuição. Parece, porém, que este dado de capacidade contributiva não se encontra completamente revelado na classificação tradicional. E, como é o princípio da capacidade contributiva que dá legitimidade e conteúdo de justiça ao tributo, quer como pressuposto, quer como critério e limite de graduação das exações tributárias, pensamos que, também em face dele, ou de sua incidência, aqueles mesmos tributos podem ser classificados de forma original e pertinente.
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tributos sejam percebidos como imposto, para o Direito a distinção entre impostos e taxas está iluminada por imperativo de Igualdade: todos que têm capacidade contributiva pagam impostos (que financiam os gastos gerais), mas as pessoas que também geram despesas específicas no Poder Público, como as inspeções ou fiscalizações, pagam também taxas (e, assim, não se locupletam às custas da coletividade). Daí que, se a base de cálculo do tributo é a expressão econômica do fato imponível ou gerador e se este, no caso da taxa, é o exercício de uma atividade administrativa, segue-se que a base de cálculo da taxa deve sempre se referir ao custo do serviço público a que corresponde. Firmou-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido da ilegitimidade das taxas de limpeza pública ou de varrição de logradouros públicos, “em benefício da população em geral e sem possibilidade de individualização dos respectivos usuários” (RE 370106 AgR / RJ, 1ª Turma, Relator Ministro Eros Grau, julgado em 26.04.2005, DJ de 13.05.2005), serviço de “caráter universal e indivisível” (AI 456900 AgR / MG, 1ª Turma, Relator Ministro Cezar Peluso, julgado em 1.02.2005, DJ de 4.3.2005).
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Pode-se vislumbrar, consequentemente, a existência de duas categorias de tributos: tributos fundados na capacidade contributiva (imposto e contribuição de melhoria) cujos fatos geradores consistem em situações denotadoras de capacidade contributiva; e tributos graduados pela capacidade contributiva (taxas), cujos fatos geradores não se consubstanciam em circunstância reveladora de capacidade contributiva. Os tributos fundados na capacidade contributiva sofrem a incidência do princípio já na própria tipificação dos seus fatos geradores, integrando-os necessariamente (vender mercadoria, ser proprietário de imóvel, obter valorização imobiliária etc.). Esta categoria, a mais exuberante do direito tributário, também se gradua por considerações de capacidade contributiva: alíquotas diferenciadas (seletividade) do IPI, progressividade do imposto de renda etc., em decorrência mesmo de ser fundada no princípio. Os tributos graduados pela capacidade contributiva têm como fato gerador um fato da administração pública – o serviço público –, e não uma manifestação de riqueza do contribuinte; sofrem a incidência do princípio apenas na quantificação da correspondente obrigação (bases de cálculo ou alíquotas variáveis em função de situações subjetivas do contribuinte, conexas com o custo dos serviços públicos, como a área do estabelecimento do contribuinte sujeito a licença de localização ou inspeção, o número de cômodos de imóvel residencial do contribuinte destinatário de coleta de lixo ou esgoto domiciliar, a sofisticação de equipamentos sujeitos a registro ou aferição etc.). A classificação, aqui reiteradamente exposta55, é compatível com a tricotomia adotada pela Constituição, parecendo que, na verdade, é esclarecedora ou reveladora das próprias virtudes desta última, nada havendo a criticar, pois, no art. 5° do Código Tributário Nacional, que repete a enumeração constitucional do art. 145 da Carta Magna.
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Cf. do Autor “Espécies de Tributos” (Revista de Direito Administrativo, op.cit., p. 46-51).
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Tributos em Espécie
Lycia Braz Moreira Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Mestre em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Professora concursada de Direito Financeiro e Tributário da Universidade Cândido Mendes. Professora do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Coordenadora dos Programas de Pós-graduação em Direito Tributário e Extensão em Direito Processual Tributário da Universidade Cândido Mendes. Professora dos Cursos de MBA em Direito Tributário da Rede Conveniada à FGV, da FGV Direito-Rio e da PUC-RJ. Membro da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB/RJ (CEAT). Advogada Responsável pelo Departamento Tributário do Law Offices Carl Kincaid – Mendes Vianna Advogados Associados (RJ).
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I. CRITÉRIOS PARA ANÁLISE JURÍDICA DO TRIBUTO E IDENTIFICAÇÃO DE SUAS ESPÉCIES
Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. A definição do conceito de “tributo” introduzida pelo artigo 3o do Código Tributário Nacional (CTN) indica um gênero que comporta diferentes espécies, cuja identificação demanda o exame das normas jurídicas tributárias em vigor, a começar pelas normas extraídas do texto da Constituição Federal. O critério para identificação das diferentes espécies tributárias não se esgota na análise da hipótese legal de incidência, como sugere o artigo 4o do Código Tributário Nacional. Embora seja de inegável acerto ao afirmar que a denominação e demais características formais adotadas pela lei são irrelevantes para qualificar a natureza específica do tributo, o referido artigo 4º deixa de considerar a base de cálculo como elemento indispensável a tal qualificação. Sendo a base de cálculo a expressão econômica da hipótese de incidência, lhe deve guardar completa harmonia. Ademais, em relação àqueles tributos cuja arrecadação tem destinação específica determinada pela Constituição, essa destinação acaba por se revelar legitimadora do exercício da competência e elemento identificador das respectivas espécies tributárias. O artigo 145 da Constituição indica três espécies de tributos: impostos, taxas e contribuições de melhoria. Mais adiante, e ainda no Capítulo do Sistema Tributário Nacional, o texto constitucional faz expressa referência ao empréstimo compulsório (art. 148) e às contribuições especiais (art. 149), sujeitando-os à observância das regras e dos princípios tributários. Também o Código Tributário Nacional, recepcionado pela Constituição como lei complementar de normas gerais em matéria tributária, indica como espécies tributárias, em seu artigo 5 o, impostos, taxas e contribuições de melhoria, mas se refere no artigo 15 à instituição de empréstimo compulsório em casos excepcionais e estabelece, no artigo 2171, que as suas disposições não excluem a incidência e a exigibilidade de outras contribuições, que indica.
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Artigo inserido pelo Decreto-lei 27/66.
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A constatação da existência de cinco espécies tributárias distintas no Sistema Tributário Nacional (impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições especiais e empréstimos compulsórios) decorre, assim, de uma análise sistemática dos dispositivos da Constituição Federal e do Código Tributário Nacional e foi encampada tanto pela doutrina majoritária quanto pelo Supremo Tribunal Federal2. É possível identificar em doutrina, contudo, classificações das espécies tributárias que levam em conta outros critérios científicos específicos. A classificação bipartite foi defendida por Alfredo Augusto Becker3 e fundamenta-se em método científico-jurídico que leva em conta o gênero jurídico especial de tributo conferido pela base de cálculo, de forma que todo e qualquer tributo pertencerá a uma das duas categorias: imposto ou taxa. Precursor da classificação tripartite das espécies tributárias, Geraldo Ataliba4 não admitia que o conceito de “tributo”, bem como de suas espécies, fosse construído senão a partir do sistema positivo, sem influência de noções ou formulações estranhas, como são as econômico-financeiras. Daí afirmar que, se o aspecto material da hipótese de incidência estivesse vinculado a uma atividade estatal específica, se estaria diante de tributo vinculado: taxa ou contribuição; se, no entanto, independesse de qualquer atividade estatal específica, se estaria diante de tributo não vinculado: imposto. Ainda que sem afastar a natureza tributária dos empréstimos compulsórios e das contribuições especiais, os seguidores de Geraldo Ataliba não admitem a sua existência como espécies autônomas, posicionando-os ora como impostos, ora como taxas, a depender do exame de sua hipótese legal de incidência e de sua vinculação ou não a uma atividade estatal específica5. A classificação quadripartite é defendida por Ricardo Lobo Torres6, que identifica como espécies tributárias: impostos, taxas, contribuições (sociais,
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Nesse sentido, RE 146.733/SP (DJ 06.11.92); RE 138.284 (DJ 28.08.1992). BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Lejus, 2002. p. 381. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6ª ed., 4ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 123-136. Note-se que o autor identifica como espécies de tributo vinculado as taxas e as contribuições (especiais), não se restringindo às contribuições de melhoria. Nesse sentido, dentre outros, cf.: CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 507; COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 443 e ss; ROSA JR., Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro & Direito Tributário. 17ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 374 e ss. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 13ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 371.
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de intervenção no domínio econômico, de interesse de categorias profissionais ou econômicas e de melhoria) e empréstimos compulsórios7. Será aqui adotada a classificação quinquipartite, identificando-se como espécies tributárias os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria, as contribuições especiais (sociais, interventivas, corporativas e de iluminação pública) e os empréstimos compulsórios, todos analisados a seguir.
II. IMPOSTOS Imposto é a espécie tributária que apresenta, na hipótese da norma de incidência, a descrição de um fato independente de qualquer atividade estatal específica relativa ao contribuinte (CTN, art. 16). Trata-se de tributo não vinculado à atuação estatal e o produto de sua arrecadação destina-se a atender despesas gerais da Administração Pública, tais como aquelas vinculadas à manutenção da estrutura administrativa, ao pagamento do funcionalismo, à execução de obras e políticas públicas, à prestação de serviços públicos etc. Justifica-se, por isso, a expressa vedação constitucional à vinculação da receita de impostos a órgão, fundo ou despesa (art. 167, IV). Porque a cobrança dos impostos prescinde de qualquer atividade específica do Poder Público em relação ao contribuinte, preocupou-se o legislador constitucional em discriminar, de forma exaustiva, as situações que podem ser erigidas como critérios materiais e quantitativos das respectivas normas impositivas. Assim é que, a cada uma das pessoas jurídicas de direito público interno, foi atribuída competência privativa para instituição dos seguintes impostos: I) pela União Federal: impostos sobre importação, exportação, renda e proventos de qualquer natureza, produtos industrializados, operações financeiras, propriedade territorial rural e grandes fortunas (CF/88, art. 153), bem como impostos extraordinários ou decorrentes do exercício de competência residual (CF/88, art. 154); II) pelos Estados e Distrito Federal, impostos sobre transmissão causa mortis e doação, operações relativas à circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação e propriedade de veículos automotores (CF/88, art. 155); e III) pelos Municípios, impostos
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A variante para essa classificação admite como espécies tributárias: impostos, taxas, contribuições de melhoria e contribuições especiais, subsumindo os empréstimos compulsórios na espécie dos impostos (impostos restituíveis). Nesse sentido, cf.: MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. v.1, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p.380.
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sobre propriedade predial e territorial urbana, transmissão inter vivos de bens imóveis e serviços de qualquer natureza (CF/88, art. 156). O fato indicado na norma de incidência do imposto pode consistir em um comportamento do contribuinte ou em uma situação jurídica na qual ele se encontre, mas deve ser, necessariamente, um fato-signo presuntivo de riqueza. Nessa qualidade, deve revelar ou fazer presumir capacidade contributiva, que é, na definição clássica de Aliomar Baleeiro8, a idoneidade econômica do indivíduo para suportar, sem sacrifício do indispensável à vida compatível com a dignidade humana, uma fração qualquer do custo total dos serviços públicos. Ainda que nem todos os impostos tenham na capacidade contributiva um critério de graduação e limite da tributação (capacidade contributiva subjetiva), todos devem tê-la como pressuposto ou fundamento (capacidade contributiva objetiva). A base de cálculo do imposto é a ordem de grandeza destinada a mensurar o fato descrito na hipótese da norma de incidência, possibilitando a quantificação do dever tributário e sua graduação proporcional à capacidade contributiva do sujeito passivo. É indispensável, portanto, que a base de cálculo guarde associação lógica e harmônica com a hipótese de incidência. Contribuinte do imposto é aquele que se encontra vinculado ao comportamento ou situação jurídica indicado na norma de incidência e, nessa qualidade, assume o respectivo dever jurídico do pagamento.
II.1. CLASSIFICAÇÃO
DOS IMPOSTOS
A maioria dos critérios de classificação dos impostos mostra-se mais importante para a Ciência das Finanças do que para o Direito Tributário. Nada obstante, vale aqui destacar os critérios mais referidos em doutrina e jurisprudência9. De acordo com a repartição de competência constitucional, os impostos podem ser classificados em federais, estaduais ou municipais, conforme seja a sua instituição e a sua cobrança, respectivamente, privativa da União, dos Estados ou do Distrito Federal e dos Municípios. Quanto à previsibilidade da entrada de recursos para os cofres públicos, o imposto pode ser ordinário ou extraordinário. O imposto ordinário integra
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BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 272. A classificação dos impostos segundo sua categoria econômica, tal como adotada pelo CTN (sobre o comércio exterior; sobre o patrimônio; sobre a renda; sobre a produção e circulação; e especiais), restou ultrapassada diante das modificações de competência levadas a efeito pela Constituição de 1988.
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de forma permanente o sistema tributário, constituindo-se em fonte ordinária, periódica e constante de recursos. Imposto extraordinário é aquele que, por não integrar de forma permanente o Sistema Tributário, se constitui em fonte eventual, esporádica e transitória de recursos. Em regra, visa a atender a uma necessidade momentânea, acidental e emergencial e deve ser suprimido tão logo cessem as causas de criação (por exemplo, imposto de guerra). No que diz respeito à sua finalidade, o imposto pode ser fiscal ou extrafiscal. Imposto com finalidade fiscal é aquele que visa a carrear recursos para os cofres do Estado para atender às suas necessidades de ordem geral. Imposto com finalidade extrafiscal é aquele utilizado pelo Estado também como instrumento de intervenção nos domínios econômico e social (por exemplo, impostos de importação e exportação, IPI e IOF). Quanto à consideração da pessoa do contribuinte, os impostos se dizem pessoais ou reais. Imposto pessoal é o que se institui levando em conta peculiaridades do contribuinte (por exemplo, IR). O imposto real é cobrado em razão da matéria tributável, abstraindo-se a pessoa do contribuinte (por exemplo, IPI, ICMS, IPTU)10. Considerando o critério da repercussão, os impostos podem ser diretos ou indiretos. Imposto direto é aquele que, por sua natureza, não comporta a transferência da carga tributária do contribuinte obrigado por lei ao seu pagamento (contribuinte de direito) para outrem (contribuinte de fato). Imposto indireto é aquele que se presta à repercussão, podendo o ônus tributário ser transferido pelo contribuinte de direito para o contribuinte de fato, que o suportará, em definitivo e ao final do processo econômico de circulação de riquezas. São impostos indiretos o IPI e o ICMS, sendo diretos os demais11. Tomando como base o índice de medida da carga tributária, os impostos podem ser fixos, proporcionais ou progressivos. Imposto fixo é aquele expresso em determinada quantidade de dinheiro, não exigindo qualquer cálculo para a sua determinação (por exemplo, ISSQN devido pelo profissional liberal). Imposto proporcional é aquele cuja alíquota corresponde a um percentual fixo aplicável
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A edição do Enunciado nº 539 da Súmula da Jurisprudência Dominante do STF pareceu desencadear um movimento de personalização do IPTU ao afirmar ser constitucional a lei do Município que reduz o imposto sobre imóvel ocupado pela residência do proprietário que não possua outro. No entanto, o caráter real desse imposto acabou sendo reafirmado quando do afastamento da progressividade fiscal de suas alíquotas pelo Supremo Tribunal Federal (RE 153.771). Esse critério de classificação não é restrito aos impostos, cabendo falar também de tributo direto, como reconheceu o STJ em relação à contribuição previdenciária. Cf. 1a Seção, EREsp 103186/CE, Rel. Min. José Delgado, DJ 26.10.98.
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sobre uma base de cálculo variável (por exemplo, imposto de transmissão). Imposto progressivo é aquele cuja alíquota é variável e aplica-se sobre uma base também variável (por exemplo, imposto de renda pessoa física).
III. TAXAS Taxa é a espécie tributária que apresenta, na hipótese da norma de incidência, a descrição de um fato revelador de uma atividade estatal, direta e especificamente dirigida ao contribuinte, consistente no exercício regular do poder de polícia ou na utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição (CF/88, art. 145, II e CTN, art. 77). Trata-se, portanto, de tributo vinculado a uma atividade estatal, a qual condiciona e legitima a exação. A instituição de taxas é de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e pressupõe a atribuição administrativa para exercer o poder de polícia ou prestar o serviço público, segundo as competências definidas na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados, nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios e na legislação com elas compatível (CF/88, art. 145, II e CTN, arts. 77 e 80)12. Nota característica das taxas é a referibilidade, que exige que a sua cobrança seja direcionada apenas ao indivíduo ou grupo de indivíduos diretamente afetados pela atuação estatal. Por outro lado, não é essencial para a instituição e cobrança das taxas que o contribuinte tire vantagem ou proveito individual, notadamente quando exigidas em decorrência da mera colocação de serviço à disposição do contribuinte, sem que este, necessariamente, o usufrua. Justo por isso é de se relativizar a obrigatoriedade de subordinação dessas espécies tributárias ao princípio do custo/benefício. Pelo mesmo motivo, o caráter contraprestacional pode motivar, no plano pré-jurídico, a instituição da taxa, mas não a sua cobrança13. Contribuinte da taxa será a pessoa que provoca a atuação estatal caracterizada pelo exercício do poder de polícia, ou a quem seja prestado ou colocado à disposição o serviço público específico e divisível.
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O fato de um ente político assumir, contratualmente, a responsabilidade pelo custeio dos serviços prestados por outro ente não o autoriza a instituir taxa para obter os recursos correspondentes. Nesse sentido, cf. RESP 61.604/SP, STJ, 2a Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 30.03.98. Nesse sentido, cf.: MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 8ª ed. p. 321-322. Em sentido contrário, identificando na taxa um caráter contraprestacional e comutativo, Ricardo Lobo Torres. p. 402. Luiz Emygdio p. 399-401, Baleeiro, Direito tributário p. 540.
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Sendo expressão econômica da hipótese de incidência, a base de cálculo da taxa deve guardar relação de proporcionalidade com o custo da atividade estatal, no que se costuma denominar de princípio da retribuição ou remuneração14, ou ainda retributividade15. Não se cogita de aferição matemática direta do custo de cada atuação estatal, tampouco se pode exigir do legislador mais do que equivalência razoável entre o custo real dos serviços e o montante a que pode ser compelido o contribuinte a pagar, sem o que a taxa se desvirtua em imposto, com a finalidade pura e simples de acudir a necessidades gerais de caixa do Erário16. A base de cálculo possível da taxa de serviço é, então, o custo, ainda que aproximado, do serviço público prestado ou posto à disposição do contribuinte, ao passo que a base possível da taxa de polícia deve levar em conta o custo das diligências necessárias à prática do ato de polícia. Não se vincula a taxa à existência de capacidade contributiva, atributo do contribuinte e não da atividade estatal17. A sua instituição, porém, deve respeitar o sobreprincípio da dignidade da pessoa humana e os limites impostos pelos princípios do mínimo existencial, do não confisco, da proporcionalidade e da razoabilidade. Também não se admite que a cobrança de taxas, ou de qualquer outro tributo, restrinja excessivamente um direito fundamental, a ponto de inviabilizar o seu exercício. Foi o que reconheceu o Supremo Tribunal Federal ao afirmar que a taxa judiciária e as custas ad valorem devem ser proporcionais ao custo da atividade estatal e sujeitas a um limite, sob pena de afrontar a garantia constitucional de acesso à jurisdição18. As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos (CF/88, art. 145, § 2º e CTN, art. 77, § único), justamente porque lhe são irrelevantes índices de capacidade contributiva do contribuinte, que não servem para medir o exercício do poder de polícia ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos. Por ostentarem base de cálculo própria de imposto, foram declaradas inconstitucionais pelo Supremo a taxa judiciária que tinha como base de
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Cf. ATALIBA, Geraldo. Sistema Tributário na Constituição de 1988. RDT 51/140. Cf. CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 531. Nesse sentido, cf.: ATALIBA, Geraldo. Considerações em torno da teoria jurídica da taxa. Revista de direito público, n. 09, São Paulo, RT, p.43-54, jul-set/69, p. 48. Cf. Rp 1077/RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 28.09.84. Em sentido contrário, afirmando estarem as taxas subordinadas ao princípio da capacidade contributiva: Luiz Emygdio, p. 401-402. Cf. Rp 1077/RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 28.09.84. No mesmo sentido, ADI 948/GO, ADI-MC 1926/PE.
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cálculo o valor do monte-mor que contenha bens imóveis e que é também base do imposto de transmissão 19 , bem como a taxa de construção, conservação e melhoramento de estrada de rodagem que tinha base de cálculo dissociada da remuneração estatal pela prestação de serviço público específico e divisível20. Não se confunde com a adoção de base de cálculo de imposto a utilização de elementos que são próprios a essa espécie tributária. Embora em acórdãos mais antigos do Supremo Tribunal Federal seja possível identificar taxas declaradas inconstitucionais por terem como base de cálculo um elemento tido por componente da base do IPTU (por exemplo, taxa de limpeza pública e conservação de ruas e logradouros públicos, que levava em conta a área do imóvel e a extensão deste no seu limite com o logradouro público21), acórdãos mais recentes reconheceram como legítimas: a taxa de coleta de lixo que toma em conta a metragem da área construída do imóvel, um dos elementos utilizados na fixação da base de cálculo do IPTU22; a taxa de fiscalização da CVM, que varia em função do patrimônio líquido da empresa, sem que dito patrimônio seja a sua base de cálculo23; a taxa de fiscalização de obras, calculada em razão da extensão da obra, mas sem identidade com a base de cálculo do IPTU24; e a taxa florestal, que tem por base de cálculo o custo estimado da atividade estatal25. Diferentemente do que ocorre com os impostos (CF/88, art. 167, IV), o produto da arrecadação das taxas pode ser destinado a órgão, fundo ou despesa. Assim, foi reconhecida como legítima pelo Supremo Tribunal Federal a destinação do produto da arrecadação de custas judiciais ao Poder Judiciário, com afetação dos recursos a despesas de capital, investimento e treinamento de pessoal da Justiça26, bem como a destinação da arrecadação da taxa estadual sobre atividades notariais e de registro ao Fundo Especial da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro27. Inadmissível, porém, é a vinculação do produto
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Cf. ADI 2040/PR, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 25.02.00. No mesmo sentido, ADI 2653/MT. Cf. RE 121.617/SP, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 06.10.00. Cf. RE 204.827/SP, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 25.04.97. Cf. RE 232.393/SP, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 05.04.02. Cf. RE 177.835/PE, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 25.05.01. Cf. RE 214.569/MG, STF, 1 a Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 13.08.99. Cf. RE 228.332/MG, STF, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 26.10.01. Cf. ADI-MC 1926/PE, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 10.09.99. Cf. ADI 3643/RJ. Tribunal Pleno. Relator Min. Carlos Britto. DJ 16.02.07.
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da arrecadação de taxas, ou de partes deste, a instituições privadas, entidades de classe e Caixa de Assistência dos Advogados28.
III.1. TAXAS DE POLÍCIA A organização social brasileira é inspirada em preceitos liberais, garantidos o direito de propriedade, a liberdade de atividade econômica e a livre iniciativa, e prevalecendo a premissa de que ao particular tudo é permitido, ressalvado o que é proibido por lei. Inexistindo, porém, direitos individuais absolutos, admite-se que a Administração Pública, com base no poder de polícia, condicione ou limite o exercício de certos direitos, com vistas à proteção do bem comum e do interesse coletivo. Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos (CTN, art. 78, caput). É, na tradicional definição de Hely Lopes Meirelles29, a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. O exercício do poder de polícia dá-se, precipuamente, por meio de normas limitadoras e sancionadoras de condutas que possam afetar a coletividade, bem como pela fiscalização das atividades e bens sujeitos ao controle da Administração. Não é qualquer ato de polícia, porém, que se sujeita à tributação por meio de taxa. Exige-se efetivo e regular exercício do poder de polícia, assim considerado aquele desempenhado pelo órgão competente, nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder (CTN, art. 78, § único). Embora a atuação estatal que enseja a cobrança de taxa de polícia não vise ao interesse do contribuinte, isoladamente, mas ao interesse da coletividade, a exação só se legitima se exigida da pessoa que é alcançada por um ato de polícia de efeitos
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Cf. ADI 2982/CE, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 12.11.04. No mesmo sentido, RP 1139, ADI 1378, ADI 1.145. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 127.
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individuais (ato individualizável)30. Contribuinte da taxa de polícia, então, é aquele que provoca a atuação fiscalizadora do Estado. Isso não quer significar, todavia, que a taxa de polícia fique restrita aos contribuintes cujos estabelecimentos sejam efetivamente visitados pela fiscalização; para a sua cobrança, é suficiente a manutenção, pelo sujeito ativo, de órgão de controle em funcionamento31. São exemplos de atuações estatais que ensejam cobrança de taxas de polícia: fiscalização dos mercados de títulos e valores mobiliários (taxa da CVM); controle e fiscalização ambiental; licenciamento de veículos automotores; licença para localização, instalação e funcionamento de estabelecimentos comerciais e similares32.
III.2. TAXAS DE SERVIÇO A lei pode estabelecer como hipótese de incidência de taxa a utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição (CF/88, art. 145, II e CTN, art. 77). Serviço público é o conjunto de ações do Estado por ele diretamente empreendidas ou desempenhadas por particular mediante autorização, permissão, concessão ou delegação (CF/88, arts. 37 e 175). No conceito amplo de Hely Lopes Meirelles33, serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado. Nem todos os serviços públicos são remunerados por taxas. Quando tidos por próprios e gerais, sem possibilidade de identificação dos destinatários, os serviços são financiados pela receita tributária geral e prestados pelo próprio Estado, tais como segurança pública, saúde, educação etc.
III.2.A. SERVIÇO PÚBLICO DE UTILIZAÇÃO EFETIVA OU POTENCIAL A lei pode definir como hipótese de incidência de taxa a utilização efetiva ou potencial de serviço público (CTN, art. 79, I). Ocorre a utilização efetiva
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Nesse sentido: COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: Sistema Tributário. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 45. Cf. inter plures, RE 116.518 e RE 230.973. Cf. RE 276.564/SP, STF, 1a Turma, Rel, Min. Ilmar Galvão, DJ 02.02.01. Superada jurisprudência antiga do STJ, consubstanciada no Enunciado 157 da Súmula da Jurisprudência Dominante (cancelado), que somente admitia a cobrança da taxa para obtenção de licença de instalação de estabelecimento, mas não para renovação dessa licença. MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. p. 319.
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quando o serviço é usufruído pelo indivíduo, como no caso da prestação jurisdicional que enseja a cobrança de taxa judiciária. Dá-se a utilização potencial do serviço quando, sendo de utilização compulsória, seja posto à disposição do contribuinte mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento. É o caso dos serviços de prevenção e combate a incêndios e de limpeza urbana, que ensejam, respectivamente, a cobrança de taxa de incêndio e de taxa de coleta de lixo. A taxa decorrente da utilização efetiva de um serviço público não gera maiores controvérsias. Já a taxa que decorre da utilização potencial merece alguns esclarecimentos, notadamente para buscar identificar o exato sentido e alcance da expressão “serviços de utilização compulsória” a que se refere o art. 79, I, “b”, do CTN. De início, cabe ressaltar que “potencial” pode ser a utilização do serviço pelo indivíduo, não a prestação pelo Estado. Por isso que, colocado o serviço à disposição do indivíduo mediante atividade administrativa em funcionamento, devida é a taxa. A obrigatoriedade da utilização de um serviço é ditada por um valor ou interesse público prestigiado pela Constituição, como no caso dos serviços de vacinação, coleta domiciliar de lixo e esgoto, ligados ao valor “saúde pública” e de cuja não utilização pode decorrer prejuízo à coletividade. A compulsoriedade do pagamento da taxa visa, por um lado, a evitar que o cidadão se furte ao consumo de serviço essencial e, por outro, permitir o rateio do custo do serviço entre todos os beneficiários34.
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Na interpretação de Rubens Gomes de Sousa, serviços de utilização compulsória são aqueles em relação aos quais a abstenção ou omissão do contribuinte configuraria infração de norma imperativa. (Sousa, Rubens Gomes de. RDP n. 21, p. 311). Para Hugo de Brito Machado, a compulsoriedade da utilização do serviço público traduz-se pela impossibilidade jurídica do atendimento da respectiva necessidade por outros meios, ou pela cobrança da remuneração pela simples utilização potencial do serviço. (MACHADO, Hugo de Brito. Taxa e Preço Público. In: Caderno de Pesquisas Tributárias, n. 10, p. 144-145. Para Ricardo Lobo Torres, a compulsoriedade do uso há que se restringir ao serviço público essencial de utilização obrigatória, sendo uma consequência da essencialidade, e não uma premissa para a construção do conceito de “serviço público”. (Op. cit., p. 403). Estamos com Luciano Amaro quando afirma que a tributabilidade da fruição potencial nada tem que ver com a obrigatoriedade de utilização do serviço, nem com o descumprimento da obrigação legal que imponha essa utilização. De acordo com a previsão constitucional, a taxa será devida por estar o serviço à disposição; se a não-utilização do serviço implicar infração de norma cogente, o indivíduo, além do tributo, sujeitar-se-á à sanção pertinente. Exemplo dado pelo autor é o de uma legislação que proíba os indivíduos de lançarem o esgoto em fossas, obrigando-os a utilizar o serviço público de coleta de esgoto. A taxa será cobrada de todos, ainda que alguns não utilizem efetivamente o serviço; mas aqueles que, pagando ou não a taxa, lançaram esgoto no quintal ou na rua, arcarão, além da taxa, com eventual sanção administrativa prevista na lei.
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III.2.B. SERVIÇO PÚBLICO ESPECÍFICO E DIVISÍVEL O serviço público remunerado pela taxa tem que ser, concomitantemente, específico e divisível. Específico é o serviço público que acarreta vantagem ao indivíduo ou grupo de indivíduos, considerados isoladamente (uti singuli), podendo ser destacado em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade públicas (CTN, art. 79, II). Opõe-se ao serviço público genérico, cujo benefício se dilui por toda a coletividade (uti universi), como é o caso dos serviços de segurança pública, saúde pública, defesa nacional. Serviço público divisível é aquele suscetível de utilização, separadamente, por parte de cada um dos usuários (CTN, art. 79, III). Contrapõe-se ao serviço público indivisível, cuja utilização não pode ser mensurada por cada usuário, como é o caso da iluminação pública. Forte nos conceitos de “especificidade” e “divisibilidade”, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade da taxa de iluminação pública, por ter como “fato gerador serviço inespecífico, não mensurável, indivisível e insuscetível de ser referido a determinado contribuinte, a ser custeado por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais”35, e também da taxa de limpeza pública, que pretendia remunerar serviços “executados em benefício da população em geral (uti universi), sem possibilidade de individualização dos respectivos usuários e, consequentemente, da referibilidade a contribuintes determinados”36. Constitucional, por outro lado, é a taxa de coleta de lixo domiciliar, desde que não vinculada à prestação de outros serviços de caráter universal e indivisível, como a limpeza de logradouros públicos, varrição de vias públicas, limpeza de bueiros, de bocas de lobo e de galerias de águas fluviais, capina periódica e outros37.
III.3. TAXA E PREÇO PÚBLICO A remuneração não é característica intrínseca dos serviços públicos ou do poder de polícia. Ainda quando se trate de serviço de utilização compulsória, a remuneração pode não ser cobrada, como no serviço de vacinação. Também não é possível identificar, em relação a todos os atos de polícia praticados, a cobrança da respectiva remuneração, havendo atos graciosos, como aqueles
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STF, Tribunal Pleno, RE 233.332/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 14.05.1999. STF, Tribunal Pleno, RE 206.777/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 30.04.99. No mesmo sentido, RE 249.070-9, AI-AgR 245539/RJ. STF, RREE 245.539/RJ e 361.437/MG.
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que envolvem fiscalização sanitária. Por outro lado, quando busca se remunerar pelos serviços prestados ou pelos atos de polícia praticados, pode o Estado fazê-lo via taxa ou preço público. Algumas diferenças entre taxa e preço podem ser facilmente identificadas. Não se discute, por exemplo, que taxa é tributo e envolve relação administrativa de Direito Público, ao passo que preço é prestação de natureza contratual, regida pelas normas de Direito Privado. O desafio reside em estabelecer um critério jurídico que determine quando o serviço público deve ser remunerado por taxa e quando deve sê-lo por preço público. O Supremo Tribunal Federal38 pretendeu estabelecer como critério jurídico de diferenciação a compulsoriedade, afirmando que as taxas, diferentemente dos preços, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária em relação à lei que as instituiu. Esse critério de diferenciação restou superado na medida em que se identifica a compulsoriedade também no serviço remunerado pelo preço público. Também o critério da essencialidade do serviço prestado restou superado quando serviços essenciais, como fornecimento de água, telefone e energia elétrica, começaram a ser prestados não só pela Administração Pública, como também por empresas privadas, concessionárias do serviço público. Ainda que prestado por empresa privada, remunerado por tarifa e com utilização regida pelo Código de Defesa do Consumidor, o serviço não perde a sua qualidade de essencial. A dificuldade em estabelecer-se um critério jurídico para diferenciação de taxa e preço público pode ser evidenciada na jurisprudência, especialmente em julgados em que se discute a natureza da remuneração do serviço de abastecimento de água e esgoto. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ainda quando vigente a Constituição anterior, firmou-se no sentido de que não se trata de tributo, mas de tarifa ou preço público39. Já o Superior Tribunal de Justiça sempre afirmou que a cobrança, ainda que feita por concessionárias, tem natureza jurídica de taxa, atraindo a aplicação dos princípios constitucionais tributários, como a legalidade, bem como as normas dispostas no Código Tributário Nacional40 . Recentemente o Tribunal Superior encampou o entendimento sedimentado no STF e reviu sua jurisprudência, passando a
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Enunciado 545 da Súmula da Jurisprudência Dominante. STF – ED no RE 447536/SC – DJ 26/08/2005. STJ – 2a Turma – RESP 911.000/RS – Rel. Min. Castro Meira – DJE 11/03/2008; STJ – 1a Turma - RESP 802559/MS – Rel. Min. Luiz Fux – DJ 12/11/07.
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afirmar a natureza de tarifa ou preço público da cobrança, seja o serviço prestado diretamente pelo Estado ou por empresa privada concessionária41. Existe ainda o critério que identifica a remuneração do serviço por taxa ou preço público segundo se trate de serviço propriamente estatal, serviço essencial ao interesse público ou serviço não essencial ao serviço público42. Os serviços propriamente estatais são aqueles ínsitos à soberania, indelegáveis e passíveis de utilização ou não pelo particular, como o serviço judiciário e a emissão de passaporte. Esses serviços só podem ser remunerados por taxa e a cobrança não prescinde da utilização efetiva do serviço. Os serviços essenciais ao interesse público são aqueles de utilização obrigatória, sob pena de prejuízo à coletividade, por exemplo, os serviços de coleta de lixo e esgoto, distribuição de água, sepultamento e combate a incêndio. Tais serviços podem ser remunerados por taxa, pela utilização efetiva ou potencial, ou por preço público. Já os serviços não essenciais ao interesse público, de cuja não utilização não decorra dano ou prejuízo à coletividade, como correios e telégrafos, telefonia, distribuição de energia elétrica e de gás, podem ser remunerados por taxa, pela utilização efetiva, ou por preço público. São exemplos de preços: ingressos para utilização de bens públicos, tais como bilhetes de metrô, trens, ônibus, barcas ou ingressos para parques, museus, zoológicos etc. São públicos se cobrados pelo Estado, como nos preços cobrados pela exploração de recursos minerais; privados se cobrados por particulares, concessionários de serviços públicos.
III.4. TAXA E PEDÁGIO O artigo 150, inciso V, da Constituição veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização das vias conservadas pelo Poder Público. O preceito comporta duas leituras. Na primeira, lê-se que são proibidos tributos que embaracem o tráfego de pessoas e bens, exceto o tributo denominado pedágio. Na segunda, lê-se que são proibidos tributos que embaracem o tráfego de pessoas e bens, ressalvado o pedágio, que não é tributo. Para a parte da doutrina que defende ter o pedágio natureza tributária, o mesmo remunera o serviço público de conservação das rodovias, tendo natureza
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STJ – 2a Turma – RESP 887389/RJ – Rel. Min. Eliana Calmon – DJe 12/08/08. Nesse sentido, ROSA JR., Luiz Emygdio F. da, op. cit., p. 406. Também STF, RE nº 89.876-RJ, Rel. Ministro Moreira Alves (RTJ 98/230).
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de taxa de serviço e sendo cobrável de quem efetivamente utiliza a rodovia conservada pelo Poder Público 43 . É possível encontrar, nesse sentido, manifestações do Supremo Tribunal Federal, fundamentadas especialmente no fato de a cobrança do pedágio estar ressalvada como limitação constitucional ao poder de tributar44. Para outra parte da doutrina, o pedágio apresenta nítido caráter de preço, obrigação ex voluntate, podendo ser público ou privado, como no caso de conservação e exploração de vias expressas concedidas a empresas privadas45. Considerando a natureza dos serviços remunerados por pedágio segundo o critério jurídico referido no tópico acima (serviços não essenciais ao interesse público), é de se reconhecer ao pedágio a natureza de preço público, se cobrado pelo Estado, ou preço privado, se cobrado por concessionárias. Não se cobra pedágio pela mera disponibilidade das vias trafegáveis, mas pelo uso da via, seja pública ou concedida a particular.
IV. CONTRIBUIÇÕES
DE MELHORIA
Contribuição de melhoria é a espécie tributária que tem por hipótese de incidência valorização imobiliária decorrente de obra pública (CTN, art. 81). Trata-se de tributo vinculado a uma atuação estatal, indireta ou mediatamente referida ao contribuinte, fundamentado no princípio do não enriquecimento sem causa46. A norma que institui a contribuição de melhoria traz em sua hipótese de incidência o binômio: realização de obra pública + valorização imobiliária decorrente da obra pública. Não basta a realização da obra, sendo necessário que, em decorrência dela, se verifique valorização dos imóveis que lhe são vizinhos; da mesma forma, não é qualquer valorização imobiliária que pode acarretar a exigência de contribuição de melhoria, mas tão somente aquela decorrente da específica obra pública. Tudo a denotar uma imprescindível relação de causalidade.
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Nesse sentido, cf.: CARRAZA, Roque Antonio. Op. cit., p. 522-523; 537-538; DERZI, Misabel. Direito tributário, Op. cit., p.549. STF, RE 181475/RS, 2a Turma, Min. Carlos Velloso, DJ 25.06.99. Nesse sentido, cf.: OLIVEIRA, José Jayme de Macêdo. Estudo Programado de Direito Tributário. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002. p. 104-105. As contribuições de melhoria têm dois pontos expressivos de distinção em relação às taxas: pressupõem uma obra e não um serviço público, e dependem de um fator intermediário, que é a valorização do bem imóvel. Daí dizer-se que a contribuição de melhoria é um tributo vinculado a uma atuação estatal, porém indiretamente referido ao contribuinte.
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Trata-se de tributo decorrente da competência comum, podendo ser instituído pelo ente federativo que realizar a obra da qual decorra a valorização imobiliária ou mesmo concomitantemente por mais de um ente, desde que tenham participado na execução da obra e respeitado o campo de sua competência material específica. Cada obra pública possibilita uma única incidência de contribuição de melhoria de cada proprietário de imóvel por ela valorizado, não se tratando de tributo renovável periodicamente. Nada obstante, remanesce a competência municipal para rever o valor venal do imóvel, base de cálculo do IPTU, de forma a contemplar a valorização ocorrida. A contribuição de melhoria ganhou estatura constitucional no texto de 1934, ausentou-se da Carta de 1937 e retornou nas Constituições de 1946 e 1967. O texto dessa última previa dois limites para o montante do tributo (art. 18, II): um limite total (custo da obra realizada) e outro limite individual (acréscimo de valorização experimentado pelo imóvel do contribuinte). A Emenda Constitucional nº 23, de 1o de dezembro de 1983, modificou a redação do dispositivo, fixando apenas o limite global, e a Constituição de 1988 sequer fez referência aos limites para a exação. Contudo, a ausência de referência expressa no texto da Constituição de 88 aos limites total e individual para a cobrança de contribuição de melhoria não os afasta. Primeiro, porque tais limites encontram-se previstos tanto no art. 81 do CTN quanto no art. 3º do Decreto-lei nº 195/67, ambos recepcionados pela nova ordem constitucional. Depois, porque não cabe ao Estado receber mais do que representou o custo da obra, sob pena de cobrar tributo outro que não contribuição de melhoria, tal como no exercício de competência residual. Terceiro, porque ninguém pode ser compelido a recolher, a título de contribuição de melhoria, quantia superior à vantagem que sobreveio ao imóvel, sob pena de afronta ao princípio da capacidade contributiva. Somente a consideração dos limites total e individual pode resolver situações como aquelas em que a obra tenha tido um custo pequeno e causado grande valorização, ou tenha custado muito e causado diminuta valorização47.
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Valdir de Oliveira Rocha . deteminação do montante do tributo. 2a ed. Dialética, 1995, p. 144145. Carraza, p. 547-548. Hugo de Brito. RDDT 21:60. Geraldo Ataliba, Aires Barreto e Carraza entendem estar extinto o limite total, permanecendo na Constituição apenas o limite individual. Para Hugo de Brito e Ives Gandra, os limites permanecem implícitos e a cobrança acima deles representa imposto de competência residual.
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Constitui requisito para a cobrança de contribuição de melhoria a publicação de edital contendo: delimitação das áreas direta e indiretamente beneficiadas e a relação dos imóveis nelas compreendidos; memorial descritivo do projeto; orçamento total ou parcial do custo das obras e determinação da parcela do custo das obras a ser ressarcida pela contribuição, com o correspondente plano de rateio entre os imóveis beneficiados (art. 5o, DL 195/97). Exige-se que a publicação do edital seja anterior à cobrança, mas não necessariamente à obra48, sendo certo que tão só o edital não assegura o direito à cobrança da contribuição de melhoria, cuja hipótese de incidência somente se materializa com a efetiva valorização imobiliária. Nem toda obra pública da qual decorra valorização imobiliária pode ensejar a cobrança de contribuição de melhoria. Obras que impliquem simplesmente um serviço de manutenção ou conservação, por exemplo, recapeamento asfáltico, não ensejam cobrança de contribuição de melhoria49. Por fim, há hipóteses em que a obra pública, longe de provocar a valorização dos imóveis adjacentes, deprecia-nos. Não se cogita, nesse caso, de contribuição de melhoria, mas de direito subjetivo do proprietário do imóvel desvalorizado ao recebimento de indenização pelo dano sofrido.
V. CONTRIBUIÇÕES
ESPECIAIS
Caracterizam-se as contribuições especiais por serem afetadas a fins prédeterminados constitucionalmente, sendo o produto de sua arrecadação vinculado a órgãos e finalidades específicas. Têm por hipótese de incidência uma atuação indireta do Poder Público, mediatamente referida ao sujeito passivo da obrigação tributária50, e fundamentam-se no princípio da solidariedade. Na vigência da Emenda Constitucional nº 08/77, que transferiu a contribuição social do bojo do Sistema Tributário para o capítulo que versava sobre competência legislativa da União, o Supremo Tribunal Federal considerou que o ingresso havia perdido a natureza tributária para exibir as características de contribuição parafiscal. A Constituição de 1988, porém, submeteu
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O art. 82 do CTN foi revogado pelo art. 5o do DL 195/67. Tal revogação foi possível porque, à época, as normas gerais de direito tributário ainda não tinham o status de lei complementar, o que somente foi determinado pela EC 1/69. Cf. RE 115863/SP, STF, 2a Turma, Rel. Ministro Célio Borja, DJ 08.05.92. No mesmo sentido, RE 116148/SP. Como sinalizado anteriormente, para divisão tripartite, a natureza específica das contribuições pode ser de taxa ou imposto, a depender da análise de sua hipótese de incidência.
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expressamente as contribuições ao regime tributário, determinando que se lhes aplicassem os princípios constitucionais e as normas gerais em matéria tributária. Traço identificador das contribuições é a parafiscalidade, fenômeno jurídico consistente na atribuição pela lei de um sujeito ativo diverso da pessoa jurídica de direito público interno detentora da competência impositiva, o qual, além das atribuições de arrecadar e fiscalizar o tributo, passa a ter disponibilidade sobre os valores arrecadados. Poderão ser sujeitos ativos de tributos parafiscais as pessoas jurídicas de direito publico, com ou sem personalidade política, e as entidades paraestatais, que são pessoas jurídicas de direito privado que desenvolvem atividades de interesse publico. Não poderão sê-lo pessoas jurídicas de direito privado, às quais, contudo, podem ser delegadas as atribuições de arrecadar e fiscalizar o tributo, previstas no artigo 7o do Código Tributário Nacional. A instituição dos tributos ditos parafiscais não se volta apenas para obtenção de receita, mas também para regulação ou modificação da distribuição da riqueza nacional, para equilibrar os níveis de preços de utilidades ou salários, bem como para outras finalidades econômicas ou sociais relevantes. A competência para instituição de contribuições especiais é privativa da União, ressalvada a contribuição para custeio de sistemas de previdência e assistência social dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como a contribuição de iluminação pública, de competência privativa dos Municípios. Por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 138.284/CE, Relator Ministro Carlos Velloso, DJ 28.08.92 – no qual se discutiu a constitucionalidade da contribuição social sobre o lucro líquido, instituída pela Lei nº 7.689/88 –, o Supremo Tribunal Federal, além de estabelecer um critério de classificação para as contribuições especiais, assentou uma premissa importante em relação a tais espécies tributárias. As contribuições cujos critérios materiais são indicados no texto constitucional não exigem, para o específico efeito de sua instituição, a edição de nova lei complementar, tampouco é exigida lei complementar para definição dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. Ainda que sujeitas às normas gerais contidas na lei complementar a que refere o artigo 146, III da Constituição, isso não quer dizer que deverão ser instituídas por lei complementar51. As subespécies de contribuição serão a seguir analisadas.
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STF, Pleno, RE 138284/CE, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 28/08/92. No mesmo sentido, RREE 146.733, 150.755, 150.764, ADC 1.
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V.1. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS Contribuição social é o tributo destinado a financiar a atuação do Estado voltada à afirmação do primado do trabalho e aos objetivos do bem-estar e da justiça social. A prestação estatal é entregue uti universi e abrange a Seguridade Social (previdência, assistência e saúde), educação e auxílio no desemprego. A materialidade das contribuições sociais é situação inerente ao contribuinte. Em alguns casos, há o desenvolvimento de uma atividade ou contraprestação estatal, mas essa é acidental e não essencial, pode ou não ocorrer. Da mesma forma, os destinatários da atuação estatal podem ser ou não os próprios contribuintes. Impera no âmbito das contribuições sociais o princípio da solidariedade em relação aos demais integrantes do grupo social ou econômico. Dentre as contribuições sociais, destacam-se as Contribuições para a Seguridade Social. Define-se Seguridade Social como o conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (CF/88, art. 194). Seu custeio pode dar-se de forma direta ou indireta: custeio direto, com recursos provenientes da arrecadação das contribuições, sejam aquelas pagas pelos empregadores ou pelos trabalhadores; ao passo que custeio indireto, com recursos provenientes dos orçamentos dos entes federativos. A competência para legislar sobre Seguridade Social é exclusiva da União Federal (CF, art. 22, XXIII)52. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem legislar concorrentemente, de forma cumulativa com a União, sobre previdência social e assistência social (CF, art. 24, XII e XIV) e instituir contribuição de previdência e assistência social, mas somente para custeio de sistemas próprios de previdência e assistência de seus servidores (CF, art. 149). Admite a Constituição que sejam criadas novas fontes de custeio da Seguridade Social, desde que a instituição de nova exação tributária obedeça às regras para o exercício da competência residual, bem como se atenda à obrigatoriedade de entregar aos Estados e ao Distrito Federal 25% do produto de sua arrecadação (CF/88, art. 157, II). Como traço distintivo em relação às demais espécies tributárias, tem-se que as Contribuições para a Seguridade Social não se submetem ao princípio da anterioridade genérica (CF, art. 150, III, “a”), mas à anterioridade nonagesimal
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Sobre o tema, Lei nº 8.212/91 e Decreto nº 3.048/99.
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ou noventena (CF/88, art. 195, § 6º), o que permite, em alguns casos, a sua cobrança no mesmo exercício financeiro em que instituída ou majorada. São contribuições que custeiam a Seguridade Social, referidas no artigo 195 da Constituição: (i) do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) o faturamento ou a receita; e c) o lucro; (ii) do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo RGPS; (iii) sobre a receita do concurso de prognósticos; (iv) do importador de bens e serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar (introduzida pela EC 42/03); (v) outras contribuições com base na competência residual (CF, art. 195, § 4o). Os recursos arrecadados com as contribuições são destinados genericamente ao orçamento da Seguridade Social. São exceções, por conta da destinação específica: (i) as contribuições sobre a folha de salários e as contribuições dos segurados (ditas contribuições previdenciárias), destinadas exclusivamente ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social, vinculado ao Ministério da Previdência e Assistência Social, com a finalidade de prover recursos para o pagamento dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social; e (ii) a extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), destinada inicialmente à saúde, e após com parte da receita destinada ao custeio da Previdência Social e outra parte destinada ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. O fato de a receita da arrecadação de uma contribuição para a Seguridade Social integrar o orçamento da União Federal, ao invés do orçamento da própria Seguridade, é irrelevante para fins de definição da sua natureza jurídica, pois o que importa é a destinação da receita. É dizer, ainda que arrecadada por órgão da Administração Direta, que a contribuição não se descaracteriza como contribuição para a Seguridade Social, pois o que importa não é quem arrecada, mas a destinação do produto da arrecadação. Nada impede o aproveitamento da infraestrutura do órgão da Administração Direta para fiscalizar e arrecadar a contribuição, sem que isso implique presunção de tredestinação do produto arrecadado. Foi nesse sentido o entendimento pacificado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 138284/CE. Ainda em relação às contribuições para a Seguridade Social, a Constituição permite a existência de alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão
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da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-obra para as contribuições devidas pela empresa, pelo empregador ou pela entidade equiparada (art. 195, § 9o).
V.2. CONTRIBUIÇÕES DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO As contribuições de intervenção do domínio econômico são instrumentos destinados a viabilizar a intervenção estatal na economia para organizar e desenvolver setor essencial, que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de competição de liberdade de iniciativa. Tais contribuições devem ser instituídas levando em consideração os princípios gerais da atividade econômica arrolados no artigo 170 da Constituição, a saber: soberania nacional; propriedade privada; função social da propriedade; livre concorrência; defesa do consumidor; defesa do meio ambiente; redução das desigualdades regionais e sociais; busca do pleno emprego; e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país. Diferentemente das contribuições para a Seguridade Social, não há em relação às contribuições interventivas previsão constitucional dos respectivos fatos geradores, contribuintes e destino da arrecadação. Contudo, ao definir o âmbito da atuação econômica da União, o legislador constitucional delimitou os domínios em que ela tem competência para instituir e cobrar contribuições interventivas. A instituição de contribuição interventiva somente se legitima quando se verificarem, concomitantemente, os seguintes pressupostos: (i) intervenção efetiva do Estado na economia, voltada à concretização dos princípios gerais da atividade econômica; (ii) que a atividade econômica seja originariamente reservada ao setor privado ou que tenha a este sido transferida por autorização, concessão ou permissão; e (iii) que a intervenção cause um gasto excepcional ao Estado ou um benefício especial a determinado grupo de indivíduos, componentes do setor objeto da intervenção efetuada. A contribuição que foge a esses requisitos não pode ser considerada interventiva, mas coisa diversa, se prestando a financiar, indevida e inconstitucionalmente, atividades gerais do Estado. Em se tratando de instrumento de planejamento econômico, a contribuição interventiva só pode ser instituída e cobrada em caráter excepcional, quando e enquanto persistir desequilíbrio em segmentos de mercado – desregulados, descompassados ou vivenciando evidente crise de competitividade ou de subsistência – que deva ser superado.
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Caracterizadas fundamentalmente pela finalidade a que se prestam, tais contribuições não têm como elemento constitutivo a referibilidade, que pode ser conceituada como a vinculação entre os contribuintes da exação e os beneficiários de sua arrecadação. Assim é que essas contribuições não exigem vinculação direta ao contribuinte ou a percepção, por este, de benefícios oriundos da arrecadação53 , podendo o legislador federal eleger como contribuintes outros que não aqueles direta ou indiretamente beneficiados pela intervenção, notadamente porque os princípios regedores da ordem econômica, que indicam as possibilidades de intervenção do Estado na promoção do desenvolvimento e na redução das desigualdades, uma vez tornados efetivos, beneficiam indiretamente a toda a coletividade54. As contribuições interventivas não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação, mas incidirão sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços e poderão ter alíquotas ad valorem ou específica (CF, art. 149, § 2o). A natureza da contribuição interventiva – bem como de qualquer outro tributo, segundo determina o artigo 4 o do CTN – independe de sua denominação. Desse modo é que a contribuição para o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE, instituída pela Lei nº 8.029/90 para atender à execução das políticas de promoção de exportações e de apoio às micro e às pequenas empresas, embora definida como adicional às alíquotas das contribuições corporativas pertinentes ao SESI, SENAI, SESC e SENAC, não tem a mesma natureza destas, mas sim típica natureza de contribuição interventiva, como reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 396.266, Relator Min. Carlos Velloso, DJ 27/02/2004. São exemplos de contribuições interventivas: a) CIDE Royalties e CIDE Serviços, destinadas ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT e voltadas a estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro; b) CIDE Petróleo, com produto da arrecadação destinado ao
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Em sentido diverso, cf.: PONTES, Helenilson Cunha. O Princípio da Proporcionalidade e o Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2000. p. 154. Para o autor, a intervenção via contribuição deve ser direta, ao passo que a intervenção indireta na economia deve ser financiada por outros tributos, como os impostos, não bastando mera previsão legal de destinação do produto da arrecadação a algum fim para transformar um imposto em contribuição. Em sentido diverso entende Marco Aurélio Greco, para quem não se pode admitir que a contribuição de intervenção atinja universo que abrange todos, independente do setor em que atuem, pois um dos parâmetros de sua instituição é a definição de uma parcela do domínio econômico que atuará como critério de circunscrição da sua aplicação, inclusive no que se refere aos respectivos contribuintes. (GRECO, Marco Aurelio (coord.). Contribuições de intervenção no domínio econômico e figuras afins. São Paulo: Dialética, 2001. p. 17).
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pagamento de subsídios a preços ou transporte de combustíveis, ao financiamento de projetos ambientais ligados à indústria de petróleo e gás e ao financiamento de programas de infraestrutura de transportes; c) Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), destinado a custear a intervenção da União nas atividades de apoio ao desenvolvimento da marinha mercante e da indústria de construção e reparação naval; d) Adicional de Tarifa Portuária (ATP), destinado à formação de recursos da Empresa de Portos do Brasil S.A. – Portobrás; e) Contribuição ao Incra, com produto da arrecadação destinado aos programas e projetos vinculados à reforma agrária e suas atividades complementares; f ) Contribuição ao Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), destinada a custear a atividade intervencionista da União na economia canavieira nacional.
V.3. CONTRIBUIÇÕES DE INTERESSE DE CATEGORIAS PROFISSIONAIS E ECONÔMICAS As contribuições instituídas no interesse de categorias profissionais e econômicas são devidas em decorrência do benefício especial auferido pelo contribuinte que participa do grupo profissional ou econômico, em favor do qual se desenvolve a atividade estatal de controle e disciplinamento do exercício da profissão. Tais contribuições destinam-se ao custeio de pessoas jurídicas de direito público ou privado que têm por escopo fiscalizar ou regular o exercício de determinadas atividades profissionais ou econômicas, bem como representar, coletiva ou individualmente, categorias profissionais, defendendo seus interesses. Necessária é a vinculação entre a atividade profissional ou econômica do sujeito passivo e a entidade destinatária da exação. São exemplos de contribuições de interesse de categorias econômicas as contribuições ao SESC, SESI, SENAC e SENAC, todas típicas contribuições parafiscais, cujo produto da arrecadação é destinado a pessoas jurídicas de direito privado para consecução de seus objetivos institucionais. São exemplos de contribuições de interesse de categoria profissional (corporativas) aquelas devidas aos Conselhos Regionais (Farmácia, Contabilidade, Administração, Medicina, Enfermagem, dentre outros), aos quais é reconhecida a natureza de autarquia. Outro exemplo de contribuição de interesse de categoria profissional, a contribuição sindical não se confunde com a contribuição confederativa, referida no artigo 8o, IV, primeira parte da Constituição, e que vem a ser descontada dos membros voluntariamente
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sindicalizados, sendo o seu montante fixado em assembleia geral para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva. Depois de certa controvérsia, decidiu a 1a Seção do Superior Tribunal de Justiça que as contribuições cobradas pela Ordem dos Advogados do Brasil – comumente conceituada uma autarquia sui generis, especial, não comparável às outras espécies de autarquias – não têm natureza tributaria, sendo vedada sua cobrança pelo rito estabelecido pela Lei 6.830/80 (execução fiscal)55.
V.4. CONTRIBUIÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA A Emenda Constitucional 39, de 2002, atribuiu competência aos Municípios e ao Distrito Federal para instituir contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública (COSIP), facultada a cobrança na fatura de consumo de energia elétrica. Cobrada mensalmente daqueles que possuem ligação de energia elétrica regular, a COSIP tem a sua arrecadação destinada a custear o serviço genérico de iluminação de vias e logradouros públicos, que beneficia toda a coletividade, desde o morador que arca com o ônus do pagamento do tributo até o andarilho noturno. A impossibilidade de identificação de beneficiários específicos da atuação estatal e a ausência da característica da parafiscalidade ou mesmo destinação específica do produto da arrecadação acabam por afastar a natureza de contribuição e aproximá-la da natureza de imposto, que deveria atender a todos os pressupostos de validade e existência dessa espécie tributária. Possuindo natureza jurídica de imposto, é inconstitucional a COSIP, tanto por faltar aos Municípios e ao Distrito Federal competência residual em matéria tributária, outorgada exclusivamente à União, com as limitações do art. 154, I da Constituição, quanto porque o produto de sua arrecadação é vinculado a uma despesa específica, o que é vedado pelo artigo 167, IV da Constituição. Acresça-se que, se a destinação específica deixar de ser um requisito intrínseco às contribuições, a Constituição pode vir a ser novamente alterada para atribuir a quaisquer dos entes da Federação competência para instituir contribuições para segurança pública, higiene e saúde, fomento cultural e lazer, todos serviços genéricos, que devem ser custeados por recursos provenientes da arrecadação, também genérica, dos impostos.
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STJ – 1a Seção – EREsp 463.258/SC – Rel. Min. Eliana Calmon – DJ 29.03.04.
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O reconhecimento de que os serviços públicos inespecíficos e indivisíveis devem ser custeados pela receita genérica dos impostos se deu pelo próprio Supremo Tribunal Federal (RE 231764/RJ), por ocasião do reconhecimento da inconstitucionalidade da taxa de iluminação pública, antecessora da COSIP. A discussão acerca da constitucionalidade da contribuição para custeio do serviço de iluminação pública está pendente no Supremo Tribunal Federal, que concluiu, no exame do RE 573.675/SC, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, pela existência da repercussão geral da matéria constitucional. Dentre os argumentos pela inconstitucionalidade, avulta a violação ao princípio da isonomia, pois a COSIP, além de ser cobrada de apenas uma parcela da população para custear um serviço público genérico, que beneficia a sociedade como um todo, ainda é cobrada com base em valores diversos conforme se trate de imóvel residencial ou não residencial.
VI. EMPRÉSTIMOS
COMPULSÓRIOS
Empréstimo compulsório é a espécie tributária cuja hipótese de incidência retrata uma situação qualquer, reveladora de capacidade contributiva e desvinculada de atuação estatal, e cuja arrecadação acarreta para Estado a obrigação de restituir a importância que foi emprestada. Porque expressamente referido no artigo 148 da Constituição, bem como no art. 15 do Código Tributário Nacional, não remanescem atualmente quaisquer dúvidas quanto à sua natureza tributária56. A competência para instituição de empréstimos compulsórios é privativa da União Federal e somente pode ser exercida, mediante lei complementar, nas seguintes hipóteses: I) para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; ou II) no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional. Em qualquer das hipóteses, e como decorrência da causalidade, os recursos arrecadados serão vinculados às despesas que fundamentaram sua instituição (CF/88, art. 148, caput e § único)57.
56
57
Depois de inúmeros julgados afirmando a natureza tributária do empréstimo compulsório, foi considerado sem eficácia o Enunciado nº 418 da Súmula da Jurisprudência Dominante do Supremo Tribunal Federal, aprovado na vigência da Constituição de 46, segundo o qual: “O empréstimo compulsório não é tributo, e sua arrecadação não está sujeita à exigência constitucional da prévia autorização orçamentária”. A expressão “empréstimo compulsório” não deixa de revelar uma contradição, pois empréstimo é um contrato. Mas, em sendo compulsório, escapa-lhe o caráter contratual. Nesse sentido, cf.: José Jayme, p. 110.
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Quando destinado a atender despesas extraordinárias (CF/88, art. 148, I), o empréstimo compulsório configura exceção ao princípio da anterioridade tributária, admitindo-se a sua cobrança no mesmo exercício financeiro em que publicada a respectiva lei instituidora. Não é qualquer despesa extraordinária, contudo, que legitima a instituição da exação tributária, mas tão somente aquela decorrente de calamidade pública (seja provocada por agentes da natureza ou por eventos de caráter socioeconômico), de guerra externa ou sua iminência. Já quando instituído para fazer frente a investimento público, e ainda que presente urgência na aferição dos recursos, sujeita-se o empréstimo compulsório ao princípio da anterioridade tributária. Justifica-se a cautela do legislador constitucional pela dificuldade de exercer controle sobre a opção política que atribui a um investimento público, definido no § 4o do art. 12 da Lei 4.320/64 como aquele realizado no planejamento e execução de obras, na aquisição de instalações, equipamentos e material permanente, o caráter urgente e de relevante interesse nacional. Note-se que a guerra externa, a calamidade pública ou o investimento público urgente são as circunstâncias políticas ou conjunturais autorizadoras da instituição do empréstimo compulsório. A hipótese de incidência, porém, será sempre uma manifestação de riqueza, ainda que já tenha sido eleita para fundamentar outro tributo58. A restituibilidade é característica intrínseca ao empréstimo compulsório e somente a essa espécie tributária, devendo a lei determinar as condições e o momento da devolução do montante pago pelo sujeito passivo. Auferida a receita do empréstimo compulsório pelo Estado, exaure-se a relação jurídico-tributária e a relação seguinte, de restituição, tem natureza administrativo-financeira. Todavia, se por qualquer razão não ocorrer a devolução, tem o contribuinte o direito subjetivo à restituição, tal como em relação a qualquer tributo que venha a ser recolhido a maior ou indevidamente (CTN, art. 165 e seguintes). É de se registrar que o empréstimo compulsório é um tributo provisório. Instituído que é em função de uma circunstância passageira, será ele, também, provisório, devendo a lei determinar o prazo de duração da cobrança.
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Para quem defende a divisão tripartite de tributos, ainda que inquestionável a natureza jurídica de tributo dos empréstimos compulsórios, a sua natureza jurídica específica seria a de imposto (imposto restituível).
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São exemplos dessa espécie tributária o empréstimo compulsório sobre a venda de automóveis e o consumo de combustível, instituído pelo Decreto-lei 2.288/86, e o empréstimo compulsório sobre consumo de energia elétrica, instituído pela Lei 4.156/62.
VII. QUADRO COMPARATIVO Para encerrar o presente estudo, segue quadro comparativo ressaltando as diferenças elementares entre as espécies tributárias, levando-se em conta os critérios de vinculação à atividade estatal, destinação da receita e restituição:
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______. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. JANCZESKI, Célio Armando. A controvertida contribuição de melhoria. In: RDDT, n. 30, p. 30-35. MACHADO, Hugo de Brito (coord.). As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro. São Paulo: Dialética, 2003. ______. Curso de Direito Tributário. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. ______. Os empréstimos compulsórios. In: Revista Dialética de Direito Tributário, n. 79, p. 60-69. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 1997. MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. v. 1, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 380. NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. NOVELLI, Flávio Bauer. Apontamentos sobre o Conceito Jurídico de Taxa. Revista de Direito da Procuradoria Geral. v. 45. Rio de Janeiro: PGE-RJ, 1992. OLIVEIRA, José Jayme de Macêdo. Estudo Programado de Direito Tributário. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002. ROCHA, João Marcelo. Direito Tributário. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ferreira, 2002. ROSA JR., Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro & Direito Tributário. 17ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). Direito Tributário: Homenagem a Alcides Jorge Costa. v. 1 e 2. São Paulo: Quartier Latin, 2003. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 13ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
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Competência Tributária
Ricardo Lodi Ribeiro Doutor em Direito e Economia pela UGF e Mestre em Direito Tributário pela UCAM. Professor de Direito Tributário dos cursos de graduação e pósgraduação da FGV/DIREITO-RIO. Advogado.
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168 - COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
1. CONCEITO A competência tributária é o poder de criar tributos e sobre eles legislar de forma plena, observadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas leis de normas gerais de Direito Tributário, em especial no CTN, e, no caso dos Estados, na Constituição Estadual, no caso dos Municípios, na Lei Orgânica do Município (art. 6º do CTN). Deste modo, salvo as limitações contidas na Constituição Federal e reguladas na lei de normas gerais de direito tributário (CTN), a legislação federal, estadual e municipal é exercida plenamente, só podendo o poder central limitar a competência dos entes periféricos nos casos estabelecidos na Constituição Federal, a quem compete, no nosso regime federativo, a partilha das competências tributárias. Só possuem competência tributária os entes da Federação, uma vez que só a eles é atribuída a competência para legislar. Ou seja, só a União, o Estado, o Distrito Federal e o Município têm competência tributária. Não a possuem o território, a autarquia, a fundação e as pessoas jurídicas de direito privado. É no sistema federativo que o estudo da competência tributária e da sua partilha ganha uma dimensão mais relevante, uma vez que, nos estados unitários, todo o poder deriva do ente central. A doutrina nos países unitários prefere a utilização da expressão “potestade tributária legislativa” 1 , ao invés de competência, uma vez que esta pressupõe partilhas e limitações estabelecidas pela Constituição Federal. Sendo a competência tributária exercida de forma plena, ressalvadas as limitações constitucionais, a competência para a concessão de benefícios fiscais pertence, salvo exceções expressamente previstas na Constituição Federal2, ao titular da competência tributária, que o deve fazer por lei específica (art. 150, § 6º, CF). Note-se que essa disciplina é válida não somente para isenções, mas também para qualquer regra que estabeleça tratamento fiscal privilegiado a determinado grupo de contribuintes. Assim, só a lei de cada entidade federativa pode estabelecer anistias, remissões, parcelamentos, compensações
1 2
Por todos, cf.: GONZÁLEZ, Eusébio; LEJEUNE, Ernesto. Derecho Tributario I. 2ª ed. Salamanca: Plaza Universitaria, 2000. p. 119 e segs. A única exceção prevista constitucionalmente é o art. 156, § 3º, II, que atribui à lei complementar a função de conceder isenção de ISS quanto às operações destinadas ao exterior, o que foi levado a efeito pela LC nº 116/03, art. 2º, I. Até a EC nº 42/03, também era possível que a lei complementar concedesse isenção de ICMS para os produtos industrializados e semielaborados (art. 155, §2º, XII, “e”), mas a nova redação dada pela referida emenda ao art. 155, § 2º, X, “a”, imunizou o ICMS na exportação de quaisquer mercadorias. Logo não há que se falar mais em isenção, mas em imunidade.
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etc. Nesse sentido, são inconstitucionais os artigos 152, I, “b”, e os §§ 3º e 4º do art 155-A, introduzidos pela LC nº 118/05, por constituírem modalidades heterônomas de moratória e parcelamento, o que precisaria ser autorizado pela Constituição. O não exercício da competência tributária pelo ente competente não a defere a outra entidade federativa (art. 8º do CTN), ainda que esta seja beneficiária, no todo ou em parte, do produto da arrecadação.
2. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA INDELEGABILIDADE
E
SUJEIÇÃO ATIVA.
Não se deve confundir a competência tributária, entendida como poder para instituir tributo, com a capacidade tributária ativa, ou sujeição ativa, revelada no poder-dever de exigir ou cobrar o tributo. O sujeito ativo, ou titular da capacidade tributária ativa, é a pessoa jurídica de direito público responsável pela administração tributária, o que irá se traduzir nas funções de arrecadar, fiscalizar e executar a legislação tributária3. Enquanto a competência tributária é sempre indelegável, a capacidade tributária ativa pode ser delegada à pessoa jurídica de direito público (art. 7º do CTN). Deste modo, além da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, podem ser sujeitos ativos do tributo as autarquias, inclusive as chamadas agências executivas, bem como as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, por exemplo, INSS, Anatel, Fundação Nacional de Saúde, OAB etc. A única função que pode ser delegada à pessoa jurídica de direito privado, e até à pessoa física, é a arrecadação, assim entendida como a atribuição de receber o pagamento do tributo, o que hoje é feito pela rede bancária (§ 3º do art. 7º do CTN).
3. CLASSIFICAÇÃO A competência tributária classifica-se em competência exclusiva, comum, residual e extraordinária.
3
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Contra a orientação dominante contida no texto, está Ruy Barbosa Nogueira, que defende ser o sujeito ativo o titular da competência tributária (NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 144).
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170 - COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
3.1. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA É aquela atribuída com exclusividade pela Constituição Federal a determinado ente federativo. É bastante encontrada na doutrina a denominação de competência privativa para designar esta modalidade de competência. Porém, em razão da indelegabilidade já estudada, mais adequada nos parece a denominação ora empregada. Assim, a União tem competência exclusiva para instituir: •
os impostos previstos no art. 153 da CF (II, IE, IR, IPI, IOF, ITR e IGF);
•
os empréstimos compulsórios (art. 148, CF);
•
as contribuições parafiscais (art. 149, CF)4.
O Estado tem competência exclusiva para instituir os impostos previstos no art. 155 (ITD, ICMS, e IPVA) e os Municípios, os impostos do art. 156 (IPTU, ITBI e ISS) e a Contribuição de Iluminação Pública (art. 149-A). O Distrito Federal tem competência para instituir os impostos atribuídos aos Estados e Municípios (art. 32, § 1º, CF). Já os territórios não possuem competência, cabendo à União o poder para instituir os impostos federais e estaduais. Quanto aos impostos municipais, serão cobrados pelo Município se o Território assim for dividido. Caso contrário, a competência municipal caberá também da União (art. 147, CF).
3.2. COMPETÊNCIA COMUM É aquela atribuída pela Constituição Federal à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, de acordo com as respectivas atribuições. É, portanto, aplicada a tributos vinculados a uma atividade estatal específica em relação à pessoa do contribuinte. A competência comum ocorre nas taxas, contribuições de melhoria e contribuições previdenciárias dos servidores públicos. Porém, o exercício da competência comum não significa que possa haver bitributação, com mais de um ente federativo cobrando tributo sobre um
4
Exceto as contribuições previdenciárias dos servidores públicos, que, segundo a regra do parágrafo único do art. 149, são da competência comum, e a contribuição de iluminação pública, que é reservada aos Municípios (art. 149-A).
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mesmo fato gerador, pois cada um exigirá o tributo de acordo com as atividades estatais compreendidas na sua competência material5.
3.3. COMPETÊNCIA RESIDUAL É a competência que a Constituição Federal deferiu à União para instituir impostos (art. 154, I) e contribuições da seguridade social (art. 195, § 4º), não previstas no Texto Maior. Com base na competência residual, a União pode instituir imposto não previsto na Constituição, desde que adotados os seguintes requisitos: a)
seja instituído por lei complementar;
b)
não tenha fato gerador e base de cálculo de impostos previstos na Constituição;
c)
seja não-cumulativo.
No que se refere às contribuições da seguridade social, a União poderá instituir novas fontes de custeio, desde que o faça por lei complementar. O Plenário do STF entendeu que a remissão que o art. 195, § 4º, CF faz ao art. 154, I, não se traduz na exigência dos três requisitos previstos do dispositivo constitucional em questão, mas apenas à exigência de lei complementar6. Segundo o Pretório Excelso, a repartição das competências tributárias previstas nos artigos 153, 155 e 156 é para impostos e não para outros tributos como as contribuições parafiscais. Contra essa posição, Luciano Amaro sustenta tese diametralmente oposta, defendendo que a contribuição residual deve ser instituída por lei ordinária, atendendo ao comando do art. 195, § 4º, que fala em lei, consistindo a remissão ao art. 154, I, apenas exigência dos outros dois requisitos: a não cumulatividade e a não utilização de fatos geradores e base de cálculos de impostos estaduais e municipais7. No entanto, entendemos que a remissão que o art. 195, § 4º faz ao art. 154, I, exige que os três requisitos da competência residual dos impostos também sejam aplicados às contribuições da seguridade social. Tal posição se justifica pela lógica e pelo caráter rígido de nosso sistema tributário nacional, em que a repartição das competências tributárias não se limita aos impostos, mas a quaisquer tributos que utilizem os fatos geradores atribuídos pela Constituição Federal à União, aos Estados e aos Municípios, exceto
5 6
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Vide item 4.2, em que será estudado o critério utilizado pela Constituição Federal para a repartição da competência tributária nos tributos da competência comum. STF, Pleno, RE nº 228.321, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 1º/10/98, DJU 30/05/2003, p. 30.
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quando o contrário for expressamente previsto no Texto Constitucional, como ocorre no imposto extraordinário de guerra (art. 154, II, CF). Deve-se registrar que a competência residual só existe nos impostos e nas contribuições da seguridade social, pois apenas nestes há discriminação constitucional dos fatos geradores. Assim, não há competência residual em taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições parafiscais que não sejam destinadas à seguridade, pois, nestas modalidades de tributo, não ocorre a discriminação de fatos geradores pela Constituição e, logo, não se concebe competência para instituir exações não previstas8.
3.4. COMPETÊNCIA EXTRAORDINÁRIA É a prevista no artigo 154, II, CF, que atribuiu à União competência para instituir, “na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação”. Observe-se que o imposto só pode ser instituído no caso de conflito externo, não sendo legítima a sua cobrança por ocasião de distúrbios internos, como revoluções ou guerras civis. O art. 154, II, da CF, permite expressamente que o Imposto Extraordinário de Guerra tenha fatos geradores e bases de cálculo de outros tributos previstos na Constituição, ainda que atribuídos aos Estados e Municípios. Temos aqui uma bitributação expressamente admitida pelo Texto Maior. Assim, o seu fato gerador pode ser o mesmo do ICMS ou do ISS, por exemplo. O IEG deve ser gradativamente suprimido quando cessarem as causas de sua criação, não havendo um prazo pré-estabelecido para tal9.
4. CRITÉRIOS
PARA
PARTILHA
DA
COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
Num sistema tributário nacional rígido como o nosso, a partilha da competência tributária é realizada pela Constituição Federal, que utilizará
7 8
9
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 97. Contra a posição esposada no texto, encontra-se Hugo de Brito Machado, que defende ser residual a competência do Estado para instituir taxas, na medida em que o poder para instituir esta modalidade tributária se prende à competência material remanescente, prevista no art. 25, § 1º, da CF (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 320). Na Constituição de 1946, o imposto só poderia ser cobrado até cinco anos da celebração da paz.
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critérios distintos para essa partilha, de acordo com a natureza do tributo e a sua vinculação com uma atuação estatal10.
4.1. NOS IMPOSTOS – FATO GERADOR Nos tributos não vinculados a qualquer atividade estatal relativa ao contribuinte, como o imposto (art. 16 do CTN), o critério de partilha estará baseado na previsão constitucional dos fatos geradores11. A partir desse critério, a Constituição confere competência à União para instituir os impostos previstos no art. 153; aos Estados, os do art. 155; e aos Municípios, os do art. 156.
4.1.1. IMPOSTOS DA UNIÃO – ART. 153 I)
imposto de importação de produtos estrangeiros (II);
II)
imposto de exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados (IE);
III)
imposto de renda e proventos de qualquer natureza (IR);
IV )
imposto sobre produtos industrializados (IPI);
V)
imposto sobre operações financeiras de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF);
VI)
imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR);
VII) imposto sobre grandes fortunas (IGF).
4.1.2. IMPOSTOS DOS ESTADOS – ART. 155
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I)
imposto de transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos (ITD);
II)
imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS);
III)
imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA).
AMARO, Op. cit., p.94. AMARO, Op. cit., p.95.
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4.1.3. IMPOSTOS DOS MUNICÍPIOS – ART. 156 I)
imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU);
II)
imposto de transmissão onerosa inter vivos de bens imóveis e de direitos reais sobre eles, bem como sobre a cessão de direitos sobre a sua aquisição (ITBI);
III)
imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS).
4.2. NOS TRIBUTOS VINCULADOS – COMPETÊNCIA PARA A ATIVIDADE ESTATAL Nos tributos vinculados a uma atuação estatal relativa a pessoa do contribuinte12, o critério adotado pela Constituição Federal para a repartição de competência prende-se às competências materiais para desempenhar a atividade estatal. É que a Carta Magna indica as competências materiais de cada uma das pessoas jurídicas de direito público. As federais são previstas nos arts. 21 e 22; as municipais, no art. 30; por sua vez, os Estados ficam, segundo o § 1º do art. 25, com a competência residual ou remanescente, para legislar sobre aquilo que não é vedado pela Constituição, ou seja, o que não é atribuído à União e nem aos Municípios. Assim, por exemplo, só a União poderá cobrar taxa sobre a fiscalização de entidades que operam no mercado financeiro (art. 21, VIII). Do mesmo modo, só o Estado cobrará a taxa de incêndio, uma vez que a prevenção e extinção desses não se encontram deferidas à União ou ao Município. Por sua vez, só o Município instituirá taxa relativa aos serviços públicos de interesse local, como a taxa de coleta domiciliar de lixo (art. 30, V). O mesmo ocorre em relação à contribuição de melhoria que só pode ser exigida sobre as obras relacionadas com atividades compreendidas nas atribuições de cada ente, bem como a contribuição previdenciária sobre os servidores públicos, que cada um vai exigir dos seus funcionários. Nas matérias da competência comum, previstas no art. 23 da CF, é preciso verificar qual o interesse que prevalece no desempenho da atividade estatal – o nacional, o regional ou o local – para identificar qual o ente competente para exigir o tributo. Se, no caso concreto, é impossível identificar o interesse
12
Para maior compreensão sobre a classificação entre tributos vinculados e não vinculados, cf.: ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. Terceira parte, capítulos II e III.
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predominante, preserva-se o tributo federal em detrimento do estadual, o qual, por sua vez, prevalecerá sobre o municipal. Tal entendimento não viola a igualdade que os entes federativos possuem, mas se baseia no princípio do maior número de beneficiários da atuação estatal, prestigiando a norma aplicável a um maior número de administrados, e possui o mesmo fundamento do adotado pelo art. 187, parágrafo único do CTN, para o concurso de credores públicos, referendado pela Súmula nº 563 do STF13.
5. CONFLITOS
DE
COMPETÊNCIA
Sendo o Sistema Tributário Nacional introduzido pela Constituição de 1988 avesso a bitributações e competências constitucionais concorrentes, prestigiando as competências exclusivas, ainda quando se trate de competências comuns, cujo exercício vincula às atribuições materiais de cada um, a competência tributária, em regra, só será exercida por um único ente político. Por isso, o artigo 146, I, CF, atribui à lei complementar a função de dirimir os conflitos de competência tributária por ventura surgidos entre a União, os Estados e os Municípios. Como exemplo de potencial conflito de competência resolvido por lei complementar, temos a tributação da propriedade imobiliária, uma vez que a rural pertence à União (ITR) e a urbana ao Município (IPTU). O artigo 32 do CTN, que, como é sabido, tem eficácia passiva de lei complementar, estabelece que será considerada urbana a propriedade imobiliária localizada dentro da zona urbana do Município, que só poderá considerar como tal a região dotada de alguns serviços públicos contidos no § 1º do referido artigo. Outro exemplo é a lista de serviços anexa à LC nº 116/03, que delimita, entre o ICMS estadual e o ISS municipal, a competência para a tributação das operações de fornecimento de mercadorias acompanhada da prestação de serviços. Se o serviço estiver na competência do Município, o ISS será cobrado sobre o valor total da operação. Caso contrário, incidirá o ICMS sobre o preço total.
5.1. BITRIBUTAÇÃO Ocorre a bitributação quando mais de uma pessoa jurídica de direito público cobra tributo sobre um mesmo sujeito passivo e em relação a um
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Súmula nº 563: “O concurso de preferência a que se refere o parágrafo único, do art 187, do Código Tributário Nacional, é compatível com o disposto no art. 9, inciso I, da Constituição Federal”.
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mesmo fato gerador. Em princípio, é rejeitada pelo nosso sistema tributário, que atribui competências exclusivas a todos os entes da Federação, pois geralmente representa a invasão de um na competência de um outro ente. Ocorre a bitributação, por exemplo, quando mais de um Município exige IPTU sobre determinado imóvel, assim como se dá quando a União exige ITR e o Município exige IPTU sobre o mesmo imóvel. Nos dois exemplos, alguém está invadindo a competência de outrem, sendo inconstitucional o fenômeno. Porém, por exceção, podem existir casos em que a Constituição atribua a mesma competência a mais de um ente federativo, como se dá na importação de produtos industrializados, em que incidirá o IPI, o II, o PIS e a COFINS federais e o ICMS estadual. O mesmo ocorre na saída de mercadoria de estabelecimento comercial destinada à produção industrial, em que incidirá o IPI e o ICMS. Nestes casos, a bitributação é constitucional, pois a Constituição Federal atribuiu competência tributária a mais de um ente, não havendo que se falar em invasão de competência. Com a posição adotada pelo STF14 quanto à instituição de contribuições parafiscais, que segundo o Pretório Excelso não precisam evitar os fatos geradores e bases de cálculo dos impostos estaduais e municipais, por não se traduzirem em impostos, surge a possibilidade também de bitributação, como ocorre no AFRMM, que tem o mesmo fato gerador e base de cálculo do ICMS incidente sobre transportes interestaduais, e na contribuição dos autônomos, com a mesma base de cálculo do ISS. Entretanto, entendemos, pelas razões já expostas no tópico relativo à competência residual, que a União, ao instituir contribuições parafiscais, não pode utilizar fatos geradores atribuídos pela Constituição aos Estados e Municípios, uma vez que tal bitributação enseja uma invasão de competência não admitida pelo constituinte. O mesmo raciocínio deve ser adotado em relação ao empréstimo compulsório que, salvo em caso de guerra externa ou sua eminência, não pode ter como fatos geradores aqueles que a Constituição atribuiu aos Estados e aos Municípios pelos artigos 155 e 15615. A exceção aos casos de guerra externa é justificada pela autorização que a Constituição Federal dá à invasão de competência nesses casos no art.
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Sobre a contribuição dos autônomos, ver STF, Pleno, RE nº 228.321, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 1º/10/98, DJU 30/05/2003, p. 30. Quanto ao AFRMM, ver STF, Pleno, RE nº 177.137-2/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 18/04/95. Em sentido contrário, encontra-se o STF, que, nos julgados citados na nota anterior, considerou a impossibilidade de a União instituir outros impostos sobre os fatos geradores previstos nos artigos 155 e 156 da CF, e não outros tributos.
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154, II. É bem verdade que tal dispositivo se refere somente ao imposto extraordinário de guerra. Mas, se é admitida a invasão de competência por medida provisória e sem direito à restituição em caso de conflito bélico, o mesmo se deve admitir quando a instituição se dá por lei complementar e há restituição, como ocorre no empréstimo compulsório. Não se deve confundir o fenômeno da bitributação com o bis in idem que ocorre quando a mesma pessoa jurídica de direito público, titular da competência tributária para instituir determinado tributo, exerce essa competência através de duas normas, sobre um mesmo sujeito passivo, em relação a um mesmo fato gerador. Diferencia-se da bitributação pela unicidade da entidade tributante. No bis in idem, não há que se cogitar em invasão de competência, mas no exercício desta por duas normas jurídicas diversas, por razões legislativas. Economicamente a sua instituição produz os mesmos efeitos do aumento de alíquota, que dele se diferencia no aspecto normativo unificado. Geralmente a lei denomina impropriamente o bis in idem de adicional, que se diferencia do primeiro pela relação de acessoriedade com o imposto principal. A diferença é que, no bis in idem, temos dois impostos que incidem sobre a mesma base de cálculo. No adicional, a base de cálculo é o valor pago a título de imposto principal. Dessa forma, o chamado adicional de imposto de renda das pessoas jurídicas, instituído pelo § 2º do art. 2º da Lei nº 9.430/96, não é na verdade um adicional, mas uma nova incidência do IR, um bis in idem admitido pelo nosso ordenamento jurídico-tributário16. O bis in idem será constitucional sempre que a incidência representada pelas duas normas não resulte em montante tributado com violação de qualquer outro princípio constitucional, como o não confisco, a capacidade contributiva ou a limitação de alíquota contida na Constituição ou em norma nacional por esta concebida. Assim, o bis in idem será constitucional toda vez que a carga tributária exercida através das duas normas seja legítima quando fosse efetivada por uma única lei. Porém, será inconstitucional quando servir de mecanismo de burla a um dos dispositivos constitucionais acima aludidos.
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A alíquota imposto de renda pessoa jurídica é de 15%, segundo o artigo 3º da Lei nº 9.249/95, para todas as empresas. No entanto, o § 1º do mesmo artigo, com redação dada pela Lei nº 9.430/96, estabelece um adicional de 10% incidente sobre o montante do lucro que exceder R$ 20.000,00 por mês. Na verdade, embora a lei o considere um adicional, trata-se de um bis in idem, uma vez que os dois incidem sobre uma mesma base de cálculo.
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6. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
E
FEDERALISMO FISCAL
A autonomia das entidades periféricas da Federação pressupõe a autoadministração, ou seja, o livre exercício das competências conferidas pela Constituição. Nunca se pode perder de vista que a autoadministração depende, obviamente, de recursos financeiros para fazer frente aos misteres constitucionalmente conferidos a cada um dos entes federativos. Para garantir a possibilidade de cada um deles cumprir os objetivos impostos pela Constituição Federal, é preciso que haja uma adequação dos recursos repartidos a essas atividades administrativas que lhe foram confiadas. O descompasso entre as atribuições materiais e as receitas tributárias gera uma sobrecarga comprometedora da autoadministração e, em consequência, da autonomia federativa. A Constituição de 1988 contribuiu acentuadamente para a superação desse descompasso, equilibrando razoavelmente as receitas e despesas de União, Estados e Municípios17. Contudo, não basta a simples atribuição de recursos aos entes periféricos da Federação. É preciso garantir um mínimo de competências tributárias próprias para garantir a sobrevivência da Federação18. De fato, no âmbito do federalismo cooperativo de viés democrático, consagrado pela Constituição de 1988, a simples transferência constitucional do produto da arrecadação dos impostos federais para os Estados não garante a autoadministração, haja vista que o exercício das competências materiais
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FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 48. NOVELLI, Flávio Bauer. Norma Constitucional Inconstitucional? A propósito do art. 2º, § 2º, da Emenda Constitucional nº 3/93. Revista de Direito Administrativo, n. 199, p. 39, 1995: “É bem verdade – ninguém entende negá-lo – que a autonomia financeira da União e dos Estados-membros indiscutivelmente representa um elemento vital da complexa autonomia federativa, e que, consequentemente, não pode deixar de considerar-se a existência daquela como impreterível à substância da própria federação. Não é menos verdade, porém – e parece ter sido demonstrado – que, em última instância, e mormente num ordenamento tributário como o nosso, no qual a Constituição federal veda taxativamente os tributos discriminatórios e confiscatórios, ao amparo dum sistema de amplo controle jurisdicional de constitucionalidade das leis – a autonomia finaceira dos entes políticos independe da existência e do alcance da garantia da imunidade tributária recíproca. Ela tem sim, como se percebe, o seu fundamento material e sua verdadeira medida na distribuição da competência legislativa (autonomia normativa) em matéria tributária, ou seja, na atribuição, diretamente pela Constituição Federal, de poderes impositivos próprios e de fontes de receita, independentes e adequadas, respectivamente, à União e às unidades federadas”. No mesmo sentido, cf.: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 125.
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conferidas aos Estados não pode depender exclusivamente do exercício da competência tributária da União. É ínsita à ideia de autonomia a descentralização territorial do poder, permitindo que os Estados definam suas próprias prioridades, independentemente das políticas definidas pela União19. Sem que haja a eleição de suas próprias prioridades por parte dos Estados, inútil é a federação20. Portanto, só através do exercício de sua própria competência tributária, o Estado pode garantir o cumprimento de suas prioridades, e não as da União, preservando sua autonomia em relação a esta. Assim, se, hipoteticamente, toda a arrecadação dos Estados, ou quase toda, dependesse de tributos federais, a concessão de benefícios fiscais pela União, atendendo a um interesse que os poderes federais consideram prioritário, como o incentivo às exportações, poderia impedir que os Estados atingissem as suas próprias prioridades, como o aumento dos investimentos na área social, por exemplo. É justamente essa competência tributária própria que vai diferenciar a repartição das receitas tributárias ocorridas na Federação das encontradas nos estados unitários descentralizados. Há uma tendência à descentralização de recursos e competências nos estados unitários como Portugal, Espanha e Itália, inclusive com a criação de regiões autônomas, que possuem competências próprias e muitas vezes até impostos próprios. Na Espanha, segundo o art. 142 da Constituição, as fazendas locais devem dispor dos recursos suficientes para o desempenho das funções que a lei lhes atribuir e se nutrirão de tributos próprios e de participação nos tributos do Estado espanhol. Salienta Carrera Raya21, com apoio em decisão do Tribunal Constitucional, que esses recursos suficientes para que as entidades locais atendam às suas necessidades não são integralmente arrecadados por tributos próprios, mas também de tributos do Estado espanhol. Todavia, como salienta Ferreiro Lapatza22, a atribuição de autonomia total e absoluta aos territórios autônomos em matéria de ingressos públicos é incompatível com a existência do Estado unitário.
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CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 81. DALLARI, Dalmo de Abreu, “Competências municipais”, in “Estudos de Direito Público”, Revista da Associação dos Advogados da Prefeitura do Município de São Paulo, 1983, nº 4, p. 7, apud CARRAZZA, Op. cit., p. 82. CARRERA RAYA, Francisco José. Manual de Derecho Financiero. v. 1. Madrid: Tecnos, 1995. p. 63. FERREIRO LAPATZA, José Juan, Curso de Derecho Financiero Español, v. 1, 21ª ed. Madrid: Marcial Pons, 1999. p. 108.
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Em Portugal, as regiões autônomas possuem também, segundo o artigo 227 da Constituição, um regime de autonomia político-administrativa, com a competência de criar seus próprios impostos, mas se trata de um poder tributário secundário, dependente de lei do Estado português quanto ao seu conteúdo e limites23. Na Itália, o artigo 119 da Constituição prevê que as regiões autônomas disponham de impostos próprios, além de uma parte dos impostos do Estado italiano. No entanto, segundo o mesmo artigo, essa autonomia financeira, inclusive quanto à instituição de impostos, é limitada pela lei da República. Já nas federações, os entes autônomos possuem competências tributárias próprias capazes de garantir o custeio de suas despesas, restando às transferências tributárias de tributos federais como um mecanismo, tão caro ao federalismo assimétrico, de compensação financeira destinada a superar a desigualdade entre Estados e garantir a autonomia e independência da federação e dos Estados24. Deste modo, a autonomia dos entes da Federação depende de que todos eles possuam competência tributária própria, capaz de fazer frente às responsabilidades a eles atribuídas pela Constituição Federal. Contrariando a tendência mundial, verificada inclusive nos países unitários, como vimos, de descentralização de recursos e competências em favor dos entes periféricos, a Federação brasileira vem conhecendo, a partir da última década, um movimento de centralização de recursos em favor da União, que não é acompanhada de alteração nas atribuições materiais, causando uma acentuada sobrecarga fiscal aos Estados e Municípios. Entre as medidas que contribuíram para essa sobrecarga fiscal dos entes partes, podemos destacar:
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a)
o Fundo Social de Emergência, aprovado pela ECR nº 1/94, e o Fundo de Estabilização Fiscal, aprovado pelas ECs nºs 10/96 e 17/97, que desvincularam parcelas significativas das transferências constitucionais de impostos federais para Estados e Municípios, causando grave sangria nas receitas desses entes;
b)
a opção da União, no incremento da arrecadação, pela via das contribuições da seguridade social, em detrimento do IR, IPI e
CAMPOS, Diogo Leite de; CAMPOS, Mônica Horta Neves Leite de. Direito Tributário. Coimbra: Almedina, 1998. p. 98. HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998. p. 205-207.
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dos impostos residuais. Nos últimos dez anos, conheceu-se um aumento expressivo da arrecadação de tributos federais, sempre pela via das contribuições da seguridade social, cuja arrecadação pertence exclusivamente à União. Tal opção deu-se em detrimento dos impostos em que a arrecadação é dividida com Estados e Municípios, por meio dos Fundos de Participação, acarretando perda na arrecadação dos entes periféricos; c)
a invasão das competências constitucionais de Estados e Municípios pela instituição de contribuições parafiscais com o mesmo fato gerador ou base de cálculo dos impostos destes, como ocorreu na contribuição previdenciária dos autônomos, que possui a mesma base de cálculo do ISS, e do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), com a mesma base de cálculo do ICMS de transporte interestadual e intermunicipal;
d)
a concessão de isenções heterônomas de ICMS na exportação, pela Lei Complementar nº 86/97 (Lei Kandir), causando prejuízo à arrecadação dos Estados, a fim de atender às prioridades do Governo Central;
e)
a estipulação detalhada sobre a gestão financeira pela Lei Complementar nº. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que, extrapolando a disciplina das normas gerais de direito financeiro, adota as prioridades do Governo Central, como norma obrigatória para Estados e Municípios;
f)
a proposta de emenda constitucional do sistema tributário nacional, retirando o ICMS da competência legislativa dos Estados e passando o tributo para a competência da União.
Tais medidas ferem o Princípio da Conduta Amistosa Federativa, que, segundo Konrad Hesse, se traduz na fidelidade para com a Federação, não só dos Estados em relação ao todo e a cada um deles, mas da União em relação aos Estados. Segundo o constitucionalista alemão, é inconstitucional a iniciativa que fira essa fidelidade federativa, uma vez que se rompe o dever de boa conduta que deve presidir as relações entre os integrantes da Federação, baseada na colaboração e cooperação recíprocas25.
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HESSE, op. cit., p. 212-215.
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182 - COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
BIBLIOGRAFIA AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995. CAMPOS. Diogo Leite de; CAMPOS, Mônica Horta Neves Leite de. Direito Tributário. Coimbra: Almedina, 1998. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993. CARRERA RAYA, Francisco José. Manual de Derecho Financiero. v. 1. Madrid: Tecnos, 1995. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995. FERREIRO LAPATZA, José Juan. Curso de Derecho Financiero Español. v. 1, 21ª ed. Madrid: Marcial Pons, 1999. GONZÁLEZ, Eusébio; LEJEUNE, Ernesto. Derecho Tributario I. 2ª ed. Salamanca: Plaza Universitaria, 2000. HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993. NOVELLI, Flávio Bauer. Norma Constitucional Inconstitucional? A propósito do art. 2º, § 2º, da Emenda Constitucional nº 3/93. Revista de Direito Administrativo, n. 199, p. 21-57, 1995.
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As Fontes do Direito Tributário
João Bosco Coelho Pasin Doutor em Direitos e Garantias do Contribuinte pela Universidade de Salamanca – USAL. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais / Centro de Extensão Universitária – IICS/CEU. Especialista em Direito Financeiro pela Universidade de Salamanca – USAL. Professor e Chefe do Núcleo Temático de Direito e Processo Tributário da Universidade Presbiteriana Mackenzie, UPM. Professor Convidado da Universidade Nacional de Córdoba, Argentina. Advogado e Consultor Tributário.
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184 - AS FONTES DO DIREITO TRIBUTÁRIO
1.0. NOÇÕES PROPEDÊUTICAS Na Ciência Jurídica, as “fontes” são as fundações, os pilares e as vigas mestras sobre os quais o “justo direito” deve repousar. As fontes do Direito sustentam e edificam toda a Ciência Jurídica, sendo amplamente difundidas de forma dogmática pela Teoria Geral do Direito – onde o “direito pressuposto” deve ser não só apresentado, mas, também, amplamente distutido – e, ainda, empregadas de forma auxiliar e instrumental pela Filosofia do Direito – devendo ser aplicada ao “direito posto” –, com o objetivo de se buscar a pacificação de problemas sociais e questões econômicas1. As fontes gerais do Direito Público – bem como as fontes gerais do Direito Privado – norteiam todas as suas disciplinas jurídicas, respeitando suas características próprias. O conhecimento de fontes próprias para o Direito Tributário é vital para sua compreensão e, por suposto, para justificar sua indelével autonomia científica, que se forjou ao longo de todo o século XX, graças aos esforços da melhor e mais autorizada doutrina. A identidade do Direito Tributário decorre não só do conhecimento – assimilação e sistematização através do seu estudo e pesquisa – de suas fontes, mas, ainda, da forma conforme a qual as mesmas se interagem para imprimir a devida dinâmica a este destacado campo da Ciência Jurídica, pertencente ao Direito Público e, de forma especial, diretamente vinculado ao Direito Administrativo2.
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Felipe Clemente de Diego observa que as novas doutrinas jurídicas “...van unidas a la revisión de la teoría de las fuentes del Derecho, al renacimiento del Derecho natural que se suponía muerto definitivamente, a la exaltación de los poderes del juez y del valor de la jurisprudencia a la afinación de la técnica de interpretación y de investigaciones jurídicas más amplias. No es solamente el Derecho privado el único campo en que se ha sentir el influjo renovador de estas nuevas tendencias. Fácil era prever por lo antes dicho, que al tocar en esos problemas generales de filosofía jurídica, ninguna rama del Derecho había de substraerse a su influencia conmoviendo quizá sus dogmas”. (Fuentes del Derecho Civil Español. Serie I. Vol. 6. Madrid: Residencia de Estudiantes, 1922, pp. 37 e 38). Considerando a “natureza agressiva” e a “generalidade” das normas tributárias, Heinrich Wilhelm Kruse observa: “La doctrina de las fuentes del Derecho impositivo es una parte especial de la doctrina de las fuentes del derecho del Derecho administrativo, que a su vez es una parte de la doctrina de derecho general. La doctrina de las fuentes del derecho del Derecho administrativo y del Derecho impositivo coinciden ampliamente. Las diferencias se producen por los rasgos esenciales y especiales de la Administración impositiva. La Administración impositiva es una Administración de injerencia, no una Administración de garantía. El Derecho impositivo es exclusivamente un Derecho de agresión. Por tanto, éste no funciona regularmente allí donde se aplica al servicio de la Administración de garantía. En la práctica ello resulta evidente, de que no se pueden utilizar sin más las
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Numa perspectiva metodológica, portanto, a sistematização das fontes do Direito Tributário, assimiladas a partir da Teoria Geral do Direito, constitui o primeiro passo a ser seguido pelo operador do Direito no estudo da Hermenêutica Tributária, que é o campo responsável por estabelecer aos exegetas as regras responsáveis pela interpretação – e integração (em verdade, interpretação analógica) – do Direito Tributário, justamente, a partir da revelação e do manejo coordenado de certas e determinadas fontes.
1.1. CLASSIFICAÇÃO
DAS
FONTES
DO
DIREITO TRIBUTÁRIO
Em princípio, todas as fontes admitidas pela Ciência Jurídica são igualmente válidas para o Direito Tributário, ainda que com as devidas adequações aos seus contornos e as suas características. À luz da Ciência Jurídica, seguindo esta linha, as fontes do Direito podem ser classificadas e agrupadas em duas categorias, ou seja, em fontes formais e em fontes materiais. As fontes formais, ou objetivas, são aquelas reconhecidas e instituídas de forma oficial pelo Estado. Em geral, são escritas e possuem uma maior transitoriedade, até porque, estão sujeitas as mudanças sócio-econômicas e culturais, verificadas ao longo do tempo no espaço. As fontes formais são mais efetivas: decorrem do direito posto, o Direito Positivo. Por sua vez, as fontes materiais, ou subjetivas, são ontologicamente perenes, abstratas e, ainda, eminentemente substanciais. São fontes subentendidas pela ordem positiva, que apenas as menciona sem maiores elucubrações. Não devem ser vistas como fontes institucionais, mas, sim, como fontes inspiradoras da ordem jurídica. Em regra, não se encontram escritas e carecem de um maior reconhecimento institucional. As fontes materiais são menos efetivas: surgem do direito pressuposto, o Direito Natural. À evidência, considerando ambas as categorias, não há como não se afirmar que as fontes formais devem ser sempre o reflexo das fontes materiais.
disposiciones jurídico-impositivas generales sobre reembolsos impositivos o sobre la otorgación de premios según disposiciones legales especiales (ej.: premios al ahorro, construcción de viviendas, mineras). Otro rasgo esencial del Derecho impositivo consiste en que sus disposiciones encuentran aplicación en una multitud descomunal de casos equiparables. El procedimiento impositivo es un procedimiento de masas. Es por ello que aparecen como muy acusados los amplios efectos de la jurisprudencia del BFH y de las disposiciones administrativas generales dictadas desde la cima de la Administración. En la mano está que este amplio efecto no puede quedar sin influenciar sobre la doctrina de las fuentes del derecho.” (Derecho Tributario. Parte General. Trad. cf. 3ª ed. alemã de Perfecto Yebra Martul Ortega e Miguel Izquierdo MarcíasPicavea. Madrid: Derecho Financiero, 1978, pp. 140 e 141).
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186 - AS FONTES DO DIREITO TRIBUTÁRIO
No Direito Tributário, alguns autores – Albert Hensel 3 , Ernst Blumenstein4, Giovanni Ingrosso5, Antonio Berliri6, Rafael Bielsa7, Ramón Valdés Costa8, Narciso Amorós Rica9, Héctor Belisario Villegas10 e Fernando Pérez Royo11 (corrente ortodoxa) – defendem que as únicas fontes válidas são as formais12, enquanto que outros autores13 – Achille Donato Giannini14, Benvenutto Griziotti15, Ezio Vanoni16, Gian Antonio Micheli17, Andrea
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Cf. Diritto Tributario. Trad. Dino Jarach. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1956, pp. 54 e 55. Cf. Sistema di Diritto delle Imposte. Pref. Irene Blumenstein e Bevenuto Griziotti. Trad. Francesco Forte. Milano: Giuffrè, 1954, pp. 13 e 14. O autor destaca a necessidade de “espressa prescrizione legislaviva” para a definição do tributo – “un’istituto fondamentale della attivitá finanziaria” – e regulação de seus elementos –“singoli componenti”– (cf. Corso di Finanza Pubblica. Napoli: Dott. Eugenio Jovene, 1969, pp. 315-317). Entre outras anotações realizadas por ocasião da tradução ao livro de Antonio Berliri, Fernando Vicente Arche-Domingo observa que o autor italiano “...ni siquiera se plantea la posibilidad de que la costumbre sea fuente del Derecho tributario, y por lo que se refiere a los principios generales del Derecho, es imposible que aluda a los mismos, toda vez que el Derecho italiano no los contempla como fuente (Cfr. Art. 1 de las Dispozicioni sulla legge in generale, que proceden al Código Civil.” (Principios de Derecho Tributario. Vol. I. Trad. Fernando VicenteArche Domingo. Madrid: Derecho Financiero, 1964, p. 80). Cf. Compendio de Derecho Público. Constitucional Administrativo y Fiscal. Vol. III. Buenos Aires: Depalma, 1952, pp. 13-40. Cf. Curso de Derecho Tributario. Depalma: Buenos Aires, 1996, pp. 224-230. Cf. Derecho Tributario (Explicaciones). 2ª ed. Madrid: Derecho Financiero, 1970, pp. 77-103. Cf. Curso de Finanzas, Derecho Financiero y Tributário. Tomo I. 4ª ed. Buenos Aires: Depalma, 1987, p. 131. Cf. Derecho Financiero y Tributario. Parte General. 10ª ed. Madrid: Civitas, 2000, pp. 57-72. Nesse entido: Juan José Bayona de Perogordo e Maria Teresa Soler Roche (cf. Derecho Financiero. Vol. I. 2ª ed. Alicante: Compas, 1989, pp. 228 e 229); e Addy Mazz, que se refere ao campo financiero e tributário (cf. Curso de Derecho Financiero y Finanzas. Tomo I. Reimp. Montevideo: Fundación de Cultura Universitária, 1984, pp. 39-48). Mariano Abad Fernández, Genaro Díaz, Patricia Herrero e Juan Méjica afirmam que “...ha de reconocerse que prescindir absolutamente – en el Derecho Financiero, en general, y en el Derecho Tributario, en particular – de los principios generales del Derecho constituiría un grave error en cuanto son útiles y aportan criterios de justicia en la aplicación e interpretación de las normas. De ahí que se haya dicho de ellos, en el ámbito tributario, que sirven más como criterio constante de aplicación e interpretación de las normas tributarias, que para cubrir lagunas propiamente”. (Notas de Introducción al Derecho Financiero. Madrid: Tecnos, 1992, p. 130). Entre as fuentes materiais, Achille Donato Giannini reconhece apenas o “costume” entre as fontes gerais de produção do Direito Tributário e recorda um exemplo de sua aplicação com efeito derrogatório contra-legem: “...la ley de 23 de junio de 1873, n. 1.444, que establecía sanciones para los casos de omisión o de declaración inexacta de las rentas sometidas al impuesto sobre las rentas de la riqueza mobiliaria o al impuesto sobre edificios, no fue jamás aplicada, y era opinión general, compartida por la propia administración financiera, que había caído en desuso, hasta el punto de que, habiéndose querido restablecer y extender las mismas sanciones, se dispuso así ex novo por la ley de 9 de noviembre de 1928, n. 2.834, vertida más tarde en el R. D. de 17 de septiembre de 1931, n. 1.608”. (Instituciones de Derecho Tributario. Trad. Fernando Sainz de Bujanda. Madrid: Derecho Financiero, 1957, p. 26). Cf. Principios de Política, Derecho, y Ciencia de la Hacienda. Trad. Enrique R. Mata. Madrid: Reus, 1935, pp. 248-259. Cf. Opere Giuridiche. Elementi di Diritto Tributario. Altri Saggi di Diritto Finanziario. Vol. II. A Cura di Francesco Forte e Cesare Longobardi. Milano: Giuffrè, 1962, pp. 53-72; cf. Naturaleza e Interpretación de las Leyes Tributarias. Trad. Juan Martín Queralt. Madrid: IEF, 1973, pp. 335-251. Entre as fontes materiais do Direito, Gian Antonio Micheli aceita apenas o emprego do costume no Direito Tributário, ainda que tão só de duas formas específicas: como “costume
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Amatucci18, Heinrich Wilhelm Kruse19, Fernando Sainz de Bujanda20, José Luis Pérez de Ayala21, Fernando Vicente Arche-Domingo22, José Juan Ferreiro Lapatza23 e Luis Maria Cazorla Prieto24 (corrente convencional) – reconhecem não apenas as fontes formais, mas, também, as fontes materiais. Entre estes últimos autores, contudo, existem algumas divergências, principalmente, em relação ao grau de aceitação dos costumes e de subordinação dos Princípios Gerais do Direito ao império da legalidade em matéria tributária. O professor Eusebio González García ensina que as particularidades vislumbradas na Teoria Geral das Fontes do Direito Tributário são conseqüências da relevância alcançada pelo Princípio da Legalidade em matéria tributária, que acaba provocando receios e, até mesmo, oposições de parte da doutrina em relação à inclusão das fontes “não-escritas” – fontes materiais (não-estatais ou nãoinstitucionais) – entre as fontes do Direito Tributário, além de alertas de alguns autores em relação aos possíveis abusos do Poder Executivo, quanto ao exercício de suas potestades normativas em matéria tributária25. Em verdade, a “obrigação tributária” – seja “principal” ou “acessória”, nos termos “equivocados” adotados pelo Código Tributário Nacional26 – sempre constitui uma obligatio ex lege. E, por isso, o império do Princípio da Legalidade
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internacional” e como “costume constitucional” (cf. Curso de Derecho Tributario. Trad. Julio Banacloche. Madrid: Derecho Reunidas, 1975, p. 107). Cf. L’ordinamento Giuridico della Finanza Pubblica. 7ª ed. Napoli: Jovene, 2004, pp. 245-252. Cf. Derecho Tributario. Parte General. Trad. cf. 3ª ed. alemana de Perfecto Yebra Martul Ortega e Miguel Izquierdo Marcías-Picavea. Madrid: Derecho Financiero, 1978, pp. 140-147. Hacienda y Derecho. Vol. I. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1975, pp. 433-446. Las Fuentes del Derecho Tributario y el Principio de Legalidad, en Revista de Derecho Financiero. Madrid, 1976. Em suas anotações ao livro de Antonio Berliri, Fernando Vicente Arche-Domingo considera o costume” – em especial, as “práticas administrativas na gestão dos tributos e no cumprimento dos deveres dos contribuintes” – e os “Princípios Gerais do Direito” – “Fontes diretas não escritas ou subsidiárias” – como Fontes do Direito Tributário espanhol (cf. Principios de Derecho Tributario. Vol. I. Trad. Fernando Vicente-Arche Domingo. Madrid: Derecho Financiero, 1964, pp. 79 e 80). Cf. Curso de Derecho Financiero Español. Vol. I. Derecho Financiero (Ingresos. Gastos. Presupuesto). 22ª ed. Barcelona: Marcial Pons, 2000, p. 92. Cf. Derecho Financiero y Tributario. Parte General. 3ª ed. Elcano: Aranzadi. A Thomson Company, 2002, pp. 139-143. El Principio de Legalidad Tributaria en la Constitución Española de 1978, en La Constitución Española y Las Fuentes del Derecho. Vol. II. Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 1979, p. 998. No Direito Tributário, as “obrigações acessórias” nem sempre decorrem de uma “obrigação principal”. É dizer, a máxima “accessio cedit principali” da Teoria Geral das Obrigações, observada no Direito Civil, não prevalece na seara tributária. A apresentação compulsória da “declaração de isento”, imposta pelo regime jurídico do Imposto de Renda das pessoas físicas, constitui um bom exemplo.
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e de seus corolários – reserva de lei, tipicidade e legalidade administrativa – impõe a priori a adoção das fontes formais e a posteriori autoriza o emprego limitado das fontes materiais, nessa disciplina jurídica, notadamente, em razão do Princípio da Segurança Jurídica – responsável por assegurar duplamente a “certeza do direito” e a “não-arbitrariedade” –, que não se encontra devidamente assegurado e conformado no direito positivo brasileiro27. Ainda que no Direito Tributário possa prevalecer o posicionamento defendido pelos autores da “corrente ortodoxa”28 – em geral, pautada pela construção doutrinária responsável por admitir a lei como única fonte do Direito Tributário29 –, a doutrina das fontes do Direito Tributário está experimentado nos dias atuais uma revitalização em conseqüência do processo de flexibilização vivido pelo Direito Público e, em especial, pelo Direito Administrativo30. O processo de “revitalização das Fontes do Direito Tributário” é um fenômeno necessário e inevitável, não se encontra isolado e é amplo, abrange todo o Direito Público, colocando em evidência uma suposta crise da ordem positiva contemporânea, segundo o diagnóstico de Eduardo García de Enterría31. Na atualidade, seguir a “corrente ortodoxa”32 e, assim, negar a aceitação e o emprego das fontes materiais no Direito Tributário, significa contribuir
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Infelizmente, o caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988 não consagra o Princípio da Segurança Jurídica de forma satisfatória, uma vez que não o expressa adequadamente, nem faz referência ao seu duplo alcance, conforme se infere a partir do melhor da doutrina, jurisprudência e legislação alemã, italiana e espanhola. Ernesto Lejeune Valcárcel e Eusebio González García ensinam: “Los puntos centrales de esa teoría suelen recogerse en dos afirmaciones, que podemos calificar como clásicas dentro de nuestra disciplina: primera, en sus grandes líneas, los principios fundamentales de la teoría general de las fuentes del Derecho con especial referencia al Derecho público, son directa consecuencia de la relevancia especialísima que dentro de este ámbito juega el principio de legalidad, tanto en su esfera normativa (principio de reserva de ley) como en la aplicativa (principio de la legalidad de la Administración). Lo que, en último término, equivale a afirmar la doble primacía de la ley en materia tributaria.” (Derecho Tributario. Vol. I. 2ª ed. Salamanca: Plaza Universitaria, 2000, p. 51). É o que explica Jaime Basanta de la Peña (cf. Las Fuentes no Escritas del Derecho Tributario, en XIX Semana de Estudios de Derecho Financiero. Madrid: Mutualidad Benéfica del Cuerpo de Inspectores Técnicos de Timbre del Estado y Derecho Financiero, 1972, p. 276). É o que se verifica, por exemplo, em conseqüência da aplicação de institutos jurídicos de Direito Privado no ámbito do Direito Público, com base em previsão expressa, como no caso do emprego da arbitragem em matéria tributária. Vid. José Osvaldo Casás (cf. Los Mecanismos Alternativos de Resolución de las Controversias Tributarias. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2003, p. 21 et seqs). Ademais, o autor exclama: “¡El legalismo exacerbado ha matado definitivamente al positivismo! Consecuencia inesperada del predominio formal absoluto de las Leyes, con el que se pensó llegar a eliminar a todas las demás fuentes del Derecho.” (Justicia y Seguridad Jurídica en un Mundo de Leyes Desbocadas. Reimp. Madrid: Civitas, 2000, p. 103). José Luis Pérez de Ayala explica que “...los ejes, de esta teoría –que podemos calificar de convencional u ortodoxa– son los siguientes:
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para a redução das possibilidades de realização da Justiça Fiscal, isto porque, a ordem positiva posta não possui soluções prontas e acabadas para todos os casos em concreto. Resta, agora, seguindo a “corrente convencional” das fontes do Direito Tributário, apresentar e examinar cada uma das fontes formais e materiais em seus gêneros, espécies e graus, a saber:
2.0. FONTES FORMAIS A natureza e categoria das instituições jurídicas são determinadas pela “Constituição” – figurando no ápice da hierarquia das leis positivas constantes da ordem positiva –, que cumpre a função primordial de elencar e ordenar as fontes formais do Direito33.
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Primero.- Como consecuencia del principio de reserva de ley tributaria, las únicas fuentes formales directas del Derecho Tributario son las escritas. Segundo.- En consecuencia, la costumbre no es fuente de Derecho. (...) Tercero.- Los principios generales del Derecho, por tanto, tampoco constituyen fuente del Derecho positivo. Únicamente se suelen aceptar como un elemento o dado interpretativo de la ley, y tan sólo en la medida en que estén en la propia ley recogidos. (...) Cuarto.- Los principios de reserva de ley tributaria y de legalidad administrativa no sólo determinan la eliminación o inadimisión de las fuentes no escritas, en el Derecho Tributario. Ejercen su influencia también sobre sus fuentes escritas, tanto en el plano del Derecho internacional como en el del Derecho interno.”(Cf. Las Fuentes del Derecho Tributario y el Principio de Legalidad, en Revista de Derecho Financiero. Madrid, 1976, pp. 368 e 369). Neste sentido, Fernando Garrido Falla (cf. Las Fuentes del Derecho en la Constitución Española, en La Constitución Española y Las Fuentes del Derecho. Vol. I. Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 1979) e Massimo Severo Giannini (cf. Derecho Administrativo. Vol. 01. Trad. Luis Ortega. Madrid: Ministerio para las Administraciones Publicas – MAP, 1991). Ademais, Francisco Balaguer Callejón afirma que “...la teoría de las fuentes debe constituirse desde el respeto a las previsiones formales y materiales contenidas en la Constitución. Y ello exige que, pues es preciso tener en cuenta el contenido de la Constitución, exista previamente una teoría de la Constitución, por más que no necesariamente tenga que ser explicitada, que defina el parámetro con el que medir la constitucionalidad de la teoría de las fuentes.” (Fuentes del Derecho. Principios del Ordenamiento Constitucional. Vol. I. Madrid: Tecnos, 1991, pp. 58 e 59).
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As fontes formais estão sujeitas ao regime de competência tributária consagrado pela Constituição Federal de 1988, tanto no plano normativo – típico (Poder Legislativo) ou atípico (Poderes Executivo e Judiciário) –, quanto no plano aplicativo, ou impositivo – administrativo (Poder Executivo) ou judicial (Poder Judiciário). As fontes formais por excelência do Direito Tributário brasileiro são as normas constitucionais, responsáveis pela conformação das bases fundamentais do Sistema Tributário Nacional em torno de uma verdadeira “constituição tributária”. As demais fontes formais podem ser identificadas a partir da leitura dos artigos 59 da Constituição Federal de 1988 e 100 do Código Tributário Nacional, uma vez que, ambos os dispositivos, elencam os veículos normativos infraconstitucionais existentes no Brasil. Em linhas gerais, as fontes formais devem assegurar uma maior certeza do direito, sendo objetivamente cristalinas e eficientes, quanto aos seus conteúdos e fins, respectivamente, assegurando a segurança jurídica em consonância com os ideais maiores da Justiça.
2.1. A CONSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA CONSTITUCIONAIS
E AS
EMENDAS
A Constituição Federal de 1988 condensou toda a normativa específica sobre a questão tributária em três pontos, a saber: •
Princípios Gerais da Tributação (arts. 145 a 149);
•
Limitações ao Exercício do Poder Tributário (arts. 150 a 156); e
•
Repartição das Receitas Tributárias (arts. 157 a 162).
Tais dispositivos se referem diretamente ao Direito Constitucional Tributário. Outros dispositivos da Constituição Federal de 1988, também, são aplicados ao campo tributário, ainda que não se insiram na “Constituição Tributária” ou tenham relação direta à matéria. É o caso, por exemplo, do caput e de vários dos incisos do art. 5º da CF (incs. X, XII, XXXIV, XXXV, LV, etc.), do art. 37 da CF (Princípios Gerais das Instituições Públicas), do art. 170 da CF (Princípios Gerais da Ordem Econômica), além dos arts. 163 a 169 (Direito Financeiro e Orçamentário), entre outros. Inegavelmente, integrando a Constituição Federal de 1988, várias das emendas constitucionais instituídas em pouco mais de 20 anos, foram responsáveis por várias alterações do Sistema Tributário Nacional. Contudo, tais emendas nunca puderam afetar os direitos e garantias fundamentais dos
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cidadãos-contribuintes, que constituem cláusulas pétreas, ou seja, direitos e garantias fundamentais – imunidades em matéria tributária e princípios tributários, por exemplo. Quanto à interpretação das normas constitucionais em matéria tributária, deve ser sempre observada a priori a Hermenêutica Constitucional, de forma especialíssima, com todas as suas peculiaridades. Por óbvio, a posteriori todas as regras próprias da Hermenêutica Tributária poderão ser aplicadas.
2.2. AS LEIS COMPLEMENTARES TRIBUTÁRIO NACIONAL
E O
CÓDIGO
As Leis Complementares à Constituição Federal são normas nacionais, que necessitam de quórum qualificado e maioria absoluta para suas aprovações. São normas que devem estabelecer regras gerais sobre a tributação, segundo estabelecem os incisos constantes do art. 146 da Constituição Federal de 1988. O Código Tributário Nacional, por exemplo, possui o status de Lei Complementar. Com a promulgação da atual Constituição, o Código Tributário Nacional não só foi recepcionado, mas, também, foi provido: deixou de ser tratado com o seu status originário de lei ordinária e passou a merecer o status próprio e dispensado às leis complementares. Na prática, o emprego da lei complementar tem se mostrado limitado pela própria Constituição Federal, que indica ou sinaliza as hipóteses em que a mesma será necessária como, por exemplo, ocorre no caso do artigo 155, §2º, inc. XII, alíneas “a” e “i”, responsável pela instituição da Lei Complementar 87/96.
2.3. AS LEIS ORDINÁRIAS, LEIS DELEGADAS MEDIDAS PROVISÓRIAS
E
As leis ordinárias são as normas por excelência do Direito Tributário brasileiro. São normas que não necessitam de quórum qualificado para serem aprovadas, nem de maioria absoluta, bastando para suas aprovações a maioria simples. Em regra, os tributos devem ser instituídos por lei, é dizer, por lei ordinária, salvo previsão constitucional em outro sentido – requerendo a instituição por via de lei complementar, por exemplo. Em tese, as “leis delegadas” – instituídas pelo Poder Executivo, após autorização dada por resolução do Congresso Nacional, no termos do §2º do art. 68 da Constituição Federal de 1988 – podem disciplinar qualquer matéria
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tributária sujeita à lei ordinária. Contudo, nunca poderão versar sobre questões próprias de serem veiculadas por lei complementar. Na prática, a instituição de medidas provisórias – e, até mesmo, de normas complementares – é adotada como uma alternativa mais eficiente em face da necessidade de autorização concedida pelo Congresso Nacional ao Presidente da República para a edição de leis delegadas em matéria tributária. Sem entrar em polêmica e considerando o firmado, notadamente, junto ao Supremo Tribunal Federal, após o advento da ordem constitucional de 1988, as “medidas provisórias” – versões atuais dos extintos “decretos-leis” – quase tudo passaram a poder em matéria tributária. São veículos normativos hábeis para instituir, ou majorar, um tributo, por exemplo, ainda que inexista qualquer norma constitucional expressa, nesse sentido (AI-AgR 236.976/ MG, Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, 17.08.1999). As medidas provisórias só não podem substituir e fazer às vezes das leis complementares, segundo o artigo 62, § 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988. Importante, ainda, frisar que as “medidas provisórias” podem ser instituídas nos três níveis da federação brasileira.
2.4. OS DECRETOS LEGISLATIVOS INTERNACIONAIS
E OS
TRATADOS
Os decretos legislativos são os veículos normativos pelos quais os tratados internacionais em matéria tributária ingressam em nossa ordem jurídica interna. Atualmente, os tratados internacionais em matéria tributária têm sido celebrados não só para evitar a possibilidade de bitributação, ou pluritributação, mas, também, para facilitar o intercâmbio de informações fiscais entre as administrações tributárias de diferentes países. Outra importante função dos decretos legislativos diz respeito à regulação dos efeitos das medidas provisórias não convertidas em lei.
2.5. AS RESOLUÇÕES
E OS
CONVÊNIOS
São normas fundamentais para assegurar o pacto federativo. Ambas garantem uma maior harmonia e coordenação entre os entes federados. As resoluções e os convênios podem ser instituídas pelos Poderes Legislativos ou Executivos, sempre se sujeitando à eventual controle passível de ser exercido pelo Poder Judiciário, no âmbito de suas competências.
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O inciso IV do artigo 100 do Código Tributário Nacional autoriza a celebração de “convênios” com natureza administrativa entre os entes federativos – União, Estados, Distrito Federal e Municípios –, justamente, com aquela função – garantir o Pacto Federativo – e, ainda, aclara a natureza de “norma complementar específica” – em verdade, “norma atípica” – desses convênios.
2.6. AS NORMAS COMPLEMENTARES São normas de natureza administrativa. Podem ser consideradas atípicas, isto porque, não são instituídas por um parlamento. São merecedoras de vários “rótulos”: portarias, regulamentos, instruções normativas, circulares, etc. As normas complementares são lembradas pelo art. 100 do Código Tributário Nacional, que em seus incisos não as exaure.
2.7. A JURISPRUDÊNCIA ADMINISTRATIVA E JUDICIAL Os entendimentos e as decisões individuais, ou coletivas, proferidas por órgãos jurisdicionais competentes de natureza administrativa, ou judicial, constroem a “jurisprudência”34, que é uma inegável fonte do Direito, inclusive, por seu caráter institucional e oficial.
2.8. OS USOS
E
PRECEDENTES ADMINISTRATIVOS
A diferença entre os “usos” e os “costumes” – “espécie” e “gênero”, respectivamente – é muito sutil, isto porque, no universo do Direito, ambas as figuras provenientes da Sociologia manifestam uma mesma natureza, que se denomina consuetudinária.
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Felipe Clemente de Diego define: “Jurisprudencia, prudentia juris, significa conocimiento del Derecho, percepción de lo justo, intuición y apreciación de la debida ordenación de las relaciones de la vida social. Pero lo justo, que es siempre ordenación y proporción con el orden de las relaciones esenciales a la sociedad humana, se percibe tanto en las especies concretas como en las proposiciones abstractas, como en la relación que liga aquéllas con éstas, tanto en los casos singulares como en los generales y típicos, tanto en los hechos como en los principios más comunes y universales. Prudencia juris, en este respecto, es el sentido jurídico, el sentimiento vivo de la justicia intrínseca de las relaciones de la vida social, por lo que se discierne lo justo de lo injusto, y el agente se dispone a obrar justamente, apartándose de la iniquidad y de la injusticia; prudente en lo moral como en lo jurídico…” (La Jurisprudencia como Fuente del Derecho. Madrid: Reus, 1925, pp. 43 e 44).
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Os “usos” integram o Direito Consuetudinário em seu sentido lato, é dizer, representam os costumes em sentido “lato sensu”. Podem ser considerados no Direito, como “atos” ou “condutas” – fatos ordinários (simples ou complexos) – realizados de forma reiterada e habitual, que denotam apenas relativa legitimidade por carecerem sempre de qualquer previsão legal expressa ou, ainda, de reconhecimento jurisprudencial – administrativo ou judicial. No Direito Público, os “usos” – como, por exemplo, o denominado “uso fiscal” (expressão adotada por Fernando Sainz de Bujanda)35 – podem ser entendidos como práticas reiteradas no âmbito do Estado LegisladorAdministrador-Juiz, que se impõem com um caráter de constância à margem de qualquer fundamento legal expresso. Nesse sentido, os “usos administrativos” – expressão equivalente à anterior e utilizada no âmbito tributário por Jaime García Añoveros – são práticas impostas, ou toleradas, em razão do poder discricionário dos agentes públicos36. Do ponto de vista ontológico, os “usos administrativos” – “práticas administrativas” – não podem ser confundidos com os denominados “precedentes administrativos” 37 , porque esses últimos representam manifestações institucionais exaradas em caráter oficial sobre certa e determinada matéria, até mesmo, relativa a uma prática administrativa38. Os
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Cf. Hacienda y Derecho. Vol. I. Estudios de Administración. Reimp. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1975, p. 441. Nesse sentido: Jaime Basanta de la Peña (cf. Las Fuentes no Escritas del Derecho Tributario, en XIX Semana de Estudios de Derecho Financiero. Madrid: Mutualidad Benéfica del Cuerpo de Inspectores Técnicos de Timbre del Estado y Derecho Financiero, 1972, p. 279). Jaime Basanta de la Peña reitera com base na doutrina que o “precedente administrativo” consiste na “… resolución sustantiva de la Administración sobre cuestiones sometidas a la misma y generadora de derechos e intereses para los particulares (Ortiz Díaz)” e aclara: “(...) A diferencia, por tanto, de la práctica administrativa, los precedentes suponen criterios explícitamente mantenidos como tales mientras que aquélla no representa más que rutina administrativa” (Las Fuentes no Escritas del Derecho Tributario, en XIX Semana de Estudios de Derecho Financiero. Madrid: Mutualidad Benéfica del Cuerpo de Inspectores Técnicos de Timbre del Estado y Derecho Financiero, 1972, p. 280). Juan José Bayona de Porogordo e Maria Teresa Soler Roch examinam a doutrina e a jurisprudencia para observar: “(...) En particular en el ámbito del Derecho Tributario se ha considerado que el tributo, al menos en la regulación de sus elementos esenciales, no puede ser regulado sino mediante ley (CORTES DOMINGUEZ, FERREIRO). (...) Para TEJERIZO LOPEZ, a través de la aplicación supletoria del Derecho común puede admitirse, en teoría, la aplicación de la costumbre como fuente de Derecho (por remisión al Título preliminar del Código Civil), pero su importancia práctica en el Derecho Financiero es muy escasa, o más bien nula. (...) ...MARTINEZ LA FUENTE entiende que si bien la costumbre independiente no resulta aplicable en Derecho Financiero, sí lo es la costumbre dependiente; es aquella a la cual se remite la ley de manera expresa, ya que la remisión legal le otorga un valor normativo especial. (...)
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“precedentes administrativos” podem ser construídos por força normativa – através da edição de uma norma complementar (oriunda do Poder Executivo) – ou jurisprudencial – decisão de órgão jurisdicional coletivo, ou individual, de natureza administrativa –, segundo os incisos I e II do art. 100 do CTN. O inciso III do artigo 100 do CTN confere o devido e merecido status de fonte formal aos “usos administrativos” ou “usos fiscais”, que foram considerados pelos legisladores como “...práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas”. Seria, por exemplo, uma prática administrativa usual – “uso administrativo ou fiscal” – o recebimento dos mais diversos requerimentos – consultas, impugnações, recursos, defesas, etc. – fora dos limites fixados por lei, como horário oficial do serviço geral de protocolo de uma entidade administrativa fiscal. Imaginem que uma lei estabeleça que esse serviço de protocolo deva funcionar até as 17:00 horas, mas que o mesmo funcione habitualmente e de fato sempre até as 18:00 horas. Ora, nesse caso, não deverá prevalecer o horário estipulado pela lei, mas, sim, o horário adotado em razão da prática reiterada pelas autoridades administrativas, que sempre receberam os mais diversos requerimentos até as 18:00 horas. De modo geral, considerando os “costumes administrativos”, enquanto gênero, o emprego dos “usos ou precedentes” em matéria tributária deve ser sempre considerado legítimo, desde que derive da técnica de “bom senso” da “boa administração” – imperativo proclamado pelo Princípio da Moralidade
Para CORTES DOMINGUEZ, la práctica administrativa es el uso de la Administración que se distingue de la costumbre por no contener convicción en cuanto a su vinculadoriedad; es simplemente una forma característica de la actuación administrativa. No tiene carácter normativo, pero constituye una prueba del sentido que da la Administración a una determinada norma. Para GARRIDO FALLA, la obligatoriedad de la práctica administrativa empieza allí donde haya podido crearse un principio de apariencia jurídica que induzca al administrado a creer correcta una actuación suya en un sentido determinado. El precedente consiste para CORTES DOMINGUEZ, en la actuación de la Administración cuando resuelve. En cuanto a su eficacia, la doctrina administrativista viene considerando que el particular puede acogerse al precedente para forzar la actuación administrativa en un determinado sentido y que la Administración no puede apartarse de él cuando de ello se derive una discriminación arbitraria para el particular (GARCIA DE ENTERRIA). Para TEJERIZO LOPEZ, ni los usos ni el precedente administrativo son fuentes del Derecho Financiero; el primero, por su carácter interno y el segundo por cumplir una función similar a la jurisprudencia, pero en el ámbito de las resoluciones administrativas. No obstante, su incumplimiento no fundado por parte de la Administración, constituye una evidente manifestación de poder. En este sentido los principios de igualdad ante la ley y seguridad jurídica han sido invocados como fundamento de la validez del precedente; aquellos principios sólo ceden ante el de legalidad, en caso del precedente contrario a Derecho (sentencia del TS de 12 de julio de 1982).” (Derecho Financiero. Vol. I. 2ª ed. Alicante: Compas, 1989, pp. 317 e 318).
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(caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988) –, que é uma exigência institucional inerente ao exercício funcional e ético dos agentes públicos, inclusive, na seara fiscal. Em definitivo, os “usos e precedentes administrativos” são fontes formais no Direito Tributário brasileiro, ainda que possam ser enquadrados entre os “costumes naturais”39.
3.0. FONTES MATERIAIS Carecedoras de um pleno reconhecimento institucional em razão de suas origens – tais fontes são estranhas ao Estado –, as “fontes materiais” devem ser vistas como as “verdadeiras” – e, quem sabe, as “únicas” – “Fontes do Direito” – “justo” –, isto porque, como tais, devem sempre cumprir uma dupla missão: •
inspirar a própria instituição das fontes formais; e
•
nortear os operadores do Direito de forma complementar, sempre que as fontes formais se revelarem insuficientes.
3.1. OS PRINCÍPIOS GERAIS
DO
DIREITO
Historicamente, a menção expressa aos “Princípios Gerais do Direito”, entre as fontes do Direito, ocorreu pela primeira vez com a instituição do Código Civil italiano de 186540. Os “Princípios Gerais de Direito” correspondem aos “Princípios de Justiça”, isto porque, são mandamentos próprios do Direito Natural, que constituem máximas de moralidade jurídica. Enquanto mandamentos supremos, os “Princípios Gerais do Direito” limitam o exercício do Poder Tributário, uma vez que albergam direitos e
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Felipe Clemente de Diego destaca que essa é a posição de alguns autores (cf. Fuentes del Derecho Civil Español. Serie I. Vol. 6. Madrid: Residencia de Estudiantes, 1922, p. 278). Sobre a gênese em nível legislativo e a discussão em torno do alcance dos “Princípios Gerais do Direito”, Antonio Gordillo Cañas reconhece: “(...). A raíz de su consagración legal en el viejo Códice de 1865, la doctrina italiana se debatió entre la concepción que los entendía reflejo y derivación del Derecho Natural y la positiva, que los interpretaba como extraídos de la Ley positiva y dependientes de la misma...” (Ley, Principios Generales y Constitución: Apuntes para una Relectura, desde la Constitución, de la Teoría de las Fuentes del Derecho. Col. Pensamiento Jurídico. Madrid: Centro de Estudios Ramón Areces, 1990, pp. 43 y 44). Nesse sentido Carlos Maximiliano Pereira dos Santos (cf. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 5ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Barros, 1951, p. 358).
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garantias dos cidadãos-contribuintes, ou seja, direitos humanos fundamentais, que devem ser considerados imprescritíveis, inalienáveis e irrenunciáveis. Federico de Castro y Bravo destaca que os “Princípios Gerais do Direito” são regras provenientes da ordem natural, que devem servir de base para a instituição do ordenamento positivo, através da criação de leis pelo devido processo legislativo41. Nesse sentido, Fernando Garrido Falla afirma que os “Princípios Gerais do Direito” são “mandamentos de Direito Natural” inspiradores da ordem jurídica e informadores do ordenamento positivo42. Ao tratar da temática dos Princípios Gerais do Direito na seara administrativa, Jesús González Pérez identifica os “Princípios de Direito Natural” com os “Princípios Imutáveis de Justiça”43. Ao tratar das fontes supletivas da legislação tributária, o Código Tributário Nacional em seu art. 180, incisos I e II, se refere aos Princípios Gerais de Direito Tributário e aos Princípios Gerais de Direito Público, respectivamente. Na seqüência, o art. 109 do Código Tributário Nacional limita o emprego dos Princípios Gerais do Direito Privado no âmbito tributário, restringindo o emprego dos mesmos em relação à definição dos efeitos tributários derivados de conceitos, institutos e formas próprios do Direito Privado. Sem dúvida, tal limitação se firma em prol da autonomia qualificadora do Direito Tributário.
3.2. A EQÜIDADE A “medida do justo direito” representa a verdadeira essência da “eqüidade” – aequitate, do latim. Neste sentido, o professor Bernardo Ribeiro de Moraes examina a doutrina e ensina que a eqüidade pode ser entendida “...como sinônimo de direito ideal (Vander Eryton), de direito justo (Stamler), de direito natural (Aristóteles), de princípio ético (Groppali) ou de justiça absoluta (Teixeira de Freitas)”44. Seguindo o magistério de Ruy Barbosa Nogueira, Bernardo Ribeiro de Moraes preceitua que a “eqüidade” contemplada pelo legislador pátrio, enquanto fonte
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Cf. Derecho Civil de España. Tomo I. 3ª ed. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1955, p. 460 et seqs. Las Fuentes del Derecho en la Constitución Española, en La Constitución Española y Las Fuentes del Derecho. Vol. I. Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 1979, pp. 42 e 43. Los Principios Generales de Derecho y la Constitución, en La Constitución Española y las Fuentes del Derecho. Vol. II. Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 1979, p. 1163. Compêndio de Direito Tributário. Vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 225.
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subsidiária do Direito Tributário, denota uma mitigação do brocardo dura lex sed lex, devendo suavizar e humanizar a aplicação do direito posto45. A “eqüidade” pode ser empregada pelo operador do Direito, caso os Princípios Gerais do Direito não cumpram com suas funções e desde que a sua utilização não resulte na dispensa de pagamento de tributo, segundo estabelecem o inciso IV e o §2º do artigo 108 do Código Tributário Nacional. Não cabe, assim, empregar a eqüidade para a concessão de imunidades ou isenções em matéria tributária. O Código Tributário Nacional não impede a utilização da eqüidade em relação às penalidades e obrigações acessórias. Não impede, ainda, sua ponderação em nível administrativo para a outorga de perdão total, ou parcial, da dívida tributária, segundo o inciso IV do art. 172 do Código Tributário Nacional.
3.3. OS COSTUMES Em sentido lato, os costumes são práticas usuais e freqüentes, comuns e ordinárias, passíveis de serem qualificadas pelo Direito. Em geral, os costumes decorrem a priori da cultura, religião e etnia de um povo. Tratam-se, assim, de práticas sociais correntes. Pode-se afirmar que a posteriori os costumes integram o Direito Consuetudinário em seu sentido estrito, através do devido processo formal de harmonização jurisprudencial, ou do reto acolhimento em nível legislativo46, baseado em construções reiteradas sobre certa e determinada prática, que passa a ser reconhecido pela ordem jurídica47. É dizer, os “costumes” – considerados em seu “sentido estrito” – podem ser entendidos, inclusive, como fontes formais do Direito.
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Cf. Compêndio de Direito Tributário. Vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 1999, pp. 226 e 227. No Direito Tributário, depois de reconhecer a força integradora dos costumes nas normas escritas, Luis Maria Cazorla Prieto indica: “En otros supuestos es la propia jurisprudencia la que dota a la costumbre de carácter integrador de la norma escrita.” El autor, también, reconoce que los tribunales no se posicionan de forma unánime sobre el tema (cf. Derecho Financiero y Tributario. Parte General. 3ª ed. Elcano: Aranzadi. A Thomson Company, 2002, p. 140). De forma objetiva, Leopoldo García Alas y García Argüelles afirma que a jurisprudeência é “...un procedimiento para crear costumbre (costumbre que puede llegar á la categoría de derecho) bien por la interpretación en un determinado sentido de los preceptos legales dudosos, bien por la aplicación de un principio de derecho cuando la ley o la costumbre faltan en absoluto. (...) ...la jurisprudencia puede ser á lo más uno de los medios de crear derecho consuetudinario.” (Las Fuentes del Derecho y el Código Civil Alemán. Biblioteca de la “Revista General de Legislación y Jurisprudencia”. Vol. XII. Madrid: Reus, 1917, pp. 11 e 12).
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A discussão jurisprudencial sobre um certo “uso” – “costume em sentido lato sensu” – pode atribuir relativa legitimidade e legalidade, desde que sua reiterada aceitação social se torne reconhecida pelos Tribunais em sentido estrito como “costume em sentido estrito” ou “usos legais impróprios”. Igualmente, os “usos” podem gozar de relativa legitimidade, desde que sejam reconhecidos de forma expressa pelos ordenamentos positivos, como “usos legais próprios”48. Os usos legais próprios e impróprios são relativos, desde o ponto de vista de sua legitimidade e/ou legalidade, porque “...el error no crea derecho; un derecho consuetudinario que descansa en el error, no debe ser aplicado extensivamente por analogía; una costumbre irracional no crea derecho; un derecho irracional no debe ser aplicado extensivamente por analogía”, segundo Leopoldo García Alas y García Argüelles49. Referindo-se ao reconhecimento e aplicação das normas consuetudinárias no Direito Administrativo, Adolf Merkl em posição contrária ao defendido por Otto Mayer – a lei é “irrefutável” e com sua “força formal” desfruta sempre de “preferência”, inclusive, sobre o Direito Consuetudinário (“histórico” e “de observância”)50 – e, ainda, por Santi Romano – o costume é “...una norma che risulta dalla costante uniformità di un dato modo di agire o non agire e dalla convinzione che tale comportamento sia giuridicamente obbligatorio...”, ou seja, é “...una norma che si forma spontaneamente e senza un particolare atto di voluntà, e che è, considerata in sè e per sè, norma giuridica.”51 – ressalta que na prática administrativa a importância atribuída “...a la costumbre se halla
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Na linha de Pfenniger, Felipe Clemente de Diego aponta as quatro teorías sobre o translado dos “costumes naturais” – “usos” – ao “universo do Direito”: “1ª. La transformación de la costumbre en Derecho se realiza por virtud o en consecuencia de la convicción general jurídica de los que la usan (teoría de la convicción). 2ª. Esa transformación sólo es posible si, al lado de los que la practican, existe la voluntad de hacer de la regla de Derecho para lo futuro (teoría de la voluntad). 3ª. Esa metamorfosis se cumple bajo el influjo del uso constante y repetido (teoría del usos); y 4ª. Sólo puede realizarse tal cambio por el consentimiento del lado del Estado (teoría de la concesión). Esta última teoría es susceptible de dos variedades, puesto que la concesión y consentimiento pueden darse especialmente para cada caso concreto (sistema de concesión en sentido estricto) o de un modo general para aquellas costumbres que lleguen a cumplir determinados requisitos (sistema normativo).” (Fuentes del Derecho Civil Español. Serie I. Vol. 6. Madrid: Residencia de Estudiantes, 1922, pp. 278 e 279). Las Fuentes del Derecho y el Código Civil Alemán. Biblioteca de la “Revista General de Legislación y Jurisprudencia”. Vol. XII. Madrid: Reus, 1917, p. 26. Derecho Administrativo Alemán. Parte General. Tomo I. Trad. Horacio H. Heredia y Ernesto Krotoschin. Buenos Aires: Depalma, 1949, pp. 95-97 e 161-180. Corso di Diritto Amministrativo. Principî Generali. Vol. I. 2ª ed. Padova: CEDAM, 1932, p. 66.
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en evidente desproporción con el lugar asignado a la misma por la teoría dentro de las fuentes jurídico-administrativistas. (...) La manera de tratar el derecho consuetudinario es uno de los signos más eficaces para reconocer una teoría de las fuentes jurídicas de carácter generalizador que se desentiende de la condicionalidad espacial y temporal de las fuentes jurídicas”52. Sem dúvida, os elementos do Direito Consuetudinário – “usos” e “costumes” – devem figurar entre as fontes do Direito Administrativo e, em geral, do Direito Público. Contudo, a posição de Adolf Merkl colocando o “costume” na mesma linha de aplicação da “lei” – exceto da norma constitucional – como fonte especialíssima do Direito Administrativo é pouco equilibrada e sensata53, porque não se pode equiparar de forma objetiva e direta o peso normativo das normas infra-constitucionais em amplo sentido com o estado na ordem jurídica dos “costumes”, ainda que a matéria consuetudinária tenha sido examinada e ratificada pelos Tribunais superiores, através da reiterada jurisprudência em um mesmo sentido ou, inclusive, pela edição de “súmulas” derivadas do devido processo formal de “harmonização jurisprudencial”. No Direito Financeiro, Fernando Sainz de Bujanda considera os “usos” e “costumes” como fontes consuetudinárias do Direito e destaca que “...si es cierto que la costumbre no es vehículo adecuado para que se incorporen al ordenamiento positivo normas jurídicas reguladoras del ciclo de ingresos y gastos del Estado, no hay que olvidar la enorme trascendencia que tiene como expresión de los criterios interpretativos de las normas legales. El uso fiscal es uno de los elementos que habrá de tenerse en cuenta para humanizar el Derecho tributario y para vigorizar el principio de la buena fe, cuando no sea notoriamente contrario a la ley”54. O alcance do Direito Consuetudinário no Direito Público e, especialmente, no Direito Tributário55 depende sempre da “boa fé”, que como
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Teoría General del Derecho Administrativo. Granada: Comares, 2004, p. 137. A posição de Adolf Merkl encontra amparo na posição de Julio Hatschek, que aproxima os conceitos de “costume” como gênero e de “usos” como espécie: “...aquella norma jurídica que se aplica constantemente dentro de un determinado círculo de interesados en virtud del convencimiento de su obligatoriedad jurídica y bajo la previa aprobación, por lo menos tácita, del poder legislativo.” (Teoría General del Derecho Administrativo. Granada: Comares, 2004, p. 137). Hacienda y Derecho. Vol. I. Estudios de Administración. Reimp. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1975, p. 441. Narciso Amorós Rica reconhece: “La importancia jurisprudencial, en general, en materia tributaria, es fácilmente comprensible cuando se analizan los considerandos de los respectivos fallos y se ve cómo de una forma reiterada y constante se justifican a través de las resoluciones o sentencias dictadas anteriormente
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corolário do “Princípio da Moralidade” se apresenta como requisito indispensável para impedir o “desvio do poder de tributar” – no pólo ativo da relação jurídica existente e verificada entre o “Estado-Fiscal” e o “cidadãocontribuinte” – e o “abuso do direito” – no pólo passivo –, com o objetivo de conferir validez e sobrevida aos “usos” e “costumes” na ordem jurídica56.
3.4. DOUTRINA Não se trata de ponto pacífico aceitar a doutrina como fonte do Direito. Muito pelo contrário. Considerar a doutrina como fonte do Direito é uma posição polêmica na Ciência Jurídica, em especial, no campo tributário. De todos os modos, ainda que pese a polêmica, não se pode negar o caráter criador da doutrina, até mesmo, no Direito Tributário. De forma inconteste, o Direito Tributário atual não seria o mesmo sem os labores incessantes e criadores de alguns insignes autores como, por exemplo, Albert Hensel, Achille Donato Giannini, Benvenutto Griziotti, Ezio Vanoni, Gian Antonio Micheli, Heinrich Wilhelm Kruse, Fernando Sainz de Bujanda e Eusebio González García. Só para citar alguns nomes do Direito Tributário em nível mundial, sem se referir – com a intenção de não cometer injustiças – aos mais destacados e reconhecidos autores nacionais57.
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por el mismo Tribunal o su superior jerárquico y que se convierte, por tanto, en la interpretación casi obligada de la norma que pretende aplicar.” [Las Fuentes Indirectas (Jurisprudencia y Doctrina Científica), en XIX Semana de Estudios de Derecho Financiero. Madrid: Derecho Financiero, 1972, p. 298]. Nesse sentido, Jaime Basanta de la Peña coincide com as palabras de Jaime García Añoveros, que identifica uma realidade onde “...la aplicación de los tributos está en la práctica plagada de usos, muchos de ellos contrarios a la Ley; usos de la Administración, casi siempre, y también de los particulares. (...) Los usos administrativos en materia tributaria generan expectativas, no décimos legítimas o ilegítimas, que en ocasiones concretas se ven defraudadas, dando lugar a situaciones de injusticia distributiva. Por ejemplo, las diferentes oficinas liquidadoras de impuestos crean unos usos en la aplicación de las normas sobre estimación de valores, y si ya es de resultados poco equitativos el hecho de que los usos sean diferentes según la localización geográfica de las oficinas, mucho más injusto es que el uso se suspenda para ciertos casos concretos, con el resultado de perjudicar o beneficiar singularmente a algunos sujetos pasivos. La importancia de los usos es grande también desde el punto de vista del control jurisdiccional de los actos administrativos en materia tributaria, a través del mecanismo de desviación de poder.” (Las Fuentes no Escritas del Derecho Tributario, en XIX Semana de Estudios de Derecho Financiero. Madrid: Mutualidad Benéfica del Cuerpo de Inspectores Técnicos de Timbre del Estado y Derecho Financiero, 1972, p. 279). A “Exceção de Pré-Executividade”, por exemplo, é resultado de uma construção doutrinária, concebida por Pontes de Miranda, quem nunca imaginou que contribuiria de sobremaneira para a operacionalidade do Direito Processual Tributário.
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É inegável, portanto, a contribuição dada pelos doutrinadores para esta disciplina jurídica. Suas lições colaboraram de sobremaneira para a atual conformação dos sistemas tributários contemporâneos. Sendo, pois, esses ensinamentos fontes do Direito Tributário.
4.0. AS FONTES
DO
DIREITO
EM FACE DA
ANALOGIA
A analogia não é fonte do Direito, mas merece ser considerada na temática, em especial, quanto à aplicação das fontes materiais do Direito. A “analogia” é o primeiro recurso posto ao alcance dos exegetas, após a interpretação das fontes formais se mostrarem insuficientes do ponto de vista aplicativo58. É dizer, fracassada a interpretação literal – com o devido espírito crítico – e a interpretação extensiva – histórica, sistemática e teleológica (finalística) –, o emprego da analogia terá cabida e as fontes materiais poderão ser invocadas e manejadas pelo operador do direito. A analogia possui um inegável “caráter interpretativo”59, uma vez que possibilita ao exegeta a recriação do direito obscuro, ou lacunoso, desde sua
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Giorgio del Vecchio observa (cf. Capítulo 2.3.2): “O dever de recorrer à analogia e, no caso de ser preciso, aos princípios gerais de Direito, sempre que a controvérsia não possa ser resolvida com a aplicação do preceito expresso na lei, resulta para o juiz, no sistema de direito italiano, do artigo 3º. das disposições preliminares do Código Civil de 1865 («Sobre a publicação, interpretação e aplicação das leis em geral»). No Código Civil de 1942, o qual, neste ponto, marca um retrocesso, substitui-se a fórmula «princípios gerais de Direito» por esta outra, assaz menos própria: «princípios gerais do ordenamento jurídico do Estado». (Disposições sobre a lei, em geral, artigo 12º). Em caso algum, porém, o juiz poderá denegar justiça, a pretexto de silêncio, obscuridade, contradição ou insuficiência da lei. Para cada caso deve haver uma norma; se esta não foi expressamente formulada pelo legislador, cumpre ao juiz acha-la com a ajuda dos meios já indicados. Muito se discutiu já, e continua-se a discutir, acerca do significado preciso da expressão: «princípios gerais de Direito». No entender de alguns, trata-se dos princípios que mediante um processo de generalização, em substancia não diferente da analogia, se podem extrair das normas já existentes. Mas contra esta maneira de ver pode observar-se, antes de mais nada, com referência aos artigos de lei antes citados, que os princípios gerais são invocados precisamente para os casos que não se podem resolver pelo recurso à analogia. Na realidade, é completamente errôneo supor que a analogia é susceptível de estender-se indefinidamente ou que a generalização das normas existentes bastará para se encontrar um critério em todos os casos. A verdade é, precisamente, o contrário: a fonte inexaurível do Direito é constituída pela natureza das coisas, tal como esta pode ser apreciada pela nossa razão. A esta fonte, que uma tradição muitas vezes milenária chama direito natural, teve o legislador italiano a intenção de se referir... A fórmula consagrada pelo novo código é, não só imprecisa, mas também inexacta, se por ela se dever presumir que as normas jurídicas positivas contemplam todos os casos possíveis. E certamente supérflua, se por ela se dever entender que em caso algum aquelas normas deverão ser desmentidas pela sentença do juiz.”(Lições de Filosofia do Direito. 5ª ed. Trad. António José Brandão. Coimbra: Armênio Machado, Sucessor, 1979, pp. 380 e 381). Andrea Amatucci reconhece a natureza interpretativa da analogia (cf. L’ordinamento Giuridico della Finanza Pubblica. 7ª ed. Napoli: Jovene, 2004, 245 y 246). Dino Jarach também reconhece
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perspectiva formal, ou material, através do emprego da “analogia legis”, ou da “analogia juris”, respectivamente, por via do processo de “interpretação integrativa” ou, simplesmente, em razão da “integração” – a consideração de uma ou outra forma é irrelevante no plano aplicativo. De forma expressa, o §1º do artigo 108 do Código Tributário Nacional veda o emprego da analogia para instituir novo tributo, na medida em que impede a exigência de tributo não previsto em lei por analogia. A redação deste dispositivo é pouco precisa, uma vez que, por força de uma interpretação literal, sem o devido espírito crítico, tem-se que a analogia teria cabida no Direito Tributário para impor e majorar tributos previstos em lei, através de uma ampliação da hipótese de imposição pré-existente. Na prática, porém, nenhuma obrigação tributária consistente no pagamento de tributo, ou penalidade, poderá decorrer do emprego da analogia. Igualmente, obrigações acessórias não poderão resultar do emprego da analogia – em face do império da legalidade em matéria administrativa (caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988) –, nem serem dispensadas em razão do seu emprego, segundo o inciso III do artigo 111 do Código Tributário Nacional. Também não será possível a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, bem como a outorga, ou a revogação, de isenção ou anistia, através do emprego da analogia. Com o emprego da analogia, todavia, obrigações tributárias principais poderão ser resolvidas.
a “interpretação analógica”, mas excluí a possibilidade de seu emprego no Direito Tributário (cf. Curso Superior de Derecho Tributario. Buenos Aires: Liceu Profesional CIMA, 1969, p. 271). A posição de Gian Antonio Micheli sobre a natureza da analogía não é diferente, ainda que considere “...respecto a las normas tributarias impositivas no es frecuente – pero tampoco conceptualmente imposible – la integración de la disciplina positiva mediante el recurso a los principios generales del ordenamiento jurídico del Estado, aunque sean sobreentendidos, ya que tales principios son por su propia naturaleza idóneos para concretar el presupuesto impositivo. Ello finalmente, parece adecuado para justificar la integración analógica y el recurso a los principios generales, recurriendo (supuesto frecuente realizado en distintas direcciones) al principio de equidad tributaria junto con la capacidad contributiva, ya que estos son aplicables en los distintos presupuestos tributarios previstos en la ley. Esta, por otra parte, debe ser interpretada e integrada, como se ha visto de forma anormal. Sólo la estructura del precepto normativo pone de hecho algunos límites que exigen por el contrario ser considerados, pero sin aducir ningún argumento válido de derecho positivo, bajo el prisma de la incompatibilidad de la ley tributaria con la interpretación analógica.” (Curso de Derecho Tributario. Trad. Julio Banacloche. Madrid: Derecho Reunidas, 1975, p. 138). Nesse sentido, Fernando G. Sanz de Urquiza adota o emprego da expressão “interpretação analógica” (cf. La Interpretación de las Leyes Tributarias. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1990, p. 58 et seqs). Por outra parte, Clemente Checa González segue a posição de Fernando Pérez Royo e não reconhece a analogía como uma forma de criação ou interpretação do Direito, mas como um procedimento abstrato (cf. Interpretación y Aplicación de las Normas Tributarias: Análisis Jurisprudencial. Valladolid: Lex Nova, 1998, p. 251).
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Pelo emprego da analogia pode-se, por exemplo, alcançar a extinção do crédito tributário e, por óbvio, fazer cessar a própria obrigação tributária considerada principal. É, pois, o que se infere a partir de uma interpretação analógica do artigo 156 do Código Tributário Nacional, que trás um rol meramente exemplificativo. Nesse caso, baseando-se de forma suplementar no Código Civil, o emprego da analogia legis possibilitaria a extinção da obrigação tributária pela “confusão” ou, ainda, pela “novação”. Sem invocar o emprego da analogia e partindo da lição de Aliomar Baleeiro, o professor Luciano Amaro considera que a “confusão” – art. 381 do Código Civil – e a “novação” – art. 360 do Código Civil –, também, constituem causas responsáveis pela extinção da obrigação tributária principal60.
4.1. ANALOGIA LEGIS A elucidação de uma ambigüidade legal requer a exegese do texto normativo, através da aplicação do devido procedimento de interpretação analógica para dirimir sua obscuridade. A expressão “analogia legis” designa um dos dois tipos de analogia, que consiste no emprego do processo de interpretação analógica nos estritos limites do ordenamento positivo, com o propósito de superar suas obscuridades normativas. Inclinando-se, implicitamente, no sentido da “analogia legis”, Ezio Vanoni explica: “El procedimiento analógico consiste en la extensión de un precepto legal a supuestos no comprendidos en el mismo, pero que revisten, con las hipótesis previstas por las normas, un grado de afinidad tal que puede afirmarse que se encuentra en la misma ratio jurídica que inspira la norma formulada.”61
Na mesma direção, Eusebio González García e Ernesto Lejeune Valcárcel observam que “...suele hablarse de analogía en derecho para referirse al procedimiento que consiste en la aplicación de los principios ordenadores extraídos de un determinado supuesto regulado en la Ley a otro supuesto esencialmente igual, pero distinto en los accidentes, que no aparece expresamente contemplado por ella”62.
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Cf. Direito Tributário Brasileiro. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, pp. 390 e 391. Naturaleza e Interpretación de las Leyes Tributarias. Trad. Juan Martín Queralt. Madrid: IEF, 1973, p. 338. Derecho Tributario. Vol. I. 2ª ed. Salamanca: Plaza Universitaria, 2000, p. 113.
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Acompanhando a posição de Ezio Vanoni63, outros autores consideram que a aplicação da analogía requer a exata compreensão da idéia de “igualdade no esencial e diversidade no acidental”, ou seja, demanda o necessário entendimiento do alcance da expressão “relação de semelhança”, que no plano legal invoca “...la aplicación al supuesto no expresamente regulado de los principios ordenadores extraídos del supuesto regulado”64. A analogia não pode criar um novo tributo, porque a analogia invoca a aplicação de uma regra jurídica imposta por um dos corolários dos Princípios Gerais do Direito, que se encontrem presentes no ordenamento positivo. Em verdade, o exegeta ao aplicar a analogia legis procura a ratio legis da norma tributária aplicando um “princípio jurídico”, que se situe no interior dos estritos limites formais oferecidos pela ordem jurídica, sem prejuízo das demais fontes formais do Direito Público e, em especial, do Direito Tributário. Ezio Vanoni aclara que “...la analogía no crea una norma nueva, sino que lo único que hace es aplicar un principio jurídico ya contenido en una norma expresa de la ley”65. É evidente, assim, que a “analogia legis” – considerada como fonte material – possibilita a realização do Direito Tributário – buscando a consecução da Justiça Fiscal – por intermédio da aplicação de um processo de interpretação integrador, que se centra no emprego dos próprios mandamentos – princípios e regras – acolhidos pela ordem positiva.
4.2. ANALOGIA JURIS A sistematização da “analogia juris” em contraposição à “analogia legis” se deve aos positivistas, que tentaram associar as dificuldades de aplicação dos Princípios Gerais do Direito a sua adoção na tentativa de combaterem as fontes materiais do Direito.
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Cf. Naturaleza e Interpretación de las Leyes Tributarias. Trad. Juan Martín Queralt. Madrid: IEF, 1973, pp. 338 e 339. Cf. Derecho Tributario. Vol. I. 2ª ed. Salamanca: Plaza Universitaria, 2000, pp. 113 e 114. Nesse sentido: Rubens Gomes de Sousa (cf. Compêndio de Legislação Tributária. 3a ed., coordenação IBET, obra póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, pp. 80 e 81). Naturaleza e Interpretación de las Leyes Tributarias. Trad. Juan Martín Queralt. Madrid: IEF, 1973, p. 345.
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Sem embargo, a concepção desta classificação contribuiu e muito para o aperfeiçoamento da Hermenêutica Jurídica, em especial, facilitando o processo de interpretação em prol da ratio legis66. Depois de se referir à concepção de Giorgio del Vecchio67, Ezio Vanoni explica que alguns autores inspirados por Windscheid adotam as expressões “analogia legis” e “analogia juris” para evitar a referência aos “Princípios Gerais do Direito”68. Em verdade, a classificação da analogia em “legis” e “juris” coloca em evidência o devido status – “categoria jurídica” – dos Princípios Gerais do Direito e de seus corolários, isto porque, a “analogia” pode ser considerada um “processo interpretativo” regulado pela Hermenêutica Jurídica, enquanto que os Princípios Gerais do Direito e seus corolários representam fontes do Direito. É dizer, os Princípios Gerais do Direito e seus corolários desempenham uma função instrumental no processo de “interpretação analógica”69. É curioso, mas depois de afirmar que a analogia não pode criar nada que nunca esteve na lei – noutras palavras, a “analogia” não é fonte do Direito, ao menos, desde sua perspectiva formal –, Eusebio González García e Ernesto Lejeune Valcárcel observam: “(...) Naturalmente, pueden surgir dudas respecto a esta consideración de analogía allí donde se la considere subsumida en los principios generales del Derecho.”70
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Nesse sentido: Francesco Ferrara (cf. Interpretação e Aplicação das Leis. Coimbra: Armênio Machado, 1978, p. 159) e Ricardo Lobo Torres (cf. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 127). Ezio Vanoni aclara que a ratio legis de uma norma jurídica pode ser compreendida através do estudo de seus elementos intrínsecos, ou seja, pela análise e compreensão de seu “meio” –“camnho através do qual a lei debe alcançar seu fim” – e “fim” – “fim particular que se propõe o preceito” (Cf. Naturaleza e Interpretación de las Leyes Tributarias. Trad. Juan Martín Queralt. Madrid: IEF, 1973, p. 269.). O autor entende os Princípios Gerais do Direito como “...os meios cujo emprego permitiria suprir as deficiências inevitáveis das suas prescrições positivas.” Además, afirma Giorgio del Vecchio que “...o próprio sistema normativo fornece os meios de integrar as suas lacunas, ao estabelecer o recurso às fontes subsidiárias: afinal, ao direito natural ou aos princípios gerais de direito. E este recurso deve considerar-se lícito e obrigatório, ainda mesmo quando não esteja consagrado expressamente, dada a necessidade de o juiz resolver todas as controvérsias possíveis.” (Lições de Filosofia do Direito. 5ª ed. Trad. António José Brandão. Coimbra: Armênio Machado, Sucessor, 1979, pp. 380 e 381). Cf. Naturaleza e Interpretación de las Leyes Tributarias. Trad. Juan Martín Queralt. Madrid: IEF, 1973, pp. 350 e 351. Vid. sobre a “interpretação analógica” no Direito Tributário: Massimo Severo Giannini (cf. L’interpretazione e L’integrazione delle Leggi Tributarie. Separata, en Rivista di Diritto Finanziario e Scienza delle Finanze. Milano: Giuffrè, 1941, pp. 95-128 e 171-198). Derecho Tributario. Vol. I. 2ª ed. Salamanca: Plaza Universitaria, 2000, p. 114.
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A observação dos autores manifesta uma certa inquietação e pode ser considerada uma referência indireta à analogia juris, uma vez que essa via interpretativa se encontra fundada na aplicação de “normas supletivas” – derivadas dos Princípios Gerais do Direito, que guardam identidade com os Princípios de Justiça – estranhas ao ordenamento jurídico, desde uma perspectiva objetiva em face ao caso em concreto, e capazes de que integrem as “lacunas legais”, inclusive no âmbito do Direito Tributário. A referida observação de Eusebio González García e Ernesto Lejeune Valcárcel – igualmente suscitada por Rubens Gomes de Sousa, que se centra na análise da jurisprudencia do Supremo Tribunal Federal71 – coincide com a preocupação manifestada por Ezio Vanoni, que com independência da concepção atribuída aos Princípios Gerais do Direito defende “...la necesidad, reconocida por la ley y por la doctrina jurídica, de completar también el edificio del derecho positivo con aquellas reglas que no han sido explícitamente formuladas legalmente”72. Realmente, o Direito sempre deve apresentar soluções para os casos em concreto, ainda que não possua as normas jurídicas adequadas em seu ordenamento positivo. Objetivando realizar o Direito de forma excepcional, o procedimento de interpretação analógica juris utiliza uma “norma supletiva” de índole subjetiva capaz de completar a “lacuna legal”, que objetivamente constitui uma “carência normativa formal” da ordem jurídica. As “normas supletivas” representam no plano objetivo um direito novo, porque não se encontram consagradas no ordenamento positivo e possuem uma “ratio legis” a ser demonstrada pelo exegeta no momento da aplicação do Direito em base aos Princípios Gerais do Direito. A “analogia juris” não pode se apoiar em uma norma supletiva contrária aos valores fundamentais da ordem jurídica. Contudo, sua aplicação pode transcender aos limites objetivos do ordenamento positivo e, em última análise, se fundar nos próprios Princípios de Justiça. Rubens Gomes de Sousa afirma que “...a interpretação analógica é admissível, porque não cria tributo novo mas apenas completa o alcance do
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Cf. Compêndio de Legislação Tributária. 3ª ed., coordenação IBET, obra póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 81. Naturaleza e Interpretación de las Leyes Tributarias. Trad. Juan Martín Queralt. Madrid: IEF, 1973, p. 351.
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direito existente: aliás, se rejeitássemos esta forma de interpretação, voltaríamos a exigir que a lei tributária enumerasse expressamente todos os casos”73. Tal afirmação sugere que o emprego da analogia em matéria tributária só pode reorientar a imposição tributária. Neste sentido, mas se inclinando em torno da analogia legis, Ezio Vanoni manifesta que “...la aplicación analógica de una norma tributaria no supone la creación de un nuevo tributo, sino que aplica el tributo ya existente, según los principios que le son propios”74. Portanto, os procedimentos de interpretação analógica não podem criar um novo direito – nem um novo tributo – seja em seu sentido formal ou material legis o juris, respectivamente. Contudo, a aplicação da analogia de uma forma correta pode conferir a devida solução ao caso em concreto, inclusive, na seara tributária.
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Compêndio de Legislação Tributária. 3ª ed., coordenação IBET, obra póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 81. Cf. Naturaleza e Interpretación de las Leyes Tributarias. Trad. Juan Martín Queralt. Madrid: IEF, 1973, p. 345.
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Interpretação do direito tributário
Marciano Seabra de Godoi Graduado em Direito (UFMG) e em Economia (PUC Minas), Mestre (UFMG) e Doutor (Universidade Complutense de Madri) em Direito Tributário, Professor da PUC Minas (graduação e programa de mestrado/doutorado em direito público) e Advogado/Consultor Tributário em Belo Horizonte.
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210 - INTERPRETAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO
1. CASOS
PRÁTICOS EM QUE OS MÉTODOS E OS RESULTADOS
DA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO FORAM EXPLICITAMENTE PROBLEMATIZADOS PELOS JULGADORES
Não é tradicional, no Brasil, estudar o direito a partir da jurisprudência dos tribunais. Há renomadas obras didáticas sobre o direito tributário que guardam um silêncio completo sobre as soluções interpretativas que prevalecem na jurisprudência1. Mas, a nosso juízo, o conhecimento científico e rigoroso do direito supõe necessariamente o estudo da jurisprudência. Mesmo aqueles que se propõem a oferecer ao leitor uma mera introdução a determinado ramo do direito não podem prescindir da abordagem séria da jurisprudência. Não conheceremos as normas que decorrem do texto constitucional se não investigarmos em profundidade os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal. É certo que esses acórdãos não consistem necessariamente nas melhores soluções interpretativas para nosso direito, mas constituem as soluções que – por diversos fatores – prevalecem nas atuais circunstâncias. Se os doutrinadores (que não têm o poder de decisão normativa tal como os juízes) não estudarem e avaliarem criticamente a jurisprudência, não conhecerão – e perderão grande parte da capacidade de influenciar – o direito concreto que existe mais além das soluções normativas defendidas por cada corrente doutrinária. Nesta primeira seção, apresentamos alguns casos em que os ministros do STF, diante de um concreto conflito de interesses, discutiram explicitamente como se deve interpretar uma norma tributária; se e quando o seu sentido literal mais evidente pode ser transcendido por outro sentido; se é ou não relevante considerar os efeitos práticos que serão gerados pela solução interpretativa que consideramos a única ou a mais correta. Com esta exemplificação prática prévia2, espera-se que o desenvolvimento (na segunda seção) do tema teórico da natureza do ato de interpretar seja muito mais proveitoso para o leitor, ainda mais em se tratando de uma obra didática como é o Curso no qual se insere o presente capítulo.
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Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Para um aprofundamento do necessário estudo jurisprudencial do tema da interpretação da norma tributária, vide a obra – praticamente única nesse gênero – de Atilla de Souza Junior: A interpretação do direito tributário segundo os tribunais. São Paulo: Resenha Tributária, 1991.
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• A IMUNIDADE DOS JORNAIS E DO PAPEL DESTINADO A SUA IMPRESSÃO A Constituição de 1946 vedava que os entes federativos lançassem “imposto sobre papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros” (art.31, V, “c”). A Carta de 1967 e sua Emenda de 1969 ampliaram a imunidade de forma a que a mesma abrangesse “o livro, o jornal e os periódicos, assim como o papel destinado à sua impressão” (art.19, III, “d”). Ao vedar a instituição de imposto “sobre o jornal”, a Carta de 1967/69 estaria vedando também a cobrança de imposto sobre o serviço de veiculação de anúncios e propagandas que é prestado pelas empresas jornalísticas? O sentido literal mais evidente indicaria que não, pois o texto normativo parece tomar o jornal não como uma atividade complexa e, sim, como um objeto, um objeto impresso (em papel também imune), assim como o é o livro e o periódico. Mas esse sentido literal mais evidente não prevaleceu na interpretação do STF, que, em abril de 1978, fixou – por uma folgada maioria de oito votos a dois – a exegese de que a imunidade dos jornais alcança “os serviços prestados pela empresa jornalística na transmissão de anúncios e de propaganda” (Recurso Extraordinário 87.049, DJ 1º.09.78, Relator para o acórdão o Ministro Cunha Peixoto). Os ministros que formaram a maioria, ao invés de glosarem com minúcias o texto da norma (critério gramatical) ou de procurarem sua relação com outras normas e princípios constitucionais (critério lógico-sistemático), preferiram levar em conta determinados aspectos fáticos e os efeitos práticos que seriam causados pela negativa da imunidade, indagando de que forma esses fatos e efeitos se relacionariam com os possíveis propósitos da norma. O Ministro Cunha Peixoto partiu da seguinte constatação fática: “nenhum jornal pode viver sem anúncio”. O Ministro Moreira Alves afirmou o fato de que os jornais são vendidos pelo preço que o são porque recebem pela propaganda estampada em suas folhas, e se não fosse assim haveria “encarecimento sensível de seu preço de venda”. A noção – nada óbvia – de que a imunidade buscaria na verdade a “redução do preço de aquisição” dos jornais sustentou o raciocínio pragmático do Ministro Cunha Peixoto (que liderou a maioria), segundo o qual, “se tributarmos os anúncios, tornaremos letra morta o dispositivo constitucional”. Esse julgamento (que privou os municípios de vultosa arrecadação de imposto sobre serviços) se deu em pleno regime militar e num momento de pressões pelo restabelecimento da normalidade democrática. Nesse contexto, o papel dos jornais e da liberdade de imprensa avultou em importância. Houvesse esse julgamento sido realizado nos dias atuais, seu resultado poderia ser bem diferente.
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O desapego ao sentido literal mais evidente da norma de imunidade dos jornais (em benefício de considerações finalísticas) confirmou-se no julgado em que se decidiu – já sob a atual Constituição – que é imune não só o papel em que se imprime o jornal, mas também o papel fotográfico (inclusive filmes) utilizado como insumo indispensável na produção atual dos jornais (REs 190.761 e 174.476, DJ 12.12.97, Relator para o acórdão o Ministro Marco Aurélio). Esse desapego ao sentido literal mais evidente quase chegou ao ponto de considerar imunes não só os diversos tipos de papel utilizados como insumos na produção de jornais, mas também as tintas e soluções alcalinas consumidas na produção dos jornais. São muito expressivas e eloquentes as palavras do Ministro Sepúlveda Pertence a respeito da necessidade de o intérprete, mesmo podendo desviar-se do sentido literal mais evidente, respeitar o máximo sentido literal possível das palavras contidas nas normas. Pertence havia votado e desempatado a questão (REs 190.761 e 174.476) no sentido de estender a imunidade do art.150, VI, “d” da Constituição para os papéis/filmes fotográficos e similares utilizados na fabricação dos jornais e se referiu a esse precedente ao votar no RE 203.859 (DJ 24.08.2001). Do seu voto, destacamos o seguinte trecho: [...] só para colocar minha colher de pau na discussão acadêmica, aqui surgida hoje, sobre métodos de interpretação, a meu ver, o Ministro Octavio Gallotti, com a precisão de sempre, colocou o ponto no i: a interpretação obviamente literal não esgota o trabalho hermenêutico3, mas marca, sim, de regra, o limite dentro do qual podem ser exploradas as possibilidades hermenêuticas de um texto. E por isso, no caso precedente [REs 190.761 e 174.476], levei a preocupação final de demarcação da imunidade ao máximo do que me pareceu permitir com a letra do preceito constitucional – editada pelo constituinte brasileiro, quando obviamente tinta e aditivos de tinta já existiam no processo industrial dos jornais: donde dizer então que até ao “papel fotográfico” e “similares” eu poderia ir, na interpretação compreensiva da imunidade. Mas não pude ir além para abranger nela o que jamais se poderia compreender na alusão ao papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos. [Grifos nossos]
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Provavelmente o Ministro quis dizer que “a interpretação literal obviamente não esgota o trabalho hermenêutico”.
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• A IMUNIDADE DAS OPERAÇÕES INTERESTADUAIS COM PETRÓLEO, 4 LUBRIFICANTES, COMBUSTÍVEIS E ENERGIA ELÉTRICA No item acima, o desvio do sentido literal mais evidente da norma tributária provocou a afirmação de uma imunidade (sobre os serviços de veiculação de anúncios por empresas jornalísticas, sobre os papéis fotográficos e similares utilizados como insumos na fabricação de jornais). No caso das operações interestaduais com petróleo, lubrificantes, combustíveis e energia elétrica (art.155, § 2ª, X, “b” da Constituição), o STF novamente abandonou a interpretação literal –, mas então o resultado foi a negativa da imunidade e a afirmação da possibilidade de tributação. Segundo o art.155, § 2º, X, “b” da Constituição, o ICMS “não incidirá sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica”. O sentido literal mais evidente dessa norma indica, sem qualquer hesitação, a imunidade pura e simples dessas operações. Contudo, o Relator do RE 198.088 (julgado em 17.05.2000, DJ 05.09.2003), Ministro Ilmar Galvão, interpretou o referido dispositivo no sentido de que, nessas operações interestaduais, o ICMS incide e cabe integralmente ao Estado de destino das mercadorias. Segundo o Relator, a Constituição não estaria aí criando qualquer norma de imunidade, mas simplesmente prestigiando “os Estados consumidores em detrimento dos Estados produtores” (fl.621). Vale dizer, o conteúdo do dispositivo (bastante improvável do ponto de vista estritamente lógico-gramatical) seria: o ICMS não incide na saída dessas mercadorias do Estado produtor, mas incide sobre a entrada dessas mercadorias no Estado consumidor. Após o voto do Relator, votou o Ministro Marco Aurélio, que observou que o texto constitucional não dá margem a bipartir a operação em “saída não tributada” e “entrada tributada”. Além disso, o Ministro Marco Aurélio ressaltou que consta da norma o termo “operações”, vocábulo que tem o nítido significado de compra-e-venda. Nas palavras do Ministro: [...] a expressão, tão própria ao tributo em comento, ‘operações relativas à circulação de mercadorias’ faz presumir a saída de um estabelecimento
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Este item e o seguinte constam do capítulo “Métodos de Interpretação do Direito Tributário” da nossa obra Questões Atuais do Direito Tributário na Jurisprudência do STF (São Paulo: Dialética, p.12-17).
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e a entrada em outro, mesmo porque o objeto da operação, a menos que extraviado, não fica, em si, no ar. A venda, a remessa de mercadoria ao adquirente pressupõe a saída e a chegada, fenômenos físicos que integram algo único, ou seja, a operação (fl.631).
Não há dúvidas de que essa interpretação do ministro Marco Aurélio era a que melhor se coadunava com o sentido vernacular e mesmo com o sentido estritamente técnico da referida norma constitucional (tendo em conta o sentido de “operações”). Contudo, e por isso se trata de um precedente paradigmático e extremamente rico do ponto de vista da metodologia e da interpretação jurídicas, a tradicional argumentação em função da fidelidade ao texto teve que ceder em função de uma dupla argumentação: a argumentação em função das razões possivelmente subjacentes ao texto normativo e principalmente em função das consequências provocadas pela interpretação. Tanto o Ministro Jobim quanto o Ministro Ilmar Galvão trouxeram à baila razões claramente plausíveis para a norma ter sido escrita com o sentido defendido por eles: o imposto único federal incidente sobre as operações com petróleo e energia elétrica, existente na Carta pretérita, deixou de existir com a Constituição de 1988, mas em compensação se criou a exação (compensação financeira ou royalty) prevista no art.20, § 1º da Constituição, que carreia substanciosos recursos aos Estados produtores de energia elétrica, petróleo e derivados. Como essa compensação já atende aos interesses dos Estados produtores, o art.155, § 2º, X, “b” da Constituição teria vindo simplesmente determinar que, nas operações interestaduais com petróleo, combustíveis e energia elétrica, toda a tributação compete ao Estado de destino (diferentemente da divisão do ICMS – entre Estado de origem e de destino – que ocorre na generalidade das operações). Essa interpretação, ainda que preterível de um ponto de vista de máxima fidelidade ao texto, era a única que, segundo as palavras do Ministro Jobim, se encaixava no “contexto geral ou no funcionamento do tributo”. Para o Ministro Sepúlveda Pertence, essa era a única interpretação “coerente com o sistema” (fl.656). Tanto essas razões eram plausíveis que o próprio Ministro Marco Aurélio reconheceu que as mesmas levavam “a uma solução justíssima, de lege ferenda. De lege lata, não” (fl.650). Mas a argumentação que parece ter sido realmente a decisiva entre a maioria do Pleno (que acompanhou o Relator) foi aquela guiada pelas consequências fáticas advindas da interpretação. Com efeito, a prevalecer a interpretação mais recomendada do ponto de vista literal/gramatical (e mesmo do ponto de vista da noção técnica do vocábulo “operações”), as distorções
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mercadológicas seriam gritantes, pois os consumidores iriam sempre preferir adquirir combustíveis e derivados em Estados vizinhos. No exemplo do Ministro Ilmar Galvão, “empresas de ônibus de Brasília iriam abastecer-se em Anápolis, obviamente” (fl.647). Nos debates, o Ministro Marco Aurélio insistia que o texto constitucional estava sendo distorcido com a interpretação dos Ministros Jobim e Galvão: “Não está na norma, Excelência. Onde se diz que não incide na operação, leiase incide em parte da operação, envolvido o Estado destinatário, ou seja, a alusiva ao recebimento da mercadoria. É isso? Vamos reescrever a Constituição” (fl.647). Note-se no raciocínio do Ministro Marco Aurélio a argumentação em função da fidelidade ao texto. A resposta do Ministro Galvão foi exatamente recorrer à argumentação prospectiva, que se guia pelas consequências da interpretação: “O contrário seria o caos total”. O mesmo fez o Ministro Jobim, respondendo ao Ministro Marco Aurélio: “V.Exa. é quem está criando uma situação nova, que vai criar um caos no sistema tributário brasileiro” (fl.648). Esse diálogo ilustra bem o embate de duas importantes vertentes da argumentação jurídica. Ao ser instado pelo Ministro Jobim a refletir sobre as consequências do seu voto (argumento pragmático e voltado para o futuro), respondeu o Ministro Marco Aurélio (argumento de fidelidade e voltado ao passado): “Não posso, como intérprete, por maior que seja a tentação que sofro, tentação evolutiva, abandonar os parâmetros da Constituição [Constituição no sentido de texto constitucional]” (fl.649). E concluiu: “Já se disse que a Carta atual é quase uma Carta decaída. Que venha uma emenda para corrigir o que nela está” (649). O Ministro Sepúlveda Pertence proferiu voto que resumiu didaticamente o impasse interpretativo do caso concreto. Mesmo reconhecendo que o texto da norma realmente indicava o acerto da interpretação do Ministro Marco Aurélio, essa mesma interpretação “não encontraria nenhuma explicação racional e desafiaria qualquer inspiração isonômica, como também, ao invés de solver conflitos, agravaria o conflito que a regulação nacional tendeu a evitar” (fl.657). O Ministro Sepúlveda utilizou-se então da técnica da redução teleológica5 do sentido da expressão “operações destinadas a outros Estados”.
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A redução teleológica do sentido da norma é a técnica de interpretação pela qual se prefere um sentido menos amplo do que indica o sentido literal mais provável da norma, pois esse sentido
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• A COMPETÊNCIA DOS ESTADOS PARA INSTITUIR O IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES – IPVA Pelos dois exemplos acima, poder-se-ia pensar que as considerações teleológicas prevalecem sobre o sentido literal mais evidente da norma (mais fiel à sua formulação textual) somente no caso de normas de imunidades. Mas isso não é certo. Nos REs 134.509 (embarcações) e 255.111 (aeronaves), ambos julgados definitivamente na sessão plenária de 29.05.2002 (DJ 13.09.2002 e 13.12.2002, respectivamente), tratava-se de decidir se o mencionado imposto estadual poderia ou não incidir sobre a propriedade de aeronaves e embarcações, à luz do art.155, III da Constituição Federal de 1988. O Relator dos recursos, Ministro Marco Aurélio, não teve dúvidas em aplicar no caso a interpretação literal ou gramatical, e entender por “veículo automotor” (expressão utilizada pela Constituição para conferir a competência tributária aos Estados) “todo e qualquer veículo terrestre, aéreo, aquático ou anfíbio dotado de autopropulsão motriz, destinado ao transporte de pessoas ou cargas” (fl.366 dos autos do RE 134.509). Portanto sua conclusão foi pela incidência do IPVA sobre as embarcações. Após o voto do Ministro Marco Aurélio no RE 134.509, o Ministro Francisco Rezek votou em sentido diametralmente oposto. O Ministro Rezek reconheceu que o acórdão recorrido estava equivocado quando afirmava que haveria impossibilidade de se cobrar IPVA porque a União já cobrava licenças de trânsito em relação às embarcações. Modificando a fundamentação do acórdão recorrido (mas mantendo sua conclusão), o Ministro Rezek decidiu que não poderiam ser tributadas as embarcações em função da interpretação histórica e sistemática da expressão constitucional “veículos automotores”. Vejamos. Pela interpretação histórica, o Ministro Rezek lembrou que o IPVA sucedeu (em 1985, com a entrada em vigor da EC 27) a Taxa Rodoviária Única, cobrada tão somente dos automóveis e demais veículos de trânsito
menos amplo é o único que se sustenta frente às demais circunstâncias relevantes da interpretação, notadamente os propósitos da norma. Isso demonstra que o critério gramatical ou literal é ao mesmo tempo sempre necessário (pois fixa o máximo e o mínimo sentido literal possível da norma) mas quase nunca suficiente para revelar ao intérprete o sentido da norma que se mostra o mais pertinente entre muitos possíveis. Cf. LARENZ, Karl. Metodologia de la Ciencia del Derecho. Trad. de Marcelino Rodríguez Molinero. Barcelona: Ariel, 1994. p. 316-320.
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terrestre, não havendo nada nos trabalhos preparatórios da EC 27 que indicasse que o novo imposto se dirigia a um campo muito maior de incidência. O Ministro Rezek lançou mão da interpretação sistemática buscando demonstrar que navios e aeronaves não são vinculados aos Municípios ou aos Estados, e, sim, a órgãos de controle federais. Também o Ministro Sepúlveda Pertence argumentou que a questão devia ser resolvida com base na interpretação histórica, sistemática e teleológica. A tributação de aeronaves e embarcações pelos Estados iria provocar graves conflitos federativos, pois todos os registros de aeronaves e embarcações são feitos no âmbito federal, não tendo os Estados-Membros qualquer ingerência sobre a disciplina do tráfego aéreo ou marítimo. Guiando-se pela interpretação sistemática, o Ministro ressaltou que os textos legais brasileiros, quando se referem a aeronaves e embarcações, nunca utilizam a terminologia “veículos automotores”. Os demais Ministros do Pleno acompanharam os votos dos Ministros Rezek e Sepúlveda Pertence. Trata-se de um típico caso em que a interpretação literal ou gramatical cedeu frente à interpretação histórico-sistemática. Esse precedente também demonstra que é ilusório pensar que a “interpretação literal” é sempre a mais restritiva. Nesse equívoco incidiu o art.111 do Código Tributário Nacional (analisado nas seções seguintes), ao dispor que se deve interpretar “literalmente” a legislação tributária que disponha sobre isenção, exclusão do crédito tributário etc. Muitas vezes, a interpretação literal faz com que a norma abranja um universo muito maior de casos do aquele que teríamos com a aplicação da interpretação histórica ou teleológica. Para além do resultado do caso concreto, são muito expressivas as afirmações do voto do Ministro Rezek sobre o papel do doutrinador e do estudioso do Direito Tributário. O Ministro Rezek afirmou que se espera do tributarista que ele nos diga não “aquilo que pensa sobre o significado das palavras” a partir do dicionário, mas que estude e explique “o histórico do tributo” e os dados sobre a realidade fática e normativa que cercam a figura tributária (fl.374-375).
• A EXTENSÃO DA IMUNIDADE DAS OPERAÇÕES RELATIVAS A ENERGIA ELÉTRICA, TELECOMUNICAÇÕES, DERIVADOS DE PETRÓLEO E MINERAIS Em sua redação original, o art.155, § 3º da Constituição dispunha que: [...] à exceção dos impostos de que tratam o inciso I, b do caput deste artigo [ICMS] e os arts.153, I e II [imposto de importação e imposto de
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exportação], e 156, III [o já extinto imposto municipal sobre ‘vendas a varejo de combustíveis líquidos e gasosos, exceto óleo diesel’], nenhum outro tributo incidirá sobre operações relativas à energia elétrica, combustíveis líquidos e gasosos, lubrificantes e minerais do País.
Nos REs 230.337, 233.807, 227.832 (todos julgados em 1º.07.99, DJ 28.06.2002), discutiu-se se as contribuições do PIS e da COFINS, sendo tributos, poderiam incidir sobre as operações mencionadas no dispositivo acima. Este julgado é bastante interessante pelo fato de os distintos critérios interpretativos levarem o intérprete a soluções opostas. Utilizando o critério gramatical e preferindo o sentido literal mais evidente da norma, a interpretação correta parece ser a de que a imunidade não alcança o PIS e a COFINS, pois essas contribuições não incidem sobre “operações” com determinadas mercadorias ou serviços, e, sim, sobre o faturamento global ou a receita bruta operacional do contribuinte, determinados mensalmente. Assim, ao vedar a incidência de outros tributos sobre “operações relativas a energia elétrica [...]”, o art.155, § 3º da Constituição não prejudicaria a incidência das contribuições de seguridade social (PIS e COFINS) sobre o faturamento ou a receita bruta operacional das empresas que praticam aquelas operações. O voto do Ministro Moreira Alves reconheceu que o critério literalgramatical (sentido estrito de “operações”) levava a tal resultado (possibilidade de incidência de PIS e COFINS), mas argumentou que tal solução condenaria a norma do art.155, § 3º da Constituição a uma eficácia quase irrisória. Segundo o Ministro, adotando-se esse conceito estrito de “operações”, o resultado prático da norma do art.155, § 3º seria simplesmente o de proteger as operações ali mencionadas contra a incidência de empréstimos compulsórios6. O Ministro propôs então o abandono dessa visão estritamente literal para prestigiar a teleologia do dispositivo: Incidência nesse texto, para se lhe dar sentido realmente útil, não é apenas a determinante do fato gerador do tributo, mas a que, de modo imediato ou mediato, se relacione exclusivamente às operações referentes
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Nos anos seguintes a esse julgamento, o Governo Federal descobriu a mina de ouro das contribuições de intervenção no domínio econômico (cides), que passaram a ser criadas em profusão. Daí a redação do art.155, § 3º, da Constituição ter sido providencialmente alterada em 2001 (EC 33), para se trocar a expressão “nenhum outro tributo” pela expressão “nenhum outro imposto”. Isso demonstra que, mesmo com a decisão do STF nos REs comentados acima, o art.155, § 3º, da Constituição, em sua redação original, limitava materialmente a ampliação da carga tributária federal sobre aquelas operações.
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aos bens em causa. Para finalidade exclusivamente econômica de imunidade concedida pela vital importância desses bens para a economia do País, é de dar-se aos termos que a instituíram significado que, embora não estritamente técnico, lhes permita alcançar plenamente esse fim. [Grifos nossos]
Ainda lembrou o Ministro Moreira Alves que não se estava diante de simples isenção, a ser interpretada literalmente segundo o art.111 do CTN, mas, sim, diante de imunidade, para a qual “podem ser utilizados todos os métodos empregados na interpretação dos textos constitucionais”, em que “avulta o valor do elemento teleológico”. A posição do Ministro Moreira Alves não logrou convencer a maioria de seus pares (somente os Ministros Marco Aurélio e Sydney Sanches votaram como Ministro Moreira Alves). Não porque a maioria tenha se aferrado ao critério literal-gramatical em detrimento de considerações finalísticas ou teleológicas, mas porque a interpretação que buscava fugir da estrita literalidade e dar maior relevância prática ao art.155, § 3º, esbarrava em dois poderosos princípios constitucionais: o princípio da igualdade e o princípio da universalidade do custeio da seguridade social (art.195, caput). Nos votos de quase todos os ministros que compuseram a maioria, prevaleceu sobre qualquer outro argumento o da injustiça ou do privilégio de determinados contribuintes de grande porte e capacidade econômica deixarem de contribuir para o custeio da seguridade social. Mais uma vez recorremos à expressividade (e capacidade de sintetizar a divergência teórica presente no julgamento) dos argumentos do Ministro Pertence: Sr. Presidente, não estou alheio às considerações econômicas, ontem desenvolvidas, em favor da interpretação abrangente da imunidade. Não me comoveram o bastante, entretanto, para aceitar, em seu nome, o privilégio que a imunidade constitucional representaria contra o princípio constitucional da universalidade do custeio da seguridade social. Não se trata – o que seria inaceitável, como demonstrou o magnífico parecer, que incorporei à minha biblioteca de hermenêutica constitucional, da Professora Ana Cândida da Cunha Ferraz –, de, em nome do princípio, negar aplicação à norma que evidentemente o excetua: trata-se, sim, de utilizar-se do princípio na interpretação da norma, como é legítimo, para sacrificar o menos possível um princípio constitucional do maior alcance. [Grifos nossos]
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• A EXTENSÃO DA IMUNIDADE DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO Tradicionalmente, a jurisprudência do STF encarava, de maneira mais restritiva, a imunidade dos templos (art.150, VI, “b” da Constituição de 1988 e art.19, III, “b” da Carta anterior) e, de maneira mais extensiva, a imunidade das instituições de educação sem fins lucrativos, de assistência social etc. (art.150, VI, “c” da Constituição de 1988 e art.19, III, “c” da Carta anterior). As razões para tal duplicidade de critérios foram expostas pelo Ministro Sepúlveda Pertence em seu voto no RE 237.718 (Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 06.09.2001). Observou o Ministro que a imunidade dos templos não pode chegar a constituir um incentivo ou subsídio à manifestação religiosa, por isso somente alcança o templo e suas dependências (tais como claustros, conventos, pátios, estacionamentos para os fiéis), não abarcando imóveis da instituição religiosa destinados a outros fins (não relacionados ao culto) ou alugados a terceiros. Já no caso das instituições de assistência social ou de educação sem fins lucrativos, a imunidade consubstanciaria norma de estímulo estatal ou sanção premial destinada a que as instituições continuem prestando serviços que o próprio Estado deveria se encarregar de prestar, disto decorrendo a necessidade de sua interpretação extensiva. Pois bem. No julgamento do RE 325.822 (sessão de 18.12.2002, DJ 14.05.2004, Redator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes), a maioria do Plenário, capitaneada pelo Ministro Moreira Alves, adotou uma interpretação do art.150, § 4º da Constituição que abandonou a duplicidade de critérios exposta anteriormente. As Recorrentes (Mitra Diocesana de Jales e outras entidades religiosas) pleiteavam que, mesmo seus lotes vagos e seus prédios comerciais dados em locação, fossem protegidos pela imunidade (o que, sem dúvida, seria concedido caso se tratasse de entidades assistenciais). Segundo a corrente majoritária, não há distinção entre a imunidade dos templos e a das instituições assistenciais para efeitos de alargar seu campo de incidência, inclusive quanto aos bens imóveis alugados a terceiros com objetivo de auferir receitas para cumprimento dos fins institucionais das entidades. Segundo os Ministros Moreira Alves e Gilmar Mendes, como o § 4º do art.150 da Constituição determina que a imunidade do art.150, VI, “b” e “c”, compreende “o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades mencionadas” nas referidas alíneas, uma sala ou uma loja (patrimônio) alugadas para levantar fundos para a igreja (entidade) expandir seu rebanho (finalidade essencial) devem ser abrangidas pela imunidade. A corrente minoritária (Ministros Ellen Gracie, Ilmar Galvão, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence) se opôs veementemente ao abandono do
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tradicional critério interpretativo do STF. O Ministro Carlos Velloso afirmou que é um erro considerar que a “entidade” prevista no art.150, VI, “b” seja “a igreja, a seita, seja lá que nome tenha, que administra o templo”. Segundo o Ministro, a “entidade” prevista no art.150, VI, “b” (à qual faz referência o art.150, § 4º) é o templo, cujas finalidades essenciais “são aquelas relacionadas com as orações, com o culto”. Já os Ministros Ellen Gracie e Sepúlveda Pertence foram explícitos ao indicar que a posição da maioria ameaçava o caráter laico do Estado brasileiro ou o princípio da separação entre Igreja e Estado. O Ministro Sepúlveda Pertence afirmou que a minoria estava sobrepondo “ao demarcar o alcance das imunidades, uma interpretação literal ou puramente lógico-formal, às inspirações teleológicas de cada imunidade”. Sobre o art.150, § 4º da Constituição, o Ministro Pertence reconheceu que o mesmo é de “difícil intelecção” e que o melhor caminho é: [...] interpretá-lo de forma a conciliá-lo com uma regra básica do estatuto republicano, que é o seu caráter laico, que é a sua neutralidade confessional. Por isso, chego, com o eminente Relator, aos anexos necessários ao culto, mas não financio propaganda de religião, desde as publicações gratuitas às televisões confessionais. (fl.272)
2. EM
QUE CONSISTE O ATO DE INTERPRETAR O DIREITO?
VISÃO ULTRAPOSITIVISTA DE
A
ALFREDO AUGUSTO BECKER:
O
DIREITO COMO UMA SIMPLES QUESTÃO DE FATO
Os julgados apresentados na seção anterior pintam um quadro ao mesmo tempo complexo e realista sobre a interpretação do direito. A formulação linguística presente no seu texto escrito não significa de modo algum que a norma jurídica esteja dada e cabe ao intérprete somente cumpri-la fielmente. O texto escrito (e suas possibilidades semânticas) permite tão somente uma aproximação inicial do intérprete ao conteúdo da norma, funcionando como uma espécie de demarcação grosseira do terreno no qual os argumentos interpretativos haverão de se contrapor. Mesmo que o seu texto escrito seja claro e sem ambiguidades (como é o texto do art.155, § 2º, X, “b” da Constituição), o conteúdo da norma somente será fixado paulatinamente, à medida que a realidade se descortinar diante do intérprete. Se a norma jurídica se destina a ordenar e a coordenar a realidade social (e não a render ensejo para que os doutrinadores exercitem sua cultura jurídica),
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somente com o desenrolar (de difícil previsibilidade) dessa realidade social é que o conteúdo da norma irá se desenhando – daí não existir interpretação sem aplicação do direito. Do lado dos intérpretes, que somente desvelam a norma (da imunidade dos templos e dos jornais, por exemplo), à medida que são chamados a aplicá-la sobre casos concretos, sua contraposição de argumentos interpretativos supõe frequentemente o manejo de convicções valorativas mais profundas (qual a intensidade atual da separação entre Igreja e Estado? qual o sentido atual da liberdade de expressão e de informação?) e a realização de constatações fáticas e empíricas que nem sempre são objeto de normas jurídicas (as igrejas e organizações religiosas estão expandindo suas atividades econômicas de forma a competir com empresas privadas? qual o significado econômico das receitas de veiculação de propaganda para a fixação do preço de venda dos jornais?). Há noções doutrinárias sobre interpretação jurídica que conseguem captar em grande medida o que ocorre de fato nos tribunais, nas academias, nos escritórios de advocacia. Por exemplo, note-se a afirmativa de Karl Larenz de que interpretar é uma atividade mediadora pela qual o intérprete procura compreender o sentido de um texto que se lhe converteu problemático, sendo que, nessa procura, o intérprete deve identificar circunstâncias hermeneuticamente relevantes que serão utilizadas como indícios, tendo em vista chegar ao significado que aqui e agora se mostra – não como o logicamente vinculante – mas como o mais pertinente entre outros significados possíveis7. Mas grande parte da doutrina, notadamente da doutrina do direito tributário, insiste em ignorar o mundo real da jurisprudência e se aferra a uma noção bem diferente sobre o que significa a interpretação do direito. Alfredo Augusto Becker publicou dois livros nos quais o tema da interpretação da norma jurídica ocupa lugar de destaque8. A visão do autor sobre o direito e sobre a natureza do ato da interpretação jurídica é de um extremado positivismo. A passagem transcrita a seguir, do livro Carnaval Tributário, publicado em 1989, revela a atitude geral do autor em relação aos problemas da interpretação jurídica9: A interpretação das leis é uma ciência que – a rigor e a final – se reduz a alguns poucos princípios. Devemos redescobri-los. Embora pareça
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LARENZ, Karl. Metodologia de la Ciencia del Derecho. Barcelona: Ariel, 1994. p. 192-193. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1972 (a 1ª edição é de 1963); BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo: Lejus, 1999 (a 1ª edição – São Paulo: Saraiva – é de 1989). BECKER, Carnaval Tributário..., op. cit., p.107.
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contraditório, as diversas teorias hermenêuticas [...] são evasivas que o intérprete adota por preguiça de encontrar e aplicar aquelas poucas e simples regras da ciência da interpretação jurídica. Em lugar dessas regras (que o intérprete ignora ou despreza) ele inventa teorias complicadas e métodos confusos, tudo para “justificar” a sua preguiça intelectual de – com paciência e objetividade – apreender e aplicar aquelas poucas e simples regras de hermenêutica jurídica.
É de um simplismo assustador afirmar que a interpretação das leis se reduz a “alguns poucos princípios” os quais a “ciência” deveria “redescobrir” e que as principais teorias hermenêuticas as quais marcaram o século XX seriam simplesmente “desculpas” derivadas da “preguiça” de seus autores. A visão ingenuamente simplificadora do direito fica ainda mais clara no capítulo do Carnaval Tributário intitulado “O juiz e a política”. Aí Becker revela a toda luz seu visceral positivismo10: Para o juiz a lei é um fato essencialmente imutável (salvo pelo advento de uma nova lei) e que só admite uma única interpretação [...]. Infelizmente muitos juízes interpretam a lei imersos na confusão da atitude mental política com a atitude mental jurídica. Nesse caso, o juiz imagina estar interpretando a lei, quando, na verdade, está fazendo política [...]. O juiz confundiu o poder de fazer ou refazer a lei com o poder de aplicá-la. [Grifos nossos]
Na visão incrivelmente irreal de Becker, “a lei impõe a todos e particularmente ao juiz um modo determinado e único de pensar e é precisamente o modo indicado pelo legislador”11. O juiz que se desvia desse “modo determinado e único de pensar” estaria buscando “moralizar” o direito e, com isso, “acaba-se sempre por enfraquecer o direito, amolecê-lo, arrancar-lhe os nervos e esvaziá-lo de sua substância”12. É preciso fechar os olhos para o que se passa nos tribunais, nos seminários, nas salas de aula, nos escritórios de advocacia, para insistir nessa visão da interpretação jurídica como uma “ciência” que permite ao intérprete “descobrir” o “único” e “imutável” sentido da norma, como se a norma jurídica fosse um dado objetivo, que caberia ao intérprete-cientista simplesmente observar, de forma neutra e imparcial.
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Idem, p. 98. Idem, p. 99. Idem, p. 102.
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Citando com abundância e repetidamente as lições mais positivistas e cientificistas de Pontes de Miranda, Becker toma como algo “evidente” que “a existência do fato jurídico é uma realidade objetiva como a existência do fato físico”13. Neste modelo ultrapositivista, cabe ao jurista que interpreta a lei simplesmente constatar essa realidade objetiva tal como um cientista constata, na frieza de seu laboratório, um “fato físico”. Para Becker, o direito resume-se a normas, e essas se resumem a estruturas lógicas que unem hipóteses de incidência a consequências jurídicas. Partindo do pressuposto – claramente equivocado – de que essas hipóteses de incidência são integradas em última instância por “fatos do mundo perceptível”, Becker conclui que se pode “provar a existência da realidade jurídica (ex.: o fato jurídico), provando-se a existência dos fatos perceptíveis que realizaram a hipótese de incidência da regra jurídica que pré-determinara a juridicização de um tal fato”14. Desse modo, a aplicação das normas jurídicas seria ao fim e ao cabo uma simples constatação da ocorrência ou não de “fatos perceptíveis”15: Se a regra jurídica tem como hipótese de incidência um fato já jurídico, isto não destrói o argumento, porque este fato jurídico é jurídico porque sobre ele incidiu uma regra jurídico que o juridicizou. Ora, antes desta incidência, o fato era não-jurídico, portanto, ou era fato perceptível ou fato espiritual (ex.: vontade), o qual, por sua vez, depende de um fato perceptível para provar sua existência.
No modelo de Becker, a interpretação deve ser algo passivo (o juiz deve ser apolítico e amoral, já que seu papel não é “refazer a lei” e, sim, interpretála), neutro e objetivo, pois, na verdade, a incidência da norma seria “infalível” ou “automática” e, portanto, para o autor, é a rigor equivocado afirmar que o juiz “aplica” a norma: “é errado dizer que o Órgão Judiciário ‘aplica’ a lei. O Órgão Judiciário investiga se houve (ou não) a incidência da regra jurídica e analisa (esclarece) os efeitos jurídicos dela decorrentes [...]”16. A metáfora que o autor encontrou para explicar a incidência das normas jurídicas é extremamente sintomática do carregado positivismo cientificista que preside toda a sua obra: “A juridicidade tem grande analogia com a energia eletromagnética e a incidência da regra jurídica projeta-se e atua
13 14 15 16
BECKER, Teoria Geral..., op. cit., p. 53. BECKER, Teoria Geral..., op. cit., p. 273. Idem, ibidem. Idem, ibidem.
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com automatismo, instantaneidade e efeitos muito semelhantes a uma descarga eletromagnética”17. Se a incidência das normas jurídicas pode ser comparada com uma descarga eletromagnética, o estudo das normas (como o das leis da física) deve ser feito independentemente da realidade específica de cada ordenamento jurídico. Daí Becker reconhecer que sua obra “não comenta nem analisa nenhuma legislação [muito menos a jurisprudência]. Apenas ensina o seu leitor a pensar e, depois, por si mesmo, resolver o seu problema jurídico resultante de qualquer lei tributária”, “independente do tempo e lugar”, “anterior ou posterior ao livro”18. Ou seja, da mesma forma que um físico conhece a infalibilidade de uma lei gravitacional que tem eficácia tanto no Brasil quanto no Afeganistão, o jurista deve conhecer “qual é o único significado da linguagem jurídica”19 e, para isso, basta conhecer os “poucos princípios” da ciência interpretativa. Com relação às ideias que buscam dar à interpretação da norma tributária um caráter extraliteral, também era de se esperar que Becker as rechaçasse com vigor, afinal o direito acima de tudo se destina a impor certeza20, e essas ideias não se deixam levar por certezas apriorísticas. Depois de afirmar que modernamente todos os autores estão de acordo que a norma tributária se interpreta como qualquer outra lei e que a ela se aplicam “todos os métodos de interpretação jurídica”21, é estranho o fato de Becker não reservar uma linha sequer da sua Teoria Geral para mencionar quais seriam esses métodos. Mesmo escrevendo um capítulo inteiro sobre “interpretação da lei tributária” (que divide em quatro momentos lógicos perfeitamente objetivos e programáveis), Becker não examina nenhum precedente jurisprudencial e nada diz sobre como os cânones da interpretação literal, lógica, sistemática e teleológica atuariam no terreno tributário. Talvez não o tenha feito porque, então, seria difícil continuar sustentando de maneira convincente que “a juridicidade tem grande analogia com a energia eletromagnética e a incidência da regra jurídica projeta-se e atua com automatismo, instantaneidade e efeitos muito semelhantes a uma descarga eletromagnética”22.
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Idem, p. BECKER, Idem, p. BECKER, Idem, p. Idem, p.
278. Carnaval Tributário..., op. cit., p. 29. 28. Teoria Geral ..., op. cit., p. 65. 100. 278.
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3. UMA VISÃO MAIS REALISTA SOBRE A INTERPRETAÇÃO JURÍDICA. ENCARANDO COM NATURALIDADE AS DIVERGÊNCIAS TEÓRICAS SOBRE O DIREITO23 E SOBRE O DIREITO TRIBUTÁRIO
Ao contrário do que supõe o cientificismo de Becker, os advogados, juízes e ministros dos tribunais superiores não divergem entre si sobre o sentido de uma lei ou de um conjunto de leis porque são preguiçosos, ou porque fingem aplicar o direito quando na verdade estão fazendo política. Os intérpretes divergem entre si porque a interpretação jurídica é uma tarefa que não se pode cumprir sem uma considerável carga criativa 24 e sem que muito frequentemente entrem em ação determinadas convicções do intérprete (convicções que podem mudar com o passar do tempo e com a alteração do quadro político-institucional do país) 25 sobre o que é e quais são os fundamentos dessa instituição social a que chamamos direito. Um ministro do STF que considere que o direito existe principalmente para assegurar a paz social e, intervindo o menos possível na vida privada dos cidadãos, garantir a certeza e a previsibilidade nas relações entre os indivíduos, provavelmente decidirá muitos casos de forma diametralmente oposta à de outro ministro que, aplicando a mesma Constituição, acredite que o fim supremo do direito é promover a justiça e dar a todos os cidadãos igualdade de oportunidades para desenvolverem sua personalidade e seus talentos pessoais. Nos precedentes do STF examinados acima, viu-se que os ministros efetivamente têm concepções distintas sobre o que significa “fidelidade ao texto constitucional”, sobre quando o intérprete está autorizado a decidir com base nos resultados futuros de sua interpretação, sobre qual o sentido atual do caráter laico do Estado etc. O mesmo ocorre com relação ao direito tributário, que, no Brasil – talvez mais do que em qualquer outro país –, é fortemente constitucionalizado. Se um juiz considera que a principal função da forma atual de nosso Estado é, intervindo o menos possível na ordem social, promover segurança e certeza jurídicas para que as pessoas físicas e jurídicas possam exercer livremente sua
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Cf. DWORKIN, Ronald. Law´s Empire 9ª ed. Cambridge: Harvard University Press, 1995. p. 87-113. Cf. ANDRADE, José Maria Arruda de. Interpretação da Norma Tributária. São Paulo: MP, 2006. Cf. GRECO, Marco Aurelio. Planejamento Fiscal e Interpretação da Lei Tributária. São Paulo: Dialética, 1998. p. 113-114; e RIBEIRO, Ricardo Lodi. A interpretação da lei tributária na era da jurisprudência dos valores. In: TORRES, Ricardo Lobo (org.). Temas de Interpretação do Direito Tributário. Rio: Renovar, 2003. p. 331-368.
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autonomia privada desde que tal exercício não prejudique a autonomia dos demais cidadãos, então sua concepção sobre o papel do tributo, do sistema tributário e da própria interpretação do direito tributário será uma concepção bem distinta da de um juiz que considere que o paradigma atual de Estado exige a transformação das condições sociais de modo a que todos os cidadãos tenham uma liberdade o mais igual possível no que diz respeito ao nível de participação na definição dos rumos políticos da sociedade (autonomia pública) e uma igualdade equitativa de oportunidades para a busca e realização de seus projetos pessoais de vida (autonomia privada). É claro que o ordenamento jurídico não é uma massa informe que possa ser livremente moldada pelas mãos de intérpretes que não foram eleitos pelo povo. O princípio democrático e a divisão dos poderes garantem que as decisões tomadas pelos legisladores das diversas entidades federativas condicionem em grande medida as interpretações que conformarão o conteúdo concreto das normas jurídicas do ordenamento. Mas é uma ilusão pensar que o direito já sai pronto dos corredores dos órgãos legislativos ou dos gabinetes dos órgãos executivos. A história do direito começa bem antes desse momento canônico em que uma lei é sancionada ou um decreto é assinado, e continua por muito tempo depois, pelo tempo necessário para que a realidade social – de um lado – e a atividade valorativa dos intérpretes – de outro lado – conformem – e depois voltem a alterar uma e outra vez – o conteúdo concreto de cada norma jurídica26. Para não perder o fio dessa meada, aquele que se propõe conhecer e ensinar o direito não pode tão somente estar a par do que se aprova nos parlamentos ou nos gabinetes. É necessário conhecer em profundidade: a) os condicionamentos históricos e culturais da experiência jurídica concreta vivida em determinado país (daí ser muito mais verdadeiro ensinar o direito tributário brasileiro do que ensinar um direito tributário pretensamente universal); b) as relações fático-sociais relevantes para determinada regulação jurídica (é impossível compreender a complexa legislação do ICMS sobre combustíveis se não se entende a estrutura empresarial, logística e mercadológica do setor produtor e distribuidor de combustíveis); e c) a evolução jurisprudencial (nem sempre coerente e consciente de seu papel institucional) responsável por cristalizar o conteúdo das normas jurídicas. Tudo isso indica que só conhece verdadeiramente um ordenamento jurídico quem se coloca na perspectiva de um participante de tal ordenamento, o que demonstra a completa ingenuidade de crer – como parece ter sido o caso de
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DWORKIN, Ronald. Law´s Empire. 9ª ed. Cambridge: Harvard University Press, 1995. p. 349-50.
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Becker e outros positivistas – que a interpretação jurídica se resolve numa simples questão de haurir conhecimentos numa “belíssima teoria geral” (conhecedora dos poucos e simples fundamentos da verdadeira ciência do direito), que, apesar de não “comentar nem analisar nenhuma legislação”, seria capaz de “ensinar o intérprete a pensar” e, “depois, por si mesmo, resolver o seu problema jurídico resultante de qualquer lei tributária, independente do tempo e lugar”27.
4. O DIREITO TRIBUTÁRIO
DEVE SER INTERPRETADO COMO
QUALQUER OUTRO RAMO DO DIREITO?
Durante muitos séculos, o tributo significou de fato e de direito um autêntico jugo social, um agravo à liberdade de quem o pagava, uma degradação da cidadania de quem o devia28. Até o estabelecimento, a partir de fins do século XVIII, do chamado Estado Fiscal29, o tributo era algo excepcional em dois sentidos: no sentido de que não era a forma comum e ordinária de ingresso e financiamento público30 e no sentido de que era percebido como uma exceção à regra de que a norma jurídica se inspira em princípios gerais tidos como justos na consciência coletiva de um povo, e não em puras razões de conveniência dos governantes31. Esse caráter odioso que era imputado ao tributo explica o famoso adágio de Modestino contido no Digesto: “[...] entendo que não cometeria qualquer falta quem, em questões duvidosas, respondesse categoricamente contra o fisco”32. Inclusive, no século XIX, já em pleno Estado Fiscal, ainda prevalecia a opinião doutrinária e jurisprudencial de que, dado o caráter restritivo e odioso
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BECKER, Carnaval Tributário..., op. cit., p. 29. Cf. SÁINZ DE BUJANDA, Fernando. Hacienda y Derecho. v. 1. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1975. p. 119-463; e SOUSA FRANCO, António Luciano. Manual de Finanças Públicas e Direito Financeiro. v. 1. Lisboa: Manuais da Faculdade de Direito de Lisboa, 1974. p. 209-232 e p. 391-508. Cf. TORRES, Ricardo Lobo. A ideia de liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 1991; GODOI, Marciano Seabra de. Justiça, Igualdade e Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 1999. p. 173-183; e BARQUERO ESTÉVAN, Juan Manuel. La función del tributo en el Estado social y democrático de Derecho. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002. Eusebio González García ressalta que, durante a época do Renascimento, “a contribuição ao Estado mais importante era produto do botim e da rapina” (GONZÁLEZ GARCÍA, Eusebio. La Interpretación de las Normas Tributarias. Pamplona: Aranzadi, 1997. p. 21-22). Cf. VANONI, Ezio. Naturaleza e Interpretación de las Leyes Tributarias. Trad. e estudo preliminar de Juan Martín Queralt. Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 1973. p. 29-30. Cf. FALCÃO, Amílcar. Introdução ao Direito Tributário. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993 (1ª edição de 1959). p. 64.
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do tributo, as normas de incidência tributária deveriam ser interpretadas de maneira literal e, na dúvida, sempre a favor do contribuinte33. Num célebre julgado da Câmara dos Lordes de 1869 (Partington v. Attorney General), decidiu-se que, se a conduta do contribuinte não se encaixa perfeitamente na letra da lei, não se lhe pode exigir o tributo, “não obstante o espírito da lei indique a solução oposta”34. Essa orientação por certo não seria adotada – nas mesmas coordenadas de tempo e lugar – em se tratando de uma norma de direito civil, por exemplo. A partir do século XX, quando se tornou muito claro que o tributo é a forma mais democrática e igualitária para se financiarem as atividades e os gastos públicos capazes de tornar efetivos os direitos individuais e socioeconômicos dos cidadãos 35, o direito tributário perdeu a pecha de excepcional e passou a ser considerado como um direito comum, ordinário, que não demanda métodos especiais para sua interpretação. A doutrina brasileira do direito tributário, sendo toda ela produzida a partir da segunda metade do século XX36, nunca pôs em questão esse caráter ordinário e comum do direito tributário, não obstante alguns autores ultraliberais adotarem ainda hoje posturas muito parecidas com as que, no século passado, consideravam odioso e restritivo de direitos o dever de pagar impostos37.
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Antonio Berliri afirma que “especialmente en el siglo pasado se consideró que, a pesar de la equiparación entre las leyes tributarias y las otras normas jurídicas – y en cierto sentido, incluso, precisamente por efecto de tal equiparación –, todas leyes tributarias (y en algunos supuestos se habló de leyes financieras), debían ser interpretadas restrictivamente, teniendo en cuenta que las mismas eran: o leyes excepcionales (según algunos), o leyes restrictivas del libre ejercicio de los derechos (según otros) [...]” (BERLIRI, Antonio. Principios de Derecho Tributario. v. 1. Trad. Fernando Vicente-Arche Domingo. Madrid: Editorial de Derecho Financiero, 1964. p. 96). FROMMEL, Stefan N. United Kingdom tax law and abuse of rights. Intertax, n. 2, p. 62, 1991. Cf. NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. In: NABAIS, José Casalta. Por um Estado fiscal suportável: Estudos de Direito Fiscal. Coimbra: Almedina, 2005. p. 9-39. Na Europa, o Direito Tributário, separado do Administrativo, do Financeiro e da Ciência das Finanças, começou a ser estudado e sistematizado pela doutrina somente nas primeiras décadas do século XX, principalmente na Alemanha e na Itália. No Brasil, até a década de 1960 somente havia, no meio universitário, as cadeiras de Ciência das Finanças (destacando-se o baiano Aliomar Baleeiro como figura de proa) e de Legislação Tributária (destacando-se a figura de Rubens Gomes de Sousa na USP), essa última cadeira voltada para os cursos de Administração e Economia. Somente a partir da segunda metade da década de 60 começaram a existir nas Faculdades de Direito as cadeiras de Direito Financeiro e Tributário (sendo pioneiros Amílcar Falcão na Universidade da Guanabara e Ruy Barbosa Nogueira na USP). Para a Teoria da Imposição Tributária, de Ives Gandra Martins, segundo a qual o tributo é uma “norma de rejeição social”, somente “na doutrina” as teses antigas do caráter odioso do tributo teriam sido “consideradas superadas”, permanecendo o caráter odioso “no concernente à realidade prática” (MARTINS, Ives Gandra da Silva. Teoria da Imposição Tributária. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1998. p. 129). Coerente com tal visão, o autor considera que o legislador brasileiro dotou o contribuinte – sujeito mais débil da relação – de “armadura suficientemente rígida
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Sobre a superação do caráter restritivo e odioso do direito tributário, são expressivas as palavras do pioneiro Rubens Gomes de Sousa, para quem “a tributação deixa de ser uma limitação da propriedade e dos direitos dela decorrentes, para ser apenas uma condição de seu exercício, imposta pelo interesse coletivo”. Sua conclusão é de que: [...] o direito tributário não é excepcional, justamente porque corresponde à consciência coletiva: se esta considera necessária a existência do Estado, tem de admitir também a necessidade dos tributos, porque o Estado precisa de meios financeiros para realizar seus fins; logo, o direito tributário é direito comum.38
5. INSTITUTOS
DE OUTROS RAMOS DO DIREITO PREVISTOS NAS
NORMAS DO DIREITO TRIBUTÁRIO: DESFAZENDO A CARICATURA DAS POSIÇÕES DE
GÉNY
O legislador que formula as normas de incidência tributária tem que desempenhar uma tarefa complexa. Aparentemente, é muito simples selecionar situações da vida que indiquem capacidade econômica e submetê-las ao tributo. Mas como isso se dá? Em geral, na hipótese de incidência da norma tributária, tem-se: a) a descrição de um ato ou fato material com certa consistência econômica (importar, exportar, dar saída a um produto industrializado, auferir acréscimo patrimonial); ou b) a referência a um ato ou negócio jurídico já tipificado no direito privado ou em outro ramo do direito (doação, locação, compra e venda)39. Caso o legislador opte pela técnica b), o intérprete da norma deve interpretá-la e aplicá-la usando os conceitos no mesmo sentido em que valem
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contra as lanças penetrantes do sujeito ativo” (Op. cit., p. 57), no sentido de que “faz opções claras [o legislador] sobre dever ser o direito fiscal interpretado da forma mais favorável ao sujeito mais fraco da relação tributária” (op.cit., p. 208). O autor parece esquecer que a regra do art.112 do CTN (interpretação mais favorável ao acusado) somente diz respeito à aplicação de normas que definem e sancionam infrações, não se estendendo à aplicação das normas de incidência tributária propriamente ditas. SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. ed. póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975 (1ª edição de 1952). p. 55-6. Nesse mesmo sentido, observa Louis Trotabas, em texto publicado na França em 1934, que, tendo em vista o advento do constitucionalismo e das fórmulas democráticas, o imposto continua sendo uma lei “individualmente incomodativa”, mas juridicamente não pode ser tido por lei odiosa ou restritiva de direitos (TROTABAS, Louis. A interpretação das leis fiscais. In: Revista de Direito Administrativo, n. 1, p. 40). Cf. SÁINZ DE BUJANDA, Fernando. Análisis jurídico del hecho imponible. Revista de Derecho Financiero y Hacienda Pública, n. 60, p. 845, 1965. Em ambas as situações (letras “a” e “b”), as hipóteses de incidência têm caráter jurídico, posto que são criações normativas, sendo inexato considerar que, no primeiro caso, teríamos hipóteses de incidência de natureza econômica.
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no direito privado ou dando a esses conceitos um colorido próprio em função de estarem sendo utilizados num contexto distinto do direito privado? Poder-se-ia pensar que esse problema tem um alcance limitado, já que somente uns poucos impostos (como o de doações e heranças ou o que incide sobre contratos de seguro) teriam sua incidência baseada na referência a institutos do direito privado, e a grande maioria dos tributos (como o imposto sobre a renda, o IPI, o PIS e a COFINS) se basearia na técnica legislativa da letra a), na qual a incidência faz referência direta a conceitos criados pelo próprio direito tributário. Contudo, a verdade é que a legislação de quase todos os tributos faz referência – em maior ou menor medida – a institutos e conceitos de outros ramos do direito, principalmente do direito privado40. No imposto sobre a renda, por exemplo, não obstante o fato gerador não ser um instituto de direito privado, em vários contextos a legislação se refere a conceitos oriundos do direito privado, como no capítulo dos benefícios fiscais ligados a operações de incorporação, fusão e aquisição. Portanto, tem interesse e aplicação gerais a questão de como interpretar e aplicar as expressões de outros ramos do direito que são importadas pela norma tributária. Costuma-se dizer41 que, neste ponto, os autores adeptos da autonomia do direito tributário (e se escolhe invariavelmente o francês Louis Trotabas como o seu corifeu supremo) se opõem ferrenhamente aos autores privatistas (cuja liderança também é invariavelmente conferida a um francês – François Gény). Nos textos de Trotabas42, afirma-se que esses autores privatistas (como Gény) defenderiam a superioridade do direito privado sobre o direito civil e a necessidade de interpretar e aplicar a norma tributária preservando o conteúdo originário dos institutos e conceitos do direito privado. Mas lendo os textos de Gény43, percebe-se que suas posições eram bem outras. Gény afirma que o respeito do direito fiscal aos conceitos privados é somente um conselho para não causar “grave desordem no seio da vida social”, mas reconhece que, no terreno do direito positivo, não seria possível recusar à lei tributária “a
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Cf. FALCON Y TELLA, Ramón. Interpretación económica y seguridad jurídica. Crónica Tributaria, n. 68, p. 29-30, 1993. Cf. GONZÁLEZ GARCÍA, Eusebio. La Interpretación de las Normas Tributarias. Pamplona: Aranzadi, 1997. p. 30: “[...] en la concepción de François Gèny, el Derecho Fiscal debía ser un instrumento al servicio del Derecho civil. Nunca podría el Derecho Fiscal dar un contenido distinto a las instituciones jurídicas por él manejadas, que el procedente del viejo cuerpo del Derecho civil”. TROTABAS, Louis. Ensaio sobre o Direito Fiscal. Revista de Direito Administrativo, n. 26, p. 3459 (texto publicado na França em 1928). GÉNY, François. O particularismo do direito fiscal. Revista de Direito Administrativo, n. 20, p. 6-31 (texto posterior – e escrito em tom de resposta – ao artigo de Trotabas mencionado na nota anterior).
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faculdade de modificar as situações jurídicas, tais como são comumente determinadas, para lhes adaptar suas prescrições propriamente fiscais”44. Gény não questiona que o desvio do direito privado não oferece qualquer problema na aplicação de textos em que o legislador tributário derroga “deliberadamente” as normas do direito privado45. Mesmo que o legislador tributário não “fira deliberadamente” o direito privado, mas da interpretação teleológica da norma tributária decorra que o conceito privado foi alterado, Gény admite a não prevalência dos conceitos privados46: Fora mesmo dos casos em que o seu texto se afasta mais ou menos nitidamente do direito comum, os princípios de uma sã interpretação jurídica aconselham admitir-se que o simples objetivo da lei fiscal, traduzindo-se em seu espírito, pode justificar e, às vezes, comandar certos ataques ao direito comum.
Portanto, não corresponde à realidade a visão bastante difundida de que a doutrina de Gény assentou as bases para o desenvolvimento da posição (hoje aparentemente predominante) de que o sentido dos institutos e conceitos oriundos do direito privado deve ser em princípio o que prevalece nos seus ramos de origem, sentido do qual o legislador tributário pode eventualmente se apartar desde que o faça expressamente. A posição de Gény – e a que nos parece a mais correta – era a de que o intérprete do direito tributário deve respeitar e aplicar os institutos e conceitos tal como configurados no direito privado, sempre que haja remissão a tais conceitos pela lei tributária, e não exista no texto nem no espírito da legislação tributária nada que imponha uma alteração ou um desvio do conceito do direito privado47.
6. A
INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA DO DIREITO TRIBUTÁRIO:
SEU SIGNIFICADO ORIGINAL NO INÍCIO DO SÉCULO
XX
E SEU SENTIDO ATUAL
Nas primeiras décadas do século XX, na Alemanha e na Itália, foram desenvolvidas as escolas da interpretação econômica e da interpretação
44 45 46 47
GÉNY, O particularismo..., op. cit., p. 13. Idem, p. 16. Idem, p. 18. Cf. RAMALLO MASSANET, Juan. Derecho fiscal frente a Derecho civil: Discusión en torno a la naturaleza del Derecho fiscal entre L. Trotabas y F.Geny. Revista de la Facultad de Derecho de la Universidad Complutense de Madrid, v. XVII, p. 94, 1973.
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funcional do direito tributário. A tese principal dessas ideias é de que o fato gerador dos tributos é sempre uma “relação econômica privada” cuja existência “é por si mesma suficiente para determinar o nascimento da obrigação impositiva, qualquer que seja a disciplina jurídica do direito civil”48. Considerando que o direito tributário tem finalidades próprias e atende a interesses distintos daqueles protegidos pelo direito privado49 e considerando ainda que o direito tributário se explica e se justifica como atividade normativa dirigida a fazer cumprir o dever geral de contribuir para o financiamento dos gastos públicos com base na capacidade econômica dos indivíduos e das empresas, autores como Dino Jarach insistem que se deve interpretar e aplicar a hipótese de incidência tributária com os olhos postos nas relações econômicas privadas subjacentes aos atos e negócios jurídicos, privilegiando os propósitos empíricos das partes (intentio facti) e não as formas jurídicas adotadas por elas. Essa presunção absoluta de que o legislador tributário nunca define o fato gerador dos tributos em função de determinada forma jurídica estava relacionada à teoria – mais sociológica do que propriamente jurídica – da causa da obrigação tributária desenvolvida por Benvenuto Griziotti50 e à forte influência teórica àquela época exercida pela Jurisprudência dos Interesses51.
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JARACH, Dino. El hecho imponible – Teoría General del Derecho Tributario Sustantivo. 3ª ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1996. p. 145 (a 1ª edição da obra é de 1943). Aqui transparece claramente a influência, principalmente no contexto alemão, da então progressista Jurisprudência dos Interesses que surgiu como reação à Jurisprudência dos Conceitos. Nos comentários de Enno Becker ao Código Tributário Alemão de 1919, o autor afirma que a interpretação econômica representava uma vitória de Ihering sobre seus opositores científicos (Cf. MACHADO, Brandão. Prefácio. In: HARTZ, Wilhelm. Interpretação da Lei Tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1993. p. 9). Segundo as teses de Griziotti, do mesmo modo que no contrato de compra e venda a causa é a correspondência entre o bem que se transfere ao comprador e a quantia paga por este ao vendedor, a causa do tributo é a correspondência entre o interesse dos particulares na realização dos serviços públicos e a obrigação dos mesmos particulares em transferir ao fisco parte de seu patrimônio. No caso das taxas, essa correspondência é direta e, no caso dos impostos, a capacidade contributiva (daí o apego incondicional à substância e nunca à forma dos atos jurídicos) constitui um indício da existência do interesse do particular na prestação dos serviços públicos. Ainda que a obrigação tributária seja estabelecida abstratamente na lei, seu nascimento concreto supõe que, em cada caso, concorra o elemento causal, pois, do contrário, ocorreria um enriquecimento sem causa vedado pelo direito. Esta teoria, na maioria dos casos, geraria uma maior arrecadação tributária. Contudo, a coerência na sua formulação implica a existência de perdas arrecadatórias sempre que, no caso concreto, o contribuinte pratique o fato gerador, mas não demonstre uma efetiva e real capacidade contributiva. A teoria da causa do tributo formulada por Griziotti confunde o fundamento ou a ratio legis da eleição legal do fato gerador com a questão do nascimento da obrigação tributária em cada caso concreto. (Cf. SÁINZ DE BUJANDA, Fernando. Notas de Derecho Financiero. Madrid, 1966. p. 449-519). Na teoria de Vanoni, a diferença de finalidades e interesses tutelados pelo direito tributário e pelo direito civil justificava a afirmação de que os conceitos de direito civil, quando utilizados pela norma tributária, mudassem necessariamente de conteúdo. (Cf. VANONI, Ezio. Naturaleza e Interpretación de las Leyes Tributarias. Trad. e estudo preliminar de Juan Martín Queralt. Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 1973).
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Ocorre que não faz sentido essa presunção absoluta de que o legislador sempre grava as relações econômicas privadas com completa abstração das formas jurídicas. Afinal, há muitas razões pelas quais o legislador pode decidir tomar o caminho inverso: a busca de uma maior simplicidade na formulação da norma ou de mais certeza na sua aplicação, a maior dificuldade de estabelecer um conceito de cunho econômico sobre o que se quer gravar e, ainda, outros motivos de natureza extrafiscal52. Após a etapa inicial da “interpretação funcional” (Griziotti, Jarach) e da “consideração econômica” (Enno Becker), a interpretação econômica evoluiu para posições bem mais equilibradas (Blumenstein, Hensel), que propiciam um grau muito maior de segurança jurídica. A partir da segunda metade do século XX, abandonou-se o radicalismo inicial da interpretação econômica. Autores como o italiano Antonio Berliri53 demonstraram que eram equivocados tanto o fetichismo formalista, o qual impunha que o intérprete sempre desse maior peso aos conceitos formais do que à intenção prática dos contribuintes, quanto o radicalismo da interpretação econômica, segundo o qual o legislador concederia ao intérprete o amplo poder geral de investigar as relações econômicas que constituem o fato gerador da obrigação tributária, com abstração das formas jurídicas previstas na lei. Sem negar a autonomia do direito tributário para criar seus próprios conceitos com independência dos institutos e formas de direito privado, e sem negar a necessidade de uma interpretação teleológica das leis tributárias (as quais já não eram vistas como leis odiosas ou restritivas de direitos, tal como ocorria no século XIX e na primeira década do século XX), autores como Albert Hensel rechaçavam com total razão a presunção desarrazoada de que o legislador tributário sempre que se refere a institutos do direito privado em verdade quer se referir à substância econômica subjacente à formalização jurídica54. A partir de então se generalizou a postura de que não se pode dar uma resposta apriorística ao problema da prevalência ou não dos conceitos civilísticos na interpretação da norma tributária. Devem ser utilizados os critérios normais
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Cf. BERLIRI, Antonio. Principios de Derecho Tributario. v. 1. Madrid: Editorial de Derecho Financiero, 1964. p. 106). Citando seu irmão Luigi Vittorio Berliri, Antonio Berliri ressalta que o legislador tributário pode perfeitamente “valorar o pro e o contra” e decidir “perder em justiça absoluta o que ganha em certeza e simplicidade de determinação” (Op.cit., p. 108). BERLIRI, op.cit., passim. HENSEL, Albert. Derecho tributario. Trad. da 3ª edição alemã (1933) de Andrés Báez Moreno, María Luisa González-Cuéllar Serrano e Enrique Ortiz Calle. Madri-Barcelona: Marcial Pons, 2005. p. 145-152.
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da hermenêutica jurídica em cada caso concreto (fixando-se o mais restritivo e o mais extensivo sentido literal possível e decidindo-se entre eles – ou entre as diversas gradações entre eles – mediante a aplicação dos critérios lógicosistemático, histórico e teleológico55) para verificar se, no contexto específico de uma norma tributária concreta, a menção a formas e institutos do direito privado tem uma função exemplificativa – auxiliar ou uma função exaustiva56. Portanto, o acatamento da lei tributária ao sentido originário dos termos de outros ramos jurídicos (notadamente do direito privado) deve ser não a premissa, e sim a conclusão de um processo normal de interpretação. A prevalência de um conceito distinto do direito privado poderá ser a conclusão de um processo interpretativo que levará em conta a teleologia concreta da legislação tributária, mas nunca uma premissa abstrata calcada na teoria causalista do tributo. Contudo, o mais comum é que os autores optem por uma entre duas alternativas: na ausência de disposição expressa ou inequívoca por parte do legislador tributário, prevalece, para alguns, o conceito civilista57 e, para outros, o conceito propriamente tributário58. Combarros Villanueva59, estudando as vicissitudes evolutivas da doutrina da interpretação econômica na Alemanha, afirma que esta doutrina se mantém viva e influente atualmente, devendo ser entendida como uma interpretação teleológica da legislação tributária. Johnson Barbosa Nogueira, submetendo a interpretação econômica do direito tributário a uma crítica lúcida e equilibrada, observa que os criadores da doutrina deveriam ter se dedicado a criticar a teoria geral da interpretação jurídica e não a criar um método intra muros para a interpretação do direito tributário, o que é inclusive contraditório com outra bandeira que esses autores defendiam: a de que o direito tributário não é especial ou excepcional e que, portanto, deveria ser interpretado da mesma forma que o direito comum60.
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Cf. LARENZ, Karl. Metodología de la Ciencia del Derecho. Barcelona: Ariel, 1994. p. 316 e ss. Cf. HENSEL, op.cit., p. 147; e BERLIRI, op.cit., p. 97-117. COMBARROS VILLANUEVA, Victoria Eugenia. La interpretación económica como criterio de interpretación jurídica (Algunas reflexiones a propósito del concepto de ‘propiedad económica’ en el Impuesto sobre el Patrimonio’). Revista Española de Derecho Financiero, n. 44, p. 496-497, 1984. BEISSE, Heinrich. O critério econômico na interpretação das leis tributárias segundo a mais recente jurisprudencia alemã. In: MACHADO, Brandão (Dir.). Direito Tributário – Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 23-24. COMBARROS VILLANUEVA, op.cit., p. 485-533. NOGUEIRA, Johnson Barbosa. A Interpretação Econômica no Direito Tributário. São Paulo: Resenha Tributária, 1982 (cf. páginas da Introdução). Ao contrário do que se passa nessa densa
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7. A TEORIA DO ABUSO DAS FORMAS JURÍDICAS (OU DA FRAUDE À LEI TRIBUTÁRIA) COMO UMA DAS VARIANTES DA IDEIA DE INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA DO DIREITO TRIBUTÁRIO
Atualmente, não há autores que defendam a formulação original da teoria da interpretação econômica, segundo a qual se deve interpretar e aplicar a hipótese de incidência tributária com os olhos postos nas relações econômicas privadas subjacentes aos atos e negócios jurídicos, privilegiando sempre os propósitos empíricos das partes (intentio facti) e não as formas jurídicas adotadas por elas61. Hoje em dia, prevalece o entendimento de que é a interpretação de cada lei tributária, segundo seu espírito e finalidade, balizada pelo mínimo e pelo máximo sentido literal possível da formulação linguística adotada pelo legislador, que indicará – em cada caso concreto – se os comandos foram ou não configurados com submissão a formas jurídicas e institutos privados. Em caso positivo (formulação da norma em função de formas jurídicas ou institutos oriundos do direito privado), o intérprete/aplicador deve qualificar os fatos e atos segundo as formas jurídicas utilizadas pelos contribuintes, a não ser que os contribuintes tenham distorcido ou violentado tais formas jurídicas (abuso das possibilidades de configuração oferecidas pelo direito) para praticar uma fraude à lei tributária. Vale dizer, se o contribuinte age em fraude à lei, o intérprete/aplicador já não está mais obrigado a qualificar a realidade conforme as formas jurídicas adotadas pelo contribuinte. Se partir do próprio contribuinte a iniciativa de
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e bem documentada pesquisa de Nogueira, a maioria dos autores brasileiros aprendeu a aplaudir e a apoiar, sem qualquer espírito crítico, a infundada vinculação que Alfredo Augusto Becker promoveu (sem um mínimo de método ou rigor científico) entre a interpretação econômica do direito tributário e as ideias nazistas (Cf. B ECKER , Alfredo Augusto. Carnaval Tributário..., op. cit., p. 103-122). Alberto XAVIER também promoveu uma equivocada identificação (de resto, sem quaisquer evidências ou mesmo indícios concretos) entre a interpretação econômica do direito tributário e os diversos regimes políticos autoritários instalados na Europa no século XX (Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001. p. 45-49). Dino Jarach defende essa posição (que é a tônica de seu El hecho imponible) em texto publicado no Brasil em 1975. Mas, nesse texto de 1975, o autor introduz em sua teoria a ressalva de que a intentio juris pode se sobrepor à intentio facti, desde que o legislador expressamente o determine: “Para efeitos de direito tributário – e aqui está o ponto nevrálgico da questão –, o legislador que cria um fato imponível, referindo-se a negócios de particulares, se refere, seguramente (por uma razão de princípio, aqui indicada), à intenção empírica ou ao conteúdo substancial-econômico da transação de particulares [...] a valoração da riqueza que faz o legislador, se refere à intenção empírica [...] e não à jurídica, e isto é assim, salvo quando o legislador expressamente diga o contrário” (JARACH, Dino. Hermenêutica no direito tributário. In: ATALIBA, Geraldo et alii. Interpretação no Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1975. p. 100-101).
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distorcer as formas e os negócios do direito privado e utilizá-los num contexto notoriamente artificioso, a resposta do ordenamento será autorizar o intérprete/ aplicador da norma tributária a avaliar e qualificar a realidade segundo uma visão substancial/econômica, desvinculada das formas jurídicas artificiosamente utilizadas pelo contribuinte62. Essa forma de combater a elusão foi a adotada pelo Código Tributário alemão de 1919 (artigos 4º e 5º, transformados em 1931 nos artigos 9º e 10º), diploma jurídico que nada tem de “autoritário” ou “nazista”, mas, ao contrário, é tido como o precursor da ciência contemporânea do direito tributário, marcando a transição da relação tributária “que de ‘relação de poder’ passou a ser vislumbrada como ‘relação jurídica’”63. Ao contrário do que afirma Alfredo Augusto Becker e sugere Alberto Xavier, a interpretação econômica defendida pelo alemão Enno Becker não influenciou a sistematização da fraude à lei (ou de outras normas gerais) como ferramenta de combate da elusão tributária. Muito pelo contrário. Os autores adeptos dessa versão radical da interpretação econômica consideravam errôneo utilizar a fraude à lei como arma de combate da elusão tributária. Dino Jarach, por exemplo, criticou duramente a postura do suíço Blumenstein, que apoiava a solução do Código Tributário alemão de 1919. Se a lei desenha o fato gerador do tributo fazendo referência a atos ou negócios provenientes do direito privado e a interpretação teleológica não indica objetivamente que a lei toma como relevantes as relações econômicas subjacentes, Blumenstein sustentava que, somente nos casos de elusão/fraude à lei, o aplicador estava autorizado a exigir o tributo fazendo abstração das formas utilizadas pelo contribuinte64. Jarach, fiel adepto da interpretação econômica em sua versão original, criticava duramente essa posição: Não há razão jurídica para que a concorrência da finalidade de evadir o imposto, mediante o uso de formas jurídicas anormais, junto com o resultado conforme aos desejos das partes, seja suficiente para tornar tributável um fato que por si mesmo não o seria ou o seria de outra maneira.65
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Cf. PALAO TABOADA, Carlos. Notas a la Ley 25/1995, de 20 de julio, de modificación parcial de la Ley General Tributaria (II). Estudios Financieros, n. 155, p. 1-20, 1996; e PÉREZ ROYO, Fernando. Comentario al artículo 24 de la Ley General Tributaria. In: PÉREZ ROYO, Fernando et alii. Comentarios a la Ley General Tributaria y Líneas para su Reforma – Libro Homenaje al Profesor Dr. D. Fernando Sainz de Bujanda. v. 1. Madri: Instituto de Estudios Fiscales, 1991. p. 367-391. MARINS, James. Elisão tributária e sua regulação. São Paulo: Dialética, 2002. p. 17. Essa postura de Blumenstein é criticada por Alfredo Augusto Becker em sua: Teoria Geral..., op. cit., p. 130. JARACH, El hecho..., p. 148.
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Enno Becker, por sua vez, preferia combater as elusões apelando para uma “correta interpretação” da lei tributária, sem utilizar o procedimento especial da fraude à lei previsto no art.5º do Código Tributário alemão de 191966. Isso demonstra que os adeptos da interpretação econômica, na verdade, rejeitavam as normas gerais antielusão (como a da fraude à lei, hoje prevista no art.42 do Código Tributário alemão de 1977). Por isso é errônea a teoria de Alberto Xavier ao relacionar as décadas de inaplicação da cláusula geral da fraude à lei tributária prevista no código tributário espanhol com uma postura de “restauração dos valores de segurança jurídica”67. Toda a doutrina espanhola reconhece que a falta de aplicação prática do expediente da fraude à lei se deveu a que a Administração preferiu historicamente utilizar um conceito extremamente elástico de simulação para combater os atos de elusão, o que se mostrava mais eficaz e impedia que o contribuinte pudesse contar com as garantias formais do expediente da fraude à lei tributária68.
8. INTERPRETAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO NA DOUTRINA BRASILEIRA ANTERIOR AO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL (CTN) Os primeiros estudiosos do direito tributário brasileiro, cujas obras começaram a ser editadas nas décadas de 50 e 60 do século XX, tinham uma postura nada formalista acerca da interpretação da norma tributária. Rubens Gomes de Sousa, que, desde 1949, ministrava aulas de Legislação Tributária na Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da USP, propõe, em seu Compêndio de Legislação Tributária (1ª edição de 1952), um modelo de interpretação da norma tributária que em muito se parece à versão original da escola da interpretação econômica. Gomes de Sousa rechaça as visões “apriorística” e “literal-estrita” da interpretação tributária, bem como apoia as linhas da “interpretação moderna do direito tributário”. Essa “interpretação moderna” vinha a ser, em grande medida, a versão original da interpretação econômica do direito tributário69:
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Cf. HENSEL, op.cit., nota 167 da p. 231. XAVIER, op.cit., p. 48-49. Cf., por exemplo: ARIAS VELASCO, José. Dictamen sobre el fraude de Ley tributaria y figuras afines en su aplicación a un caso concreto. Revista Técnica Tributaria, n. 24, 19-44, 1994; e CASADO OLLERO, Gabriel; FALCÓN Y TELLA, Ramón; LOZANO SERRANO, Carmelo; SIMÓN ACOSTA, Eugenio. Cuestiones Tributarias Prácticas. Madrid: La Ley, 1989. p. 117. SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1975. p. 79-80.
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[...] Os atos, fatos, contratos ou negócios previstos na lei tributária como base de tributação devem ser interpretados de acordo com os seus efeitos econômicos e não de acordo com a sua forma jurídica; este é o princípio básico e dele decorrem os restantes [...] Por conseguinte, os atos, contratos ou negócios cujos efeitos econômicos sejam idênticos devem produzir efeitos tributários também idênticos, muito embora as partes lhes tenham atribuído formas jurídicas diferentes; [...] a lei fiscal tributa uma determinada situação econômica, e, portanto, desde que esta se verifique, é devido o imposto, pouco importando as circunstâncias jurídicas em que se tenha verificado.
Amílcar de Araújo Falcão, aluno dileto de Aliomar Baleeiro na Bahia e posteriormente o primeiro catedrático de Direito Fiscal na Faculdade de Direito da Universidade do Estado da Guanabara, produziu duas obras em que o tema da interpretação do direito tributário é tratado de maneira sistemática. Na primeira obra, publicada originalmente em 1959, Falcão caminha na mesma senda de Rubens Gomes de Sousa e apoia a teoria da consideração econômica do direito tributário à maneira de Dino Jarach. Segundo Falcão, a referência da lei tributária aos atos negociais é feita, sempre, à relação econômica subjacente, no sentido de que os fatos, circunstâncias ou acontecimentos indicados no fato gerador são “sempre considerados pelo seu conteúdo econômico”, interessando ao direito tributário somente a vontade empírica, ou seja, a intentio facti70: Motivos de conveniência, de utilidade, o interesse de dar maior concisão e simplicidade ao texto podem levar o legislador, quando for o caso, a reportar-se à fórmula léxica através da qual aquela relação econômica vem sempre traduzida em direito. Trata-se porém, de uma fórmula elítica [...] ao direito tributário só diz respeito a relação econômica.
Já em obra posterior publicada originalmente em 1964, Falcão abandona a versão original da interpretação econômica (à maneira de Dino Jarach e apoiada no Compêndio de Gomes de Sousa) para filiar-se ao pensamento de autores como Blumenstein e Hensel (que admitem a chamada “interpretação
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FALCÃO, Amílcar. Introdução ao Direito Tributário. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 76 (a 1ª edição dessa obra é de 1959). Em obra de 1964, Geraldo Ataliba apoia quase que integralmente o pensamento defendido por Amílcar Falcão, a ele fazendo referência expressa em várias passagens de seu livro. Contudo, a afirmação de Ataliba de que, quando o direito tributário se refere a institutos de outros ramos, “importa considerá-los [esses institutos] com o sentido que possuem originalmente [nesses outros ramos], salvo expressa exclusão dessa responsabilidade, pela própria lei tributária” (ATALIBA, Geraldo. Noções de Direito Tributário. São Paulo: RT, 1964. p. 36), é claramente oposta ao pensamento de Amílcar Falcão.
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econômica” tão somente como uma forma de combater abusos ou atos de elusão tributária). Veja-se a seguinte passagem71: Depurada de excessos e impropriedades, que se encontram em certos autores, a chamada interpretação econômica da lei tributária consiste, em última análise, em dar-se à lei, na sua aplicação às hipóteses concretas, inteligência tal que não permita ao contribuinte manipular a forma jurídica para, resguardando o resultado econômico visado, obter um menor pagamento ou o não pagamento de determinado tributo.
Falcão cita expressamente a obra de Blumenstein (exatamente na parte em que Blumenstein é criticado por Jarach) para concluir que o emprego da interpretação econômica só se faz “para corrigir situações anormais artificiosamente criadas pelo contribuinte” [o que chamamos de “elusão”]. Falcão aproveita para deixar claro que a interpretação econômica não significa adotarse o método da livre indagação por parte do aplicador da norma tributária72: Por outras palavras, através dela [interpretação econômica] não se pode chegar ao resultado de, na generalidade dos casos, alterar ou modificar, por considerações subjetivas que o intérprete ou o aplicador desenvolveram no que respeita à justiça fiscal, um conceito adotado pelo legislador. É a isso que se faz alusão, quando se assevera que a interpretação econômica não pode ter o efeito de uma interpretatio abrogans.
Geraldo Ataliba, num Seminário na PUC de São Paulo organizado por ele mesmo em 1971, também se manifestou favorável ao combate dos abusos de forma perpetrados pelos contribuintes, mediante uma interpretação/ aplicação da norma tributária que desconsiderasse as formas artificiosas postas em prática pelos contribuintes73: A interpretação é jurídica, mas, sustentamos que a “assim chamada” interpretação econômica – aquela que prestigia o conteúdo econômico, acima da forma – só tem cabimento (estamos com Amílcar Falcão) quando se trata de fraude ou de manifesto abuso de forma, em particular. Daí sim, o fisco não pode assistir àquilo indiferente, porque há um princípio constitucional, lembrado pelo Prof.Monteiro de Barros, da
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FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 17. A 1ª edição da obra é de 1964. FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 35. ATALIBA, Geraldo et alii. Interpretação no Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1975. p. 193;197.
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igualdade de todos.Ora, se suas pessoas estão em igual situação e uma delas abusa de formas jurídicas de direito privado para subtrair-se à tributação, o Estado tem o dever de assegurar a plenitude do princípio da igualdade, recorrendo à “chamada” interpretação econômica, para tributar aquele fato. [...] Poder-se-ia adotar como conclusão: Interpretação é sempre jurídica. A chamada interpretação econômica é válida como recurso subsidiário, em geral, e como recurso principal para repressão da fraude e abuso de forma.
Ruy Barbosa Nogueira, primeiro professor catedrático de Direito Tributário na Faculdade de Direito da USP (1965), escreveu uma obra específica sobre interpretação da norma tributária em 1963. Nesta obra, o autor adota uma posição equilibrada, rechaçando ao mesmo tempo a tendência de “resolver questões tributárias por meio de puras concepções de Direito Privado”74 e as concepções mais radicais da interpretação econômica (tais como a de Enno Becker e Dino Jarach). Barbosa Nogueira observa muito bem que é o exame de cada norma em concreto que revelará se a norma tributária se refere a um instituto “de pura estrutura de Direito Privado”, de “estrutura mista, isto é, alterada pelo Direito Tributário” ou ainda de “exclusiva estrutura de Direito Tributário”75. Tal como Falcão, Barbosa Nogueira demonstra conhecer a posição da doutrina alemã segundo a qual o contribuinte não pode “abusar do direito ao uso das formas jurídico-privadas”, empregando formas anormais e artificiosas para “impedir ou fraudar a tributação, tributação esta que, ao contrário, se o contribuinte tivesse seguido o caminho jurídico-privado correto, seria devida”. Após afirmar que estas formas artificiosas seriam inoponíveis ao fisco, Barbosa Nogueira lembra que isso não se aplica na “hipótese em que a estrutura jurídicoprivada, ou mesmo a tributária, por meio de opções, ofereça várias formas jurídicas e o contribuinte escolha a menos onerosa”, pois, neste caso [que o autor chama corretamente de “planejamento tributário”], não há abuso, manipulação ou desvio, mas apenas escolha de uma das formas legítimas76. Ao contrário de Amílcar Falcão, o qual demonstrava total convicção de que a vedação do “abuso de formas” prevalecia inclusive no direito tributário
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NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Da interpretação e da aplicação das leis tributárias. São Paulo: Bushatsky, 1974 (1ª edição de 1963). p. 50-51. NOGUEIRA, op.cit., p. 55. NOGUEIRA, op.cit., p. 66.
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brasileiro, Barbosa Nogueira é reticente quanto à possibilidade de aplicar esse instituto em nosso país. Após citar o Código alemão e a doutrina que separa a elisão legítima (sem abuso de formas) da evasão mediante abuso, Barbosa Nogueira afirma que “no Brasil a legislação sobre este tema é ainda incipiente”, ressaltando (sem deixar clara a sua posição a respeito do problema) “a delicadeza do problema entre nós, quando se pretenda afastar a forma jurídica apenas através da chamada interpretação do conteúdo econômico [...], pois no Brasil, por força da Constituição, o imposto só pode ser criado por lei”77. Não se sabe bem ao certo se o autor faz referência – com suas dúvidas – à interpretação econômica em sentido radical (Becker, Jarach) ou à aplicação da doutrina do abuso das formas. Como em seu Curso de Direito Tributário, escrito alguns anos depois, Barbosa Nogueira não faz ressalvas à aplicação da doutrina do abuso de formas no Brasil78, talvez a “delicadeza do problema” (mencionada em sua obra de 1963) diga respeito à interpretação econômica a la Dino Jarach ou Enno Becker. Poder-se-ia pensar que esses autores que manifestavam posturas nada formalistas acerca da interpretação da norma tributária fossem contrários à posição tradicional de que o intérprete não pode se valer da analogia na aplicação da norma tributária que trata das hipóteses de incidência do tributo. Contudo, todos esses autores rechaçavam a analogia como método de integração “quando dela resulte a criação de débito tributário”79. Vale, entretanto, ressaltar que Gomes de Sousa invertia a terminologia tradicional e chamava de “interpretação extensiva” o que a maioria da doutrina considera “interpretação analógica”80. Vê-se, portanto, que o pensamento jurídico daqueles que podem ser chamados “os primeiros tributaristas do Brasil” tinha um forte conteúdo antiformalista e tal característica se deve em grande medida aos efeitos da norma do art.202 da Constituição de 1946, que estatuía, em sua parte final, que os
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NOGUEIRA, op.cit., p. 70. NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 201. FALCÃO, Introdução..., op. cit., p. 84. “[...] é preciso distinguir entre interpretação extensiva e interpretação analógica: a primeira é a que, partindo de um texto de lei, cria uma norma jurídica nova e a aplica a uma situação diferente da prevista na lei; a segunda é a que, partindo de um texto de lei, faz incluir as situações análogas, embora não expressamente referidas no texto. Por conseguinte, a interpretação extensiva não é admissível no direito tributário, porque implica criar tributos sem lei, o que, como já vimos (§ 13) é proibido até mesmo pela Constituição. Ao contrário, a interpretação analógica é admissível, porque não cria direito novo mas apenas completa o alcance do direito existente: se rejeitássemos esta forma de interpretação, voltaríamos a exigir que a lei tributária enumerasse expressamente todos os casos” (SOUSA, Compêndio..., op. cit., p. 81.
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tributos “serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”. Em autores como Amílcar Falcão81 e Barbosa Nogueira82, percebe-se a nítida influência deste dispositivo não só sobre a atividade do legislador tributário, como também sobre a atividade do intérprete e aplicador do direito tributário. Era natural que os positivistas mais formalistas desconfiassem dessa influência do princípio da capacidade econômica sobre a interpretação da norma tributária, afinal a capacidade econômica destoa dos conceitos “programáveis”, “automáticos” ou “infalíveis” pressupostos nos modelos lógicos da Jurisprudência dos Conceitos. Ao examinar o princípio da capacidade econômica, Alfredo Augusto Becker em nenhum momento busca estudar as especificidades e peculiaridades da norma tal como surgiu e se desenvolveu no direito brasileiro ou no direito italiano, muito menos os resultados de sua aplicação jurisprudencial. Becker está interessado nos aspectos “universais” da teoria jurídica, e o que o repugna desde o primeiro instante é o caráter ambíguo ou vago da formulação normativa da capacidade contributiva. O autor não se dá conta de que a ambiguidade somente será amainada se o intérprete se dispõe a estudar as especificidades da norma que vigora aqui e agora no Brasil, ou na Itália etc. A conclusão de Becker era de que, dada a ambiguidade da norma, sua inclusão na Constituição de 1946 era a “constitucionalização do equívoco”83. Essa visão positivista “desconfiada” da abertura do princípio da capacidade econômica determinou a revogação do art.202 da Constituição de 1946 pela Emenda Constitucional 18, de 1965.
9. ALGUMAS NORMAS SOBRE INTERPRETAÇÃO QUE CONSTAVAM DO PROJETO DE CÓDIGO TRIBUTÁRIO PREPARADO POR RUBENS GOMES DE SOUSA E QUE FORAM SUPRIMIDAS NA APROVAÇÃO DO TEXTO FINAL DO CTN EM 1966 Em 1951, por sugestão dos então parlamentares Aliomar Baleeiro e Bilac Pinto, Rubens Gomes de Sousa iniciou a redação de um anteprojeto de Código Tributário Nacional, que, segundo os planos de Baleeiro e Bilac Pinto, seria por eles apresentado à Câmara dos Deputados84.
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FALCÃO, Introdução..., op. cit., p. 15;76. NOGUEIRA, Da interpretação..., op. cit., p. 26;43-44. BECKER, Teoria..., op. cit., p. 442. Cf. BALEEIRO, Aliomar. O Código Tributário Nacional, segundo a correspondência de Rubens Gomes de Sousa. In: BALEEIRO, Aliomar et alii. Proposições Tributárias. São Paulo: Resenha Tributária, 1975. p. 5-33.
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O Anteprojeto, finalizado por Gomes de Sousa em 1952, não chegou a ser apresentado à Câmara dos Deputados por Baleeiro e Bilac Pinto. Em 1953, Baleeiro sugeriu ao Ministro da Fazenda Osvaldo Aranha que o Governo promovesse a codificação do direito tributário em nível nacional e indicou o nome de Gomes de Sousa para presidir a comissão que se encarregaria da elaboração do Projeto. A comissão foi constituída – sob a presidência de Gomes de Sousa – em 1953 e, em 1954, o Projeto de Código Tributário Nacional85 foi enviado por Getúlio Vargas ao Congresso Nacional. Apesar de esse Projeto de CTN remetido ao Congresso Nacional em 1954 nunca ter sido apreciado e votado pelo Legislativo, ele constituiu a base do que veio a ser aprovado em 1966 – já sob o regime ditatorial instalado em 1964 – como Código Tributário Nacional (Lei 5.172, de 1966). A presente seção destina-se a comentar alguns dispositivos sobre interpretação do direito tributário que constavam do Anteprojeto e/ou do Projeto de Gomes de Sousa. A análise desses dispositivos pode contribuir para compreender o sentido das normas afinal consignadas no CTN aprovado em 1966.
• PLURALISMO METODOLÓGICO Tanto o Anteprojeto (art.128) quanto o Projeto (art.73) continham um dispositivo inaugural do Título “Da interpretação da legislação tributária”, estabelecendo que, “na aplicação da legislação tributária, são admissíveis quaisquer métodos ou processos de interpretação, observado o disposto neste Título”. Este dispositivo visava a deixar claro que a norma tributária não tem qualquer caráter excepcional e se integra perfeitamente no sistema jurídico do país, afastando qualquer resquício de métodos apriorísticos de interpretação (in dúbio pro fiscum ou contra fiscum). A ideia de Gomes de Sousa era que esse dispositivo deixasse claro que – salvo situações excepcionais86 – não há como interpretar o direito tributário de forma literal ou restritiva, pois isso promove “delimitações da liberdade intelectual do intérprete na pesquisa do conteúdo e do alcance da lei”, o que não se compagina “com a tendência geral da hermenêutica jurídica no sentido da interpretação teleológica ou finalista”87, que deve prevalecer também no direito tributário.
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MINISTÉRIO DA FAZENDA. Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Ministério da Fazenda, 1954. Como a do art.111 do CTN. MINISTÉRIO DA FAZENDA, op.cit., p. 180.
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No CTN finalmente aprovado, omitiu-se – quiçá pelo acentuado positivismo que perpassa todo o Código de 196688 – esse dispositivo do Projeto que admitia “quaisquer métodos ou processos de interpretação da legislação tributária”. O art.107 do CTN simplesmente afirma que “a legislação tributária será interpretada conforme o disposto neste Capítulo”.
• INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA EM SUA VERSÃO ORIGINAL Tanto o Anteprojeto quanto o Projeto de Gomes de Sousa continham algumas normas confusas, que buscavam traduzir a visão da consideração econômica do direito tributário tal como formulada nas primeiras décadas do século XX na Alemanha. O art.74 do Projeto (derivado do art.129 do Anteprojeto) dispunha que “a interpretação da legislação tributária visará sua aplicação não só aos atos, fatos ou situações jurídicas nela nominalmente referidos, como também àqueles que produzam ou sejam suscetíveis de produzir resultados equivalentes”. Nos seus comentários ao Projeto, Gomes de Sousa afirma que tal dispositivo “inspirou-se” no art.9º do Código Alemão de 193189. O dispositivo do Código alemão estabelecia que “na interpretação das leis tributárias devem ser consideradas sua finalidade, seu significado econômico e o desenvolvimento das circunstâncias”. O dispositivo do Código alemão simplesmente aponta para os pressupostos de uma interpretação finalística e teleológica, sem determinar a orientação geral no sentido da tributação de fatos capazes de “produzir resultados equivalentes” aos fatos previstos nas normas de incidência tributária. Parece-nos, portanto, que Gomes de Sousa se inspirou menos no próprio art.9º do Código alemão e mais nos comentários de Enno Becker (bastante criticados pelos próprios alemães) ao referido dispositivo. Uma norma verdadeiramente inspirada no art.9º do Código alemão de 1931 (e não na versão distorcida de Enno Becker) e que se mostra equilibrada e em harmonia com as tendências atuais da hermenêutica é a contida no art.7º do Modelo de Código Tributário do CIAT (Centro Interamericano de Administrações Tributárias) de 1997: Quando a norma relativa ao fato gerador se referir a situações definidas por outros ramos jurídicos, sem se remeter [a esses outros ramos jurídicos]
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Para uma crítica detalhada e profunda das normas de interpretação contidas no CTN, vide: TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. MINISTÉRIO DA FAZENDA, op.cit., p. 181.
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nem se apartar expressamente deles, o intérprete deverá atribuir ao fato gerador o significado que mais se adapte à realidade considerada pela lei ao criar o tributo. As formas jurídicas adotadas pelos contribuintes não vinculam o intérprete, que deverá atribuir às situações a atos ocorridos uma significação acorde com os fatos, quando da interpretação da lei tributária se conclua que o tributo foi estabelecido atendendo à realidade e não à forma jurídica. [Tradução nossa]
• NORMA GERAL DESTINADA A COMBATER OS ABUSOS DE FORMA. CONFIDÊNCIAS DE ALFREDO AUGUSTO BECKER Como o Anteprojeto e o Projeto adotavam uma norma confusa que resvalava para a interpretação econômica em sua versão primitiva, não era coerente que adotassem em outro dispositivo uma norma destinada a combater pontualmente os casos de elusão ou fraudes à lei tributária. Mas tal ocorria. No art.131, parágrafo único do Anteprojeto de Gomes de Sousa (art.86 do Projeto), dispunha-se: Art.131. Os conceitos, formas e institutos de direito privado, a que faça referência a legislação tributária, serão aplicados segundo a sua conceituação própria, salvo quando seja expressamente alterada ou modificada pela legislação tributária. Parágrafo único. A autoridade administrativa ou judiciária competente para aplicar a legislação tributária terá em vista, independentemente da intenção das partes, mas sem prejuízo dos efeitos penais dessa intenção quando seja o caso, que a utilização de conceitos, formas e institutos de direito privado não deverá dar lugar à evasão ou redução do tributo devido com base nos resultados efetivos do estado de fato ou situação jurídica efetivamente ocorrente ou constituída, nos termos do art.129, quando os conceitos, formas ou institutos de direito privado utilizados pelas partes não correspondam aos legalmente ou usualmente aplicáveis à hipótese de que se tratar.
A redação do artigo é criticável, pois, no abuso de formas ou no abuso das possibilidades de configuração do direito, não se trata de usar formas não usuais ou não correntes, e sim de formas artificiosas, distorcidas e manipuladas. Mas, de todo modo, é de se registrar a preocupação do Anteprojeto e do Projeto de “cercear a evasão tributária procurada através do que a doutrina alemã chama ‘o abuso de formas de direito privado’”90.
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Gomes de Sousa também entendia que tal dispositivo era de se aplicar em casos de fraude à lei tributária91. A obstinação de Alfredo Augusto Becker em vincular o nazismo a qualquer forma de doutrina que combata o abuso do direito ou a fraude à lei no direito tributário parece ter sido determinante para que o Código Tributário Nacional de 1966, ao contrário do Anteprojeto (1953) e do Projeto (1954) anteriormente preparados por Rubens Gomes de Sousa, não contivesse qualquer norma antielusão. A julgar pelo depoimento do próprio Becker em seu Carnaval Tributário, seu amigo Rubens Gomes de Sousa, em dezembro de 1965, teria lhe enviado uma carta, na qualidade de Presidente da Comissão que redigiu o Código Tributário Nacional, rogando-lhe um Parecer Jurídico que demonstrasse que “a ‘Teoria do Abuso das Formas Jurídicas e a Interpretação Econômica das Leis Fiscais’ era um absurdo jurídico [...] uma teoria introduzida no Código Tributário alemão pelo Nazismo e que autorizou a morte financeira dos contribuintes alemães de forma igual à morte física dos judeus”92. É estranho Becker afirmar que essa teoria teria sido “introduzida” no Código Tributário alemão pelo nazismo, pois, por suas leituras, ele sabia certamente que essa norma surgiu no Código de 1919 e permaneceu no direito alemão – como permanece até hoje (artigo 42 do Código de 1977) – após a queda do nazismo. Também é estranho que Rubens Gomes de Sousa, após introduzir em seu Anteprojeto (art.131, parágrafo único) e manter no seu Projeto de Código Tributário (art.86) uma norma antielusão combatendo o abuso das formas jurídicas e a fraude à lei tributária, tenha requerido um Parecer de Alfredo Augusto Becker destinado a sepultar sua própria iniciativa. Mas o que é mais estranho é que Gomes de Sousa, o qual, segundo Becker, teve a ideia de pedir o seu referido parecer em 1965, tenha defendido, em palestra dada no Seminário organizado pelo Prof. Geraldo Ataliba na PUC-SP, em 1971, exatamente a ideia de aplicar a interpretação econômica “à hipótese, que se poderia dizer ‘patológica’, do chamado “abuso de formas”, ou seja, da distorção das formas do direito privado pelos contribuintes, com intenção de evadir o imposto”93. Tudo isso é duvidoso. O que é certo é que não se deve propagar que a tese contida no tal Parecer de Alfredo Augusto Becker é autoritária e
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MINISTÉRIO DA FAZENDA, op.cit., p. 196. BECKER, Carnaval..., op. cit., p. 30-31. SOUSA, Rubens Gomes. Normas de interpretação no Código Tributário Nacional. In: ATALIBA, Geraldo et alii. Interpretação no Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1975. p. 373.
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sanguinária somente porque foi encampada de maneira integral pelo regime militar que se instalou no Brasil em 1964 e produziu o CTN em 1966 – assim como não se deve propagar que a doutrina alemã do abuso das formas jurídicas é nazista somente porque foi “mantida” no Código Tributário alemão no regime nazista.
10. ANÁLISE
DAS NORMAS DO
CTN
SOBRE INTERPRETAÇÃO E
INTEGRAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO
O mesmo espírito positivista que determinou a revogação do art.202 da Constituição de 1946 (princípio da capacidade econômica) está por detrás das normas do CTN que procuraram dogmatizar a interpretação jurídica94, disciplinando-a segundo regramentos explícitos quase sempre confusos e ambíguos. A maioria da doutrina brasileira manifesta-se criticamente contra as normas do CTN que buscaram disciplinar a interpretação e a integração da legislação tributária95. É curioso – quiçá tragicamente curioso – que apenas cinco anos após a promulgação do CTN ninguém menos que Rubens Gomes de Sousa tenha vindo confessar publicamente que sua postura quanto às normas de interpretação contidas no CTN era “nitidamente crítica”, inclusive apontando a necessidade de sua revisão96. E o outro artífice do CTN – Ulhôa Canto – tenha afirmado que “o grave equívoco do Código é a tomada de posição estabelecendo normas de interpretação, de um modo ou de outro”97.
• ART.107 Quanto ao art.107, importa tão somente relembrar que, na redação original do Projeto de Gomes de Sousa (art.73), constava a frase “na aplicação da legislação tributária, são admissíveis quaisquer métodos ou processos de interpretação”, frase esta que restou omitida no texto aprovado em 1966.
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GRECO, Marco Aurelio. Planejamento Fiscal e Interpretação da Lei Tributária. São Paulo: Dialética, 1998. p. 172 Ricardo Lobo Torres escreveu a obra que promove a crítica mais detalhada e sistematizada de tais normas do CTN: Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. SOUSA, Rubens Gomes. Normas de interpretação no Código Tributário Nacional. In: ATALIBA, Geraldo et alii. Interpretação no Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1975. p. 362. CANTO, Gilberto de Ulhôa. Legislação tributária, sua vigência, sua eficácia, sua aplicação, interpretação e integração. Revista Forense, nº 267, p. 30.
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• ART.108 No Projeto de Gomes de Sousa, percebia-se nitidamente que, enquanto o art.73 (art.107 do CTN) disciplinava os “métodos ou processos de interpretação” a serem usados na “aplicação da legislação tributária”, o art.75 (art.108 do CTN) disciplinava os “métodos ou processos supletivos de interpretação” a serem utilizados na integração da legislação tributária. Como na redação final do art.107 do CTN não se fez referência à questão dos métodos de interpretação da legislação tributária (afirmando-se simplesmente que “a legislação tributária será interpretada conforme o disposto neste Capítulo”), soa um tanto estranho o legislador disciplinar os métodos de integração (art.108) sem, contudo, disciplinar os próprios métodos de interpretação (art.107). Baleeiro tem uma compreensão muito peculiar deste art.10898. Em primeiro lugar, supõe que, neste dispositivo, esteja uma hierarquia de “regras de interpretação”, quando, na verdade, o art.108 se refere ao problema mais específico da integração da legislação tributária, daí eleger como primeiro “método supletivo” (expressão do Projeto) a analogia. Em segundo lugar, Baleeiro afirma que o art.108 “parece” alcançar somente os “agentes do Fisco”, sem, entretanto, desenvolver essa ideia. O Projeto (art.75) se referia à “autoridade administrativa ou judiciária competente” para a aplicação da legislação tributária, ao passo que a redação final de 1966 empregou uma elipse ao se referir à “autoridade competente para aplicar a legislação tributária”. Portanto o artigo se dirige também à autoridade judicial, tendo razão Luciano Amaro ao ponderar que “não faria sentido que o Fisco estivesse adstrito a aplicar a lei de uma maneira, e o contribuinte ou o juiz devesse (ou pudesse) aplicá-la de modo diverso”99. Baleeiro 100 e também Rubens Gomes de Sousa 101 sustentam uma posição pouco convincente, segundo a qual a ordem indicada no artigo seria taxativa, mas a primeira frase do artigo (“na ausência de disposição expressa”) estaria a indicar que a lei (estadual, federal, municipal) poderia determinar uma ordem diferente de métodos. Parece-nos que a primeira frase do art.108
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BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. Atual. Misabel Abreu Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 678. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 210. BALEEIRO, Direito..., op. cit., p. 678. SOUSA, Normas..., op. cit., p. 376.
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se refere à ausência de uma norma regulando especificamente o caso concreto, e não à ausência de uma norma federal, estadual ou municipal que discipline os métodos de integração da lei tributária102. De qualquer forma, a redação do art.108 é criticável, pois a integração da legislação supõe a ausência de norma para o caso concreto, e não a ausência de norma expressa, pois, a rigor, o que é expresso ou implícito é o texto, e não a norma que se constrói a partir do texto. A doutrina não põe reparo em que o principal propósito do art.138 é – nas palavras de Gomes de Sousa – “afastar o recurso a métodos ou processos de hermenêutica incompatíveis com a natureza e as finalidades próprias do direito tributário”103. Numa atitude própria do positivismo, a gradação dos incisos vai da solução mais particular (a analogia legis104) para a solução mais geral (princípios gerais de direito público e equidade). Note-se que a gradação legal não menciona os princípios gerais de direito privado. Esses princípios gerais de direito privado são vetados pelo CTN como métodos supletivos para promover a integração da legislação tributária (art.108, a contrario sensu) e como métodos de interpretação (fora do contexto da integração) das normas que tratam dos efeitos tributários dos atos praticados pelos contribuintes (art.109, conforme visto a seguir). Comentando o sentido da integração por analogia, Luciano Amaro afirma que, para distingui-la da interpretação extensiva, seria necessária “uma incursão pela mente do legislador [...] perquirir se o legislador ‘pensou’ ou não na hipótese, para, no primeiro caso, aplicar-se a interpretação extensiva, e, no segundo, a integração analógica”105. Essa psicologização da interpretação é não só desnecessária como também contribui para desvirtuar o sentido da atividade de interpretação jurídica, que é por natureza um ato criativo que se
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105
Neste sentido, cf. Luciano Amaro (op.cit., p. 211). MINISTÉRIO DA FAZENDA. Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro, 1954. p. 181-182. A analogia legis – a mais comum de se aplicar nos tribunais – supõe que haja uma norma específica que regule um caso diferente mas substancialmente análogo (com a mesma ratio ou razão regulatória) ao caso concreto posto diante do aplicador. A analogia juris supõe que haja várias normas regulando vários casos e que dessa regulação complexa o aplicador possa sacar um princípio geral aplicável também ao caso concreto posto diante do aplicador. Por isso a doutrina considera que o que se permite em geral é a analogia legis, pois a analogia juris seria uma “operación sumamente delicada, que exige una profunda y plena estimación de los principios y direcciones informadores de todo un sistema jurídico” y que “en general nos lleva a un decisionismo hipotético en su actuación” (CASTÁN TOBEÑAS, José. Derecho Civil Español, Común y Foral. Tomo I, v. I. 12ª ed. Madrid: Reus, 1984. p. 568-572. AMARO, op.cit., p. 212.
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dirige a um objeto ou a uma manifestação objetiva106 e não se confunde com a interpretação conversacional107. Ainda que a diferença entre interpretação extensiva e analogia não seja tanto de natureza e, sim, de grau, a interpretação extensiva chega a um dos resultados possíveis da interpretação de uma norma respeitando-se os limites do mínimo e do máximo sentido literal possível de seus termos em seu contexto próprio. Na interpretação extensiva, o intérprete chega à conclusão de que há norma para o caso concreto, ao passo que a analogia legis supõe que não há norma para o caso concreto (daí ser necessária a integração), ainda que tal ausência normativa seja contrária ao plano regulador ou à ratio legis da legislação existente108. Portanto não cabe concluir, a partir do § 1º do art.108, que também a interpretação extensiva esteja vedada no que diz respeito à “definição das hipóteses de incidência do tributo”. A ideia de que deve prevalecer a “interpretação estrita” dessas normas faz lembrar as concepções ultrapassadas do tributo como algo odioso e excepcional. Os princípios gerais de direito tributário e de direito público naturalmente não se prestam somente a iluminar o momento da integração da legislação tributária, agindo também no momento da interpretação da própria legislação tributária. Luciano Amaro explica muito bem que a equidade vedada pelo § 2º do art.108 não se refere exatamente a uma ausência de norma (lacuna) e, sim, a uma situação em que o aplicador da lei – diante de uma norma de incidência tributária que considera injusta ou por demais rigorosa para o caso concreto – cria uma norma de exceção que exclui do âmbito de incidência da norma aquele caso concreto. A contrario sensu do que determina o § 2º do art.108, esse procedimento por equidade é permitido no que toca à matéria punitiva (infrações e sanções tributárias)109.
• ART.109 A interpretação do art.109 do CTN não é fácil. Ricardo Lobo Torres afirma que o dispositivo tem duas partes conflitantes entre si, a primeira parte valorizando a forma e o direito privado, a segunda parte valorizando a substância
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Cf. BETTI, Emilio. Introdução da lei e dos atos jurídicos. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p.XXXIII. Cf. DWORKIN, Ronald. Law´s Empire. 9ª ed. Cambridge: Harvard University Press, 1995. p. 52. Cf. LARENZ, Karl. Metodologia de la Ciencia del Derecho. Barcelona: Ariel, 1994. p. 360 e seguintes. AMARO, op.cit., p. 216-217.
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e o direito tributário110. Johnson Barbosa Nogueira afirma que o art.109 adota uma espécie de interpretação econômica consistente na autonomização do direito tributário em detrimento dos conceitos privatísticos111. Já Rubens Gomes de Sousa, responsável pela paternidade intelectual do dispositivo, o interpreta de uma maneira extremamente confusa e pouco convincente112. A nosso ver, o art.109 destina-se a delimitar o papel que os princípios gerais de direito privado têm na interpretação da lei tributária. Caso a legislação tributária faça menção a conceitos, institutos e formas de direito privado (salário, doação, hipoteca, usufruto etc.) sem criar uma conceituação própria desses institutos para fins de aplicação da norma tributária, o art.109 determina que o intérprete deve lançar mão dos princípios gerais de direito privado para verificar o alcance ou o sentido desses institutos. Se a lei tributária impõe um imposto sobre os contratos de leasing (sem transfigurar seu sentido oriundo do direito privado) e, se num caso concreto, se discute se o imposto é devido ou não exatamente porque se discute se a operação é ou não de leasing, o intérprete da lei tributária terá eventualmente que recorrer aos princípios gerais de direito privado implícitos na legislação do leasing para verificar o verdadeiro alcance do instituto e, consequentemente, cobrar ou não o imposto. Isso é o que se estatui na primeira parte do art.109: “os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos e formas [...]”. Na redação do Projeto (art.76), ficava mais claro o sentido dessa norma: [...] os princípios gerais de direito privado constituem método ou processo supletivo de interpretação da legislação tributária unicamente para pesquisa da definição, conteúdo e alcance próprios dos conceitos, formas e institutos de direito privado a que faça referência aquela legislação [tributária]....
Já a segunda parte do art.109 determina que o intérprete não use os princípios gerais de direito privado para interpretar a própria legislação que regule os efeitos ou as consequências tributárias da prática daqueles institutos, conceitos e formas de direito privado. Luciano Amaro exemplifica muito bem essa questão, ao afirmar que os princípios (contidos, por exemplo, no Código
110 111 112
TORRES, Normas..., op. cit., p. 147. NOGUEIRA, Johnson Barbosa. A Interpretação Econômica no Direito Tributário. São Paulo: Resenha Tributária, 1982. p. 54. “O conteúdo real deste dispositivo é, portanto, um mecanismo para permitir ao aplicador da lei contrariar as manobras de evasão, aplicando, aliás, a norma geral de direito processual, de que o juiz, quando se convença de que as partes instauraram o processo para obter resultado diverso daquele que aparece, dará sentença por forma que obste esse resultado, ou seja, ao abuso da lei.” (SOUSA, Rubens Gomes de. Normas..., p. 378).
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de Defesa do Consumidor) os quais informam a relação entre o consumidor e o fornecedor não podem ser usados para interpretar normas tributárias relativas às obrigações deste consumidor (enquanto contribuinte) para com o fisco. Da mesma forma, “o empregado, hipossuficiente na relação trabalhista, não pode invocar essa condição na relação tributária cujo pólo passivo venha a ocupar”113. Em resumo: se a legislação tributária não se refere a institutos e conceitos do direito privado ou a eles se refere transformando seu sentido “para fins de aplicação da legislação tributária” (expressão muito comum na legislação tributária), não cabe cogitar sobre a aplicação do art.109. Se a legislação tributária faz menção a um instituto do direito privado sem especificar-lhe um sentido diferente, então o conceito deste instituto, tal como configurado no direito privado, será determinante para concluir se a lei tributária incidirá ou não, e os princípios gerais de direito privado podem ser utilizados para investigar se, num caso concreto, houve ou não a prática daquele instituto de direito privado. Fora disso, fora dessa investigação do alcance ou do conteúdo de um instituto do direito privado mencionado na legislação tributária, os princípios gerais de direito privado são irrelevantes em matéria tributária. Tal conclusão está em linha com o art.108 do CTN, que não prevê, em seus incisos (“processos supletivos de interpretação” na expressão do art.75 do Projeto), os princípios gerais de direito privado; daí o Relatório de Gomes de Sousa ao Projeto de CTN afirmar que o art.76 do Projeto (atual art.109) “completaria” a norma do artigo 75 (atual art.108)114. Não vemos, nesse art.109, a marca (que a maioria da doutrina brasileira aprendeu acriticamente a ver necessariamente como “pecha”) da interpretação econômica no sentido pejorativo da presunção absoluta de que os conceitos de direito privado mencionados pela norma tributária têm sempre um conteúdo distinto do conceito privado, ou no sentido de permitir ao intérprete a livre investigação dos fatos a fim de aplicar o mesmo tratamento tributário a situações economicamente semelhantes. Tampouco vemos neste artigo o mecanismo para “permitir ao aplicador da lei contrariar as manobras de evasão” mediante abuso do direito, como afirmou Gomes de Sousa. Não vemos como o contribuinte elusor poderia buscar se escudar, na urdidura dos atos artificiosos e abusivos, nos “princípios gerais de direito privado”.
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AMARO, op.cit., p. 219. MINISTÉRIO DA FAZENDA, op.cit., p. 183.
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• ART.110 O art.110 do CTN, ao contrário do arredio art.109, é em geral saudado e elogiado pela doutrina e pela jurisprudência. Pouquíssimos são os autores que o criticam115. Antes de mais nada, é preciso verificar o histórico da norma. No Anteprojeto de Gomes de Sousa ultimado em 1953, a regra do atual art.110 do CTN não era prevista. Gilberto de Ulhôa Canto fez oficialmente a sugestão de determinar que a possibilidade de o legislador tributário alterar conceitos de direito privado não se aplica aos conceitos, formas e institutos de direito privado, utilizados expressa ou implicitamente na Constituição Federal, para a definição da competência tributária, explicando que o objetivo da mudança era assegurar estabilidade aos conceitos de direito privado empregados na Constituição ao fixar competência tributária. Não fosse assim, a discriminação constitucional de rendas tributárias poderia “sofrer toda a sorte de golpes e deformações”116. Ulhôa Canto advertia que117 [...] houve Estados que tentaram definir, para efeito de incidência do Imposto de Transmissão Imobiliária, navio como bem imóvel [...] Houve um Estado que há alguns anos atrás tentou definir como compra e venda, para efeito do mesmo Imposto de Transmissão Imobiliária, a locação de bem imóvel, quando feita por período superior a, digamos, vinte anos. É claro que essa norma não poderia prevalecer; e é isso que o art.110 [do CTN] diz.
Pensando nesse aspecto da questão, a norma do art.110 do CTN mostrase plenamente justificada e pode ser considerada uma verdadeira decorrência lógica da rigidez constitucional que vigora em nosso ordenamento. Daí o Ministro Pertence ter afirmado que o art.110 está implícito na discriminação constitucional de competências tributárias e, por isso, tem valor meramente “expletivo ou didático” (RE 116.121, Pleno, DJ 25.05.2001, Redator para o acórdão o Min. Marco Aurélio), e daí o STJ inclusive considerar que “a violação ao art.110 do CTN não pode ser analisada em sede de recurso especial, uma
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Dois autores, pelo que pesquisamos, empreenderam uma crítica fundamentada ao art.110 do CTN: Carlos da Rocha Guimarães (GUIMARÃES, Carlos da Rocha. Direito tributário – direito fiscal. In: SANTOS, Carvalho (coord.). Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, v.18, Rio de Janeiro, pp. 18-40) e Ricardo Lobo Torres (TORRES, Normas..., p. 171-194). MINISTÉRIO DA FAZENDA, op.cit., p. 428, sugestão 147. CANTO, Gilberto de Ulhôa. Legislação tributária, sua vigência, sua eficácia, sua aplicação, interpretação e integração. In: Revista Forense, n. 267, p. 30.
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vez que tal dispositivo, sendo mera explicitação do princípio da supremacia da Carta Magna, possui nítida carga constitucional” (STJ, 2ª Turma, Recurso Especial 550.099, Rel.Min.Castro Meira, DJ 1º/02/2006). Aliás, há mais de 35 anos, o Ministro Luiz Gallotti afirmava (RE 71.758, Relator o Min. Thompson Flores, DJ 29.08.73) que, “se a lei pudesse chamar de compra o que não é compra, de importação o que não é importação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na Constituição”118. A crítica que Ricardo Lobo Torres dirige ao art.110 do CTN é a de que o dispositivo induz a uma interpretação da Constituição que privilegia o método literal-sistemático em detrimento do método teleológico, inclusive em questões em que não está em risco a rigidez da discriminação constitucional de rendas entre os entes da federação119. Já Carlos da Rocha Guimarães critica o art.110 argumentando que, “como é a União quem legisla sobre direito privado, poderia ela, mudando os nomes dos institutos, alterar, a seu bel prazer, a competência privativa dos poderes locais, a qual de privativa só teria o nome”120. A crítica de Lobo Torres, pouco lembrada e discutida na doutrina, merece ser levada em conta. A referência do texto constitucional a uma expressão próxima da utilizada no direito privado não basta para que o intérprete conclua necessariamente que a norma constitucional definiu a competência tributária tomando por base um instituto do direito privado. O caso da expressão “folha de salários”, contida na redação original do art.195 da Constituição, é emblemático. No julgamento ocorrido no STF (RE 166.772, DJ 16.12.94, Relator Min. Marco Aurélio), o art.110 do CTN potencializou a argumentação literal-restritiva do art.195 da Constituição (no sentido de que a Constituição se referia ao conceito de “salários” tal como vigora no direito do trabalho) e reprimiu a argumentação histórico-teleológica presente nos votos vencidos dos Ministros Velloso, Rezek e Galvão. Por outro lado, não concordamos com Lobo Torres em sua crítica ao decidido pelo STF no caso do conceito de faturamento alargado pela Lei 9.718/98 (RE 346.084) e remetemos o leitor à resenha específica que fizemos sobre esse julgado em outra obra121.
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Sobre as ressalvas com que deve ser entendida essa afirmação. Cf. GODOI, Marciano Seabra de & ROLIM, João Dácio. Imposto sobre a Renda, inflação e correção monetária de balanço: os expurgos de 1989 e de 1990 e a jurisprudência do STF. In: Revista Dialética de Direito Tributário, n. 130, 2006, p. 56-71. TORRES, Normas..., p. 171-194. GUIMARÃES, Direito tributário..., op. cit., p. 30. GODOI, Marciano Seabra de. Questões Atuais do Direito Tributário na Jurisprudência do STF. São Paulo: Dialética, 2006. p. 73-81.
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Uma maneira de evitar que o art.110 leve a essa tendência – criticada por Lobo Torres – à privatização ou à literalidade da interpretação constitucional-tributária é conceber o dispositivo não como um artigo sobre a interpretação do direito tributário, e sim como um artigo voltado ao legislador ordinário (e não ao intérprete), definindo (ou confirmando) regras de competência tributária122. Quanto ao argumento de Carlos da Rocha Guimarães (tampouco examinado pela doutrina), o mesmo impressiona à primeira vista, mas não resiste a um maior aprofundamento. É certo que a União, tendo competência privativa para legislar sobre direito civil (art.22, I da Constituição), poderia ser levada a alterar conceitos de direito privado de forma a alargar o alcance daqueles mencionados no art.153 e restringir o alcance daqueles previstos nos arts. 155 e 156 da Constituição, alterando, assim, por via indireta, a discriminação constitucional de rendas tributárias. Ocorre que essa manobra da União, consistente em alterar o próprio direito privado para auferir ganhos tributários, provocaria gravíssimos efeitos sobre toda a vida civil do país – daí ser muito improvável que essa manobra seja posta em prática pelo legislador federal. O que o art.110 do CTN evita é que os entes federativos (inclusive a própria União) alarguem, por meio de leis tributárias e, por isso, com efeitos restritos a esse terreno, conceitos de direito privado previstos na Constituição para definir competências tributárias.
• ART.111 Rubens Gomes de Sousa afirmava com convicção em seu Compêndio de Legislação Tributária que a teoria da interpretação literal ou estrita “conduz a resultados pouco satisfatórios”123, por isso “a interpretação deve ser teleológica, isto é, deve visar a realização das finalidades ou objetivos da lei”124. Então, como explicar que, no Anteprojeto e no Projeto de Gomes de Sousa, bem como no texto final do CTN aprovado em 1966, se obrigue (art.111) o aplicador da lei tributária a interpretar “literalmente” a legislação tributária que dispense o cumprimento de obrigações acessórias e disponha
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Luciano Amaro afirma que o preceito está “mal posicionado no art.110, inserido entre as regras de interpretação do direito tributário [...] trata-se de comando dirigido ao legislador.” (AMARO, Luciano. Direito..., p. 220). SOUSA, Compêndio..., op. cit., p.78. Idem, p.80.
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sobre suspensão ou exclusão do crédito tributário (incluindo-se os casos de isenção)? A resposta aponta para a concepção tradicional no direito tributário da primeira metade do século XX segundo a qual o direito tributário protege o interesse arrecadatório do fisco, e as normas que negam esse interesse (concedendo por exemplo uma isenção), por serem nesse sentido excepcionais, devem ser interpretadas de maneira estrita125. Por isso o Relatório sobre o Projeto do CTN de 1954 afirma que o art.77 [atual art.111], derrogando a regra geral do art.73 [que definia que, na interpretação do direito tributário, se admitem “quaisquer métodos de interpretação jurídica”], “enumera hipóteses de interpretação literal, o que, por sua vez, se justifica em razão do caráter excepcional de tais hipóteses, em relação à regra geral do art.65”126. No atual Estado Democrático de Direito, que não admite que reduzamos a missão constitucional do direito tributário a simplesmente “arrecadar dinheiro”, naturalmente se mostra equivocada a premissa teórica – que, como se viu, está na base do art.111 do CTN – de que as normas de isenção são excepcionais. Mas é compreensível que, à época do CTN, se tivessem essas reservas com relação às normas de isenção, bastando lembrar a monstruosidade (pelo menos aos olhos do tempo atual) da isenção do imposto de renda sobre os proventos de magistrados e outras categorias, isenção que ganhou autorização constitucional com a EC 1/1969 e a redação que foi dada ao art.21, IV da Carta de 1967, somente tendo sido extirpada de nosso direito com o art.150, II da Constituição de 1988127. Era talvez por causa dessas e outras isenções odiosas que o art.111 encampou a tese do caráter excepcional das isenções. Poder-se-ia pensar que a expressão “interpretam-se literalmente” significa “interpretam-se restritivamente”, no sentido de que o intérprete deve procurar chegar a uma extensão mínima do alcance das isenções. Contudo, o Relatório
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O espanhol Lozano Serrano critica essa “teoria do interesse tutelado” e sua influência deletéria sobre a compreensão das isenções tributárias e seu papel no Estado Democrático de Direito nas suas obras: Exenciones Tributarias y Derechos Adquiridos. Madrid: Tecnos, 1988; e Consecuencias de La jurisprudência constitucional sobre el derecho financiero y tributario. Madrid: Civitas, 1990. MINISTÉRIO DA FAZENDA, op.cit., p. 183. Vide: BALEEIRO. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7ª ed. Atualizada por Misabel Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 363-370. Na obra, o autor narra o esforço hercúleo dos magistrados para lograr se livrarem da incidência do imposto de renda. Vide também GODOI (Questões Atuais..., p. 38-40), em que se comentam acórdãos em que o art.111 do CTN foi usado exatamente para negar a membros do Ministério Público a extensão da isenção do imposto de renda outorgada pelo sombrio Decreto-lei 2.019/83 aos magistrados.
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do Projeto do CTN de 1954 rechaçou as sugestões de alteração do texto as quais propunham que se dissesse “restritivamente” em vez de “literalmente”. O Relatório afirmou que tais sugestões não foram adotadas porque “o objetivo visado é delimitar a interpretação à letra da lei, sem porém admitir a restrição, em eventual prejuízo do contribuinte, das concessões nela previstas”128. É interessante que as autoridades fiscais e mesmo o Poder Judiciário geralmente utilizam o art.111 do CTN nesse sentido de interpretação restritiva129, o que é expressamente rechaçado por Gomes de Sousa. Por outro lado, a argumentação do autor é contraditória, pois, quanto às normas excepcionais, já que não são regidas por qualquer princípio, valor ou ideia racional, o normal seria interpretá-las de maneira restritiva (odiosa sunt restringenda). O critério “literal” pregado por Gomes de Sousa pode levar a uma interpretação extensiva no sentido de abranger um conjunto de fatos mais amplo que o conjunto que seria abrangido se utilizássemos o critério contextual (a isenção sobre a venda de flores alcançaria, numa interpretação literal, as caras alcachofras vendidas no setor alimentício. Por outro lado, a ideia de Gomes de Sousa, encartada no art.111, é hermeneuticamente equivocada, pois não existe somente um sentido literal, e, para decidir-se por um deles, é sempre necessário usar os outros critérios hermenêuticos. Por tudo isso, Gilberto de Ulhôa Canto, artífice do texto final aprovado em 1966, confessa que o art.111 foi “um dos pontos em que mais se errou na elaboração do CTN”, e admite a transformação valorativa por que passaram as normas de isenção130: Trata-se de um resquício do tempo em que a isenção era dada para favorecer pessoas, simplesmente porque o soberano podia dispor da vida e do patrimônio dos seus vassalos. Hoje não é mais assim. A isenção só é dada em consideração a importantes, relevantes interesses coletivos, de sorte que ela deve ser interpretada da mesma maneira que qualquer lei, teleologicamente, sistematicamente, literalmente.
A única maneira de salvar o art.111 é interpretá-lo no sentido da vedação de integrações analógicas das normas de isenção. Da mesma forma que a norma que estabelece o fato gerador e o sujeito passivo de um tributo não pode sofrer
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MINISTÉRIO DA FAZENDA, op.cit., p. 184. Vide REsp 464.419, STJ, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Fux, DJ 2.06.2003. CANTO, Gilberto de Ulhôa. Legislação tributária, sua vigência, sua eficácia, sua aplicação, interpretação e integração. In: Revista Forense, n. 267, p. 30.
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aplicação por analogia (art.108, § 1º do CTN), tampouco pode ser estendida ou ampliada, por argumentos analógicos, a norma de isenção. Neste sentido são as ponderações de Monteiro de Barros-Geraldo Ataliba131 e Hugo de Brito Machado Segundo132, bem como a tendência de alguns acórdãos sobre o tema (vide os bem fundamentados acórdãos na Apelação 422.111, 1º TAC/ SP, 1. Câmara, Rel.Juiz Elliot Akel, j.07.05.90 e no REsp 98.809, STJ, 2ª Turma, Rel.Ministro Ari Pargendler, DJ 10.08.98).
• ART.112 Ao contrário dos arts. 109 a 111, o art.112 do CTN não apresenta maiores dificuldades interpretativas, constituindo a projeção do princípio in dubio pro reo no campo do direito tributário sancionador. Vale lembrar, entretanto, que o dispositivo não se aplica à interpretação das normas que tratam dos elementos da obrigação tributária (fato gerador, base de cálculo, alíquota, sujeito passivo) e, sim, à interpretação das normas que tratam de infrações e sanções tributárias. Em uma frase, não se trata do in dubio contra fiscum e, sim, do in dubio pro reo. Ives Gandra parece refutar essa distinção quando afirma que o legislador brasileiro “faz opções claras sobre dever ser o direito fiscal interpretado da forma mais favorável ao sujeito mais fraco da relação tributária”133. Tal afirmação só faria sentido se ainda vivêssemos sob o paradigma protoliberal do caráter odioso do tributo.
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BARROS, José Eduardo Monteiro de. Interpretação econômica em direito tributário. In: ATALIBA, Geraldo et alii. Interpretação no Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1975. p. 187. SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, 2007. p. 209-210. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Teoria da Imposição Tributária. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1998. p. 208.
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Aplicação da Legislação Tributária e Leis Interpretativas no Direito Tributário
Vanessa Rahal Canado Mestra e doutoranda em direito tributário pela PUC/SP Advogada-Orientadora da Clinica de Pratica Jurídica Tributária da DIREITO GV Professora e Coordenadora do GVlaw Coordenadora Executiva do Núcleo de Estudos Fiscais da DIREITO GV
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I. INTRODUÇÃO: CONTEXTO E METODOLOGIA
DE
ANÁLISE
Este texto se propõe a analisar o Capítulo III “Aplicação das Legislação Tributária”, do Título I “Legislação Tributária” do Livro Segundo “Normas Gerais de Tributário”, do Código Tributário Nacional (CTN). Referido capítulo contém dois artigos: 105, que dispõe sobre a aplicação da legislação tributária em geral, e 106, que prescreve sobre as possibilidades de retroatividade da lei fiscal. Tanto a análise do direito positivo, quanto da doutrina produzida sobre ele e da jurisprudência que atua no seu processo de concretização, requerem método, isto é, orientações que atuam na persecução do conhecimento que se pretende produzir. O método escolhido se apóia, inexoravelmente, num contexto teórico a partir do qual se constroem premissas e conclusões, destinadas à produção de outras linguagens. Os paradigmas1 propostos pela Filosofia da Linguagem serão os que, especialmente, influenciarão na escolha do método para a consecução deste trabalho2. Em Viena, por volta de 1923, um grupo de filósofos, matemáticos, físicos, sociólogos, psicólogos, lógicos entre outros cientistas, reunia-se com a finalidade de discutir os problemas relativos à natureza do conhecimento científico para, assim, construir o que se poderia chamar de “teoria geral do conhecimento científico” ou “filosofia da ciência”3.
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“Um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma”. Cf. KHUN, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. 5. ed., trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 1998, p. 219. Tácio Lacerda Gama (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 29), citando Karl Larenz, coloca de forma muito interessante o trato da metodologia num trabalho científico: “empreender uma investigação é como trilhar um caminho, no qual os problemas são o ponto de partida, as respostas o ponto de chegada e o percurso é determinado pelo método de investigação”. Em outra passagem: “a escolha de um método fixa uma orientação para o desenvolvimento do trabalho, permitindo tomar posição sobre alguns conceitos fundamentais […]”. Segundo Dunia Pepei (apud MASI, Domenico de (org.). A Emoção e a Regra: os grupos criativos da Europa de 1850 a 1950. Brasília: Editora UnB/Jose Olympio, 1997, p. 208), “os temas do aprisionamento do eu e dos limites da comunicação humana tornaram-se […] os problemas centrais de uma época que já encarava com desespero o próprio futuro, e encontraram, no estudo da linguagem e das suas formas, o modelo explicativo mais adequado. Estes problemas foram enfrentados em Viena nos diversos âmbitos da cultura: da sátira de Karl Kraus à música de Schöenberg, da arquitetura de Adolf Loos à poesia de Holmannsthal, da pintura de Klimt à filosofia de Wittgenstein; suas análises traduziram-se concretamente na análise da estrutura lógica das diversas formas de expressão, e as soluções, que de vez em quando foram dadas, pareciam girar em torno de duas figuras centrais: Karl Kraus e Ernest Mach […] A profunda rachadura produzida entre o espírito clássico e a ciência moderna faz emergir um problema essencial: recuperar, apesar de tudo, um critério diferente de racionalidade científica,
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Neste processo, o “Círculo de Viena”, como passou a ser chamado aquele grupo, reduziu sua Filosofia da Ciência à Epistemologia (estudo dos princípios, hipóteses e resultados das ciências, com o objetivo de se determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance delas) e esta à Semiótica4. A Semiótica, como “Teoria Geral dos Signos” ou “Ciência dos Signos”5, abrange o estudo de todos os sistemas de comunicação, incluídos os lingüísticos idiomáticos naturais (linguagem comum) e científicos (linguagem da ciência)6. Por este motivo é que a linguagem assumiu, neste movimento, extrema importância, sendo qualificada como o instrumento, por excelência, do saber científico. Neste sentido, discurso científico, para o Círculo, seria aquele composto por linguagem rigorosa e precisa na descrição dos dados do mundo, objeto de análise. E assim surgiu, no século XX, o denominado movimento “Neopositivismo Lógico”, baseado na essencial premissa de que, para a construção de um discurso científico, imperiosa seria a análise lógica da linguagem, com a eliminação dos vícios de vagueza e ambigüidade, característicos da linguagem natural e ausentes na linguagem formal.
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redefinir uma lógica da ciência que torne a dar a ela legitimidade e valor. […] Em resumo, tratou-se do problema da legitimação do conhecimento científico, da ligação de uma nova concepção da natureza aos valores preexistentes de uma época e de uma cultura. A mesma organização que o círculo machiano assumiu desde o início […] era representativa dessa sua posição teórica de base: a reafirmação do valor e da credibilidade do saber científico, nas suas múltiplas expressões disciplinares, não poderia ser fruto das intuições de cientistas em particular, devendo se originar dos estudos organizativos de mais pesquisadores empenhados em campos disciplinares diferentes […]”. Cf. O Neopositivismo Lógico e o Círculo de Viena, In: CARVALHO, Paulo de Barros. Apostila de Filosofia do Direito I (Lógica Jurídica). São Paulo: PUC, 2004. (fotocópia). Dunia Pepei (op. cit., p. 212) afirmou: “sob a influência direta de Wittgenstein e indireta daquela corrente de pensamento florescente em Viena […], os neopositivistas acabaram por reduzir o estudo das teorias científicas à análise de sua linguagem; melhor dizendo, acabaram por centralizar a atenção sobre os fundamentos e sobre as implicações lógicas de todo sistema de sinais que se quisesse colocar-se como um sistema cognitivo da realidade”. Signo é a relação triádica que se estabelece entre um suporte físico (palavras escritas ou faladas), um significado (referencia do suporte físico com algo do mundo interior ou exterior) e uma significação (idéia formada em nossa mente sobre o significado). A palavra casa, por exemplo, funciona como suporte físico do objeto casa (significado) e que, ao ser lida, produz em nossa mente uma significação, isto é, uma idéia acerca do significado. Cf. SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica? 1. ed., 23. reimpr. São Paulo: Brasiliense, 2006, p. 7 e 13): “O nome Semiótica vem da raiz grega semeion, que quer dizer signo. Semiótica é a ciência dos signos. […] A Semiótica é a ciência geral de todas as linguagens […], é a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todos e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significação e sentido”. De acordo com Diana Luz Pessoa de Barros (Teoria Semiótica do Texto. São Paulo: Ática, 1990, p. 5-7), existem várias teorias semióticas. Segundo a utilizada por ela (A. J. Greimas, idealizada pelo Grupo de Investigações Sêmio-Lingüísticas da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais), “a semiótica tem por objeto o texto, ou melhor, procura descrever e explicar o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz”.
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Para a “depuração” da linguagem natural, os neopositivistas utilizaram as três dimensões de análise integrantes da Semiótica: sintática, semântica e pragmática. A sintaxe, como plano lógico, opera na construção dos enunciados, na conexão entre as palavras e as frases (disposição entre as palavras na frase e das frases no discurso)7, possibilitando que se compreenda a mensagem. De outro lado, a semântica opera na atribuição de sentido aos enunciados da mensagem, na busca da relação destes com as realidades que pretendem denotar8. A pragmática, por sua vez, atua como indicativa dos possíveis sentidos dos enunciados, auxiliando na solução dos problemas suscitados pelas análises sintática e semântica, mediante a investigação da forma com que são utilizados pela sociedade9. A utilização das dimensões semióticas de análise da linguagem insere-se no que se denomina contextualmente de “filosofia da linguagem” e que, segundo o Círculo de Viena, seria a metodologia primordial para a construção de qualquer discurso científico, já que todas as ciências são, nada mais, que camadas de linguagem construídas a partir da análise do objeto de investigação. Diante disso, é fácil perceber-se a utilidade que esta filosofia pode ter na análise do direito e na construção da ciência que fala sobre ele, em nível de metalinguagem: é camada de linguagem (Ciência do Direito) que fala sobre outra camada de linguagem (direito positivo). Conforme preleciona PAULO DE BARROS CARVALHO10, “ali onde houver direito, haverá sempre normas jurídicas, e onde houver normas jurídicas haverá, certamente, uma linguagem que lhe sirva de veículo de expressão”: abrem-se, assim, novas formas de análise à disposição da dogmática jurídica. Como afirma GREGÓRIO ROBLES11, “como texto, o direito é suscetível das análises típicas de qualquer outro texto. Por essa razão, a teoria do direito pode ser caracterizada como uma teoria hermenêutico-analítica […]. Pragmática, semântica e sintática são as três operações possíveis do texto jurídico”.
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Cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994, p. 602. Segundo Rudolf Carnap, citado por Luís Alberto Warat (O Direito e sua Linguagem. Porto Alegre: Fabris, 1984, p. 40), a sintaxe seria “a parte da semiótica que, prescindindo dos usuários e das designações, estuda as relações dos signos entre si”. Cf. Diana Luz Pessoa de Barros (op. cit., p. 89), a semântica é um dos componentes, com a sintaxe, da gramática semiótica, que tem por tarefa estudar os conteúdos investidos nas relações sintáticas, nos diferentes níveis de descrição lingüística ou semiótica. Cf. Luís Alberto Warat (op. cit., p. 45), novamente citando Carnap, a pragmática “é a parte da semiótica que estuda a relação dos signos com os usuários”. Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 4. ed., rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 10. Id., ibid., p. 3-4.
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A estrutura da norma jurídico-tributária, com a qual trabalharemos no próximo item, por exemplo, nada mais utiliza que a dimensão sintática da linguagem, seu plano lógico, para organizar as informações legislativas essenciais (que comporão o conteúdo das variáveis da referida estrutura) à incidência jurídica, passo inicial no processo de positivação do direito12.
II. INTERPRETAÇÃO, INCIDÊNCIA E APLICAÇÃO DAS LEIS TRIBUTÁRIAS: DO ANTECEDENTE DA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA AO FATO JURÍDICO-TRIBUTÁRIO O artigo 105, do CTN, prescreve: “A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa nos termos do artigo 116”. Para falarmos sobre aplicação da lei tributária e sobre fatos geradores (ou fatos jurídico-tributários), é necessário que entendamos alguns conceitos básicos: interpretação, normas gerais e abstratas e normas individuais e concretas.
II.I. INTERPRETAÇÃO E CONSTRUÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS GERAIS E ABSTRATAS Quando nos deparamos com os textos do direito positivo não conseguimos “extrair” dele nenhum comando. A linguagem, suporte físico do direito, não nos fornece imediatamente o que buscamos [conduta a ser perseguida (obrigatória ou permitida) ou evitada (proibida)]13. É preciso que, num ato de percepção
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A dimensão sintática da linguagem, utilizada para a organização, em nível formal, dos enunciados prescritivos que compõem o direito positivo, está relacionada também com a utilização da Lógica Deôntica, isto é, da aplicação das relações lógicas aos conceitos normativos (obrigação, permissão, proibição etc.), preconizada por von Wright, em 1951, quando publicou sua obra Deontic Logic. Cf. ECHAVE, Delia Teresa; URQUIJO, María Eugenia; GUIBOURG, Ricardo A. Lógica, proposición y norma. 1. ed. 6. reimpr. Buenos Aires: Editorial Astrea, 2002, p. 11. Conforme ensina Lourival Vilanova (As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 95), o direito positivo não aparece de forma padronizada, quer em razão da diversidade de sua estrutura gramatical, quer em razão do idioma em que se manifesta. Em geral, utiliza-se o verbo no modo indicativo-presente ou indicativo-futuro, os quais ocultam o verbo deôntico do dever-ser. Assim, esse se encontra implícito nas formas do verbo ser, acompanhado de adjetivo no particípio: “estar obrigado”, “estar permitido” ou “estar proibido”. Para transformar as múltiplas variedades verbais na estrutura lógico-formal, é preciso reduzi-las à seguinte fórmula: “se se dá um fato F qualquer, então o sujeito S’ deve fazer ou deve omitir a conduta C ante outro sujeito S’ ”. Esta fórmula é o primeiro membro da proposição jurídica completa e se compõe de hipótese e tese, em forma de implicação.
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visual, entremos em contato com esses enunciados (textos), atribuindo significações às palavras que o compõem14. Ato contínuo, essas significações são agrupadas em nosso intelecto, onde as organizamos para formarem-se as proposições15. Como todo juízo significativo, as proposições normativas, construídas a partir do direito positivo, também possuem uma estrutura lógica: a estrutura lógica hipotético-condicional, isto é, relação de implicação entre um antecedente (hipótese) e um conseqüente, forma típica de regulação de condutas (“se…, então”), que associa determinado dado fático a uma conseqüência. Organizando estas informações, podemos dizer que o processo de interpretação no direito divide-se em quatro fases: (i) ato de percepção visual com os enunciados lingüísticos que compõem o direito positivo; (ii) atribuição de significações às palavras que compõem o texto a ser interpretado; (iii) organização dessas significações na estrutura lógica das normas jurídicas que associam a prática de um determinado comportamento (antecedente) a uma relação jurídica que dessa prática decorrerá (conseqüente) e (iv) associação destas diversas normas jurídicas, estabelecendo-se, entre elas, vínculos de coordenação e subordinação16.
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O enunciado refere-se a algo de existência concreta ou imaginária no mundo, que é o seu significado. A palavra ‘casa’ encontra seu significado no objeto ‘casa’. Essa associação entre a palavra o objeto de que temos conhecimento produz em nossa mente uma noção, idéia ou conceito. Separando essa fase de construção associativa a partir do suporte físico e seu significado, passamos a denominar o produto dela como ‘significação’. A significação é, portanto, o produto da associação mental que fazemos entre o suporte físico e o que eles significam. Para detalhes dessa relação triádica entre suporte físico, significado e significação, denominada ‘signo’, ver: SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Norma, Evento, Fato, Relação Jurídica, Fontes e Validade no Direito. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (Org.). Curso de Especialização em Direito Tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 8. Delia Teresa Echave, Maria Eugenia Urquijo e Ricardo Guibourg (op. cit., p. 35-37) expressam de forma muito clara a distinção entre enunciados e proposições: “No uso corrente da linguagem comum, é comum tomarmos como sinônimas as expressões “enunciado” e “proposição”. Ao falar, nos expressamos mediante enunciados, isto é orações como “este é um livro de lógica” […]. Estes conjuntos de palavras são orações porque cumprem com o requisito de serem significativas, de expressar cabalmente uma idéia. Não ocorre o mesmo, por outro lado, com expressões como “verde o é campo” […] Apesar de estarem compostas por palavras conhecidas, sua desordem interna […] as priva de significados e com isso as impedem de se constituírem em enunciados ou orações. […] “Faz Frio” e “It is cold” […] estão compostos por palavras distintas, além de corresponderem a idiomas distintos. Mas também advertimos que […] têm algo em comum: querem dizer o mesmo […], isto é, têm o mesmo significado. Quando vários enunciados têm o mesmo significado, dizemos que eles expressam a mesma proposição. Uma proposição é, pois, o significado de um enunciado declarativo ou descritivo. Não é o significado mesmo, que está composto por palavras de algum idioma determinado, ordenadas segundo certas regras gramaticais: é o conteúdo do enunciado, que é comum às diversas maneiras de dizer-se a mesma coisa”. Cf. CARVALHO, Paulo de Barros, Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, cit., p. 61-80): “Se retivermos a observação de que o direito se manifesta sempre nesses quatro planos: o das formulações literais, o de suas significações enquanto enunciados prescritivos, o das normas jurídicas como unidades de sentido obtidas mediante o agrupamento de significações que obedecem a determinado esquema formal (implicação), e o da forma superior do sistema, que estabelece os vínculos de coordenação e subordinação entre as normas jurídicas criadas
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Diante destas afirmações, por precisão do discurso, distinguiremos os textos do direito positivo das proposições normativas hipotético-condicionais que construiremos a partir dele, conforme lições de PAULO DE BARROS CARVALHO17: aqueles, enunciados prescritivos, estas, normas jurídicas18. As normas jurídicas são compostas de duas variáveis, associadas pelo vínculo da implicação formal19: o antecedente e o conseqüente. Cada uma destas variáveis pode apresentar critérios específicos, dependendo do grau de concretização em que se encontra o processo de positivação do direito: podem ser preenchidas por fatos passados ou futuros e relações jurídicas gerais ou individuais. As normas jurídicas construídas a partir da interpretação do direito positivo são denominadas de normas gerais e abstratas, pois seus antecedentes descrevem fatos de forma abstrata, isto é, que podem ou não ocorrer, e relações jurídicas genéricas, ou seja, entre sujeitos indeterminados. Vale, aqui, a transcrição das palavras esclarecedoras de PAULO DE BARROS CARVALHO20:
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no plano anterior; e se pensarmos que todo nosso empenho se dirige para estruturar essas normas contidas num estrato de linguagem; não será difícil verificar a gama imensa de obstáculos que se levantam […] na trajetória da interpretação.” Contudo, como bem observa o autor, “as mencionadas incisões, como é obvio, são de caráter meramente epistemológico, não podendo ser vistas as fronteiras dos subsistemas no trato superficial com a literalidade dos textos”. No mesmo sentido, Lourival Vilanova (As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo, cit., p. 96) afirma que “não cabe, como dissemos, interpretar a hipótese como proposição prescritiva […]: nada se prescreve na hipótese. É descritiva, mas sem valor veritativo […]. O deôntico não reside na hipótese como tal, mas no vínculo entre a hipótese e a tese”. Segundo as palavras do autor, “Um dos alicerces que suportam esta construção [decomposição dos textos do direito positivo em quatro subsistemas] reside no discernir entre enunciados e normas jurídicas. […] Os primeiros […] se apresentam como frases, digamos assim soltas, como estruturas atômicas, plenas de sentido […]. Entretanto, sem encerrar uma unidade completa de significação deôntica, na medida em que permanecem na expectativa de juntar-se a outras unidades da mesma índole. Com efeito, terão de conjugar-se a outros enunciados, consoante específica estrutura lógico-molecular, para formar normas jurídicas, estas, sim, expressões completas de significação deôntico-jurídica” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, cit., p. 62-63). Kelsen (Teoria Pura do Direito. 6. ed., trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 4) já distinguia entre texto e norma, esta entendida como “esquema de interpretação”, ou seja, como “juízo em que se enuncia que um ato de conduta humana que constitui um ato jurídico (ou antijurídico) é resultado de uma interpretação específica, a saber, de uma interpretação normativa”. Chamamos de vínculo de implicação formal, o conector lógico denominado “condicional”, cuja função é de ligar, artificialmente, por ato de autoridade competente, um pressuposto a uma conseqüência. Embora aparentemente haja uma relação de causalidade entre antecedente e conseqüente, note-se que essa relação, por ser artificial, difere-se, neste aspecto, do que se denomina, especificamente, de causalidade natural. Nas palavras de Hans Kelsen (op. cit., p. 86-87), “Talqualmente uma lei natural, também uma proposição jurídica liga entre si dois elementos. Porém, a ligação que se exprime na proposição jurídica tem um significado completamente diferente daquela que a lei natural descreve, ou seja, da causalidade. Sem dúvida alguma que o crime não é ligado à pena, o delito civil à execução forçada, […] como uma causa é ligada ao seu efeito”. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, cit., p. 26-27, 30-31 e 35-36.
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A regra assume, portanto, uma feição dual, estando as proposições implicante e implicada unidas por um ato de vontade da autoridade que legisla. E esse ato de vontade, de quem detém o poder jurídico de criar normas, expressa-se por um “dever-ser” neutro, no sentido de que não aparece modalizado nas formas “proibido”, “permitido” e “obrigatório”. “Se o antecedente, então deve-ser o conseqüente”. Assim diz toda e qualquer norma jurídico-positiva. A proposição antecedente funcionará como descritora de um evento de possível ocorrência no campo da experiência social, sem que isso importe submetê-la ao critério de verificação empírica, assumindo os valores “verdadeiro” e “falso”, pois não se trata, absolutamente, de uma proposição cognoscente do real, apenas de proposição tipificadora de um conjunto de eventos. Anote-se que o suposto normativo não se dirige aos acontecimentos do mundo com o fim de regrá-los. Seria inusitado absurdo obrigar, proibir ou permitir as ocorrências factuais, pois as subespécies deônticas estarão unicamente no prescritor. […] Se a proposição-hipótese é a descritora de um fato de possível ocorrência no contexto social, a proposição-tese funcionará como prescritora de condutas intersubjetivas. […] Na verdade, o prescritor da norma é, invariavelmente, uma proposição relacional, enlaçando dois ou mais sujeitos de direito em torno de uma conduta regulada como proibida, permitida ou obrigatória. […] Costuma-se referir a generalidade e a individualidade da norma ao quadro de seus destinatários: geral, aquela que se dirige a um conjunto de sujeitos indeterminados quanto ao número; individual, a que se volta a certo indivíduo ou a grupo identificado de pessoas. Já a abstração e a concretude dizem respeito ao modo como se toma o fato descrito no antecedente. A tipificação de um conjunto de fatos realiza uma previsão abstrata, ao passo que a conduta especificada no espaço e no tempo dá caráter concreto ao comando normativo.
Para passarmos da norma geral e abstrata à individual e concreta, é necessário operar-se o que se denomina de incidência, a qual, conforme será demonstrado em item seguinte, nada mais é que, sob a perspectiva da filosofia da linguagem, a aplicação daquela aos fatos constituídos a partir das provas, fazendo-se irradiar a relação jurídica individualizada ou relação jurídica strictu sensu.
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II.II. INCIDÊNCIA, APLICAÇÃO E CONSTRUÇÃO DAS NORMAS INDIVIDUAIS E CONCRETAS Como dissemos, interpretar o direito positivo é tornar viável o processo de construção e integração de normas jurídicas gerais e abstratas, cuja estrutura mínima para o alcance de seus objetivos (regulação de condutas), deve estar composta de antecedente (descrição de um fato de possível ocorrência) e conseqüente (relação jurídica entre sujeitos indeterminados). A concretização do direito, até que seu objetivo de regulação das condutas intersubjetivas seja alcançado, depende, entretanto, da aplicação das normas gerais e abstratas com a finalidade de ver-se construídas as normas individuais e concretas21. Comumente representamos ou vemos representado o fenômeno da incidência como a norma jurídica incidindo sobre o fato e fazendo nascer a relação jurídica22. Essa concepção fica imprecisa se pensarmos que neste processo há de existir um agente promovendo este “enquadramento” da norma jurídica geral e abstrata à prova dos fatos. Como afirma EURICO DE SANTI (2001, p. 59), citando GABRIEL IVO: “O sujeito do verbo incidir seria a norma?” Como vimos acima, quem constrói a norma jurídica geral e abstrata é o próprio homem, como sujeito cognoscente que, em ato de percepção visual, atribui sentido às palavras que compõem o direito positivo e as organiza em estrutura lógica que funciona como mínimo irredutível para a regulação das condutas humanas. Do mesmo modo, a interpretação dos fatos, eventos constituídos em linguagem por meio das provas23, também depende de ação humana.
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Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, cit., p. 226-227. Sob a acurada perspectiva analítica de Paulo de Barros Carvalho (Idem, p. 145), a incidência seria a operação lógica entre conceitos conotativos, presentes na norma geral e abstrata e conceitos denotativos presentes na norma individual e concreta. Para que haja a incidência, de fato, é necessário que haja relação de inclusão entre os elementos do fato e os elementos da hipótese normativa. Sobre a distinção entre evento (acontecimentos do mundo fenomênico antes de qualquer tradução em linguagem), fato (tradução, em qualquer forma de linguagem, dos eventos) e fato jurídico (tradução, em linguagem competente, dos fatos), ver CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, cit., p. 93-98 e FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, p. 245. Sobre a relação entre “fato jurídico” e “evento” com as categorias semióticas “objeto imediato” e “objeto dinâmico”, ver Clarice von Oertzen Araújo (Fato e Evento Tributário – Uma Análise Semiótica. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Curso de Especialização em Direito Tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho, cit., p. 347), que afirma que o objeto imediato, funcionando como o significado do triângulo sígnico, está para o fato jurídico assim como o objeto dinâmico está para a realidade, já que aquele é signo-índice desta, pois a representa lingüístico-juridicamente, retirando-a do planos dos eventos.
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Assim, como admitir-se que a incidência, ou seja, que a verificação das propriedades fáticas descritas no antecedente da norma geral e abstrata e as propriedades contidas nos fatos, com a finalidade de constituição das normas individuais e concretas, independam de ato de aplicação humana? Sob esta perspectiva, a incidência só se dá, na verdade, no ato de aplicação24 e, portanto, não de forma automática e infalível como afirmava o professor ALFREDO AUGUSTO BECKER 25: é o agente competente que interpreta os enunciados prescritivos e constrói a norma jurídica; interpreta os fatos e, em operação de subsunção, enquadra, os elementos do suporte fáctico 26 representados pela hipótese, e, conseqüentemente, constitui a relação jurídica, também prevista abstratamente27, conforme esquema abaixo:
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Neste sentido, CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, cit., p. 11-12. “A infalibilidade (ou automatismo) da incidência da regra jurídica não deve ser confundida com a respeitabilidade dos efeitos jurídicos que se irradiam depois da incidência. A incidência da regra jurídica é infalível, o que falha é o respeito aos efeitos jurídicos dela decorrentes. Não existe regra jurídica “ordenando” a incidência das demais regras jurídicas; a regra jurídica incide porque o incidir infalível (automático) é justamente uma especificidade do jurídico como instrumento praticável da ação social. A incidência ocorre para todos e todos devem respeitar os efeitos jurídicos (eficácia jurídica) dela decorrentes […]. A ignorância dos indivíduos quanto a existência da regra jurídica válida, ou no tocante a realização de sua hipótese de incidência, não é obstáculo à incidência da regra jurídica, nem dispensa a sujeição à eficácia jurídica (efeitos jurídicos) […]”. (BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 2002, p. 309-310). Não raro a expressão suporte fáctico denota duas realidades distintas: os (i) elementos fáticos presentes no mundo e que servirão de base para o recorte legislativo no desenho da (ii) hipótese normativa, redutora de complexidades por selecionar apenas os aspectos relevantes daquela realidade não normada. Tal ambigüidade não passou despercebida aos olhos de Lourival Vilanova (Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 133) que, na nota de rodapé n. 10, do Capítulo III, afirma: “sobre relatividade, digamos posicional (sintática), de suporte factual e fato jurídico, Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, v. 1, p. 4, 20, 21, 76, 77, 129, 173 e 253; o fáctico contendo juridicização prévia, p. 119, 120, 123 e 430; Tratado de direito privado, cir., t. 5, p. 95, 97, 231, 296 e 314; o dado fáctico não se confunde com o suporte fáctico, idem, v. 5, p. 231”. Em termos analíticos: “Percebe-se que a chamada ‘incidência jurídica’ se reduz, pelo prisma lógico, a duas operações formais: a primeira, de subsunção ou de inclusão de classes, em que se reconhece que uma ocorrência concreta, localizada num determinado ponto do espaço social e numa específica unidade de tempo, inclui-se na classe dos fatos previstos no suposto da norma geral e abstrata; outra, a segunda, de implicação, porquanto a fórmula normativa prescreve que o antecedente implica a tese, vale dizer, o fato concreto, ocorrido hic et nunc, faz surgir uma relação jurídica também determinada, entre dois ou mais sujeitos de direito”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, cit., p. 11).
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O legislador (1), observador do mundo social com toda sua complexidade (2), promove os recortes necessários (3) para a construção (atos de enunciação) (4) dos suportes legislativos (enunciados) (5). O aplicador do direito (6), a partir do direito positivo posto pelo legislador, constrói as normas gerais e abstratas (7). Dado o caso concreto que se pretende solucionar, interpreta (8) as provas ofertadas pelas partes (9) e, a partir daí, em ato de subsunção (operação lógica em que se verifica a inclusão, ou não, dos elementos da hipótese normativa aos elementos das provas dos eventos) (10), constrói a norma individual e concreta, determinando qual a conduta a ser praticada pelo destinatário da norma. Nesta concepção dinâmica de análise, parte-se de um nível mínimo de determinação tanto do antecedente (descrição fática) como do conseqüente (sujeitos e objeto da relação jurídica) para chegar-se aos seus níveis máximos: evento provado, que se torna fato apto a ser enquadrado na hipótese de norma geral e abstrata o que o transforma, assim, em fato jurídico, este, por sua vez, determinante para o surgimento da relação jurídica entre dois sujeitos de direito individualizados. Tanto as normas gerais e abstratas como as normas individuais e concretas são normas jurídicas e, portanto, possuem a estrutura lógica implicacional, onde um fator antecedente se liga a um conseqüente por força da causalidade normativa. O que difere os dois tipos de normas são os conteúdos dos antecedentes e conseqüentes, com a linguagem que compõe o sistema do direito positivo.
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Nas normas gerais e abstratas, o antecedente é hipótese, ou seja, a descrição hipotética de um acontecimento da realidade social que, se concretizado, enseja a constituição de relação jurídica (conseqüente). Tudo isso se projeta para o futuro. Por isso são abstratas (fatos futuros) e gerais (sem sujeitos individualizados na relação jurídica efectual). As normas individuais e concretas, por sua vez, possuem no antecedente, um fato jurídico, ou seja, o relato, em linguagem competente, de um acontecimento que se deu no mundo social, em espaço e tempo demarcados, e que ensejam relação jurídica entre os sujeitos, os quais, em decorrência daquele fato, estão ligados um ao outro por relações conversas e assimétricas28. No processo de positivação da incidência dos tributos, das normas gerais e abstratas, isto é, das estruturas que prevêem fatos hipotéticos e relações jurídicas entre sujeitos de direito indeterminados, chega-se às normas individuais e concretas, constituídas pela descrição de fato ocorrido no passado (fato gerador no sentido de antecedente de norma individual e concreta), cujos elementos encontram-se na conotação do antecedente (fato gerador no sentido de antecedente de norma geral e abstrata), o que enseja, por sua vez, relações jurídicas em sentido estrito29, entre sujeitos determinados30.
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Segundo a Teoria das Relações, uma relação é simétrica quando o que ocorre entre “x” e “y” (relação original) também ocorre com “y” e “x”, ou seja, na relação inversa ou conversa. Nessa relação, a relação original e a conversa têm o mesmo sentido. Na relação conversa há uma troca de posições em que o sucessor passa ao tópico de predecessor e este assume o lugar do sucessor. Ressalvadas as relações simétricas, altera-se o vínculo das relações com essa troca de posições. Exemplos: (1) x é pai de y e (2 – conversa) y é filho de x. Nas relações jurídicas, a um direito de exigir o cumprimento de uma obrigação, por exemplo, corresponde um outro vínculo: o dever de cumprir a obrigação. Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho (Curso de Direito Tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva , p. 284). O direito é um sistema de normas com referência objetiva, no sentido de regular, referir-se a fatos naturais e a fatos de conduta. Essa referência aos fatos naturais e às condutas pode se dar de três formas: obrigando, proibindo ou permitindo. Essas três formas de que dispõem as normas servem, necessariamente, para estabelecer relações normativas entre os sujeitos de direito que praticam determinada conduta. As normas jurídicas incidem sobre os fatos-conduta, formando um sistema de relações jurídicas entre essas condutas. Essas relações (estabelecidas em razão da incidência das normas jurídicas sobre as condutas) são relações jurídicas porque estão no interior do universo jurídico, mas o são em sentido amplo, não no sentido técnico-dogmático. As relações jurídicas em sentido amplo são, pois, as relações estabelecidas em razão da incidência das normas jurídicas em alguma de suas três modalidades, sobre as condutas. A relação jurídica em sentido estrito é interpessoal. As permissões, obrigações e proibições estão em relação com outro sujeito de direito, que se coloca em posição contraposta ao sujeito-de-direito ativo. Cf. VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 114-116; 120-122.
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II.III. LINGUAGEM E PROVA NA CONSTRUÇÃO DAS NORMAS INDIVIDUAIS E CONCRETAS Conforme afirma ÉMILE BENVENISTE, “a linguagem reproduz a realidade”, o que significa dizer que “a realidade é produzida novamente por intermédio da linguagem. […] Para o locutor, representa a realidade; para o ouvinte, recria a realidade”31 e, por ser signo da realidade, a linguagem não é ela mesma, a representa, “e pode até mesmo representá-la falsamente; por isso mesmo, é signo”32. Ainda que possamos distinguir os objetos do mundo, denominados de realidade, da linguagem que fala sobre ele, fato é que somente por meio desta é que aquela se torna possível. Após os estudos iniciados na era da filosofia da linguagem, hoje denominados de “giro lingüístico”, não é mais possível afirmarse que a linguagem é apenas intermédio entre o objeto a ser conhecido e o sujeito cognoscente. É a própria linguagem que constitui o objeto a ser estudado e que dá, também, o conceito de “sujeito cognoscente”33. O direito positivo, símbolo34 da regulação de condutas intersubjetivas, por meio de outros símbolos que são as palavras, apreende a realidade que quer normatizar, a partir da observação do mundo social, realizando o objetivo para o qual existe e que é seu significado (aquilo que ele simboliza): a ordenação da sociedade. Da mesma forma, a linguagem figura como elemento imprescindível para a construção das normas individuais e concretas, pelos aplicadores do
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Conforme a clara lição de Luís Cesar Souza de Queiroz (Sujeição Passiva Tributária. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 164), “aquilo que distingue a norma impositiva tributária, abstrata (quanto ao antecedente) e geral (quanto ao conseqüente), da relação jurídica tributária, é o nível ou grau de individualização dos sujeitos e o nível ou grau de determinação da conduta a ser realizada. A norma impositiva tributária (abstrata e geral) tem um nível mínimo de individualização e de determinação. A relação jurídica tributária tem um nível máximo de individualização e de determinação. Aqui vale a ressalva feita pelo autor, com relação à acepção de “abstrata”, adjetivo que qualificaria somente o antecedente da norma geral e abstrata: “Há quem fale em carga de abstração […] em vez de carga de determinação. Contudo, o conseqüente normativo, como já foi dito […], é sempre abstrato. O mesmo pode ser dito para a relação jurídica (determinada e individualizada) que aponta sempre para uma conduta a ser realizada: é sempre abstrata”. Cf. ARAÚJO, Clarice von Oertzen, op. cit., p. 349-50. Cf. SANTI, Eurico Marcos Diniz de, op. cit., p. 16. Nesse sentido, Tácio Lacerda Gama, op. cit., p. 33. Os símbolos são espécies de signos. Os signos, como fenômenos representativos de coisas diferentes deles mesmos, podem ser divididos, segundo a classificação de Charles S. Pierce, em ícones (procuram reproduzir os objetos a que se referem, oferecendo traços de semelhança ou refletindo atributos do objeto, como as fotografias, os bustos etc.), índices (mantêm conexão física com os objetos, por exemplo, a fumaça, que funciona como índice de fogo) e símbolos (signos arbitrariamente construídos, produtos de convenção, já que não guardam relação visual com o objeto que representam).
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direito, no caso do direito tributário, sejam eles o Fisco ou os próprios sujeitos passivos destinatários das normas de incidência. Mas não é qualquer linguagem que é apta para a constituição dos fatos jurídicos. Como ensina PAULO DE BARROS CARVALHO, “os fatos jurídicos serão aqueles enunciados que puderem sustentar-se em face das provas em direito admitidas. Aqui, no hemisfério do direito, usar competentemente a linguagem significa manipular de maneira adequada os seus signos e, em especial, a simbologia que diz respeito às provas, isto é, às técnicas que o direito positivo elegeu para articular os enunciados fácticos com que opera”. Com exemplo extremamente ilustrativo, continua: “o magistrado a quem cabe julgar um feito, por coincidência, viu ocorrer o evento, formando seu juízo a respeito da autoria de certo delito. Ao compulsar os autos, porém, não encontra entre os argumentos e as provas juntadas pelas partes elementos hábeis para tipificar a ocorrência segundo o juízo que formulara, tempos atrás. Será que caberia a esse juiz decidir sem os fundamentos que o sistema requer? E, ainda que o faça, não haveria uma forte tendência de que a sentença viria a ser reformada pelo órgão jurisdicional em instâncias superiores? Pensamos que sim.
Os eventos, como acontecimentos que se verificam no dia-a-dia, sem revestimento em linguagem, já não são mais35. São as obrigações acessórias, ou os deveres instrumentais, como precisamente afirma PAULO DE BARROS CARVALHO, que permitem a sua retenção, no tempo, para que produza efeitos futuros: a constituição dos fatos jurídico-tributários. Os deveres instrumentais
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Importante, aqui, a ressalva de que, tomando-se a premissa de que “fato” seria o revestimento lingüístico que torna possível a incidência jurídica, também a relação jurídica (integrante do conseqüente e não do antecedente das normas jurídicas) também pode ser assim denominada. As relações jurídicas, assim como os fatos jurídicos, também estão sujeitas ao ato de aplicação, em que a autoridade competente, mediante a operação lógica de subsunção entre os critérios conotativos do conseqüente da norma geral e abstrata e as características dos fatos jurídicos em sentido amplo (fatos provados no curso do processo, por exemplo), promovem a aplicação não só da hipótese, constituindo o fato jurídico em sentido estrito, mas também do conseqüente, constituindo os fatos da relação jurídica em sentido estrito. Segundo Paulo de Barros Carvalho (Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 129-133), a relação jurídica se manifesta por um fato. Um fato protocolar e denotativo, ou seja, individualizado e concreto. Com a ocorrência do fato e com o conseqüente nascimento da relação jurídica, podemos identificar, nesse processo, dois fatos: um “fato-causa” (fato jurídico) e um “fato-efeito”, que é a relação jurídica. Assim como os fatos jurídicos (enunciados protocolares denotativos), as relações jurídicas são também fatos, mas fatos relacionais (enunciados protocolares e denotativos), que, ao invés de surgirem em razão da previsão em antecedente de normas gerais e abstratas, surgem das previsões dos conseqüentes das normas gerais e abstratas. Por este motivo é que, por vezes, se distinguem os fatos jurídicos stricto sensu (antecedentes de normas individuais e concretas) daqueles lato sensu (resultantes de qualquer processo de juridicização).
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são, na verdade, formas lingüísticas de revestir os eventos para que, retidos no tempo, sirvam como prova apta à constituição do fato jurídico, no caso tributário, por meio do ato administrativo de lançamento. São as provas que permitem a retenção dos eventos e, assim, tornam possível a interpretação dos fatos para que se opere a subsunção destes aos elementos da hipótese normativa, propiciando a constituição do antecedente da norma individual e concreta, o fato jurídico36. Outros fatos jurídicos, constituídos por outras provas podem, contudo, sempre desconstituir aqueles primeiros. Estão, com exceção aberta às presunções absolutas (que não admitem prova em contrário), sempre sujeitos à contraprova, isto é, à desconstituição por intermédio da construção de outra linguagem, a partir de outras provas, desfazendo-se os efeitos inicialmente provocados, no jogo do contraditório que o direito regra.
II.IV. REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA E O FATO JURÍDICO-TRIBUTÁRIO A regra-matriz de incidência tributária, ou norma jurídico-tributária em sentido estrito, é espécie de norma jurídica geral e abstrata assim caracterizada por prever, no processo de preenchimento de sua estrutura lógica, critérios essenciais relativos à incidência tributária37. A estrutura lógica de norma jurídica geral e abstrata pode ser assim desenhada38:
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Importante a advertência de Fabiana Del Padre Tomé (A Prova no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2005, p. 68): “Prova pode ser considerada o processo de determinação do fato (um ou mais fatos jurídicos em sentido amplo, direcionados a certificar um fato jurídico em sentido estrito, como é o caso do fato jurídico tributário), mas é também entendida como o produto desse processo, ou seja, o próprio fato jurídico em sentido amplo”. Conforme adverte Paulo de Barros Carvalho (Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, cit., p. 9), “quando se fala em incidência jurídico-tributária estamos pressupondo a linguagem do direito positivo projetando-se sobre o campo material das condutas intersubjetivas, para organizálas deonticamente. Nenhuma diferença há entre a percussão de uma regra jurídica qualquer e a incidência da norma tributária, uma vez que operamos com a premissa da homogeneidade lógica das unidades do sistema, consoante a qual todas as regras teriam idêntica esquematização formal, quer dizer, em todas as unidades do sistema encontraremos a descrição de um fato “F” que, ocorrido no plano da realidade físico-social, fará nascer uma relação jurídica (S’ R S’’) entre dois sujeitos de direito, modalizada com um dos operadores deônticos: obrigatório, proibido ou permitido (O, V ou P). Este princípio vigora ao lado daquel’outro da heterogeneidade semântica, pelo que os conteúdos de significação das unidades normativas seriam necessariamente diversos, a fim de que o conjunto pudesse cobrir os múltiplos setores da vida social”. Cf. SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento Tributário. 2. ed., São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 99-100.
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D [F J Rp (Sa, Sp)], onde: “D” e “J”: denominados de sincategoremas, são constantes lógicos que (i) representam o functor deôntico (dever-ser) não modalizado e (ii) o nexo de causalidade jurídica (imputação, no plano jurídico e implicação, no plano formal) entre o descritor e o prescritor; “F”: descrição do fato de possível ocorrência, ou seja, antecedente ou hipótese da norma geral e abstrata; “Sa”: sujeito ativo, pessoa jurídica de direito público capacitada normativamente para instituir o tributo ou, por delegação infraconstitucional, para exigi-lo; “Sp”: pessoa física ou jurídica apta para figurar na relação jurídica em sentido estrito; “R”: functor deôntico (dever-ser) relacional, variável nas três modalidades possíveis de regulação das condutas (obrigatório, permitido ou proibido); e “p”: conduta modalizada, exigida do sujeito passivo em relação ao sujeito ativo (obrigatório, permitido ou proibido). Os primeiros critérios indicativos para a substituição das variáveis que compõem a estrutura lógica de qualquer norma jurídica (H J C) são dados pelas definições de hipótese e conseqüente: aquela deve conter a descrição de fato de possível ocorrência e este deve prever, abstratamente, relação jurídica que decorrerá da verificação daquele, no plano empírico. Num segundo momento, com o desenho, ainda abstrato, da regramatriz de incidência tributária, aqueles critérios indicativos ao preenchimento das variáveis da estrutura na norma jurídica são ainda mais específicos, no caminho para a construção das normas de incidência previstas no direito tributário. No antecedente ou hipótese da regra-matriz de incidência tributária, na visão de PAULO DE BARROS CARVALHO, compomos três critérios: (i) critério material; (ii) critério espacial e (iii) critério temporal. No conseqüente, outros dois: (i) critério pessoal e (ii) critério quantitativo39. LUÍS CESAR SOUZA DE QUEIROZ, inclui, tanto no antecedente como no conseqüente, quatro critérios: pessoal, material, temporal e espacial.
39
Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 341-352.
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Ambos afirmam que suas estruturas denotam o mínimo de significação deôntica acerca da norma jurídica de incidência40, isto é, reúnem os elementos essenciais para a regulação das condutas, no caso da regra-matriz de incidência tributária, da conduta de pagar tributos. Assim, tais divergências, a nosso ver, surgem apenas em razão do grau de abstração presente em cada uma das estruturas. Com a pretensão de descrever “a fenomenologia (o processo de causalidade jurídica) da norma impositiva de imposto”, aliada, especialmente, ao princípio da capacidade contributiva41, LUIS CESAR SOUZA DE QUEIROZ agrega aos critérios de PAULO DE BARROS CARVALHO, informações antes implícitas. Na estrutura de PAULO DE BARROS CARVALHO, mais enxuta, o critério material, composto por verbo necessariamente indicativo de ação, já denota a imprescindível presença de alguém, de um sujeito de direito. LUÍS CESAR SOUZA DE QUEIROZ apenas explicita tal informação, incluindo o critério pessoal antecedente. Da mesma forma, os critérios temporal e espacial do conseqüente da norma descrita por este último autor, apenas enfatizam as necessárias coordenadas de tempo e espaço presentes, necessariamente, na realização de qualquer conduta (inclusive naquela de pagar tributo, objeto da relação jurídica integrante do conseqüente da regra-matriz de incidência tributária). O critério material do conseqüente, por sua vez, além de abarcar o critério quantitativo de PAULO DE BARROS CARVALHO, contém o modal deôntico que caracteriza, necessariamente, o vinculo tributário em sentido estrito: a obrigação de entregar dinheiro ao Estado (critério qualitativo). Portanto, tanto os critérios de um como os de outro são suficientes ao preenchimento das variáveis da estrutura sintática da norma jurídica (H J C), com o objetivo de construir-se a norma de incidência tributária. Diferenciamse, tão-somente, em razão da quantidade de informações utilizadas para a substituição desta estrutura absolutamente formal, no processo de preenchimento de suas variáveis por símbolos dotados de conteúdos semânticos. Essa estrutura, aplicada a evento provado, que se torna fato, transformase, assim, em fato jurídico, este, por sua vez, determinante para o surgimento da relação jurídica entre dois sujeitos de direito individualizados. Os fatos jurídico-tributários são antecedente de normas, assim como as hipóteses tributárias. Contudo, integram normas individuais e concretas e não
40 41
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Cf. QUEIROZ, Luís Cesar Souza de, op. cit., p. 169 e CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, cit., p. 21. Cf. QUEIROZ, Luís Cesar Souza de, op. cit., p. 164-165.
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normas gerais e abstratas. As normas individuais e concretas que decorrem do processo de prositivação do direito tributários possuem no antecedente, um fato jurídico-tributário, ou seja, o relato, em linguagem competente (do contribuintes ou do Agente Fiscal), de um acontecimento que se deu no mundo social, em espaço e tempo demarcados, e que ensejam relação jurídica entre os sujeitos, os quais, em decorrência daquele fato, estão ligados um ao outro.
III. LEIS INTERPRETATIVAS E IRRETROATIVIDADE NO DIREITO TRIBUTÁRIO O artigo 106, I, do CTN, no qual focaremos este artigo, prescreve que “a lei aplica-se a ato ou fato pretérito, em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa (...)”. Por outro lado, o artigo 150, da Constituição Federal de 1988 garante que “é vedado (...) cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”. A questão é, portanto, garantir que a lei interpretativa não seja aplicada a situações passadas, prejudicando a irretroatividade garantida constitucionalmente. Como já dissemos, os textos do direito positivo não nos fornecem, imediatamente, nenhum comando. É preciso que entremos em contato visual com esses textos, atribuamos significações às palavras que o compõem e as agrupemos em nosso intelecto. Por questões ontológicas e, portanto, inquestionáveis, agrupamos as mensagens do direito positivo em nosso intelecto sob a forma com a seguinte estrutura lógica, forma típica de regulação de condutas: “se acontececer o fato “F”, então deve-ser a consequência “C”. Como decorrem do processo de interpretação, diversas normas jurídicas podem ser construídas a partir do direito positivo. Como afirmar, assim, se uma lei é ou não interpretativa? Quando a lei assim expressamente a declarar? Teria a lei esse poder? Toda lei é texto e, portanto, traz enunciados prescritivos sujeitos à interpretação. Até as leis expressamente interpretativas. Diferenciam-se, contudo, os agentes que executam esse processo de interpretação: nós, juristas que atuamos como professores ou advogados, não somos autoridades competentes para impor a nossa interpretação. Os juízes, desembargadores e Ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, ao contrário, possuem essa prerrogativa, qual seja, dizer qual a interpretação que deve prevalecer: a construída pelo contribuinte ou a construída pelo Fisco. Do
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mesmo modo está autorizado o Poder Legislativo, por meio das leis interpretativas: por meio destas o Legislativo nada mais faz que dizer qual a interpretação prevalece. Agora, será que fazendo isso não se estaria ferindo a irretroatividade constitucional? Partilhamos, neste caso, da conclusão de LUCIANO AMARO: já averbamos a dificuldade que os autores encontram para caracterizar uma lei interpretativa com efeitos retroativos, a qual – costuma dizer a doutrina – não poderia inovar. Na verdade, o que há não é dificuldade, mas sim uma impossibilidade lógica de identificar as tais situações em que a lei seria “realmente” interpretativa e, por isso, poderia retroagir, para criar obrigações ou extinguir direitos. Ora, se a lei dita interpretativa não pode inovar (com efeito retroativo), como a doutrina costuma repetir, é inevitável a conclusão de que ela é uma lei inútil: se não inova, é porque, ainda que com outras palavras, repete a anterior. Se inova, é inconstitucional. Nada sobra. Na inocente situação em que a lei dita interpretativa repete a anterior, é inócua a discussão sobre sua retroatividade, pois o mesmo comando por ela pretendido já decorria da lei anterior. Se, porém, ela inova, não cabe o efeito retroativo, justamente porque inovou42. Serviriam, portanto, as leis interpretativas apenas para as situações em que é permitida a retroatividade da lei, como no caso de cominação de pena mais benéfica ao contribuinte. Mas, neste caso, como adverte o mesmo autor, nessas situações seria inócuo discutir a natureza interpretativa da lei, pois, tendoa ou não, ela se aplicará ao passado. Ou seja, também nessas situações, a lei interpretativa se revela inútil43.
42
43
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O prazo para repetição do indébito tributário e a Lei Complementar n. 118/2005. In: Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas: do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 103. Idem, p. 104.
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Norma Tributária e Fato Gerador
Luís Cesar Souza de Queiroz Mestre e Doutor em Direito Tributário pela PUC/SP. Professor Adjunto de Direito Financeiro da UERJ. Procurador Regional da República.
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I. DIREITO,
LINGUAGEM E OS SENTIDOS DE
“NORMA
TRIBUTÁRIA” E DE“FATO GERADOR”
O estudo envolvendo os temas “norma tributária” e “fato gerador” apresenta-se como um dos mais relevantes na Teoria Geral do Direito Tributário. No que tange ao “fato gerador”, essa importância ganha tons de complexidade ao se constatar que, tanto no Código Tributário Nacional (Lei nº 5.107/66) quanto na Constituição Brasileira de 1988, a expressão “fato gerador” é utilizada em diferentes sentidos (eis o fenômeno da ambiguidade por polissemia). Esse fenômeno, relevante para a compreensão do que se entende como sendo “norma tributária” e, em especial, “fato gerador”, suscita que se apresentem alguns esclarecimentos. O Direito apresenta-se vertido em linguagem, a qual está envolvida num complexo processo comunicacional. Compreender o Direito significa compreender o sentido da linguagem jurídica, eis a razão de se afirmar que a compreensão do Direito sempre demanda uma interpretação. Fala-se em interpretação como sendo uma atividade intelectual e emocional, informada por valores (presentes em certa sociedade e adotados pelo intérprete), presente em todas as áreas do conhecimento, cuja finalidade é obter, compreender, construir o sentido a partir de signos. Nas palavras de Bobbio1, “interpretar significa remontar do signo (signum) à coisa significada (designatum), isto é, compreender o significado do signo, individualizando a coisa por este indicada”. Segundo os estudiosos da linguagem (linguistas, semióticos, semiólogos), signos são elementos da linguagem, que designam outros elementos. O signo é um fenômeno que nossa mente relaciona com outro fenômeno. O gênero “signo” compreende as espécies “ícone”, “índice” e “símbolo”. O ícone é o signo que de, algum modo, retrata o objeto a que se refere. Uma fotografia é exemplo de signo icônico. O índice é o signo que apresenta uma ligação física com o objeto que designa. Diz-se que a febre é índice de algum problema de saúde, que fumaça é índice de fogo. E símbolo é a espécie de signo construída de forma arbitrária, sem que haja necessariamente qualquer tipo de ligação com o objeto que representa, significa. Em geral, a linguagem jurídica é formada por símbolos. Assim, interpretar um texto jurídico significar compreender o sentido dessa linguagem simbólica,
1
BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 212.
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a mensagem nele contida. A atividade de interpretação da linguagem jurídica (como de qualquer outra linguagem) passa por alguns percalços, entre os quais se destaca o relativo à ambiguidade por polissemia. Não se deve olvidar que a atribuição de nomes aos objetos é estabelecida de forma artificial, arbitrária. Ocorre que, em determinadas situações, uma mesma palavra designa mais de um significado. Quando isso acontece, diz-se que há ambiguidade (sentido duvidoso) por polissemia (pelo fato de uma mesma palavra ser usada em mais de um sentido, designar mais de um objeto). A ambiguidade por polissemia é um ruído no processo comunicacional. O modo normalmente apontado para afastar esse ruído é considerar o contexto em que certa palavra se encontra utilizada2. Atentando-se para o contexto, linguístico e extralinguístico, normalmente, consegue-se afastar as dúvidas que podem surgir. Dessarte, para que seja possível falar sobre que é fato gerador, é preciso identificar, compreender e construir os diferentes sentidos em que tal expressão é empregada. Trata-se de missão preliminar e fundamental. Voltando os olhos para o Código Tributário Nacional, identifica-se que a expressão “fato gerador” é empregada para se referir a objeto que está tanto no plano da norma tributária quanto no plano do fato jurídico tributário. Examinando-se de um modo mais analítico, é possível vislumbrar, pelo menos, sete acepções para a expressão “fato gerador”. Cinco delas relacionadas com o plano da norma tributária (há quem use a expressão “fato gerador abstrato”), uma relacionada ao plano da norma administrativo-fiscal e uma relacionada ao plano do fato jurídico tributário (há quem fale em “fato gerador concreto”). A fim de melhor elucidar essas sete acepções de “fato gerador”, vale atentar para os enunciados dos artigos 19, 32, 43, 46, 114, 115 e 144 do CTN: Art. 19. O imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional. Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a
2
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ULMANN, Stephen. Semântica: uma introdução à ciência do significado. Trad. J. A. Osório Mateus. Lisboa: Fundação Caloute Gulbenkian, 1987. p. 346-364; CARRIÓ, Genaro R. Notas sobre o derecho y lenguaje. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1990. p. 28-31; GUIBOURG, Ricardo A.; GHIGLIANI, Alejandro M.; GUARINONI, Ricardo V. Introduccion al conocimiento cientifico. Buenos Aires: Editorial Universitária de Buenos Aires, 2004. p. 51-53.; ROSS, Alf. Sobre el derecho y la justicia. Buenos Aires: Editorial Universitaria de Buenos Aires, 1994. p. 112.
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propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município. Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador: I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira; II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51; III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão. Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. Art. 115. Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal. Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.
Demonstrar-se-á que, nos artigos 19, 32, 43, 46, 114 e 115, o termo “fato gerador” relaciona-se com o plano normativo, porém apresenta seis diferentes sentidos. Por seu turno, o termo “fato gerador”, no artigo 144, relaciona-se com o plano fático. Para realizar um melhor exame dessas diferentes situações, convém analisar esse tema em duas partes: a primeira relativa ao plano normativo (tributário e administrativo-fiscal) e a segunda atinente ao plano fático.
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II. NORMA
TRIBUTÁRIA E
“FATO GERADOR”
TRIBUTÁRIO NO
PLANO NORMATIVO
Apesar de, nos artigos 19, 32, 43, 46 e 114, o termo “fato gerador” ser utilizado para se referir a algo que se encontra no plano da norma tributária, isso se dá em cinco diferentes sentidos, quais sejam: a)
como antecedente da norma tributária;
b)
como critério material do antecedente da norma tributária;
c)
como critério material e espacial do antecedente da norma tributária;
d)
como critério temporal e espacial do antecedente;
e)
como critério temporal do antecedente.
Para que seja possível identificar adequadamente essas cinco diferentes acepções de “fato gerador”, é imprescindível que se tenha em conta algumas noções fundamentais acerca da Teoria da Norma Jurídica em geral e da Teoria da Norma Tributária em particular.
II.1. UMA NOÇÃO PRELIMINAR DE NORMA JURÍDICA E DE NORMA TRIBUTÁRIA
É corrente a afirmação de que o sistema jurídico (sistema do Direito Positivo, posto por determinação do ser humano) é composto por um conjunto de normas jurídicas. Daí se dizer que as normas jurídicas são as unidades do sistema jurídico. O sistema jurídico, via de regra, apresenta-se sob a forma de textos escritos, que são elaborados com o propósito de transmitir uma mensagem com determinado sentido. Contudo, esse sentido somente é alcançado à medida que se desenvolve uma específica atividade cognitiva – a interpretação3. Norma jurídica é uma mensagem prescritiva, construída a partir da interpretação de um corpo de linguagem (falada, dos sinais, escrita etc.), em geral textos (enunciados prescritivos: Constituição, lei, decreto etc.), que integra um dado sistema jurídico e que possui uma estrutura lógica própria { D (A J C) }. A norma tributária é uma espécie do gênero norma jurídica e se caracteriza por apresentar um peculiar conteúdo, como será adiante demonstrado.
3
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Como se disse, interpretação é a atividade intelectual e emocional, informada por valores (presentes em certa sociedade e adotados pelo intérprete), presente em todas as áreas do conhecimento, cuja finalidade é obter, compreender, construir o sentido a partir de signos.
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II.2. A CONSTRUÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA A doutrina tem destacado certas especificidades da norma tributária4. Tais especificidades são mais bem identificadas à medida que se analisa o processo de construção da norma tributária. Tal processo passa por duas etapas: (a) pela identificação de sua estrutura lógica (comum a todas as normas de conduta); e (b) pela determinação de seu conteúdo (que apresenta características distintivas). Para melhor compreensão desse processo, é conveniente examinar, separadamente e na ordem antes disposta, cada uma das referidas etapas.
II.2.1. A ESTRUTURA LÓGICA DA NORMA TRIBUTÁRIA5 O Direito, considerado como instrumento para regular a convivência das pessoas por intermédio de normas (jurídicas), suscita uma técnica especial. Regular a convivência social significa ordenar as condutas humanas intersubjetivas. Num sistema jurídico com um mínimo de complexidade, típico das sociedades contemporâneas, não é possível que alguém (legislador), dotado de poder para regular as condutas das pessoas, esteja ao lado de cada uma delas, todo o tempo, determinando o que deve e o que não deve ser feito. Sendo assim, é preciso ditar, de forma geral e preventiva, as normas que regerão os comportamentos. Surge, pois, a necessidade de a norma ser estruturada de modo a informar as condições que implicarão a conduta a ser seguida. Nesse sentido, a fórmula lógica do condicional apresenta-se como sendo a adequada a revelar a estrutura das normas jurídicas. Por força da norma jurídica, tem-se que: necessariamente (em termos jurídicos – o dever-ser), se ocorrer um determinado fato, isso implica um certo efeito. Assim, a estrutura lógica da norma possui duas partes essenciais:
4
5
Merece especial destaque quanto ao estudo da norma tributária o pioneiro trabalho desenvolvido pelo Professor Paulo de Barros Carvalho, que apresentou inicialmente esse tema em sua tese de Doutoramento, reproduzida no livro intitulado Teoria da norma tributária, lançado no ano de 1974, pela Editora LAEL. Os estudos desse singular jurista continuaram sendo desenvolvidos e ganharam notoriedade com o seu bem sucedido Curso de direito tributário, em que esquadrinha a denominada “regra matriz de incidência” e, mais recentemente, com o lançamento do seu Direito tributário – fundamentos jurídicos da incidência. A obra desse mestre vem, desde o ano de 1974, impressionando e influenciando sensivelmente a doutrina e a jurisprudência, representando um verdadeiro marco na Teoria Geral do Direito Tributário. Sobre o estudo da estrutura lógica da norma jurídica em nosso país, é merecedor dos mais elevados encômios o legado deixado pelo saudoso Professor Lourival Vilanova, Catedrático da Faculdade de Direito de Recife, do qual se destacam as obras As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo e Causalidade e relação no direito. Importa salientar que as ideias apresentadas nesse trabalho relacionadas à estrutura lógica da norma se encontram fortemente influenciadas pelas aludidas obras.
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a)
a primeira – proposição implicante, que funciona como condicionante da segunda parte (a proposição implicada) e que descreve uma determinada situação de fato; e
b)
a segunda – proposição implicada, que prescreve algo como efeito da realização da proposição implicante (criação ou extinção de norma jurídica ou de relação jurídica6).
As normas jurídicas, portanto, apresentam uma estrutura proposicional bimembre: uma implicante, denominada antecedente, hipótese, suposto, prótase, descritor; e outra implicada, denominada consequente, consequência, mandamento, estatuição, apódose e prescritor. Uma análise mais percuciente dessa estrutura lógica da norma jurídica revela a presença de quatro elementos formadores desta unidade deôntica, assim denominados: a) functor deôntico; b) antecedente; c) functor implicacional; e d) consequente. Com estes elementos, pode-se retratar a causalidade (interna) normativa da seguinte forma: deve ser (D), se o antecedente (A) realizar-se, então se tem como implicação (J) o consequente (C). É com esse sentido que se encontra, para formalizar a estrutura da norma jurídica, a seguinte expressão: D (A J C). Explicando a fórmula: i)
“D” = é o functor deôntico;
ii)
“A” = é o antecedente;
iii)
“g” = é o functor implicativo;
iv)
“C” = é o consequente.
Cada um destes elementos será analisado a seguir, a fim de possibilitar uma adequada compreensão da estrutura lógica da norma jurídica.
II.2.1.1. FUNCTOR DEÔNTICO A linguagem do Direito é a prescritiva, a das ordens, dos comandos. A linguagem prescritiva é totalmente distinta da linguagem descritiva, informativa ou declarativa. Esta é a linguagem própria para transmitir notícias, divulgar
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Ao se mencionar a “criação ou extinção de norma jurídica ou de relação jurídica”, já se inclui o fenômeno da modificação de norma jurídica ou de relação jurídica, pois a modificação, em rigor, representa, por um lado, a criação de uma nova norma jurídica ou relação jurídica e, por outro lado, a extinção de uma norma ou relação anterior.
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informações. São funções da linguagem inteiramente diversas. Costuma-se dizer que tais linguagens submetem-se a lógicas diversas: a prescritiva, à lógica deôntica (do dever-ser); e a descritiva, à lógica alética (do ser). Por força dessas diferenças, há que se separar o plano da causalidade natural, relativa aos fenômenos da natureza, do plano da causalidade jurídica, própria dos fenômenos jurídico-normativos. A linguagem do Direito não contém informações sobre a realidade. Seu propósito último não é o de explicar como as pessoas se comportam, mas, sim, o de afetar os comportamentos futuros, sempre. Este é um dado importante que merece ser ressaltado: toda e qualquer norma de conduta (a abstrata e geral, a abstrata e individual, a concreta e geral ou a concreta e individual7) projeta o seu comando para uma conduta intersubjetiva futura. A futuridade na regulação da conduta decorre de uma sequência lógica própria do fenômeno normativo. A norma jurídica de conduta sempre aponta, no seu consequente, para o comportamento que deve ser seguido (comportamento futuro a ser cumprido). Mesmo a denominada “norma retroativa” projeta seu consequente para o futuro; o seu antecedente é que tem projeção semântica para o passado.
7
As normas podem ser classificadas segundo diferentes critérios. Nesse momento, merecem destaque os seguintes: a) quanto ao critério da realização, no tempo e no espaço, do fato descrito no antecedente normativo – classifica-se a norma jurídica em abstrata ou concreta; b) quanto ao critério da individualização dos sujeitos cuja conduta intersubjetiva é regulada pelo consequente normativo – classifica-se a norma jurídica em geral e individual; c) quanto ao critério da espécie de conteúdo do antecedente e do consequente normativos – classificase a norma jurídica em de produção normativa e de conduta. De acordo com esses critérios: a.1) a norma jurídica é abstrata – quando o antecedente da norma jurídica descreve uma situação de fato imaginada, uma mera suposição, uma hipótese, cuja ocorrência é possível; a.2) A norma jurídica é concreta – quando o antecedente da norma jurídica descreve um fato que já se realizou no tempo e no espaço; descreve um fato já ocorrido, fato material, concreto; b.1) a norma jurídica é geral – quando o consequente normativo regula o comportamento de uma classe de pessoas indeterminadas, não individualizadas, quer ocupem o polo passivo (sujeito passivo indeterminado), quer ocupem o polo ativo (sujeito ativo indeterminado); b.2) a norma jurídica é individual – quando o consequente normativo regula o comportamento de pessoas determinadas, individualizadas, isto é, tanto o sujeito ativo quanto o sujeito passivo estão determinados, individualizados; c.1) a norma de produção normativa (também denominada de “norma de estrutura” ou “norma de competência”) é aquela cujo antecedente descreve uma específica situação de fato (de ocorrência possível), que se caracteriza por apresentar os requisitos necessários para que outra norma passe a pertencer (a ter validade – criação) ou deixe de pertencer (revogação) ao sistema jurídico, e cujo consequente apresenta uma estrutura relacional, composta por variáveis, que simboliza a norma jurídica a ser criada ou revogada; c.2) a norma de conduta é aquela cujo antecedente descreve uma situação de fato qualquer (de possível ocorrência) e cujo consequente apresenta a regulação de uma conduta intersubjetiva, por meio de uma permissão (P), uma obrigação (O) ou uma proibição (V). (QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Imposto sobre a renda: requisitos para uma tributação constitucional. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003. p. 32-33).
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Por decorrência lógica, o cumprimento de uma norma requer que ela já exista. Cumpre-se a norma jurídica já existente, não aquela que não mais existe ou a que ainda está por vir. Assim, a norma jurídica de conduta determina qual comportamento deve ser praticado. Este dever-ser é peculiar à norma ou à causalidade normativa. Ele funciona como elemento distintivo da causalidade normativa. Pelas leis da natureza, ocorrida certa causa, então é o efeito: Dado CN, então é o EN (CN é a causa natural e EN é o efeito natural). Em função das leis jurídicas, ocorrida certa causa, então deve ser o efeito (por exemplo, a conduta prescrita deve ser cumprida). Ser e dever-ser são formas inconfundíveis e reciprocamente irredutíveis. Kelsen8 é taxativo ao afirmar: A distinção entre ser e dever-ser não pode ser mais aprofundada. É um dado imediato da nossa consciência. Ninguém pode negar que o enunciado: tal coisa é – ou seja, “o” enunciado através do qual descrevemos um ser fático – se distingue essencialmente do enunciado: algo deve ser – com o qual descrevemos uma norma – e que da circunstância de algo ser não se segue que algo deva ser, assim como da circunstância de que algo deve ser não se segue que algo seja.
Assenta, ainda9: Um dever-ser não se pode reduzir a um ser, um ser não se pode reduzir a um dever-ser; assim, também não se pode de um ser deduzir um dever-ser, nem de um dever-ser deduzir um ser.
É preciso atentar que, tanto na causalidade natural quanto na causalidade normativa, existe uma implicação, há uma fórmula condicional: C J E (“J” simboliza a implicação). Logo, esta implicação não serve para distinguir a causalidade natural da normativa. O elemento distintivo da causalidade normativa é o dever-ser. É o deverser que confere o matiz deôntico àquela fórmula condicional. Este dever-ser não afeta somente o consequente da norma jurídica, mas, sim, a fórmula inteira. O antecedente (A), o consequente (C) e a implicação (J) que os une são atingidos por este elemento simbolizador do deôntico. Por tal razão, é mais rigoroso dizer: deve ser, se o antecedente então o consequente. Formalizando, tem-se: D (A J C).
8 9
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Teoria Pura do Direito, p. 6. Teoria Geral das Normas. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1991. p. 70.
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Este operador (D), pelo fato de ser representativo do deôntico e por afetar a fórmula (A J C), que contém o operador ou functor implicativo (J), recebe o nome de functor deôntico. É exata a lição de Lourival Vilanova10 quando assevera: Tanto a causalidade natural como a causalidade jurídica encontram na proposição implicacional sua adequada forma sintática.
E complementa: A diferença (parece-nos) residiria no operador, não no functor interno (“g”, símbolo da implicação), mas num functor que afeta a proposição implicacional, em seu conjunto. Seria um functor-de-functor (algumas vezes denominado functor functoral), ou um operador de segundo grau, que vem modalizar, imprimir um modus à implicação, em seu todo.
Resumindo, o functor deôntico “D” é o operador que afeta a fórmula condicional “(A J C)” e que lhe confere natureza deôntica (de dever-ser), sendo, pois, elemento característico da causalidade jurídica.
II.2.1.2. ANTECEDENTE O universo dos textos jurídicos encontra-se envolvido num complexo emaranhado linguístico. À norma jurídica, que se constrói a partir desses textos e que apresenta uma estrutura proposicional bimembre, só se chega por meio de uma análise redutora de complexidade. Antes de iniciar a análise do elemento antecedente, é mister examinar uma questão de cunho terminológico. Frequentemente, utiliza-se o termo “hipótese” para designar a primeira parte de uma norma. Contudo, este vocábulo não parece ser o mais adequado para todas as situações, em especial, para aquelas normas chamadas de concretas11. É corrente dizerem que as sentenças são (ou veiculam) normas concretas e individuais. Nestes casos, o uso do termo “hipótese” para designar a primeira parte da norma parece não ser o mais adequado, pois a situação de fato, descrita na primeira parte da norma, já ocorreu no espaço e no tempo, não tendo, pois, caráter hipotético. Dessarte, o termo “hipótese” é apropriado apenas para os casos em que a primeira parte da norma descreve uma situação de fato que tem a possibilidade de ocorrer no futuro ou que tem a possibilidade de ter ocorrido no passado.
10 11
Causalidade e relação no direito. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 47. Normas concretas e individuais ou concretas e gerais.
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Em tais casos, fala-se em normas abstratas (por exemplo, a norma do imposto sobre a renda veiculada por lei ordinária). Logo, o termo “antecedente” parece ser mais adequado para nomear a primeira parte da norma, pelo fato de ele não apresentar o inconveniente semântico do termo “hipótese” e por ser, da mesma forma que este, utilizado com frequência nos textos científicos. Superada a questão terminológica, cabe retomar a investigação dos aspectos identificadores do antecedente. O antecedente normativo possui algumas peculiaridades: a) possui o caráter de elemento condicionante, implicante, do consequente normativo (A J C); b) caracteriza-se por conter a descrição de uma situação de fato, que pode ou não envolver uma conduta humana, ou seja, a descrição pode ter como objeto uma situação da natureza (com ou sem a participação do ser humano) ou social (necessariamente com participação humana); c) descreve uma situação de fato de possível ocorrência (no futuro ou no passado) ou descreve um fato já ocorrido no tempo e no espaço. Convém esquadrinhar essas duas hipóteses: •
primeira – o antecedente normativo é do tipo que descreve um fato de possível ocorrência, ou seja, tem caráter hipotético, conjetural;
•
segunda – o antecedente normativo é do tipo que descreve um fato já ocorrido no tempo e no espaço, ou seja, tem um caráter realista, concreto.
A primeira hipótese é a mais frequente no universo das normas veiculadas por leis, decretos, portarias etc. O antecedente desta espécie pode apresentarse de duas formas: a) descrevendo fato que pode ocorrer no futuro; e b) descrevendo fato que pode ter ocorrido no passado. Nos dois casos, há um ponto comum: a existência de uma suposição, conjetura, hipótese (tal circunstância foi simbolizada pelo termo “pode”, que indica a possibilidade de ocorrer no futuro ou a possibilidade de ter ocorrido no passado). A diferença, portanto, repousa na projeção temporal da conjetura: no primeiro caso, para o futuro; no segundo caso, para o passado. É importante precisar que a projeção semântica para o passado não altera o caráter conjetural, hipotético da descrição. A suposição projetada para o passado caracteriza-se por descrever um fato que pode ter ocorrido ou não no passado. As normas jurídicas, cujos antecedentes descrevem fatos que podem ter ocorrido no passado, são denominadas normas retroativas. O efeito retroativo refere-se sempre ao antecedente, nunca ao consequente. Conforme dito anteriormente, o consequente jurídico está sempre projetado para o futuro.
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Carece de sentido deôntico um consequente normativo projetado para o passado. Um exemplo é útil para elucidar a questão. Supondo que uma norma do imposto sobre a renda criada em janeiro de 2004 assim disponha: antecedente – se alguém tiver auferido uma renda superior a um milhão de reais no ano de 2000; consequente – o titular da renda está obrigado a entregar 50% do montante que superar aquele um milhão de reais até o dia 31 de março de 2001. Enquanto o homem estiver limitado fisicamente a se transportar para o passado, carece do mínimo sentido deôntico uma norma semelhante à do exemplo acima. É um sem sentido deôntico obrigar alguém a cumprir uma conduta num instante anterior àquele em que a ordem é emanada. Logo, deonticamente, apenas o antecedente pode ser projetado para o passado, nunca o consequente. A circunstância de o Direito Positivo brasileiro vedar a retroatividade para fins de instituição ou aumento de tributo (CRFB – art. 150, III, “a”) não implica a impossibilidade lógica da retroatividade, isto é, a impossibilidade de o vetor semântico do antecedente estar projetado para o passado. Uma prova cabal desta assertiva é a possibilidade de ocorrer a retroatividade da “lei” (norma) penal para beneficiar o réu (CRFB – art. 5º, XL) ou o infrator de norma tributária (CTN – art. 106, II). O ponto de referência para que a norma seja qualificada como retroativa (vetor semântico do antecedente projetado para o passado) é o átimo em que a norma começa a viger, ter vigência12. Se o antecedente refere-se à situação de fato que pode ter ocorrido antes de a norma jurídica iniciar sua vigência, tal norma é retroativa. O caráter retroativo da norma independe da efetiva ocorrência, no passado, daquela situação (hipotética, conjetural) descrita pelo antecedente. É prescindível a verificação empírica. É suficiente o mero exame da norma jurídica. Ainda quanto ao antecedente de caráter conjetural, seja aquele com vetor semântico projetado para o passado, seja aquele com vetor projetado para o futuro, é correto afirmar: o antecedente deve descrever somente fatos de possível ocorrência. O antecedente de cunho conjetural apenas se apresenta no modo ontológico da possibilidade. A descrição de fatos, cuja ocorrência é impossível, caracteriza um sem sentido deôntico. Neste caso, pelo simples exame do antecedente da norma, sabe-se que nunca haverá a produção do efeito jurídico prescrito pelo consequente.
12
Vigência é qualidade de norma jurídica (norma que existe juridicamente, é válida) que está apta a produzir efeitos jurídicos, isto é, que está apta a determinar que, se ocorrer o fato descrito em seu antecedente, então surgirá o efeito prescrito em seu consequente (criação ou extinção de norma jurídica, se for efeito de norma de produção normativa; ou criação ou extinção de relação jurídica, se for efeito de norma de conduta). (Imposto sobre a renda, ..., p. 38).
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Mais uma observação. As normas jurídicas que apresentam o antecedente com feição conjetural são denominadas abstratas. Portanto, o caráter abstrato (ou, se for o caso, concreto) de uma norma decorre, exclusivamente, de um aspecto apresentado pelo antecedente13. Analisada a situação em que o antecedente tem índole conjetural, resta examinar a segunda hipótese antes referida: o antecedente normativo é do tipo que descreve um fato já ocorrido no tempo e no espaço, ou seja, tem um caráter realista, concreto. Este tipo de antecedente é típico das normas veiculadas por sentenças judiciais. Considerando que a sentença judicial veicula norma jurídica, há um antecedente e um consequente. O antecedente da norma veiculada por uma sentença judicial, na maior parte dos casos, descreve uma situação de fato não apenas de possível ocorrência, mas realmente ocorrida no tempo e no espaço (por exemplo: antecedente – dado o fato de João não ter pago o tributo no prazo legal; consequente – João está obrigado a entregar a quantia de dez mil reais ao Estado, a título de tributo, juros de mora e multa). Neste caso, o antecedente também se apresenta no modo ontológico da possibilidade. Porém, exige algo mais. O fato descrito já deve ter ocorrido no tempo e no espaço. Agora, está mais evidente o porquê de se preferir o vocábulo “antecedente” ao termo “hipótese”. Nas normas concretas, não há conjetura, suposição, hipótese. O fato realmente ocorreu. Por razão lógica, no caso de o antecedente ter caráter realista, o vetor semântico do antecedente está obrigatoriamente projetado para o passado. Isso explica o motivo de ser exigida a comprovação, pelos meios juridicamente previstos (CRFB – art. 5º, LV e LVI; CPC – arts. 332 a 443), da efetiva ocorrência dos fatos, cuja descrição corresponde ao antecedente da norma veiculada pela sentença. Um último ponto merece ser ressaltado. Como examinado anteriormente14, a norma jurídica, quanto ao critério da espécie de conteúdo do antecedente e do consequente normativos, classifica-se em de produção normativa (também denominada de competência ou de estrutura) e de conduta. O antecedente da
13
14
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A classificação da norma jurídica em abstrata ou concreta é feita segundo o critério da realização, no tempo e no espaço, do fato descrito no antecedente normativo. O consequente, por prescrever uma conduta necessariamente futura, a ser realizada, não tem como informar o caráter concreto. Vide nota nº 8.
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norma de produção normativa15 apresenta uma especificidade: ele descreve uma situação de fato que se caracteriza por apresentar os requisitos necessários e suficientes para que outra norma passe a pertencer (a ter validade – criação) ou deixe de pertencer (revogação) ao sistema jurídico. A situação de fato descrita pelo antecedente da norma de produção normativa compõe-se dos seguintes elementos essenciais: a) sujeito de direito; b) declaração prescritiva ; e c) procedimento. O sujeito de direito é aquela ou aquelas pessoas habilitadas pela Constituição da República para efetuarem certa declaração de cunho prescritivo, com o propósito de inovar no ordenamento jurídico (criar, modificar ou revogar norma jurídica), segundo um determinado procedimento. Costumam denominálo de “sujeito competente” ou “órgão competente”. O procedimento é aquela forma solene relacionada ao conjunto de fatos necessário ao surgimento, desenvolvimento, aperfeiçoamento e publicação (em forma de texto) da declaração prescritiva. A declaração prescritiva é aquela manifestação de índole prescritiva, que pode assumir duas formas distintas, dependendo se a norma a ser produzida é uma norma de conduta ou uma norma de produção normativa. Essa declaração, concretamente manifestada pelo legislador durante o processo legislativo, é que dará origem ao conteúdo da norma produzida16.
II.2.1.3. FUNCTOR IMPLICATIVO O functor implicativo (“J”) simboliza a relação de implicação existente entre o antecedente (proposição implicante ou condicionante) e o consequente
15
16
As normas que são construídas, por exemplo, a partir dos artigos 153, 155 e 156 da CRFB/ 88 (que dispõem, respectivamente, sobre a competência da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios para instituir impostos) são de produção normativa, pois elas não instituem tributo (não se apresentam como norma tributária ou regra matriz de incidência tributária), mas, sim, estabelecem os requisitos (no caso, os de índole material) para que a norma tributária seja validamente criada. O mesmo pode-se dizer quanto às normas que são construídas, por exemplo, a partir dos artigos 19 a 51 do CTN. Convém observar que Norberto Bobbio (Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: Ed. UnB, 1990. p. 33) emprega a denominação “norma de estrutura”; contudo, ao explicitá-la, acaba a aproximando de uma norma de conduta. (QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Sujeição passiva tributária. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002. p. 89-91). O processo de produção de normas, com destaque para a cadeia norma jurídica-fato jurídico, que principia com as normas constitucionais de produção normativa, passa pela norma complementar de produção normativa, até alcançar a norma tributária, foi desenvolvido, de maneira detalhada, em outro momento. (Sujeição passiva tributária ..., p. 106-110).
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(proposição implicada ou condicionada). O functor implicativo é um mero operador lógico, que denota a forma sintática que une as duas proposições da norma jurídica. Esse operador é neutro, isto é, não é modalizado. Em função do papel lógico do functor implicativo, se uma norma jurídica determina que “D (A J C)”, ou seja, que deve-ser, dado o antecedente “A”, então o consequente “C”, pode-se extrair algumas conclusões: a)
se ocorrer o antecedente “A”, então, necessariamente (em termos jurídicos), instaura-se o consequente “C” (relação jurídica é criada ou extinta, se for norma de conduta; ou norma jurídica é criada ou revogada, se for norma de produção normativa);
b)
se não ocorrer o antecedente “A”, não se pode afirmar a priori se há ou não a instauração do consequente “não-C”, pois, em tal caso, estar-se-á analisando uma outra norma jurídica e a resposta depende do que tal norma dispuser; em outras palavras, mesmo não ocorrendo o antecedente “A”, pode ser que outro antecedente (“não-A”), por força de outra norma jurídica, implique “C”;
c)
É impossível (juridicamente) que, ocorrido o antecedente “A”, não haja a instauração do consequente “C”.
Ante o exposto, pode-se extrair a seguinte conclusão: na fórmula “D (A J C)”, o antecedente “A” é condição suficiente de “C”, mas não é condição necessária de “C”. Tais inferências decorrem das propriedades lógicas do operador condicional e independem, portanto, de saturação semântica das variáveis daquela fórmula (isto é, de se saber qual é o conteúdo – do antecedente e do consequente – da norma) para que se possam alcançar as respectivas conclusões.
II.2.1.4. CONSEQUENTE A estrutura lógica de toda e qualquer norma jurídica, seja a de produção normativa, seja a de conduta, é a mesma: “D (A J C)”. Essa segunda proposição da unidade normativa caracteriza-se por apresentar uma estrutura relacional, que varia em função de se tratar de uma norma de produção normativa ou de uma norma de conduta17. O consequente da norma de produção normativa caracteriza-se por prescrever uma estrutura relacional, que corresponde à criação ou extinção
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Imposto sobre a renda ..., p. 32.
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(revogação) de norma jurídica. De acordo com o consequente da norma de produção normativa, tem-se que: a) se ocorrer o fato descrito no antecedente, surge uma nova realidade normativa – ou é criada ou é extinta (revogada) uma norma jurídica; b) se não ocorrer o fato descrito no antecedente, não surge uma nova realidade normativa – não é criada, nem é extinta (revogada) uma norma jurídica. Ressaltase, ainda, que não há qualquer regulação de conduta nesse consequente. Por outro lado, se for norma de conduta, que é o caso da norma tributária, o consequente caracteriza-se por prescrever uma estrutura relacional, que corresponde à criação ou extinção de relação jurídica. Prescrever a criação de uma relação jurídica significa estabelecer a regulação de uma conduta intersubjetiva. Ao se falar em conduta intersubjetiva, reforça-se o caráter relacional desse consequente. A conduta objeto de regulação pelo consequente de norma conduta é a de uma pessoa frente à outra, em relação com outra. Em termos morfológicos, a conduta ou comportamento humano (de um certo sujeito) é designado por um verbo. Napoleão Mendes de Almeida18 esclarece que verbo é “toda a palavra que indica ação19 ou resultado de ação (estado)”; e sujeito é, em gramática, aquela pessoa que pratica a ação. Tratando-se de conduta intersubjetiva, pode-se assegurar que o núcleo do consequente é formado por um verbo pessoal. Em outras palavras: o núcleo do consequente normativo é representado por um verbo que sempre exibe “a ação em relação com uma causa produtora, com uma pessoa gramatical”20. Essa breve incursão pela gramática portuguesa revela a utilidade e a importância de se conceber o Direito como um fenômeno linguístico. A estrutura lógica do consequente da norma tributária (como de qualquer outra norma de conduta) já está aparente. Ela indica uma relação entre sujeitos, tendo um verbo pessoal como elemento central representativo da conduta. Se o consequente normativo regula uma conduta intersubjetiva (uma relação entre sujeitos, o comportamento que um deve ter frente ao outro), infere-se que o consequente, além de um verbo (que exprima ação), possui sujeitos como termos dessa relação, os quais estão em posições diferentes, em pólos diferentes. Retomando, de modo mais completo, a formalização da estrutura lógica da norma de conduta (por exemplo, a norma tributária), tem-se que: D (A J C (R (S1, S2)).
18 19 20
ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática metódica da língua portuguesa. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 164-165. A regulação da conduta pode se dar em sentido positivo (ação em sentido estrito, por exemplo, “dar” ou “fazer”) ou em sentido negativo (omissão, por exemplo, “não fazer”). Ibidem, p. 283.
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Explicando a fórmula: a)
“D” é o functor deôntico, que simboliza o deôntico e afeta a implicação (A g C);
b)
“A” é o antecedente;
c)
“g” é o functor implicativo;
d)
“C” é o consequente, que contém uma relação “R” entre os termos “S1” e “S2”, que são os sujeitos da relação (intersubjetiva) regulada.
Uma relevante observação merece ser feita de imediato: sendo a conduta objeto de regulação intersubjetiva, de um sujeito frente a outro, os termos S1 e S2 são necessariamente diferentes. O direito somente regula a relação de uma pessoa com outra, nunca uma relação intrassubjetiva (de um sujeito consigo mesmo), típica das relações reguladas pelas normas morais. Aquela fórmula revela ainda um operador intraproposicional, localizado no interior da proposição-consequente. Trata-se de um relacional deôntico (R), representado pelo elemento nuclear da conduta (o verbo) devidamente modalizado, isto é, com a indicação do modo pelo qual a conduta é regulada. A ordenação jurídica de um comportamento requer a modalização deôntica do verbo (elemento nuclear desse comportamento). Segundo a lógica deôntica, a conduta, ao ser regulada juridicamente, é afetada por três modais deônticos: o obrigatório (O), o permitido (P) e o proibido (V)21. Há quem aluda a um quarto modal, o facultativo. Todavia, este quarto modal equivale à conjunção de duas permissões: permissão bilateral (de fazer e de não fazer). Em outros termos, estar facultado equivale a estar permitido fazer e não fazer. Rejeita-se, pois, um quarto modal. Neste sentido, são firmes as palavras de Lourival Vilanova22: Há três modais e somente três. O modal da permissão constitui-se ora da permissão de fazer ou omitir, ora da permissão de fazer e omitir, isto é, da permissão unilateral e da permissão bilateral (Kalinowski, Études de Logique déontique, págs. 200/201). A permissão bilateral às vezes é tomada como quarto modo, o facultativo. Todavia, se o facultativo
21
22
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Utiliza-se a letra “V” para simbolizar o proibido, com o fim de não confundir com a mesma letra usada para o permitido (P). Além disso, a letra “V” é a inicial do vocábulo “vedado” nos idiomas português e espanhol, bem como verboten no idioma alemão. Há quem utilize a notação “Ph”, como o fez Von Wright. VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. Ed. RT, 1977. p. 38.
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compõe-se de duas permissões alternativas, não é um modal irredutível à permissão.
Dessa forma, o relacional deôntico (R) simboliza: uma conduta (intersubjetiva) modalizada deonticamente, ou seja, permitida (P), proibida (V) ou obrigatória (O). Deve-se relevar: a modalização deôntica da conduta (P, V e O) só tem sentido se tal conduta estiver no modo ontológico possível. É um sem sentido deôntico permitir (P), proibir (V) ou obrigar (O) condutas impossíveis ou necessárias. Os modais deônticos (P, V e O) são interdefiníveis, porém irredutíveis. A Lógica Deôntica desenvolveu-se a partir da Lógica Modal Alética, quando Von Wright atentou para semelhanças entre os modais aléticos e os deônticos. Desta forma, foi estabelecida a seguinte analogia: Necessário (N) — Obrigatório (O) Possível
(M) — Permitido (P)
Impossível (- M) — Proibido (V ) Em conformidade com a Lógica Modal Alética, os operadores M (possível) e N (necessário) são interdefiníveis: a) Mp ≡ -N-p b) -Mp ≡ N-p c) Mp ≡ -Np d) -Mp ≡ Np (a letra “p” é uma variável que simboliza uma proposição qualquer) Com base nestas duas tabelas, foi possível construir a Tabela de Interdefinição Deôntica23: Pp ≡ -Vp ≡ -O-p P-p ≡ -V-p ≡ -Op -Pp ≡ Vp ≡ O-p -P-p ≡ V-p ≡ Op Segundo essa tabela, toda modalização deôntica da conduta pode ser representada por qualquer dos três modais combinado com o negador (-).
23
BOLBIO, Norberto. Teoria General del Derecho. Santa Fé de Bogotá: Ed. Temis, 1994. p. 134135; ECHAVE, Delia Teresa; URQUIJO, Maria Eugenia; GUIBOURG, Ricardo A. Lógica, proposició y norma. Buenos Aires: Editoreal Astrea, 1991. p. 123; VERNENGO, Roberto Jose. Curso de Teoria General del Derecho. Buenos Aires: Depalma, 1988. p. 67.
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Por esse sistema, o operador modal deôntico “F” (facultativo) equivale à conjunção (.) das permissões positiva (Pp) e negativa (P-p): F ≡ (Pp . P-p). Antes de finalizar este tópico, convém esclarecer que os operadores permitido (P) e facultativo (F) têm um sentido próprio para a lógica deôntica, que não deve ser confundido com o sentido em que são empregados na linguagem ordinária. A fim de demonstrar este asserto, é importante transcrever a lição de Echave, Urquijo e Guibourg a respeito do correto sentido dos modais permitido (P) e facultado (F)24: Cuando en el lenguaje corriente hablamos de una conducta permitida, damos a esta palabra un significado más fuerte que el que le atribuye el lenguaje de la lógica deóntica: generalmente queremos decir que está permitido tanto cumplir la acción como omitirla. En el uso común (y aun en el de los abogados), “permitido contraer matrimonio” significa que uno puede casarse si lo desea, pero que también – si tal es su decisión – le está permitido observar una conducta más prudente. En nuestro sistema, las acciones que están “permitidas” en ese sentido bidireccional de la permisión se llamarán facultativas. Pero hay que aclarar que, cuando decimos de una acción que está permitida (Pp), sólo queremos afirmar que está permitido cumplirla, sin abrir juicio sobre su omisión: si la omisión está también permitida, la conducta será facultativa: si la omisión está prohibida, la acción resultará, en definitiva, obligatoria. Estas precisiones nos permiten introducir el operador “F”, que algunos autores utilizan para las acciones facultativas. Su definición puede simbolizarse así: Fp ≡ (Pp . P-p) Es decir que una acción es facultativa si (y sólo si) está permitido cumplirla y también está permitido omitirla.
II.3. NORMA TRIBUTÁRIA EM SENTIDO ESTRITO E EM SENTIDO AMPLO: REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA (NORMA TRIBUTÁRIA) E NORMA ADMINISTRATIVO-FISCAL Antes de definir norma tributária em sentido estrito (ou regra matriz de incidência tributária ou, simplesmente, norma tributária), é necessário
24
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ECHAVE, Delia Teresa; URQUIJO, María Eugenia; GUIBOURG, Ricardo A. Lógica, proposición y norma. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1991. p. 134-135.
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estabelecer uma definição, ainda que preliminar, de “tributo”. Considerando o Sistema Constitucional Originário, em especial, a prescrição do instituto da substituição tributária25 (exceto a denominada “para frente”, pretensamente26 introduzida pela EC nº 3/93, com a instituição do § 7º do art. 150) e considerando a definição estipulativa de tributo contida no art. 3º do Código Tributário Nacional (“tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”)27, é possível apresentar a seguinte definição preliminar: Tributo é
25
26
27
A substituição tributária é um fenômeno jurídico que decorre da coexistência de duas normas de conduta de natureza diversa e inconfundível: uma – a norma jurídica tributária –, que determina, em seu consequente, a obrigação de, a título de tributo, o contribuinte entregar certo valor em dinheiro ao Estado-Fiscal (que é representado pelo substituto tributário, mero agente arrecadador) ou permitir que o Estado-Fiscal (representado pelo substituto tributário, mero agente arrecadador) dele retire certa importância; outra – a norma jurídica administrativo-fiscal –, que determina, em seu consequente, a obrigação de o substituto tributário (que atua como órgão meramente arrecadador) entregar (repassar) ao Estado o dinheiro recebido ou retido do contribuinte. (Imposto sobre a renda ..., p. 298). A inconstitucionalidade do disposto na EC n. 3/93 tem sido amplamente defendida pela doutrina dominante. Roque Antonio Carraza bem assevera: “Deveras, a Emenda Constitucional 3/93 ‘criou’ a absurda figura da responsabilidade tributária por fato futuro. O preceito em tela ‘autoriza’ a lei a fazer nascer tributos de fatos que ainda não ocorreram, mas que, ao que tudo indica, ocorrerão. Noutros termos, permite que a lei crie presunções de acontecimentos futuros e, com elas, faça nascer obrigações tributárias. Ora, o art. 1º da EC 3/93 é inconstitucional, porque atropela o princípio da segurança jurídica, em sua dupla manifestação: certeza do direito e proibição do arbítrio. Este princípio, aplicado ao Direito Tributário, exige que o tributo só nasça após a ocorrência real (efetiva) do fato imponível.” (ICMS. Malheiros, 1994. p. 33-34). Também nessa linha leciona Geraldo Ataliba: “O preceito autoriza a lei a fazer nascer obrigação de fatos ainda não acontecidos. Autoriza, portanto, a lei a estabelecer presunção de acontecimentos de fatos futuros, atribuindo a tal presunção (e não aos fatos, até porque não aconteceram e podem não acontecer) a virtude jurídica de fazer nascer obrigações tributárias. Ora, se, de modo geral, as leis civis, comerciais, administrativas podem prudentemente estabelecer presunções e ficções, a Constituição veda que isso seja feito em matéria penal e tributária (nullum crimen, nullum tributum sine lege). Isto integra o art. 5º e está protegido pelo § 4º do art. 60. Além do mais, o § 1º do art. 145 - mero desdobramento do art. 5º, I, e por isso expletivo – refere-se a ‘capacidade econômica’ como critério de tratamento igual dos contribuintes. Ora, essa ‘capacidade econômica’, atribuível a cada contribuinte, em cada caso, revela-se e realizase pela exigência de que todo fato tributável tenha conteúdo econômico mensurável. Ora, esse conteúdo há de ser real, efetivo, comprovado, concreto. Não pode ser presumido. Não pode resultar de ficção, do mesmo modo que não se pode punir alguém por crime não cometido. Não se tributa por fato provável, plausível, possível. Só por fato ocorrido, consumado. A capacidade econômica – corolário da igualdade – é a ‘pedra de toque’ do sistema. Não pode ser violada” (Emenda 3/93 (À Constituição de 1988), RTDP, Vol. 4, p. 175). É mister observar que, contrariando o entendimento da doutrina dominante, o Supremo Tribunal Federal, em sua composição plena, julgando o tema da “substituição tributária para frente” relativa ao ICMS (RE nº 213396-5), acabou por considerar tal sistemática constitucional para os específicos fins do ICMS, ficando vencidos os Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence. (Sujeição passiva tributária, capítulo VI e Imposto sobre a renda ..., p. 298-310). Em outra oportunidade, quando, inclusive, se transcreveu percuciente estudo crítico feito por Paulo de Barros Carvalho, foi realizada uma análise crítica dessa definição. (Sujeição passiva tributária ..., p. 54-58).
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a conduta obrigatória de um sujeito (sujeito passivo) entregar certa quantia em dinheiro a alguém (sujeito ativo) ou a conduta obrigatória de um sujeito (sujeito passivo) permitir que outro sujeito (sujeito ativo) lhe retire certa quantia em dinheiro (nos casos de substituição tributária), sem que tais condutas apresentem caráter sancionatório ou punitivo. Uma vez apresentada uma definição preliminar de “tributo”, é possível construir uma definição (ainda que preliminar) de “norma jurídica tributária em sentido estrito”. Norma tributária em sentido estrito, ou regra matriz de incidência tributária, ou simplesmente norma tributária, é a norma de conduta que prescreve a obrigação de pagar tributo, ou seja, é a que estabelece um vínculo jurídico entre um antecedente, que descreve um fato de possível ocorrência que não seja um fato-conduta ilícito, e um consequente, que prescreve uma relação jurídico-formal, na qual tal norma impõe (obriga) a um sujeito de direito (sujeito passivo – o contribuinte) a conduta de entregar certa quantia em dinheiro a outro sujeito de direito (sujeito ativo) ou (nos casos de substituição tributária) a conduta de permitir que outro sujeito (sujeito ativo) lhe retire certa quantia em dinheiro. É útil analisar a definição proposta e destacar os seus elementos fundamentais: a) antecedente a.1 - descreve um fato de possível ocorrência – como todo e qualquer antecedente, o da norma jurídica tributária descreve um fato que tenha possibilidade de ocorrer no mundo fenomênico, no mundo real; é o que se denomina “modo ôntico da possibilidade”. a.2 - que não seja um fato-conduta ilícito – a definição de “tributo” contida no enunciado do art. 3º do Código Tributário Nacional destaca que ele não tem o caráter de “sanção” ou punição pela prática de um ato ilícito. Com isto, conclui-se que a conduta prescrita pelo consequente da norma tributária não pode ter a natureza de uma pena pelo descumprimento de uma conduta prescrita por outra norma; em outros termos: a norma tributária não é uma norma primária punitiva acessória, mas uma norma primária principal28.
28
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Norma primária principal é a que descreve, em seu antecedente, uma situação de fato nãoilícita e que prescreve, em seu consequente, a regulação de certa conduta. Norma primária punitiva acessória é a que descreve, em seu antecedente, uma situação de fato ilícita e que prescreve, em seu consequente, a regulação de certa conduta, revelando uma índole punitiva. (Sujeição passiva tributária ..., p. 36-40).
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b) consequente b.1 - prescreve uma relação jurídico-formal – utiliza-se a expressão “relação jurídico-formal” para não confundir com a expressão “relação jurídica”. Aquela é usada para designar a relação contida no consequente da norma jurídica geral; esta é usada para designar a relação individualizada decorrente de um fato jurídico concreto; b.2 - impõe (obriga) a conduta de entregar ou (nos casos de substituição tributária) a conduta de permitir que outro sujeito (sujeito ativo) lhe retire – a conduta (prestação ou, no caso, “tributo”) imposta pela norma está representada pelo verbo “entregar” (p) ou pela expressão “permitir que retire” (Pq), estando as duas condutas afetadas pelo modal deôntico “obrigatório” (O); b.3 - certa quantia em dinheiro – é o objeto da prestação tributária ou objeto do tributo; b.4 - um sujeito de direito – é o denominado “sujeito passivo”, que terá a obrigação de entregar ou de permitir que lhe seja retirado certa quantia em dinheiro; b.5 - a outro sujeito de direito – é o denominado “sujeito ativo”, que terá o direito de exigir (permissão de obrigar) de outrem (sujeito passivo) que lhe seja entregue ou o direito (permissão) de retirar de outrem certa quantia em dinheiro. Alguns utilizam a expressão “norma tributária” numa acepção mais ampla (e mais imprecisa), para se referir a outras normas relacionadas com o fenômeno tributário. Nesses termos, norma tributária em sentido amplo (e mais impreciso) ou norma administrativo-fiscal é a que impõe a alguém (o contribuinte ou um terceiro) a conduta compulsória (obrigatória – “O”) de fazer ou não fazer certas atividades instrumentais, que, direta ou indiretamente, contribuem com a Administração Fiscal para o acompanhamento e a consecução dos seus desígnios tributários. É na acepção de norma administrativo-fiscal que a expressão “fato gerador” é empregada no art. 115 do CTN29. A expressão norma administrativo-fiscal parece mais adequada que “norma tributária em sentido amplo”. Aquela expressão justifica-se pelo fato de ser mais esclarecedora, pois essa espécie de norma dispõe sobre conduta que apresenta relação com a matéria de natureza administrativa de interesse do Estado-fisco, qual seja, com a atividade de fiscalização e arrecadação dos tributos.
29
Art. 115. “Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal.”
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Foi exatamente com o propósito de afastar possíveis confusões terminológicas que Paulo de Barros Carvalho30 denominou a norma jurídica tributária em sentido estrito de regra matriz de incidência. Comungando dessa mesma preocupação, doravante, utilizar-se-á a expressão “norma tributária” para designar “norma tributária em sentido estrito”, reservando a expressão “norma administrativo-fiscal” para designar a “norma tributária em sentido amplo”.
II.4. O CONTEÚDO DA NORMA TRIBUTÁRIA Costuma-se dizer que a norma jurídica é o núcleo mínimo de significação deôntica. Para melhor compreender como se apresenta a regra matriz de incidência tributária ou norma tributária, é determinante esquadrinhar os critérios de seu antecedente e consequente, ressaltando-se, especialmente, a fundamental relação e implicação existente entre os critérios do antecedente e do consequente por força da Constituição da República. A referência a critérios da norma tributária não implica dizer que a norma pode ser cindida. Em termos de Lógica Deôntica, ela é uma unidade irredutível. Somente por meio de uma abstração, com propósitos eminentemente científicos, é que se podem vislumbrar critérios da norma tributária. Deve-se frisar que esse modo de construir e estruturar a norma tributária é aplicável às diferentes espécies de tributo. É certo que há especificidades quanto ao conteúdo de certos critérios do antecedente e do consequente das normas de imposto, taxa e contribuição de melhoria, os quais serão adiante apreciados. Há um relevante aspecto que deve ser destacado neste momento: o Princípio da Igualdade, que está presente em todas as normas constitucionais de produção normativa, informa a distinção existente entre essas espécies normativas tributárias. Esse Princípio triparte-se em função de cada uma das espécies tributárias: a) Princípio da Capacidade Contributiva Objetiva – para a norma do imposto; b) Princípio da Retributividade – para a norma da taxa; e c) Princípio da atribuição de mais-valia imobiliária, gerada por obra pública, ao Estado – para a norma da contribuição de melhoria31. É importante esclarecer que a referência a essas três espécies tributárias não significa uma aceitação da tese de que somente existem três espécies tributárias. A disputa entre os partidários das Teorias Tripartite, Quadripartite
30 31
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Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 252. Sujeição passiva tributária ..., p. 153-158.
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e Quinquipartite reflete, em rigor, um pseudoproblema. Cada uma dessas teorias adota um critério diverso para classificar os tributos, pelo qual é esperado que cheguem a resultados diversos. Quando se adota o critério de classificação de tributo segundo as características do antecedente e do consequente da norma tributária, encontram-se três espécies tributárias bem distintas: o imposto, a taxa e a contribuição de melhoria. Isso não significa ignorar que o empréstimo compulsório e as contribuições especiais são tributo, apenas se entende que essas figuras não apresentam especificidades quanto às características do antecedente ou do consequente normativos que permitam diferençá-las daquelas três outras espécies. O legislador, quando institui o empréstimo compulsório ou as contribuições especiais, adota, quanto ao antecedente e ao consequente normativos, características próprias de uma daquelas três espécies, normalmente a da norma de imposto32. É por essa razão que Sacha Calmon Navarro Coêlho33 chega a falar em empréstimo compulsório como sendo um “imposto restituível” e as contribuições parafiscais como “impostos de destinação especial”. Urge relevar que a obrigação de devolver, no futuro, o valor ora arrecado não está contida no antecedente nem no consequente da norma que institui um empréstimo compulsório. Está informada por outra norma, pela correspondente norma constitucional de produção normativa, que estabelece os requisitos necessários para a produção da norma de empréstimo compulsório. Além disso, a obrigação de devolver, no futuro, o valor ora arrecado está prescrita no consequente de outra norma, qual seja, a norma de direito financeiro, a qual determina que o então sujeito ativo tributário será o sujeito passivo e aquele que foi o contribuinte do empréstimo compulsório será o sujeito ativo da futura relação jurídica de direito financeiro. De igual modo, a condição de se ter uma destinação específica para o produto da arrecadação não está contida no antecedente nem no consequente da norma que institui uma contribuição especial. Está informada por outra norma, pela correspondente norma constitucional de produção normativa, que estabelece os requisitos necessários para a produção da norma de contribuição especial. Além disso, a obrigação de devolver, no futuro, o valor ora arrecado está prescrita no consequente de outra norma, qual seja, a norma de direito financeiro que determina que o então sujeito ativo tributário será o sujeito
32 33
CARVALHO, Curso ..., p. 33 e 44. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 73 e 78.
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passivo e aquele que foi o contribuinte da contribuição especial será o sujeito ativo da futura relação jurídica de direito financeiro34.
II.4.1. CRITÉRIOS
DO ANTECEDENTE
É possível e útil identificar no antecedente da norma tributária quatro importantes critérios: pessoal, material, temporal e espacial. Cada um desses critérios merece ser estudado de forma mais acurada.
II.4.1.1. PESSOAL Como se disse anteriormente, toda norma tributária descreve em seu antecedente um fato de possível ocorrência que não seja um fato-conduta ilícito. Essa assertiva pode ser aprofundada. Considerando que por força da Constituição da República o tributo é um relevante instrumento para o financiamento do Estado, considerando o que dispõe o Princípio Constitucional da Igualdade35 e considerando o que dispõe a Constituição da República acerca das espécies tributárias – imposto, taxa e contribuição de melhoria –, parece adequado adotar o seguinte raciocínio:
34
35
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a)
as pessoas (físicas ou jurídicas), à medida que pagam tributos, transferem parte de seu patrimônio para o Estado;
b)
o Princípio da Igualdade impõe que o critério utilizado para igualar ou desigualar as pessoas e coisas e a medida da igualdade ou da desigualdade no tratamento normativo estejam informados pelos valores e finalidades constitucionalmente prestigiados;
Com a atenção voltada para essa observação é que se deve interpretar o inciso II do art. 4º do CTN. É certo que a “destinação legal ao produto da arrecadação” é relevante para o sistema atinente ao empréstimo compulsório e à contribuição especial por força do que prescreve a Constituição Brasileira. Contudo, como se disse, essa “destinação” não está contida no antecedente nem no consequente dessas normas, está nas respectivas normas constitucionais de produção normativa. O Princípio Constitucional da Igualdade é o complemento, necessário (sempre presente) e condicionante (pois limita o conteúdo), do aspecto declaração prescritiva do antecedente de toda norma constitucional de produção normativa, portador de elevada carga axiológica, o qual determina que norma jurídica (válida, constitucional) poderá ser produzida, tratando igual ou desigualmente pessoas e coisas, desde que o critério de classificação eleito para igualar ou desigualar e a medida da igualdade ou da desigualdade no tratamento normativo estejam informados pelos valores (e finalidades) presentes na Constituição da República e que tal medida seja direta e racionalmente proporcional ao critério de classificação eleito. O Princípio da Igualdade, ao informar a produção das normas relativas às espécies tributárias – o imposto, a taxa e a contribuição de melhoria –, triparte-se em: a) Princípio da Capacidade Contributiva para a de imposto; b) Princípio da Retributividade para a de taxa; e c) Princípio da atribuição de maisvalia imobiliária, gerada por obra pública, ao Estado para a de contribuição de melhoria. (Imposto sobre a renda ..., p. 68-69; e Sujeição passiva tributária ..., p. 153-158).
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36
c)
a Taxa é tributo do tipo vinculado, pois o fato descrito em seu antecedente normativo se refere a uma atuação estatal – o “exercício do poder de polícia” ou a “utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição” (CRFB – art. 145, II);
d)
a Contribuição de Melhoria também é tributo do tipo vinculado, pois o fato descrito em seu antecedente normativo se refere a uma atuação estatal – realização de “obras públicas”, causando a valorização do patrimônio imobiliário de certa pessoa36 (CRFB – art. 145, III);
e)
o Imposto é tributo do tipo não-vinculado, pois, segundo a Constituição da República, o fato descrito em seu antecedente normativo não se refere a qualquer atuação estatal (CRFB – art. 145, I);
f)
no caso dos tributos vinculados – taxa e contribuição de melhoria –, o Estado realiza uma atuação que beneficia determinada pessoa (no caso da taxa de serviço e da contribuição de melhoria) ou que é suscitada por determinada pessoa (no caso da taxa de polícia); nestes casos, há dispêndio de recursos públicos (de toda a coletividade) em função de determinada pessoa;
g)
o critério pessoal do antecedente, no caso dos tributos vinculados – taxa e contribuição de melhoria –, já está evidenciado, pois o fato descrito pelo antecedente envolve,
Apesar de a atual Constituição não se referir expressamente à valorização imobiliária, como ocorreu em Constituições anteriores (a de 1934 – art. 124; a de 1946 – art. 30, I e § único, e EC 18/65 – art. 19; a de 1967 – arts. 18 e 19 – III e § 3º, e EC nº 1 de 1969 – art. 18 – II – a EC 23/83 omitiu a referência à valorização imobiliária), a doutrina e a jurisprudência entendem que essa condição continua sendo imprescindível. Nesse sentido, já decidiu por vezes o Supremo Tribunal de Federal, como exemplifica a decisão no RE 115863/SP, cujo relator foi o Min. Célio Borja, com julgamento em 29/10/1991 e publicado no DJ em 08-05-1992: “Ementa: Recurso Extraordinário. Constitucional. Tributário. Contribuição de melhoria. ART. 18, II, da CF/67, com redação dada pela EC n. 23/83. Recapeamento asfáltico. Não obstante alterada a redação do inciso II do art. 18 pela Emenda Constitucional n. 23/83, a valorização imobiliária decorrente de obra publica - requisito ínsito a contribuição de melhoria - persiste como fato gerador dessa espécie tributaria. Hipótese de recapeamento de via publica já asfaltada: simples serviço de manutenção e conservação que não acarreta valorização do imóvel, não rendendo ensejo à imposição desse tributo. RE conhecido e provido.” Observa-se que, na íntegra desse acórdão, está claro que tal condição (a valorização imobiliária) é intrínseca à contribuição de melhoria, pelo que também persiste no sistema da Constituição de 1988. Essa condição decorre do conceito constitucional de contribuição de melhoria e do Princípio da Igualdade, o qual identifica a “valorização de certo patrimônio imobiliário pessoal” como sendo o critério que permite identificar (desigualar) quem deve pagar a contribuição de melhoria. (Sujeição passiva tributária ..., p. 153-158; e Imposto sobre a renda, ..., p. 60-73).
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necessariamente, a conduta37 de duas categorias de pessoas: uma – o Estado, que exerce o poder de polícia (taxa de polícia), ou que presta ou coloca à disposição o serviço público (taxa de serviço), ou que realiza obra pública, causando a valorização do patrimônio imobiliário de certa pessoa (contribuição de melhoria); e outra – o sujeito que se beneficia ou que suscita a atuação estatal;
37 38
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h)
a atuação estatal implica necessariamente a realização de dispêndio de recursos financeiros (despesa pública); assim, a taxa e a contribuição de melhoria têm como propósito fazer com que aquele que, individualmente, se beneficiou ou suscitou a atuação estatal, de algum modo, promova o ressarcimento aos cofres públicos do valor que, em função dele, foi gasto; a receita pública decorrente desses tributos, de certa maneira, compensa a despesa pública “causada” por (em decorrência de ter suscitado ou se beneficiado com a atuação estatal) determinada pessoa (individualmente considerada) e incorrida pelo Estado, realizando, desse modo, o que prescreve o Princípio da Igualdade (e seus corolários, o Princípio da Retributividade, para a norma da taxa; e o Princípio da atribuição de mais-valia imobiliária, gerada por obra pública, ao Estado, para a norma da contribuição de melhoria);
i)
no caso do tributo não-vinculado – o imposto –, por não estar relacionado a qualquer atuação estatal dirigida a uma pessoa individualmente considerada, o critério (informado por diversos valores constitucionais, em especial, pelo Princípio da Igualdade) utilizado para diferençar as pessoas e identificar quem deve entregar recursos para financiar o Estado é o da quantidade de riqueza, de patrimônio (conjunto de direitos subjetivos e deveres jurídicos economicamente apreciáveis, isto é, avaliáveis em moeda), que alguém revela possuir (que alguém revela ser titular)38;
O termo “conduta” está empregado em sentido amplo, compreendendo os verbos que exprimam ação, estado ou qualidade de um sujeito. A Constituição da República informa os critérios que devem e os que não devem ser usados para desigualar as pessoas e coisas, a fim de que se cumpra o Principio da Igualdade. Entre esses critérios, encontra-se o critério “quantidade de patrimônio”. (Imposto sobre a renda, ..., p. 69-73). O Princípio, corolário do Princípio da Igualdade, informador da norma de imposto, é o da Capacidade Contributiva Objetiva, assim já definido: “Princípio Constitucional da Capacidade Contributiva Objetiva é o complemento, necessário e condicionante, do aspecto declaração prescritiva do antecedente da norma constitucional de produção normativa (que dispõe sobre a criação de normas de imposto), portador de elevada carga axiológica, o qual
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j)
portanto, o critério pessoal do antecedente, no caso do tributo não-vinculado – imposto –, já está evidenciado, pois o fato descrito pelo antecedente envolve, necessariamente, a conduta de uma pessoa que revela ser titular de certa riqueza.
O critério pessoal do antecedente de cada uma das espécies tributárias pode ser assim definido: i)
quanto à norma do imposto – é o que informa o sujeito da conduta, descrita no antecedente, reveladora de certa riqueza pessoal;
ii)
quanto à norma da taxa de polícia – é o que informa os dois sujeitos que participam da conduta descrita no antecedente: • um – o Estado que exerce o poder de polícia (sujeito atuante); e • outro – o sujeito que suscita o exercício desse poder de polícia (sujeito suscitante)39;
iii)
quanto à norma da taxa de serviço – é o que informa os dois sujeitos que participam da conduta descrita no antecedente: • um – o Estado que presta ou coloca à disposição o serviço público (sujeito atuante); • outro – o sujeito que se beneficia com o serviço público prestado ou posto à disposição (sujeito beneficiário)40;
39
40
exige que o antecedente da norma de imposto descreva um fato que ostente sinal de riqueza pessoal, e que o seu consequente prescreva a conduta (obrigatória) de o titular dessa riqueza entregar parte dela ao Estado.” (Imposto sobre a renda ..., p. 80). Esse critério pessoal do antecedente da norma da taxa de polícia tem sido identificado pela Jurisprudência, como denota essa decisão do Supremo Tribunal Federal: “EMENTA: MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE. TAXA DE FISCALIZAÇÃO, LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO. ALEGADA OFENSA AO ART. 145, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO. Exação fiscal cobrada como contrapartida ao exercício do poder de polícia, sendo calculada em razão da área fiscalizada, dado adequadamente utilizado como critério de aferição da intensidade e da extensão do serviço prestado, não podendo ser confundido com qualquer dos fatores que entram na composição da base de cálculo do IPTU, razão pela qual não se pode ter por ofensivo ao dispositivo constitucional em referência, que veda a bitributação. Serviço que, no caso, justamente em razão do mencionado critério pode ser referido a cada contribuinte em particular, e de modo divisível, porque em ordem a permitir uma medida tanto quanto possível justa, em termos de contraprestação. Recurso não conhecido.” (RE 220316/MG; Relator Min. ILMAR GALVÃO; Julgamento em 12/08/1999; Tribunal Pleno; Publicação no DJ de 29-06-01). Também quanto à taxa de serviço, esse critério pessoal do antecedente tem sido identificado pela Jurisprudência, como denotam essas duas decisões do Supremo Tribunal Federal: a) “EMENTA: TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DE CAMPINAS. TAXAS DE LIXO E SINISTRO. LEIS NºS 6.355/90 E 6.361/90. ALEGADA OFENSA AO ART. 145, II, DA CONSTITUIÇÃO. Taxas legitimamente instituídas como contra prestação a serviços essenciais, específicos e divisíveis, referidos ao contribuinte a quem são prestados ou a cuja disposição são postos, não possuindo base de cálculo própria de imposto. Recurso não conhecido.” (RE 233784/SP; Relator Min. ILMAR GALVÃO; Julgamento em 10/08/1999; Publicação no DJ de 12-11-1999);
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iv)
quanto à norma da contribuição de melhoria – é o que informa os dois sujeitos que participam da conduta descrita no antecedente: • um – o Estado que realiza a obra pública, causando a valorização do patrimônio imobiliário de certa pessoa (sujeito atuante); • outro – o sujeito que se beneficia com a valorização do seu patrimônio imobiliário em função da obra pública realizada (sujeito beneficiário).
Esse especial modo de construir o critério pessoal do antecedente das normas tributárias, que extrai diretamente da Constituição da República os fundamentos necessários para tanto, é essencial para a precisa construção do consequente dessas normas, mais diretamente, para a determinação do critério pessoal ativo e passivo do consequente, conferindo o devido rigor ao processo de identificação dos futuros sujeito ativo e sujeito passivo (contribuinte) da relação jurídica tributária.
II.4.1.2. MATERIAL Em função do que foi desenvolvido no item anterior, a identificação do critério material do antecedente das normas tributárias está mais facilitada. Por força da própria Constituição da República, o antecedente de todas as espécies tributárias apresenta um ponto em comum, qual seja, o antecedente se caracteriza por descrever uma específica situação de fato: uma conduta, de pessoa física ou de pessoa jurídica. O critério material é o que informa o núcleo da conduta descrita no antecedente das normas tributárias, representado em termos morfológicos por um verbo pessoal e um complemento. Nesse sentido, leciona com maestria Paulo de Barros Carvalho: Regressando ao tópico da transcendente importância do verbo da normapadrão do tributo, quadra advertir que não se pode utilizar os da classe
b) “EMENTA: - CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA JUDICIÁRIA e CUSTAS: NATUREZA JURÍDICA. TAXA JUDICIÁRIA E CUSTAS: ESTADO DE MINAS GERAIS. Lei Mineira nº 6.763, de 1975, art. 104, §§ 1º e 2º, com a redação do art,. 1º da Lei Mineira nº 12.729, de 30.12.97. Tabela “J” referida no art. 104 da Lei Mineira nº 6.763/75, com a alteração da Lei Mineira nº 12.729/97. Tabelas de custas anexas à Lei Mineira nº 12.732, de 1997, que altera a Lei Mineira nº 12.427, de 1996. I. - Taxa judiciária e custas: são espécies tributárias, classificando-se como taxas, resultando da prestação de serviço público específico e divisível e que têm como base de cálculo o valor da atividade estatal referida diretamente ao contribuinte, pelo que deve ser proporcional ao custo da atividade do Estado a que está vinculada, devendo ter um limite, sob pena de inviabilizar o acesso de muitos à Justiça. ... V. - Cautelar deferida.” (ADI 1772 MC/MG; Relator Min. CARLOS VELLOSO; Julgamento em 15/04/1998; Tribunal Pleno; Publicação no DJ de 08-09-00).
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dos impessoais (como haver), ou aqueles sem sujeito (como chover), porque comprometeriam a operatividade dos desígnios normativos, impossibilitando ou dificultando seu alcance. Isso concerne ao sujeito, que pratica a ação, e bem assim ao complemento do predicado verbal, que, impreterivelmente, há de existir. Descabe falar-se, portanto, de verbos de sentido completo, que se expliquem por si mesmos. É forçoso que se trate de verbo pessoal e de predicação incompleta, o que importa a obrigatória presença de um complemento.41
Como se disse, a Constituição da República, de forma menos ou mais evidente, indica o critério material de cada uma das espécies tributárias: a)
o fato descrito no antecedente normativo da Taxa é o “exercício do poder de polícia” ou a “utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição” (CRFB – art. 145, II);
b)
o fato descrito no antecedente normativo da Contribuição de Melhoria é a realização de “obras públicas”, causando a valorização do patrimônio imobiliário de certa pessoa (CRFB – art. 145, III);
c)
o fato descrito no antecedente da norma do Imposto, que não está relacionado a qualquer atuação estatal dirigida a uma pessoa individualmente considerada (CRFB – art. 145, I) e que se encontra informado por diversos valores constitucionais, em especial, pelo Princípio da Igualdade (e pelo seu Subprincípio, o Princípio da Capacidade Contributiva Objetiva), é a conduta de uma pessoa que revela ser titular de certa riqueza.
Pelo exposto, o critério material do antecedente de cada uma das espécies tributárias pode ser assim definido: i)
41
quanto à norma do imposto – é o que informa a conduta, representada por um verbo pessoal mais um complemento, reveladora de certa riqueza pessoal;
Apesar de Paulo de Barros Carvalho não ter ressaltado o critério pessoal no antecedente, ele, ao que parece, concebe, ainda que indiretamente, que esse critério deve existir. Isso transparece, quando, ao tratar do “verbo da norma-padrão do tributo”, afirma que “não se pode utilizar os da classe dos impessoais (como haver), ou aqueles sem sujeito (como chover), porque comprometeriam a operatividade dos desígnios normativos, impossibilitando ou dificultando seu alcance. Isso concerne ao sujeito, que pratica a ação, [...]”; e quando complementa: “É forçoso que se trate de verbo pessoal e de predicação incompleta”. Assim, o insigne Professor de algum modo evidencia a existência de um sujeito titular da conduta. (Curso de direito tributário ..., p. 269).
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42
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ii)
quanto à norma da taxa de polícia – é o que informa a conduta de (o Estado, sujeito atuante) exercer o poder de polícia suscitado por alguém (sujeito suscitante)42;
iii)
quanto à norma da taxa de serviço – é o que informa a conduta de (o Estado, sujeito atuante) prestar ou colocar à disposição o serviço público específico e divisível em benefício de alguém (sujeito beneficiário)43;
iv)
quanto à norma da contribuição de melhoria – é o que informa a conduta de (o Estado, sujeito atuante) realizar a obra pública, causando a valorização do patrimônio imobiliário de certa pessoa (sujeito beneficiário).
Sobre o critério material do antecedente da norma da taxa de polícia, é útil transcrever dois importantes julgados do Supremo Tribunal Federal: a) “EMENTA: MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE. TAXA DE FISCALIZAÇÃO, LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO. ALEGADA OFENSA AO ART. 145, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO. Exação fiscal cobrada como contrapartida ao exercício do poder de polícia, sendo calculada em razão da área fiscalizada, dado adequadamente utilizado como critério de aferição da intensidade e da extensão do serviço prestado, não podendo ser confundido com qualquer dos fatores que entram na composição da base de cálculo do IPTU, razão pela qual não se pode ter por ofensivo ao dispositivo constitucional em referência, que veda a bitributação. Serviço que, no caso, justamente em razão do mencionado critério pode ser referido a cada contribuinte em particular, e de modo divisível, porque em ordem a permitir uma medida tanto quanto possível justa, em termos de contraprestação. Recurso não conhecido.” (RE 220316/MG; Relator Min. ILMAR GALVÃO; Julgamento em 12/08/1999; Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO; Publicação no DJ de 29-06-01). b) “Ementa: TRIBUTÁRIO. TAXA DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO. SENDO A TAXA UMA CONTRAPRESTAÇÃO DA ATIVIDADE ESTATAL DESENVOLVIDA GENERICAMENTE EM PROL DO CONTRIBUINTE, SEU FATO GERADOR É ESSA ATIVIDADE, A ESTE DEVENDO CORRESPONDER A BASE DE CALCULO. A TAXA DE LICENÇA NÃO PODE TER POR BASE DE CALCULO O VALOR DO PATRIMÔNIO, A RENDA, O VOLUME DA PRODUÇÃO, O NUMERO DE EMPREGADOS OU OUTROS ELEMENTOS QUE NÃO DIZEM RESPEITO AO CUSTO DA ATIVIDADE ESTATAL, NO EXERCÍCIO DO PODER DE POLICIA.” (RE 100201/SP; Relator Min. CARLOS MADEIRA; Julgamento em 29/10/1985; Publicação no DJ de 22-11-85). Sobre o critério material do antecedente da norma da taxa de serviço, vale citar dois importantes julgados do Supremo Tribunal Federal: “EMENTA: - CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA: MUNICÍPIO DE IPATINGA/MG. C.F., art. 145, II. CTN, art. 79, II e III. I. - As taxas de serviço devem ter como fato gerador serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição. Serviços específicos são aqueles que podem ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade públicas; e divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos usuários. CTN, art. 79, II e III. II. - Taxa de Limpeza Pública: Município de Ipatinga/MG: o seu fato gerador apresenta conteúdo inespecífico e indivisível. III. - Agravo não provido.” (RE 366086 AgR/MG; Relator Min. CARLOS VELLOSO;.Julgamento em 10/06/2003; Publicação no DJ de 01-08-2003). “EMENTA: TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DE CAMPINAS. TAXAS DE LIXO E SINISTRO. LEIS NºS 6.355/90 E 6.361/90. ALEGADA OFENSA AO ART. 145, II, DA CONSTITUIÇÃO. Taxas legitimamente instituídas como contra prestação a serviços essenciais, específicos e divisíveis, referidos ao contribuinte a quem são prestados ou a cuja disposição são postos, não possuindo base de cálculo própria de imposto. Recurso não conhecido.” (RE 233784/SP; Relator Min. ILMAR GALVÃO Julgamento em 10/08/1999; Publicação no DJ de 12-11-1999).
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Mais algumas palavras sobre o critério material do antecedente da norma de imposto merecem ser ditas. A conduta reveladora de riqueza pessoal é representada pela combinação específica de um verbo com seu complemento. Essa combinação é que revela a existência de riqueza. É mister atentar-se para três elucidativos exemplos. Primeiro – Rafael é feliz. Segundo – Cesar dirigiu um automóvel. Terceiro – Bruno é proprietário de uma casa. Por evidência, o simples fato de se terem um verbo pessoal e um complemento não torna as condutas referidas nos dois primeiros casos suscetíveis de serem descritas em norma de imposto. Somente a conduta referida no terceiro exemplo tem essa aptidão, por ser a única conduta (verbo mais complemento) reveladora de riqueza pessoal. Uma observação ainda deve ser feita. O aspecto material do antecedente da norma de imposto deve descrever a conduta de um sujeito de direito (de pessoa física ou jurídica), pois a riqueza precisa ter um titular. Vejam duas situações: a) A mala contém muito ouro; e b) Maria é proprietária de uma mala que contém muito ouro. A situação “a”, pura e simples (pode ser um caso de uma res derelicta), é insuscetível de figurar como critério material do antecedente de norma de imposto. Não há sujeito titular de riqueza. Não há critério para identificar quem tem capacidade contributiva objetiva e, por conseguinte, quem tem a aptidão para pagar o imposto (entregar parte da riqueza de que é titular). Diversamente, na situação ”b”, pelo fato de a riqueza ter um titular (riqueza pessoal), há capacidade contributiva objetiva, então a tributação por meio da norma de imposto já se torna constitucionalmente possível.
II.4.1.3. TEMPORAL E ESPACIAL O antecedente das normas tributárias, ao descrever uma determinada situação de fato (sempre envolvendo uma conduta), precisa exibir, além dos critérios pessoal e material, os critérios temporal e espacial. A mensagem estaria incompleta (sem sentido deôntico completo) se o antecedente não contivesse critérios que pudessem identificar o momento da ocorrência do fato (critério temporal) e o local da sua realização (critério espacial). O Professor Paulo de Barros Carvalho44 é mais uma vez percuciente ao lecionar que: O comportamento de uma pessoa, consistência material linguisticamente representada por um verbo e seu complemento, há de estar delimitado por condições espaciais e temporais, para que o perfil típico esteja perfeito
44
Curso de direito tributário ..., p. 269-270.
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e acabado, como descrição normativa de um fato. Seria absurdo imaginar uma ação humana, ou mesmo qualquer sucesso da natureza, que se realizasse independentemente de um lugar e alheio a determinado trato de tempo.
Logo, carecerá de sentido deôntico a norma tributária que não apresentar os critérios temporal e espacial no antecedente. Sem esses critérios, seria impossível compreender a mensagem prescritiva (norma jurídica), pois não se teria como verificar quando (critério temporal) e onde (critério espacial) o fato descrito pelo antecedente normativo iria se realizar. É preciso não confundir duas situações distintas com efeitos igualmente diversos: •
primeira – um certo enunciado legal não faz qualquer referência expressa ao tempo e ao local de realização do fato. Se, pelo contexto, não for possível extrair tais critérios, então aquele enunciado não veiculou norma jurídica (norma com sentido deôntico);
•
segunda – um dado enunciado legal não faz qualquer referência expressa ao tempo e ao local de realização do fato; entretanto, por força do contexto, é possível extrair tais critérios. Neste caso, existe norma tributária (norma jurídica com sentido deôntico), pelo menos no que tange aos requisitos temporal e espacial do antecedente.
Pelo exposto, o critério temporal e material do antecedente de cada uma das espécies de norma tributária pode ser assim definido: i)
critério temporal – é o que informa o momento em que se considera realizada a conduta do ou dos sujeitos de direito descrita no antecedente;
ii)
critério espacial – é o que informa o local em que se considera realizada a conduta do ou dos sujeitos de direito descrita no antecedente.
II.4.2. CRITÉRIOS
DO CONSEQUENTE
É possível e útil também identificar, no consequente da norma tributária, quatro importantes critérios: pessoal, material, temporal e espacial. Cada um desses critérios merece ser estudado de forma mais acurada. Conforme será demonstrado, há um vínculo muito forte entre os critérios do antecedente e os do consequente das normas tributárias, em especial, entre os respectivos critérios pessoal e material.
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II.4.2.1. PESSOAL: ATIVO E PASSIVO A Constituição da República, em especial por meio do Princípio da Igualdade (e seus Subprincípios), estabelece uma íntima relação entre o critério pessoal do consequente e o critério pessoal do antecedente da norma tributária. O critério pessoal do consequente da norma tributária é o que informa os sinais que permitem identificar os sujeitos de direito referentes à relação intersubjetiva prescrita e que se biparte em ativo e passivo. O critério pessoal do consequente da norma tributária pode ser assim definido: a)
critério pessoal ativo – é o que informa os sinais necessários para identificar o sujeito de direito, denominado sujeito ativo, que terá a permissão de (“direito subjetivo”45) exigir (obrigar) de outrem a entrega de certa importância em dinheiro ou a permissão (“direito subjetivo”) de retirar de outrem certa importância em dinheiro (no caso de substituição tributária); e
b)
critério pessoal passivo – é o que informa os sinais necessários para identificar o sujeito de direito, denominado sujeito passivo ou contribuinte, que terá a obrigação (“dever jurídico”) de entregar a outrem certa importância em dinheiro ou a obrigação (“dever jurídico”) de permitir que outrem lhe retire certa importância em dinheiro (no caso de substituição tributária);
Uma vez definido o critério pessoal do consequente da norma tributária (gênero), cabe identificar quem serão os sujeitos ativo e passivo correspondentes a cada uma das espécies normativas: a) quanto à norma do imposto: a.1 – sujeito ativo – será aquele titular da competência de instituir o imposto; a.2 – sujeito passivo (contribuinte) – será aquele titular da riqueza, já identificado no critério pessoal do antecedente da norma de imposto; b) quanto à norma da taxa: b.1 – sujeito ativo – será aquele que exerce o poder de polícia suscitado por alguém (na taxa de polícia) ou aquele que presta ou coloca à disposição o
45
As expressões “direito subjetivo” e “dever jurídico” são utilizadas de forma ambígua (ambiguidade por polissemia) nos discursos jurídicos, apresentando oito sentidos diversos (quatro para cada). (Sujeição passiva tributária ..., p. 212-217).
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serviço público em benefício de alguém (na taxa de serviço); é o mesmo sujeito atuante referido no critério pessoal do antecedente da norma da taxa; b.2 – sujeito passivo (contribuinte) – será aquele que suscita o exercício do poder de polícia (na taxa de polícia) ou que se beneficia com o serviço público (na taxa de serviço); é o mesmo sujeito suscitante referido no critério pessoal do antecedente da norma da taxa de polícia e é o mesmo sujeito beneficiário referido no critério pessoal do antecedente da norma da taxa de serviço46; c) quanto à norma da contribuição de melhoria: c.1 – sujeito ativo – será aquele que realiza a obra pública, causando a valorização do patrimônio imobiliário de certa pessoa; é o mesmo sujeito atuante referido no critério pessoal do antecedente da norma da contribuição de melhoria; c.2 – sujeito passivo (contribuinte) – será aquele que se beneficia com a valorização do seu patrimônio imobiliário em função da obra pública realizada; é o mesmo sujeito beneficiário referido no critério pessoal do antecedente da norma da contribuição de melhoria.
II.4.2.2. MATERIAL O critério material do consequente da norma tributária informa os dados nucleares, centrais, da conduta intersubjetiva prescrita. Se o consequente da norma tributária prescreve uma relação jurídico-formal, em que um sujeito de direito (sujeito passivo – o contribuinte) tem a obrigação de entregar certa quantia em dinheiro a outro sujeito de direito (sujeito ativo) ou (nos casos de substituição tributária) tem a obrigação de permitir que outro sujeito (sujeito ativo) lhe retire certa quantia em dinheiro, o critério material corresponde ao segmento: obrigação de entregar certa quantia em dinheiro ou obrigação de permitir que se lhe retire certa quantia em dinheiro. A partir deste segmento, é possível vislumbrar dois subcritérios:
46
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a)
um qualitativo – “obrigação de entregar” ou “obrigação de permitir que se lhe retire”; e
b)
outro quantitativo – “certa quantia em dinheiro”.
O critério pessoal do consequente das normas da taxa (de polícia e de serviço) tem sido destacado pela Jurisprudência, como demonstram as decisões do Supremo Tribunal Federal citadas quando se discorreu sobre o critério pessoal do antecedente.
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II.4.2.2.1. QUALITATIVO O critério material qualitativo da norma tributária informa qual a conduta regulada e o modo jurídico (modal deôntico) de regular a conduta. A norma tributária apresenta uma dupla possibilidade quanto à conduta regulada: a)
uma – a conduta de “entregar”; e
b)
duas – a conduta de “retirar” (no caso de substituição tributária).
Em termos jurídicos, dizer que “o sujeito passivo está obrigado a entregar certa importância em dinheiro” parece equivaler a dizer que “o sujeito ativo tem a permissão de obrigar que o sujeito passivo entregue certa importância em dinheiro”. De igual modo, afirmar que “o sujeito passivo tem a obrigação de permitir que o sujeito ativo dele retire certa importância em dinheiro” parece equivaler a afirmar que “o sujeito ativo tem a permissão de retirar do sujeito passivo certa importância em dinheiro”. Em síntese, numa relação entre o sujeito passivo “A” e o sujeito ativo “B”, pode-se dizer que: a)
“A” ter a obrigação de entregar (Op) a “B” equivale (≡) a “B” ter a permissão de obrigar que “A” lhe entregue (POp);
b)
“A” ter a obrigação de permitir que “B” lhe retire (OPp) equivale (≡) a “B” ter a permissão de retirar (Pp).
É preciso esclarecer alguns importantes aspectos. Em primeiro lugar, a correlação apresentada decorre da necessidade de se encontrar um modo adequado para expressar a relação intersubjetiva regulada, tanto sob o ângulo do sujeito ativo, quanto sob o ângulo do sujeito passivo47. Em segundo lugar, um ponto fundamental tem que ser respeitado. A conduta (representada por um verbo) regulada tem que ser a mesma, o que é uma premissa para que se possa falar em equivalência na regulação jurídica da (mesma) conduta. Em terceiro lugar, a tabela de correlação deôntica utilizada para tanto tem como ponto de partida a tabela de interdefinição de modais deônticos desenvolvida nos estudos de lógica jurídica e, ao mesmo tempo em que explicita a ambiguidade por polissemia que se dá na utilização das expressões “direito
47
As relações jurídicas são irreflexivas (os sujeitos da relação devem ser sempre distintos, pois ninguém se relaciona juridicamente consigo mesmo, sob pena de extinção da relação por confusão) e assimétricas (a relação jurídica originária – “xRy” – é sempre diversa da sua conversa (relação que é obtida com a inversão dos seus termos) – “yRx”). (VILANOVA, Causalidade e relação no direito, p. 107; CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 143-145; Sujeição passiva tributária ..., p. 211-212).
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subjetivo” e “dever jurídico”, esclarece os oito diferentes sentidos em que essas expressões são empregadas (quatro diferentes sentidos cada)48.
II.4.2.2.2. QUANTITATIVO: BASE DE CÁLCULO E ALÍQUOTA O critério material quantitativo é aquele que informa o quanto, em dinheiro, deve ser entregue pelo sujeito passivo ou dele retirado. Apresenta-se, pois, como sendo o complemento do verbo e corresponde àquela expressão “certa quantia em dinheiro”. A indicação pelo critério material quantitativo desse quanto, normalmente, não é direta. Ela se processa por meio de dois conceitos, quais sejam, base de cálculo e alíquota. O professor Paulo de Barros Carvalho esclarece com percuciência o papel da base de cálculo e da alíquota na norma tributária: [...] a base de cálculo é a grandeza instituída na consequência da regra-matriz tributária, e que se destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico, para que, combinando-se à alíquota, seja determinado o valor da prestação pecuniária.49
Esses dois conceitos podem ser assim definidos:
48
49 50
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a)
base de cálculo – é a grandeza instituída no consequente, que dimensiona quantitativamente a situação de fato (conduta) descrita no critério material do antecedente, podendo aparecer: como um valor monetário; ou como certa medida (de capacidade, por exemplo, número de litros; de massa, tal como número de quilogramas etc.);
b)
alíquota – é o que se aplica sobre a base de cálculo com o propósito de apurar a quantia líquida; pode aparecer: como um valor monetário fixo ou variável em função de escalas da base de cálculo; ou como uma fração, percentual ou não50.
O tema atinente à “relação jurídica conversa e a ambiguidade do binômio direito subjetivodever jurídico” e à “proposta de tabela de correlação deôntica” foi por mim desenvolvido em outra oportunidade (Sujeição passiva tributária ..., p. 212-217). Curso de direito tributário, p. 235. Quando a alíquota assume um valor monetário, fixo ou variável, a base de cálculo apresentase sem essa indicação, e vice-versa, sendo certo que a combinação de ambas deve resultar em expressão pecuniária. Por exemplo: se a alíquota assume um valor monetário – R$ 10,00 por quilograma –, a base de cálculo é a quantidade em quilograma de certo produto (tal situação
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É útil repisar que os critérios do consequente, por força da Constituição, são intimamente relacionados com os do antecedente, o que é natural ante a unidade lógica de toda norma jurídica. Assim, o quanto deve ser entregue pelo sujeito passivo, ou dele retirado, a título de tributo varia em função da espécie tributária. Como foi observado anteriormente, no caso dos tributos vinculados, a atuação estatal implica necessariamente a realização de dispêndio de recursos financeiros (despesa pública). Assim, a função da taxa e da contribuição de melhoria é a de fazer com que aquele que, individualmente, se beneficiou ou suscitou a atuação estatal, de algum modo, promova o ressarcimento aos cofres públicos do valor que, em função dele, foi gasto. A receita pública decorrente desses tributos, de certa maneira, compensa a despesa pública “causada” (em decorrência de ter suscitado ou se beneficiado com a atuação estatal) por determinada pessoa (individualmente considerada) e incorrida pelo Estado, realizando, desse modo, o que prescreve o Princípio da Igualdade (e seus corolários: o Princípio da Retributividade, para a norma da taxa; e o Princípio da atribuição de mais-valia imobiliária, gerada por obra pública, ao Estado, para a norma da contribuição de melhoria). No tocante à norma da taxa (a de polícia ou a de serviço), o quanto informado pelo critério material do consequente relaciona-se, necessariamente, com o custo da atuação estatal (do serviço público prestado ou colocado à disposição, ou do exercício do poder de polícia) já descrita no antecedente. Eis o caráter de ressarcimento da taxa51.
51
é comum nos impostos sobre comércio exterior – II e IE). Por outro lado, se a alíquota não assume um valor monetário, a base de cálculo assumirá. Por exemplo: a alíquota é de 1%; e a base de cálculo é o montante em reais do valor venal do imóvel urbano (IPTU). O Supremo Tribunal Federal tem reiteradas decisões nessa linha, como se atesta: a) “EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA FLORESTAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS. C.F., arts. 145, § 2º; 145, II; 146, III, a; e 150, I e IV. I. - Inocorrência de ofensa ao princípio da legalidade tributária: C.F., art. 150, I. A taxa florestal foi instituída por lei. II. - C.F., art. 146, III, a: inocorrência de prequestionamento. III. - Base de cálculo da taxa florestal distinta da base de cálculo do ICMS: aquela, é o custo estimado da atividade estatal, esta é o valor decorrente da operação de circulação de mercadorias. AG 196.465-(AgRg)-MG, Velloso, 2ª Turma. IV. - Alegação no sentido de que a taxa florestal tem caráter confiscatório: necessidade de reexame da questão de fato, o que não é possível em sede extraordinária. AG 196.465(AgRg)-MG. V. - R.E. não conhecido.” (RE 228332 / MG; Relator Min. CARLOS VELLOSO; Julgamento em 25/09/2001; Publicação no DJ de 26-10-01); b) “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TAXA JUDICIÁRIA. NATUREZA JURÍDICA: TRIBUTO DA ESPÉCIE TAXA. PRECEDENTE DO STF. VALOR PROPORCIONAL AO CUSTO DA ATIVIDADE DO ESTADO. Sobre o tema da natureza jurídica dessa exação, o Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência no sentido de se tratar de tributo da espécie taxa (Representação 1.077). Ela resulta da prestação de serviço público específico e divisível, cuja
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Relativamente à norma da contribuição de melhoria, o quanto informado pelo critério material do consequente relaciona-se, necessariamente, com um duplo aspecto: a) o custo da atuação estatal (obra pública); e b) o montante da valorização imobiliária que certa pessoa obtém. No que é pertinente à norma do imposto, o quanto indicado pelo critério material do consequente relaciona-se, necessariamente, com o montante da riqueza pessoal já descrita no antecedente. Nesse caso, esse critério, informado pelo Princípio da Igualdade (e seu corolário, o Princípio da Capacidade Contributiva Absoluta), indicará que parcela (alíquota) da riqueza (base de cálculo) de certa pessoa (sujeito passivo) será entregue ou retirada. Por fim, cabe aduzir que o conceito “base de cálculo” está utilizado expressamente pela Constituição como um dos principais critérios para a identificação das espécies tributárias (CRFB - art. 145, § 2º e art. 154, I).
II.4.2.3. TEMPORAL E ESPACIAL Os critérios temporal e espacial do consequente têm merecido pouco destaque por parte da doutrina. Tal como foi exposto ao se examinarem os mesmos critérios (temporal e espacial) do antecedente, pode-se dizer que a mensagem prescritiva estaria incompleta (carecedora de sentido deôntico completo) se o consequente, ao prescrever uma relação jurídico-formal, onde impõe a obrigação de alguém entregar certa parcela de riqueza a outrem, não determinasse quando (critério temporal) e onde (critério espacial) tal conduta deveria se realizar.
base de cálculo é o valor da atividade estatal deferida diretamente ao contribuinte. A taxa judiciária deve, pois, ser proporcional ao custo da atividade do Estado a que se vincula. E há de ter um limite, sob pena de inviabilizar, à vista do valor cobrado, o acesso de muitos à Justiça. Ação direta julgada parcialmente procedente, para declarar a inconstitucionalidade dos §§ 2º e 5º do artigo 114 do Código Tributário de Goiás.).” (ADI 948/GO; Relator Min. FRANCISCO REZEK; Julgamento em 09/11/1995; Tribunal Pleno; Publicação no DJ de-17-03-00); c) “EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA JUDICIÁRIA e CUSTAS: NATUREZA JURÍDICA. TAXA JUDICIÁRIA E CUSTAS: ESTADO DE MINAS GERAIS. Lei Mineira nº 6.763, de 1975, art. 104, §§ 1º e 2º, com a redação do art,. 1º da Lei Mineira nº 12.729, de 30.12.97. Tabela ‘J’ referida no art. 104 da Lei Mineira nº 6.763/75, com a alteração da Lei Mineira nº 12.729/97. Tabelas de custas anexas à Lei Mineira nº 12.732, de 1997, que altera a Lei Mineira nº 12.427, de 1996. I. - Taxa judiciária e custas: são espécies tributárias, classificando-se como taxas, resultando da prestação de serviço público específico e divisível e que têm como base de cálculo o valor da atividade estatal referida diretamente ao contribuinte, pelo que deve ser proporcional ao custo da atividade do Estado a que está vinculada, devendo ter um limite, sob pena de inviabilizar o acesso de muitos à Justiça. [...] V. - Cautelar deferida.” (ADI 1772 MC/MG; Relator Min. CARLOS VELLOSO; Julgamento em 15/04/1998; Tribunal Pleno; Publicação em DJ de 08-09-00).
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É elucidativo o pensamento de Paulo de Barros Carvalho52: “Seria absurdo imaginar uma ação humana, ou mesmo qualquer sucesso da natureza, que se realizasse independentemente de um lugar e alheio a determinado trato de tempo”. O mesmo que se disse quanto aos critérios temporal e espacial do antecedente cabe dizer agora: os critérios temporal e espacial do consequente da norma tributária devem estar presentes explícita (isto é, claramente previstos nos enunciados prescritivos) ou implicitamente (ou seja, extraíveis do contexto), sob pena de a norma carecer de sentido deôntico. Dois exemplos podem elucidar este asserto: Primeiro – Suponha que a norma do imposto sobre a renda determina, em seu consequente, que o sujeito que auferir renda (sujeito passivo) estará obrigado a entregar, em dinheiro (critério material qualitativo), 10% (alíquota) da renda auferida (base de cálculo) ao Estado (sujeito ativo), em qualquer repartição da Receita Federal (critério espacial), em tempo nenhum (critério temporal inexistente). O efeito seria não haver norma jurídica, pois a mensagem prescritiva de conduta intersubjetiva careceria de sentido deôntico completo; não tem sentido obrigar alguém a cumprir uma conduta em tempo nenhum; esta cláusula final torna a mensagem um sem sentido jurídico. Segundo – Suponha que a norma do imposto sobre a renda determina, em seu consequente, que o sujeito que auferir renda (sujeito passivo) está obrigado a entregar, em dinheiro, (critério material qualitativo) 10% (alíquota) da renda auferida (base de cálculo) ao Estado (sujeito ativo) em lugar nenhum (critério espacial inexistente), num prazo de 30 dias, contados do instante em que a renda for auferida (critério temporal). O efeito seria não haver norma jurídica, pois a mensagem prescritiva de conduta intersubjetiva careceria de sentido deôntico completo; não faz sentido obrigar alguém a cumprir certa conduta em lugar nenhum; esta cláusula final torna a mensagem um sem sentido jurídico. Esses exemplos caricatos servem para comprovar a necessidade de existirem simultaneamente os critérios temporal e espacial, sob pena de a mensagem prescritiva carecer de sentido deôntico. Não se deve olvidar, contudo, que, em nosso sistema, existem os enunciados dos artigos 159 e 160 da Lei nº 5172/66 (Código Tributário Nacional), que permitem que se construam os critérios temporal e espacial do consequente
52
Curso de direito tributário, p. 181.
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da norma tributária, ainda quando o correspondente enunciado não disponha expressamente sobre esses critérios. Nesta linha, os referidos artigos 159 e 160 dispõem, de forma subsidiária e respectivamente, sobre o lugar (critério espacial) e tempo (critério temporal) do “pagamento” (isto é, do cumprimento da conduta prescrita pela norma jurídica). Seguem os dispositivos: Art. 159. Quando a legislação tributária não dispuser a respeito, o pagamento é efetuado na repartição competente do domicílio do sujeito passivo. Art. 160. Quando a legislação tributária não fixar o tempo do pagamento, o vencimento do crédito ocorre trinta dias depois da data em que se considera o sujeito passivo notificado do lançamento.
Uma vez estabelecido como se apresentam os critérios do antecedente e do consequente das normas tributárias, cabe salientar que a Constituição da República, por meio de suas normas de produção normativa, informa a construção das normas tributárias, as quais devem apresentar as características antes expostas, sob pena de se caracterizar hipótese de flagrante inconstitucionalidade53. Considerando as determinações constitucionais relativas às características das normas relativas a cada uma das espécies tributárias, pode-se apresentar uma definição mais completa de norma tributária, qual seja: norma tributária é a que se caracteriza por estabelecer um vínculo jurídico entre um antecedente, que descreve um fato-conduta lícito, realizado por um ou mais sujeitos de direito (aquele que
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Sobre a necessidade de o legislador infraconstitucional respeitar a Constituição (normas constitucionais de produção normativa) ao estabelecer os critérios das normas tributárias, vale citar elucidativa decisão do Supremo Tribunal Federal: “Ementa: TRIBUTÁRIO - TAXA DE CONSERVAÇÃO DE ESTRADAS DE RODAGEM (LEI N. 1.744/84 DO MUNICÍPIO DE SERTÃOZINHO/SP) - BASE DE CALCULO SIMILAR A DO IMPOSTO TERRITORIAL RURAL - VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL (CF/69, ART. 18; PAR. 2.; CF/88, ART. 145, PAR. 2.) - RE CONHECIDO E PROVIDO. - O legislador comum não pode, na abstrata formulação da hipótese de incidência da taxa, transgredir a norma inscrita no ordenamento constitucional brasileiro que proíbe, no que concerne a essa espécie tributaria, a utilização de base de calculo própria de impostos (CF/88, ART. 145, PAR. 2.; CF/69, ART. 18, PAR. 2.). A Constituição da Republica – Tendo presente essa indisponível garantia de ordem tributaria que compõe o estatuto jurídico dos contribuintes – não permite que se tome como base de calculo das taxas de serviços urbanos o mesmo elemento que define e informa a base de incidência dos impostos sobre a propriedade imobiliária urbana e/ou rural. Precedentes do STF. – É inconstitucional – revelandose consequentemente inexigível – a taxa municipal de conservação de estradas de rodagem cuja base de calculo seja idêntica a do imposto territorial rural. Sumula 595/STF.” Vale aduzir que o Ministro Celso de Mello realiza um percuciente esclarecimento em seu voto sobre a necessidade de o legislador, no momento de fixar os critérios da norma tributária, atentar para o que a Constituição prescreve: “Assim, se é certo que, em princípio, assiste ao legislador o poder de fixar a base de cálculo referente às taxas, não é menos exato reconhecer que o Poder Legislativo, na qualificação jurídica desse particular aspecto material da hipótese de incidência tributária, sofre os condicionamentos normativos que necessariamente derivam do estatuto constitucional.”
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é titular da riqueza – caso típico dos impostos –; o que presta ou coloca a disposição de outrem um serviço público, ou o que provoca que outrem exerça o poder de polícia – caso típico das taxas –; e o que se beneficia com a valorização causada por obra pública feita pelo Estado – caso típico da contribuição de melhoria), a ocorrer em certo tempo e espaço, e um consequente, que prescreve uma relação jurídicoformal, onde aquele (no caso do imposto) ou um daqueles (no caso da taxa e da contribuição de melhoria) mesmos sujeitos do fato-conduta lícito descrito pelo antecedente será obrigado (O) a entregar (p) – (ou, nos casos de substituição tributária, a conduta de permitir que outro sujeito (substituto, agente arrecadador do Estado) retire) – certa quantia em dinheiro correspondente à parte ou ao total da grandeza econômica extraída do fato-conduta lícito e diretamente ligada ao(s) sujeito(s) deste fato-conduta (qual seja, a riqueza pessoal – caso típico dos impostos –; o custo de serviço público ou do exercício do poder de polícia – caso típico das taxas –; e o montante da valorização imobiliária – caso típico da contribuição de melhoria) ao Estado (sujeito ativo) em certo tempo e espaço.
II.5. AS ACEPÇÕES DA EXPRESSÃO “FATO GERADOR” NO PLANO NORMATIVO
Uma vez estudados o antecedente e o consequente da norma jurídica em geral, o significado da expressão “norma administrativo-fiscal”, bem como o antecedente e o consequente da norma tributária, sob todos os seus critérios, há condições adequadas para recobrar o ponto referente à ambiguidade por polissemia da expressão “fato gerador”. Conforme esposado anteriormente (item I), a expressão “fato gerador” tem sido utilizada (pelo legislador, pela doutrina e pela jurisprudência) em (pelo menos) seis acepções relacionadas ao plano normativo, sendo cinco acepções atinentes ao plano da norma tributária e uma acepção relativa ao plano da norma administrativo-fiscal, quais sejam: a)
54
como sinônimo de antecedente da norma tributária, quando, por vezes, aparece acrescida da palavra “abstrato”; por exemplo, é com esse sentido que é empregada nos artigo 114 do CTN, bem como no inciso I do artigo 154 e no inciso XI do parágrafo 2º do artigo 156 da Constituição Brasileira54;
CTN: “Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.”
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b)
como sinônimo de critério material do antecedente da norma tributária; por exemplo, é com esse sentido que é empregada no artigo 43 do CTN55;
c)
como sinônimo de critério material e espacial do antecedente da norma tributária; por exemplo, é com esse sentido que é empregada nos artigos 32 do CTN56;
d)
como sinônimo de critério temporal e espacial do antecedente da norma tributária; por exemplo, é com esse sentido que é empregada nos artigos 19 e 23 do CTN57;
e)
como sinônimo de antecedente da norma administrativo-fiscal; é com esse sentido que é empregada no artigo 115 do CTN58.
III. A
ACEPÇÃO DA EXPRESSÃO
“FATO
GERADOR” NO
PLANO FÁTICO
A expressão “fato gerador” também tem sido utilizada pelo legislador, pela doutrina, bem como pela jurisprudência com o sentido de fato jurídico tributário. Neste contexto, o termo “fato” é usado segundo a concepção corrente da linguagem ordinária, comum, qual seja: um acontecimento, uma ocorrência, algo
55
56
57
58
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Dispõe o inciso I do art. 54 da Constituição Brasileira: “Art. 154. A União poderá instituir: I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam nãocumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição; [...]”. Dispõe o inciso XI do §2ºdo art. 156 da Constituição Brasileira: “XI - não compreenderá, em sua base de cálculo, o montante do imposto sobre produtos industrializados, quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos dois impostos; [...]”. “Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.” “Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.” “Art. 19. O imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional. Art. 23. O imposto, de competência da União, sobre a exportação, para o estrangeiro, de produtos nacionais ou nacionalizados tem como fato gerador a saída destes do território nacional.” “Art. 115. Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal.”
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que acontece no tempo e no espaço e que é perceptível pelos sentidos humanos. É nesta acepção que a palavra “fato” tem sido disposta em dicionários clássicos da língua portuguesa: “caso, sucesso, ato, coisa ou ação feita; acontecimento ou coisa cuja veracidade é reconhecida; obra, ação que realmente se praticou”59. Este sentido mais comum do vocábulo “fato”, de um modo geral, é também encontradiço em dicionários de Filosofia. Assim, se manifesta Nicola Abbagnado60: “Fato. Em geral, uma possibilidade objetiva de verificação, de constatação ou de controle e, portanto, também de descrição ou de previsão: objetiva no sentido de que todos podem fazê-la própria nas condições adequadas”. De igual modo, asseveram Hilton Japiassu e Danilo Marcondes61: “fato. 1. algo que existe, que acontece, que nós é dado pela experiência. Evento, ocorrência. Uma realidade de objetiva”. Alguns juristas, a fim de evitarem o sentido ambíguo da expressão “fato gerador”, referem-se a “fato gerador concreto”, “fato imponível” ou “fato jurídico tributário”, quando aludem ao acontecimento efetivamente ocorrido em certo instante e local e que corresponde ao descrito no antecedente de uma norma jurídica (no caso, da norma tributária). Essa acepção de “fato” é a mais utilizada pelos juristas quando, por exemplo, se referem à expressão “fato jurídico”. Kelsen62, ao se referir a “fato jurídico”, esclarece que se trata de um “ato que se realiza no espaço e no tempo, sensorialmente perceptível ou uma série de atos, uma manifestação externa de conduta humana”. Lourival Vilanova63, por sua vez, ao discorrer sobre a distinção entre o plano normativo e o plano fático, leciona que, “num plano, temos a hipótese e a consequência. No outro plano, temos os dados de fato, as contrapartes empíricas da hipótese e da consequência: os suportes fácticos e os efeitos (ou eficácia interna)”. Não se desconhece a distinção que pensadores de escol fazem acerca dos conceitos de fato e evento. Paulo de Barros Carvalho64, na sua obra Fundamentos jurídicos da incidência tributária, firma a diferença entre fato e evento (ou objeto da experiência) ao
59 60 61 62 63 64
AULETE, idem, p. 1728. ABBAGNANO, Nicolas. Dicíonário de filosofia. Ed. Mestro Jou, 1982. p. 408. Idem, p. 96. Teoria Pura do Direito ..., p. 2 Causalidade e Relação no Direito ..., p. 15 e seg. Idem, p. 85 e seg.
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tratar do ponto “Enunciados e objetos da experiência – fato como enunciado protocolar – a constituição jurídica do fato”. Leciona que: JÜRGEN HABERMAS trabalha com a distinção entre fatos e objetos da experiência. Os fatos seriam os enunciados linguísticos sobre as coisas e os acontecimentos, sobre as pessoas e suas manifestações. Os objetos da experiência são aquilo acerca do que fazemos afirmações, aquilo sobre que emitimos enunciados. Deriva dessas observações que o status dos fatos é diferente do status dos objetos a que se referem.
Complementa ao pontificar que65: [...] fatos jurídicos não são simplesmente os fatos do mundo social, constituídos pela linguagem de que nos servimos no dia a dia. Antes, são os enunciados proferidos na linguagem competente do direito positivo, articulados em consonância com a teoria das provas. Quem quiser relatar com precisão os fatos jurídicos, nomeando-lhes os efeitos, que use a teoria das provas, responsável pelo estilo competente para referência aos acontecimentos do mundo do direito.
Este professor traz ainda à colação o ensinamento de Tércio Sampaio Ferraz Jr66. Esclarece este autor: É preciso distinguir entre fato e evento. A travessia do Rubicão por Cesar é um evento. Mas “Cesar atravessou o Rubicão” é um fato. Quando, pois, dizemos que “é um fato que Cesar atravessou o Rubicão” conferimos realidade ao evento. “Fato” não é pois algo concreto, sensível, mas um elemento linguístico capaz de organizar uma situação existencial como realidade. Em suma, a distinção preconizada entre fato e evento (ou objeto da experiência) é a seguinte: a)
fato – é a descrição em linguagem competente de um evento ou objeto da experiência; e
b)
evento ou objeto da experiência – equivale àquilo que neste trabalho vem se denominando de fato, isto é, significa aquela “contraparte empírica”, aquele acontecimento perceptível pelos sentidos, que se realiza no tempo e no espaço.
Não obstante o elevado nível analítico da corrente que confere aos vocábulos “fato” e “evento” (ou “objeto da experiência”), significações diversas,
65 66
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Idem, p. 90 e seg. Introdução ao estudo do direito, p. 253.
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apesar de concordar que é preciso conferir-se nomes (rótulos) diferentes para designar o “objeto de experiência” e para designar a “descrição deste objeto da experiência”, para os fins deste trabalho, continua-se adotando a acepção tradicional para fato (como sinônimo de evento), que tem a seu favor a força do uso, tanto por parte dos utentes da linguagem ordinária quanto por parte dos utentes da linguagem científico-jurídica. Deste modo, utiliza-se a seguinte terminologia: a)
para indicar o acontecimento, o “objeto da experiência” (que é perceptível pelos sentidos humanos e ocorre no tempo e no espaço), emprega-se o termo “fato”; e
b)
para simbolizar a descrição deste acontecimento, do“objeto da experiência”, faz-se uso da expressão “descrição do fato”.
Uma vez esclarecida a questão semântica que envolve o termo “fato”, tornase mais fácil enunciar a definição de “fato jurídico tributário”. Para tanto, convém retomar o sentido de cada um dos vocábulos que compõe esta expressão:
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a)
fato – é o acontecimento, o objeto da experiência, perceptível pelos sentidos humanos, que se realiza no tempo e no espaço. Daí dizer-se que o fato é concreto, pois é algo que “nos é dado pela experiência sensível”, “que é efetivamente real” , “determinado, particularizado, que exprime um objeto particular, individual (em oposição a abstrato)”;
b)
jurídico – reflete sua ligação com o universo do Direito, a qual se manifesta de duas formas: uma – pela correspondência do conceito do fato ao antecedente da norma (subsunção do conceito do fato à norma); duas – pelo efeito jurídico (que equivalerá ao prescrito no consequente da norma) que sua realização provoca. O Direito desenvolve-se por meio do movimento norma-fato: norma incide sobre (o conceito do) fato e produz certo efeito jurídico (se for norma de produção normativa – o efeito jurídico é a produção ou a extinção de outra norma; se for norma de conduta – o efeito jurídico é o surgimento ou a extinção de uma relação jurídica). Eis o que se denomina de fenômeno da subsunção do conceito do fato à norma ou da incidência da norma sobre o conceito do fato67.
A noção de “subsunção” é a relativa à operação de conceber um indivíduo como compreendido em uma espécie ou uma espécie como compreendida em um gênero. Como operação lógica que é, opera-se entre iguais. Daí, em vez de dizer que “o fato se subsome à norma”, afigura-se
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c)
tributário – retrata a relação direta com o fenômeno tributário (com a norma de natureza tributária), mais especificamente: o conceito desde fato corresponde ao antecedente da norma tributária e sua realização, em certo tempo e espaço, implicará o surgimento ou a extinção, em consonância com o prescrito pelo consequente da norma tributária, da relação jurídica tributária, ou seja, da obrigação de entregar dinheiro ao Estado a título de tributo.
Esclarecidos estes pontos, há condições de firmar a seguinte definição: fato jurídico tributário é aquele acontecimento perceptível pelos sentidos humanos, que se realiza, no tempo e no espaço, e cujo conceito corresponde ao antecedente da norma tributária. É relevante destacar quais são os requisitos do fato jurídico tributário. Para tanto, deve-se proceder a uma investigação sobre as condições necessárias para a sua caracterização. Esses requisitos podem ser separados em dois grupos: um que se refere à determinação das condições necessárias para que exista um fato; outro que se reporta ao aspecto qualificador deste termo – jurídico tributário. Neste passo, quanto ao primeiro aspecto, já se firmou que a acepção predominante para fato (seja ele jurídico, social, histórico, econômico, físico etc.) é a de um acontecimento, ocorrência, algo que aconteceu no tempo e no espaço e que é perceptível pelos sentidos humanos. Logo, para que seja possível cogitar de fato, necessita-se de um acontecimento, de um objeto da experiência, de uma ocorrência que produza sensação, demarcada no tempo e no espaço. Assim, o fato não se confunde com a descrição em linguagem do fato ou com o ato de pensar o fato. Daí se afirmar: o fato é concreto, pois designa algo que “nos é dado pela experiência sensível”, “que é efetivamente real”, “determinado, particularizado, que exprime um objeto particular, individual (em oposição a abstrato)”. O segundo grupo de requisitos é atinente ao qualificador “jurídico tributário”. O plano fático (do fato jurídico tributário) apresenta-se como projeção concreta do antecedente da norma tributária.
mais preciso firmar que “o conceito do fato se subsome à norma” (esta já é uma entidade conceitual, produto da atividade de interpretação). A fim de representar o mesmo fenômeno, tem sido empregada a expressão “incidência”. Fala-se que “a norma incide sobre o fato”. De igual modo, com mais rigor, deve-se enunciar que “a norma incide sobre o conceito do fato”. É mister não esquecer que o fenômeno da “subsunção” ou da “incidência” demanda a prévia realização da interpretação (atividade intelectual e emocional, informada por valores, voltada à compreensão e construção de sentido), pelo que está longe de ser um fenômeno que reduz o intérprete ou o aplicador do direito ao papel de um mero autômato.
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Sendo assim, considerando-se que o antecedente da norma tributária apresenta quatro critérios (pessoal, material, temporal e espacial), pode-se asseverar que o fato somente será “jurídico tributário” se o seu conceito (do fato, do acontecimento, que se realiza no tempo e no espaço e que é perceptível pelos sentidos humanos) corresponder, integralmente, àquilo que está descrito pelo antecedente da norma tributária. Se, no mundo da experiência (concreto, real), realizar-se um fato cujo conceito não corresponda ao descrito pelo antecedente da norma tributária (em todos os seus critérios – pessoal, material, temporal e espacial), não surgirá a relação jurídica tributária, determinada e individualizada. Na Constituição Brasileira, a expressão “fato gerador” é empregada com o sentido de fato jurídico tributário na alínea “a” do inciso III do art. 150, bem como no parágrafo 7º deste mesmo artigo, in verbis: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] III - cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; [...] § 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.
No âmbito do Código Tributário Nacional, a expressão “fato gerador” é empregada com o sentido de fato jurídico tributário nos artigos 105, 113, § 1º, 116 e 144, in verbis: Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa nos termos do artigo 116. Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extinguese juntamente com o crédito dela decorrente.
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Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.
Por fim, ante os requisitos necessários para a caracterização do “fato jurídico tributário”, vale ainda aduzir que é inadmissível confundir os conceitos de “fato presumido” e “fato fictício”. A expressão “fato presumido” revela que, a partir da constatação de certos vestígios relacionados a determinado acontecimento, é razoável considerar que este acontecimento provavelmente ocorreu. Trata-se de fenômeno relacionado às provas da ocorrência de um fato (algo já ocorrido no tempo e no espaço). A expressão “fato fictício” refere-se a algo que só existe na imaginação, é meramente ilusório, não corresponde a algo realmente ocorrido. Trata-se de mera suposição de um fato, que com certeza ainda não ocorreu. Não distinguir com clareza estes conceitos caracteriza grave erro, que, por sua vez, implica sérios problemas jurídicos, como, por exemplo, aquele que envolve a interpretação do enunciado do parágrafo 7º do art. 150 da Constituição da República68. Em rigor, esse enunciado refere-se a fato fictício, não a fato presumido, pois se reporta a um acontecimento que poderá ocorrer no futuro, mas que, com certeza, ainda não ocorreu69.
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Dispõe o §7º do art. 150 da Constituição Brasileira: “§7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.” (Texto incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993.) Como demonstrei em outro momento, a determinação legal de se pagar um tributo com base em “fato fictício”, o que tem ocorrido especialmente quanto ao regime de alguns impostos, caracteriza flagrante e direta afronta ao princípio constitucional da igualdade e seus subprincípios – o da capacidade contributiva objetiva no caso de imposto, o da retributividade no caso de taxa e o da atribuição ao Estado da mais valia causada por obra pública no caso de contribuição de melhoria. (Sujeição passiva tributária ... , p. 235/248). O devido cumprimento a esses princípios constitucionais demanda a efetiva caracterização do fato como algo realmente já ocorrido, eis o denominado princípio da realidade insuperável pelo denominado princípio da praticabilidade. Neste sentido: TIPKE, Klaus. Princípio da igualdade e ideia de sistema no direito tributário. In: Direito tributário: estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 523; MOLINA, Pedro Manuel Herrera. Capacidad económica y sistema fiscal: análisis del ordenamiento español a luz del derecho alemán. Madri: Marcial Pons, 1998. p. 70 e segs.; DERZI, Mizabel. Legalidade material, modo de pensar “tipificante” e
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Cabe asseverar que não tem sentido jurídico se cogitar de “fato jurídico tributário fictício” (ou mesmo de “fato gerador fictício”). Trata-se de expressão contraditória ou, se preferir, de uma linguagem elíptica cuja mensagem é a seguinte: fato jurídico tributário fictício é um fato não ocorrido, não realizado, que está somente na imaginação de alguém (ato de imaginar ou ato de desejar um fato, que não se confunde com o próprio fato, que, no caso, não existe).
IV. ALGUMAS PALAVRAS SOBRE GERADOR” NO CTN
O USO DO TERMO
“FATO
O Código Tributário Brasileiro (Lei nº 5.107/66) apresenta o Capítulo II do Título II do Livro Segundo intitulado “Fato gerador”. Tal capítulo contém cinco artigos – do art. 114 ao 118 –, sendo útil tecer algumas palavras sobre tais dispositivos. Artigos 114 e 115 do CTN70 A redação dos artigos 114 e 115 segue técnica assemelhada à adotada na redação do art. 11371 do CTN. Como já tive oportunidade de expor72, o art. 113 do CTN dispõe sobre a obrigação tributária principal e acessória, referindo-se a quatro acepções diferentes para a expressão “obrigação tributária”, quais sejam: a) na primeira parte do enunciado do §1º do art.113 do CTN (“A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento do tributo [...]”) – designa o estado em que se encontra o sujeito passivo (o contribuinte) da relação jurídica (obrigação) tributária, ou seja, o estado de sujeição passiva tributária em que o contribuinte está obrigado a entregar certa quantia em dinheiro ao Estado (sujeito ativo tributário) a título de tributo, em certo tempo e espaço;
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praticidade no direito tributário. In: Justiça Tributária. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 638/ 646; QUEIROZ, Imposto sobre a renda ..., p. 82-84 etc. “Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. Art. 115. Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal. Art.113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.” Sujeição passiva tributária ..., p. 219-221.
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b) na segunda parte do enunciado do § 1º do art.113 do CTN (“A obrigação principal tem por objeto [...] penalidade pecuniária [...]”) – não se tem, em rigor, uma “obrigação tributária”, mas, sim, uma obrigação de natureza punitiva (pois, como dispõe o art. 3º do CTN, tributo “[...] é toda prestação pecuniária compulsória, [...] que não constitua sanção de ato ilícito”), na qual está designado o estado em que se encontra o sujeito passivo da relação jurídica (obrigação) punitiva tributária, ou seja, o estado de sujeição passiva punitiva tributária, em que o sujeito passivo está obrigado a entregar certa quantia em dinheiro ao Estado (sujeito ativo) a título de punição (em virtude de não ter cumprido a conduta prescrita na relação jurídica tributária), em certo tempo e espaço; c) no enunciado do § 2º do art.113 do CTN – não se tem, em rigor, uma “obrigação tributária”, mas, sim, uma obrigação de natureza administrativo-fiscal (a obrigação não é de natureza pecuniária – de dar dinheiro –, mas, sim, obrigação de fazer algo de interesse da administração fiscal); a expressão “obrigação acessória” designa o estado em que se encontra o sujeito passivo da relação jurídica (obrigação) administrativo-fiscal, ou seja, o estado de sujeição passiva administrativo-fiscal, em que o sujeito passivo (que pode ser um sujeito isento ou imune) está obrigado a fazer certas atividades instrumentais, em especial as de arrecadação e fiscalização, que contribuem, direta ou indiretamente, para o atendimento dos interesses tributários do Estado-fisco (sujeito ativo), em certo tempo e espaço; d) no enunciado do § 3º do art.113 do CTN – não se tem, em rigor, uma obrigação tributária, nem uma obrigação administrativo-fiscal, mas, sim, a designação do estado em que se encontra o sujeito passivo da relação jurídica (obrigação) punitiva administrativo-fiscal, ou seja, o estado de sujeição passiva punitiva administrativo-fiscal, em que o sujeito passivo está obrigado a entregar certa quantia em dinheiro ao Estado (sujeito ativo) a título de punição (por não ter sido cumprida a conduta prescrita na relação jurídica administrativo-fiscal), em certo tempo e espaço. Nesse contexto, a expressão “fato gerador” é utilizada no art. 114 com o significado de antecedente da norma tributária (item II.4). Em outras palavras, a expressão “fato gerador” está empregada no sentido de previsão legal (antecedente normativo) de uma situação de fato, a qual se e quando ocorrer se tornará um fato jurídico tributário (ou fato gerador concreto de natureza tributária) e suscitará, como efeito jurídico, o que está prescrito no consequente da norma tributária, isto é, o surgimento da obrigação tributária (em sentido estrito – conforme a 1ª parte do § 1º do art. 113 do CTN).
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Por seu turno, a expressão “fato gerador” parece estar utilizada no art. 115 com o significado de antecedente da norma administrativo-fiscal, conforme mencionado anteriormente (item II.4). Em outras palavras, tratase da previsão legal (antecedente normativo) de uma situação de fato, a qual se e quando ocorrer se tornará um fato jurídico administrativo fiscal (ou fato gerador concreto de natureza administrativo fiscal) e suscitará, como efeito jurídico, o que está prescrito no consequente da norma administrativo-fiscal, isto é, o surgimento da obrigação administrativo-fiscal (a denominada “obrigação acessória” – o atinente ao § 2º do art. 113 do CTN). Um exemplo desse tipo de obrigação é o dever de a pessoa física apresentar, anualmente, uma declaração dos rendimentos auferidos no ano-calendário anterior. Outro exemplo é o dever de o comerciante emitir nota fiscal relativa à venda de mercadoria. Ressalta-se que a denominada “obrigação acessória” (obrigação administrativo-fiscal), diversamente do que sugere o termo “acessória”, pode existir para certo sujeito independentemente de ele ser devedor de uma obrigação principal de natureza tributária. Desse modo, alguém pode ser titular (sujeito passivo) de uma obrigação acessória, ainda que não seja titular (sujeito passivo, contribuinte) de uma obrigação tributária, em função, por exemplo, de ser considerado isento ou mesmo imune. O art. 72 do Código Tributário do Município do Rio de Janeiro (Lei nº 691, de 24 de dezembro de 1984, atualizada pela Lei nº 2.277 de 28.12.94) traz uma elucidativa hipótese dessa situação ao tratar das “obrigações acessórias” atinentes ao IPTU: Art. 72 - Os imóveis localizados no Município, ainda que isentos do imposto ou imunes a este, ficam sujeitos à inscrição no órgão competente da Secretaria Municipal de Fazenda.
Art. 116 do CTN73 O art. 116 dispõe sobre o momento em que se considera ocorrido o fato jurídico tributário, bem como o momento do surgimento da relação jurídica
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“Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável. Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.” (Parágrafo incluído pela LC nº 104, de 10.1.2001).
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tributária (ou obrigação tributária). Esses dois momentos são informados pela correspondente norma tributária. Como já se disse, um fato torna-se fato jurídico tributário quando a situação descrita no antecedente da norma tributária se realiza concreta e plenamente, ou seja, quando se tem a ocorrência de um fato, cujo conceito corresponde a todos os critérios do antecedente da norma tributária: pessoal, material, temporal e espacial. Na relação jurídica tributária, há a plena individualização dos sujeitos ativo e passivo, bem como a plena determinação da conduta intersubjetiva regulada, seja qualitativa (modo deôntico de regulação de certa conduta – via de regra, obrigação de entregar), seja quantitativamente (um certo montante de dinheiro). O disposto nos incisos I e II do art. 116 do CTN é mera decorrência do fenômeno da subsunção ou da incidência antes explicado. Soa impreciso firmar que um fato se torna fato jurídico tributário “desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios” (inciso I). E soa impreciso asseverar que um fato se torna fato jurídico tributário “desde o momento em que (a situação jurídica) esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável” (inciso II). Soa impreciso, no caso do inciso I, pois não se esclarecem quais são os requisitos necessários para que um fato se torne jurídico, sendo grave e incorreto condicionar a jurisdicização do fato à produção de “efeitos que normalmente lhe são próprios”. Neste caso, é suscitado, desnecessariamente, o problema de se determinar, a priori, quais são “os efeitos que normalmente lhe são próprios”; além disso, suscita a dúvida relativa à não caracterização como fato jurídico tributário na hipótese de os efeitos de certa situação de fato não serem “normais”; e mais, provoca o desnecessário questionamento se tais efeitos são os jurídicos (que necessariamente surgirão ante a ocorrência de um fato jurídico – por exemplo, a obrigação de pagar o tributo) ou os “de fato” (o efetivo pagamento ou não do tributo). Soa impreciso no caso do inciso II, pois há pouca utilidade em se dizer que “uma situação jurídica se torna fato jurídico tributário quando ela estiver definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável”, pois uma situação jurídica pode estar definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável, e ainda assim não ser um fato jurídico tributário. Isto ocorre toda vez que uma certa situação jurídica “definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável”, não estiver descrita no antecedente de norma tributária. Reitera-se: um fato se caracteriza como fato jurídico tributário (fato gerador concreto) sempre que se tem a ocorrência de um fato, cujo conceito
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corresponde a todos os critérios do antecedente da norma tributária: pessoal, material, temporal e espacial. Não importa se a situação descrita pelo antecedente é uma simples “situação de fato” ou se é uma “situação jurídica”; o que é relevante é saber se o fato ocorrido corresponde ou não, integralmente, à situação descrita no antecedente da norma tributária. Em rigor, considerando-se o que se disse sobre aquilo que pode ser objeto de tributação (isto é, que pode ser critério material do antecedente de norma tributária), é difícil imaginar uma situação descrita pelo antecedente de norma tributária que não possa ser considerada uma “situação jurídica” em sentido amplo. Parece razoável conceber como “situação jurídica” a prestação de um serviço público ou o exercício de um poder de polícia. Essas duas situações, que são típicas das taxas, apresentam um sentido jurídico próprio, “nos termos do direito aplicável” (direito constitucional e administrativo). O mesmo é possível dizer da situação realização de obra pública que produza valorização imobiliária. Tal situação, que é típica da contribuição de melhoria, possui um sentido próprio, informado pelo “direito (constitucional, administrativo e civil) aplicável”, pelo que pode ser considerada como uma situação jurídica. Também é correto admitir que uma situação reveladora de riqueza pessoal, que é típica dos impostos, pode ser concebida como sendo uma situação jurídica. Neste caso, é preciso se cogitar de uma situação que aluda a uma conduta em sentido amplo (estado ou ação), a qual seja apta a revelar a existência de algum elemento de um patrimônio pessoal (isto é, de algum direito subjetivo patrimonial de uma ou mais pessoas), surpreendido numa perspectiva estática (or exemplo, ser proprietário de um veículo automotor – IPVA) ou dinâmica (transmissão da propriedade de um bem imóvel – ITBI). Uma situação reveladora de riqueza pessoal possui um sentido próprio, que é informado pelo “direito (constitucional e civil) aplicável”. Como se nota, seja qual for a espécie de norma tributária, a situação descrita no antecedente normativo pode ser concebida como sendo uma situação jurídica (ao menos em sentido amplo). Poder-se-ia supor que a referência à “situação jurídica”, no inciso II do art. 116 do CTN, é para significar que se trata de um negócio jurídico típico. Por exemplo, no imposto sobre doação, o fato jurídico tributário exigido é o negócio jurídico “doação”, o qual possui requisitos próprios, regulados pelo direito (civil), para que exista juridicamente e, por consequência, seja válido.
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Interpretando-se os incisos I e II desta forma, aproxima-se da classificação dos impostos segundo a “materialidade tributada” (o critério material do antecedente), pela qual se fala em: a) impostos com materialidades relacionadas a conceitos funcionais – materialidades que não se vinculam a qualquer forma jurídica específica, mas que se referem a um resultado ou a uma situação com forma jurídica não determinada (hipóteses do inciso I). Por exemplo, no caso da norma do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, a materialidade é representada pelo acréscimo patrimonial experimentado por alguém, qualquer que seja a forma, a origem ou a causa desse acréscimo, sendo que o contribuinte será tributado por tal imposto. Respeitadas as devidas diferenças, esse mesmo raciocínio é aplicável a outros impostos constitucionalmente previstos, cuja materialidade não se limita à determinada forma ou negócio jurídico típico, quais sejam os impostos sobre: importação; exportação; produtos industrializados; operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; grandes fortunas; transmissão causa mortis; operações relativas à circulação de mercadorias; transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; serviços de qualquer natureza. b) impostos com materialidades (o critério material do antecedente) relacionadas a conceitos estruturais – materialidades que se encontram vinculadas a uma forma jurídica específica (hipóteses do inciso II). Trata-se de exceção no sistema constitucional tributário brasileiro. É o que ocorre com os impostos sobre: propriedade territorial rural; doação; serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação; propriedade de veículos automotores; propriedade predial e territorial urbana. Vale ressaltar que a Constituição Brasileira permite (portanto, sem qualquer ofensa ao Princípio da Repartição Constitucional da Competência Tributária e ao da Estrita Legalidade Tributária), com relação a maior parte dos impostos por ela previstos, que o legislador construa as respectivas normas tributárias de modo a reduzir bastante as denominadas práticas elisivas, já que, nesses casos, vale repetir, não há limitação constitucional a determinada forma ou negócio jurídico. Em função do advento da Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, que acrescentou o parágrafo único ao art. 116 do Código Tributário Nacional (CTN), alguns autores acreditaram que estava sendo introduzida no Brasil uma norma geral antielisiva.
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Segundo a maior parte da doutrina brasileira, essa conclusão não é a mais adequada. Para essa corrente, tal disposição teria exclusivamente o caráter antievasivo, pois alude à figura da dissimulação, típica da referida simulação relativa. Cabe lembrar que o art. 149, VII, do CTN já dispunha sobre a possibilidade de se desconsiderarem os atos praticados com dolo, fraude e simulação. Tal possibilidade restou reforçada pelo atual Código Civil brasileiro (Lei nº 10.406/2002), ao estabelecer que são nulos os atos praticados com fraude à lei imperativa (art. 166, VI) ou com simulação (art. 167). Nesse contexto, parece correto o entendimento de que a Administração Tributária pode desconsiderar os negócios viciados pela fraude ou pela simulação independentemente de qualquer manifestação prévia do Poder Judiciário. É útil destacar que, para essa parcela majoritária da doutrina nacional, é legítima a prática de atos elisivos (lícitos), sendo constitucionalmente inaceitável que o legislador infraconstitucional introduza, no sistema tributário brasileiro, uma norma geral antielisiva74. Merece, contudo, que seja registrada a opinião divergente de vozes autorizadas da doutrina nacional75, que entendem ser possível, mesmo antes do advento do parágrafo único do art. 116 do CTN, coibir as práticas elisivas. Por fim, convém observar que tive oportunidade de tratar especificamente desse tema em artigo intitulado “Controle normativo da elisão tributária”, no qual procurei estabelecer a distinção entre os procedimentos considerados lícitos (elisão) dos considerados ilícitos (evasão, fraude, simulação), tendo em conta as peculiaridades do sistema constitucional tributário do Brasil76.
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Como exemplo de autores que, guardadas específicas diferenças, perfilham esse entendimento: CARVALHO, Curso de direito tributário ..., p. 286-289; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Evasão e Elisão Fiscal - O Parágrafo Único do Artigo 116, CTN e o Direito Comparado. Rio de Janeiro: Forense, 2006; DERZI, Misabel de Abreu. A desconsideração dos atos e negócios jurídicos dissimulatórios, segundo a Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001. In ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2002. p. 205232; XAVIER, Alberto. A Norma Geral Antielisão da MP n. 66/02 e a Tributação por Analogia: uma Brutal Agressão ao Princípio da Legalidade. Revista Tributária e de Finanças Públicas, n. 47, São Paulo, Revista dos Tribunais, nov-dez/02; MACHADO, Hugo de Brito. A norma antielisão e o princípio da legalidade? Análise crítica do parágrafo único do art. 116 do CTN. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2002. p. 103-116; AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 222-240. Nesse sentido: FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 13-18; TORRES, Ricardo Lobo. Normas Gerais Antielisivas. In: TORRES, Ricardo Lobo (org.). Temas de Interpretação do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 261330; e GRECO, Marco Aurélio. Constitucionalidade do parágrafo único do art. 116 do CTN. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2002. Importa ressaltar que o professor Ricardo Lobo Torres discorre, no citado livro, sobre esse tema em capítulo intitulado “Norma-geral anti-elisiva e planejamento fiscal”. In: Segurança jurídica na tributação e Estado de direito. São Paulo: Ed. Noeses, 2005. p. 711-750.
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Art. 117 do CTN77 O art.117 apresenta-se em linha com o que se disse acerca do inciso II do art. 116 e com o que dispõe o atual Código Civil brasileiro. Se o critério material do antecedente da norma tributária se refere a um negócio jurídico, somente com a sua plena ocorrência é que se aperfeiçoa, se realiza o fato gerador. Urge proceder a um esclarecimento. Tendo em conta a Teoria das Normas, aplicável a todas as áreas do Direito (pois é tema de Teoria Geral do Direito), há que se identificarem algumas ambiguidades por polissemia atinentes à expressão “negócio jurídico”. A primeira distinção a ser feita é a de negócio jurídico-texto e negócio jurídico-norma. Essa distinção equivale ao que se disse acerca da distinção entre texto de lei e norma jurídica. A segunda distinção que se deve fazer é a atinente a negócio jurídico-norma e negócio jurídico-fato. Essa distinção equivale ao que se disse acerca da distinção entre norma e fato. Um exemplo envolvendo o negócio jurídico “doação” facilitará a compreensão. No Estado do Rio de Janeiro, está instituído o imposto sobre doação. Neste Estado, “é realizada uma doação submetida a uma condição suspensiva, qual seja, o donatário tomar posse no cargo de promotor de justiça”. Cabe esclarecer o que isso significa. A doação-texto já existe, está plenamente firmada pelas partes, uma vez assinado o respectivo instrumento. Desde que sejam atendidos todos os requisitos legais necessários (de validade), em especial, quanto à capacidade, ao objeto e à forma, é possível, a partir dessa doação-texto, construir as diferentes normas (doação-normas) nesse texto veiculadas. Uma determinada doação-norma caracteriza-se por tem um antecedente, ou um consequente, ou ambos diferentes dos que têm outra doação-norma decorrente da mesma doação-texto. Será possível falar em doação-fato desde que ocorra concretamente o que descrito no antecedente da doação-norma. Como se disse, a partir de uma doação-texto pode ser possível construir diferentes normas (doação-
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“Art. 117. Para os efeitos do inciso II do artigo anterior e salvo disposição de lei em contrário, os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados: I - sendo suspensiva a condição, desde o momento de seu implemento; II - sendo resolutória a condição, desde o momento da prática do ato ou da celebração do negócio.”
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normas). A referência no art. 117 do CTN a “negócio jurídico perfeito e acabado” sugere que todos os fatos (doação-fatos) correspondentes às respectivas normas (doação-normas) já ocorreram, tendo sido gerados os consequentes efeitos jurídicos (direitos e deveres). Em rigor, no caso em apreço, a partir da mesma doação-texto, é possível construir diferentes normas (doação-normas). Ressalta-se que a doação-norma, a qual dispõe, em seu consequente, que o donatário tem o direito de praticar atos de conservação (art. 130 do Código Civil78), não contém, em seu antecedente, o elemento “condição suspensiva”. Em outras palavras, o donatário tem esse direito subjetivo, independentemente de ocorrer a condição estipulada. Por certo, este não é o efeito jurídico principal que se pretende obter com a elaboração da doação-texto. O denominado efeito jurídico principal (ou, na linguagem do art. 116 do CTN, “efeitos que normalmente lhe são próprios”) que se pretende ter com a elaboração da doação-texto é o direito de o donatário exigir a entrega e o correlato dever jurídico do doador de entregar o bem doado. Contudo, esse efeito principal depende da ocorrência do referido evento futuro e incerto (condição suspensiva) para surgir. Desse modo, apenas quando o donatário tomar posse no concurso público para promotor de justiça é que surgem os correlatos direito subjetivo do donatário e dever jurídico do doador referentes à entrega do bem doado79. Eis a razão de o art. 117 de o CTN prescrever que o negócio jurídico (no sentido de negócio-fato) se torna “perfeito e acabado” com a realização da condição, pois somente a partir desse momento os efeitos jurídicos principais (os correlatos direito e dever) serão produzidos. Dessarte, se o pleno aperfeiçoamento do negócio jurídico (negócio-fato principal) se encontra submetido a um evento futuro e incerto (condição suspensiva), apenas com a realização deste é que o negócio se completa, gerando, a partir desse momento, a produção dos respectivos efeitos jurídicos (civis, comerciais etc.). Por seu turno, estando o negócio jurídico “perfeito e acabado”, surge, a partir daí (se os demais critérios do antecedente da norma tributária estiverem satisfeitos), o fato jurídico tributário, gerando a produção dos respectivos efeitos jurídicos, no caso, o surgimento da obrigação de pagar o imposto de doação.
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Código Civil: “Art. 130. Ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo.” Código Civil: “Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.”
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Por outro lado, quando se trata de condição resolutiva, uma vez firmado o negócio-texto, constroem-se os negócio-normas, e ante a ocorrência do negócio-fato principal, são produzidos os efeitos jurídicos principais. A condição resolutiva prevista, se e quando ocorrer, terá o condão de extinguir, a partir desse instante, determinado direito até então existente80. Dessa feita, tomando como exemplo “a realização de uma doação sujeita a condição resolutiva”, pode-se afirmar que, para fins do imposto sobre a doação, uma vez elaborada a doação-texto, construídas as doação-normas e ocorrida a doação-fato, surge, a partir desta (se os demais critérios do antecedente da norma do imposto de doação estiverem satisfeitos), o fato jurídico tributário, gerando a produção do respectivo efeito jurídico, no caso, o surgimento da obrigação de pagar o imposto de doação. Destaca-se que, no tocante ao imposto sobre a doação, é totalmente irrelevante para a obrigação de pagar o imposto a ocorrência futura da condição resolutiva. Mais um ponto merece ser esclarecido. O art. 105 do CTN81, quando alude a fato gerador futuro e a fato gerador pendente, deve ser interpretado no contexto do que se expôs sobre os arts. 116 e 117 do CTN. Há um ponto comum nessas duas expressões: elas informam que ainda não ocorreu, não se consumou o fato jurídico tributário. E isso acontece sempre que não tiver ocorrido um fato, cujo conceito corresponda a todos os critérios do antecedente da norma tributária. Nesse ponto, é preciosa a lição de Paulo de Barros Carvalho, quando critica algumas classificações doutrinárias do fato gerador concreto ou fato jurídico tributário em função do momento de sua ocorrência82: À voga desse conceito, a autoridade de juristas de indiscutível valor fez prevalecer uma classificação dos “fatos geradores”, fundada nas variações que o político imprimia na construção do critério temporal das hipóteses. Tornou-se corrente a distinção entre fatos geradores instantâneos,
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Código Civil: “Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido. Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé.” “Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa nos termos do artigo 116.” Curso de direito tributário ...,. p. 279.
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continuados e complexivos, em grande parte pelo entusiasmo de Amílcar de Araújo Falcão, baseado nas lições de A. D. Giannini, E. Vanoni e Wilhelm Merk, no que foi seguido pela maioria dos autores contemporâneos. Essa orientação doutrinária é efeito da confusão de planos, indo além da fórmula linguística dos fatos para imitir-se na contextura real do evento. Os fatos geradores seriam instantâneos, quando se verificassem e se esgotassem em determinada unidade de tempo, dando origem, cada ocorrência, a urna obrigação tributaria autônoma. Os continuados abrangeriam todos os que configurassem situações duradouras, que se desdobrassem no tempo, por intervalos maiores ou menores. Por fim, os complexivos nominariam aqueles cujo processo de formação tivesse implemento com o transcurso de unidades sucessivas de tempo, de maneira que, pela integrado dos vários fatores, surgiria o fato final. A classificação seduziu logo os especialistas, pela facilidade de enquadramento das figuras tributarias numa das três categorias. O IPI, o ICMS e o Imposto de Importado, por exemplo, seriam casos de fatos geradores instantâneos; o IPTU e o ITR entrariam como fatos continuados; e o IR consubstanciaria a forma clássica do fato gerador complexivo.
E complementa com maestria83: [...] somos pelo descabimento total desse discrímen, pois falar-se em “fatos” que não sejam instantâneos é, sob qualquer color, inadequado e incongruente, visto que todo o evento, seja ele físico, químico, sociológico, histórico, político, econômico, jurídico ou biológico, acontece em certas condições de espaço e de tempo (instante).
De igual modo, Paulo de Barros Carvalho já denunciou a carência de rigor na classificação do fato gerador em simples e complexo84: Abrimos aqui um parêntese para dizer que a divisão dos fatos gera-dores em simples e complexos, tão aplaudida pela doutrina tradicional, não atinou para esse aspecto. Vale, sim, para os fatos concretos que, na sua
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Idem, p. 283. Curso de direito tributário. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 178-179. A passagem transcrita foi produzida em momento anterior a esse jurista ter adotado a distinção entre “fato” e “evento”, o que ocorreu inicialmente em seu Direito tributário – fundamentos jurídicos da incidência (São Paulo: Saraiva, 1998), agora incorporada à 18ª Edição do seu Curso. Contudo, considerando que aquilo que antes ele denominava de “fato” agora denomina de “evento”, parece que o fundamento da sua crítica persiste.
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multiplicidade intensiva e heterogênea, estão disponíveis a toda sorte de composições e decomposições, favorecendo observá-los na sua complexidade. É imprestável, no entanto, para diferençar as hipóteses tributarias, que gozam, na qualidade de conceitos, do caráter unitário que já foi salientado. Não existem hipóteses tributarias simples ou complexas, predicados inerentes aos eventos do mundo físico exterior. Façamos um teste, tentando apanhar algum resultado prático na aplicação a impostes conhecidos. O fato gerador do IPI é considerado por essa corrente como integrante legítimo dos fatos simples, enquanto o IR é modelo de fato complexo. Simples o primeiro, dizem, porque a mera saída do produto industrializado, do estabelecimento industrial ou que lhe seja equiparado, da ensejo ao nascimento da correspondente obrigação tributaria. Por outro lado, o IR seria da classe dos complexos, urna vez que dependeria da confluência de variados fatores que, entreligados, determinariam! o surgimento da renda líquida tributável (caso da pessoa física). E os seguidores dessa teoria arrematam: não é possível pensar em renda líquida tributável, independentemente da composição dos fatores: rendimento bruto, deduções cedulares e abatimentos da renda bruta. Só da convergência desses elementos é que pode emergir a renda líquida tributável, sobre que incidirá a alíquota respectiva. A cadeia das ideias é capaz de impressionar ao leitor desapercebido, que caminha ligeiro, sem muito tempo para reflexões. Mas quem se detiver um minuto, ponderando os argumentos, verá que se trata de um jogo de palavras, sem criatividade, e que se desarma ao primeiro impulso. Efetivamente, a renda líquida tributável é o resultado de urna serie de acontecimentos que a determinam. Sem eles, não haverá essa realidade sobre cujo valor incide a alíquota percentual progressiva, de tal arte que não é lícito imaginá-la desvinculada dos seus elementos formadores. Será isso um privilegio exclusivo da renda líquida tributável? Repousa aqui a fragilidade da tese. Porventura um acontecimento do mundo social, econômico, político, histórico, fisiológico ou jurídico pode independer de seus antecedentes integrativos? Certamente que não. Inexiste fato que advenha do nada. Na trilha desse modo excêntrico de raciocinar, igualmente não ha sentido cogitarmos de um produto industrializado; de um produto importado (o fato gerador do Imposto de Importação é tido como simples), desprezando-se as problemáticas gestões comerciais, financeiras e administrativas que, obrigatoriamente, antecedem a chegada do bem ao território nacional.
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Nem se contraponha a isso a circunstância de que a lei do imposto sobre a renda prevê os elementos compositivos da renda líquida tributável, regulando-os normativamente, pois o mesmo se dá com a legislação do IPI, ao disciplinar os créditos na aquisição das matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem, e com o Imposto de Importação, regrando todo o procedimento necessário à importação.
Em suma, vale insistir no que já se firmou anteriormente: um fato se torna fato jurídico somente quando (no instante em que) seu conceito corresponde integralmente ao descrito no antecedente normativo. E um fato se torna fato jurídico tributário (fato gerador concreto) somente quando (no instante em que) seu conceito corresponde ao descrito no antecedente de norma tributária integralmente (quanto a todos os critérios: pessoal, material, temporal e espacial). Por tudo que se expôs, uma adequada interpretação do art. 105 do CTN pode ser feita nos seguintes termos: se a legislação for alterada, dispondo sobre a criação ou o aumento de tributo, a nova norma tributária poderá incidir sobre o fato que ocorrer, que se consumar a partir da vigência dessa nova norma, sendo irrelevante se esse fato, no instante em que tal norma começar a viger, ser qualificado como futuro ou pendente. A mencionada “aplicação imediata” (art. 105 do CTN) não representa ofensa ao princípio constitucional da irretroatividade tributária (art. 150, III, “a”). Vale lembrar que uma norma jurídica (tributária ou não) é retroativa sempre que seu antecedente descreve uma situação de fato que ocorreu (concretamente) ou que pode ter ocorrido (previsão, hipótese) no passado, antes de a norma entrar em vigor. O caráter retroativo da norma refere-se sempre ao antecedente, que se projeta para o passado, nunca ao consequente (prescritor ou mandamento) normativo, o qual está sempre projetado para o futuro. Art. 118 do CTN85 Segundo representativa parcela da doutrina nacional, o art. 118 do CTN apresenta um enunciado conflitante com o dos artigos 116 e 117. Bem elucidativas desse posicionamento doutrinário são as firmes críticas lançadas por Paulo de Barros Carvalho86 acerca do disposto no art. 118:
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“Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I - da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; II - dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.” Curso de direito tributário ..., 2007, p. 293.
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A leitura do preceito que transcrevemos apresenta manifesta incompatibilidade com o conteúdo do art. 116 (CTN). Do cotejo, entra pelos olhos o lapso da atenção e o resvalo da pena, atraindo para si, o legislador, a coima de não ter operado com apontamento, na combinação das palavras que dão corpo a um preceptivo do Código. Na construção do art. 116, ficara estabelecido que, para a situação de fato (inc. I), o critério de reconhecimento era o instante em que se verificassem as circunstâncias materiais necessárias à produção dos seus efeitos específicos. Em flagrante contradição, declara o art. 118, no inc. II, que a definição legal do fato gerador deve ser interpretada, abstraindo-se dos efeitos dos “fatos” efetivamente ocorridos. Como conciliá-los? Seria admissível, pela abstração dos efeitos que o fato concreto propagou, identificar o preciso tempo de seu acontecimento? As circunstâncias materiais necessárias a configurado fáctica estão irremediavelmente atreladas aos efeitos típicos. Não podemos abstrair urnas sem também abstrair outros. Cremos que o objetivo da norma é aludir a efeitos estranhos, vulgares, alheios aos peculiares e exclusivos que o evento propala.Transigindo assim, contornamos a contradição e outorgamos certo sentido ao inc. II do art. 118. Muito mais difícil, porém, é compatibilizar o art. 118, I, com o art. 116, II. Nesse ponto a tarefa parece até impossível. Para o reconhecimento da situação jurídica temos de analisar sua constituição, nos termos do direito aplicável (art. 116, II), e, ao mesmo tempo, para compreender a definição legal do fato, sempre que se tratar de ato ou negocio jurídico, somos obrigados a fazer abstração da validade dos atos praticados. As ordens prescritas não se coadunam. Urna exclui a outra, em dimensões de contraditoriedade absoluta. Enfrentamos, de novo, um problema de opção interpretativa e temos para nós que o privilégio deve recair no inc. II do art. 116, em detrimento do inc. I do art. 118.
Nessa mesma linha, é esclarecedora a manifestação de Sacha Calmon Navarro Coêlho87: Este artigo é, para os fins a que se propõe, algo imprestável. Com ele, ao tempo em que se fez o CTN, pretendeu-se dar escoras à chamada
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Curso de direito tributário brasileiro ... , p. 681-682.
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“interpretação econômica do fato gerador”. A evolução doutrinária e jurisprudencial, contudo, estiolou quase que por completo o seu conteúdo. Ficou solto dentro do sistema do Código. Deve desaparecer na primeira revisão sistemática do CTN, já que em estado de dessuetude. De resto, como poderão não ter validade jurídica os atos praticados pelos contribuintes para a definição legal do fato gerador se os arts. 116 e 117 precedentes dão-nos a exata dimensão da importância desses atos e dos seus efeitos para a efetivação dos fatos jurígenos tributários? Quando muito - noutra área de considerações – pode-se aproveitar este artigo para desligar o fato gerador dos tributos da teoria das nulidades (art. 166 e seguintes do Código Civil) ou das solenidades e formalismos dos atos jurídicos privados (arts. 107 e 212 do Código Civil). Sabe-se, por exemplo, que a validade do ato jurídico depende de sujeito capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei. No entanto, um sujeito falido, com sentença proibindo-o de comerciar por cinco anos, pode, perfeitamente, ao largo das leis civis e comerciais, montar negócio na estrada Belém-Brasília e comerciar (estabelecimento comercial de fato). Deverá pagar ICMS. Não poderá, v.g., demandar a nulidade de seus atos de mercancia para furtar-se ao dever de pagar ICMS. Poderá, pelos seus atos, sujeitar-se, inclusive, a persecução penal, mas não se evadirá da obrigação de contribuir. O artigo liga-se a outros de mesma índole, a saber o art. 109 e o art. 126, ambos do CTN. Parece-nos oportuno fazer aqui certas observações a respeito das diferenças entre normas antievasivas ou anti-simulatórias que visam a controlar o abuso de formas de Direito Privado pelos contribuintes de forma ilícita e normas antielisivas que buscam evitar práticas lícitas. O art. 116, parágrafo único, é norma anti-simulatória genérica, implicando sempre a ilicitude (o contribuinte frauda ou simula absolutamente ou encobre um negócio real por outro aparente, praticando a chamadas simulação relativa). A regra do art. 116, parágrafo único, do CTN, permite ao Fisco DESCLASSIFICAR as formas simuladas, colocando-lhe os ônus da prova. No caso das práticas lícitas visando elidir impostos ou economizar impostos (tax planning) são pressupostos: a) a existência de um negócio típico tributado que o contribuinte quer evitar; b) a possibilidade de um outro negócio ou negócios lícitos, chamados de determinativos e indiretos, efetivamente praticados pelo contribuinte para evitar ou diminuir a carga fiscal;
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c) a impossibilidade de se aplicar penalidades ao contribuinte, eis que este nenhum ato ou negócio ilícito praticou. Para combater a elisão lícita, existem dois métodos: a) o método da colmatação legislativa, comum nos países cuja Constituição ou legislação proíbem a analogia. São as special rules do Direito inglês. Caso por caso, o legislador vai fechando as brechas. É o caso, ainda, do art. 109 do Código Tributário Nacional, que permite ao legislador estender ao negócio ou ato extratípico o regime tributário do regime típico alcançado pela tributação. b) O método da desqualificação administrativa, a partir de urna permissão genérica (norma geral antielisiva ou general rules). Neste método, o uso da analogia e a prevalência do Estado-Administração são imprescindíveis. A partir de teses como a do Teste de Finalidade Negocial (Business Purpose Test), a do Disregard (Desconsideração da Pessoa Jurídica), a da fraude à lei ou de abuso de direito, confere-se aos fiscais o poder, independentemente de ser lícita a forma determinativa adotada, de DESQUALIFICAR E REQUALIFICAR o negocio extratípico, aplicar-lhe a tributação do negócio típico que ele, subjetivamente, entende ser devido. Entre nós, os princípios da legalidade, tipicidade e proibição da analogia impedem a norma geral antielisiva.
Considerando a notória autoridade desses juristas, bem como as contundentes e judiciosas críticas por eles proferidas (aqui transcritas na íntegra), percebe-se o cuidado que se precisa ter ao interpretar o referido art. 118. É conveniente tentar proceder a uma interpretação desse dispositivo, de modo a compatibilizá-lo com as demais disposições do CTN, em especial, com o prescrito no artigo 116, incisos I e II, e no artigo 117. Em primeiro lugar, concentrando a atenção no enunciado do art. 118 e de seus incisos I e II, verifica-se que o mesmo trata do modo pelo qual a atividade de interpretação da “definição legal do fato gerador” deve se desenvolver. Pelo examinado anteriormente, a expressão “definição legal do fato gerador” significa antecedente da norma tributária. Assim, a prescrição relativa ao modo de interpretar refere-se ao plano da norma tributária (mais especificamente, ao do seu antecedente), não ao plano do fato jurídico tributário. Portanto, é natural que a interpretação de um ou mais enunciados legais, a fim de compreender seu significado e construir a respectiva norma jurídica, prescinda da análise de qualquer fato que lhe corresponda. Seria um exagero,
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quiçá um equívoco, entender que um enunciado legal somente poderia ser interpretado quando ocorresse um fato, cujo conceito se subsumisse à norma construída a partir daquele enunciado. Nesse sentido, o contido no art. 118, longe de revelar um absurdo, beiraria a declaração de uma obviedade. À conclusão diferente se chegaria acerca do significado do art. 118 e seus incisos, acaso se considerasse que ele dispõe, não sobre o modo de se interpretar um enunciado legal, mas, sim, sobre o fenômeno da aplicação da norma tributária a certo fato cujo conceito a ela se subsome, tornando-se fato jurídico tributário. Por certo, é contra esta delicada conclusão que representativa parcela da doutrina nacional dirige suas críticas. Sob esse ângulo, a redação do art. 118 sugeriria que, para fins de caracterização de um fato como sendo “fato gerador” (concreto, fato jurídico tributário), é indiferente (a) a circunstância de serem válidos os atos praticados e (b) que efeitos efetivamente ocorreram a partir de certos fatos. Com o intento de melhor compreender essa situação, convém analisar separadamente as duas hipóteses suscitadas pelo art. 118: a)
a primeira – ser indiferente a circunstância de serem válidos os atos praticados para que um fato seja considerado jurídico tributário; e
b)
a segunda – ser indiferente que efeitos efetivamente ocorreram a partir de certos fatos para que um fato seja considerado jurídico tributário.
A primeira hipótese está relacionada ao que se disse acerca do art. 116 do CTN. Há que se ter em conta duas situações bem distintas. Na primeira, a situação descrita no antecedente da norma tributária está relacionada a uma “situação de fato”, em rigor, a um ato jurídico em sentido estrito. Na segunda, a situação descrita no antecedente da norma tributária está relacionada a uma “situação jurídica”, em rigor, a um negócio jurídico. Por consequência, aquela não se encontra submetida ao critério de ser ou não válida. Esta se encontra. Vale lembrar que é o negócio jurídico, não o ato jurídico em sentido estrito, que se submete ao critério de validade88. O estado de ser proprietário de um bem (situação de fato, da espécie ato jurídico em sentido estrito) não é válido nem inválido, pois não se submete a
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O Código Civil de 2002 é mais preciso que o Código Civil de 1916 nesse ponto, pois o art. 104 do Código atual se refere à validade do negócio jurídico, não mais do ato jurídico, como dispunha o art. 82 do Código anterior.
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tal critério de classificação. O negócio jurídico-doação ou o negócio jurídicocompra e venda, que se constituem espécies de título de aquisição da propriedade, é que podem se qualificar como válido ou não válido e, por conseguinte, serem ou não aptos a causar a transferência da propriedade. Dessarte, se a situação descrita no antecedente da norma tributária aludir a um negócio jurídico (por exemplo, a doação), se este é nulo, não há como se considerar que existe fato jurídico tributário, nem que tenha surgido a consequente obrigação tributária atinente ao imposto sobre doação (art. 155, I, CRFB). De igual modo, se a compra e venda do imóvel é nula, ela não se configura em título apto a transferir (efeito jurídico da transcrição do título de aquisição no Registro de Imóveis) o direito real de propriedade sobre imóvel, pelo que não há como se considerar que existe fato jurídico tributário e a consequente obrigação tributária atinente ao ITBI (art. 156, II, CRFB). Por outro lado, se a situação descrita no antecedente da norma tributária aludir a um ato jurídico em sentido estrito (por exemplo, alguém ser proprietário de um imóvel urbano), não é relevante a causa desse estado, mas, sim, a caracterização do mesmo pelos meios de prova pertinentes. Em rigor, o estado de ser proprietário de um imóvel pode existir independentemente da validade de uma doação ou de uma compra e venda, espécies de título de aquisição da propriedade. Eis o exemplo da aquisição da propriedade por usucapião. Este é um modo de aquisição da propriedade (originário), que pode (se houver um justo título – arts. 1242 e 1260 do CCivil) ou não (se não houver título – arts. 1238 e 1261 do CCivil) se referir a um negócio jurídico anterior. Por outro lado, insta destacar que o sujeito ativo tributário não tem o dever de investigar se o negócio foi praticado validamente, para, somente depois, considerar ocorrido o fato jurídico tributário e, por conseguinte, nascida a obrigação tributária. Para o Fisco, via de regra, é bastante considerar os elementos formais do negócio jurídico (por exemplo, quanto ao ITBI, se houve a transcrição do título aquisitivo no Registro de Imóveis89), sem que seja necessário perquirir se as partes eram
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É cediço que leis de diferentes Municípios determinam que, para lavrar uma escritura pública de compra e venda de um imóvel, é necessário provar o pagamento do ITBI. Contudo, este tipo de exigência tem sido considerada indevida tanto pelo Supremo Tribunal Federal quanto pelo Superior Tribunal de Justiça: a) AI 522048/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 04/05/2006 – “DECISÃO: Trata-se de agravo contra decisão que negou processamento a recurso extraordinário, fundado no art. 102, III, ‘a’, da Constituição Federal, em face de acórdão assim ementado: ‘TRIBUTÁRIO - ITBI - ESCRITURA PARTICULAR DE COMPRA E VENDA SEM REGISTRO - FATO GERADOR NÃO
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plenamente capazes, ou se alguma parte foi induzida a erro. Todavia, uma vez anulado o negócio, há o direito de pleitear a restituição do indébito tributário. Quanto à segunda hipótese – ser indiferente que efeitos efetivamente ocorreram a partir de certos fatos para que um fato seja considerado jurídico tributário – é preciso identificar a que “efeitos” se refere o inciso II do art. 118. No caso de se tratar dos “efeitos de fato” (conduta que efetivamente é adotada pela ou pelas partes), por certo eles são irrelevantes para a caracterização de um fato como sendo fato jurídico tributário. Desse modo, se, após a realização da doação, o doador se recusar a entregar o bem doado, isso não descaracteriza a doação como fato jurídico tributário no tocante ao imposto de doação. De igual modo, se, após a venda de uma mercadoria por um comerciante, o comprador se recusar a pagar o preço, isso não descaracteriza aquela operação como fato jurídico tributário no tocante ao ICMS. Interpretado desse modo, o inciso II do art. 118 apresenta sentido consonante com o dos demais enunciados do CTN. De outra sorte, no caso de se tratar dos “efeitos jurídicos”, não há como separar a ocorrência de um fato jurídico (seja ato jurídico em sentido estrito ou negócio jurídico) do efeito jurídico dele decorrente. Se acontecer o fato cujo conceito corresponde ao antecedente da norma jurídica, irradia-se, inexoravelmente, o efeito jurídico prescrito pelo consequente normativo. Em síntese, quanto à expressão “efeitos dos fatos efetivamente ocorridos” contida no inciso II do art. 118 do CTN, considerar que tais efeitos se referem ao comportamento efetivamente adotado, o qual pode ou não ser concorde ao prescrito no consequente normativo, representa uma interpretação conciliadora com o restante do sistema jurídico, o que revela uma prática salutar em termos hermenêuticos.
CARACTERIZADO - LEI DISTRITAL 11/88. O disposto no art. 2º da Lei Distrital 11/88 não se coaduna com o sistema jurídico pátrio, para o qual só se adquire a propriedade imobiliária mediante registro do título que lhe deu causa. Ilegal, portanto, o lançamento do ITBI antes da apresentação da escritura de compra e venda ao oficial registrador.’ Alega-se violação ao artigo 156, II, da Carta Magna. No julgamento da Rp nº 1.121, o Plenário desta Corte assentou que ‘o compromisso de compra e venda, no sistema jurídico brasileiro, não transmite direitos reais nem configura cessão de direitos à aquisição deles, razão por que é inconstitucional a lei que o tenha como fato gerador de imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos.’ (DJ 13.04.84). Nesse mesmo sentido, monocraticamente, AI 457.177, Rel. Joaquim Barbosa, DJ 26.06.05. Dessa orientação não divergiu o acórdão recorrido. Assim, nego seguimento ao agravo (art. 557, caput, do CPC).” b) AgRg no AgRg no REsp 764808/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 12.04.2007: “PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA.(TRIBUTÁRIO. ITBI. DIFERENCIAÇÃO DE ALÍQUOTAS E PROGRESSIVIDADE. FATO GERADOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA RESCINDIDA). 1. O fato gerador do ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel motivo pelo qual não incide referida exação sobre o registro imobiliário de escritura de resilição de promessa de compra e venda, contrato preliminar que poderá ou não se concretizar em contrato definitivo. [...]”
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Presunções no Direito Tributário
Maria Rita Ferragut Mestre e doutora em Direito Tributário pela PUC/SP. Professora na PUC, Cgeae, FIA/USP e IBET. Advogada em São Paulo. Autora dos livros “Presunções no direito tributário” e “Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002”.
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1. PALAVRAS
INTRODUTÓRIAS
As presunções vêm adquirindo cada vez mais importância em nosso sistema jurídico, por se constituírem em eficiente meio contra as fraudes fiscais, já que, nessas circunstâncias, o sujeito pratica o ilícito de forma a dificultar em demasia a produção de provas diretas. Colaboram, também, para a eficácia da atividade arrecadatória, por meio da simplificação da arrecadação, nas hipóteses em que a prova direta é impossível ou muito difícil de ser produzida. E, finalmente, são por vezes utilizadas pelo Fisco como justificativa da prática de atos arbitrários, repudiáveis num Estado de Direito. No Direito Brasileiro, as presunções surgiram com o Regimento nº 737, de 25 de novembro de 1.850, que as incluiu no rol das provas, o que foi seguido por alguns códigos estaduais, tais como os do Rio de Janeiro, Pernambuco e Minas Gerais. A Constituição Federal de 1.988 faz uma referência à presunção, no parágrafo 7º do artigo 150. Por meio desse enunciado, é outorgada competência para a criação de regra presuntiva, ao autorizar que as pessoas políticas cobrem impostos e contribuições com base em fatos jurídicos indiciários de eventos de provável ocorrência futura. Já o Código Tributário Nacional as contempla nos artigos 185 (é fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, pelo sujeito passivo em débito inscrito para com a Fazenda Pública) e 204 e parágrafo único (presunção relativa de certeza e liquidez de dívida regularmente inscrita). Além disso, as presunções estão presentes em diversas leis ordinárias de todas as pessoas políticas, que contemplam pautas fiscais de valores, regime de estimativa, tributação reflexa dos sócios, sinais exteriores de riqueza, passivo fictício, preços de transferência, plantas de valores etc., sendo evidente, pois, sua presença, e importância, no direito positivo atual.
2. DEFINIÇÃO O vocábulo “presunção” procede do latim praesumptio, praesumo, ere, e significa pressupor, supor, prever, imaginar, conjeturar, basear-se em probabilidades. Para a filosofia, o vocábulo “presunção” é tomado em duas acepções fundamentais: de “conjectura” (suspeita) e de “vaidade” (pretensão). Como esta última é, pelo menos a princípio, desprovida de significado jurídico, limitaremonos a definir “presunção” apenas enquanto “conjectura”. Presunção, nesse sentido,
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é a atividade mental de valoração, relacionando-se com o conceito de “prova”, na medida em que esta supõe uma atividade valorativa de comparação e confronto. Já a definição legal confere, por meio de um enunciado prescritivo, o conteúdo semântico de determinado vocábulo, ao passo que a doutrinária é a científica, elaborada pelo estudioso do direito. No ordenamento jurídico brasileiro, inexiste dispositivo legal que tenha como único objeto a definição de presunção, muito embora sejam muitos os enunciados em que o vocábulo é referido. De acordo com nossa definição, presunção é proposição prescritiva de natureza probatória, que, a partir da comprovação do fato diretamente provado (fato indiciário, fato diretamente conhecido, fato implicante), implica juridicamente o fato indiretamente provado (fato indiciado, fato indiretamente conhecido, fato implicado). É a comprovação indireta que distingue a presunção dos demais meios de prova (exceção feita ao arbitramento, que também é meio de prova indireta), e não o conhecimento ou não do evento. Com isso, não se trata de considerar que a prova direta veicula um fato conhecido, ao passo que a presunção, um fato meramente presumido. Conhecido o fato sempre é, pois detém referência objetiva de tempo e de espaço; conhecido juridicamente, também, é o evento nele descrito. Por outro lado, da perspectiva fática, o evento, em que pese ser provável, é sempre presumido. Com base nessas premissas, entendemos que as presunções nada “presumem” juridicamente, mas prescrevem o reconhecimento jurídico de um fato provado de forma indireta. Faticamente, tanto elas quanto as provas diretas (perícias, documentos, depoimentos pessoais etc.) apenas “presumem”. Só a manifestação do evento é atingida pelo direito e, portanto, o real não há como ser alcançado de forma objetiva: independentemente da prova ser direta ou indireta, o fato que se quer provar será ao máximo juridicamente certo e fenomenicamente provável. É a realidade jurídica impondo limites ao conhecimento jurídico.
3. ESPÉCIES
DE
PRESUNÇÃO LEGAL
3.1. A CLASSIFICAÇÃO TRADICIONAL Tradicionalmente, as presunções têm sido classificadas segundo dois critérios fundamentais: o da procedência e o da força probante. No primeiro caso, as presunções classificam-se em (i) legais (juris), se elaboradas pelo
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legislador e impostas como enunciados jurídicos gerais e abstratos, e (ii) hominis (judiciais ou, ainda, comuns), se construídas pelo aplicador da norma, segundo sua própria convicção. Quanto à força probante, dizem-se relativas (juris tantum), quando admitirem prova contrária, absolutas (juris et de jure), quando não admitirem essa comprovação, e, finalmente, mistas, quando admitirem somente algumas provas. Assim, as presunções seriam classificadas em hominis ou legais, aquela sempre relativa e essa última relativa, absoluta ou mista.
3.2. CRÍTICAS À CLASSIFICAÇÃO TRADICIONAL São as seguintes as críticas aplicáveis à classificação tradicional acima exposta.
• PRIMEIRA CRÍTICA: A CLASSIFICAÇÃO “ABSOLUTAS”
DAS PRESUNÇÕES LEGAIS EM
Considerando que a produção de provas contrárias à ocorrência do fato indiretamente provado é fator determinante para a caracterização dessas regras jurídicas como presuntivas, a presunção há de ser sempre relativa. As denominadas “absolutas”, ao invés de presunções, são disposições legais de ordem substantiva. São, segundo entendimento de Pontes de Miranda1, “o conteúdo de regras jurídicas que estabelecem a existência de fato jurídico (e.g. direito), sem que se possa provar o contrário (presemptiones iuris et de iure, presunções legais absolutas)”. O raciocínio presuntivo e a probabilidade encontram-se presentes na fase pré-jurídica, em que os membros do Poder Legislativo, observando o que ordinariamente acontece, constatam que, a partir da ocorrência de determinado fato diretamente conhecido, é possível, com razoável grau de certeza, concluir que um outro fato também teria existido, ainda que os meios de prova direta não o comprovem. Criam, então, por razões de interesse público, veículos introdutores gerais e abstratos, determinando ao aplicador da lei que reconheça, sempre que provada a existência de certo fato, e independentemente da produção de provas em contrário à existência do fato que se quer provar, um outro fato. Aí reside o problema, que desqualifica a regra enquanto espécie de presunção: o fato jurídico que deveria ser meramente processual se transforma
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Tratado de direito privado. t. 3. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954. p. 420.
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em fato jurídico material, deixando a “presunção”, com isso, de contemplar uma probabilidade para veicular uma verdade jurídica necessária. Isso sem mencionar que, se a ocorrência do fato indiciário implica necessariamente a verdade do fato indiciado, os efeitos jurídicos deste derivam automaticamente da constatação (em linguagem competente) da ocorrência dos indícios, independentemente da verdade empírica do evento descrito no fato implicado. O julgador ou o aplicador da norma, diante dos indícios, não necessita convencer-se da veracidade da ocorrência do fato indiciado, nem de sua falsidade, mas deve limitar-se a considerá-lo como ocorrido. Sendo assim, essas regras não devem ser consideradas como meios de prova, mas regras de direito substancial. Ademais, nas provas indiciárias, a relação de implicação deve ser ordinária. Ocorre que, embora nas “presunções legais absolutas” essa relação assim o seja, considerando-se a realidade social, é ela constante para o mundo jurídico, uma vez que o reconhecimento jurídico do indício implicará, necessariamente, o reconhecimento do fato indiciado como sendo verdadeiro. Em outras palavras, o enunciado considerará que o indício implicará sempre a conclusão juridicamente prevista, com o que tornará a relação entre eles constante. Desse modo, embora não pudéssemos deixar de reconhecer que as regras de “presunção absoluta” traduzam um raciocínio presuntivo pré-jurídico, enquanto presunção, elas não podem ser consideradas, por não admitirem a produção de provas contrárias. Esclareça-se, apenas, que o reconhecimento da existência do raciocínio presuntivo, e da probabilidade a ele inerente, interessará somente para fins de diferenciá-las das ficções jurídicas, muito embora a utilidade dessa diferenciação seja altamente questionável, já que, sempre que a utilização válida dessas espécies normativas for possível, o regime jurídico aplicado é o mesmo para ambas.
• SEGUNDA CRÍTICA: A CLASSIFICAÇÃO DAS PRESUNÇÕES LEGAIS
EM
QUALIFICADAS
As presunções conhecidas por mistas ou qualificadas admitem como prova contrária à existência do evento descrito no fato indiciado apenas determinadas provas. Ocorre que, como tal limitação probatória fere o princípio constitucional da ampla defesa, tal restrição há de ser reconhecida como inconstitucional (ou não-recepcionada, quando for o caso), prevalecendo na ordem jurídica as demais prescrições constantes desse enunciado. Assim, a regra permanece válida no sistema como presunção legal relativa, a ela sendo aplicável o regime jurídico próprio dessa espécie de presunção.
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• TERCEIRA CRÍTICA: A CLASSIFICAÇÃO DAS PRESUNÇÕES EM LEGAIS E HOMINIS Entendemos que ambas sejam presunções legais, já que se encontram disciplinadas pelo direito, seja em enunciados gerais e abstratos (relativas), seja em individuais e concretos (hominis e relativas, esta produto do ato de aplicação das gerais e abstratas presuntivas). A presunção hominis, muito embora pressuponha uma operação lógica realizada pelo aplicador do direito a partir de regras de experiência, só se torna juridicamente relevante a partir do momento em que for vertida em linguagem competente, vale dizer, quando o aplicador expedir enunciado individual e concreto que contemple essa operação. Sem esse, o raciocínio presuntivo consistirá apenas num silogismo não vertido em linguagem jurídica, irrelevante para nosso objeto de estudo, considerando-se o corte metodológico efetuado. Enquanto o silogismo não for positivado pelo sujeito competente, será completamente irrelevante para o mundo do direito e, por outro lado, a partir do momento em que for positivado, as consequências jurídicas decorrerão da causalidade normativa pertinente a esta regra individual e concreta, e não do raciocínio que a precedeu. Do exposto, temos que todas as presunções existentes em nosso ordenamento jurídico são legais.
3.3. CRITÉRIO PROPOSTO Podemos afirmar que estaremos diante de uma presunção legal quando nosso objeto for: (i) uma proposição prescritiva; (ii) espécie de prova indireta; (iii) composta por um fato indiciário que implique juridicamente a existência de um outro fato, indiciado; e (iv) que todos os fatos sujeitem-se à produção de provas contrárias à existência fática dos eventos nele descritos. Disso depreendemos que: (v) a presunção denominada “absoluta” não é verdadeira presunção por não ser espécie de prova, mas qualificação material de fatos jurídicos; (vi) a qualificada é espécie de presunção relativa; e (vii) as presunções hominis são legais. Feitas essas considerações preliminares, necessárias por excluir de nossa análise tudo o que não for presunção, segundo o sistema de referência ora adotado, podemos agora desenvolver os critérios eleitos para a classificação das espécies de presunções legais. São os seguintes: generalidade e abstração; existência vinculada à ocorrência de fatos indiciários; e conteúdo do fato indiciado. Vejamos, inicialmente, cada um dos critérios.
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• Generalidade e abstração – a generalidade e a abstração são características próprias dos enunciados jurídicos gerais e abstratos. A presunção relativa, enquanto enunciado elaborado pelo legislador, com o auxílio de regras de experiência detidas pelos representantes eleitos, encontra-se necessariamente prevista em enunciados gerais e abstratos, cuja prescrição não se refere a termos da relação, nem a certo fato conhecido, ocorrido em tempo e espaço determinados, mas apenas a critérios para identificação do indício e da consequência jurídica que se instaurará, de reconhecimento formal da ocorrência do fato indiciado. Sempre que o aplicador da norma promover o processo de positivação, a partir do enunciado geral e abstrato suprarreferido, a presunção relativa poderá, também, ser o conteúdo de um enunciado jurídico individual e concreto deonticamente incompleto (deve-ser que, se f, então f ’), cuja conclusão (fato indiciado) subsumir-se-á ao antecedente de uma norma geral e abstrata, esta sim deonticamente completa. Tais características, no entanto, não comprometem o caráter de abstração da presunção legal relativa, já que a proposição individual e concreta presuntiva buscará sempre seu fundamento de validade imediato na regra geral e abstrata presuntiva, dotada das características que ora apontamos como um dos critérios de classificação. Já as presunções hominis, embora autorizadas por enunciado geral e abstrato (artigo 335 do CPC), são desprovidas dos qualificativos de generalidade e abstração, visto consistirem exclusivamente no conteúdo de enunciados prescritivos individuais e concretos, que traduzem em linguagem competente o raciocínio pré-jurídico efetuado pelo aplicador da norma. Em outras palavras, inexiste enunciado geral e abstrato presuntivo que sirva de fundamento de validade imediato da presunção hominis e que, por consequência, preveja, em regra geral e abstrata, o indício, a relação de implicação jurídica e o fato indiciado. • Existência vinculada à ocorrência de fatos indiciários – enquanto que, na presunção relativa, mesmo antes da ocorrência no mundo fenomênico de fatos indiciários, já se tem enunciado jurídico geral e abstrato presuntivo, na presunção hominis primeiro os indícios devem ser identificados e provados para, somente após, passar a existir a presunção. Desse modo, no primeiro caso, temos a presunção independentemente da ocorrência factual dos indícios, ao passo que, no segundo, os indícios são pressupostos de existência da presunção. Essa última conclusão aplica-se também à presunção relativa enquanto enunciado jurídico individual e concreto, de expedição vinculada à identificação de que ora tratamos.
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• Conteúdo do fato indiciado – justamente por estarem previstos em enunciado jurídico geral e abstrato presuntivo, os critérios para identificação do conteúdo do fato indiciado (que pode tanto ser o fato jurídico ensejador do nascimento da obrigação tributária quanto a base de cálculo dessa obrigação) são determinados pelo próprio Poder Legislativo. O fato previsto na regra individual veiculadora de presunção relativa, por sua vez, guarda relação com os critérios estabelecidos na regra geral e abstrata. Já o conteúdo do fato indiciado constante duma presunção hominis alterase de acordo com os valores inerentes ao aplicador do direito, ao contexto de tempo e espaço e à forma pela qual os indícios ocorreram. De todo o exposto, temos que as presunções legais são classificadas em relativa e hominis. É relativa se forem os conteúdos de enunciados jurídicos gerais e abstratos, existindo independentemente da ocorrência fenomênica de fatos indiciários, e se os critérios para definição do conteúdo do fato indiciado forem determinados pelo legislador. Se forem os conteúdos de enunciado individuais e concretos, não existirá.
4. NATUREZA JURÍDICA
DAS
PRESUNÇÕES LEGAIS
A natureza jurídica das presunções é um tema controverso. Defende-se serem provas (na acepção de meio de prova) regras especiais acerca da distribuição do ônus da prova, regras sobre provas, regras que acarretam a transformação do objeto da prova etc. Discorreremos, a seguir, sobre as principais teorias existentes acerca do tema.
4.1. TEORIA CLÁSSICA A teoria clássica considera o enunciado presuntivo como sendo meio de prova, diferenciando-o do que denomina de prova por esta estabelecer o fato de maneira imediata, ao passo que a presunção o faz de maneira indireta, com base em indício já provado. Em outras palavras, ambas são passíveis de produzir o convencimento a respeito do fato que se pretende provar, mas a prova se difere da presunção no que tange ao processo de conhecimento do fato desconhecido. Enquanto na prova se atinge diretamente o fato probando, na presunção há uma operação lógica de indução e dedução, existindo o indício como elemento intermediário. A partir do entendimento manifestado por essa corrente é que a classificação das provas em diretas e indiretas foi elaborada.
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4.2. TEORIA DO EFEITO PROBATÓRIO Essa teoria distingue a prova da presunção por seu efeito probatório diverso, no sentido de que, enquanto a prova confere certeza, a presunção fornece apenas probabilidade. Nas presunções, a certeza da ocorrência no mundo real do evento descrito no fato é uma convicção passível de ser atingida, ainda que a probabilidade de erro seja maior que na das provas diretas. Insistimos, no entanto, que as probabilidades se tornam certezas jurídicas quando o sujeito não produzir provas em contrário, ou produzi-las insuficientemente. A probabilidade, nessas situações, ficará adstrita ao campo extrajurídico, revelando certeza para o mundo do direito. E, se tanto a prova quanto a presunção conduzem a ela, são similares no que concerne ao efeito probatório.
4.3. TEORIA DO INDÍCIO ENQUANTO PROVA INCIDENTAL Esta teoria sustenta que a única diferença entre a prova e a presunção é que esta, diferentemente daquela, é uma consequência obtida por meio de um fato que inicialmente não tinha por fim estabelecer a verdade de um outro, apenas ocasionalmente passando a ser considerado fato indiciário do fato provado de forma indireta. Assim, enquanto a prova, em sentido estrito, teria a função de demonstrar diretamente a verdade do fato que se quer provar, a presunção visaria atestar a ocorrência ou a inocorrência do fato de forma indireta, baseando-se em indícios que apenas incidentalmente teriam aptidão para fazer prova de um fato. Não parece, no entanto, que a admissão do indício como prova incidental seja característica relevante o bastante para levar ao entendimento de que, somente por isso, prova e presunção se diferenciem. Ambas, é certo, demonstram a existência ou inexistência dos fatos alegados, em que pese ser a demonstração direta ou indireta.
4.4. TEORIA DO FUNDAMENTO Para esta teoria, enquanto a prova direta tem sempre por base uma declaração escrita ou oral, a presunção tem por base um fato diverso da declaração humana. O nome “prova” seria reservado para as demonstrações simples (produzidas independente da forma, desde que escrita ou oral) ou formais (cercada de certas formalidades), ao passo que “presunção” seria indução baseada apenas em indícios de ordem física ou moral.
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Ocorre que, se a base da presunção é um fato indiciário conhecido e, portanto, provado, repousa também sobre a declaração do homem, em que pese estar apenas indiretamente relacionado com o fato que se quer provar. Ademais, se o fundamento da presunção é o raciocínio lógico, baseado em probabilidades e que se utiliza do fato indiciário, essa operação também é obra do homem, seja o legislador ou o aplicador da norma.
4.5. TEORIA DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA A tradição romana justifica a regra processual que veicula o ônus da prova na necessidade de que cada uma das partes alegue e prove, no processo, os fatos sobre os quais a norma jurídica vincula o efeito desejado, posto que a mera alegação não implica, por si só, a verdade do conteúdo do enunciado. Estabelece, com isso, o sujeito a quem cabe demonstrar, mediante linguagem das provas, a ocorrência do evento descrito no fato alegado. Para a corrente que ora tratamos, a presunção é considerada não como meio de prova, mas como proposição jurídica que produz a inversão do ônus da prova. A razão desse entendimento reside no fato de que a presunção atuaria na distribuição do ônus, dispensando o litigante, a quem interessa o reconhecimento jurídico do fato indiciado, de provar, ao mesmo tempo em que atribui à outra parte o ônus de demonstrar a inocorrência do evento a que o fato se reporta. Entendemos que o ônus da prova não é alterado pela presunção, tendo em vista que todas as partes permanecem com a obrigação de provar os fatos relacionados com suas afirmações. Quem alega a ocorrência do fato indiciado deve provar a ocorrência dos indícios, fatos diretamente conhecidos, e aquele contra quem a presunção aproveita deve provar, alternativa ou conjuntamente, a inocorrência dos indícios, do fato indiciado, a existência de diversos indícios em sentido contrário ou, ainda, questionar a razoabilidade da relação jurídica de implicação. Sustenta-se que, no Direito Tributário, ao sujeito ativo da relação jurídica é permitido alegar a ocorrência do fato sem que apresente provas acerca desse acontecimento, já que, sobre os atos por ele expedidos, recairia a presunção de legitimidade. É o sujeito passivo quem deveria provar que a prática do fato que lhe está sendo imputado não corresponde ao que se sabe da realidade, em claro exemplo de inversão do ônus da prova. Não concordamos com esse entendimento. Se alguma obrigação tributária foi pretensamente descumprida, há de se reconhecer o dever do Fisco de
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demonstrar que o fato jurídico tributário ocorreu, já que tal demonstração constitui pressuposto para autorizar a fenomenologia da incidência. Não podendo ocorrer a demonstração a que nos referimos acima, em virtude da comprovada impossibilidade de prova direta acerca da ocorrência do fato, a Administração deverá utilizar-se das presunções legais, enunciados que não estabelecem a inversão do ônus da prova, mas se constituem em meios indiretos de prova e pressupõem a comprovação dos indícios por aquele que das presunções se utiliza. Sobre essa questão, Pontes de Miranda2 ensina que: A força probatória das presunções, meios de prova, assenta em convicções (e normas) oriundas da experiência. A lei só se interessa por elas para as arrolar como meio de prova, ou para alusões à experiência do juiz. Daí não fixar ou inverter o ônus da prova, a respeito delas: o que delas deriva é prova ao primeiro exame, ou prima facie, emanada de verossimilhança que pode ser eliminada, se, verossimilhantes, se manifesta a afirmação contrária.
Portanto, ao Fisco compete sempre provar os fatos que alega. Se não puder fiscalizar adequadamente, por culpa do contribuinte que se recusa a colaborar de forma satisfatória, deverá, ainda assim, comprovar a existência dos indícios. Aquele que alega o fato deve sempre produzir provas que sustentem sua alegação, sejam elas diretas ou indiretas. O que pode ocorrer, apenas, é a transferência do objeto da prova, já que o fato principal não necessita ser provado de forma direta toda vez que isso não for possível. A inversão do ônus da prova, assim sendo, somente poderia ser entendida neste sentido: se impossível ao Fisco provar a ocorrência do fato, deverá limitar-se a provar a ocorrência dos fatos indiciários; se ausente essa situação excepcional, deverá necessariamente comprovar a ocorrência do fato jurídico3. Portanto, se entendermos que a inversão do ônus da prova implica a exoneração do sujeito que alega o fato de provar, a presunção não inverte o ônus;
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Tratado..., t.3, op. cit., p. 420. Sobre a garantia de que a documentação regular faz prova em favor do contribuinte e que, caso a fiscalização acredite que a mesma não é apta a traduzir os fatos juridicamente relevantes, deverá provar seu entendimento, dispõem os artigos 9º, § 1º, do Decreto-lei nº 1.598/77 (“A escrituração mantida com observância das disposições legais faz prova a favor do contribuinte dos fatos nela registrados e comprovados por documentos hábeis, segundo sua natureza, ou assim definidos em preceitos legais.”) e 9º, § 2º, do Decreto-lei nº 1.598/77 (“Cabe à autoridade administrativa a prova da inveracidade dos fatos registrados com observância do disposto no artigo anterior.”).
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se, por outro lado, significar alteração do objeto da prova, a inversão do ônus terá ocorrido. Por considerarmos mais adequada a primeira posição, somos do entendimento de que não há inversão do ônus da prova nas presunções legais.
4.6. NOSSA POSIÇÃO Entendemos que as presunções, em todas as acepções por nós adotadas, têm natureza processual probatória, a elas sendo sempre aplicáveis os princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório. Consistem em meios de prova indiciária, subsidiária, indireta, divergindo das hipóteses em que, na definição do fato jurídico ou da base de cálculo, intervêm ficções legais ou “presunções absolutas”, enunciados jurídicos de direito substantivo. Presunção como meio de prova é o que prescreve o Código Civil, ao prever que os atos jurídicos que não requerem forma especial poderão ser provados mediante presunção. Pontes de Miranda4, ao analisar referido artigo (que, na redação do Código Civil de 1916, correspondia ao art. 136, inciso V), entendeu que a: [...] presunção, a que se refere o art. 136, V, não é a chamada presunção legal (praesumptio iuris), porque essa, em vez de meio de prova, é o conteúdo de regras jurídicas que estabelecem a existência de fato, fato jurídico, ou efeito de fato jurídico. [...] As presunções, de que cogita o art. 136, V, nem regulam a fôrça probatória do meio de prova, nem são estabelecidas pela lei.
Concordamos apenas parcialmente com o mestre, já que a presunção relativa (que, de acordo com o entendimento de Pontes de Miranda, é uma das espécies de presunções legais) se insere no campo processual, pois, ao estabelecer a existência de fato indiciado, admite, tal como a hominis, produção de provas em sentido contrário, o que a torna instrumento de demonstração da verdade de um fato, equivale dizer, meio de prova. A prova pode ser vista tanto objetivamente (como o conjunto de meios ou elementos destinados a demonstrar a existência ou inexistência dos fatos alegados) quanto subjetivamente (como a convicção que o julgador forma acerca da existência desses fatos). A presunção é prova nesses dois sentidos, pois se constitui na forma legal de criar conhecimento que proporcione convicção ao julgador.
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Tratado..., t.3, op. cit., p. 420.
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Não há diferença substancial entre a prova direta (pericial, documental, testemunhal etc.) e as presunções legais. Há apenas diferença no que tange ao nexo lógico: enquanto a prova se relaciona diretamente ao fato que se pretende demonstrar como verdadeiro, a presunção relaciona-se de forma indireta, apoiando-se em indícios para provar a ocorrência do fato indiciado. De qualquer forma, ambas constituem verdade suficiente do ponto de vista jurídico e nenhuma confere certeza absoluta quanto à ocorrência fenomênica do evento descrito no fato. As duas espécies, é certo, limitam-se a transformar em linguagem competente a versão do evento, e não ele próprio, inatingível por ter se exaurido no tempo e no espaço. Passemos, agora, ao estudo mais aprofundado das características das presunções legais.
5. PRESUNÇÕES LEGAIS Até aqui, definimos as presunções legais, enquanto enunciados prescritivos, como sendo regras jurídicas de natureza probatória, que contêm fatos indiciários ligados ao fato indiciado por meio de relação jurídica de implicação. O fato indiciado é provado indiretamente e descreve ocorrência fenomênica provável e passível de refutação probatória. Vimos, também, que essas proposições se subdividem em duas espécies: presunções hominis e relativa. Esta pode tanto ser geral e abstrata quanto individual e concreta, ao passo que a hominis, somente individual e concreta. Iniciemos pela hominis.
5.1. PRESUNÇÕES LEGAIS HOMINIS O sistema jurídico, muito embora seja dinâmico, não evolui com a mesma rapidez que as realidades por ele disciplinadas. Dificilmente a lei teria como prever todos os possíveis fatos indiciários, a fim de contemplá-los no antecedente de um enunciado jurídico geral e abstrato veiculador de presunção relativa. Conscientes dessa limitação, bem como da necessidade de o direito oferecer instrumentos para garantir o conhecimento, ainda que indireto, dos fatos juridicamente relevantes, entendemos que o sistema admite a utilização das presunções hominis. Assim, pode ocorrer de aquele que tem o dever jurídico de promover o processo de positivação verificar que um fato conhecido pode ser tomado não só como prova direta desse fato, mas também como indício de um outro
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acontecimento, desconhecido. Tal raciocínio levaria em conta a relação de implicação existente entre os fatos, baseada em regras de experiência acerca do que geralmente acontece no mundo fenomênico. O sujeito verifica, além disso, que não é possível fazer prova contrária ao fato, concluindo, então, que o conceito por ele construído se subsume aos critérios para identificação de um fato, previstos no antecedente de uma norma existente no sistema, prescritora de obrigações (por exemplo, a regra-matriz de incidência tributária). Têm-se, pois, dois momentos e duas regras jurídicas: •
O primeiro, em que o aplicador da norma, utilizando-se do raciocínio presuntivo, expede enunciado jurídico individual e concreto, composto de antecedente e consequente, que busca fundamento de validade imediato no artigo 335 do Código de Processo Civil e que veicula relação de implicação jurídica entre o indício por ele diretamente conhecido e o fato indiciado, indiretamente conhecido; e
•
O segundo, em que o aplicador do direito promove a subsunção de conceitos, do fato jurídico previsto no consequente da proposição presuntiva com o do antecedente da norma geral e abstrata prescritora de obrigações. Tratando-se de obrigação tributária, o fato passa, nesse momento, a ser considerado como fato jurídico tributário.
A presunção hominis caracteriza-se, portanto, como uma proposição individual e concreta reveladora de um raciocínio lógico presuntivo realizado pelo aplicador da norma, que, a partir do conhecimento de indícios, da inexistência de provas em sentido contrário a eles, e da relação de implicação estabelecida segundo o que ordinariamente acontece, forma sua convicção, declarando normativamente a existência de fato jurídico indiretamente conhecido. Já no que concerne às demais características pertinentes a essa espécie de presunção legal (grande parte delas também aplicável à presunção relativa), podemos citar as que seguem: •
Permitirem a livre convicção acerca dos vestígios – proporcionam, no aplicador da norma, a possibilidade de formar convicções, não controladas por enunciados legais de limites objetivos que confiram graus de valor aos indícios, muito embora a apreciação do aplicador seja controlada por regras de hierarquia superior, como os princípios constitucionais.
•
Serem ilimitadas e previamente indeterminadas – por não buscarem fundamento de validade numa proposição geral e abstrata
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particular – que estabeleça critérios de identificação do fato indiciário, da relação de implicação jurídica, e do fato indiciado – não há como limitar o número de aparições das presunções hominis no sistema (assim como não há como limitar o número de aparições das presunções relativas individuais e concretas), nem previamente determinar qual será o conteúdo do enunciado. •
Terem por fundamento de validade imediato o artigo 335 do CPC estabelece o artigo 335 do Código de Processo Civil que, “em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial”.
Esse artigo estabelece o emprego das regras de experiência5 para hipóteses em que a lei não disciplina, de forma particular, as consequências jurídicas advindas da identificação de indícios de um fato ocultado. É, nesse sentido, enunciado prescritivo sobre prova, fundamento de validade imediato das presunções hominis. Finalmente, admitindo-se que o procedimento administrativo é insuficientemente disciplinado por nossa legislação, deve o termo “juiz”, a que o citado artigo menciona, referir-se a todo aplicador da lei no caso concreto, incluindo-se, assim, o agente fiscal, competente para aplicar a presunção hominis na esfera administrativa. •
Não ferirem a causalidade normativa – conforme já tivemos oportunidade de verificar, a causalidade normativa estabelece que, “dado o antecedente, deve-ser o consequente”. Já na física, “dado o antecedente, é o consequente”. E, nas presunções hominis, cabe perguntar: não seria “dado o antecedente, pode ser o consequente”, uma vez que o raciocínio lógico-presuntivo realizado pelo aplicador da norma, antes da expedição da regra individual e concreta, depende exclusivamente de sua valoração subjetiva acerca dos vestígios encontrados?
Entendemos que não. Uma coisa é a convicção de que os vestígios são graves o suficiente para transformá-los em fato indiciário. Só aqui há
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Cf. referência feita por Moacyr Amaral Santos (Comentários ao Código de Processo Civil, p. 52) a Rosenberg (Tratado de derecho procesal civil, v. 2, p. 211), as regras referidas no artigo 335 do CPC “servem [...] para concluir dos fatos não controvertidos ou provados a verdade de outros fatos discutidos; e formam, assim, a premissa maior do silogismo judicial em relação à estimação das afirmações sobre os fatos”.
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discricionariedade, liberdade de apreciação. Outra, diferente, é promover a relação jurídica de implicação sempre que o aplicador da regra considerar que os vestígios por ele detectados se configuram em indícios de fato de relevância jurídica. Somente esta última possibilidade é juridicamente relevante, somente ela se submete à vinculação e à causalidade normativa, pois, dado o conhecimento de indícios, deve-ser o reconhecimento da existência jurídica do fato indiciado. O “poder-ser” encontra-se em momento anterior à linguagem jurídica, em que o fato indiciário sequer se encontra declarado. Por isso, não existe uma terceira espécie de causalidade; o que se tem é liberdade de apreciação, em decorrência da qual, se for identificada a relação entre indício e fato indiciado, se tem a causalidade normativa e, se não for, não haverá que se falar em causalidade. •
Serem sempre motivadas – a motivação dos atos jurídicos permite que os mesmos sejam controlados, evitando-se com isso o arbítrio e possibilitando o efetivo exercício do contraditório por parte do sujeito contra quem o ato aproveita. Por motivação, deve-se entender tanto a indicação dos fundamentos legais que juridicizam o ato quanto os pressupostos fáticos praticados pelo sujeito.
Somente por meio da motivação é que se faz possível conhecer os elementos que levaram o aplicador da norma a formar sua convicção acerca da existência do evento indiretamente conhecido descrito no fato. O aplicador é livre no que diz respeito à apreciação dos vestígios e à realização de ilações segundo a suficiência ou precariedade apontadas, desde que, obviamente, seu juízo seja formado respeitando-se os direitos dos cidadãos. •
Veicularem conclusões certas – a presunção hominis estabelece conclusão provável do ponto de vista fático, mas certa da perspectiva jurídica. Segundo entendemos, inexiste diferença entre as provas diretas e indiretas no que concerne à certeza jurídica, já que ambas constituem a verdade suficiente e nenhuma confere certeza absoluta da ocorrência fenomênica do evento descrito no fato. As duas espécies de prova apenas transformam, em linguagem competente, a versão do evento, já que este é inatingível por ter-se esgotado no tempo.
5.1.1. REQUISITOS PARA
A CRIAÇÃO DE REGRAS JURÍDICAS VEICULADORAS
DE PRESUNÇÕES HOMINIS
Para que seja constitucional a utilização das presunções hominis na criação de obrigações, além do fato indiciado dever ser típico, e de todas as condições para admissibilidade das presunções terem sido cumpridas (observância dos princípios
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da segurança jurídica, legalidade, tipicidade, igualdade, capacidade contributiva, razoabilidade, proporcionalidade e ampla defesa, bem como a subsidiariedade na aplicação da regra), três são os demais requisitos: ausência de proposição prescritiva geral e abstrata para a solução do caso concreto; inexistência de prova em sentido contrário; e gravidade, precisão e concordância dos indícios. Vejamos. •
Ausência de proposição prescritiva geral e abstrata para a solução do caso concreto – a aplicação da presunção hominis é subsidiária, em razão do que, estando os indícios previstos numa presunção relativa, aplica-se necessariamente a regra particular.
Tal entendimento baseia-se no privilégio de que a regulamentação específica dos fatos detém, evitando-se, na medida do possível, a “liberdade” do aplicador da norma no emprego das regras de experiência para as hipóteses em que a lei não disciplinar, de forma particular, as consequências jurídicas advindas da identificação de indícios de um fato ocultado. Desse modo, sempre que o aplicador estiver diante de uma situação em que se encontre obrigado a decidir, mas que não disponha de enunciado prescritivo específico que qualifique normativamente os indícios por ele identificados como sendo típicos a ensejar a presunção de ocorrência de fato jurídico relevante, poderá produzir regras jurídicas individuais e concretas que contemplem presunções legais hominis. •
Inexistência de prova em sentido contrário – a presunção hominis admite sempre prova: (i) contrária à existência dos indícios; (ii) favorável à existência de outros que levem o julgador a considerar uma possível conclusão diversa; (iii) de improbabilidade fática contemplada na relação de implicação jurídica; e (iv) da inocorrência do evento descrito no fato indiciado.
Enquanto a admissão de provas é um dos critérios para identificação de regras jurídicas presuntivas, a inexistência de provas em sentido contrário é condição para a produção válida do enunciado prescritivo individual e concreto que a contemple. •
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Indícios graves, precisos e concordantes – a gravidade está relacionada à intensidade da probabilidade, ao convencimento que as presunções proporcionam. No entendimento de Larombière, transcrito por Moacyr Amaral Santos6 , as:
Prova judiciária no civil e no comercial. 3ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1968. p. 494.
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[...] presunções são graves quando as relações do fato conhecido com o fato desconhecido são tais que a existência de um estabelece, por uma forte indução, a existência do outro. Não exige a lei que entre eles haja relações de uma necessidade absoluta; basta que elas estabeleçam, segundo a natureza ordinária das coisas e para todo o homem razoável e sensato, ser impossível que o fato seja diverso e que necessariamente ele existe, na acepção relativa desta palavra, tal como se tinha afirmado e se devia provar.
Já precisão significa exatidão, definição. São precisos os indícios em relação aos quais não se pode deduzir mais que um único fato cujo evento seja fenomenicamente desconhecido. Isso porque, se fosse possível chegar a conclusões diversas, ou mesmo contrárias, os indícios acabariam por proporcionar apenas dúvidas e incertezas. Caso mais de uma conclusão possa ser construída a partir do fato conhecido diretamente, deverão existir, necessariamente, diversos outros indícios, estes, sim, precisos e convergentes, para que se admita a existência do fato indiciado. O indício “impreciso”, diríamos assim, limitar-se-ia a ser motivo de procedimento administrativo investigatório ou reforço de outros indícios. Por fim, são concordantes quando todos os indícios convergirem para o mesmo resultado. Presta-se, nesse sentido, uma força recíproca para a convicção que se forma no intelecto do julgador. Se, ao invés, se contradisserem, deixarão de ser concordantes, gerando inevitável dúvida acerca da existência da ocorrência fenomênica que se pretende provar. O requisito da concordância não implica afirmar que devam existir vários indícios para que o convencimento do aplicador da regra possa ser formulado e justificado, pois nada impede que um único fato diretamente conhecido seja tão grave e preciso que já baste para formar um juízo acerca da existência do fato indiciado. A concordância significa, isto sim, que, se forem diversos os indícios identificados, deverão necessariamente convergir para o mesmo resultado. Passemos, agora, às presunções legais relativas.
5.2. PRESUNÇÕES LEGAIS RELATIVAS As presunções legais relativas caracterizam-se, basicamente, por: (a) estarem sempre contidas numa proposição geral e abstrata; (b) poderem também ser uma proposição individual e concreta quando do ato de aplicação do direito; (c) serem meios indiretos de prova; (d) serem compostas por um fato indiciário que implique juridicamente a existência de um outro fato,
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indiciado; (e) contemplarem uma probabilidade de ocorrência do evento descrito no fato; (f ) poderem prever a riqueza da base calculada, quando utilizadas com fundamento no princípio da praticabilidade, e não em decorrência de ilícitos praticados pelo contribuinte; (g) dispensarem o sujeito que tem a presunção a seu favor do dever de provar a ocorrência do evento descrito no fato indiciado, mas não de provar o fato indiciário; e (h) admitirem prova a favor de outros indícios, bem como em contrário ao fato indiciário, à relação de implicação e ao fato indiciado. A interpretação das presunções relativas há de ser restritiva, não sendo permitido ao aplicador da norma estender o alcance da proposição para alcançar fatos conhecidos não previstos em lei, com o fim de transformá-los em indícios suficientes para o desencadeamento de relações jurídicas. A operação lógica de subsunção do conceito do indício diretamente provado, ao conceito descrito no antecedente do enunciado geral e abstrato presuntivo, deve ser realizada restritivamente, dentro dos limites de referido enunciado. Isso porque, não o sendo, a presunção deixará de ser relativa para transformar-se em hominis. Para a refutação de que o fato f ’ existe, basta que se prove que o indício f é falso, ou mesmo que, embora existente, não prevalece sobre outros em sentido diverso. A produção de provas pode versar, também, sobre a relação de implicação constante da regra geral e abstrata, de forma a demonstrar inexistir nexo entre os fatos direta e indiretamente comprovados. Tal refutação há de ser admitida porque a presunção se pauta numa relação de probabilidade fática (só assim o fato é conhecido sem violar a segurança jurídica, razoabilidade e certeza) e, se o nexo de implicação legalmente previsto estiver contrário a essa relação, a presunção legal passará a adquirir características de ficção, ainda que não se torne uma por admitir a prova. Tratando-se de instituição de obrigações tributárias, temos que a proposição geral e abstrata que contém uma presunção legal relativa é constitucional se o fato for típico, se inexistirem provas em sentido contrário e se todas as condições para admissibilidade das presunções tiverem sido cumpridas (observância dos princípios constitucionais já citados, para a presunção hominis, e subsidiariedade na aplicação da regra). São esses os requisitos para criação e aplicação válida das presunções legais relativas. Normalmente, afirma-se que os enunciados veiculadores de presunções existentes no Código Tributário Nacional são os artigos 158, 185 e 204. O artigo 158 estabelece que “o pagamento de um crédito não importa em presunção de pagamento: I – quando parcial, das prestações em que se
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decomponha; II – quando total, de outros créditos referentes ao mesmo ou a outros tributos”. Com base nos critérios adotados neste trabalho para identificação de uma regra geral e abstrata como presuntiva, entendemos que o enunciado acima transcrito não veicula uma presunção relativa (e muito menos uma hominis), mas é enunciado que proíbe sua utilização. A referência expressa ao vocábulo “presunção” não é apta a conferir à norma essa característica. Quanto ao conteúdo do enunciado, não há grandes dúvidas. Se o pagamento de um crédito for parcial, seja em decorrência de pagamento insuficiente, seja em decorrência de parcelamento, a legislação estabelece que a quitação de uma parcela não implica o reconhecimento do pagamento das demais. E, se o pagamento do crédito for integral, a quitação não significa que outros créditos, relativos a esse ou a outros tributos, também tenham sido extintos. O artigo 185, por sua vez, veicula uma presunção relativa, ao prescrever que “presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa em fase de execução”. Verificamos que a doutrina7 e a jurisprudência8, as quais especificamente se manifestaram sobre a classificação dessa regra, a consideraram como espécie de “presunção legal absoluta”. Não podemos concordar com esse entendimento. Quando a lei não prever expressamente a inadmissibilidade de prova em contrário, estaremos diante de uma presunção legal relativa, pois o direito previsto no artigo 5º, inciso LV, da Constituição, torna regra a admissão da prova9. Sobre isso discorreu Pontes de Miranda10, ao mencionar o artigo 251 do antigo CPC, o qual estabelecia expressamente que, se a lei não diz absoluta a
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Zelmo Denari (Comentários ao Código Tributário Nacional, p. 474) reflete o entendimento doutrinário: “A presunção acautelatória aqui estabelecida é juris et de jure, isto é, não admite prova em contrário. Irrelevante, portanto, se de boa ou má-fé o adquirente do bem ou o titular do direito real de garantia. A fraude se presume e a presunção é absoluta”. “Fraude à execução – Caracterização – Desnecessidade de citação – Hipótese em que basta a existência de pedido executivo despachado para a configuração da fraude – Presunção de fraude juris et de jure – Artigo 185 do Código Tributário Nacional – Primeiras alienações dos bens penhorados que não contaminaram as demais relativas a dívidas posteriores – Embargos recebidos – É considerada fraude à execução a alienação de bem de sócio-gerente de empresa executada, se o registro deu-se depois de proposta a execução contra a firma e já demonstrada à época a dissolução irregular da sociedade executada, não tendo esta bens bastantes para garantia do Juízo.” (8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, Embargos de Infringência nº 230.577-2, 18/10/1994). Exceção feita na única hipótese em que admitimos a efetiva utilização da “presunção absoluta” enquanto tal, que é para os fins de criar sentido jurídico ao silêncio. Tratado..., t.3, op. cit., p. 446.
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presunção, há de se ter como relativa, para logo em seguida entender que, “se [a regra] não estivesse escrita, a mesma atitude deveria tomar o intérprete de leis, porque a presunção iuris et de iure é rara”. É este o caso ora em análise. E, mesmo que não fosse assim, não nos parece que, da interpretação do artigo 185 do CTN, pudesse ser sustentado que a prova estaria sendo implicitamente inadmitida, seja porque o parágrafo único exclui a fraude se o sujeito tiver outros bens ou rendas suficientes para o pagamento da dívida, seja porque a fraude, ato mediante o qual dolosamente se pretende burlar comando legal, utilizando-se de procedimento aparentemente lícito, deve ser efetivamente caracterizada, o que significa que o sujeito deve ter o direito de provar que não tinha conhecimento da execução e que a alienação não foi fraudulenta. Imaginemos que um sujeito aliene um bem necessário à garantia da execução, em momento em que o débito já tiver sido inscrito em dívida ativa, e a fase de execução, que não é o mesmo que processo de execução, tenha-se iniciado. Considerando-se que os débitos relativos a tributos sujeitos ao lançamento por homologação são normalmente inscritos em dívida ativa, sem que haja processo administrativo que o anteceda, e considerando-se também que, no início da fase de execução, o contribuinte não foi ainda citado para compor a lide, é perfeitamente possível que a alienação tenha ocorrido em momento em que a execução era ainda desconhecida pelo sujeito, muito embora o débito não o fosse. Finalmente, as presunções de certeza e liquidez da dívida ativa regularmente inscrita (artigo 204 do CTN) não se sobrepõem às presunções pertinentes a qualquer outro ato jurídico, em especial a presunção de legalidade, que prescreve que todo ato permanece no sistema como válido somente até ser desconstituído por um outro. Nesse sentido, as presunções de certeza e liquidez cessam no momento em que o ato for judicialmente questionado, oportunidade em que a Administração deverá fazer prova de que o fato descrito no antecedente do enunciado individual e concreto é materialmente verdadeiro, devendo o contribuinte, por outro lado, defender-se dessa imputação.
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Obrigação Tributária e Fundamentação
Fernando Aurelio Zilveti Mestre e doutor pela Faculdade de Direito da USP. Professor da EASP da Fundação Getúlio Vargas – FGV. Conselheiro do IBDT.
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1. INTRODUÇÃO No Direito Tributário não há o pressuposto da vontade. A lei tributária prevê a obrigação tributária, que depende unicamente da ocorrência do fato gerador para que se consume. Por outro lado, na obrigação do Direito Privado só existe se houver vontade das partes. Isso, de certa forma, explica a aparente inaplicabilidade da teoria da causa na obrigação tributária, tema tratado neste trabalho. A obrigação tributária é, afinal, o nexo lógico que se instala a contar da norma juntamente com o fato jurídico tributário1. A pertinente definição de Paulo de Barros CARVALHO expõe a importância da abstração humana na consideração da hipótese de aplicação legal diante da ocorrência de um fato. Esse estudo visa explorar a causa entendida como fundamentação e o liame puramente legal para, daí, provocar novas indagações. A causa do Direito Tributário não é a mesma do Direito Privado. No primeiro se parte da relação ex lege, porém a fundamentação serve à configuração da obrigação tributária.
2. OBRIGAÇÃO
NO
DIREITO TRIBUTÁRIO
O tributo tem origem na sujeição política. Na antiguidade, o vencedor da guerra, para manter o perdedor vivo ou para permitir que o vencido utilizasse a terra outrora sua, cobrava impostos. O tributo traz a impressão de servidão. Prova disso é que os países considerados soberanos eram imunes à tributação2. Esse elemento histórico serve para comprovar o caráter opressivo do tributo que, de início, representava uma forma de sujeição, somada ao fato de que o contribuinte não via no Estado qualquer retribuição pelo custeio das despesas públicas. Ainda dentre os romanos, registre-se a alteração da natureza do fisco, antes caixa do Estado administrada pelo senado e, após a época republicana, nas mãos do imperador, unida aos bens dele, com plenos poderes sobre as receitas do Estado, o que afetou do contribuinte a visão do sacrifício para o
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CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 419. VANONI, Ezio. Opere Giuridiche. Milão: Giuffrè, 1961, p. 7 e seg. O autor apóia sua afirmação, dentre outros, em CICCOTTI. Lineamenti dell’evoluzione tributaria nel mondo ântico. Milão, 1921, p. 9 e seg. CICCOTTI, por sua vez, cita Ubrich WILKEN, que relata o significado dos recibos de impostos pagos pelos habitantes do Egito e Líbia, lavrados em óstracos.
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bem do Estado, mas somente uma arrecadação operada pelo imperador, de acordo com sua vontade3. A história da tributação é atualmente revista por balizada doutrina alemã, que afirma ser o tributo um preço da liberdade econômica, uma vez que o empreendedor aceita o custo tributário em troca das condições para realizar sua atividade econômica, tais como, segurança, meios de escoamento de sua produção, regulação de mercado, dentre outros serviços que facilitam a produção4. Outras teorias nominalmente distintas e com argumentos próprios foram defendidas para justificar a natureza da relação tributária. Todas, porém, redundam na teoria do benefício ou de escambo. Uma teoria fundada na crítica à teoria da improdutividade do imposto e na análise da utilidade do tributo, para ver no imposto remuneração que o ente privado deve ao Estado por seu concurso na atividade produtora. À teoria da remuneração segue outra teoria, segundo a qual o tributo seria equivalente a investimento diante do chamamento de capital por parte do Estado aos seus “acionistas”, com o intuito de sustentar as despesas gerais da produção. Também se desenvolveu tese correspondente aos serviços prestados pelo Estado, considerando o tributo como fenômeno análogo ao contrato de assinatura de serviços, por meio do qual o contribuinte concede ao Estado uma participação em sua empresa particular, em compensação aos serviços que o Estado lhe presta e que lhe garantem melhores condições no exercício de sua atividade privada, mesmo que a utilidade dos serviços seja potencial. Encerrando esses exemplos, a teoria do benefício ou escambo motivou, de certa forma, o desenvolvimento de proposta de substituição de tributo, forma obrigatória de arrecadação, por uma política de seguro social, de modo que o segurado pagaria um prêmio que lhe garantiria o gozo da utilidade pública e, quem não quisesse pagar seria tido como se não existisse civil e politicamente diante da sociedade nacional5. Do ponto de vista financeiro, a doutrina do escambo é bastante censurável sob diversas formas, por incorrer na prestação de tributos e na contraprestação de serviços públicos. O Estado não age como empresa, nem tampouco tem como única receita o tributo, de modo que aceitá-lo como custo pelo gozo de
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VANONI, Ezio. Opere Giuridiche. Milão: Giuffrè, 1961, p. 12. Para sustentar essa afirmação, o autor cita SAVIGNY. System des heutigen Rechts. Berlim, 1840, vol. II, p. 272 e seg., além do já citado CICCOTTI, p. 122 e seg. KIRCHHOF, Paul. Der sanfte Verlust der Freiheit. Munique: Hanser, 2004, p. 6-8. VANONI, Ezio. Opere Giuridiche. Milão: Giuffrè, 1961, p. 44-46.
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serviços sociais consiste em equívoco lógico. Ademais, deturpa a relação jurídica entre fisco e contribuinte, reduzindo o debate tributário para simples relação de consumo. O neoliberalismo, porém, trouxe novo tempero ao tema, com o esvaziamento patrimonial do Estado e a ampliação de sua intervenção no domínio privado, reavivando a concepção polêmica de Estado-empresa. Enfim, a teoria da utilidade ou do escambo culmina por justificar o repúdio ao pagamento de impostos: não existiria qualquer fundamento para justificar a cobrança de impostos ou o dever de pagar, para custear despesas improdutivas ou mesmo até danosas à coletividade. VANONI alerta para o perigo político que esse tipo de justificação da relação tributária acarreta6. Além do problema político ocasionado pela teoria do escambo é, ainda, possível que tal teoria seja utilizada para fins ideológicos. Segundo SCHMIDT, isso parece ter ocorrido na França, com a imposição de tributos sobre grandes fortunas ou o chamado imposto solidário sobre a fortuna7. A experiência francesa denuncia dupla imposição sobre a renda, verdadeira expropriação. O imposto sobre grandes fortunas não é senão a expressão da ideologia marxista expropriatória. O núcleo da questão está em verificar a natureza da atividade do Estado e qual é sua relação com a atividade individual. Assim, a atividade do Estado é meramente tutelar e conservadora. A atividade de tutela é a mais custosa e esse custo aumenta proporcionalmente com o aumento de bens a serem defendidos. A relação com a atividade do contribuinte, na função tutelar do Estado, revela-se no imposto de renda e no imposto sobre patrimônio. De fato, quando o Estado enfrenta a questão de repartir o custo das despesas públicas, o princípio da igualdade desponta como paradigma de observância obrigatória na relação fisco-contribuinte. Contidos nesse princípio basilar, os sistemas tributários se desenvolvem sobre dois outros princípios: capacidade contributiva e benefício. Os dois princípios têm, segundo VANONI, aplicação conjunta no sistema tributário do século XIX, porém entre os tributos, o imposto se inspira na capacidade contributiva e a taxa, na teoria do benefício8. A evolução histórica do tributo alcançou a adoção conceito de receita derivada do emprego da soberania do Estado frente ao contribuinte, destinada ao custeio de suas finalidades. Configura-se, então, a existência da obrigação
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VANONI, Ezio. Opere Giuridiche. Milão: Giuffrè, 1961, p. 51. SCHMIDT, Jean. L’ Impôt. Paris: Dalloz, 1995, p. 53/55. VANONI, Ezio. Opere Giuridiche. Milão: Giuffrè, 1961, p. 70.
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principal a conduta do contribuinte de recolher aos cofres públicos valores necessários à manutenção do Estado. A fiscalização do recolhimento dos tributos seria, à seu turno, a obrigação acessória, implementada mediante prestações positivas e negativas9. Considerando-se, então, o Direito Tributário ramo do direito público, a reger as relações entre o Estado e os jurisdicionados, a atividade fiscal da Administração de colher receitas por meio de tributos impõe a inclusão dessa relação no campo dos direitos obrigacionais10. Enfim, dar coisa incerta define a obrigação tributária principal. O objeto da prestação na obrigação de dar coisa incerta não é especificamente individualizado, apenas indicado pelo gênero. Esse gênero vem configurado por meio de “notas essenciais que o distinguem”11. A distinção está na relação jurídica patrimonial empreendida entre Fisco e contribuinte, o que confere à expressão “relação jurídica patrimonial” identidade com o termo “obrigação”12. Na obrigação tributária se notam os elementos patrimoniais e transitórios característicos. Isso permite considerar apenas a chamada obrigação principal como tal, relegada a assessória ao caráter de deveres instrumentais legais frente à Administração pública. A obrigação típica é economicamente mensurável e se extingue no momento em que o credor recebe do devedor o objeto da obrigação13. A determinação econômica da obrigação é importante na separação entre obrigação tributária e deveres instrumentais14. A questão que se impõe é saber se obrigação tributária pode ser considerada aquela economicamente mensurável. Em outras palavras, o aspecto patrimonial econômico seria determinante na configuração da obrigação tributária. A sujeição passiva do contribuinte em relação ao Fisco para custear as despesas do Estado seria considerada obrigação tributária apenas no que diz respeito ao patrimônio destinado aos cofres públicos. Há de ser levada em consideração, porém, a
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SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. Rio de Janeiro: Financeiras, s/ d, p. 84. SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. Rio de Janeiro: Financeiras, s/ d, p. 84. LEÃES, L. G. Paes de Barros. Obrigação Tributária. São Paulo: José Bushatsky, 1971, p. 17. CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos Jurídicos da Norma Tributária. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 145. CARRAZZA, Roque Antônio. O Regulamento no Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: RT, 1981, p. 25. CARVALHO, Paulo de Barros. verbete “Obrigação Tributária”. In: SOUZA, Hamilton Dias de; TILBERY, Henry; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. 3. São Paulo: José Bushatsky, 1977, p. (117-191).
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teoria de uma relação jurídica unitária e complexa, pois sem as obrigações de fazer, não fazer e tolerar, não se opera a obrigação de dar15. Vejamos.
3. ADOÇÃO DO CONCEITO DIREITO PRIVADO
DE OBRIGAÇÃO TOMADA AO
Sem dúvida, a razão principal da tributação consiste na necessidade que o Estado tem de meios econômicos adequados para sua existência e para o custeio dos serviços públicos que redundam no benefício da comunidade16. Em que pese o tributo ser um instituto de direito público, se equipara na posição do Estado ao titular de crédito privado, o que contradiz de certa maneira o caráter público do Direito Tributário17. O tributo se configura como uma obrigação estabelecida pela relação jurídica determinada pela configuração de determinados fatos, que alçam um para a qualidade de credor e o outro para a categoria de devedor de determinada prestação18. A obrigação tributária é eminentemente de dar, enquanto os deveres instrumentais são de fazer ou não fazer. O núcleo da obrigação tributária seria, então, de dar, ao impor ao contribuinte satisfazer o crédito fiscal com parcela de seu patrimônio. A obrigação tributária significa, por aproximação terminológica, obrigação jurídica do contribuinte. Não é mero dever de prestar em sua forma ordinária de autodeterminação. É, sim, uma obrigação com responsabilidade pessoal, um dever ser ou uma dívida obrigacional19. Sem as chamadas obrigações assessórias ou deveres instrumentais, não poderia se concretizar a relação fundamental obrigacional tributária. Seria, portanto, inexato afirmar que a relação tributária corresponde à relação privatista, ao mesmo passo que seria incorreto afirmar que a relação privatista absorve a categoria geral da sujeição tributária20. O conceito de obrigação tributária, diferentemente da obrigação do direito privado, é extraído da interpretação da norma obrigacional tributária. No Direito Tributário
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GIANNINI, A. D. I Concetti Fondamentali del Diritto Tributario. Milão: Utet, 1956, p. 123 e seguintes. GIANNINI, A. D. Istituzioni di Diritto Tributário. Milão: Giuffrè, 1968, p. 56. COSTA, Alcides Jorge. Contribuição ao Estudo da Obrigação Tributária. Tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1972, p. 5. FERREIRO LAPATZA, José Juan. Direito Tributário, teoria geral do tributo. São Paulo: Marcial Pons e Manole, 2007, p. 185. MERK, Wilhelm. Steuerschuldrecht. Tubinga: Mohr, 1926, p. 79. GIOVANNINI, Alessandro. Soggettività Tributaria e Fattispecie Impositiva. Milão: Cedam, 1996, p. 155.
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brasileiro a obrigação tributária está prevista no artigo 113, § 1º do CTN. A definição no código está respaldada por previsão constitucional do artigo 146, III, b, da CF/88. A obrigação tributária tem por objeto o patrimônio do contribuinte, ou seja o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Isso não implica afirmar que a obrigação seja essencialmente patrimonial21. Inegável, porém, que na obrigação tributária está presente a característica patrimonial. Tal característica diferencial demarca relativa autonomia do próprio Direito Tributário, reconhecida a influência do Direito Privado. A separação entre obrigação tributária de dar e assessória ou instrumental de fazer, não fazer e tolerar, parece ter função meramente didática. Adote-se, também, a obrigação tributária definida pela negativa. Parece acertada a posição de José Souto Maior BORGES que obrigação tributária não está no rol dos conceitos lógico-jurídicos, nem tampouco no campo dos conceitos da teoria geral do direito. De fato, fosse conceito lógico-jurídico a priori, a norma tributária se sujeitaria à prévia definição da obrigação tributária e não o contrário, como sói ocorrer. Por outro lado, conceito da teoria geral do direito fosse, teria característica de universalidade, generalização obtida empiricamente a posteriori. A inferência hermenêutica do direito posto é, afinal, que define o conceito de obrigação tributária22. A obrigação tributária tem, além de um caráter patrimonial nítido, uma relação hermenêutica inegável. Daí a importância do tipo para o estudo da obrigação tributária. O caráter patrimonial importa, sem dúvida. O fato econômico de interesse fiscal não recebeu o interesse adequado na formação da obrigação. O aspecto hermenêutico é determinante para o nascimento da obrigação. Nele se revela a fundamentação.
4. OBRIGAÇÃO
TRIBUTÁRIA E RELAÇÃO JURÍDICA
A obrigação tributária foi relação de poder em sua origem e até o final do século XIX. Otto MAYER foi pioneiro na difusão doutrinária da legalidade como base da obrigação tributária. MYRBACH-RHEINFELD, em trabalho posterior, tratou também da obrigação tributária. Ele levantou a tese acerca do
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BORGES, José Souto Maior. Obrigação tributária: uma abordagem metodológica, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 34. BORGES, José Souto Maior. Em Socorro da Obrigação Tributária: Nova Abordagem Epistemológica. In: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Tratado de Direito Constitucional Tributário, Estudo em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Saraiva, 2005, (65/84) p. 66.
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poder financeiro do Estado, da relação de domínio exercida em nome desse poder, confundido com soberania na imposição fiscal23. Na esteira da doutrina de MAYER e MYRBACH-RHEINFELD vieram NAVIASKY, HENSEL e BLUMENSTEIN, que se encarregaram de difundir a teoria da relação jurídica obrigacional de conteúdo patrimonial ex lege24. A doutrina desses tributaristas impulsionou a igualdade na tributação, com sujeito ativo e passivo da obrigação em mesmo nível. Desenhava-se, também, a partir dessa corrente, a relevância do fato gerador como conceito fundamental da ordem jurídico-tributária. Para alguns autores, a relação jurídica entre o Estado e contribuinte é de poder, uma vez que a supremacia do Estado se manifesta em todos os momentos, desde a submissão que precede a afirmação da obrigação tributária, até o momento do que se considera lançamento, ou seja, quando o Estado exige o pagamento do tributo. Por outro lado, sustenta-se que a relação de poder se constata somente até a fixação do tributo por meio de lei e, a partir desse momento, a supremacia do Estado não se faz mais sentir, uma vez que a relação tributária se desenvolve como relação entre ente público e indivíduo, nos estritos limites da lei25. Com efeito, existem dúvidas em relação a muitas obrigações a que está sujeito o contribuinte. Não se sabe ao certo se elas têm efetivo caráter fiscal. De fato, diversas obrigações do contribuinte não têm qualquer conteúdo fiscal. Acreditou-se, então, que a distinção entre Direito Público e Direito Privado poderia servir para pôr fim a tais confusões, fixando os limites do que seria efetivamente fiscal26. Tal proposta não parece totalmente descabida. Verifica-se, hoje, que o excesso fiscal distorce o equilíbrio intentado entre público e privado. Poder entendido como capacidade de produzir algum resultado conduz ao raciocínio binário. Nesse sentido filosófico, poder se distingue em ativo e passivo, de conteúdo aparentemente gramatical: o poder de um grão de sal dissolver-se na água e o poder da água dissolver o sal e suas representações mútuas.
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MIRBACH-RHEINFELD. Grundriß des Finanzrechts. Lípsia: Dunker & Humblot, 1906, p. 3 e ss. BLUMENSTEIN, Ernst. Schweizerisches Steuerrecht. Tubinga: J.C.B. Mohr, 1929. VANONI, Ezio. Opere Giuridiche. Milão: Giuffrè, 1961, p. 79. Para sustentar a posição de relação de poder, VANONI cita Otto Mayer (Deutsches Verwaltungsrecht) e para sustentar posição contrária, BLUMENSTEIN (Schweizerisches Steuerrecht. Tubinga: J.C.B. Mohr, 1929, p. 391). TROTABAS, Louis. Ensayo de Delimitación Del Derecho Fiscal a Traves de la Distincion entre Derecho Publico y Derecho Privado, título original Essai de delimitation du Droit Fiscal para la distinction du Droit Public e du Droit Privé, tradução de Fernando Sainz de Bufanda. In: Revista de Derecho Financiero y de Hacienda Publica, vol. IV, nº 13, março de 1954, p. 9.
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É preciso, porém, distinguir poder de sua manifestação: o grão de sal é solúvel ainda que jamais seja dissolvido27. Daí decorrem relações de poder em face da propriedade, condição assumida em virtude do estado de objetos em relação a outros e da sociedade. Nesse sentido, resulta na capacidade do homem determinar a conduta do homem28. De fato o que importa é como o homem, em sua perspectiva, observa a relação de poder para elaborar suas máximas: do ponto de vista dos governantes e do ponto de vista dos governados29. Enquanto se assuma que o poder existe, não há falar senão no fato que o indivíduo tem poder social sobre outro indivíduo manifestado de modo que o primeiro é capaz de induzir o segundo a determinada conduta desejada pelo primeiro. O poder no sentido social que se empresta à palavra, porém, é possível apenas dentro de uma forma normativa de ordem que regule a conduta humana. Para a existência desse tipo de poder não basta que um indivíduo seja mais forte que outro, que se imponha sobre o outro por meio de relação animal de submissão. O poder no sentido sócio-político implica o senso de autoridade, a relação do superior sobre o inferior30. Poder social só é possível no âmbito de uma organização social, que se impõe por meio de normas que, por sua vez definem o Estado como organização social de poder legal. Criticada como um mal aniquilante, a lei é aceita como instrumento de dominação por suas características de determinação da vontade geral, vigente e sabida de todos. Encontrar essa determinação e saber enunciar é tarefa que se espera do intelecto e da cultura de um povo31. As antigas civilizações européias, asiáticas e a América pré-colombiana, desde as mais organizadas32 até as primitivas, organizavam-se em castas. Nestas castas classificam-se os homens em: a) governantes; b) cortesões, artistas e
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HEIL, John. The Cambridge Dictionary of Philosophy, coordenado por Robert Audi, segunda edição, Cambridge: Editora da Universidade de Cambridge, 1999, s.v. power. STOPPINO, Mario. verbete “potere”. In: Dizionario di Política, coordenado por Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, Milão, 1990, p. 838/847. BOBBIO, Norberto. Teoria generale della politica, coordenado por Michelangelo Bovero. Turim: Einaudi, 1999, p. 102 e ss. KELSEN, Hans. General Theory of Law and State. Nova Jersei: The Lawbook Exchange Ltd., 1999, p. 190. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften im Grundrisse, 3ª ed. Hedelbergue: Oswald (C. F. Winter), 1830, p. 502/503. UCKMAR, Victor. La Giusta Imposta. In: Tratado de Direito Constitucional Tributário Estudos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho, coordenado por Heleno Taveira Torres. São Paulo: Saraiva, 2005, (3/14), p. 3. Os egípcios instauraram 2000 anos antes de Cristo um sistema tributário integral, composto de impostos diretos e indiretos, no qual a agricultura era tributada em 20% da produção bruta. A base de cálculo, presumida, era calculada de acordo com o nível alcançado pela água do rio Nilo, que deixava sobre a terra fértil seu limo.
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auxiliares dos governantes; c) povo; d) escravos. Em algumas dessas sociedades houve organização em castas com pretexto religioso, que permanecem assim até hoje, como o caso da Índia. A primeira casta sempre se julgou superior e, portanto mais apta a determinar os rumos da sociedade. Procuraram, assim, em todos os sistemas políticos, deter o poder e, para tanto, adotaram o povo para lhes servir de base de sustento de seu governo. Os recursos para custeio do governo da classe dominante são colhidos da classe dominada, do povo. O tributo, portanto, é elemento central para exercício do poder. A relação de Governo, Poder, Estado e Tributo é tão íntima que pode ser considerada de irmãos “quadrissiameses”33. Em suma, o tributo como decorrência da supremacia de fato do Estado, pressupõe subordinação incondicionada. O Estado exerceria sua atividade de arrecadação em razão da supremacia manifestada em todos os momentos da relação com o cidadão, antes e após a afirmação do dever tributário. Opôs-se a tal tese doutrina a entender que a supremacia do Estado se dá apenas até o momento da promulgação da lei tributária, após o que a relação segue estritamente os ditames normativos34. A doutrina italiana dedicou ao tema da relação tributária relativa importância ao admitir, de alguma forma, que o direito de exigir tributo se dá em virtude da potestà d’impero, originária ou derivada35. Esse poder, regulado por lei, assume a figura de relação jurídica, que não se exaure, segundo GIANNINI, no direito do Estado exigir e na correspondente obrigação do sujeito passivo de pagar quantia determinada, ao verificar os pressupostos fáticos estabelecidos em lei. Da lei resultam inúmeras obrigações e direitos de natureza diversa, tanto da parte do Fisco quando do contribuinte. O feixe de disposições constitui o que GIANNINI chamou de trama do Direito Tributário, que define como ramo do direito administrativo que expõe os princípios e normas relacionadas à tributação e ao recolhimento dos tributos e analisa as conseqüentes relações jurídicas entre os entes públicos e os cidadãos36. As disposições tributárias são, quase sempre, cogentes, obrigam tanto o Fisco quanto o contribuinte, o que impede a transação entre os dois, uma vez que
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MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma Teoria do Tributo. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 51. COSTA, Alcides Jorge. Contribuição ao Estudo da Obrigação Tributária, tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1972, p. 1. GIANNINI, A. Donato. I Concetti Fondamentali del Diritto Tributário. Turim: Unione TipograficoEditrice Torinese, 1956, p. 1. GIANNINI, A. Donato. I Concetti Fondamentali del Diritto Tributário. Turim: Unione TipograficoEditrice Torinese, 1956, p. 2.
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não admite ao agente público conceder qualquer remissão ou diminuição do débito tributário37. GIANNINI faz uma importante reflexão sobre a relação tributária, no trecho de seu trabalho em que afirma haver distinção entre Estado legislador e Estado administrador que lança e arrecada. O festejado tributarista italiano se baseia noutro autor italiano, civilista de escol, CARNELUTTI, que afirma ter o Estado duas condições distintas: a) como expressão subjetiva do direito, soberano; b) como sujeito de relação jurídica, súdito38. Tal reflexão reforça a idéia de que o Estado legislador tem no momento da edição da norma uma relação de soberania, quase poder e, como agente arrecadador, uma relação de súdito, sem distinção com o contribuinte, sujeito à lei, e sua relação com o contribuinte é de direito. A relação tributária mantida entre o Estado ou outra pessoa de direito público e o contribuinte que autoriza a arrecadação é definida como obrigação ex lege, Daí se conclui que a fonte da obrigação tributária é a lei. Não basta a existência da lei, porém, para o nascimento da obrigação tributária. É necessário o fato, pressuposto para o legislador prescrever como capaz de fundamentar a ocorrência da relação jurídico-tributária39.
5. A CAUSA
OU FUNDAMENTAÇÃO NA
OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
Para enfrentar o problema da causa ou fundamentação na obrigação é necessário definir algumas metas a serem perseguidas: a definição de causa jurídica; os limites de aplicação do conceito de causa no Direito Privado e no Direito Público; e, por último, a relevância da causa na configuração da obrigação tributária. No Direito Romano, ao menos até o fim da época do código justinianeo, o conceito de causa era claro e aceito como elemento essencial para a validade das
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GIANNINI, A. Donato. I Concetti Fondamentali del Diritto Tributario. Turim: Unione TipograficoEditrice Torinese, 1956, p. 3. GIANNINI, A. Donato. I Concetti Fondamentali del Diritto Tributario. Turim: Unione TipograficoEditrice Torinese, 1956, p. 3. O autor cita CARNELUTTI, Francesco, (Sistema del diritto processuale civile. Pádua, 1936, vol I, p. 32), que define: “Mesmo a palavra Estado, como tantas outras da nossa linguagem, tem dois significados distintos, entre os quais que não distingue, cai em contínuo perigo de equívoco: outro é o Estado como expressão subjetiva do direito (objetivo), outro o Estado como sujeito de relação jurídica; no primeiro sentido o Estado é soberano, no segundo é súdito, isto é, vinculado ao direito; no primeiro sentido o Estado é super partes (autor do conflito); no segundo é inter partes (uma das partes, em cujo conflito de interesse é composto do direito). FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária. Rio de Janeiro: Edições Financeiras S.A., 1964, p. 12.
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convenções jurídicas em geral40. Entre os romanos, se difundiram diversas teses a partir da causa, da iusta causa, da iniusta causa, a iusta causa traditionis, a iusta causa usucapionis, a iusta causa nell’actio publiciana, a iusta causa per la restitutio in integrum, a iusta causa possidendi etc. Assim, a causa no Direito Romano guarda alguma relação, embora não se identifique, com o negotium. O ordenamento jurídico romano atribuía, portanto, à causa importância decisiva para a existência e validade das convenções que produziam transferência patrimonial entre dois sujeitos. Não se admitia no Direito Romano negócio jurídico que não tivesse base em determinado relacionamento concreto, ou seja, na causa41. A causa seria um antecedente da vontade, porém não depende da vontade. Também se sustenta que a causa, etimologicamente, equivaleria à palavra relação. Enfim, não é a causa o motivo pelo qual se age, mas o motivo pelo qual a lei reconhece a sanção jurídica42. É interessante, aqui, a equivalência etimológica entre causa e relação, pois o que se viu acima em função da relação tributária de certa forma se aproxima com a questão da causa, como elemento de conexão. A conexão se dá na fundamentação hermenêutica da obrigação. Ainda no Direito Romano, seu ordenamento jurídico atribuía à causa importância determinante para a existência e validade da convenção que resultasse em transferência patrimonial entre dois sujeitos. O Direito Romano não concebia negócio jurídico que não fosse baseado em relação social concreta, ou seja, na causa. Há, porém, controvérsia doutrinária sobre a relevância jurídica da causa na formação do Direito romano43. Pode se entender por causa o escopo econômico-social reconhecido pelo Direito. Também se admite por causa o escopo pelo qual o negócio é desenvolvido; uma condição que justifica a aquisição, ao passo que exclui lesão a direito alheio. Essas definições de causa representam a vontade da lei perante a vontade privada44. Nesse ponto causa se aproxima da fundamentação. No campo da filosofia, a teoria da causa pode ser entendida como a determinação de uma conseqüência, ou então: um discurso que descreve uma conexão ordinária e invariante entre tipos e eventos ou estados, nos quais as
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ROTONDI, Áster. Apunti Sull’ Obbligazione Tributaria. Pádua: Cedam, 1950, p. 1. ROTONDI, Áster. Apunti Sull’ Obbligazione Tributaria. Pádua: Cedam, 1950, p. 2. BONFANTE, P. Il contrato e la causa del contratto. In: Riv. Di dir. comm., 1908, p. 115-125, apud ROTONDI, Áster. Apunti Sull’ Obbligazione Tributaria. Pádua: Cedam, 1950, p. 2. ROTONDI, Áster. Apunti Sull’ Obbligazione Tributaria. Pádua: Cedam, 1950, p. 2. DE RUGGIERO. Istituzioni di diritto civile, V edição, p. 264, apud ROTONDI Áster. Apunti Sull’ Obbligazione Tributaria. Pádua: Cedam, 1950, p. 2.
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conexões envolvidas são de algum modo causais45. Quando, entretanto, se fala de normas causais como distintas daquelas não causais, a distinção pretendida pode variar. Explica-se: algumas vezes, uma norma é tida como causal caso ela se refira a eventos ou estados que ocorram de forma sucessiva, também denominadas de “regras de sucessão”, por exemplo: a ingestão de estricnina leva à morte. Nesse sentido, a definição de causa contrasta com outra definição mais ligada à coexistência, que conecta eventos ou estados que ocorrem ao mesmo tempo46. Outra espécie filosófica da norma causal é também denominada “norma determinante”, um tipo de causa que exclui a hipótese excepcional na conexão entre eventos ou estados. Define-se, também, causa como um juízo que antecede os dados da experiência, uma condição a priori do conhecimento. Integra a categoria do intelecto relacionada à estrutura da experiência. A causa teria então, por escopo, facilitar a compreensão dos conceitos47. Ainda no campo filosófico se discute se o conceito de causa seria indispensável para a ciência. A ciência moderna se opõe ao pensamento aristotélico, criticando acidamente a utilidade da causa ou, simplesmente, ignorando o termo, como fizeram os fisicistas. Alguns como Bertrand RUSSELL chegaram a afirmar que o conceito de causa seria ‘relíquia da era da biga’ (relic of a bygone age). Entretanto, no Direito e na jurisprudência se entende útil o conceito de causa, do contrário não haveria sentido investigar fatos com conseqüências jurídicas, como um homicídio, um acidente, um sinistro etc. De fato, o tema da causa é de difícil aceitação, baseando-se nos diversos problemas e fontes metafísicas controvertidas, porém a sugestão de abandoná-lo, simplesmente, parece uma solução extrema48. Como causa se entendeu o escopo econômico-social do Direito, um conceito político, identificado com movimentos políticos nacionalistas ou nacional-socialistas, que dele se utilizaram para criar o que hoje se vê repetido indevidamente no Código Civil Brasileiro, na forma de função social do contrato. Data da mesma época e de igual orientação ideológica a consideração econômica do negócio jurídico.
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KIM, Jaegwon. The Cambridge Dictionary of Philosophy, coordenado por Robert Audi, segunda edição, Cambridge, Editora da Universidade de Cambridge, 1999, s.v. causal law, p. 123. KIM, Jaegwon. The Cambridge Dictionary of Philosophy, coordenado por Robert Audi, segunda edição, Cambridge, Editora da Universidade de Cambridge, 1999, s.v. causal law, p. 124. O autor dá o exemplo: a lei Wiedemann-Franz relativa à condutividade térmica e elétrica nos metais. PESSOA, Adriano Monte. A Causa Jurídica da Obrigação Tributária. In: RTFP, nº 46, p. 44. TAYLOR, Richard. The Encyclopedia of Philosophy, coordenado por Paul Edwards, Nova Iorque, The Macmillan Company & The Free Press, 1967, p. 57.
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Como elemento essencial para a validade dos contratos, a causa é vista como condição. A falta de causa macula o contrato, não se forma a obrigação. Nos contratos sinalagmáticos a teoria da causa se confunde com o objeto, que ocorre de cada obrigação que tenha por equivalente uma obrigação correlata49. A Corte de Cassação italiana considerou causa do negócio jurídico a função econômico-social do próprio negócio e, propriamente, no último escopo objetivo e socialmente apreciável que as partes entendam com isso alcançar e que o ordenamento jurídico reconhece e tutela. ROTONDI cita alguma jurisprudência distorcida sobre a causa. O tributarista italiano relata, por exemplo, a decisão do tribunal de comércio de Senna que, sob a alegação de suposta ilicitude da causa, foi declarada nula obrigação contratada por gestor de casa de tolerância pela aquisição de vinho da Champagne destinado ao consumo na mesma casa50. Também anota decisão contemporânea em sentido contrário, de 1885, proferida pela IV Câmara da Corte de Bordeaux, em que um devedor alegou em seu favor a tese da ilicitude da causa para deixar de pagar dívida contraída em razão da aquisição de roupas íntimas e tecidos de seda destinados ao exercício de atividade em casa de tolerância. Nesse último caso a corte rejeitou o pedido sob a alegação de que o motivo da obrigação seria imoral e ilícito, porém a causa, a venda e compra, não51. O mesmo autor relembra, ainda, que a jurisprudência se manteve desorientada sobre o tema por algum tempo, pois até o início do século XX se constatavam decisões como do Tribunal Casale, que considerou nula a obrigação fundada em causa imoral, na venda de objetos de ornamento pessoal por joalheiro à prostituta, destinada ao exercício de seu “triste mestieri”52. Para ROTONDI, motivo não pode ser confundido com causa dos contratos. Aquele que se determina a cumprir algum ato, age de acordo com sua faculdade mental, que lhe apresenta várias situações de fato e de direito que se adaptem ao caso. As idéias que ocorram à sua mente e que o induzam a cumprir aquele ato são os motivos, naturalmente numerosos assim como numerosas são as circunstâncias, dependentes da própria natureza humana ou das coisas exteriores que promovem a atividade do homem53.
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ROTONDI, Áster. Apunti Sull’ Obbligazione Tributaria. Pádua: Cedam, 1950, p. 3. Tribunal do Comércio de Senna, 1º de maio de 1888, Gaz. Pal., 88, I, 797, apud ROTONDI, Áster. Apunti sull’ Obbligazione Tributaria. Pádua: Cedam, 1950, p. 5. ROTONDI, Áster. Apunti Sull’ Obbligazione Tributaria. Pádua: Cedam, 1950, p. 5. ROTONDI, Áster. Apunti Sull’ Obbligazione Tributaria. Pádua: Cedam, 1950, p. 5. A mencionada decisão data de 16 de março de 1916. ROTONDI, Áster. Apunti Sull’ Obbligazione Tributaria. Pádua: Cedam, 1950, p. 6.
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Muito discutida na esfera do Direito Privado, conforme exposto acima, a causa na obrigação tributária sofre de maior polêmica diante de suspeitas de sua inaplicabilidade. Para abordar tema tão controverso pareceu necessário tecer algumas considerações de cunho filosófico sem, contudo, perder de vista o Direito Público e, especialmente, o Direito Tributário. Entre os escolásticos, a causa da tributação foi desenvolvida a partir da teoria de AQUINO. O tributo seria justo se, além da soberania (causa efficiens), também houvesse um escopo de utilidade geral (causa finalis), uma relação entre o ônus e o resultado útil (causa formalis), e de uma igual escolha da pessoa e da coisa a ser gravada (causa materialis). Pelo raciocínio dos escolásticos, observa VANONI, seriam injustos todos ou quase todos os tributos, a ponto de se perdoar a evasão, o que motivou o abandono da teoria pelos juristas54. Evidente o intuito provocativo de VANONI. Parte da doutrina nacional atribui grande relevância à causa, como se tudo o que começasse a existir tivesse que ter uma causa. Tudo aquilo que existe, porém, demanda de outro o que lhe é preciso para ser, tem nele a sua causa55. Um valioso trabalho nacional que aborda com precisão a questão é da lavra de SCHOUERI, que usa CANTO como base para firmar posição em favor da teoria da causa na tributação56. CANTO se convenceu mais pela fundamentação do tributo, algo próximo da teleologia conforme princípios fundamentais, o que, essencialmente, seria causa somente no sentido metafísico. O conceito de causa está relacionado ao efeito. Aliomar BALEEIRO tratou da causa na tributação como fundamentação para a obrigação de contribuir, que estaria ligada à condição de cidadania, segundo a capacidade individual. Essa fundamentação poderia ser interpretada como causa apenas no campo filosófico57. Talvez, revendo o trabalho de
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VANONI, Ezio. Opere Giuridiche. Milão: Giuffrè, 1961, p. 18. CANTO, Gilberto Ulhoa. Temas de Direito Tributário, 2a ed. Rio de Janeiro: Alba, 1964, p. 287. Para o autor, o conceito escolástico de causa toma considera que tudo começa a existir tem um causa e, “tudo que é, e que não tem de si o que lhe é preciso para ser, recebeu-o de outro, que é sua causa”. Esse conceito contraria justamente a doutrina da causa na tributação, uma vez que a obrigação tem de si o que lhe é preciso, que é a lei. SCHOUERI, Luís Eduardo. Contribuição ao Estudo do Regime Jurídico das Normas Tributárias Indutoras como Instrumento de Intervenção sobre o Domínio Econômico, tese apresentada em concurso de Prof. Titular da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2002, p. 167 e ss. O trabalho de CANTO utilizado por SCHOUERI é o verbete Causa das obrigações fiscais, em que o celebrado tributarista resume: “ao invés de uma causa é mais adequado falar-se de um fundamento do direito do Estado ao tributo, in genere, e este consiste na necessidade do Estado contar com os meios econômicos para poder cumprir seus fins coletivos.” BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, 7ª ed. atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 740.
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BALEEIRO, faz sentido compreender a causa como fundamentação, principalmente para os fins propostos neste trabalho. Na Itália, a teoria causalista encontrou apoio de tributarista de autoridade, como GRIZIOTTI. GRIZIOTTI chegou a criticar duramente a doutrina alemã, que não aceitava a causa na obrigação tributária e atribuía a origem do imposto à lei. A crítica de GRIZIOTTI era dirigida a Otto MAYER, para quem o poder de tributar carece de pressuposto58. Há de se concordar com MAYER, pois o pressuposto desse poder é somente a lei ou, a Lei Maior, a Constituição. A chamada escola de Pavia, liderada por GRIZIOTTI, parece ter dado relevância à causa na tributação em reação aos excessos do Legislativo da época, fato que se observa hoje no Brasil. Também se justifica o apego de GRIZIOTTI e seus seguidores pela causa, pois são adeptos da teoria do benefício, que considera legítima a pretensão do Estado, quando este arrecada o tributo que faz frente à despesa pública e, aplicado em serviços para o contribuinte, justifica a exação, o que, em outras palavras, daria a causa à tributação. BERLIRI, por sua vez, reconhece a dificuldade de se falar em causa na obrigação tributária. Considera, apoiado na doutrina de MESSINEO, que o ordenamento jurídico atribui o nascimento da obrigação a duas causas: a vontade humana e a lei. A causa no Direito Privado, portanto, é constituída da vontade do devedor, de sua intenção em assumir um dever de adimplir, ou da vontade da lei, o que permite a classificação da obrigação em voluntária e legal. Essa transposição do Direito Privado para o Direito Tributário não é possível, pois nesse ramo do Direito Público existe a hipótese de obrigação que nasce unicamente do efeito da lei, sem pressupor a ocorrência de fato, o que seria impossível no Direito Privado59. BERLIRI indaga argutamente, mais adiante, se a fonte da obrigação tributária possa ser sempre e somente a lei, ou também a vontade e, em caso afirmativo, se seria necessário o concurso da vontade do sujeito ativo e do sujeito passivo (contrato), ou bastaria a vontade do sujeito ativo ou do sujeito passivo. Nessa posição, um tanto irônica, o tributarista italiano apimenta o debate, ao afirmar que esse tema traria outro em seu bojo: a imprescindibilidade do lançamento e sua natureza declaratória ou constitutiva60.
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PESSOA, Adriano Monte. A Causa Jurídica da Obrigação Tributária. In: RTFP, nº 46, p. 48. BERLIRI, Antonio. Principi di Diritto Tributario, vol. II, tomo I. Milão: Giuffrè, 1957, p. 178. MESSINEO é citado por BERLIRI em sua obra Manuale di diritto civile e commerciale. Milão: Giuffrè, 1952, vol. II, parte II, p. 22. Como um exemplo desse tipo de tributo, o autor cita o tributo de capitação, ou seja, aquele em que a obrigação de pagar surge por efeito da lei e sem a necessidade de se verificar um fato jurídico que determine uma situação diversa daquela preexistente. BERLIRI, Antonio. Principi di Diritto Tributario, vol. II, tomo I. Milão: Giuffrè, 1957, p. 180.
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Outro italiano que tratou da causa e não convenceu nem a si próprio foi Dino JARACH, que afinal tergiversou da causa para a fundamentação, como se a causa estivesse no pressuposto de fato. Seria a causa o critério que a lei assume como razão para justificar a ocorrência de determinado fato do qual derive a obrigação. Reconhece JARACH que a identificação da causa com o pressuposto do fato corresponde à negação da teoria da causa, uma vez que a identidade não estabeleceria a ponte lógica entre a vontade da lei e a situação de fato. Enfim, JARACH chega à conclusão análoga a de BALEEIRO, que resume causa à capacidade contributiva, o que não é senão no campo metafísico da fundamentação do tributo61. Em que pese a titubeante argumentação de JARACH, o resultado serve bem à doutrina do Direito Tributário, naquilo que afirma a justificação como elemento importante para a obrigação tributária. VANONI relata a história da tributação que revela existir nas diversas fases uma sorte de escambo entre Fisco e contribuinte, seja pela teoria da submissão (proteção), da utilidade (vantagem pessoal ou coletiva) ou pela cidadania (liberdade coletiva). Acerta ao concluir que a relação tributária não pode se resumir à troca62. Não obstante a psicologia fiscal explique a aceitação do tributo pelo contribuinte quando ele antevê contraprestação de utilidade por parte do Estado, isso não é causa no sentido lógico nem tampouco fundamentação63. Note-se que VANONI não contesta categoricamente a teoria da causa, mas expõe suas fragilidades. A causa é, afinal, o escopo efetivo do negócio jurídico. Em outras palavras, a causa é o escopo individual que as partes perseguem com sua estipulação. Aí está justamente a dificuldade de transpor a causa do direito privado para o direito tributário. No direito privado, o escopo que leva a parte a realizar o negócio jurídico deve ser estipulado no contrato. No direito tributário, ao contrário, o escopo é a lei, pois ela determina a parte a pagar o tributo, ou seja, ela seria a causa, o que parece ilógico. Para o direito tributário seria irrelevante que a causa esteja estipulada em contrato e, por conseguinte, que sua efetivação seja condição de validade. Basta que o fato previsto em lei ocorra para que se dê a obrigação tributária. A fundamentação, porém, faz sentido tanto a priori quanto a posteriori.
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JARACH, Dino. El Hecho Imponible. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1971, p. 99 e ss. VANONI, Ezio. Opere Giuridiche. Milão: Giuffrè, 1961, p. 117 e ss. VANONI, Ezio. Natureza e interpretação das leis tributárias, tradução de Rubens Gomes de SOUSA. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, p. 133 e ss.
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6. CONCLUSÃO Afinal, causa do tributo é a circunstância ou o critério que a lei define como razão para justificar que da verificação de um determinado pressuposto de fato derive a obrigação tributária64. JARACH afirma que a razão da tributação deve ser apurada na vontade das partes, uma vez que a vontade é pressuposto de fato, ao que a lei vincula o nascimento da obrigação. A razão da tributação deve ser perseguida no pressuposto de fato previsto em lei como necessário à origem da obrigação. A tese parece superada, porém não é. Ao contrário, tem no tipo e na evolução doutrinária do Direito Tributário sua maior atualidade. A causa defendida pelo jurista italiano é a fundamentação, a motivação que leva à transferência patrimonial. Mesmo que se admitisse a natureza privatista da causa, esta não pode ter seu conceito generalizado. Ao adotar um critério justificativo para o tributo, como em grande parte dos sistemas tributários, a razão escolhida pela lei como pressuposto da obrigação tributária é relevante, sempre que esteja ligada ao princípio da capacidade contributiva. A definição legal, a causa jurídica, estabelece as condições da relação jurídica entre Estado e contribuinte65. Admite-se, afinal, que o pressuposto do fato seja considerado como fundamentação e não como causa da conseqüência jurídica. O sentido psicológico da expressão, ou talvez melhor para a questão, o sentido deontológico se aproxima do significado de conseqüência jurídica numa relação estritamente jurídica, mais precisamente naquilo que se entende por dever ser66. Comprovado que a obrigação tributária em qualquer caso é obrigação ex lege, seu pressuposto jurídico seria um fato, jamais um negócio jurídico, exceto em relação aos chamados tributos contraprestacionais. De qualquer modo, para este estudo a causa jurídica da obrigação é entendida como definição legal, o que dá a hermenêutica um papel determinante na doutrina da obrigação tributária.
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JARACH, Dino. El Hecho Imponible. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1971, p. 99 e ss. SOUSA, Rubens Gomes. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Revista de Estudos Fiscais n° 9/ 10, 1948/1949, p. 503. VICENTE-ARCHE DOMINGO, Fernando. Consideraciones sobre el Hecho Imponible. In: Revisa de Derecho Financiero y de Hacienda Pública, nº 39, Madri, 1960, (529/594), p. 543.
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Comentários ao Artigo 113 do Código Tributário Nacional
Aurélio Pitanga Seixas Filho Professor Titular de Direito Financeiro e Tributário da UFF (AP) Doutor, Livre Docente, Professor Adjunto (ex) de Direito Financeiro da UERJ Doutor em Direito Tributário da Universidade Mackenzie Advogado
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113 – A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º - A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2º - A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º - A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.
1. INTRODUÇÃO O dever de contribuir para a despesa do Estado é um dever que incumbe a cada cidadão ou pessoa que esteja submetido à sua soberania. Num Estado Democrático de Direito as despesas e receitas do Estado são autorizadas pelo Orçamento Anual, aprovado pelo Parlamento, sendo a Receita Pública composta dos preços cobrados pelos Serviços prestados e pelos Tributos criados pela legislação. Assim, a obrigação tributária é um dever criado por lei das pessoas que têm capacidade econômica de arcarem com uma expropriação de parcela de suas rendas ou riquezas (imposto) e daquelas que são obrigadas a se utilizarem de alguma prestação estatal (taxa). A lei tributária, consequentemente, determina ou define quais rendas ou riquezas serão expropriadas (fato gerador dos impostos) e quais serviços estatais serão custeados por taxas. A dívida tributária (obrigação tributária), então, surgirá no momento estabelecido em uma lei e deverá ser paga, também, num dia especificado em uma lei.
2. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA PRINCIPAL O dever jurídico de pagar um tributo caracteriza-se, portanto, como uma “obrigação ex lege”, em que o comportamento das pessoas é totalmente previsto e regido por leis e regulamentados por ordenamentos emitidos por autoridades administrativas (Regulamentos, Instruções, etc.). Por sua natureza própria os deveres impostos por lei (ex lege) distinguemse, fundamentalmente, das relações jurídicas criadas e formatadas pela livre
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vontade das pessoas, “obrigações ex voluntade”, em que os deveres são decididos pelos sujeitos dentro de suas respectivas conveniências. O dever de pagar tributos, os deveres relativos à saúde pública, assim como a defesa do meio ambiente e diversos outros deveres impostos pelas leis devem ser obedecidos espontaneamente pelos respectivos destinatários, cabendo às autoridades administrativas a fiscalização do cumprimento das regras impostas no ordenamento. Enquanto os fatos geradores dos deveres jurídicos em uma relação obrigacional de direito privado são escolhidos voluntariamente pelas partes, o fato gerador das obrigações ex lege é inteiramente descrito em lei(s), sem qualquer possibilidade de alteração pelas pessoas. O descumprimento das regras impostas nas leis, naturalmente, estará sujeito às sanções legais proporcionalmente à gravidade dos danos ou prejuízos resultantes. Tendo em vista a importância dos deveres “ex lege” é necessário um acompanhamento pela Administração Pública de que a lei está sendo corretamente obedecida, razão para a criação de departamentos para fiscalização, investigação, policiamento, etc. Para fiscalizarem o cumprimento dos deveres impostos nas leis são criados na Administração Pública departamentos como o Ministério e as Secretarias de Fazenda no caso dos tributos. Com a publicação das leis e dos respectivos atos administrativos complementares as pessoas têm o dever de lhes obedecer espontaneamente, não sendo imprescindível a emissão de atos administrativos específicos para cada cidadão. Não é necessário, consequentemente, emitir um ato administrativo (lançamento tributário) a cada ocorrência do fato gerador de um tributo a fim de notificar o contribuinte a pagar o imposto, já que é conhecedor dos seus deveres tributários. Desta forma, o pagamento espontâneo do tributo não provoca alguma relação jurídica do contribuinte com a autoridade fazendária, que passa, então, a ter um prazo de cinco anos para investigar a correção do cumprimento desse dever legal, após o qual preclui a sua competência sobre esse fato gerador, salvo dolo, fraude ou simulação. As autoridades fazendárias, como todas as autoridades administrativas no exercício de sua competência legal, têm a potestade (exercício do poder de polícia) de fiscalizar (investigar) a ocorrência do fato gerador e, no caso de divergir do
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392 - COMENTÁRIOS AO ARTIGO 113 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL
pagamento efetuado pelo contribuinte ou descobrir fatos novos, poderá constituir um ou mais créditos tributários através de lançamento tributário. No caso em que as autoridades administrativas têm um cadastro dos bens tributáveis, (imóveis e veículos), o pagamento do imposto (IPTU, ITR, IPVA), pode ser posterior a um lançamento tributário por ser mais prático e permitir uma avaliação do valor da matéria tributária pelo próprio Fisco. No prazo preclusivo de cinco anos os fatos que motivaram a obrigação tributária poderão ser fiscalizados mais de uma vez dando origem a lançamento suplementar, não sendo válida, entretanto, a alteração dos critérios jurídicos adotados no lançamento original, (artigo 146 do CTN). A relação jurídica do contribuinte com uma autoridade fiscal não surge, portanto, com a ocorrência do fato gerador, pois somente com o exercício da potestade concedida por leis, é que o Fisco entra em contato com o contribuinte, mesmo assim na condição de mero delegado, comissário, mandatário, etc., sem qualquer interesse subjetivo no resultado do procedimento administrativo que será conduzido conforme determinado pelo ordenamento.
3. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ACESSÓRIA De acordo com o CTN artigo 113, parágrafo 2º, a obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. As empresas em geral são obrigadas pela legislação comercial a manterem uma escrituração registrando todo o seu movimento, permitindo, assim, que possam a qualquer momento provarem todos os seus movimentos. Além desses registros estritamente mercantis, a legislação tributária também exige vários registros que possam provar operações que resultam em dividas tributárias, como a declaração do imposto de renda, emissão de notas fiscais, registro de importações, etc. O descumprimento desses deveres de fazer é penalizado para desestimular a sua omissão com multa pecuniária, se não cumpridos a tempo próprio, naturalmente, transformando-se assim, conforme o parágrafo 3º do CTN, de obrigação acessória em obrigação principal. Como a legislação tributária é composta, também, conforme artigo 96 do CTN, por decretos e normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes, obrigações acessórias podem ser criadas por atos administrativos, porém o seu descumprimento somente poderá ser penalizado por sanções previstas por leis.
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Norma Geral Antielisiva e Planejamento Fiscal
Ricardo Lobo Torres Professor Titular de Direito Financeiro na UERJ e de Direito Tributário no Mestrado e Doutorado da PUC-Rio e Universidade Gama Filho
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394 - NORMA GERAL ANTIELISIVA E PLANEJAMENTO FISCAL
1. INTRODUÇÃO O direito tributário brasileiro avançou consideravelmente nos últimos anos no sentido de restringir a prática elisiva e os planejamentos fiscais abusivos. A Lei Complementar nº 104/01, que acrescentou novas regras ao Código Tributário Nacional, marcou o momento da virada no quadro legislativo. Mas hoje se chega ao impasse na aplicação das normas gerais e especiais antielisivas. De um lado, a Receita Federal elaborou a defeituosa MP 66, de 29/08/ 02, que procurava regulamentar a legislação complementar. A falta de aprovação da MP 66 conduziu o Fisco ao abandono dos pressupostos jurídicos da norma antielisiva da LC 104/2001, confundindo-a com a regra antievasiva (= antissimulação). Posteriormente a Receita Federal, ao fito de corrigir a MP 66/02, elaborou o PL nº 536/07 e ofereceu ao Ministro da Fazenda e ao Presidente da República os argumentos para o veto à Emenda nº 3 ao PL, que se transformou na Lei nº 11.457, de 16/03/07, textos também repletos de impropriedades. Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal tem evidenciado grande dificuldade técnica no enfrentamento das questões suscitadas em diversas ADINs, com a postergação indefinida dos julgamentos através de sucessivos pedidos de vista dos processos. O objetivo deste trabalho é examinar o tratamento dado às normas antielisivas pela doutrina, pela Receita Federal, no seu duplo papel de responsável pela formulação da política tributária da União e de agente da fiscalização das rendas nacionais, e pelo Supremo Tribunal Federal.
2. ANALOGIA
E
ELISÃO FISCAL
A doutrina hodierna e a legislação, especialmente a internacional, vêm conseguindo resultados importantes no fechamento dos conceitos jurídicos e das normas tributárias de incidência que abriam o caminho à elisão abusiva. Não se trata mais de defender posições apriorísticas favoráveis ou contrárias à elisão, mas de procurar, por intermédio da metodologia jurídica, fixar os limites legítimos do planejamento fiscal e da elisão lícita, os quais coincidem com a própria possibilidade expressiva da letra da lei, de tal modo que as normas antielisivas apenas se tornassem necessárias nos casos de abuso de direito.
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2.1. A LICITUDE DA ELISÃO Realmente se tornou indefensável a posição no sentido de que a elisão, praticada com base na interpretação dos conceitos de direito privado e sem simulação, é sempre lícita. Essa doutrina fora dominante no Brasil nas últimas décadas, apoiada em argumentos como os da legalidade absoluta, do primado do direito civil sobre o tributário, da separação entre economia e direito e da superioridade da legislação diante da jurisprudência. Seria lícita qualquer conceptualização jurídica do fato sujeito ao imposto, eis que, à aptidão lógica do conceito para revestir juridicamente certos fatos, repugna a idéia de abuso da forma jurídica. Corresponde, historicamente, ao apogeu do Estado Liberal, que cultiva o individualismo possessivo. Seus grandes nomes no direito estrangeiro: Kruse1 e A. D. Giannini2. No Brasil: Gilberto de Ulhoa Canto3 e A. R. Sampaio Dória4.
2.2. A ILICITUDE DA ELISÃO Os adversários da possibilidade da conduta elisiva apoiavam-se em idéias como as da interpretação econômica do fato gerador, da autonomia do direito tributário, da liberdade de criação do direito pelo juiz e da primazia da justiça sobre a segurança jurídica. A ilicitude da elisão, que teve ampliado o seu conceito e passou a abranger qualquer descoincidência entre forma e conteúdo jurídico, tornando tributáveis as relações econômicas que não revestissem a forma jurídica adequada, também perdeu a sua força, pelo enxugamento da noção de abuso da forma jurídica. Corresponde, historicamente, ao período do Estado Social, que se fundou em 1919 (Weimar) e entrou em crise e se desestruturou a partir dos anos 70, também chamado de Estado-Providência, Estado Intervencionista ou Welfare State. Seus grandes representantes são E. Becker5, na Alemanha; Griziotti6, na Itália; D. Jarach7, na Argentina. No Brasil, destaca-se Amilcar de Araújo Falcão8.
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Steuerrecht. München: C.H. Beck, 1969. Istituzioni di Diritto Tributario. Milano: Giuffrè, 1948. “Legitimação Tributária, sua Vigência, sua Eficácia, sua Aplicação, Interpretação e Integração”. RF 267: 25-30, 1979. Elisão e Evasão Fiscal. São Paulo: Bushatsky, 1977. “Zur Auslegung der Steuergesetze”. StuW 2: 145-180, 1924. Princípios de Politica, Derecho y Ciencia de La Hacienda. Buenos Aires: Depalma, 1935. “Hermenêutica no Direito Tributário”. In: MORAES, Bernardo Ribeiro et al. Interpretação no Direito Tributário. São Paulo: EDUC/Saraiva, 1975, p. 83-102. Introdução ao Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1994.
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2.3. A ZONA CINZENTA DA ELISÃO E A ANALOGIA O pluralismo metodológico, fundado na jurisprudência dos valores, dá outro enfoque ao problema da elisão. Parte da consideração de que o contribuinte tem ampla liberdade para planejar os seus negócios na busca do menor imposto, desde que se mantenha nos limites da possibilidade expressiva da letra da lei, ou seja, que não cometa abuso de direito. Não pode ultrapassar os limites da razoabilidade, aproveitando-se da zona cinzenta e da indeterminação dos conceitos e ofendendo valores como os da justiça e da segurança jurídica, bem como princípios como os da unidade da ordem jurídica, da interação entre direito tributário e economia, da capacidade contributiva e da legalidade democrática do Estado de Direito. Se o direito privado oferecesse à tributação conceitos jurídicos unívocos, é claro que se prescindiria de instrumento para evitar o descompasso entre a letra e o espírito da lei, pois haveria um denominador comum a informar a lei tributária e a lei civil. Numa primeira tentativa para coarctar o abuso do planejamento tributário, o intérprete inevitavelmente recorrerá à analogia. Tipke percebeu, excelentemente, que o combate à elisão pode desembocar no emprego da analogia, inclusive pela jurisprudência, disfarçadamente9. Mas a analogia se torna inevitável, anota o ex-Catedrático de Colônia10, diante da indeterminação dos próprios princípios fundamentais da tributação. Essa posição de Tipke passou a ser adotada por inúmeros autores alemães11. É evidente que as teses da permissão de analogia gravosa podem resvalar para a ilegalidade. Os seus próprios adeptos reconhecem que a analogia só deve ser aplicada quando possa ser reconhecida com certeza, sendo a solução mais correta a procura da clareza e da segurança metodológicas. Assim sendo, a inevitabilidade do desencontro entre forma e conteúdo tributários e a insatisfação com a analogia gravosa apontam no sentido do fechamento normativo através de cláusulas antielisivas, gerais ou específicas,
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Steuerrecht. Köln: O. Schmidt, 1985, p. 115. Die Steuerrechtsordnung. Köln: O. Schmidt, 1993, v. 3, p. 1329: “A elisão começa além da interpretação da lei, no campo da lacuna. Por isso a analogia, como meio de evitar os efeitos da elisão, é indispensável” (Die Umgehung beginnt erst jenseits des ausgelegten Gesetzes, im Lückenbereich. Daher ist die Analogie als Mittel, die Folgen der Umgehung zu Vermeiden, unentbehrlich”). TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 122.
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que, introduzindo solução legislativa para o impasse, podem retirar o déficit de legitimidade constitucional da aplicação analógica do direito tributário12, tornando-se elas próprias contra-analógicas13. O pluralismo metodológico, por conseguinte, ancorado na jurisprudência dos valores e no pós-positivismo, aceita o planejamento fiscal como forma legítima de economizar imposto, desde que não haja abuso de direito. Autores de prestígio como K. Tipke14, K. Vogel15 e Rosembuj16 defendem esse ponto de vista. Entre nós, alguns trabalhos recentes de Marco Aurelio Greco17, de Hermes Marcelo Huck18 e de Ricardo Lodi Ribeiro19 também admitem o controle nos casos de abuso de direito.
3. A ELISÃO ABUSIVA
E A
NORMA GERAL ANTIELISIVA
O art. 116, parágrafo único, do CTN, na redação dada pela LC 104, de 2001, recepcionou o modelo francês de norma antielisiva. O Código Civil de 2002, por seu turno, proclamou a ilicitude do abuso de direito no art. 187. O modelo brasileiro se aproxima também, do ponto de vista substancial, do alemão, estampado no Código Tributário de 1977 (AO 77): Art. 42 – A lei tributária não pode ser fraudada através do abuso de formas jurídicas. Sempre que ocorrer abuso, a pretensão do imposto
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Cf. TIPKE, “Über teleologische Auslegung, Lückenfeststellung und Lückenausfüllung”. Festschrift für Hugo von Wallis, 1985, p. 135; Die Steuerrechtsordung, cit., p. 1332: “A elisão da lei tributária é a ruptura da igualdade da tributação segundo a capacidade contributiva através de meios formais. Por isso o combate à elisão tributária é uma tarefa constitucional da legislação e da administração” (“Steuergesetzumgehung ist Ausbruch aus der gleichmässigen Besteuerung nach der Leistungsfähigkeit mit formalen Mitteln. Die Bekämpfung der Steuerumgehung ist daher eine verfassungsmässige Aufgabe von Gesetzgebung und Verwaltung”). Cf. tb.: UCKMAR, Vitor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 29: “A solução do problema deve ter caráter legislativo: deve ajustar-se à exclusiva competência do legislador no setor fiscal, de acordo com o princípio seguido na maioria dos países de fortalecer a certeza jurídica”; DI PIETRO, Adriano. “Presentazione”. In: —. (Ed.). L’Elusione Fiscale nell’Esperienza Europea. Milano: Giuffrè, 1999, p. XIX; Jacques Malherbe (“L’Esperienza Belga”. In: A. DI PIETRO (ed.). L’Elusione Fiscale nell’Esperienza Europea, cit., p. 64) anota que, na ausência de norma antielisiva, a Administração teria que “recorrer à analogia, incompatível com o art. 170 da Constituição belga”. Vide p. 121. Steuerrechts, cit., p. 115; Die Steuerrechtsordnung, cit., v.3. “Steuerumgehung nach innerstaatlichem Recht und nach Abkommensrecht”. StuW 62:371, 1985. La Simulación y el Fraude de Ley em La Nueva Ley General Tributaria. Madrid: Marcial Pons, 1996, p. 88. Planejamento Tributário. São Paulo: Dialética, 2004, p. 172 e seguintes. Evasão e Elisão. Rotas Nacionais e Internacionais do Planejamento Tributário. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 141 e seguintes. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 135 e seguintes.
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surgirá, como se para os fenômenos econômicos tivesse sido adotada a forma jurídica adequada.20
A dissimulação prevista no art. 116, parágrafo único, do CTN refere-se à hipótese de incidência ou ao fato gerador abstrato, o que caracteriza a elisão e jamais a simulação. O direito brasileiro, diante de vários modelos estrangeiros de melhor qualidade, preferiu recepcionar a solução francesa. Quando o art. 116, parágrafo único, do CTN diz que “a administração pode desconsiderar atos ou negócios praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador tributário”, está se referindo à dissimulação do fato gerador abstrato, e não à dissimulação do fato gerador concreto. O ato ou negócio praticado (fato gerador concreto) é dissimulador da verdadeira compreensão do fato gerador abstrato, o que, sem dúvida, é uma das características da elisão abusiva, na qual há desencontro entre forma e substância e entre intentio juris e intentio facti. No direito alemão, a elisão chama-se “Steuerumgehung”, que literalmente significa contornar, ladear, circular, envolver ou dar a volta em torno da lei do imposto. Tipke21 explica que para se caracterizar a elisão: “Uma lei tributária deve ser contornada. O art. 42 do Código Tributário fala do contorno da lei tributária”. A cláusula geral antielisiva do art. 116, parágrafo único, do CTN, nada tem que ver com a simulação porque atua no plano abstrato da definição do fato gerador e dos elementos constitutivos da obrigação tributária (sujeito passivo, tempo, base de cálculo, alíquota etc.), impedindo que seja dissimulada a sua ocorrência mediante interpretação abusiva do texto da lei tributária. Opera, portanto, no plano da mens legis, evitando que se distorça o sentido da lei para dissimular a ocorrência do fato gerador apropriado. Retornando às lições de Tipke, observa o jurista germânico que “a elisão da lei tributária pressupõe um abuso da possibilidade formal do direito, que se apega não à finalidade, mas à letra da lei”22. Marco Aurélio Greco apreende
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A tradução é de SCHMID, Alfred. J. e outros. Código Tributário Alemão. Rio/São Paulo: Forense/IBDT, 1978, p. 17. A redação original é a seguinte: “Durch Missbrauch von Gestaltungsmöglichkeiten des Rechts kann das Steuergesetz nicht umgangen werden. Liegt ein Missbrauch vor, so entsteht der Steueranspruch so, wie er bei einer den wirtschaftlichen Vorgängen angemessenen rechtlichen Gestaltung entsteht”. Die Steuerrechtsordnung, cit., p. 1342: “Es muss ein Steuergesetz umgangen werden. § 42 AO spricht von Umgehung “des Steuergesetzes”. Id. ibid., p. 1324: “Die Umgehung des Steuergesetzes setzt einen Missbrauch von Gestaltungsmöglichkeiten des Rechts voraus, der zwar nicht am Gesetzeszweck, wohl aber am Gesetzeswortlaut vorbeizielt”.
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muito bem a fenomenologia da norma antielisiva23: “Para que ocorra a hipótese de incidência da norma autorizadora da desconsideração é indispensável: 1) que exista a definição legal desse fato gerador, tipicamente descrito; e 2) que, materialmente, ele ocorra, embora dissimuladamente”.
4. A SIMULAÇÃO O que caracteriza a simulação, na sua vertente de simulação relativa, é que implica a dissimulação, o fingimento ou a manipulação dos fatos praticados. Opera no plano do fato gerador concreto, e não do fato gerador abstrato ou hipótese de incidência. A teoria do direito civil considera a dissimulação como forma de simulação relativa. Era ponto de vista teórico, que não se positivava no direito civil brasileiro, o qual cuidava simplesmente da simulação (art. 102 do Código Civil de 1916). Agora, com o C.C. de 2002, a matéria aparece claramente disciplinada: Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. § 1o – Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
Os civilistas brasileiros concordam na análise dos pressupostos da simulação relativa24.
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“Constitucionalidade do Parágrafo Único do Artigo 116 do CTN”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 187. Cf. TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. V. 1. Parte Geral e Obrigações. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 313: “A simulação relativa, também denominada dissimulação, é a que contém dois atos jurídicos, quais sejam: o negócio simulado que esconde ou camufla outro negócio, que é o dissimulado, a verdadeira intenção das partes. É então da simulação relativa que fala o dispositivo em tela, referindo-se à preservação do negócio dissimulado, se válido na substância e forma”; MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 209 e seguintes: “Cumpre não confundir simulação com dissimulação. Distinguiu-as Ferrara, nos seguintes termos: na simulação, faz-se aparecer o que não existe, na dissimulação oculta-se o que é; a simulação provoca uma crença falsa num estado não-real, a
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A teoria da simulação do direito civil é a mesma que informa o direito tributário, até mesmo em razão do princípio da unidade do direito25. Ainda mais quando se considera que o Código Civil de 2002 adota novas idéias no plano da eticidade, que o aproximam das modificações introduzidas ultimamente no CTN (LC 104/01 e 105/01). Os tributaristas, no Brasil e em outros países, sempre caminharam de passo certo com os civilistas na temática da simulação. Sampaio Dória dissertava26: A simulação é absoluta quando não se quer nenhum negócio (fingindo-se celebrar uma venda sem que realmente se pretenda venda ou constituir qualquer outra relação jurídica). E relativa, se se deseja negócio diferente do pactuado (venda ocultando doação), se o sujeito é diferente do que integra a relação aparente (dou a A para encobrir doação a B), ou se qualquer outro elemento da relação é falso/preço). Existirá aí, então, um negócio verdadeiro (dissimulado), concretizado ordinariamente numa contradeclaração,e a ele sobreposto, escondendo-o, o negócio aparente.
No direito argentino, encontra-se a mesma estrutura da simulação relativa. Na palavra de Rodolfo R. Spisso27: Simulación de la Natureza Del Acto. Comienza el art. 955 del Cód. Civil refiriéndose a la simulación que “encubre el carácter jurídico de un acto bajo la apariencia de otro”. Así, el caso de una donación que se encubre bajo la apariencia de una compraventa. El negocio simulado es la liberalidad realizada por el titular de dominio que se vale de un negocio simulado para realizar el fin
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dissimulação oculta ao conhecimento dos outros uma situação existente... Mas em ambas, o agente quer o engano: na simulação quer enganar sobre a existência de uma situação nãoverdadeira, na dissimulação, sobre a inexistência de situação real. Se a simulação é um fantasma, a dissimulação é uma máscara”; MOREIRA ALVES, José Carlos. “Conferência Inaugural do XXVIII Simpósio Nacional de Direito Tributário”. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Princípio da Não-cumulatividade. Pesquisas Tributárias – Nova Série – 10. São Paulo: Centro de Extensão Universitária/Ed. Revista dos Tribunais, 2004, p. 15: “E isso porque a simulação, como sempre se considerou, apresentava, e apresenta, duas modalidades: uma simulação absoluta, em que o que se quer é apenas criar a aparência, e a simulação relativa, em que, por meio de uma aparência, que é caracterizada pelo negócio simulado, se dissimula o negócio real”. Cf. TORRES, Ricardo Lobo. “O Abuso do Direito no Código Tributário Nacional e no Novo Código Civil”. In: GRUPENMACHER, Betina Treiger (Coord.). Direito Tributário e Novo Código Civil. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 53. Elisão e Evasão Fiscal. São Paulo: José Bushatsky, 1977, p. 65. “Fraude de Ley, Abuso de las Formas y Simulación”. In: CASÁS, José Oswaldo (Coord.). Interpretación Económica de las Normas Tributarias. Buenos Aires: Ed. Rodolfo Depalma, 2004, p. 248.
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práctico buscado por los otorgantes y que simultáneamente evita la aplicación de las disposiciones legales que corresponden al negocio disimulado.
No direito alemão, Tipke e Kruse fazem arguta observação28: Inexiste simulação quando se obtém com o negócio jurídico uma finalidade determinada e economicamente razoável.
4.1. AS DIFERENÇAS ENTRE SIMULAÇÃO E ABUSO DE DIREITO O problema fundamental a se examinar é o da distinção entre a simulação e o abuso de direito, neste compreendidas as suas diversas espécies (fraude à lei,a ausência de propósito mercantil, abuso de forma, dissimulação do fato gerador abstrato etc.). Entre parênteses: registre-se que a diferença entre elisão lícita e elisão ilícita ou abusiva29 não interessa ao desenvolvimento do assunto. A distinção básica consiste em que, na simulação, o fato ou não existiu (por exemplo, compra e venda sem entrega de dinheiro) ou só parcialmente era verdadeiro (por exemplo, compra e venda por baixo preço, que é doação). No primeiro caso, ocorre a simulação absoluta; no outro, a simulação relativa. Já na elisão, o fingimento não se dá com relação ao fato concreto, mas com referência ao fato gerador abstrato definido na lei, que é distorcido na subsunção. Tipke observa: “Fingida é apenas a forma jurídica correspondente, não o fato econômico”30. Em outras palavras, na elisão abusiva, em qualquer das suas manifestações (fraude à lei, dissimulação do fato gerador abstrato, ausência de propósito
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Abgabenordnung, Finanzgerichtsordnung. Kommentar. Köln: O. Schmidt, 1999, art. 41, nota marginal 68: “Wird mit dem Geschäft ein bestimmter, wirtschaftlich vernünftiger Zweck verfolgt, so ist es kein Scheingeschäft”. Há discussão em torno da expressão “elisão abusiva” ou “elisão ilícita”. A doutrina italiana entende que a elisão é sempre ilícita – cf. ADONNINO, Pietro. “Parece del Ministero delle Finanze e del Comitato Consultivo per l’Aplicazione delle norme Antielusive e Rilevanza Penale dell’Elusione”. In: Rivista di Diritto Tributario 11 (2): 242, 2001: “A distinção entre elisão lícita (elusione lecita) e elisão ilícita (elusione illecita) é um non senso porque o fenômeno elisivo, corretamente individualizado, é sempre ilícito. No caso em que não exista norma de contraste que seja violada não se pode falar de elisão”. Nos países de língua inglesa empregase a expressão abusive tax avoidance para caracterizar a elisão ilícita, por oposição a tax planning, tax minimisation ou acceptable tax avoidance – cf. COOPER, Graeme S. “Conflicts, Challenges and Choices – The Rule of Law and Anti-Avoidance Rules”. In: —. (Ed.). Tax Avoidance and the Rule of Law. Amsterdam: IBFD, 1997, p. 3l. Die Steuerrechtsordnung, cit., p. 1344: “Fingiert wird... nur die angemessene Rechtsgestaltung, nicht der wirtschaftliche Sachverhalt”. Observa P. Herrera Molina (“Aproximación a la Analogia y el Fraude de Ley en Materia Tributaria”. Revista de Direito Tributario 73/67): “Mediante el fraude de ley se realiza verdaderamente el acto o negocio juridico manifestado por los interessados – lo que diferencia esta figura de la simulación – aunque com una finalidad atipica y artificiosa”.
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mercantil) pretende o contribuinte fazer prevalecer a forma jurídica sobre a substância, ao passo que, na simulação, procura revestir o conteúdo fático com o nomen juris ou a forma jurídica inadequados31. Mas, tanto na simulação quanto na elisão abusiva, há o desencontro entre forma e substância jurídica32. Outra distinção importante consiste em que, no abuso de direito e na elisão abusiva, o fato gerador concreto é lícito, embora a consequência jurídica constitua ilícito civil, ao passo que, na simulação, ocorre o contrário: a ilicitude e a falsidade dos meios produz a ilicitude penal. Mas ainda há diferenças importantes a considerar: na simulação e na fraude contra a lei33, o fingimento e a manipulação acontecem após a ocorrência do fato gerador, enquanto, na elisão abusiva e na fraude à lei, a desinterpretação é anterior34; naquelas discute-se sobretudo a respeito da matéria de fato, ao passo que, na elisão, a controvérsia gira em torno da questão de direito; por conseguinte, naquelas a prova é o seu ponto nevrálgico e incumbe ao Fisco produzi-la, ao contrário da elisão abusiva, na qual não se abre a instância da prova; na simulação ou fraude, aplica-se a multa qualificada e, na elisão abusiva, não há penalidade no ordenamento tributário brasileiro; na simulação, existe o pacto ou conluio entre as partes e, na elisão, não.
4.2. A CONFUSÃO ENTRE SIMULAÇÃO E ELISÃO ABUSIVA É importante considerar, neste passo, que a confusão entre elisão e simulação (= evasão) vem sendo cometida também por parte da doutrina brasileira, com especial reflexo sobre os trabalhos da Receita Federal, tanto no seu papel de órgão fazendário responsável pela formulação da política jurídicotributária do País quanto na sua atuação prática na fiscalização das rendas. A LC 104/01 introduziu o parágrafo único no art. 116 do CTN, tantas vezes citado.
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Cf. ZIMMER, Frederik. “Form and Substance in Tax Law”. General Report. Cahiers de Droit Fiscal International 87-a: 30, 2002; ROSEMBUJ, Tulio. El Fraude de Ley, la Simulación y el Abuso de las Formas en el Derecho Tributario. Madrid: Marcial Pons, 1999, p. 233. Os autores que defendem a plena licitude da elisão discordam deste ponto – cf., por todos: SAMPAIO DÓRIA, Antonio Roberto. Evasão e Elisão Fiscal. São Paulo: José Bushatsky/IBET, 1977, p. 67. Registre-se que são inconfundíveis as fraudes à lei (fraus legis) e a fraude contra a lei (contra legem). Cf. SAMPAIO DÓRIA. op. cit., p. 58: “[...] na fraude, opera-se a distorção da realidade econômica no instante em que ou depois que ele já se manifestou sob a forma jurídica descrita na lei como pressuposto de incidência. Ao passo que, pela elisão, o ajuste atua sobre a mesma realidade antes que ele se exterioriza, revestindo-a da forma alternativa não descrita na lei com pressuposto de incidência”.
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Desde a publicação da LC 104/01, surgiu a dúvida por parte da doutrina brasileira: tratava-se de regra antielisiva ou antievasiva (antissimulação)? Coube a Alberto Xavier lançar, de modo mais articulado, a tese de que se cuidava de norma antievasiva: “o novo parágrafo único do art. 116 do CTN estabelece que a autoridade administrativa ‘poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos viciados por simulação’”35. Além da afirmação de que a dissimulação significa simulação relativa, Xavier lança mão do argumento de que, se interpretada como norma antielisiva, a nova regra seria inconstitucional, pois conflitaria com os princípios da legalidade estrita e da tipicidade fechada, afrontaria a proibição de analogia estabelecida no art. 108, § 1o, do CTN e recorreria às teorias da fraude à lei e do abuso do direito, inaplicáveis no direito tributário36. A outra corrente de idéias, à qual nos filiamos37, defende a constitucionalidade da LC 104/01 e a possibilidade e a conveniência das normas antielisivas38. Podemos alinhar os seguintes argumentos gerais no sentido de que a LC 104/01 trouxe uma verdadeira norma antielisiva, influenciada pelo modelo francês, e não uma norma antievasiva ou antissimulação: a)
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não tem peso argumentativo concluir-se que o Congresso Nacional, legitimamente eleito, teria se reunido para votar lei inócua, que repetiria a proibição de simulação já constante do CTN (arts. 149, VII, e 150, § 4o);
Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 68. No mesmo sentido se manifestaram os seguintes autores: MARTINS, Ives Gandra da Silva. “Norma Antielisão”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 117-128; TROIANELLI, Gabriel Lacerda. “O Parágrafo Único do Art. 116 do Código Tributário Nacional como Limitação do Poder na Administração”. In: VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA, O Planejamento..., cit., p. 85-102; DERZI, Misabel Abreu Machado. “A Desconsideração dos Atos e Negócios Jurídicos Dissimulatórios, segundo a Lei Complementar 104, de 10 de Janeiro de 2001”. In: VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA, O Planejamento..., cit., p. 205-232; TORRES, Heleno. Direito Tributário e Direito Privado. Autonomia Privada, Simulação, Elusão Tributária. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003, p. 260. XAVIER. op. cit., p. 19, 98, 102 e 138. Cf. TORRES, Ricardo Lobo. “A Chamada “Interpretação Econômica do Direito Tributário”, a Lei Complementar 104 e os Limites Atuais do Planejamento Tributário”. In: VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA. O Planejamento... cit., p. 233-244; ______. “Normas Gerais Antielisivas”. In: ______. (Coord.). Temas de Interpretação do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 261-330. Cf. GRECO, Marco Aurélio. “Constitucionalidade do Parágrafo Único do Artigo 116 do CTN”. In: VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA. O Planejamento..., cit., p. 181 a 204; ______. Planejamento Tributário. São Paulo: Dialética, 2004; HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e Elisão. Rotas Nacionais e Internacionais do Planejamento Tributário. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 141 e seguintes. SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. “A Interpretação Econômica no Direito Tributário, a Lei Complementar no 104/2001 e os Limites do Planejamento Tributário”. In: VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (Ed.). O Planejamento..., cit., p. 7-19.
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b)
não faz sentido admitir-se que a lei inócua foi votada por engano ou por ignorância, já que a Mensagem que encaminhou o projeto se referia expressamente à necessidade de introdução da regra antielisiva no ordenamento jurídico brasileiro39;
c)
não pode haver nenhuma incompatibilidade da norma antielisiva com o Estado de Direito, senão até que se tornou necessidade premente nas principais nações democráticas na década de 1990;
d)
em nenhum país democrático levantou a doutrina a tese da inconstitucionalidade, e muito menos a declararam os Tribunais Superiores;
e)
quando muito se encontra a afirmativa de que certas nações não estão “maduras” para a prática das normas antielisivas, como acontece naquelas em que o planejamento tributário se tornava freqüentemente abusivo40;
f)
as teses da legalidade “estrita” e da tipicidade “fechada” têm conotação fortemente ideológica e se filiam ao positivismo formalista e conceptualista41;
g)
as normas antielisivas equilibram a legalidade com a capacidade contributiva42;
h)
as normas antielisivas no direito comparado têm fundamento no combate à fraude à lei (Alemanha, Espanha, Portugal), ao abuso de direito (França) ou ao primado da forma sobre a substância (Estados Unidos, Inglaterra, Canadá etc.), não havendo motivo para que tais fundamentos não possam ser invocados no Brasil.
Deve-se notar que as normas antielisivas se espalham rapidamente, a partir da década de 1990, por todos os países civilizados, e vão entrando no direito tributário sob diferentes configurações, a depender do ambiente cultural dos
39 40
41 42
Para o histórico dos trabalhos preparatórios de LC 104/01, cf.: TROIANELLI. op. cit., p. 87 e seguintes. RUSSO, Pasquale. “Brevi Note in Tema di Disposizioni Antielusive”. Rassegna Tributaria 1: 68: “A primeira reflexão a fazer é que o ordenamento italiano, pela tradição e tendo em vista a situação concreta da Administração financeira, não está ainda maduro (non è ancora maturo) para a introdução de uma General-Klause antielisiva do tipo das vigentes em outros países (Alemanha, Áustria, Argentina)”. Cf. R.L.TORRES. (“Legalidade Tributária e Riscos Sociais”. In: Revista Dialética de Direito Tributário 59: 95-112, 2000.) Cf. MARCO AURÉLIO GRECO. Constitucionalidade..., cit., p. 188: “[...] o parágrafo único do artigo 116 prestigia a legalidade e a tipicidade, pois estas cercam a qualificação dos fatos da vida para dar-lhes a natureza de fato gerador do tributo”.
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países que as adotam. O Prof. Frederik Zimmer, relator geral do tema “Forma e Substância no Direito Tributário”, no Congresso da IFA realizado em Oslo em 2002, depois de ressalvar que todos os países possuem normas específicas antielisivas (especific tax avoidance rule), separa-os em três grandes grupos no que concerne às normas gerais: a) não possuem nem regras baseadas na lei (statute-based), nem medidas gerais baseadas nas cortes (court-based general tax avoidance): Colômbia, Japão, México; b) muitos países criaram regras gerais antielisivas por lei (general anti avoidance rules – GAAR): Argentina, Austrália, Bélgica, Canadá, Finlândia, França, Alemanha, Hungria, Itália, Korea, Luxemburgo, Nova Zelândia, Espanha e Suécia; c) alguns países criaram regras jurisprudenciais antielisivas (court-based general tax avoidance rules): Dinamarca, França, Índia, os Países Baixos, Noruega, Suécia, Estados Unidos e Reino Unido43.
5. AS AMBIGUIDADES
DA
RECEITA FEDERAL
A Receita Federal exerce duplo papel na vida fiscal brasileira: a) é o órgão de cúpula encarregado da formulação da política jurídica do Governo em matéria tributária; b) é a repartição incumbida da fiscalização das rendas da Fazenda Nacional, por intermédio de seu corpo de auditores e funcionários especializados. Não raro a Receita Federal procede com extrema ambigüidade, deixando que as suas perplexidades no plano da política tributária tenham reflexos sobre o seu relacionamento com os contribuintes. A questão do combate à elisão abusiva ou ilícita é uma delas.
5.1. AS TRAPALHADAS DA MP 66/2002 A Receita Federal, como órgão formulador das leis tributárias do País, elaborou as regras estampadas na MP 66, de 29 de agosto de 2002, que tinham o objetivo de regulamentar a norma geral antielisiva do art. 116, parágrafo único, do CTN. Como instrumento autoritário que era, a Medida Provisória, preparada entre quatro paredes, sem discussão prévia, foi mal recebida pelos contribuintes e pela comunidade acadêmica e, afinal, rejeitada pela Lei nº 10.637/02. A sua recusa serviu para emburilhar definitivamente os limites entre a simulação e a elisão abusiva e para redirecionar os trabalhos dos agentes do Fisco.
43
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“General Report”. Cahiers de Droit Fiscal International. Form and Substance in Tax Law. Rotterdam: IFA, 2002, v. 87-a, p. 37.
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5.1.1. IMPOSSIBILIDADE
DE DEFINIÇÃO DA ELISÃO
O erro maior da MP 66/02, a nosso ver, centrou-se na tentativa de regulamentar normas gerais abertas e de conteúdo polissêmico, que apenas podem ser objeto de complementação ou interpretação pelo trabalho da doutrina e da jurisprudência. Em nenhum país que possua normas gerais antielisivas – e são todas as nações cultas –, procurou o Executivo regulamentá-las; nem mesmo na França, que exibe o modelo no qual se inspirou a LC 104/01. De feito, a MP 66/02 disse inicialmente que não se aplicaria aos casos de dolo, fraude e simulação (art. 13, parágrafo único). Ao depois, estabeleceu que, para a desconsideração do ato ou negócio, se deveria levar em conta, entre outras, a ocorrência de “falta de propósito negocial e abuso de forma”. Além de deixar lacuna, a ser contraditada pelo argumento a contrario sensu, a MP 66 pôs-se a definir cada qual daquelas categorias epistemológicas de forma incompleta e contraditória44. A solução do problema só poderia ser, como de fato foi, a não conversão da MP em lei. Com a falta da regulamentação da norma geral antielisiva, o Fisco federal passou a adotar, no plano prático, a teoria de Alberto Xavier às avessas: a regra do art. 116, parágrafo único, do CTN seria constitucional, porém antievasiva (= antissimulação).
5.1.2. AS
REGRAS PROCEDIMENTAIS
Mas a MP 66 continha dispositivos de grande importância para a normalidade do direito tributário brasileiro, como eram os de ordem processual. Previa, no art. 15, a instauração de procedimento específico de fiscalização. No art. 16, determinava que o ato de desconsideração seria precedido de representação do servidor competente para efetuar o lançamento, com a notificação ao sujeito passivo, que teria 30 dias para os esclarecimentos e provas. A autoridade administrativa, segundo o art. 17, decidiria, em despacho fundamentado, sobre a desconsideração dos atos ou negócios jurídicos praticados. O sujeito passivo teria 30 dias para efetuar o pagamento (art. 17, § 2o), que, não realizado, ensejaria a lavratura do auto de infração (art. 18). Ao lançamento
44
Art. 14, § 2º – “Considera-se indicativo de falta de propósito negocial a opção pela forma mais complexa ou mais onerosa, para os envolvidos, entre duas ou mais formas para a prática de determinado ato”. § 3 o – “Para o efeito do disposto no inciso II do § 1o, considera-se abuso de forma jurídica a prática de ato ou negócio jurídico indireto, que produza o mesmo resultado econômico do ato ou negócio jurídico dissimulado”.
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assim efetuado, aplicar-se-iam as normas reguladoras do processo de determinação e exigência do crédito tributário (art. 19). Parece-nos que a recusa do Congresso Nacional em aprovar os arts. 15 a 19 da MP 66/02 desnorteou a ulterior ação da fiscalização de rendas, por ausência de normas procedimentais. Mas não afetou a eficácia da LC 104/2001, que nunca esteve limitada à ulterior regulamentação, se o ente público possuir regras de processo tributário administrativo, como acontece com a União e os principais Estados brasileiros.
5.1.3. AS MULTAS A Medida Provisória nº 66/02 estabelecia que a notificação resultante do despacho da autoridade administrativa cientificaria o contribuinte para o pagamento dos tributos acrescidos de juros e multa de mora, no prazo de 30 dias (art. 17, 2o), isto é, sem multa penal; mas a falta de pagamento dos tributos e encargos moratórios, naquele prazo, ensejaria o lançamento do respectivo crédito tributário, mediante lavratura de auto de infração, com aplicação de multa de ofício. Era razoável a regulamentação, pois significava o alívio da penalidade na fase da requalificação e a sua exigência no caso de o contribuinte não aceitar o ato de lançamento. Seguia o modelo da Alemanha45 e da Espanha46, que não aplicam penalidades. Recusada a aprovação da MP 66/02 pelo Congresso Nacional, quedou o direito brasileiro sem norma específica penal para os casos de elisão abusiva e, por consequência, sem multa a aplicar. O Fisco, acostumado a lavrar auto de infração acompanhado sempre da aplicação da multa, passou a capitular a elisão abusiva como simulação, com a exigência da penalidade qualificada de 150% (art. 44, II, da Lei 9.430, de 1996).
5.2. NOVAS TRAPALHADAS DA RECEITA FEDERAL 5.2.1. O ART. 129 DA LEI 11.196/05 E A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PERSONALÍSSIMOS
Foi muito discutido, perante o Conselho de Contribuinte da União, o problema da incidência do imposto de renda sobre a prestação de serviços
45 46
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Cf. TIPKE. Die Steuerrechtsordung, cit., p. 1345. CISNEROS GUILLEN, Luiz. “A Experiência da Espanha”. In: Anais do Seminário Internacional sobre Elisão Fiscal. Brasília: ESAF, 2002, p. 154. O art. 15 da Ley General Tributaria (Ley 58/ 2003) dispõe: “3. En las liquidaciones que se realicen como resultado de lo dispuesto en este artículo, se exigirá el tributo aplicando la norma que hubiera correspondido a los actos o
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personalíssimos, como sejam os desempenhados por artistas de televisão ou técnicos de futebol. A dúvida consistia em saber se a incidência recaia sobre os rendimentos da pessoa jurídica ou da física. Em certo caso, a fiscalização de rendas chegou a exigir o imposto sob o argumento da prática da simulação. Mas o Conselho de Contribuintes requalificou a autuação e autorizou o aproveitamento dos créditos referentes aos valores pagos pela pessoa jurídica: Simulação. Não se caracteriza simulação para fins tributários quando ficar incomprovada a acusação de conluio entre empregador, sociedade esportiva e o empregado, técnico de futebol profissional, por meio de empresa já constituída com o fim de prestar serviços de treinamento de equipe profissional de futebol.47
Em outra oportunidade, o Conselho de Contribuintes desconsiderou a personalidade jurídica de animador de programa de televisão para decidir pela incidência do imposto sobre a pessoa física: IRPF. Rendimentos de prestação individual de serviços. Apresentador/ animador de programas de rádio e televisão. Sujeito passivo da obrigação tributária. São tributáveis os rendimentos do trabalho ou de prestação individual de serviços, com ou sem vínculo empregatício, independendo a tributação da denominação dos rendimentos, da condição jurídica da fonte e da forma de percepção das rendas, bastando para a incidência do imposto, o benefício do contribuinte por qualquer forma e a qualquer título (art. 3o, § 4o, da Lei 7.713, de 1988) [...] Desta forma, os apresentadores e animadores de programas de rádio e televisão, cujos serviços são prestados de forma pessoal, terão seus rendimentos tributados na pessoa física, sendo irrelevante a existência de registro de pessoa jurídica para tratar dos seus interesses.48
Parece-nos que o Conselho de Contribuintes estava trilhando o caminho correto. Não havia simulação, pois não ocorrera qualquer fingimento com
47 48
negocios usuales o proprios o eliminando las ventajas fiscales obtenidas, y se liquidarán intereses de demora, sin que proceda la imposición de sanciones”. Recurso nº 141.697, Ac. da 6a Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes, nº 10614.244, de 20.10.2004, Rel. José Ribamar Barros Penha. Recurso 127.793, Ac. da 4a Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, nº 104-18.641, de 19.03.2002, Rel. Nelson Mallmann.
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referência ao fato gerador concreto49. O caso era de utilização de formas e estruturas jurídicas inadequadas, o que poderia conduzir à desconsideração da personalidade jurídica, como acontece no direito comparado50 e como foi autorizado expressamente pelo Código Civil de 2002 no seu art. 50. De qualquer modo, o problema foi resolvido com a superveniência da Lei 11.196/05, que dispôs: Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.
O dispositivo transcrito caracteriza-se como norma específica de elisão lícita e teve por objetivo legitimar a prestação de serviços personalíssimos por intermédio de pessoas jurídicas, atendendo a novas exigências do mercado de trabalho. Mas a redação da regra é defeituosa e incompleta e já suscita inúmeras objeções por parte da própria Secretaria da Receita Federal, como veremos adiante.
5.2.2. O PROJETO DE LEI Nº 536/07 O Ministério da Fazenda encaminhou ao Presidente da República, pela EM 35/MF, de 15.03.07, o anteprojeto que, remetido ao Congresso Nacional, veio a ser transformado no Projeto de Lei 536, com o objetivo de regulamentar o art. 116 do CTN, com a redação do LC 104/2001. Mas a real motivação do PL 536 era neutralizar a reação provocada pela ameaça de veto à Emenda nº 3, apresentada ao projeto que se transformou na Lei da Super Receita. Todavia foi inócua a providência, pois a Emenda nº 3 realmente veio a ser vetada pelo Presidente da República no dia seguinte (16.03.07). Sucede que o novo projeto, elaborado pela Receita Federal, é tão defeituoso como a MP 66, que não se converteu em lei e que pretendia corrigir. O art. 1º, § 1º, contém norma que confunde inteiramente os pressupostos do combate à elisão abusiva, ao prever que “são passíveis de desconsideração os
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Vide item 2.2.3. Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 232.
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atos ou negócios jurídicos que visem ocultar os reais elementos do fato gerador, de forma a reduzir o valor do tributo, evitar ou postergar o seu pagamento”. Seja como for, o próprio Governo se desinteressou pela sorte do projeto no Congresso Nacional.
5.2.3. O VETO DO PRESIDENTE À EMENDA Nº 3 AO PROJETO DA SUPER RECEITA Foram acrescentados ao projeto que se transformou na Lei da Super Receita (Lei nº 11.457, de 2007), pela Emenda nº 3, § 9º, os seguintes dispositivos à Lei 10.593, de 2002: Art. 6º [...] § 4º No exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá sempre ser precedida de decisão judicial.
O Presidente da República resolveu, pelo aconselhamento dos Ministérios da Fazenda e da Previdência Social, vetar a chamada emenda dos prestadores de serviço, com a seguinte justificativa: As legislações tributária e previdenciária, para incidirem sobre o fato gerador cominado em lei, independem da existência de relação de trabalho entre o tomador do serviço e o prestador de serviço. Condicionar a ocorrência do fato gerador à existência de decisão judicial não atende ao princípio constitucional da separação dos Poderes.
Discute-se, no momento, sobre a possibilidade de o Congresso Nacional derrubar o veto presidencial. Mas a Receita Federal promete preparar novo texto sobre as prestadoras de serviço, diante da falta de receptividade ao PL 536 e do impasse a que levou o veto presidencial51. A única solução palatável seria transformar o confuso art. 129 da Lei 11.196 em norma específica de elisão lícita, que permitisse a prestação de serviços personalíssimos sem a obrigação de se aplicar a CLT, solução que vai sendo adotada em diversos países mais afinados com a problemática da prestação de trabalhos técnicos.
51
O Globo de 11.04.2007, p. 22.
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5.3. A PRÁTICA DA FISCALIZAÇÃO DE RENDAS PELOS ÓRGÃOS INFERIORES DA RECEITA FEDERAL 5.3.1. DA ELISÃO ABUSIVA PARA A SIMULAÇÃO A Receita Federal, órfã da MP 66/02, ficou, portanto, sem a definição da elisão, sem o procedimento especial para a exigência dos tributos elididos e sem a multa a aplicar. A solução encontrada pela fiscalização de rendas, no meio de tanta perplexidade, tem sido a de transformar a elisão em simulação, que oferece definições, procedimento tributário administrativo e multa qualificada de 150%. Sucede que a metamorfose da elisão abusiva em simulação e fraude contra legem acarreta, logicamente, a responsabilidade penal do contribuinte e o início do processo criminal, conclusão absurda para mera divergência de interpretação.
5.3.2. O EXEMPLO DA ESPANHA Não se pode fazer a injustiça de se restringir à Receita Federal do Brasil a responsabilidade por tal comportamento. Na perspectiva do direito tributário comparado, encontra-se o exemplo da Espanha, que, por dificuldades de ordem teórica e prática, também resvalou da elisão para a simulação e só agora encontrou o caminho juridicamente correto. A Ley General Tributaria, em sua redação original de 1963, definia a fraude à lei (art. 24, 2) e dizia que o imposto seria exigido de acordo com a verdadeira natureza jurídica ou econômica do fato gerador (art. 25, 1). Os dispositivos eram pouco aplicados e a reforma da Ley 25, de 20.07.95, deu nova regulamentação à fraude à lei (art. 24, 1, 2 e 3)52 e à simulação (art. 25)53.
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53
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Art. 24.1. “Para evitar el fraude de ley se entenderá que no existe extensión del hecho imponible cuando se graven hechos, actos o negocios jurídicos realizados en el propósito de eludir el pago del tributo, amparándo-se en el texto de normas dictadas com distinta finalidad, siempre que produzcan un resultado equivalente al derivado del hecho imponible. El fraude de ley tributaria deberá ser declarado en expediente especial en el que se dé audiencia al interessado”. 2. “Los hechos, actos o negocios jurídicos ejecutados en fraude de ley tributaria no impedirán la aplicación de la norma tributaria eludida ni darán lugar al nacimiento de las ventajas fiscales que se pretendía obtener mediante ellos”. 3. “En las liquidaciones que se realicen como resultado del expediente de fraude de ley se aplicará la norma tributaria eludida y se liquidarán los intereses de demora que correspondan, sin que a estos solos efectos proceda la imposición de sanciones”. Art. 25: “En los actos o negocios en los que se produzca la existencia de simulación, el hecho imponible gravado será el efectivamente realizado por las partes, com independencia de las formas o denominaciones jurídicas utilizadas por los interesados”.
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Nos anos seguintes, assistiu-se à desinterpretação dos dispositivos e firmouse a tendência de se transmigrar da fraude à lei (art. 24) para a simulação (art. 25), principalmente porque o combate àquela exigia procedimento específico e prescindia da multa. Explica Marta Villar Ezcurra54: [...] a respeito das conclusões da doutrina dos tribunais, poderíamos dizer que não foram capazes de conceber um critério uniforme sobre as figuras jurídicas civis e seu encaixe com as soluções das normas tributárias para os supostos de simulação ou fraude, ou seja, tanto a administração quanto o contribuinte acabam ficando sem um critério jurisprudencial. A dificuldade probatória da administração exigida pelo art. 24 da Ley General Tributaria acabou sendo traduzida no sentido de que os mesmos supostos de fato tenham sido classificados como dissimulação, ou fraude ou economia de opção lícita, com a correspondente insegurança jurídica para todos.
Depoimento semelhante é o de Luiz Cisneros Guillen55: Finalmente, gostaria de chamar atenção para o inconveniente dessa normativa (art. 24), no sentido de que ela não permite a imposição de sanções e de certa forma, claro, a conduta fraudulenta fica sem uma pena, sem um castigo, acaba ficando aberta a possibilidade de atuar fraudulentamente. Em segundo lugar, gostaria de me referir a outra norma, o art. 25 da lei tributária, na qual serão condenadas as simulações. A lei não permite a simulação, em que deve prevalecer o negócio dissimulado sobre o simulado. Nessa norma, diferentemente da fraude de lei, a simulação – a diferença entre ambas as leis é muito importante –, não se exige um procedimento especial que declare essa simulação. Esta seria a diferença na fraude de lei.
O jovem jurista brasileiro Marciano S. Godoi, em tese de doutorado defendida perante a Universidad Complutense de Madrid e publicada na Espanha, manifesta-se assim sobre o assunto: Nos parece que con la teoría de los negocios anómalos de De Castro en la mano, se multiplican las posibilidades de la Administración Tributaria detectar una simulación en los negocios que según la mayoría de la doctrina tributaria son en fraude a la ley, indirectos o fiduciarios.
54 55
“Experiência da Espanha”. In: Anais do Seminário Internacional sobre Elisão Fiscal. Brasília: ESAF, 2002, p. 163. “Experiência da Espanha”. In: Anais do Seminário Internacional sobre Elisão Fiscal. Brasília: ESAF, 2002, p. 154.
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Por ello Ferreiro Lapatza se muestra francamente refractario a la teoría de los negocios anómalos, pues la Administración sigue utilizando la figura “causalista” de la simulación para reaccionar frente a verdaderos fraudes a la ley tributaria, lo que provoca un doble efecto: no se cumplan los requisitos procedimentales de la declaración del fraude, y se aplican sanciones pecuniarias, lo que está excluido en caso de fraude a la Ley.56
A nova Ley General Tributaria (Ley 58/2003) procurou superar as contradições modificando o apelido de fraude de ley (anterior art. 24) para conflicto en la aplicación de la norma tributaria (art. 15). A doutrina já se manifesta no sentido de que não houve mudança substancial57.
6. AS DIFICULDADES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL JULGAMENTO DAS NORMAS ANTIELISIVAS
NO
É manifesta a dificuldade que o Supremo Tribunal Federal vem encontrando no julgamento das questões suscitadas pelas normas antielisivas. Em outros países, como a Alemanha, ocorreu o contrário, com a ampliação do papel da jurisdição no controle da elisão abusiva, tornando-se o art. 42 do Código Tributário “um dos dispositivos mais aplicados”58. Mas houve época, nos idos de 1960, em que o STF cristalizou sólida doutrina de combate à elisão abusiva.
6.1. A LONGA TRADIÇÃO DO STF NA ELABORAÇÃO DA DOUTRINA DE COMBATE À ELISÃO ABUSIVA
O Decreto nº 24.239, de 1947, autorizara no art. 20, letra “b”, o abatimento, no imposto de renda, dos “prêmios de seguro de vida pagos a companhias nacionais ou autorizadas a funcionar no país, quando forem indicados o nome da companhia e o número da apólice”. Com a interpretação adotada pelo Ministério da Fazenda, que passou a glosar aquelas deduções, iniciou-se demorada discussão perante o Tribunal Federal de Recursos e o Supremo Tribunal Federal.
56 57 58
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Fraude a la Ley y Conflicto en la Aplicación de las Leyes Tributarias. Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 2005, p. 223. Ibid., p. 254. Cf. TIPKE. Die Steuerrechtsordung, cit., p. 1325.
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Interessa-nos aqui a jurisprudência do STF, que se firmou através de três teses distintas, vinculadas a diferentes situações fáticas: elisão lícita, fraude à lei (= elisão abusiva) e simulação (= evasão ilícita). Antes de examinar a jurisprudência do STF, é conveniente assinalar que a problemática do seguro dotal, que parecia definitivamente encerrada, vem ganhando interesse nos últimos anos, diante das modificações do CTN e do Código Civil. Dois artigos publicados pelos tributaristas Marciano Seabra de Godói59 e Gabriel Troianelli60 reacenderam a atenção sobre o debate. Em alguns casos do Supremo, diante das alegações de que o seguro dotal não fora contemplado pelo Decreto nº 24.239, de 1947, decidiu-se no sentido de que a elisão, se existente, era lícita61. Em tais casos, não havia empréstimo de seguradora, nem referência a resgate posterior do seguro. Nos últimos acórdãos citados na nota 61, o Min. Sampaio Costa, Relator, esclarecia que “há seguro ainda em vigor, o que inutiliza totalmente o argumento de que foi contratado só para lesar o fisco”62. Na maior parte dos casos63, o STF concluiu pela existência de fraude à lei64 e, conseguintemente, pela ilicitude da dedução do imposto de renda. Em tais hipóteses, a conduta ilícita do contribuinte consistia em adquirir o
59 60 61
62 63 64
“A Figura da Fraude à Lei Tributária na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”. In: Revista Dialética de Direito Tributário 79: 75-85, 2002. “A Fraude à Lei Tributária”. In: Revista Dialética de Direito Tributário 84: 68-74, 2002. RE 36.344, Ac. do Pleno, de 10.09.62, Rel. Min. Ribeiro da Costa, RDA 71: 62-63, 1963. Ementa: “É lícito ao contribuinte abater o prêmio do seguro dotal do cômputo da renda global líquida sujeita às taxas progressivas do tributo”. No mesmo sentido: RE 35.194, Ac. de 12.09.57, da 2ª T., Rel. Min. Ary Franco, DJ 13.11.1957; RE 37.293, Ac. da 2ª T., de 27.05.58, Rel. Min. Sampaio Costa, D. J. 23.12.1958: “Para efeito de pagamento do imposto de renda são dedutíveis os prêmios de seguros dotais. As leis fiscais têm que ser interpretadas restritivamente. Onde a lei beneficia, aí chega o benefício; onde a lei fiscal restringe, a ninguém é dado ampliar”. RE 37.293, cit., p. 3. Contra: GABRIEL TROIANELLI, “A Fraude à Lei Tributária”, cit., p. 72, que arrolou diversos acórdãos mas, a nosso ver, se equivocou na ordem cronológica e no conteúdo de algumas decisões. RE 40.518, Ac. da 2 a T., do STF, de 19.05.59, Rel. p/ acórdão Min. Candido Lobo, vencido o relator Min. Lafayette de Andrade, RDA 65: 64-66, 1961, que deu provimento ao recurso da União: “A dedução do seguro dotal, para o efeito do imposto de renda, não se legitima no caso de fraude”; RE (Embargos) 31.194, Ac. do Pleno do STF, por maioria, de 26.01.59, Rel. designado para acórdão Min. Afrânio da Costa, RDA 66: 62-69, 1961. Ementa: “A fraude fiscal, mediante seguro dotal, deve ser apreciada em cada caso”; RE 16.105, Ac. de 3.03.66, Rel. Min. Luis Gallotti, D.O. 17.8.66. Disponível em:
: “Imposto de renda. Seguro com que se visa à sonegação do imposto. Fraude à lei. A fraude à lei muitas vezes consiste, como assinalam os Mestres, em abrigar-se alguém na literalidade de um texto para fazê-lo produzir efeitos contrários ao seu espírito”; RMS 3419, Ac. do Pleno do STF, de 6.07.56, Rel. Min. Orosimbo Nonato. Disponível em: : “Ementa: Fraude à lei fiscal. Desprovimento do recurso de mandado de segurança”. Voto do Relator: “Fraude à lei, pois se trata de apólice de seguro resgatada prematuramente” (p. 410).
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seguro e pagar o prêmio nos últimos dias do ano e resgatá-lo nos primeiros dias do ano seguinte, com a restituição do prêmio pela seguradora65. Em outras decisões, proferidas em processos nos quais havia a prova de empréstimo da seguradora ao contribuinte, o Supremo Tribunal Federal concluiu pela ilicitude da dedução do prêmio, sob o argumento da prática de simulação ou fraude contra a lei66. Parece-nos que a jurisprudência do STF, firmada ao longo de muitos anos, guardou grande coerência e sólida fundamentação jurídica. Nos casos em que não havia abuso de forma, o Supremo deu pela legitimidade da conduta do contribuinte, pois o seguro dotal não fora excluído do benefício fiscal e só ulteriormente a lei alterou-lhe a disciplina67. Nas demais hipóteses, em que se caracterizou o abuso da forma jurídica, na modalidade da fraude à lei (fraus legis) ou de fraude contra a lei (contra legem), a jurisprudência do STF consonou perfeitamente com a doutrina tributária então majoritária no Brasil e no estrangeiro, bem como com os pressupostos do direito civil68. E continua a consonar, assim, com o art. 116, parágrafo único, do CTN, introduzido pela LC 104/2001, que, com o Código Civil de 2002, passamos a examinar69.
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O Min. Luis Gallotti, no voto proferido no RE 31.194, referido na nota anterior, afirmou: “[...] quando o indivíduo faz um seguro para se valer apenas das vantagens da apólice e imediatamente, dois ou três meses depois manda cancelá-la, trata-se de evidente fraude à lei e lesão ao fisco, conseqüentemente” (RDA 66/68). RMS 3423, Ac. do Pleno, de 2.01.57, Rel. Edgar Costa, RDA 50: 47/48, 1957: “Não é legítima, sem despesa efetiva, para efeito de incidência do imposto de renda, a dedução de prêmio de seguro de vida”. Voto do Min. Edgar Costa (Rel.). “– apurado ficou com as informações prestadas pelo Delegado Regional do IR, que aquelas despesas não foram efetivas, pois que o pagamento do prêmio se fez com o produto do empréstimo levantado na própria companhia seguradora, não desembolsando o pretenso segurado qualquer importância”; RE 27.927, Ac. da 2a T. do STF, Rel. Min. Rocha Lagoa, RDA 58: 182-183, 1959. Ementa: “Constitui fraude à lei fiscal a emissão de apólice de seguro seguida de empréstimo da seguradora ao segurado”; Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 16.050, Ac. da 2a T., de 22.03.1966, Rel. para o acórdão Min. Aliomar Baleeiro, DJ 17.8.1966. Ementa: “Imposto sobre a renda. Dedução do prêmio de seguro de vida. Se dotal, a prêmio único, pago por empréstimo da seguradora, resgatada a apólice no ano seguinte, caracteriza-se a simulação fraudulenta contra o Fisco. Interpretação econômica da lei fiscal. Aplicação da teoria da simulação dos atos jurídicos”. No seu voto, o Min. Baleeiro afirmou: “No caso, o seguro foi feito com o empréstimo da empresa. De modo que se denuncia aí uma fraude. Dir-se-á é uma fraude requintada, intelectualizada, sutil. Ainda assim, é uma fraude”. No já citado RE 35.194 (nota 3), o Relator Min. Ary Franco disse: “Naquela oportunidade, como agora, o meu raciocínio foi o de que a lei não proibia fazer-se o desconto do seguro dotal, tanto que veio a lei nova proibir que se fizesse o referido desconto. Assim, enquanto não apareceu a lei proibindo o desconto, é de ser o mesmo atendido como ocorreu no caso do autor” (p. 5). Contra: GABRIEL TROIANELLI, “A Fraude à Lei Tributária”, cit., p. 68-74, que adere à tese da prevalência da forma sobre a substância. Cf. MARCIANO SEABRA DE GODOI, “A Figura da Fraude à Lei..., cit., p. 84: “[...] a posição majoritária do Tribunal foi francamente receptiva à técnica da fraude à lei fiscal no contexto do
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Em síntese, a jurisprudência do STF nos casos examinados referentes ao seguro dotal observou rigorosamente as distinções estabelecidas pelas doutrinas tributária e civilista. Tratou como elisão abusiva (fraude à lei) as hipóteses nas quais havia abuso de forma e dissimulação do fato gerador abstrato, consistentes na realização do seguro e no seu imediato resgate, para alcançar o único efeito pretendido: a economia do imposto. A simulação, por seu turno, se caracterizou nas hipóteses nas quais se deu a manipulação do fato gerador concreto, com o empréstimo concedido pela seguradora ao contribuinte, o que descaracterizava o seguro como negócio jurídico específico.
6.2. AS PERPLEXIDADES ATUAIS A LC 104/01 introduziu a norma especial antielisiva para o imposto de renda no art. 43, § 2º, do CTN, prevendo: “na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo”. O caso está presentemente (31.08.2007) sob a apreciação do STF, com alguns votos já proferidos. A Min. Ellen Gracie manifestou-se pela inconstitucionalidade apenas da expressão “ou coligada”, pois “não há posição de controle da empresa situada no Brasil sobre a sua coligada localizada no exterior” e “não se poderia falar em disponibilidade jurídica pela coligada brasileira”. O Min. Nelson Jobim votou pela improcedência do pedido e deu interpretação conforme a Constituição, no sentido de que o regime adotado pela MP 2158 impugnada só se aplica às empresas brasileiras sujeitas ao Método de Equivalência Patrimonial; tal argumento implica que: a) o sistema de tributação em bases universais (TBU) “[...] foi objeto de aperfeiçoamento da LC 104/2001, que permitiu que a MP 2158-34/2001 estendesse às controladas e coligadas estrangeiras o tratamento que já vinha sendo dispensado às filiais e sucursais desde 1997 (MP 1.602/97, convertida na Lei 9.532/97) por meio do qual os lucros auferidos consideram-se disponibilizados pela investidora brasileira, para fins de tributação, na data do balanço da investida em que são apurados, independentes de sua distribuição”; b) “dessa forma, abandonou-se, também, em relação às controladas e coligadas, a chamada disponibilização econômica (regime de competência)”; c) “a legislação não fez qualquer ingerência no conceito próprio da renda ou da disponibilidade, apenas
direito brasileiro, não considerado tal figura com as reservas e prevenções que eminentes doutrinadores lhe opõem, principalmente após a aprovação da LC 104/2001”.
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ligou as necessidades modernas do direito tributário internacional com os instrumentos da legislação comercial, em especial, o MEP”; d) “quanto à aplicação do entendimento adotado no RE 172.058 (DJU 13.10.95), não incide na espécie70. Os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence votaram pela inconstitucionalidade do dispositivo, fazendo-se fortes no argumento de que “enquanto não distribuídos os lucros pela empresa controlada ou coligada brasileira, não se pode falar em fato gerador do imposto sobre a renda, já que a renda é inexistente e não passou a disponibilidade da última”71. Há algumas ADIN’S a respeito da constitucionalidade das normas antielisivas que ainda não foram examinadas pelo STF, como é o caso da ADI 2446-9, requerida pela Confederação Nacional do Comércio – CNC 2001 e que até hoje (31.08.07) não entrou em pauta de julgamento. Vê-se, pois, que, não obstante as normas antielisivas tenham sido introduzidas no ordenamento jurídico em 2001 – há mais de 6 anos –, até hoje não há orientação segura do STF sobre a sua constitucionalidade, com sério prejuízo para o ordenamento tributário brasileiro.
7. CONCLUSÕES Parece-nos, em síntese, que são claras as diferenças entre os pressupostos da prática da simulação, de um lado, e de abuso de direito ou de fraude à lei, de outro:
70 71
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a)
na simulação, o fato ou não existiu (por exemplo, compra e venda sem entrega de dinheiro) ou só parcialmente era verdadeiro (por exemplo, compra e venda por baixo preço, que é doação); no primeiro caso, ocorre a simulação absoluta; no outro, a simulação relativa. Já no abuso de direito (= elisão abusiva), em suas diversas configurações (fraude à lei, ausência de propósito mercantil, abuso de forma jurídica, dissimulação do fato gerador abstrato e dos elementos constitutivos da obrigação), o fingimento não se dá com relação ao fato concreto, mas com referência ao fato gerador abstrato definido na lei (mens legis);
b)
na elisão abusiva, pretende o contribuinte fazer prevalecer a forma jurídica sobre a substância, ao passo que, na simulação,
ADI 2588, voto de 9.12.2004, Informativo 373. ADI 2588, Informativo nº 442, do STF.
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procura revestir o conteúdo fático com o nomen juris ou a forma jurídica inadequadas; c)
no abuso de direito, os negócios jurídicos são lícitos, embora a consequência jurídica constitua ilícito civil, enquanto na simulação relativa se dá o contrário: a ilicitude e a falsidade dos meios produzem a ilicitude penal;
d)
na simulação e na fraude contra a lei, o fingimento ou a manipulação acontecem após a ocorrência do fato gerador, ao passo que, na elisão abusiva, a desinterpretação é anterior;
e)
na simulação, discute-se sobretudo a respeito da matéria de fato, ao passo que, na elisão, a controvérsia gira em torno da questão de direito, donde se segue que, naquela a prova, é o seu ponto nevrálgico e incumbe ao Fisco produzi-la, ao contrário do que acontece no abuso de direito, no qual não se abre a instância da prova e prepondera o ônus argumentativo da Fazenda;
f)
na simulação ou fraude contra legem, aplica-se a multa qualificada e, na elisão abusiva, inexiste penalidade em diversos ordenamentos jurídicos, inclusive no brasileiro;
g)
na simulação, há pacto entre as partes ou contradeclaração, mas, no abuso de direito, não;
h)
na simulação, subsistirá o ato que se dissimulou, mediante a conversão levada a efeito pelo Fisco; já no abuso de direito, a Fazenda requalifica os fatos ocorridos segundo métodos de integração jurídica das lacunas da lei (redução teleológica ou contra-analogia).
Cremos que se assiste, no Brasil, a exemplo do que ocorreu na Espanha, a grande subversão tributária promovida pela própria Receita Federal, principalmente após a rejeição da MP 66/2002 pelo Congresso Nacional. Como não conseguiu, na sua qualidade de órgão formulador da política tributária do País, complementar a legislação das normas antielisivas, enfraquecendo o ordenamento por ausência de regras procedimentais e de sanções, está levando os seus agentes à substituição da elisão pela simulação, que tem procedimento específico e multa de 150%. Outra complicação para o sistema de normas antielisivas no Brasil é a dificuldade do Supremo Tribunal Federal na definição e no controle de tais regras.
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Sujeitos Ativo e Passivo da Obrigação Tributária
Marcus Abraham Doutor em Direito Público – UERJ Professor Adjunto de Direito Financeiro da UERJ Procurador da Fazenda Nacional
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I. INTRODUÇÃO A obrigação jurídica tributária configura-se numa relação de débito e crédito em que uma pessoa – o sujeito passivo – se obriga perante uma outra – o sujeito ativo – à prestação de uma quantia determinada, devidamente estabelecida em lei. Embora esta obrigação contenha outros elementos fundamentais, assim entendidos como a causa e a prestação, além de inúmeros fatores que lhes influenciam, a presente análise limitar-se-á aos aspectos subjetivos desta relação.
II. O SUJEITO ATIVO O sujeito ativo é o credor da relação; aquele que possui o direito de exigir de outrem o cumprimento da obrigação e que, na obrigação, tributária é sempre o Estado, no sentido genérico de poder público. Nas palavras do saudoso Rubens Gomes de Souza1, “a obrigação tributária tem como fontes a lei, o fato gerador e o lançamento, será sujeito ativo somente aquelas entidades públicas dotadas de poder legiferante, isto é, capazes de fazer leis, quais sejam, as provenientes do Poder Legislativo”. Essas entidades são, de acordo com nosso direito constitucional, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Assim, nos termos do artigo 119 do CTN, sujeito ativo da obrigação tributária é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento. Porém, não é incomum a entidade tributante atribuir à outra entidade a titularidade da obrigação tributária. É o que ocorre com determinadas contribuições, sendo que, para fins de fiscalização e arrecadação, a legislação delega capacidade tributária ativa a entes descentralizados, investidos de personalidade jurídica de direito público, tal qual ocorre no caso do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)2. Disto, podemos distinguir dois conceitos fundamentais em matéria de sujeição ativa tributária: a competência e a capacidade tributária. O primeiro – competência tributária – envolve não só o poder de fiscalizar e cobrar tributos, mas principalmente o de legislar a respeito, não tendo, portanto, tal competência
1 2
SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. Edição Póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975. p. 87-89. O mesmo ocorria com as contribuições previdenciárias, cujas fiscalização, arrecadação e cobrança eram delegadas à autarquia federal do INSS, até o advento da Lei nº 11.457/2007, que criou a Receita Federal do Brasil, ao passo que a competência legislativa sobre estas matérias sempre esteve (e continuará) com a União Federal.
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o ente público desprovido de poder legislativo. Já o segundo – capacidade tributária – envolve apenas a fiscalização e a cobrança, por delegação, sem o poder de legislar.
III. O SUJEITO PASSIVO Falar em sujeito passivo de uma obrigação é determinar a pessoa que deve suportar as consequências jurídicas do exercício regular de um direito, com o sacrifício do interesse próprio, em favor de um interesse alheio. Assim, o sujeito passivo da obrigação tributária é aquele a quem incumbe adimpli-la, seja a obrigação principal (pagamento de tributo ou penalidade pecuniária); ou ainda a obrigação instrumental (dever de prestar informações; de emitir documentos fiscais etc.). E o CTN, no seu artigo 121, divide em duas categorias este sujeito passivo da obrigação tributária: o contribuinte e o responsável, conceituandoos nos incisos I e II, respectivamente. O contribuinte é pessoa que se encontra diretamente ligada ao fato gerador da obrigação tributária. E o responsável é aquele que, por questões de conveniência e oportunidade, o Estado elege expressamente em lei para figurar no polo passivo da relação, juntamente com o contribuinte, ou substituindo-o; em outras palavras, é outra pessoa que não está ligada diretamente ao fato gerador, mas é incluída na relação tributária. Podemos identificar uma espécie de “deslocamento” da responsabilidade, mas que ocorre somente no caso da substituição, em que há a exclusão do contribuinte do polo passivo, e o imediato ingresso do substituto. Nos demais casos de sujeição passiva, há, na realidade, uma “extensão” das responsabilidades de obrigações do contribuinte originário ao responsável, que figurará no polo passivo, juntamente com aquele contribuinte originário. A relação entre contribuinte e responsável ocorre, por consequência dos efeitos da solidariedade, da responsabilidade subsidiária, pela sucessão ou, ainda, pela substituição.
III.1. CARACTERÍSTICAS GERAIS Primeiramente, é de se ressalvar que, na fixação do sujeito passivo, o Estado veda aos contribuintes sua alteração volitiva no polo passivo, através de convenções particulares, conforme o artigo 123 do CTN assim prescreve. Qualquer cláusula cujo conteúdo indique a modificação da sujeição passiva – diferentemente do determinado pelo legislador – não terá efeito entre o particular e o Estado. Sua eficácia terá âmbito apenas entre os contratantes, não podendo ser arguida em face do Estado.
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Assim, por exemplo, caso o proprietário-locador de um imóvel determine expressamente no contrato de locação que o locatário ficará obrigado ao pagamento do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), tal cláusula terá efeito unicamente entre os contratantes, vinculando apenas locador e locatário, sendo certo que, para efeito de tributação, o sujeito passivo desta obrigação continuará sendo o proprietário-locador. Outra norma geral que se aplica a qualquer sujeito passivo da obrigação tributária é aquela expressa no artigo 126 do CTN, o qual estabelece que a capacidade para fazer parte no polo passivo da relação obrigacional tributária independerá: a) quanto à pessoa natural, de sua capacidade civil; b) quanto a pessoa jurídica, de estar ou não devidamente registrada na respectiva junta comercial ou registro civil de pessoas jurídicas. Configura-se, portanto, uma clara distinção entre a capacidade de direito privado e a capacidade de direito tributário. Isto porque, em direito civil, o que se pretende proteger pelas normas sobre a capacidade civil é a vontade do emitente nas suas relações obrigacionais. Já em direito tributário, como suas obrigações são de natureza ex lege, e não ex voluntate, prescindindo o elemento volitivo, a razão da proteção do direito civil não se faz pertinente. Temos, também, a relevante questão da determinação do domicílio tributário, que se faz pertinente nas demandas sobre os conflitos de competência tributária, além de se referir a questões afetas à fiscalização e à comunicação formal entre o Fisco e o Contribuinte. Quem, de maneira clara e pontual, retrata o instituto do domicílio tributário é o mestre português Alberto Xavier3, ao dispor que: “O domicílio fiscal é um domicílio especial pelo qual a lei refere a um lugar bem determinado o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres estabelecidos pelas normas tributárias”. Em nosso direito tributário pátrio, a regra geral é o do domicílio de eleição; entretanto encontramos algumas exceções, todas fundamentadas no interesse da autoridade fiscal. Assim é que tal faculdade de escolha poderá ser superada quando possa vir a causar algum prejuízo à autoridade fiscal, ou à arrecadação ou à fiscalização.
III.2. O CONTRIBUINTE Quando pensamos na figura do sujeito passivo de qualquer obrigação, visualizamos logo a figura do devedor. Já quando estamos na seara tributária,
3
XAVIER, Alberto. Manual de Direito Fiscal. In: Manuais da Faculdade de Direito de Lisboa. Lisboa. 1974. p. 393.
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o que nos vem à mente é a figura do contribuinte. O primeiro raciocínio está correto, porém o segundo já não se mostra completamente perfeito, visto que a expressão “contribuinte” não é sinônimo de sujeito passivo da obrigação tributária, e muito menos a única modalidade de sujeição passiva tributária. Como vimos anteriormente, o nosso código tributário faz a previsão de duas modalidades de sujeição passiva: o contribuinte, que realiza o fato gerador da obrigação tributária, e o responsável, uma terceira pessoa, que possui, de alguma forma, ligação indireta com aquele fato, que acaba, por determinação legal, sendo incluído no polo passivo da obrigação tributária. De qualquer forma, estará sempre presente a figura do contribuinte naquela relação, como obrigado principal, como coobrigado ou como substituído. Pela análise do artigo 16 do CTN, temos que o imposto é um tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação relativa ao contribuinte. Em decorrência, diante de qualquer caso de sujeição passiva tributária, a respectiva obrigação terá como fato gerador uma situação relativa ao contribuinte, cujo fundamento é a sua capacidade contributiva, enquanto pressuposto e critério de graduação e limite do tributo, aplicando-se não só ao imposto, mas também às demais espécies tributárias. Cabe assim invocar as esclarecedoras palavras de Sainz de Bujanda: En la parte teórica de este trabajo se há sustentado la tesis de que la relación existente entre el hecho imponible y el sujeto pasivo del gravamen constituye el elemento subjetivo del hecho imponible y se há puesto también de manifesto que la relación jurídica tributária entre el sujeto pasivo – deudor del tributo – se produce através de los criterios de vinculación de ambos sujetos com el hecho imponible, que se erige así en nexo o enlace entre las partes de la relación.4
Isto posto, podemos concluir que: a) é o contribuinte que realiza o verbo do fato gerador; b) sobre ele recai a análise da capacidade contributiva; c) havendo isenções ou imunidades, estas serão relativas ao contribuinte, e não ao responsável ou substituto.
III.3. O RESPONSÁVEL Por razões de sua conveniência e oportunidade, o Estado elege para figurar no polo passivo outra pessoa que não o contribuinte, isto é, outra
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SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Hacienda y Derecho. Instituto de Estudios Políticos, Madrid, 1966, Tomo IV, p. 415-416.
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pessoa que não aquela ligada diretamente ao fato imponível, que é assim denominado de responsável. Portanto, o responsável será aquele, sem revestir a condição de contribuinte, cuja obrigação decorra de disposição expressa de lei. Esse sujeito passivo, definido em dispositivo legal, é uma terceira pessoa em relação ao fato gerador do tributo. Esta figura encontra-se prevista no inciso II, do artigo 121, mas a sua forma de participação na obrigação tributária está delineada pela interpretação, separadamente, da primeira e da segunda parte do artigo 128 do CTN, em que o responsável poderá figurar de duas maneiras: conjuntamente com o contribuinte originário ou substituindo-o. Pela primeira parte do citado dispositivo, verificamos a possibilidade de exclusão do contribuinte originário e a inserção do responsável substituto, que figurará só no polo passivo. Trata-se dos casos de substituição tributária, cujo fundamento constitucional se encontra no parágrafo 7o do artigo 150, da Constituição Federal de 1988. Já pela análise da segunda parte daquele dispositivo, temos os casos em que o responsável figurará juntamente com o contribuinte originário – ambos no polo passivo da obrigação tributária – ligados por relações de solidariedade, subsidiariedade ou sucessão, situações jurídicas reguladas nos artigos 124 ao artigo 138 do CTN.
III.3.1. O RESPONSÁVEL POR SOLIDARIEDADE A solidariedade passiva caracteriza-se pela faculdade que tem o credor de escolher o devedor contra o qual promoverá todos os atos de cobrança, nos casos em que concorram para a mesma prestação vários devedores. O instituto da solidariedade tributária é encontrado nos artigos 124 e 125 do CTN. O primeiro dispositivo define duas modalidades de sujeição tributária passiva solidária: a solidariedade passiva direta e a indireta, expressas por seus incisos I e II, respectivamente: solidariedade entre os próprios contribuintes (direta); e a solidariedade entre os contribuintes e responsáveis (indireta). Na solidariedade passiva direta, expressa pela norma do inciso I, do artigo 124 do CTN, verificamos a participação na obrigação tributária de vários sujeitos passivos diretos, todos contribuintes, unidos de forma solidária, pelo vínculo de um interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal. Neste caso, não há a presença do responsável no polo passivo obrigacional, mas somente daqueles considerados contribuintes originários ou contribuintes propriamente ditos. Já pela interpretação do inciso II, encontramos a modalidade de sujeição passiva indireta, pela transferência
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da responsabilidade da obrigação tributária, por determinação legal a terceiros, que se vinculam de maneira solidária com o contribuinte, sem que haja uma ligação realmente direta com o fato gerador, mas, sim, por interesse ou conveniência da administração, a qual encontra como fundamento desta responsabilidade a ligação entre contribuintes e responsáveis solidários por possuírem um vínculo indireto com o fato gerador. Entretanto, bem ressalta Paulo de Barros Carvalho5, a expressão “interesse comum” dos participantes na realização do fato jurídico tributário, definindo (segundo o inciso I) o aparecimento da solidariedade entre os devedores – por ser vaga –, não é um roteiro seguro para a identificação do nexo que se estabelece entre os devedores da prestação tributária. Cita, como exemplos, os interesses convergentes entre comprador e vendedor, seja no caso de incidência de ICMS sobre a mercadoria, seja no caso do ITBI, na venda de bem imóvel, ou, ainda, entre prestador e tomador, na prestação de serviços em que incide o ISS. Ninguém pode negar que há, claramente, interesse comum entre ambos os sujeitos dessas relações, porém, certo é que, nem por isso, ambos passam a ser o sujeito passivo da obrigação. Desse modo é que, no caso do ICMS, o gravame recai sobre o comerciante; no ISS, sobre o prestador; e, no ITBI, sobre o comprador do bem. Conclui que a expressão “interesse comum” vale, de fato, para situações em que não haja bilateralidade no seio do fato tributado, v.g. na incidência do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU), em que duas ou mais pessoas são proprietárias do mesmo imóvel6. Já na modalidade de solidariedade indireta, sua identificação dependerá não de um juízo de valor, mas, sim, apenas da interpretação objetiva da letra da lei que determinará quais as pessoas – responsáveis – que ficarão vinculadas ao contribuinte de forma solidária no polo passivo da obrigação tributária (mesmo que entre eles não haja um interesse comum direto na situação que constituiu o fato gerador daquela obrigação). A leitura da lei seria suficiente para a sua identificação. A título de exemplificação da figura do responsável solidário, expresso no inciso II do artigo 124 do CTN, temos o caso do inciso VI7, do artigo 30,
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CARVALHO, Paulo de Barros. Sujeição Passiva e Responsáveis Tributários. In: XVII Jornadas Latioamericanas de Derecho Tributário – ILADT, Tomo I, Cartagena, Colombia: 1995, p. 85. CARVALHO, Paulo de Barros. Op.cit. p. 85. Lei n. 8.212//91 – Art. 30. “A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas: VI - o proprietário, o incorporador definido na Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, o dono da obra ou
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da Lei n. 8.212/91, que coloca o proprietário, o incorporador, dono da obra ou condômino de unidade imobiliária nessa posição de solidariedade passiva, juntamente com o construtor, pelo cumprimento das obrigações para com a Seguridade Social.
III.3.2. O RESPONSÁVEL POR SUCESSÃO Neste ponto, estamos diante de mais um conceito de direito civil, que o direito tributário se utiliza: a “sucessão”. Trata-se da hipótese em que a obrigação se transfere para outro devedor, em virtude do desaparecimento do devedor original. Equivale à substituição de um sujeito por outro, em uma determinada relação jurídica, que não se extinguiu. Washington de Barros Monteiro8 procura analisar as acepções dessa palavra. Segundo o doutrinador: num sentido amplo, a sucessão significa o ato pelo qual uma pessoa toma o lugar de outra, investindose qualquer título, no todo ou em parte, nos direitos que lhe competem. Para tratar do tema na seara tributária, utilizamos as palavras ilustrativas do professor Ricardo Lobo Torres9, para quem ocorre a: [...] responsabilidade do sucessor quando terceira pessoa, vinculada ao fato gerador, assume a obrigação tributária em virtude da impossibilidade de seu cumprimento pelo anterior proprietário do bem ou pela pessoa jurídica que precedentemente explorava a atividade econômica. A responsabilidade, aí, é subsidiária, já que apenas surge depois de comprovada a impossibilidade de seu cumprimento pelo contribuinte. E solidária sempre que possível, por não excluir a do contribuinte, abrangendo todos os créditos constituídos, definitivamente ou não.
Por tanto, ocorrendo o desaparecimento do devedor original (contribuinte), será estendida para outro devedor (previsto em lei) – o responsável por sucessão – a obrigação tributária. Não ocorre a exclusão do contribuinte por determinação legal, visto que tal exclusão se dá em virtude de seu desaparecimento por fato ou negócio jurídico, e não por
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condômino da unidade imobiliária, qualquer que seja a forma de contratação da construção, reforma ou acréscimo, são solidários com o construtor, e estes com a subempreiteira, pelo cumprimento das obrigações para com a Seguridade Social, ressalvado o seu direito regressivo contra o executor ou contratante da obra e admitida a retenção de importância a este devida para garantia do cumprimento dessas obrigações, não se aplicando, em qualquer hipótese, o benefício de ordem; [...]” (Redação dada pela Lei 9.528, de 10.12.97). MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Direito das Sucessões. 28ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 1. TORRES, Ricardo Lobo. Sujeição Passiva e Responsáveis Tributários. In: XVII Jornadas Latinoamericanas de Derecho Tributario – ILADT. Tomo I. Cartagena, Colombia,1995. p. 337.
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vontade do legislador. Neste sentido, dispõe o inciso II do artigo 133 do CTN, pelo qual o adquirente responderá subsidiariamente com o alienante, caso este prossiga na exploração, ou iniciar no prazo de seis meses nova atividade empresarial. Desse modo, assume a obrigação tributária por força da sucessão, e não de exclusão legal do contribuinte. Ponto crucial na análise da sucessão está na verificação do momento da ocorrência do fato gerador, não importando a data do lançamento, ou seja, a data da constituição definitiva do crédito tributário, tendo em vista a natureza meramente declaratória deste ato (parte final do artigo 129 do CTN). Assim, percebe-se, por aquele dispositivo, que haverá sucessão dos créditos tributários definitivamente constituídos, dos que estão se constituindo na data da sucessão e dos que venham a se constituir após a sucessão, desde que todos referentes a fato gerador anterior ocorrido até aquela data. Vale dizer: refere-se aos créditos anteriores, pendentes e futuros – antes, durante e depois –, desde que vinculados a fatos geradores ocorridos antes da data da sucessão. Ainda, fazendo-se uma análise sistêmica do capítulo sobre a responsabilidade dos sucessores no CTN, referente aos créditos tributários, sucintamente podemos dizer que a sucessão tributária ocorrerá nos seguintes casos: a) aquisição (gratuita ou onerosa) de bens imóveis; b) aquisição ou remição de quaisquer bens (móveis e imóveis) cuja propriedade, posse ou utilização possam ser objeto de tributação; c) morte do contribuinte; d) fusão, transformação, incorporação, cisão ou mesmo a extinção de pessoa jurídica de direito privado; e) aquisição de estabelecimento empresarial – fundo de comércio. Os artigos 130 e 131-I do CTN ocupam-se da sucessão patrimonial: da sub-rogação legal nas obrigações tributárias resultantes da aquisição de bens imóveis (por exemplo, no caso do IPTU e ITR) ou de bens móveis (IPVA). Como os entes tributantes costumam exigir certidão negativa destes impostos para a formalização do ato de transferência, esta sucessão raramente ocorre na prática. Por sua vez, os incisos II e III do artigo 131 do CTN cuidam da sucessão causa mortis, decorrente do falecimento do contribuinte, que se caracteriza por dois momentos: a) num primeiro, a responsabilidade sucessória é do espólio que, em seguida à abertura da sucessão e até a data da partida, sub-roga-se nas obrigações tributárias do falecido; b) num segundo, a responsabilidade sucessória passa a ser dos herdeiros pelos respectivos quinhões, legados ou meação. Ressalte-se que a responsabilidade desses responsáveis não passará do valor do quinhão recebido. O CTN cuida da sucessão tributária nos casos de pessoa jurídica de direito privado, conforme os artigos 132 e 133, prevendo as hipóteses de alteração de
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sua forma jurídico-societária e estrutural, sua extinção ou alienação parcial ou integral do fundo de comércio. Assim, no artigo 132, temos a previsão da sucessão tributária das pessoas jurídicas de direito privado resultantes nos casos de fusão, transformação e incorporação de sociedades comerciais (e também a cisão, por interpretação da legislação societária que é posterior ao Código Tributário Nacional), que responderão pelos tributos devidos por aquelas originárias, até a data do respectivo ato jurídico-societário (art. 132, CTN). Da mesma forma, conforme estabelece o parágrafo único do artigo 132, a sucessão ocorrerá no caso de haver a continuidade da exploração das atividades de pessoa jurídica de direito privado extinta, por qualquer dos sócios ou espólio, seja através da mesma ou de outra denominação, razão social ou firma individual. Responderão, então, aqueles que continuarem as atividades da sociedade empresarial extinta, na qualidade de responsáveis, pelas obrigações tributária surgidas até o momento de sua extinção. A partir daí, passarão a responder não mais como responsáveis, mas, sim, como contribuintes. Já o artigo 133 nos traz as hipóteses de alienação (gratuita ou onerosa) do fundo de comércio (estabelecimento empresarial), para pessoas físicas ou jurídicas, que passarão a responder pelos tributos devidos até a data da aquisição, com a responsabilidade integral (se houver o alienante cessado a respectiva atividade empresarial) e com responsabilidade subsidiária (se o alienante prosseguir na atividade ou iniciar dentro de seis meses, a contar da data da alienação, nova atividade, no mesmo ou em outro ramo empresarial). Esclareça-se, por fim, que a alienação do fundo de comércio deve ser entendida como a transferência, gratuita ou onerosa, da universalidade de bens que o compõem, assim entendidos todos os bens e obrigações que o empresário se utiliza no exercício de sua atividade, ou parte expressiva desta, e não pela transmissão de bens individualmente considerados.
III.3.3. O RESPONSÁVEL
POR
SUBSIDIARIEDADE
Pela análise dos artigos 134 e 135 do CTN, identificamos a denominada responsabilidade subsidiária dos responsáveis com os contribuintes diretos, e não a modalidade de responsabilidade solidária propriamente dita, como o próprio texto da norma pode nos levar, equivocadamente, a crer. Tal entendimento dá-se pela interpretação da primeira parte do caput do referido artigo, in verbis: “Nos casos de impossibilidade exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem [...]”. Ora, o dispositivo citado estabelece que, somente no caso de impossibilidade de cobrança do contribuinte, será possível exigir-se do
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responsável o pagamento dos tributos. E continua: “[...] nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis”. Dessa forma, a nosso ver, a melhor interpretação é a de que esta “responsabilidade solidária”, expressa pelo caput do artigo 134 do CTN, somente ocorre na medida em que não há a exclusão do contribuinte do polo passivo da obrigação pelo tributo devido, ficando este vinculado ao adimplemento da obrigação tributária juntamente com os responsáveis elencados nos incisos I à VII. Assim sendo, estes ficarão numa posição secundária para cobrança, dependendo a ocorrência dos seguintes requisitos: a) nos casos da impossibilidade de cobrança dos contribuintes; b) pelos atos que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis. Exclusivamente na ocorrência destes requisitos é que se poderá cobrar dos responsáveis. Portanto, não há que se falar em solidariedade pura, pois os coobrigados – contribuintes e responsáveis – não se encontram em níveis iguais na sujeição passiva, mas, sim, um responde de forma subsidiária em relação ao outro. Se fosse o caso de responsabilidade solidária propriamente dita, o credor poderia escolher, independentemente de ordem, qualquer um dos coobrigados à obrigação, o que não reflete a interpretação deste artigo, que expressa claramente que somente poderá ser cobrado dos responsáveis em caso de impossibilidade de exigência da obrigação em face do contribuinte. Outrossim, pela interpretação da parte final do caput do artigo 134 do CTN, as aludidas figuras elencadas nos incisos I à VII não se tornarão responsáveis pela obrigação tributária em quaisquer casos, vale dizer, somente nos casos em que os contribuintes intervierem ou se omitirem nos fatos ou atos que derem origem aos tributos. Portanto, nos casos de responsabilidade dos administradores de bens de terceiros (gerentes ou diretores), tornar-se-ão coobrigados subsidiários pelos tributos devidos, referentes aos atos em que estes intervierem ou se omitirem, e não à qualquer tributo devido por seus administrados (sociedades empresárias). Questão controvertida é aquela contida no artigo 135 do CTN, posto que trata da possibilidade de redirecionamento da cobrança fiscal para os responsáveis pela administração da empresa – especialmente os sócios diretores, já que, em seu texto, assim está expresso: São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
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Pacificou-se, tanto da doutrina quanto na jurisprudência, o entendimento de que a mera inadimplência fiscal não ensejaria, por si só, a responsabilidade do sócio-administrador e que, para tanto, esta dependeria da demonstração, por parte da Fazenda Pública, de ser o sócio, ou ter sido à época do fato gerador da obrigação tributária, um sócio-administrador da empresa, e ter agido com excesso de poderes, violação à lei ou ao estatuto ou contrato social, ou, ainda, tendo realizado uma dissolução irregular da sociedade. Finalmente, com relação à responsabilidade por infrações, disposta nos artigos 136 a 138 do CTN, devemos fazer as seguintes considerações: a) os presentes artigos não tratam de responsabilidade tributária pelo pagamento do tributo; referem-se às infrações, ou seja, pelo pagamento de multas (sanções fiscais); b) a responsabilização objetiva do agente, proposta pelo artigo 136, vai contra a sistemática do direito penal brasileiro, daí porque mitigá-la, possibilitando disposições de lei em contrário; c) de acordo com artigo 137, somente nos casos em que ocorra infrações conceituadas como crimes ou contravenções pelo direito penal, ou haja dolo na infração cometida da qual resultar multa tributária, passará, nestes casos, o agente a responder de forma pessoal e exclusiva; d) haverá ainda a possibilidade da exclusão da responsabilidade por infrações – e somente referente a infrações, e não ao crédito tributário – no caso de denúncia espontânea prevista no artigo 138, do CTN.
III.4. O SUBSTITUTO TRIBUTÁRIO Como vimos, temos como o sujeito passivo, por excelência, o contribuinte direto, vale dizer, aquela modalidade de sujeição passiva tributária em que o sujeito passivo está diretamente relacionado ao fato gerador da obrigação tributária. Ao lado dele, encontramos a previsão legal do responsável, como sendo aquela modalidade de sujeição passiva tributária em que o sujeito não estaria vinculado diretamente ao fato gerador da obrigação tributária, mas que, por determinação legal, responderia pelo seu adimplemento, sendo certo que esta forma de responsabilidade variará conforme os efeitos da relação dos sujeitos passivos, podendo ir desde a responsabilidade subsidiaria, sucessória e a responsabilidade solidária, ou até mesmo à substituição completa do contribuinte, objeto deste tópico, considerado como uma terceira forma de sujeição passiva tributária. Encontramos a previsão desta modalidade de sujeição passiva – o substituto tributário – pela interpretação do artigo 128 do CTN, conforme abaixo, in verbis:
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Art. 128: Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-se a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
A substituição tributária ocorrerá no momento em que, em virtude de uma disposição expressa em lei, a obrigação tributária surgir desde o início em face de uma pessoa diferente daquela que esteja em relação econômica ou jurídica com o ato, fato ou negócio tributado, sendo aquele que, por disposição legal, será o obrigado ao pagamento do tributo em lugar do contribuinte propriamente dito, passando a ter total responsabilidade pelo quantum devido a título de tributo. Aliás, está aqui a distinção entre o responsável e o substituto: apesar de ambos serem sujeitos passivos indiretos, no caso da responsabilidade genérica (por solidariedade, subsidiariedade ou sucessão), este responsável figurará sempre no polo passivo da obrigação, conjuntamente com o contribuinte; e, na substituição, o contribuinte é excluído da relação e, literalmente, substituído pelo substituto no polo passivo da obrigação tributária. O contribuinte, então, passa a ser o substituído e o responsável toma o seu lugar na qualidade de substituto tributário. Identificamos a justificativa para o legislador criar a figura do substituto tributário, como sendo uma técnica de arrecadação para facilitar, com comodidade e segurança, a coleta de dinheiro para o fisco, bem como conferindo maior justiça fiscal através de seu sistema, evitando a sonegação. A controvérsia está na definição da natureza jurídica da figura do substituto (e a sua caracterização). Parte da boa doutrina o coloca como sendo uma segunda forma de sujeição passiva direta e, outros, como modalidade de sujeição passiva indireta, que seria dividida entre o responsável (nos casos dos efeitos da solidariedade, sucessão e responsabilidade subsidiária) e o substituto. Esta última é a linha de entendimento que acompanhamos. Destacamos assim, a brilhante síntese elaborada por Bernardo Ribeiro de Moraes10, reunindo as principais correntes sobre o tema, conforme abaixo: a) o substituto tributário se apresenta como um simples agente de cobrança da administração tributária, mero intermediário. Trata-se, de
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um intermediário que cobra o tributo por conta do Estado, conforme dizem Myrbach Rheinfeld, buhler, etc; b) a substituição tributária nada mais é do que uma modalidade especial de execução contra terceiros, determinada em lei. O substituto tributário, conforme afirmam Mário Pugliese, Giorgio Tesoro, Ernset Blumenstein, Stella Richter e outros, aparece como executado em razão de uma relação jurídica de crédito existente entre o estado e o contribuinte. A lei estabelece, diz Mário Pugliese, que o pagamento será feito por terceiro, no lugar do devedor direto; c) na substituição tributária há simples sub-rogação “ex lege” de um sujeito passivo substituto a um outro que possui capacidade contributiva em relação ao débito, conforme afirmam Betti, Benedecto Cocivera, Giorgio Tesoro, Perez de Ayala e outros. Segundo Cocivera, o substituto intervém no momento executivo da obrigação, só no momento em que deve adimplir a obrigação, à qual ele é estranho; d) na substituição tributária existe uma cessão de crédito. O contribuinte é credor de um terceiro, cedendo parte de seu crédito contra esse terceiro a favor da Fazenda Pública. Constitui o pensamento D’Amati; e) na substituição tributária há uma representação legal do contribuinte, de direito público, segundo Victor Uckmar (note-se que no caso o contribuinte não tem o dever de pagar o tributo); f ) para Dino Jarach, na substituição tributária encontramos simples benefício de ordem em favor do contribuinte.
Com a clareza que lhe é peculiar, o professor Ricardo Lobo Torres11 destaca os principais aspectos sobre o assunto: O substituto se estrema dos demais responsáveis porque fica no lugar do contribuinte, enquanto o responsável fica junto, mantendo-se a responsabilidade supletiva do contribuinte. O substituto legal tributário tem não só a responsabilidade pela obrigação principal, como também pelas acessórias, incumbindo-lhe praticar todos os deveres instrumentais no interesse do Fisco. Assume com exclusividade a responsabilidade do contribuinte, que deixa de participar da relação tributária. Se o substituto não recolher o tributo, nenhuma responsabilidade terá o contribuinte substituído, embora certa parte da doutrina estrangeira veja com reserva tal assertiva. As reclamações e os recursos passam para a iniciativa do substituto que poderá impugnar os vícios de legalidade ou
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constitucionalidade da imposição. Mas o substituído não é totalmente estranho à relação tributária. Para que haja a substituição é necessário que o contribuinte e o substituto participem do mesmo processo econômico, de modo que entre as suas atividades haja algum nexo. As imunidades e as isenções pertencem ao substituído, e não ao substituto. Entre o substituto e o substituído não existe nenhum vínculo de natureza tributária. Adaptase a qualquer imposto, direto (IR) ou indireto (ICMS ou ISS).
Como dissemos, o regime da substituição tributária, que tem como principal objetivo limitar a sonegação, é utilizado principalmente nos casos de impostos considerados indiretos, atingindo a venda de produtos como cigarros, medicamentos, bebidas e automóveis. Para finalizar, podemos identificar, neste procedimento, duas modalidades de substituição tributária: a substituição “para frente” e “para trás”: a) a modalidade de substituição para trás ocorrerá quando o substituto, que é um contribuinte de direito (comerciante ou industrial), adquire mercadoria de outro contribuinte, responsabilizando-se pelo pagamento do tributo devido pelo substituído e pelo cumprimento das obrigações tributárias, implicando no adiamento do recolhimento do tributo em um momento posterior. Assim, como exemplo desta modalidade de substituição, teremos os casos em que as indústrias adquirem commodities do produtor rural, que não tem possibilidade de emitir notas fiscais nem de manter escrituração contábil, ficando aquele, portanto, responsável pelo recolhimento do imposto; b) a substituição para frente revela-se quando uma terceira pessoa, geralmente o industrial, responsabiliza-se pelo pagamento do tributo, devido pelo comerciante atacadista ou varejista, que revende a mercadoria por ele produzida. É o caso da indústria de cigarro, que substitui o comerciante varejista na obrigação principal, recolhendo desde a saída da mercadoria do estabelecimento industrial o imposto incidente na ulterior operação com o consumidor final, antecipando, assim, o recolhimento do tributo.
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______. Sucessão nas empresas e limites da responsabilidade tributária. In: Direito Tributário. São Paulo: Bushatsky, 1972. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil - Direito das Sucessões. 28ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993. MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. v.1. Rio de Janeiro: Forense, 1984. QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Sujeição Passiva Tributária. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988. SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Hacienda y Derecho. Tomo 4. Madri: Instituto de Estudios Políticos, 1966. SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. Edição Póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975. TORRES, Ricardo Lobo. Sujeição Passiva e Responsáveis Tributários. In: XVII Jornadas Latinoamericanas de Derecho Tributario – ILADT – ICDT. Tomo 1. Cartagena, Colombia, 1995. ______. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar. 1996. XAVIER, Alberto. Manual de Direito Fiscal. In: Manuais da Faculdade de Direito de Lisboa. Lisboa, 1974.
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Sergio André Rocha Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho. Professor de Direito Tributário da Faculdade de Direito da FGV-Rio.
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1. INTRODUÇÃO: IMPORTÂNCIA
DA ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA
E TRANSFERÊNCIA AOS CONTRIBUINTES DAS ATIVIDADES DE LIQUIDAÇÃO
Como já tive a oportunidade de destacar em outro estudo, ao qual remeto o leitor, traço característico dos Estados ocidentais contemporâneos é a assunção, pelo Estado, de diversas atribuições que se encontravam antes na esfera privada1. Com efeito, mesmo com o declínio do Estado de Bem-Estar Social no último quarto do Século XX, permaneceram como atribuições públicas diversas prestações relacionadas à saúde, educação, segurança, previdência e fomento, dentre outras, as quais, em sua grande maioria, inexistiam ou haviam sido enquadradas na esfera privada de responsabilidade durante do período do liberalismo clássico. Embora esta afirmação não seja de aceitação pacífica2, entendemos ser possível asseverar que a Constituição Federal de 1988 é a Constituição de um Estado Social, como reconhece o Professor Paulo Bonavides3. Dessa forma, o Estado brasileiro pode ser examinado como um Estado que assumiu a realização de diversas atividades que antes se encontravam na esfera de atribuições das pessoas de Direito Privado, acumulando funções de prestação de serviços, regulação e fomento das atividades particulares. Fato não raro esquecido, a despeito da clareza como se apresentam as necessidades financeiras dos Estados no mundo contemporâneo, é que todas
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Cf. ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Fiscal: Controle Administrativo do Lançamento Tributário. 3. ed. Lumen Juris, 2009. p. 4-7. Cf. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Uma Nova Crítica do Direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 56 e 57. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 371. Ao afirmar que o Brasil trata-se de um Estado Social é importante ter em mente a distinção trazida por Gilberto Bercovici entre Estado Social em Sentido Estrito e Estado Social em Sentido Amplo: “Há dúvidas se podemos considerar um Estado desenvolvimentista, como o Brasileiro, um Estado Social. Para tentarmos solucionar esta questão, precisamos diferenciar a concepção de Estado Social em Estado Social em sentido estrito e Estado Social em sentido amplo. O Estado Social em sentido estrito é o Estado de bem-estar (Welfare State, État Providence), caracterizado pelo amplo sistema de seguridade e assistência social. Já o Estado Social em sentido amplo é o Estado intervencionista. Desta maneira, se nos limitarmos à concepção de Estado Social em sentido estrito, o Estado desenvolvimentista brasileiro não é um Estado Social. Na melhor das hipóteses, pela Constituição de 1988, é um Estado Social em construção. Caso adotemos a idéia de Estado Social em sentido amplo, podemos afirmar, categoricamente, que o Estado desenvolvimentista brasileiro é um Estado Social. Neste estudo, quando nos referirmos a Estado Social, estaremos adotando a concepção de Estado Social em sentido amplo, ou seja, o Estado Social como sinônimo do Estado intervencionista” (BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 54 e 55).
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as atribuições públicas têm um custo, e que tais atribuições são normalmente financiadas por tributos. Há, assim, importante relação entre o desenvolvimento da participação estatal na vida das pessoas com a ampliação das carências arrecadatórias do Estado, que passa a ter na arrecadação tributária uma fonte de recursos indispensáveis para o custeio de suas atividades. Como destaca Juan Manuel Barquero Estevan: Faz já alguns anos, em um trabalho que pode ser tido já por um clássico na literatura sobre o Estado social, Ernst Forstoff afirmava que o Estado fiscal ou impositivo constitui o vínculo indispensável de união entre os princípios do Estado de Direito e Estado social, porque somente através das possibilidades de ingerência do Estado impositivo pode-se garantir o desenvolvimento do Estado social, sob uma estrita observância, ao próprio tempo, das formas do Estado de Direito e, concretamente, do respeito do Direito de propriedade. Apontava, assim, a tese de que a configuração do Estado como “impositivo” constitui um pressuposto funcional do Estado social, pois este só pode alcançar seus objetivos recorrendo ao imposto como instrumento financeiro.4
No contexto de um Estado Social, portanto, a tributação passa a ser a principal fonte de custeio dos deveres estatais, muitos deles elevados à categoria de direitos fundamentais pela Constituição, como aqueles relativos, por exemplo, à saúde e à educação. É no cenário brevemente descrito acima que deve ser examinada a natureza do dever daqueles que ostentam capacidade econômica de contribuírem ao erário público, dever este que, como sustentado pelo Professor Casalta Nabais, deve ser compreendido como um dever fundamental, na medida em que de seu adimplemento depende o custeio, pelo Estado, de todos os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal5.
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ESTEVAN, Juan Manuel Barquero. La Función del Tributo en el Estado Democrático de Derecho. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2002. p. 33. Ver também: HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R. The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. New York: W. W. Norton & Company, 1999. p. 15; ROIG, Rafael de Asis. Deberes y Obligaciones en la Constitución. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991. p. 401; NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Almedina, 1998. p. 185-187. Para um estudo acerca da teoria dos custos dos direitos ver: AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha: Em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001; GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos: Direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Almedina, 1998. Ver também: TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 10. ed. Rio de
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Ora, a importância da tributação e a difusão do papel de sujeito passivo de deveres fiscais no âmbito de grandes parcelas da coletividade trouxeram impactos sobre a dinâmica das atividades arrecadatórias do Estado. Com efeito, tomando, por exemplo, o caso Brasileiro, há bastante tempo que as atividades de apuração e recolhimento da maioria dos tributos deixaram de depender de qualquer participação das autoridades fazendárias, que assumem cada vez mais um papel de agentes de fiscalização das atividades liquidatórias realizadas pelos sujeitos passivos6. De fato, seria praticamente impossível para o Estado manter a estrutura funcional que seria necessária para que os recolhimentos feitos pelos contribuintes decorressem de uma cobrança formal emitida pelas autoridades públicas. No Brasil tal situação é evidenciada pela difusão da sistemática do chamado lançamento por homologação, ao qual se sujeitam todos os tributos de grande força arrecadatória. Esse fenômeno da transferência das atribuições de liquidação tributária, que por aqui vem há muito tempo sendo reconhecido7, não é, entretanto, nacional8.
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Janeiro: Renovar, 2003, p. 336; PIRES, Adilson Rodrigues. O Processo de Inclusão Social sob a Ótica do Direito Tributário. In: PIRES, Adilson Rodrigues; TÔRRES, Heleno Taveira (Org.). Princípios de Direito Financeiro e Tributário: Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 80-82; TÔRRES, Heleno. Direito Tributário e Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 16; TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 15. Cf. ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Fiscal: Controle Administrativo do Lançamento Tributário. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 278-279; SILVA, Sergio André R. G. da. A Importância do Processo Administrativo Fiscal. In: Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 239, jan.-mar. 2005, p. 39-41. Cf. FANUCCHI, Fábio. Curso de Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Resenha Tributária, 1971. v. I. p. 149; CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 213; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 653; COSTA, Ramon Valdes. Estudios de Derecho Tributario Latinoamericano. Montevideo: AMF, 1982. p. 152; XAVIER, Alberto. Do Lançamento: Teoria Geral do Ato, do Procedimento e do Processo Tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 4. Sobre o tema, recomenda-se a leitura de artigo do Professor J. J. FERREIRA LAPATZA, publicado no Brasil, no qual o mesmo dá testemunho da cada vez maior utilização da delegação ao contribuinte das atividades de liquidação fiscal em países como a França, a Itália e a Espanha (LAPATZA, José Juan Ferreiro. Solución Convencional de Conflictos em el Âmbito Tributário: una Propuesta Concreta. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 294). Para um exame desta situação no ordenamento jurídico português, ver: SANCHES, José Luís Saldanha. A Quantificação da Obrigação Tributária: Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa. Lisboa: Lex, 2000. p. 75 e 76. Segundo a lição de Torsten Ehmche e Diego Marín-Barnuevo, situação diversa ocorre na Alemanha, onde a atividade de liquidação tributária é exercida pelas autoridades tributárias e não pelos contribuintes, ocorrendo de forma semelhante ao nosso lançamento por declaração. Segundo tais autores: “Em relação ao procedimento de liquidação tributária devemos destacar,
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Este estado de coisas põe em cheque a compreensão do lançamento tributário como ato administrativo de concretização e individualização do dever tributário, o qual seria imprescindível para a constituição de todo e qualquer crédito tributário, como determina o C.T.N., destacando-se em doutrina a crise do conceito tradicional de lançamento tributário9.
2. O LANÇAMENTO COMO ATO ADMINISTRATIVO IMPRESCINDÍVEL PARA A CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
2.1. A DEFINIÇÃO DO C.T.N. O C.T.N. trouxe definição expressa do conceito de lançamento tributário, encontrável em seu artigo 142 abaixo transcrito: Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional. (Os grifos são nossos)
É de se observar, com Souto Maior Borges, que a definição apresentada pelo artigo 142 tem natureza prescritiva, correspondendo, portanto, “a uma norma jurídica (Rechtsnorm) e não a uma proposição jurídica (Rechtssatz), formulada pela ciência jurídico-tributária”10.
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em primeiro lugar, que a liquidação da maioria dos tributos tem lugar na Alemanha conforme o sistema tradicional, isto é, mediante declaração dos sujeitos passivos e posterior liquidação administrativa. Não se há produzido, portanto, uma generalização do sistema de declaraçãoliquidação ou de autoliquidação, como na Espanha, pois este sistema somente se aplica em alguns casos concretos do Imposto sobre Valor Agregado. Portanto, os deveres do sujeito passivo são limitados, na maioria dos casos, à apresentação da declaração tributária, que em alguns casos deve ser apresentada acompanhada de alguns documentos de contabilidade” (EMCKE, Torsten; MARÍN-BARNUEVO, Diego. La Revisión e Impugnación de los Actos Tributarios en Derecho Aleman. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2004. v. II. p. 367 e 368). Cf. XAVIER, Alberto. Do Lançamento Tributário no Direito Tributário Brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 10-15. BORGES, José Souto Maior. Lançamento Tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 96.
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Todavia, é imprescindível que, como toda norma jurídica, seja tal definição interpretada/aplicada, o que, como veremos, não se consegue partindo-se de análise fundada apenas na literalidade desse artigo. Alguns aspectos do conceito legal de lançamento, grifados na transcrição acima, são controvertidos na doutrina, principalmente aqueles referentes: (a) à menção à constituição do crédito tributário; (b) à caracterização do mesmo como ato ou procedimento administrativo e (c) à aplicação de sanções por intermédio de lançamento tributário. Tais itens serão examinados a seguir: A)
CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
Uma leitura apressada das regras acerca da obrigação e do crédito tributários constantes no C.T.N. pode levar à conclusão de que o Código teria criado uma distinção entre o momento em que surge a obrigação tributária do sujeito passivo e aquele em que nasce o crédito correspondente, de titularidade do sujeito ativo. Com efeito, segundo o § 1º de seu artigo 113 a obrigação tributária nasce com a ocorrência do fato gerador, enquanto que o crédito tributário surgiria com o lançamento. Tal, todavia, não parece ser a leitura correta das regras constantes no C.T.N. Com efeito, ao segregar a obrigação tributária do crédito tributário o Código está tratando de dois momentos distintos do desenvolvimento da relação jurídica existente entre os sujeitos ativo e passivo. No momento em que se verifica a ocorrência do fato gerador, nascem, concomitantemente, a obrigação tributária do sujeito passivo e o direito subjetivo do sujeito ativo que lhe é correspondente. Contudo, para que se torne passível de ser exigido tal direito subjetivo deve transformar-se em pretensão, o que, na sistemática do C.T.N., dá-se com a constituição do crédito tributário. A tal pretensão corresponde um dever jurídico do sujeito passivo. Na hipótese de inadimplemento do dever jurídico, a pretensão transmutase em coação, enquanto o dever passa a sujeição. Essas noções encontram-se bem apresentadas na seguinte passagem de Ovídio Baptista da Silva: Se sou titular de um crédito ainda não vencido, tenho já direito subjetivo, estou na posição de credor. Há o status que corresponde a tal categoria do direito das obrigações, porém ainda não disponho da faculdade de exigir que o devedor cumpra o dever correlato, satisfazendo meu direito de crédito. No momento em que ocorrer o
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vencimento, nascer-me-á uma nova faculdade de que meu direito subjetivo passará a dispor, qual seja o poder de exigir que o devedor preste, satisfaça, cumpra a obrigação. Nesse momento, diz-se que o direito subjetivo – que já existia, embora se mantivesse em estado de latência – adquire dinamismo, ganhando uma nova potência a que se dá o nome de pretensão. Observe-se que a pretensão ainda é uma potência, uma mera potencialidade de que o direito subjetivo se reveste, não implicando a idéia de exercício efetivo da pretensão, de tal modo que, examinando-se o direito subjetivo nesta perspectiva, devemos distinguir dois momentos que lhe são inerentes, o da pura exigibilidade e o de sua exigência efetiva.11
Percebe-se, assim, que quando do nascimento da obrigação tributária, com a ocorrência do fato gerador, ocorre simultaneamente o surgimento do direito do sujeito ativo da relação jurídica tributária ao seu adimplemento. Nada obstante, tal direito somente se transmutará em pretensão, ou seja, somente se tornará exigível, com a constituição do crédito tributário, a qual representa uma nova fase na dinâmica do desenvolvimento da relação jurídica tributária. No caso de alguns tributos (aqueles sujeitos aos lançamentos de ofício e por declaração), o direito do ente tributante depende da prática de um ato administrativo de lançamento para transmutar-se em pretensão. Noutros casos, quando o tributo submete-se ao dito lançamento por homologação, a pretensão surge com a liquidação feita pelo sujeito passivo, conforme veremos a seguir. B)
LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO: ATO OU PROCEDIMENTO
Em relação a este aspecto, há um posicionamento doutrinário majoritário no sentido de que o lançamento seria um ato e não um procedimento administrativo, até mesmo em razão do disposto no artigo 149 do Código, que traz a previsão da revisão do lançamento. Ora, revisa-se um ato e não um procedimento12.
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SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de Processo Civil. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. v. I. p. 78. Ver também: MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Campinas: Bookseller, 2000. t. V. p. 503; CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. Tradução Antônio Carlos Ferreira. São Paulo: Lejus, 1999. p. 293-296. Cf. COÊLHO, Sacha Calmon. Curso de Direito Tributário. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 784; MARINS, James. Lançamento Tributário e Decadência: Fragmentos de um Estudo In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). Lançamento Tributário e Decadência. São Paulo: Dialética, 2002, p. 312; XAVIER, Alberto. Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro, 2005, p. 44-46.
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Como deixei consignado em estudo específico sobre o processo administrativo fiscal, creio que o lançamento é um procedimento que pode vir a se materializar em um ato final13. Nessa assentada, divergindo da doutrina majoritária, creio que o lançamento é o procedimento que tem por objeto as condutas descritas no artigo 142 do C.T.N., podendo materializar-se em um ato de aplicação. C)
LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO E APLICAÇÃO DE SANÇÕES
No que se refere à aplicação de sanções por intermédio de lançamento tributário aponta-se normalmente que o C.T.N. teria se valido de terminologia imprópria, na medida em que não caberia à autoridade administrativa propor a aplicação de penalidade tributária, mas sim a sua efetiva aplicação. Todavia, parece-nos que as maiores impropriedades encontradas nessa parte do artigo 142 são: (a) a referência à penalidade ao invés de sanção; e (b) a própria previsão do lançamento de penalidades, já que, como deixei consignado em outro estudo14, não existem sanções tributárias, de forma que não haveria que se falar no lançamento tributário (apuração e liquidação) de uma sanção. Em relação à primeira ressalva acima, é de se assinalar que penalidade é espécie do gênero sanção. Com efeito, considerando que a sanção é a reação do ordenamento jurídico a não-observância de uma de suas prescrições15, tem-se que tal reação pode se manifestar de diversas maneiras. Ao se prever certa sanção como resposta ao cometimento de uma infração o ordenamento jurídico visa alcançar determinado objetivo, que pode corresponder, por exemplo, à compensação do sujeito passivo, à imposição de uma restrição de natureza administrativa ou à penalização do infrator. No primeiro caso, em que a finalidade que se visa alcançar com a previsão da regra sancionatória limita-se a estabelecer a compensação/indenização dos prejuízos suportados pelo sujeito passivo, estar-se-á diante de uma sanção
13
14 15
Cf. ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Fiscal: Controle Administrativo do Lançamento Tributário, 2009, p. 278. Também sustentando que o lançamento é procedimento e não ato, embora defendendo ser atividade privativa da administração pública, ver: MARTINS, Ives Gandra da Silva. Lançamento: Procedimento Administrativo. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo Administrativo Fiscal 2º Volume. São Paulo: Dialética, 1997. p. 44. SILVA, Sergio André R. G. Sanções Tributárias? In: Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 92, mai. 2003, p. 57-66. Cf. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 673.
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cível. A seu turno, quando a sanção impuser ao sujeito ativo restrições a relações jurídicas deste com a Administração Pública, ou lhe restringir o exercício de direitos em benefício da coletividade, estar-se-á diante de uma sanção administrativa. Por fim, quando a finalidade da sanção for, única e exclusivamente, penalizar o sujeito ativo pelo inadimplemento de seu dever jurídico, tratar-se-á de uma sanção penal, isso independentemente do objetivo visado com a penalização do sujeito, se a prevenção geral, “para que os que não tenham delinqüido não o façam”, ou a prevenção especial, produzindo efeitos apenas sobre o delinqüente “para que não volte a delinqüir”16. Assim, não se pode confundir penalidade, que é sanção aplicada com o fim de punir o infrator por seu comportamento, com sanção lato sensu, que engloba todas as formas de reação do ordenamento jurídico contra a violação de suas prescrições. A segunda objeção, que ultrapassa a primeira, é no sentido de que, como preceitua o artigo 3º do Código Tributário, o tributo não pode ser conseqüência jurídica de norma sancionatória. Ou seja, o inadimplemento de um dever jurídico não é fato gerador da obrigação de pagar tributo. Considerando os ensinamentos de Eduardo García Máynez, temos que “as sanções jurídicas devem ser classificadas atendendo à finalidade que perseguem e à relação entre a conduta ordenada pela norma infringida e a que constitui o conteúdo da sanção”17. Considerando que as sanções não têm por finalidade a obtenção de recursos pelo Estado (função fiscal) ou sua intervenção no domínio econômico (função extrafiscal), parece ser possível afirmar inexistirem sanções tributárias, razão pela qual nos parece incorreto acenar com a existência de sanções tributárias. Partindo dessas premissas, é de se assinalar a impropriedade da afirmação no sentido de que se aplicam penalidades por intermédio de lançamento tributário. A aplicação de sanção não se encontra inserida no âmbito do Direito Tributário, razão pela qual a atividade de sua liquidação não é igualmente tributária, não se podendo falar em lançamento tributário que vise à aplicação de sanção a infração à legislação tributária.
16 17
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Cf. ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 92. MÁYNEZ, Eduardo García. Introducción al Estudio del Derecho. 53. ed. México: Porrúa, 2002, p. 298.
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D)
ESPÉCIES
DE LANÇAMENTO
O Código Tributário Nacional traz três espécies de lançamento: por declaração, de ofício e por homologação. Segundo o artigo 147 do CTN, “o lançamento é efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária, presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação”. Ou seja, a característica desta modalidade de lançamento é que o sujeito passivo presta informações às autoridades tributárias para que estas realizem o lançamento, que, de fato, trata-se de um lançamento de ofício. O lançamento de ofício encontra-se previsto no artigo 149 do CTN. Temos aqui as situações em que o crédito tributário é constituído pela autoridade administrativa sem que seja necessária qualquer informação prestada pelo sujeito passivo. Por fim, o artigo 150 do CTN traz as regras aplicáveis ao lançamento por homologação, “que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa”. Além da possibilidade de uma homologação expressa da antecipação do pagamento feita pelo sujeito passivo, o § 4º deste artigo prevê a hipótese (que na prática é mais a regra) de sua homologação tácita, a qual ocorre após o decurso do prazo decadencial de cinco anos, contado do momento da ocorrência do fato gerador. Como já dito, contemporaneamente o lançamento por homologação, em que toda a atividade de liquidação tributária é delegada ao sujeito passivo, tornou-se a forma mais usual de arrecadação fiscal, sendo que todos os tributos de grande força arrecadatória, como o Imposto de Renda, as contribuições sociais, o IPI, o ICMS e o ISS encontram-se sujeitos a esta forma de lançamento.
2.2. DEFINIÇÃO DOUTRINÁRIA DE LANÇAMENTO: POSIÇÃO DOUTRINÁRIA MAJORITÁRIA
Tendo em conta os comentários acima é possível aduzir que, ressalvadas as naturais discrepâncias encontradas, a concepção predominante no Direito Tributário pátrio acerca do lançamento tributário é no sentido de que este é ato administrativo por intermédio do qual o Fisco verifica a ocorrência do
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fato tributário, liquidando o dever fiscal e identificando seu sujeito passivo, sendo imprescindível para a constituição da exigibilidade de todo e qualquer crédito tributário. Com efeito, Sacha Calmon Navarro Coêlho assevera que o lançamento tributário é “ato administrativo de aplicação da lei aos casos concretos (processo de concreção normativa) a cargo da Administração Pública (Poder Executivo)”18. Para Rubens Gomes de Souza, define-se o lançamento tributário “como o ato ou a série de atos de administração vinculada e obrigatória que tem como fim a constatação e a valoração quantitativa das situações que a lei define como pressupostos da incidência e, como conseqüência, a criação da obrigação tributária em sentido formal”19. A seu turno, Paulo de Barros Carvalho define lançamento tributário como “ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira u’a norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como conseqüente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido”20. Alberto Xavier conceitua o lançamento “como o ato administrativo de aplicação da norma tributária material praticado pelo órgão da administração”21. O Professor Eurico Marcos Diniz de Santi define o lançamento como “o ato-norma administrativo que apresenta estrutura hipotético-condicional, associando à ocorrência do fato jurídico tributário (hipótese) uma relação jurídica intranormativa (conseqüência) que tem por termos o sujeito ativo e o sujeito passivo, e por objeto a obrigação deste em prestar a conduta de pagar quantia determinada pelo produto matemático da base de cálculo pela alíquota”22.
18 19 20 21
22
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Curso de Direito Tributário, 2005, p. 779. SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1975. p. 102. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 383. XAVIER, Alberto. Lançamento no Direito Brasileiro. In: ATALIBA, Geraldo; CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.). VI Curso de Especialização em Direito Tributário. São Paulo: Resenha Tributária. p. 435. Em uma definição, segundo o próprio autor, aperfeiçoada de lançamento tributário, este foi conceituado como “ato administrativo de aplicação da norma tributária material que se traduz na declaração da existência e quantitativo da prestação tributária e na sua conseqüente exigência” (Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro, 2005, p. 67). DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento Tributário. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 155 e 156.
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Mizabel Abreu Machado Derzi manifesta entendimento no sentido de que “o lançamento é ato jurídico administrativo vinculado e obrigatório, de individuação e concreção da norma jurídica ao caso concreto (ato aplicativo), desencadeando efeitos confirmatórios-extintivos (no caso de homologação do pagamento) ou conferindo exigibilidade ao direito de crédito que lhe é preexistente para fixar-lhe os termos e possibilitar a formação do título executivo”23.
2.3. CRÍTICAS À CONCEPÇÃO TRADICIONAL DO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO
Não é necessária longa reflexão para se verificar que a definição de lançamento estabelecida no C.T.N. e encampada, com algumas alterações, pela doutrina majoritária, não é compatível com a dinâmica atual da liquidação e recolhimento dos tributos em geral. De fato, como mencionado na introdução do presente estudo, no estágio atual da tributação no Brasil as atividades de liquidação tributária foram transferidas aos sujeitos passivos. Tal realidade não passou despercebida pelos criadores do Código Tributário, que com a finalidade de refletir a mesma incluíram a previsão do lançamento por homologação na lei geral tributária. Na figura do lançamento por homologação, prevista no artigo 150 do Código, o contribuinte antecipa o recolhimento do tributo, ficando tal antecipação sujeita a posterior homologação por parte da Fazenda, a qual será expressa, se for editado ato formalizando a homologação fazendária, ou tácita, caso se verifique o decurso de 5 (cinco) anos sem qualquer manifestação do Fisco. Tentando manter alguma coerência com o disposto no artigo 142, que afirma a competência exclusiva da Administração Pública para a edição de lançamento tributário, no caso do lançamento por homologação o lançamento corresponderia ao ato de homologação expressa da Fazenda (homologação expressa) ou à omissão desta (homologação tácita). Como a realidade está a demonstrar, a homologação expressa de uma antecipação feita pelo contribuinte é tão real quanto um unicórnio, raramente acontecendo no mundo dos fatos.
23
DERZI, Mizabel Abreu Machado. [Comentários aos Artigos 139 a 155 do Código Tributário Nacional]. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 355.
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Assim, para que a definição tradicional de lançamento corresponda à realidade factual é necessário sustentar que o ato administrativo de lançamento, imprescindível para a constituição da exigibilidade dos créditos tributários é, na verdade, uma omissão das autoridades fazendárias. Ora, como é possível sustentar que o lançamento visa “verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”, quando, na verdade, ele é um não-ato, uma omissão. Lição corrente no Direito Penal e na Teoria da Responsabilidade Civil é que não há nexo causal natural entre a omissão e qualquer resultado factual, sendo certo que a relevância jurídica da conduta omissiva se dá por uma causalidade jurídica24. Nas palavras de Lourival Vilanova: Sob o ponto de vista causal natural, a omissão, o não-fazer importa em inexistência de causa. Se efeito sobreviesse, quebrar-se-ia a conexidade de causas e efeitos, ou dar-se-ia uma ocorrência incausada. Não é assim no domínio do direito, onde tanto a ação quanto a omissão podem ser suportes fáticos de hipóteses normativas. A conduta omissiva bem pode tornar-se fato jurídico e dela decorrem efeitos. É o que se constata ali onde o omitir é pressuposto ilícito de uma conseqüência penal. A estrutura causal verifica-se, pois, à omissão, como fato jurídico ilícito, segue o efeito sancionador. É o sistema jurídico que tece essa causalidade, inexistente sob o ponto de vista naturalístico. Aqui, não se juridiciza a causalidade natural (como no caso em que A é causa eficiente da morte de B) elevando, a suporte fático do fato jurídico penal, a relação causal da conduta de A em face da morte de B. É o sistema jurídico que transforma a causa ineficiente em autor. A conexidade entre o fato jurídico omisso e o evento é, manifestamente, normativa.25
Dessa forma, afirmar que a omissão fazendária constitui a exigibilidade do crédito tributário, mediante as condutas previstas no artigo 142, é uma contradição de termos. A omissão nada constitui, nada altera.
24
25
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Sobre o tema, ver: ZAFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, 2002, p. 539; PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 259 e 260; CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 81 e 82. VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 65.
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Assim, a omissão fazendária no lançamento por homologação tem sim relevância jurídica, na medida em que dá nascimento à decadência do direito potestativo de fiscalização do recolhimento feito pelo contribuinte (causalidade jurídica). Nada obstante, de forma alguma pode tal omissão ser alçada à categoria de lançamento tributário26. Diante das dificuldades práticas impostas pela redação do artigo 142 do C.T.N., há duas teorias distintas que tentam conciliar esta regra com a realidade factual em que se desenvolvem as relações fisco-contribuintes: Uma primeira que sustenta que o lançamento é sim ato administrativo, porém nem todo crédito tributário tem sua exigibilidade constituída pelo lançamento; e uma segunda para a qual todo crédito tributário tem sua exigibilidade constituída por lançamento tributário, porém, este não é atividade privativa da Administração Pública. Examinemos cada uma dessas teorias com um pouco mais de vagar.
2.4. CRÉDITO TRIBUTÁRIO SEM LANÇAMENTO? Buscando conciliar a prescrição contida no artigo 142, no sentido de que o lançamento tributário é ato privativo de autoridade administrativa, com o fato
26
Diverso é o entendimento de Hugo de Brito Machado, para quem, nos casos em que há a homologação tácita do pagamento feito pelo contribuinte, verifica-se a presença do lançamento como ficção jurídica. Eis as palavras do citado tributarista: “Quando o tributo é apurado e pago pelo contribuinte, existe tributo e existe lançamento, ainda que por simples ficção jurídica. Configura-se o lançamento, neste caso, pelo ato da autoridade administrativa que afirma estar correta a apuração feita pelo contribuinte, e se tal ato não é praticado, o lançamento existirá como ficção jurídica, com o decurso do prazo de que dispunha a autoridade para lançar. Isto é uma exigência da segurança jurídica, que estaria degradada se a autoridade dispusesse de tempo indeterminado para verificar a apuração feita pelo contribuinte” (MACHADO, Hugo de Brito. Impossibilidade de Tributo sem Lançamento. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (Coord.). Direito Tributário: Homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Quartier Latin, 2003. v. I. p. 122). Na mesma esteira é o entendimento de Luciano Amaro, conforme se infere da seguinte passagem: “É tão forte no Código a idéia de que o lançamento é atividade administrativa necessária que o diploma fez obra de engenharia sofisticada para conceber o lançamento por homologação, o qual compreende algo muito diferente do mero cumprimento de obrigações acessórias por parte do contribuinte: este não só deve identificar-se como sujeito passivo da obrigação – sem provocação da autoridade fiscal – mas também efetuar o próprio pagamento do tributo. E, mesmo com tudo isso, o lançamento só advém quando a autoridade toma conhecimento do que fez o sujeito passivo e expressamente homologa essa atuação do devedor. Observe-se que o pagamento do tributo não é o bastante para dispensar o ato administrativo de lançamento. Mesmo pago corretamente o tributo, o Código exige o lançamento (que se opera – diz o art. 150 – pelo ato de homologação praticado pela autoridade fiscal). E o Código não se dá por vencido nem mesmo diante da omissão da autoridade, já que a inércia desta implica – ex vi legis – a realização ficta do lançamento pela homologação tacitamente realizada pela autoridade administrativa (art. 150, § 4º)” (AMARO, Luciano. Lançamento, essa formalidade! In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Teoria Geral da Obrigação Tributária: Estudos em Homenagem ao Professor José Souto Maior Borges. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 377-378).
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de que são os contribuintes aqueles encarregados da liquidação tributária, sem qualquer ato prévio de cobrança das autoridades fazendárias, há aqueles que, como o Professor Aurélio Pitanga Seixas Filho, sustentam a tese da existência de créditos tributários que dispensam o lançamento para serem constituídos. Em suas considerações, parte o citado Professor da premissa de que: O tributo é um dever imposto ao cidadão, por uma norma jurídica, de contribuir para as despesas governamentais, com dinheiro e em proporção à respectiva capacidade econômica. Em conseqüência, toda vez que surgir o dever de pagar o tributo será necessário e obrigatório liquidá-lo, no sentido que empresta à palavra o artigo 1.533 do Código Civil: “Considera-se líquida a obrigação certa, quanto à sua existência, e determinada quanto ao seu objeto”.27
Assim, “conhecendo o sujeito passivo da obrigação tributária, a sua existência, e a respectiva matéria fática, resta torná-la certa com a valoração jurídica do fato imponível, e determinar o seu valor em moeda”28. Ao examinar a previsão contida no art. 150 do C.T.N., o Professor Aurélio Pitanga Seixas Filho reconhece que, de acordo com esta regra legal, “cabe unicamente ao devedor acertar e liquidar o valor do tributo, que deverá ser pago sem qualquer interveniência direta do Fisco”29. Vale a pena transcrever integralmente a seguinte passagem: Nesse procedimento, o contribuinte tem integral responsabilidade pela valoração jurídica dos fatos que houver praticado – (fato imponível na lição de Geraldo Ataliba) – bem como pela liquidação do tributo que deverá pagar no prazo predeterminado pela legislação tributária. Assim, quando o devedor enquadrar juridicamente os fatos imponíveis, estará auto-acertando por sua própria conta e risco, assumindo, conseqüentemente, integral responsabilidade por essa valoração jurídico-tributária e por eventual erro ou incorreção na liquidação e pagamento do tributo.30
Nessa linha de raciocínio, em conformidade com o magistério de Aurélio Pitanga Seixas Filho, reconhece-se ao contribuinte a atribuição de apurar o
27 28 29 30
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SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. A Função do Lançamento Tributário. In: Estudos de Procedimento Administrativo Fiscal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000. p. 22. A Função do Lançamento Tributário, 2000, p. 23. A Função do Lançamento Tributário, 2000, p. 24. A Função do Lançamento Tributário, 2000, p. 24.
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montante de tributo pelo mesmo devido, designando-se esta atividade de auto-acertamento. Por outro lado, o vocábulo “lançamento” seria o nomem juris selecionado pela legislação para designar a atividade de acertamento desenvolvida pela Administração Pública, com o que se compatibilizam as assertivas acima com a disposição contida no art. 142 do C.T.N., segundo a qual lançamento tributário somente pode ser realizado por autoridade administrativa. Citando uma vez mais suas lições: Por definição do Código Tributário Nacional, artigo 142, lançamento tributário é o nomem juris reservado para ato praticado pela administração fiscal que torna líquido e certo tributo devido por um determinado contribuinte. [...] Agindo o Fisco ordinária, ou extraordinariamente, a função do lançamento tributário, é de tornar certo o dever jurídico-tributário, e de liquidá-lo para que possa ser cobrado administrativamente ou através do Judiciário pelo Executivo-Fiscal.31
Em linha com o posicionamento acima delineado, afirma Aurélio Pitanga Seixas Filho que em relação à grande maioria dos tributos a arrecadação tributária prescinde do ato de lançamento, bastando, portanto, o acertamento realizado pelo contribuinte32.
31 32
A Função do Lançamento Tributário, 2000, p. 26. A Função do Lançamento Tributário, 2000, p. 26. Essa mesma orientação é seguida por Roque Antonio Carraza, como se infere da passagem a seguir transcrita: “O nascimento e a vida desses tributos (sujeitos ao lançamento por homologação) é bastante simples: ocorrido o fato imponível, o contribuinte deve – de imediato ou com a maior brevidade possível – extinguir a obrigação tributária. Entre a ocorrência do fato imponível e a ‘solutio’ (o pagamento) da obrigação tributária, não se coloca de permeio nenhum lançamento da Administração Pública. Estes tributos prescindem, pois, da celebração de ato administrativo, para se tornarem exigíveis. Neles, o próprio sujeito passivo – pelo menos em circunstâncias normais – realiza as operações necessárias e suficientes à formalização do crédito tributário. Nestes casos, a autoridade fazendária apenas confere a regularidade formal do recolhimento, o que faz por meio da homologação, ato distinto do lançamento. O ICMS é um tributo deste mesmo tipo. É, pois, um tributo sem lançamento, já que a Fazenda Pública pode exigi-lo desde o instante de seu nascimento, sem necessidade de celebrar um ato jurídico administrativo para apurar o ‘quantum debeatur’. [...]” (CARRAZA, Roque Antonio. ICMS. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 355-356). No mesmo sentido manifesta-se Américo Masset Lacombe: “[...] Parece-nos muito mais lógica a posição daqueles que dividem os impostos em lançados e não lançados, não considerando, assim, como lançamento aquilo que muitos denominam, com impropriedade técnica, autolançamento. Alguns autores, inclusive, estabelecem o traço diferencial entre os impostos diretos e indiretos – outra classificação tecnicamente falha no fato de haver ou não lançamento. [...]” (LACOMBE, Américo Masset.
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2.5. LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO FEITO PELO CONTRIBUINTE? Outra linha teórica que busca conciliar o conceito normativo de lançamento tributário contido no artigo 142 do C.T.N. com a realidade do lançamento por homologação é a que sustenta que nesta modalidade de lançamento este é de fato realizado pelo contribuinte, a quem cabe “verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo”. Defendi este entendimento em outra oportunidade, partindo da premissa que o lançamento é necessário para a constituição de todo e qualquer crédito tributário, de forma que, nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, seria o lançamento realizado pelo contribuinte, cabendo à
Lançamento. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Curso de Direito Tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 245-246). Também o Professor Eurico Diniz de Santi manifesta entendimento semelhante, aduzindo que “o ‘ato-norma formalizador instrumental’ realizado pelo sujeito passivo, não obstante configure um lançamento em sentido material (operativo), não é ‘ato-norma administrativo. Portanto não recebe a chancela de lançamento tributário. Com efeito, neste sentido, a tese proposta se alinha àquela dos ‘tributos sem lançamento’, defendida por Paulo de Barros Carvalho” (Lançamento Tributário, 2001, p. 220 e 221). Esse posicionamento também foi sustentado por Gilberto de Ulhôa Canto, para quem “nenhuma norma legal declara que o lançamento é indispensável, como condição de exigibilidade de todos os tributos. Se é certo que ele se faz mister na maioria das situações, há que reconhecer a possibilidade de, em relação a algum tributo, o lançamento não ser necessário”. Todavia, tal posicionamento fundamentase na concepção de que, para que seja possível a dispensa do lançamento, é necessário que a própria lei tenha “definido como fato gerador a mera existência do contribuinte, como o montante do imposto uma soma fixa, o que faria desnecessária qualquer determinação quantificadora, e o sujeito passivo, pelo caráter geral e indiscriminado do tributo”. Reconhecendo que tal hipótese é remota, conclui Ulhôa Canto que “o lançamento é necessário na generalidade dos casos, pois permite verificar a ocorrência do fato gerador, determinar a matéria imponível, calcular o montante do tributo e identificar o sujeito passivo. Para que o lançamento seja dispensável – já que nenhuma lei o declara absolutamente necessário na totalidade das hipóteses – basta que a constituição e a exigibilidade do crédito tributário independam de apuração daqueles elementos” (CANTO, Gilberto de Ulhôa. O Lançamento. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Do Lançamento. São Paulo: Resenha Tributária, 1987. p. 6-8). No mesmo sentido, defendendo que o lançamento não é necessário para a constituição de todo e qualquer crédito tributário, veja-se: GRECO, Marco Aurélio. Lançamento. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Do Lançamento. São Paulo: Resenha Tributária, 1987. p. 152; GUIMARÃES, Carlos da Rocha. Do Lançamento: Natureza e Eficácia. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Do Lançamento. São Paulo: Resenha Tributária, 1987. p. 243; GUIMARÃES, Carlos da Rocha. Lançamento por Homologação. Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 31, jan.-mar. 1985, p. 146; GUIMARÃES, Ylves José de Miranda. Do Lançamento. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Do Lançamento. São Paulo: Resenha Tributária, 1987. p. 314; FERRAGUT, Maria Rita. Crédito Tributário, Lançamento e Espécies de Lançamento Tributário. In: DE SANTI, Eurico Marcos Diniz (Coord.). Curso de Especialização em Direito Tributário: Estudos Analíticos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p. 320 e 321; REDENSCHI, Ronaldo. Lançamento (?!) por homologação – Críticas e Considerações. In: ROCHA, Sergio André (Coord.). Processo Administrativo Tributário: Estudos em Homenagem ao Professor Aurélio Pitanga Seixas Filho. São Paulo: Quartier Latin, 2007, pp. 593-610. Sobre os tributos sem imposição, ver: GRECO, Marco Aurélio. Dinâmica da Tributação – uma Visão Funcional. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 171.
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Fazenda o poder-dever de verificar a correção do autolançamento efetuado no prazo decadencial de cinco anos33. Alguns juristas como Dino Jarach34, José Souto Maior Borges35, Sainz de Bujanda36 e Alberto Xavier37 negam às atividades desenvolvidas pelos sujeitos passivos a natureza jurídica de lançamento (“accertamento” ou “determinación”), referindo-se às mesmas como simples atos de aplicação da lei mediante o cumprimento da obrigação tributária. Ao que nos parece, o entendimento dos citados juristas, ao negar a natureza de lançamento às atividades de apuração desenvolvidas pelos sujeitos passivos de deveres tributários parte da premissa equivocada de que tais atividades consistem em meras operações intelectuais de aplicação das normas jurídico-tributárias. Olvida-se que as atividades de lançamento realizadas pelos particulares compreendem procedimentos de escrituração fiscal e contábil que levam à determinação do montante a ser recolhido aos cofres públicos, sendo de ordinário materializadas em declarações apresentadas à Fazenda Pública. Nessa ordem de convicções, temos que a atividade de lançamento desenvolvida pelos sujeitos passivos é tão concreta quanto a realizada pelas autoridades administrativas, e não meramente intelectual como pretendido pelos citados autores. Nessa linha de idéias o conceito de lançamento tributário corresponderia ao conjunto de atividades desenvolvidas pela Administração Fazendária, pelos sujeitos passivos dos deveres jurídico-tributários, ou por ambos, por vezes materializada em ato específico, cuja finalidade é concretizar o comando de norma jurídico-tributária, verificando a ocorrência de sua hipótese no mundo dos fatos e identificando os elementos da relação jurídica da mesma decorrente (sujeito ativo, sujeito passivo e objeto)38.
33 34
35 36 37 38
Cf. ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Fiscal: Controle Administrativo do Lançamento Tributário, 2009, p. 290. Cf. JARACH, Dino. El Hecho Imponible: Teoria General del Derecho Tributario Sustantivo. 3. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, [199-]. p. 35-36; JARACH, Dino. Finanzas Públicas y Derecho Tributario. 3. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, [199-]. p. 429-433. Lançamento Tributário, 1999, p. 369-370. BUJANDA, Fernando Sainz de. Notas de Derecho Financiero. Madrid: Universidad Complutense de Madrid, 1975. t. I. v. III. p. 97-102. Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro, 2005, p. 80-85. Essa concepção ampla do lançamento, de origem italiana, sofreu crítica fundada por parte do Professor Alberto Xavier. Com efeito, para o citado jurista tal concepção, além de ser objeto de importantes objeções formais, sofrem ainda sérias objeções substanciais, por “abarcar sob um mesmo conceito atividades profundamente heterogênicas pelo seu conteúdo e pelos seus efeitos”. Assim, para Alberto Xavier “para que o conceito amplo e complexivo de accertamento fosse dotado de rigor jurídico, haveria, na verdade, que explicar qual o fundamento de uma
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Alfredo Augusto Becker manifesta-se em sentido aproximado, como se pode inferir da seguinte passagem: O lançamento (“accertamento”) tributário consiste na série de atos psicológicos e materiais e ou jurídicos praticados pelo sujeito passivo (contribuinte), ou pelo sujeito ativo (Estado) da relação jurídico-tributária, ou por ambos, ou por um terceiro, com a finalidade de, investigando e analisando fatos pretéritos: a) constatar a realização da hipótese de incidência e a incidência infalível (automática) da regra jurídica tributária que ocorreu no momento em que aquela sua hipótese de incidência se realizou; b) captar o fato que realizou o núcleo (base de cálculo) daquela hipótese de incidência e que já estava predeterminado pela regra jurídica ao indicar a base de cálculo do tributo; c) proceder à transfiguração daquele núcleo (base de cálculo) em uma cifra aritmética, mediante a aplicação do método de conversão (peso, medida ou valor) já preestabelecido pela regra jurídica; d) calcular a quantidade aritmética do tributo, mediante a aplicação da alíquota (que fora prefixada pela regra jurídica) sobre o núcleo da hipótese de incidência (base de cálculo) agora já transfigurado numa cifra aritmética.39
Vale a pena observar que o autolançamento não corresponde ao mero cálculo do tributo devido pelo sujeito passivo, nem mesmo ao seu pagamento, mas sim à formalização de tal débito perante a Fazenda Pública, mediante a apresentação de declaração. Assim, segundo entendemos, para falarmos em lançamento tributário não basta o cálculo por parte do contribuinte e o conseqüente pagamento do valor devido, sendo necessário que tenhamos um ato do contribuinte, consubstanciado na declaração, formalizando a liquidação feita. A tal ato seria então atribuído o mesmo efeito do lançamento feito pelas autoridades administrativas.
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hipotética unificação dos seus elementos heterogêneos. Tal unidade não pode, porém, descortinar-se sob o ponto de vista estrutural, posto terem natureza muito diversa, sob este prisma, os atos e as operações integrados no conceito, conforme já se observou” (Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro, 2005, p. 30-32). As ponderações do Professor Xavier devem ser respondidas à luz natureza atribuída aos atos de liquidação realizados pelo contribuinte hodiernamente. De fato, como será examinado a seguir atualmente tem-se reconhecido ao ato de liquidação praticado pelo contribuinte os mesmos efeitos daquele praticado pelas autoridades fiscais, no sentido de que tal ato é bastante para a constituição da exigibilidade do crédito tributário, tanto que pode servir de base para a inscrição em dívida ativa de tal crédito. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998. p. 359.
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2.6. A QUESTÃO NA JURISPRUDÊNCIA DO STF E DO STJ, E NA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA FEDERAL
Sem que tenham tomado o partido de qualquer uma das teorias acima, tanto o Supremo Tribunal Federal40, quanto o Superior Tribunal de Justiça vêm decidindo que o contribuinte constitui crédito tributário mediante a apresentação de declaração à Fazenda Pública41. No caso do STJ, em algumas situações a decisão parece sustentar que o contribuinte também realiza lançamento42, enquanto em outras se dá a entender que nos casos em que o crédito tributário fosse constituído pelo sujeito passivo o lançamento seria dispensável43. Nessas situações, entende a Fazenda ser dispensável a lavratura de auto de infração ou notificação de lançamento de débito, podendo haver cobrança diretamente pela inscrição em dívida ativa, com o conseqüente ajuizamento
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42
43
“DECLARADO E NÃO PAGO. AUTOLANCAMENTO. DESNECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PARA COBRANÇA DO TRIBUTO. Em se tratando de autolancamento de débito fiscal declarado e não pago, desnecessária a instauração de procedimento administrativo para a inscrição da dívida e posterior cobrança. Agravo regimental improvido”. (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 144.609. Publicação no Diário da Justiça em 01 de setembro de 1995). Esta linha jurisprudencial foi criticada por Alberto Xavier em: XAVIER, Alberto. A Execução Fiscal nos Tributos de Lançamento por Homologação. In: Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 25, out. 1997, p. 9. “TRIBUTÁRIO. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO (CND). RECUSA DO FISCO NA EXPEDIÇÃO. CRÉDITO DECLARADO EM DCTF. CONSTITUIÇÃO DO DÉBITO. 1. A Declaração de Contribuições e Tributos Federais – DCTF, constitui confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente a exigência do referido crédito, ex vi do art. 5º, § 1º, do DL 2.124/84. 2. O reconhecimento do débito tributário pelo contribuinte, mediante a DCTF, com a indicação precisa do sujeito passivo e a quantificação do montante devido, equivale ao próprio lançamento, restando o Fisco autorizado a proceder à inscrição do respectivo crédito em dívida ativa. Assim, não pago o débito no vencimento, torna-se imediatamente exigível, independentemente de qualquer procedimento administrativo ou de notificação ao contribuinte, sendo indevida a expedição de certidão negativa de sua existência. 3. Recurso especial desprovido”. (Recurso Especial no 416.701. Publicação no Diário da Justiça em 06 de outubro de 2003). “TRIBUTÁRIO. CONFISSÃO DE DÍVIDA. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. 1. A declaração do contribuinte, confessando a dívida, constitui o crédito tributário para todos os efeitos, não havendo razão para, relativamente aos valores declarados, promover o ato de lançamento tributário. É que o lançamento, que é um ato exclusivo do Fisco, não é o único modo de se constituir o crédito. 2. Os valores declarados assumem, pela declaração do contribuinte, o status de crédito tributário (= constituídos), com todas as conseqüências daí decorrentes. Nessa linha de entendimento, a declaração apresentada pelo contribuinte para fins de parcelamento do débito na sistemática do Simples, consoante previsto na Portaria Conjunta PGFN/SRF nº 663/ 98, desencadeou, em razão do não recolhimento no prazo, o curso do prazo prescricional. 3. Recurso especial a que se nega provimento.” (Recurso Especial nº 905.524. Publicação no Diário da Justiça em 02 de abril de 2007).
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de execução fiscal. Conforme dispõe o § 1º do art. 10 da Instrução Normativa nº 903/08: Os saldos a pagar relativos a cada imposto ou contribuição, informados na DCTF, bem como os valores das diferenças apuradas em procedimentos de auditoria interna, relativos às informações indevidas ou não comprovadas prestadas na DCTF, sobre pagamento, parcelamento, compensação ou suspensão de exigibilidade, serão enviados para inscrição em Dívida Ativa da União (DAU), com os acréscimos moratórios devidos.
Esta posição da Fazenda, portanto, encontra-se em linha com o que entendem o STF e o STJ sobre a matéria.
3. SERIA
OPORTUNA UMA ALTERAÇÃO NO
C.T.N.
NA PARTE
DO LANÇAMENTO?
Partindo dos comentários acima, parece-nos oportuna uma revisão dos artigos 142 e 150 do C.T.N., de forma a que os mesmos reflitam melhor a dinâmica da constituição do crédito tributário em nosso sistema atual. As duas linhas teóricas examinadas nos itens 2.4 e 2.5 deste estudo se prestariam a reconciliar o lançamento com a realidade factual. Assim, uma alteração possível seria a manutenção do conceito de lançamento da forma como está, destacando-se que nos tributos cujo pagamento independe de qualquer ato fazendário prévio o lançamento não se faz necessário. Ou seja, incluir-se-ia regra no C.T.N. reconhecendo que nos tributos que hoje se encontram sob a sistemática do lançamento por homologação, de fato, lançamento não há, cabendo apenas a liquidação da dívida pelo próprio contribuinte. Além disso, seria importante que se tratasse, no próprio C.T.N., dos efeitos da liquidação (acertamento) pelo contribuinte desacompanhada de pagamento (ou seja, débitos declarados e não pagos), a fim de se determinar se a Fazenda está ou não autorizada a inscrever tais créditos diretamente em Dívida Ativa. Com isso, extinguir-se-ia a figura do lançamento por homologação, incluindo-se uma nova regra de decadência (um artigo 173-A, por exemplo), a cuidar do prazo dentro do qual as autoridades fazendárias podem questionar o acertamento feito pelo contribuinte. Outra alternativa, adotando-se agora a teoria do autolançamento, debatida no item 2.5, seria alterar a redação do artigo 142, excluindo-se a exclusividade da Fazenda para a realização do lançamento tributário.
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As regras referentes a tal autolançamento estariam previstas no artigo 150 que, em nova redação, reconheceria, como vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça, que o contribuinte pode constituir o crédito tributário via autolançamento. Neste caso, poder-se-ia manter no mesmo artigo 150 a regra de decadência a estabelecer o prazo dentro do qual as autoridades podem verificar a correção do lançamento feito pelo contribuinte. Também aqui seria indicada a inclusão de regra determinando a forma de cobrança, pela Fazenda, dos créditos constituídos pelo contribuinte mediante a entrega de declaração, sem que haja o correspondente pagamento dos montantes declarados como devidos.
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Aplicação da Lei Tributária
Aurélio Pitanga Seixas Filho Professor Titular de Direito Financeiro e Tributário da UFF (AP) Doutor, Livre Docente, Professor Adjunto (ex) de Direito Financeiro da UERJ Doutor em Direito Tributário da Universidade Mackenzie Advogado
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462 - APLICAÇÃO DA LEI TRIBUTÁRIA
1. INTRODUÇÃO O financiamento das despesas governamentais é encargo de todas aquelas pessoas que estão sujeitas à soberania do Estado, sendo exercido pelo legislador ao exigir uma prestação em dinheiro (tributo) diretamente proporcional a uma conduta indicativa de sua capacidade econômica. Desta forma, nasce para a pessoa (contribuinte) uma dívida em dinheiro, um dever legal de pagar um tributo para o Estado quando praticar uma conduta que se identifique com a conduta descrita na lei tributária, fato gerador, cabendo, de outro lado, para a autoridade fiscal o encargo de orientação do contribuinte para o correto cumprimento da lei tributária, sendo, então, delegada ao Fisco a potestade de aplicar o ordenamento tributário.
2. DEVER
DE INFORMAÇÃO
Todo dever jurídico, em princípio, tem de ser espontaneamente cumprido pelo destinatário da norma legal. No direito administrativo, especialmente no direito tributário, a autoridade competente para aplicar a lei é obrigada a fornecer a bastante orientação ao contribuinte e a terceiros, sujeitos a deveres administrativos instrumentais (obrigação tributária acessória), sobre como cumprir os respectivos deveres. Tendo em vista que o pagamento errado do imposto acarreta pesada penalidade, a orientação oficialmente fornecida aos contribuintes garante-lhes a certeza jurídica quanto ao cumprimento de seus deveres tributários, razão pela qual Ricardo Lobo Torres elenca, entre os “Princípios Vinculados à Segurança Jurídica”, o dever da administração fiscal de prestar assistência aos contribuintes1. Assim, a autoridade fiscal, em primeiro lugar, tem o dever legal de consolidar anualmente (artigo 212 do Código Tributário Nacional) a legislação tributária que tem de aplicar, tendo em vista a antiguidade e quantidade de leis em vigor. O imposto de renda, por exemplo, reporta-se ao Decreto-Lei n° 5844 de 1943; o imposto de importação, à lei n° 3244 de 1957; e o imposto sobre produtos industrializados, à lei n° 4502 de 1964. Além da consolidação dos atos legais que devem estar vigentes, a autoridade administrativa deve orientar seus subordinados e, como tem a competência legal
1
Valores e Princípios Constitucionais Tributários, no Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, Vol. II. Rio de janeiro: Renovar, 2005, p. 580.
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(função – potestade) de investigar se a lei tributária está sendo corretamente obedecida pelos contribuintes e demais destinatários dessa legislação, deve emitir atos genéricos e abstratos normatizando complementarmente a legislação pertinente, ditando, dessa forma, uma certeza jurídica. Como já tive a oportunidade de esclarecer: [...] obedecendo, então, o contribuinte, à orientação oficialmente indicada pela autoridade fiscal, e publicada no Diário Oficial, ou órgão jornalístico que tenha o mesmo efeito, não pode, consequentemente, a referida autoridade fiscal exigir que o contribuinte venha a pagar o tributo com base em um critério jurídico adotado posteriormente, concedendo-lhe efeito retroativo.2
3. CONSULTA
FISCAL
Outra forma de conceder segurança ao contribuinte é o instituto da Consulta Fiscal em que a Fazenda Pública tem o dever legal de dizer o direito, isto é, qual será o critério jurídico a ser aplicado oficialmente a um fato econômico representativo de um negócio jurídico a realizar, ou já praticado, pelo contribuinte consulente. Ao valorar juridicamente os fatos apresentados especificamente pelo contribuinte, o ditado jurídico da autoridade fiscal concede certeza ao seu dever tributário através de um ato administrativo de acertamento jurídico, garantindo, desta forma, como deve ser paga a dívida tributária. O valor da Consulta Fiscal é que: [...] obtida a resposta formal à consulta, com o critério jurídico oficial da administração fiscal, está o contribuinte acobertado para fazer a liquidação e recolhimento do tributo, possuindo o direito subjetivo de não ser compelido a recolher qualquer diferença de imposto enquanto estiver em vigor a certeza jurídica concedida pela resposta à consulta.3
A autoridade fiscal pode alterar o ditado jurídico da resposta concedida à consulta, por considerar não ter adotado o melhor critério jurídico para a hipótese examinada. Entretanto, a nova valoração jurídica somente produzirá os seus efeitos a partir da sua publicação ou notificação pessoal, não podendo,
2 3
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Princípios Fundamentais do Direito Administrativo Tributário – A Função Fiscal, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 95. Idem, p. 94.
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em hipótese alguma, retroagir para mudar atos jurídicos perfeitos e acabados que adotaram o ditado jurídico anterior. A inalterabilidade da resposta à consulta fiscal é mais um dos direitos à proteção da confiança do contribuinte que têm vinculação com os princípios relativos à segurança jurídica, na lição de Ricardo Lobo Torres4. A consulta fiscal, concedendo certeza jurídica aos consulentes, já existente no Brasil pelo menos desde 19325, não tem sido adotada por muitos países que não se empenham em responder ou dar garantias às respostas. A informação vinculativa, como é conhecida em Portugal, teve sua origem no direito aduaneiro6, sendo estendida para os demais impostos pelo artigo 14 do Código de Processo das Contribuições e Impostos de 1963, ao regular as garantias gerais do contribuinte7. Na Espanha, em 1985, a consulta perdeu seu efeito vinculante concedido em 1975, vindo somente a ser restaurado em 1995, mostrando, assim, a vacilação das autoridades administrativas em conceder essa garantia aos contribuintes8.
4. DEVER
DE ESCRITURAR E ACERTAMENTO TRIBUTÁRIO
Toda a atividade de uma empresa é registrada em documentos individuais que, por sua vez, devem ser escriturados em livros de contabilidade e fiscais para certificarem, isto é, darem certeza jurídica para seus sócios, credores e fisco do seu movimento comercial. As pessoas que não exercem atividade empresarial não são obrigadas a possuírem escrituração contábil, porém devem conservar os seus documentos para efeito de necessitarem provar algum fato que tenha relevância jurídica. Desse modo, ao nascer o dever jurídico tributário no dia da ocorrência do fato gerador, tal evento é registrado na escrituração contábil e fiscal das empresas, devendo o pagamento da dívida ser realizado no dia do seu vencimento, fixado na legislação, independentemente, em grande parte dos impostos, de prévia exigência da autoridade fiscal.
4 5 6 7 8
Livro citado, p. 579. Francisco Sá Filho. Estudos de Direito Fiscal. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1942, p. 61. José Casalta Nabais. Contratos Fiscais. Coimbra Editora, 1994, p. 178 e J.L. Saldanha Sanches. Manual de Direito Fiscal. Coimbra Editora, 2002, p. 123. Francisco Rodrigues Pardal. CPCI. Coimbra: Almedina, 1969, p. 129. Francisco Martinez. La Consulta Tributaria. Granada: Editorial Dodeca, 2000, p. XXI. Neste livro foram examinadas as legislações que adotaram a consulta vinculante como Holanda, USA, Canada, Australia e Nova Zelandia.
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Desta forma, o cumprimento dos deveres tributários dos contribuintes, sejam empresas ou não, será sempre documentado produzindo a respectiva certeza jurídica. Como o pagamento espontâneo do imposto não fornece à autoridade administrativa um documento que dê certeza jurídica da dívida tributária, a legislação tributária passou a exigir que o contribuinte emita, periodicamente, um documento de confissão da dívida tributária com especificação do seu valor líquido para efeito de cobrança executiva no caso de faltar o pagamento no respectivo dia do vencimento. Os documentos que produzem uma certeza jurídica como o lançamento tributário e as confissões de dívida podem, e devem, ser denominados de acertamento tributário, no sentido em que lhe é dado pela doutrina italiana: Um documento (título jurídico) de acertamento é o resultado de processo que, saindo de uma situação inicial de incerteza objetiva, trás, através de uma atividade espiritual de esclarecimento da realidade, uma declaração de ciência ou de verdade, munida de eficácia preclusiva [...] 8- Consideração conclusiva:- Efeito preclusivo e declaração de verdade são aqueles elementos necessários de qualquer figura de acertamento, sem o que não existe declaração de verdade acompanhada de efeito preclusivo que não constitua um título jurídico (documento) de acertamento e, ao contrário, nenhum documento (escritura) de acertamento pode ser de outra forma constituído se não for de uma declaração de verdade – eventualmente acompanhada de declaração de vontade para a produção da preclusão – da qual resulta um efeito preclusivo de grau maior ou menor.9
5. A
FUNÇÃO FISCAL
Arrecadar, fiscalizar e exigir o pagamento de tributos é a competência legal (potestade ou exercício do poder de polícia) de um órgão da administração fazendária denominada Fisco10.
9 10
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Angelo Falzea. Voci di Teoria Generale del Diritto. Milão: Giuffrè, 1978, p. 29 e 35. “Dessa forma, a Constituição, ao determinar a competência de uma determinada pessoa política, o faz de forma abrangente, ou seja, atribui a competência para a pessoa política realizar ou tornar possível a realização de determinado interesse público, através de atuações de prestação ou de exercício de poder de polícia.” (Onofre Alves Batista Júnior. O Poder de Polícia Fiscal. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001, p. 133).
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A autoridade fiscal, no exercício de sua competência legal, poderá exigir o pagamento do tributo conforme tenha sido liquidado pelo contribuinte no documento do autoacertamento tributário, sem prejuízo, no entanto, da potestade discricionária de escolher, a seu juízo de conveniência e oportunidade, aqueles contribuintes que devem ser investigados para conferir se estão pagando corretamente os seus tributos. Se, no exercício de sua função legal, a autoridade administrativa descobrir que a conduta tributável do contribuinte não foi corretamente escriturada ou representada nos seus registros documentais, ou que não foi enquadrada apropriadamente na lei tributária, ou que sua liquidação foi insuficiente, é do seu dever descrever pormenorizadamente a conduta real praticada (motivação ou justificativa do ato administrativo)11 em um documento (auto de infração), fazer a sua valoração jurídica e liquidar o valor do tributo a ser exigido.
6. ACERTAMENTO
TRIBUTÁRIO ADMINISTRATIVO
Este documento, seja denominado pelas autoridades administrativas de auto de infração, notificação de infração ou qualquer outro nome, visa dar certeza a um dever jurídico, razão pela qual é um ato administrativo de acertamento tributário por habilitar a autoridade fiscal a exigir o pagamento do tributo e das multas pecuniárias devidas por eventuais infrações cometidas, sendo, também, denominado, pelo Código Tributário Nacional, de Lançamento Tributário.
7. ACERTAMENTO
TRIBUTÁRIO JUDICIAL
Tornar certo e líquido o valor do tributo a ser exigido do contribuinte pode ser decidido, também, em função jurisdicional, por iniciativa quer do próprio devedor, quer da autoridade fiscal. Assim como cabe às autoridades administrativas determinar o valor do tributo e exigir o seu pagamento, bem como rever a legalidade de seus atos, em sede própria, de natureza não contenciosa ou litigiosa, é da competência da autoridade judicial, em sede contenciosa, regida pelo Código de Processo Civil e leis extravagantes processuais, decidir quanto é o valor do tributo devido e quem é o seu devedor, seja em ação de execução fiscal, seja em uma ação declaratória ou em uma ação anulatória do lançamento tributário.
11
Aurélio Pitanga Seixas Filho. A Motivação do Ato Administrativo Tributário. In: Revista Dialética de Direito Tributário, n° 125 de fevereiro de 2006. São Paulo, os.7 a 10.
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Tendo em vista a diversidade de qualidade jurídica das pessoas que constituem um acertamento tributário, é natural que o autoacertamento, o lançamento e a sentença judicial obedeçam a regimes jurídicos diferentes, apesar de possuírem o mesmo objeto.
8. LANÇAMENTO
TRIBUTÁRIO É UM ACERTAMENTO
JURÍDICO FORMAL
O lançamento tributário, conforme a nomenclatura adotada pelo Código Tributário Nacional em seu artigo 142, nada mais é que um documento (título jurídico) produzido pela autoridade fiscal que, após investigar fatos e negócios praticados pelo contribuinte, e documentá-los, faz a sua qualificação para enquadrá-los dentro do fato gerador e/ou de uma infração, adota uma interpretação da lei fixada pela administração tributária e liquida o valor da dívida tributária, sendo, consequentemente, um título jurídico líquido e certo. Este documento produzido pela autoridade administrativa é um ato jurídico que declara a existência de uma dívida tributária, concedendo, portanto, certeza jurídica a um dever tributário, configurando-se como um acertamento jurídico formal. O ato administrativo de lançamento é um acertamento meramente formal, já que declara uma verdade sobre o que ocorreu, não sendo um ato jurídico de declaração de vontade um acertamento jurídico material, em que os deveres são constituídos exclusivamente em decorrência da manifestação livre de uma vontade. Acertamento jurídico formal foi bem explicitado por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello: Porém, como na realidade, (o acertamento) constitui exteriorização de vontade para produção de certo efeito jurídico, determinado ou determinável pela própria vontade do agente, pela qual se torna eficaz, não pode participar da mesma categoria dos puros atos jurídicos ou pronúncias jurídicas. Poder-se-ia dar-lhe uma categoria em apartado, por não constituir situação jurídica nova, mas apenas tornar a existente formalmente eficaz. Entretanto, como tem a mesma nota dos atos que constituem nova situação jurídica, qual seja a de fazer o efeito do direito resultar direta e imediatamente da manifestação da vontade do agente, afigura-se melhor ficaria enquadrado como subespécie dos negócios jurídicos. Na realidade, essa manifestação de vontade tem caráter constitutivo formal, ao assegurar ou reconhecer direito de alguém com força de eficácia,
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embora sem a constituição de nova situação jurídica, quanto ao conteúdo de direito12. [Grifos nossos].
Sendo um ato jurídico praticado por uma autoridade administrativa no estrito cumprimento de sua competência outorgada ou delegada por uma lei, o regime jurídico que regula o seu comportamento é o de direito administrativo, assim como é a lei processual que rege a função do Juiz, a quem compete dirimir, terminativamente, os conflitos de interesses. Compelir, emitir uma ordem ao contribuinte para pagar o tributo conforme especificado na lei tributaria é a função ou competência distribuída por lei à autoridade fiscal.
9. CONFISSÃO
SEMPRE É UMA DECLARAÇÃO DE VERDADE
O fato gerador de um imposto é resultado de um negócio jurídico praticado pelo contribuinte e registrado em documentos e/ou contabilidade, assim como a liquidação da dívida tributária. A legislação exige que, periodicamente, seja apresentada uma declaração contendo uma confissão da ocorrência do fato gerador e o valor líquido da dívida, o que constitui um documento de acertamento jurídico formal, o qual, como tal, é uma declaração de verdade, já que todos os deveres jurídicos tributários não são resultantes de atos de vontade, mas, sim, atos de cumprimento de lei. Por serem os documentos de confissão de dívida produzidos pelo contribuinte atos jurídicos de declaração de verdade, (confissão ou declaração de fatos já ocorridos), consequentemente, serão sempre retratáveis e retificáveis no caso de não representarem corretamente a dívida tributária, desde que obedeçam os prazos preclusivos e as formas procedimentais adequadas ao momento da cobrança. A exigência legal de ser irrevogável e irretratável a confissão de dívida feita no pedido de parcelamento pelo contribuinte tenta tornar um documento meramente declaratório em um documento de declaração de vontade, isto é, um acertamento jurídico material, que, portanto, não tem compatibilidade com os princípios fundamentais que regem o direito tributário. Todas as dívidas tributárias são resultantes de previsão legal, isto é, do fato gerador, e, em consequência, toda sua representação em qualquer ato de acertamento tributário é um documento declaratório de uma verdade; exigir, assim, uma declaração de vontade demonstra ser um abuso de direito.
12
Princípios Gerais de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1969, p. 375.
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10. LANÇAMENTO
TRIBUTÁRIO É UM ATO DECLARATÓRIO
Como um ato jurídico, o lançamento tributário é constituído ou criado pela vontade da autoridade fiscal. Só que esta vontade da autoridade fiscal não tem o poder de criar a dívida tributaria, porém, tem o dever-poder de reconhecer ou declarar a existência da dívida tributaria. Caracteriza-se como um ato jurídico declaratório de uma verdade. Os atos jurídicos negociais, regidos pelo direito das obrigações, se caracterizam como atos jurídicos declaratórios de uma vontade, em que os deveres jurídicos surgem em decorrência direta da manifestação da vontade da pessoa. Ao formalizar em um documento o valor líquido e certo da dívida tributária, a autoridade fiscal está reconhecendo ou declarando a existência do dever jurídico tributário, concedendo certeza jurídica a uma dívida anteriormente incerta e informal, o que não é o mesmo fenômeno que criar ou constituir uma dívida jurídica nova, independente de uma causa anterior. No sentido exposto, não há como caracterizar o lançamento tributário como um ato jurídico constitutivo de deveres jurídicos, já que estes são declarados através do exercício de uma função administrativa, expressamente vinculada à lei.
11. DOCUMENTO
REPRESENTATIVO
Como já tive a oportunidade de esclarecer: [...] o lançamento tributário como um documento representativo de uma realidade é um ato de declaração de verdade, um ato jurídico causal, porquanto está vinculado a declarar a verdade do fato gerador ocorrido. Além de declarar uma verdade, o lançamento tributário produz inovação no mundo jurídico, como é a liquidação do valor do tributo com a utilização de critérios jurídicos próprios [...] Enfim, o lançamento visa a dar certeza jurídica e liquidez ao valor do tributos demarcando a data do seu vencimento e/ou da sua exigibilidade.13
Todo documento (título jurídico) declaratório representa um fenômeno real já acontecido, isto é, produz um testemunho do que deve ter acontecido na realidade, ou seja, é um mero indício de como tal fato ocorreu. A autoridade fiscal, ao lavrar o auto de infração (acertamento-lançamento), certifica
13
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Princípios Fundamentais do Direito Administrativo Tributário – A Função Fiscal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, 4ª tiragem, p. 131.
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(testemunha) que o fato gerador do imposto ocorreu da maneira ali exposta para o efeito de sua valoração jurídica e liquidação da dívida e eventual sanção, sendo, assim, um documento representativo. A representação, segundo lição de Francesco Carnelutti: [...] é um sucedâneo da percepção; serve para despertar, mediante um equivalente sensível, a ideia que seria primariamente determinada pela percepção de um fato. O objeto da representação é, pois, o objeto mesmo da percepção: um fato, é dizer, uma atitude concreta (determinada no espaço e no tempo) do mundo exterior. O que não é um fato, é dizer, o que não tem existência concreta, não se representa [...] O mecanismo da representação se estriba na substituição de um fato por outro como objeto da percepção para a determinação da mesma ideia. A representação supõe, pois, dois fatos: o fato representativo, que é o fato subrogante, e o fato representado, que é o fato subrogado. Em outros termos, no conceito de representação existe o pressuposto da diversidade ou separação entre o fato percebido e o fato ideado.14
Em suma, a capacidade representativa de um documento (lançamento) significa que tem existência autônoma ou independente do fato gerador representado, razão pela qual Alberto Xavier defende a tese de que o lançamento tributário seria um documento abstrato, no sentido material, pelo fato de ser ato que vive independentemente da sua causa: Ora, o lançamento não é certamente abstrato no primeiro dos aludidos sentidos, (o formal), enquanto ele tem uma causa típica bem definida e que é precisamente a de representar a função inerente a um título jurídico da obrigação tributária. Mas já o é, por certo, em sentido material, pois o título em que se traduz vive e vale independentemente da situação jurídica a que se refere e que lhe está subjacente.15
12. NASCIMENTO
E VENCIMENTO DA DÍVIDA TRIBUTÁRIA
Os atos jurídicos, em geral, e os atos administrativos, em particular, completam a sua formação e passam a ter existência jurídica, consequentemente, quando é emitida formalmente a vontade da pessoa capaz ou competente para a sua criação.
14 15
La Prueba Civil. Buenos Aires: Depalma, 1979, ps. 102/3/4. Do Lançamento no Direito tributário Brasileiro. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 403.
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Todos os atos jurídicos devem obedecer a uma regra legal, assim, a presunção de legalidade que gozam todos os títulos jurídicos pode ser elidida perante o judiciário, cabendo ampla discussão sobre a causa de sua formação, até mesmo, excepcionalmente, quando forem abstratos. O lançamento tributário é um título jurídico líquido e certo, que tem como causa a prática do fato gerador do tributo pelo contribuinte, e, como é de justiça, o acertamento jurídico e a liquidação do valor do tributo devem levar em consideração a legislação que estiver em vigor no dia em que a conduta se realiza. Nestas condições, não há razão para se duvidar de que o dever jurídico tributário nasce no dia em que é realizado o fato gerador, podendo a legislação prever que o vencimento da dívida (pagamento) se efetive nessa mesma data (como na hipótese do imposto de importação) ou seja antecipado ou postergado em relação ao nascimento da dívida. Quando o lançamento tributário é efetivado em momento posterior ao do vencimento da dívida, por não haver sido paga, os respectivos encargos moratórios devem ser contados retroativamente, desde o seu vencimento, e não da data do fato gerador.
13. EXISTÊNCIA
DO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO
– ATO
SIMPLES
A função da autoridade fiscal, no lançamento tributário, é a de exigir o pagamento do tributo após fazer a sua liquidação, com base em sua própria valoração jurídica dos atos praticados pelo contribuinte, queira este colaborar ou não. Os procedimentos praticados pela autoridade fiscal anteriores à lavratura do lançamento tributário terão ou não relevância jurídica para a sua validade conforme existir previsão normativa para isso, já que, por definição, o ato administrativo resulta de manifestação unilateral da vontade da autoridade administrativa, formada inquisitorialmente. Independentemente das informações prestadas pelo contribuinte, é dever legal da autoridade fiscal investigar unilateralmente para descobrir a existência da dívida tributária, quantificá-la e exigi-la, o que confirma o caráter inquisitorial de sua atuação, da qual resulta, em regra geral, um ato administrativo simples, quando a legislação não exige a homologação por uma autoridade superior para entrar em vigor (ato composto). A investigação inquisitorial administrativa – tal como a policial – tem a função de descobrir o que de fato ocorreu, diferenciando-se desta no dever jurídico que o contribuinte tem de colaborar com o Fisco, pois tem de confessar todos os fatos jurídicos tributáveis para não se incriminar, ao passo que o seu
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silêncio ou falta de colaboração constitui um crime, já que o investigado pela polícia pode silenciar para não se incriminar. Exigir que, na investigação inquisitorial, a vontade do órgão fiscal se manifeste através de um procedimento é uma decisão discricionária da autoridade administrativa, ou do legislador, que não afeta a natureza do lançamento tributário.
14. EXISTÊNCIA DO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
Nada impede, entretanto, que uma determinada legislação tributária preveja a hipótese de um lançamento tributário preliminar, permitindo ao contribuinte, desta forma, uma oportunidade de se defender e demonstrar os eventuais erros existentes no ato administrativo em formação. Neste caso, a constituição do lançamento tributário definitivo está sujeita a um rito procedimental, já que a notificação do lançamento preliminar é um ato-condição para a validade da exigência do tributo pelo lançamento definitivo, gerando, consequentemente, para o contribuinte, um direito subjetivo de formular uma defesa após a notificação, válida, do lançamento preliminar e anteriormente à intimação para pagamento do tributo. Esta é uma hipótese em que o lançamento tributário, definitivo, é constituído através de um procedimento administrativo, em que existe a previsão legal de atos jurídico-administrativos preparatórios, necessários para a validade do lançamento tributário.
15. EFICÁCIA
DO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO
Cumprido o estágio de formação do lançamento tributário, após ser lavrado e assinado pela(s) autoridade(s) competente(s), seja um ato administrativo simples, composto ou procedimento, este passa a ter existência jurídica. Porém, só produzirá efeitos jurídicos (início de sua eficácia) após o contribuinte ser correta e validamente intimado a pagar a dívida tributária e com a devida notificação esclarecendo os motivos (a razão) de sua lavratura.
16. RELAÇÃO
JURÍDICA DE POTESTADE
A função da autoridade fiscal de compelir o contribuinte a pagar o tributo cria uma relação entre essas duas pessoas, que, por ser rigorosamente prevista
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na lei, com a especificação de deveres para ambos os sujeitos, deve ser caracterizada como uma relação jurídica, com características bem especiais, por ser uma relação jurídica de potestade (exercício de poder de polícia), a qual não deve ser confundida, entretanto, com uma relação de poder. A potestade administrativa (exercício de poder de polícia) utilizada pela autoridade fiscal na relação jurídica tributária tem sido confundida como uma relação de poder e, por isso, contestada por muitos tributaristas que defendem a tese de igualdade entre o Contribuinte e o Fisco numa relação jurídica obrigacional. A Fazenda Pública (Fisco), ao funcionar como um órgão da administração pública, com os poderes legais ou potestades especiais para a cobrança de tributos, qualifica de tal maneira a relação jurídica como o exercício de uma função administrativa, em que a atuação do Fisco, como sujeito ativo, se distingue de uma forma tão singular em comparação com a relação jurídica obrigacional que não se torna compatível, nem apropriado, equipará-la à atuação de uma pessoa comum (Caio) em uma relação jurídica obrigacional (com Tício) regida pelo direito privado. Em prefácio a um livro contendo ensaios de Hans Nawiasky, Klaus Vogel esclareceu o seguinte: Tão pouco há podido impor-se Nawiasky no problema de se a relação jurídica tributária entre o Estado e o cidadão devia considerar-se como relação de subordinação ou de igualdade. A doutrina tributária alemã atual não vê inconveniente algum para admitir que também a relação jurídica tributária como toda relação de Direito público entre Estado e cidadão seja considerada com a característica própria do Direito público consistente na subordinação do cidadão ao Estado.16
Não possuindo faculdades convencionais, porém somente aquelas delegadas por lei para o funcionamento de um órgão administrativo, não tem a autoridade fiscal qualquer direito subjetivo a invocar, (princípio da legalidade objetiva), nem interesse próprio a defender, (princípio da imparcialidade), restringindo-se ao estrito cumprimento do seu dever legal (princípio da oficialidade). O dever legal da autoridade fiscal de exigir (ordenar) do sujeito passivo da relação jurídica tributária o pagamento do tributo, conforme previsão legal, necessita, como já mencionado, de um ato jurídico de acertamento tributário,
16
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Hans Nawiasky. Cuestiones Fundamentales de Derecho Tributario. Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 1982, p. XIV.
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isto é, de um título jurídico (documento) dotado de certeza jurídica (acertamento) e de liquidez, seja constituído ou emitido pelo próprio devedor (contribuinte) ou pela Fazenda Pública. Como todo ato jurídico, o lançamento tributário torna-se completo, perfeito e acabado e/ou definitivo, quando a manifestação de vontade da autoridade fiscal atinge o seu objetivo que é, repita-se, exigir do (notificar o) contribuinte o valor do imposto, conforme acertamento jurídico e liquidação feitos pelo próprio órgão fiscal.
17. IMPERATIVIDADE
DO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO E O
PRINCÍPIO DO SOLVE ET REPETE
O lançamento tributário, como resultado ou consequência da aplicação da lei por uma autoridade (exercício de um poder de polícia, potestade ou poder legal), emite um comando, uma ordem, portanto tem força imperativa, no sentido de que deve ser cumprido incontinente pelo contribuinte, no prazo legal determinado nesse ato administrativo. A lição de Alberto Xavier é no sentido de que: [...] a supremacia da Administração se traduz na autoridade dos atos administrativos, a qual se exprime em dois planos distintos: no plano da emanação do ato, consiste na imperatividade, ou seja, no poder de, unilateral e imediatamente, produzir efeitos na esfera jurídica dos particulares; [...] Traduzindo-se a imperatividade na produção imediata de efeitos na esfera do particular, ela é apanágio dos atos que, envolvendo um poder dispositivo da Administração, sejam constitutivos de situações jurídicas ativas ou de situações jurídicas passivas, como as ordens, as imposições, as requisições e as desapropriações.17
Também no direito alemão: Os atos administrativos de caráter imperativo (befehlende Verwaltungsakte) contêm ordens ou interdições; eles obrigam a adotar um certo comportamento (agir, tolerar ou se abster de agir). Exemplo: uma decisão em matéria de taxação.18
17 18
Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro. 3a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 384/385. Hartmut Maurer. Droit Administratif Allemand. Paris: LGDJ, 1994, p. 215.
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A imperatividade dos atos administrativos traz como consequência natural, ou ordinária, que a inconformidade do destinatário da ordem emanada da autoridade fiscal (o contribuinte) somente possa se manifestar após o cumprimento dessa ordem, isto é, o pagamento do tributo, o princípio do solve et repete, não tendo, consequentemente, a impugnação (recurso ou reclamação) para retificar o ato administrativo, por natureza, efeito suspensivo.
18. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO A paralisação da cobrança, ou a suspensão da imperatividade do lançamento tributário em decorrência de um recurso oferecido pelo devedor, pode ser permitida pela autoridade competente para examinar a matéria recorrida, seja por obediência ao princípio da legalidade objetiva ou em decorrência de uma lei que tenha concedido o efeito jurídico de suspender a sua exigibilidade (imperatividade). Dois valores podem justificar a suspensão dos efeitos da imperatividade do lançamento tributário a fim de que os recursos administrativos sejam conhecidos sem necessidade do pagamento exigido, desde que, em contrapartida, seja oferecida uma suficiente garantia do devido cumprimento do dever jurídico tributário. Tendo em vista que o lançamento resulta de uma atividade administrativa regida pelo princípio da oficialidade, em que a autoridade deve perseguir a verdade real do fato gerador em um procedimento inquisitorial, sem exigência formal do direito de defesa (que não deve ser confundido com o direito ao contraditório, momento próprio regido pelo direito processual), esse direito de defesa somente terá sua oportunidade no momento do recurso, sendo justo ou equitativo que não seja agravado, originariamente, com o pagamento do crédito tributário, sem prejuízo, como já dito, da garantia do seu pagamento posteriormente. A outra razão para a amenização do solve et repete é a desproporcional quantidade de lançamentos errados que são anulados pelos Colegiados Fiscais, demonstrando não ser justa a exigência de garantia em dinheiro.
19. A
PROVISORIEDADE DO ATO ADMINISTRATIVO
O fato dos recursos administrativos possuírem o efeito jurídico de suspender a exigibilidade (imperatividade) do lançamento tributário, independentemente de qualquer garantia de instância, como está previsto
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atualmente no ordenamento tributário brasileiro, não pode ser entendido como uma característica de provisoriedade do ato administrativo. Todo e qualquer ato jurídico, seja ele administrativo ou negocial, possui a presunção de haver sido concluído em obediência aos ditames legais, isto é, um pressuposto de sua existência é a sua compatibilidade com as leis, permanecendo válidos até prova em contrário. A presunção de legalidade (validade) dos atos jurídicos negociais exige que estes sejam cumpridos, somente tendo os seus efeitos jurídicos interrompidos por decisão judicial ou, como é óbvio, por vontade dos contratantes. Também, a presunção de legalidade do lançamento tributário exigirá o seu cumprimento imediato, salvo uma ordem judicial em sentido contrário ou o depósito administrativo do valor do tributo que está sendo exigido, seguido do recurso para o exame de sua legalidade. Assim, a definitividade do lançamento tributário fica caracterizada com a regra do solve et repete, em que a imperatividade do ato administrativo exige o pagamento imediato do valor do tributo, restando ao contribuinte provar a invalidade da cobrança e pedir a restituição do que foi pago indevidamente. Como o princípio do solve et repete tem o efeito de cercear o direito de defesa do contribuinte, o pagamento prévio foi substituído pelo depósito prévio ou outra garantia de instância ou, até mesmo, a possibilidade de recurso sem qualquer garantia de instância, dando, então, uma falsa impressão de provisoriedade ao lançamento tributário. Seja como for, os atos jurídicos praticados pelo administrador público estão sempre sujeitos a serem questionados pelas pessoas compelidas a cumprirem a lei, direito de petição este que, de alguma forma, adia o cumprimento compulsório da ordem da autoridade administrativa, confundindo a eficácia do ato jurídico perfeito e acabado com a eficácia do ato jurídico perfeito e acabado do qual não caiba mais qualquer recurso administrativo. Pode-se concluir, então, que o procedimento administrativo de “revisão da legalidade” do lançamento tributário, por provocação do contribuinte, tem a função de confirmar a legalidade de um ato administrativo perfeito ou acabado, ou de retificar ou invalidar este ato jurídico praticado pela administração fazendária, na medida dos erros ou vícios existentes na sua formação.
20. LANÇAMENTO
PRESUNTIVO OU POR ESTIMATIVA
Apesar de ser uma atividade administrativa estreitamente ligada aos ditames legais, as dificuldades operacionais para identificar quer a conduta
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tributável, quer o seu valor em moeda, permitem à autoridade fiscal o uso de potestade discricionária para a adoção de bases presuntivas para a fixação do valor tributável. As condutas tributáveis praticadas pelos contribuintes devem ser representadas em documentos e registradas em livros de contabilidade pelos próprios. Esses documentos e registros contábeis representativos do fato gerador tributário têm o valor jurídico de indícios dos fatos representados, tendo em vista que: [...] o comerciante assume a paternidade dos registros, assentamentos ou lançamentos constantes dos seus livros mercantis, quer escritos própria manu quer alia manu. Daí a primeira conclusão: os livros mercantis, ou melhor, o que deles consta, faz prova contra o seu proprietário.19
Como indícios que são, os documentos escriturados pelo contribuinte ou por sua ordem fazem prova, sempre, em seu desfavor, com base na presunção de que ninguém vai produzir uma prova contra si, conforme ensinou Teixeira de Freitas: “É regra universal que todo instrumento particular faz prova contra quem o escreveu ou mandou escrever”20. Não é correto, então, afirmar-se que os documentos que dão suporte aos registros contábeis são a prova direta para efeito da veracidade da conduta tributável praticada pelo contribuinte21. Por outro lado, o valor de muitas operações comerciais é objeto de registro em Bolsas de Mercadorias, Revistas Especializadas etc., servindo a frequência estatística dessas operações como base para a fixação de um valor estimado ou presuntivo pela autoridade fiscal, para efeito de exigência do tributo. Essas “pautas de valores mínimos”, “planta de valores”, “preços de referência” etc., por decisão discricionária das autoridades fiscais, devem ser adotadas, compulsoriamente, pelos contribuintes, ressalvado o direito destes, em momento
19 20 21
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Trajano de Miranda Valverde. Força Probante dos Livros Mercantis. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 60/61. Em Aditamentos ao Código do Comércio, 1978, Rio de Janeiro: Tip. Perseverança, Vol.I, p. 397, apud Trajano de Miranda Valverde. obra acima, p. 61. “É princípio geral que ninguém pode constituir título de prova em favor de si mesmo, porque é justificável a suspeita de que quem afirma, ou negue, um dado de fato o faça, ainda que contra a realidade,porém unicamente para favorecer seu próprio interesse.” (Messineo F. Manuale di Diritto Civile e Commerciale. Milão: Giuffrè, 1950, vol.I, p. 611, apud Filippo Gazzerro. La Dichiarazione Tributaria nell´Accertamento e nel Contenciozo. Milão: Giuffrè, 1969, p. 91.).
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oportuno, de provar o verdadeiro valor da operação que praticou e sua adequação com a lei tributária pertinente. Esses valores estimados ou presumidos não são (ou não podem ser) fixados arbitrariamente pela autoridade fiscal, que, na sua elaboração, deve levar em consideração os fatos indicativos mais próximos possíveis da realidade, e somente são apropriados para os impostos que incidem sobre operações individualizadas. No caso do imposto de renda das empresas, cuja base de cálculo é um somatório de operações registradas nos livros comerciais e fiscais, determina a legislação brasileira que a escrituração contábil deve ser levada em consideração pela autoridade fiscal, salvo prova de erros ou vícios insanáveis ou de falsidade(s) que desmereçam a veracidade dos registros efetuados. Provada pela fiscalização, a infidelidade da escrituração contábil é a mesma desconsiderada para efeito de apuração do lucro tributável (lucro real), havendo previsão legal fixando outras alternativas para apuração de um lucro (receita) tributável, que nada tem de semelhante com um valor estimado ou presumido. A desconsideração do lucro contábil por vício insanável ou falsidade (desclassificação da escrituração) permite que a autoridade fiscal adote um “mal denominado” lucro arbitrado, que nada mais é do que substituir o lucro contábil pela receita bruta, ou pelos ativos pertencentes à empresa, ou por outros valores expressamente autorizados em lei, não se caracterizando uma tributação por presunção. A tributação com base em valores estimados ou presumidos caracteriza uma presunção relativa, já que sempre tem direito o contribuinte a fazer prova em contrário, demonstrando a verdadeira base de cálculo do tributo. Em obediência ao princípio da legalidade, o lançamento deve descrever (representar) a conduta tributável com fidelidade à conduta real praticada pelo contribuinte, já que é a causa impulsiva ou motivadora da emissão desse ato administrativo-tributário. O princípio da legalidade exige que o lançamento tributário obedeça à verdade material, não sendo válido, portanto, a utilização de presunções absolutas ou ficções legais, em que a verdade descrita no lançamento tributário é meramente estimada ou presumida, sem que posteriormente seja realizado um encontro de contas para apurar qual foi o real valor da operação tributada. Nem sempre a autoridade fiscal consegue descobrir toda a conduta praticada pelo contribuinte, sendo válido, neste caso, que o lançamento tributário exija o pagamento do tributo na proporção dos indícios averiguados, que não podem ser desprezados, sob pena de responsabilidade funcional.
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Em direito comparado, algumas legislações tributárias permitem um lançamento tributário resultante de uma transação entre a autoridade fiscal e o contribuinte, quando são descobertos alguns indícios de sonegação fiscal, em quantidade não suficiente para revelar toda a verdade material22. Esse tipo de transação não é compatível com o direito brasileiro, em que o princípio da verdade material, conjugado com o direito de petição, permite ao contribuinte, sempre, questionar a validade do ato administrativo.
21. REFORMA
DO LANÇAMENTO E SUA PRECLUSÃO
O lançamento tributário é um documento (título jurídico) de acertamento jurídico formal, produzido por uma autoridade fiscal, pois é um ato jurídico declaratório de uma verdade ao representar o fato gerador, fazer a sua avaliação jurídica e liquidar a dívida. Para produzir certeza, para ser um acertamento jurídico, é necessário que tenha alguma estabilidade no mundo jurídico até que se torne definitivo ou imutável. São definitivos, por natureza, os atos jurídicos declaratórios de uma vontade, os acertamentos materiais, ao passo que uma declaração de verdade pode ser retificada, num prazo preclusivo, quando se descobrir algum erro. Descobrindo a autoridade fiscal novos fatos que demonstrem a insuficiência do valor da dívida tributária liquidada no lançamento originário, poderá emitir um lançamento complementar com nova valoração jurídica, se for o caso, suplementando o valor devido, em um prazo preclusivo de cinco anos, salvo dolo, fraude ou simulação, ou alguma confissão que tenha o efeito de interromper esse prazo. Já a certeza jurídica concedida pela autoridade fiscal na valoração do fato gerador obedece a uma preclusão mais restrita, pois, se não houver recurso, o lançamento após notificado não poderá mais ser retificado, seja por mudança de critério jurídico (interpretação errada da lei), conforme artigo 146 do Código Tributário Nacional, ou por avaliação (qualificação) do fato averiguado23.
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Assim, na doutrina alemã, há quem admita transações (Vergleiche) relativamente àqueles casos – embora excepcionais – em que as autoridades fiscais estão legalmente autorizadas, em termos gerais, a moderar a prestação tributária por razões de equidade. (José Casalta Nabais. Contratos Fiscais. Coimbra Editora, 1994, p. 109). Mas se a autoridade lançadora conhecia, em toda a sua inteireza, os fatos, o erro será de direito ou de valoração jurídica do fato e, portanto, imutável o lançamento.O contribuinte que forneceu os elementos e prestou as declarações corretamente está protegido contra a mudança na interpretação daqueles fatos.(Ricardo Lobo Torres. obra citada, p. 575).
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22. LANÇAMENTO
POR HOMOLOGAÇÃO
O esgotamento do prazo preclusivo de cinco anos, sem que a autoridade fiscal emita um lançamento tributário referente a um determinado fato gerador para exigir um pagamento suplementar ao espontaneamente realizado pelo contribuinte, produz o efeito jurídico próprio de toda preclusão, decadência ou prescrição, que é a perda do prazo para invocar um determinado direito. Esgotado o prazo de cinco anos sem que seja realizado um lançamento tributário, que, por definição legal, é um ato administrativo, o efeito jurídico próprio da inércia da administração é que o pagamento realizado espontaneamente pelo contribuinte para extinguir a dívida tributária não mais poderá ser complementado pela autoridade fiscal, salvo dolo, fraude ou simulação. Desta forma, a dívida tributária não estará totalmente extinta, porém não mais poderá ser exigida pela autoridade fiscal, e, como toda dívida de dinheiro, o devedor poderá honrá-la para a extinção de todos os seus efeitos jurídicos24. A homologação do pagamento ou lançamento por homologação como definido no artigo 150 do Código Tributário Nacional é um fenômeno esdrúxulo ou extravagante, não podendo subsistir debaixo do mesmo epíteto do lançamento tributário, por serem realidades jurídicas antagônicas como bem lecionou Paulo de Barros Carvalho25. Ricardo Lobo Torres ensina que: A teoria do lançamento por homologação, como averbou Alberto Xavier, que foi quem melhor escreveu sobre o tema entrenós, é artificiosa. A Administração a rigor não pode homologar ato praticado por contribuinte, pois homologação entende sempre com o próprio ato administrativo [...]Finalmente, inexiste ato jurídico tácito da Administração, ocorrendo simplesmente a preclusão do poder de lançar em virtude da decadência.26
A averbação de Alberto Xavier foi a seguinte: Em conclusão do que se expôs, verifica-se que nunca há lugar a um verdadeiro lançamento na figura do “lançamento por homologação”: não há lançamento no “autolançamento” pretensamente efetuado pelo contribuinte, como pressuposto do pagamento, pois não existe
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Carlos da Rocha Guimarâes. Lançamento por Homologação. In: Revista de Direito Tributário, n° 31, São Paulo: RT, p. 146. Curso de Direito Tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 283. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 13ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 283.
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um ato administrativo; não há lançamento na “homologação expressa”, pois esta nada exige, apenas confirma a legalidade de um pagamento efetuado, a título de quitação; e não há lançamento na “homologação tácita”, que também não é um ato administrativo, mas um simples silêncio ou inércia produtor de efeitos preclusivos.27
Os artigos 150 e 205 tentam enquadrar um fenômeno típico do Direito Civil – a quitação –, que não é compatível com o direito administrativo tributário por ser um ato declaratório de uma vontade. A quitação e a transação são atos de uma pessoa que tem a liberdade de dispor de seu patrimônio, ao passo que a autoridade administrativa tem um mandato para exercer a sua função nos estritos termos da legislação pertinente, só manifestando a sua vontade dentro do campo da discricionariedade autorizado na lei.
23. CONCLUSÃO O dever jurídico tributário, como todo e qualquer dever jurídico, deve ser espontaneamente cumprido pelo contribuinte, não sendo necessário, nem imprescindível, um ato da autoridade administrativa impondo o pagamento, nem um ato de quitação. As autoridades administrativas, em geral, têm o poder outorgado em lei (potestade – exercício do poder de polícia) de investigar, fiscalizar ou inspecionar o cumprimento da lei no território a si destinado, podendo fazer um relatório dos fatos examinados, qualificando-os para o enquadramento na lei de regência e, se for o caso, deve especificar a consequência jurídica dos atos praticados e respectivas sanções legais. A denominação dada a este ato jurídico administrativo em nada afeta a sua substância ou seus efeitos. A inspeção administrativa sem a descoberta de alguma ilegalidade ou infração pode ser encerrada sem qualquer formalidade, significando, assim, que nenhuma irregularidade foi encontrada. Para o correto cumprimento da lei tributária pelos seus destinatários, a autoridade fiscal deve prestar orientação, indicando a legislação vigente (Consolidação), emitindo atos normativos e esclarecendo as eventuais dúvidas através da resposta às consultas formuladas.
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Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 91.
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Suspensão da Exigibilidade do Crédito Tributário
Edmar Oliveira Andrade Filho Doutor e Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP; Advogado em São Paulo.
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1. EXIGIBILIDADE
E
SUSPENSÃO
As hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário estão delineadas no artigo 151 do Código Tributário Nacional – CTN, que, depois de modificado pela Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, passou a ter o seguinte enunciado: Art. 151 – Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I – a moratória; II – o depósito do seu montante integral; III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança; V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; VI – o parcelamento.
A lei refere-se a um “crédito tributário exigível”, mas não indica que é exigibilidade e quando ela surge, o que admite supor que adota o vocábulo na acepção ordinária em que é normalmente empregada. Se olharmos unicamente para o texto do CTN e se estivermos comprometidos com a tese de que a exigibilidade do crédito tributário surge com o lançamento, então, seríamos forçados a concordar que a exigibilidade – que é um atributo do crédito, segundo a dicção do CTN – somente estaria caracterizada pelo lançamento tributário. Ocorre, porém, que a legislação tributária, na maior parte das vezes, estabelece um prazo para recolhimento dos tributos independentemente da existência de um lançamento tributário ou autolançamento. Em regra, o sujeito passivo apura o montante do tributo devido e faz o recolhimento e, somente depois, fornece as informações mencionadas no artigo 142 do CTN, que são imprescindíveis para a realização do lançamento tributário. Disto decorre que, acontecida a situação definida em lei como necessária e suficiente para a ocorrência do fato imponível, já existe a obrigação tributária que deve ser satisfeita após certo período de tempo e antes da formalização do lançamento. Há, portanto, prazo ou termo. Do ponto de vista jurídico, prazo significa termo. O termo, na lição de Vicente Ráo, é o evento futuro de tempo cuja verificação se subordina ao
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começo ou ao fim dos efeitos dos atos jurídicos1. Em termos pragmáticos, o “o prazo marca geralmente o vencimento da obrigação e a consequente exigibilidade da prestação2”; logo, o termo apenas suspende o exercício do direito3, e, de acordo com Galvão Telles4: Achando-se a obrigação sujeita a prazo, é inexigível durante a pendência deste. Enquanto o prazo estiver a decorrer, o credor não pode reclamar a realização da prestação, porque o prazo é concedido ao devedor justamente como lapso de tempo de que ele dispõe para cumprir.
Portanto, exigível é qualquer dívida vencida. Para que seja exigível, é necessário que uma dívida exista, ou seja, que tenha sido gerada em relação jurídica não mais sujeita a condição e advinda de um fato anterior previsto em norma (geral ou contratual) o qual estabeleça que alguém deva cumprir uma dada prestação. Se existe um prazo assinalado para que tal prestação seja cumprida, parece óbvio que, antes do seu transcurso, ela não se torna exigível. Assim, a exigibilidade é uma decorrência lógica e necessária do vencimento de uma obrigação validamente constituída. O vocábulo “exigibilidade” é frequentemente encontrado no Direito Administrativo para fazer referência a um atributo do ato administrativo que diz respeito ao seu poder de cumprir a sua finalidade, como prevista em lei. Para Diogenes Gasparini5, exigibilidade é: [...] a qualidade do ato administrativo que impele o destinatário à obediência das obrigações por ele impostas, sem necessidade de qualquer apoio judicial”. Esse atributo diz respeito ao caráter decisório ou constitutivo do ato para interferir no âmbito social: por exigibilidade (ou obrigatoriedade) deve entender-se o fato de que o ato administrativo deve ser respeitado como válido por todos, particulares ou autoridades, enquanto viger.6
Note-se que o CTN faz referência à “suspensão” da exigibilidade; o texto normativo admite, portanto, que exista uma dívida exigível que tenha esse atributo (exigibilidade) suspenso.
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RÁO, Vicente. Ato jurídico. 4. ed. São Paulo: RT, 1997, p. 307. VARELA, Antunes. Direito das obrigações. v. 2. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 41. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 1, 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 368. TELLES, Inocêncio Galvão. Direito das obrigações. 6. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1989, p. 236. GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 64. FORSTHOFF, Ernst. Tratado de derecho administrativo. 1. ed. Madri: Instituto de Estudios Politicos, 1958, p. 346.
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486 - SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
Em sentido comum, suspender significa paralisar algo em andamento. A suspensão difere da interrupção porque nesta há término de um vínculo jurídico, ao passo que, naquela, o vínculo permanece, mas os efeitos que lhes são próprios não são produzidos em face da incidência da norma que determina a suspensão. As causas suspensivas da exigibilidade do crédito tributário mencionadas no artigo 151 do CTN, quando ocorrem, “têm a função de sustar a exigibilidade do crédito, isto é, de suspender a possibilidade de ser o crédito exigido, cobrado judicialmente”7. Portanto, a exigibilidade existe desde o instante do vencimento da obrigação tributária e a norma que impõe a suspensão da exigibilidade pressupõe a existência dessa mesma exigibilidade: afinal, só se suspende algo que existe concretamente. O advento da causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário produz um importante efeito no mundo jurídico: ela torna inexigível – ainda que por algum tempo – o cumprimento da obrigação tributária e retira do crédito correspondente a possibilidade de legitimar a execução forçada em juízo. A suspensão decorre da norma – precisamente da norma do artigo 151 do CTN – que interfere no campo material de outra ou outras normas para impedir que elas – as quais garantem o direito do credor – produzam os efeitos que lhes são próprios; assim sendo, ao incidir, a norma que prescreve a suspensão encerra uma proibição da exigência da prestação e, ao mesmo tempo, paralisa o direito que o credor tem de ajuizar ação executiva para cobrança do débito. Em suma, a suspensão opera no campo da eficácia8 da norma atributiva do poder de exigir determinada prestação; é fenômeno que recorta o campo de eficácia da norma que estabelece a obrigação tributária, tornando-a inaplicável enquanto a norma suspensiva tiver força normativa. Rigorosamente, a lex posteriori – aquela que prescreve a suspensão da exigibilidade – paralisa, sem revogá-la, os efeitos da norma que embasa a mencionada exigibilidade. Neste caso, a obrigação subsiste, mas não pode produzir os efeitos que lhes são próprios, posto que o devedor não pode ser compelido a cumpri-la (tem o direito subjetivo de não cumprir) enquanto viger a norma atributiva da suspensão; o credor, por sua parte, não pode lançar mão dos instrumentos que a ordem jurídica lhe outorga para compelir o devedor a satisfazer a dívida.
7 8
VIEIRA, Maria Leonor Leite. A suspensão da exigibilidade do crédito tributário. 1. ed. São Paulo: Dialética, 1997, p. 38. Sobre os diversos planos de uma norma jurídica, vide: GRECO, Marco Aurélio, e, PONTES, Helenilson Cunha. Inconstitucionalidade da lei tributária: repetição do indébito. 1. ed. São Paulo: Dialética, 2002, p. 21-25; ALMEIDA, F. Henrique Mendes de. Os atos administrativos na teoria dos atos jurídicos. 1. ed. São Paulo: RT, 1969, p. 37.
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2. CAUSAS DE SUSPENSÃO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
DA
EXIGIBILIDADE
DO
2.1. MORATÓRIA E PARCELAMENTO A moratória, pela própria natureza, implica na dilatação do prazo para pagamento do tributo. Com efeito, o artigo 154 do CTN dispõe que, salvo disposição de lei em contrário, a moratória somente abrange os créditos definitivamente constituídos à data da lei ou do despacho que a conceder, ou cujo lançamento já tenha sido iniciado àquela data, por ato regularmente notificado ao sujeito ativo. Os parcelamentos de débitos são considerados espécie de moratória. A Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, estabelece que a concessão de parcelamento requer lei específica e, salvo disposição de lei em contrário, a sua concessão não exclui a incidência de juros e multas. Lei específica é diploma normativo promulgado que contenha exclusivamente matéria atinente ao assunto, sendo vedada a sua consideração no bojo de outro qualquer sob a rubrica “outras providências”. A Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, estipula que o parcelamento não exclui a incidência de juros. Note-se que o artigo 155-A do CTN admite a cobrança de juros que não são os de mora (o texto normativo não menciona a palavra “mora” como faz o artigo 161). Aqui há que se recordar que os juros podem ser compensatórios ou moratórios. Os juros compensatórios têm a finalidade de compensar o credor pelo uso de capital alheio e é devido em face do uso desse mesmo capital segundo o que dispuser a lei ou o contrato. A função de tais juros não é a reparar um dano, de modo que eles podem ser exigidos independentemente do inadimplemento da obrigação contraída. Os juros de mora, por sua vez, representam uma penalidade por ato ilícito em face do retardamento culposo do pagamento devido fora dos casos autorizados pelo ordenamento jurídico, isto é, eles são devidos como sanção por ato ilícito que causa dano ao credor. Desse modo, no caso de parcelamento, os juros exigidos não podem ser iguais – em percentual – aos exigidos pelos devedores que estão em mora; a igualdade vai contra a razoabilidade, porquanto não é razoável supor que um não-devedor (não importa se foi um) seja tratado da mesma maneira que um devedor9.
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Não entro no mérito, neste estudo, sobre a questão da validade ou invalidade da exigência de juros de acordo com a variação da SELIC. Sobre o assunto remeto ao meu: Infrações sanções tributárias. 1. ed. São Paulo, Dialética, 2003.
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2.2. DEPÓSITO DO MONTANTE INTEGRAL Quando o sujeito passivo resolve discutir a constitucionalidade ou legalidade de um tributo e não quer correr qualquer risco de natureza financeira, pode efetuar o depósito do montante integral do valor do crédito tributário cuja exigibilidade queira ver suspensa. O depósito pode ser feito perante o poder judiciário, no bojo de uma ação judicial, ou perante a administração. O texto do CTN faz referência a depósito sem qualificar a natureza dele, o que tem gerado controvérsias sobre a possibilidade de se efetuar depósito em bens que não dinheiro. A ausência de determinação legal para que os depósitos sejam feitos exclusivamente em dinheiro permite, ou ao menos não proíbe, que a autoridade judiciária, no exercício de seu poder de cautela, acolha pedidos de prestação de garantia em outros bens que não dinheiro. Pelos menos dois diplomas normativos, se interpretados de forma integrada com a regra especial contida no CTN, admitem tal possibilidade. O artigo 827 do Código de Processo Civil estabelece que, quando a Lei não determinar a espécie de caução, esta poderá ser prestada mediante depósito em dinheiro, papéis de crédito, títulos da União, ou dos Estados, pedras e metais preciosos, hipoteca, penhor e fiança. Portanto, a exigência de depósito em dinheiro deveria estar prevista em lei e não ser forjada pela jurisprudência num contexto normativo que: (a) exige lei para os casos especiais não previstos no Código; e (b) admite, ostensivamente, que outros bens sejam utilizados para garantir o juízo da execução. Além disso, há, no campo tributário, a Lei nº 6.830/80, que prevê, em seu artigo 9º, que, para a garantia da execução, o devedor poderá oferecer uma série de bens, e não só dinheiro. No plano federal, a exigência de depósito em dinheiro decorre do disposto no art. 1º do Decreto-lei nº 1.737/ 79 e também do art. 1º da Lei nº 9.703/98. A jurisprudência dos tribunais judiciais e administrativos é no sentido de que, se não houver depósito em dinheiro, não se opera a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, exceto se for deferida medida liminar em Mandato de Segurança ou Tutela Antecipada em outras espécies de ações judiciais, porque, nesses últimos casos, o efeito suspensivo encontra fundamento de validade nos incisos I e V do art. 151 do CTN. Sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça – STJ editou a Súmula nº 112, que tem o seguinte enunciado: “o depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro”. Tal entendimento não nos parece razoável e de boa juridicidade. De fato, o inciso II do art. 151 do CTN não exige que o depósito seja feito em dinheiro,
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isto é, o texto não utiliza o vocábulo “dinheiro”, o que permite inferir que o seu sentido normativo admite outras formas de depósito dentre as previstas no ordenamento jurídico. Portanto, o STJ interpreta esse preceito de forma restritiva sem que existam boas razões para isso. Talvez essa interpretação sofra influências do disposto no § 4º do art. 9º da Lei 6.830/80, segundo o qual “somente o depósito em dinheiro faz cessar a responsabilidade pela atualização monetária e juros de mora”. A aplicação desse preceito, dirigido apenas aos casos de execução judicial da dívida, não deveria, sem justa razão, ser estendida às demais hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
2.3. RECLAMAÇÕES E RECURSOS ADMINISTRATIVOS Na forma do inciso III do art. 151 do CTN, suspendem a exigibilidade do crédito tributário as reclamações e recursos, feitas nos termos das leis reguladoras do processo administrativo tributário. Via de regra, as reclamações e os recursos, também denominados impugnações, defesas, pedidos de retificação etc., decorrem da imposição de auto de infração ou documento equivalente firmado pela administração em caso de constatação da existência de tributo vencido e não pago. As reclamações e os recursos administrativos são partes do procedimento que visa a aperfeiçoar o lançamento tributário, nas hipóteses em que ele é feito ou revisto pela administração. A aplicação conjugada do artigo 142 com o artigo 145 do CTN permite inferir que o lançamento tributário não torna definitivo senão quando definidas, no tempo e no espaço, as situações previstas nos incisos I a III do artigo 145, em que estão antecipadas as circunstâncias as quais ele pode sofrer ou vicissitudes de modo a modificá-lo ou mesmo determinar a sua desconstituição. Dispõe o artigo 145 do CTN: Art. 145 – O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de: I – impugnação do sujeito passivo; II – recurso de ofício; III – iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo 149.
O texto transcrito faz referência a “lançamento regularmente notificado” no pressuposto de que há um lançamento já definitivo que pode ser alterado. Na verdade, quando o sujeito passivo é intimado para pagar o débito ou
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contestar o auto de infração, este não é o lançamento definitivo; é uma mera proposta ou etapa do lançamento. Os efeitos jurídicos da proposta de lançamento não são definitivos até que se opere a preclusão prevista no artigo 145 do CTN, por inércia do contribuinte (inciso I) ou da autoridade administrativa (incisos II e III). Há casos em que o lançamento (chamado “autolançamento”) é feito pelo próprio sujeito passivo que declara o quantum devido e a administração tributária pode rever esse lançamento e iniciar o contencioso administrativo, sendo facultado ao sujeito passivo rever o anteriormente informado, se for o caso. Há que se considerar que boa parte da doutrina considera que o lançamento, como ato privativo da administração, para adotar a expressão do CTN, é sempre exigível, mesmo que exista o chamado “autolançamento”, porque a sua supressão poderia implicar na ofensa ao princípio do devido processo legal10. Enquanto o processo não termina definitivamente, há suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Assim, a norma suspensiva da exigibilidade produz efeitos enquanto são percorridos todos os caminhos de que dispõem a administração ou o sujeito passivo para demonstrar a existência, ou a inexistência, da relação jurídico-tributária indicada na proposta de lançamento.
2.4. LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA A concessão de liminar em mandado de segurança, como medida suspensiva da exigibilidade do crédito tributário, é de típica aplicação em hipóteses em que a obrigação tributária ainda não está vencida, mas pode também abranger casos em que há tributo vencido. O direito positivo brasileiro admite a modalidade do mandado de segurança preventivo de modo que, para que possa lançar mão desse instrumento, basta que o sujeito passivo tenha praticado os fatos descritos na hipótese de incidência tributária ou se encontre em estado de sujeição. A exigibilidade plena (= possibilidade de execução da dívida) virá, se for o caso, com a superveniência da decisão contrária aos argumentos apresentados pelo sujeito passivo. Essa decisão pode ocorrer no curso do processo, com a cassação da liminar anteriormente concedida. Há que afastar, desde logo, as considerações sobre o efeito retro-operante da decisão que cassa a liminar para justificar a exigência dos juros de mora durante o período da suspensão da
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Vide, por todos: XAVIER, Alberto. A execução fiscal nos tributos de lançamento por homologação. In: Revista Dialética de Direito Tributário nº 25, p. 7.
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exigibilidade do crédito tributário, com base na Súmula nº 405 do Supremo Tribunal Federal. De fato, os julgados que deram origem à referida Súmula são anteriores ao advento do CTN e do Código de Processo Civil, e admitir a anulação da liminar com efeitos ex tunc seria o mesmo de negar a juridicidade do ato judicial que determinou a concessão da medida liminar11. Seria negar, também e principalmente, a eficácia e a validade da norma do art. 151 do CTN. O STF já decidiu que a aplicação da Súmula nº 405 deve ser feita cun grano salis quando considerou que a Medida Liminar mandamental tem, pelo menos, efeitos equivalentes ao de uma consulta escrita, em que não são exigidos juros ou multas mora12. Existem dúvidas se o advento de sentença favorável ao sujeito passivo que confirme os termos de eventual Medida Liminar anteriormente concedida mantém ou não a suspensão da exigibilidade do crédito tributário. A questão deve ser resolvida com o concurso das normas processuais em vigor. Assim, havendo sentença favorável ao contribuinte e, portanto, contrária à Fazenda Pública, há o recurso de ofício previsto na Lei processual (artigo 475 do Código de Processo Civil), que tem efeito apenas devolutivo; ou seja, a matéria pode e deve ser integralmente reexaminada pelo Tribunal competente, que pode manter ou reformar os termos da sentença. O artigo 475 do Código de Processo Civil tem o seguinte enunciado: Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público”.
Esse preceito, a rigor, não permite que o credor ajuíze a execução; de fato, essa possibilidade só haveria caso o efeito do reexame fosse suspensivo.
2.5. LIMINAR EM AÇÃO CAUTELAR OU TUTELA ANTECIPADA Na redação original, o art. 151 do CTN não admitia a suspensão da exigibilidade do crédito tributário pela obtenção de medida liminar em ação cautelar ou de tutela antecipada. Algumas decisões judiciais, no entanto, admitiam esse efeito com base no poder de cautela da autoridade judiciária
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A respeito: XAVIER, Alberto. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 459. Recurso Extraordinário nº 80.256 – SP.
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previsto no artigo 798 do Código de Processo Civil, e também por força do o artigo 62 do Decreto nº 70.235/72, em casos envolvendo tributos federais. Com o advento da Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, essas disputas tiveram fim, já que ela passou a admitir a suspensão da exigibilidade do crédito tributário com base em medida liminar e tutela antecipada em ações judiciais de qualquer espécie.
2.6. OUTRAS HIPÓTESES DE SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO A rigor, o artigo 151 do CTN não esgota todas as questões em torno do tema “suspensão da exigibilidade do crédito tributário”. Assim, por exemplo, o crédito tributário, em certas circunstâncias13, não pode ser exigido nos casos em que sujeito passivo tenha apresentado Consulta e que esta esteja pendente de apreciação. O CTN nada diz a respeito do assunto, exceto para afirmar, no parágrafo 2º do artigo 161, que os juros de mora não podem ser exigidos no período de pendência de consulta formulada pelo devedor dentro do prazo legal para pagamento do crédito. A formulação de consulta perante os órgãos da administração é direito fundamental de petição plasmado no texto constitucional. Para Pontes de Miranda: [...] o direito de petição, que consiste em poder-se requerer, observar e reclamar contra autoridades, ou denunciar abuso delas, mediante petição, não se exerce só perante o Poder Legislativo, nem, tampouco, só perante o Poder Executivo, ou só perante o Poder Judiciário. Assim, cabem em matéria administrativa.14
Em igual sentido, José Afonso da Silva afirma que o direito de petição habilita ou legitima a ação de uma pessoa no sentido de “invocar a atenção dos poderes públicos sobre uma questão ou uma situação”15. Uma outra hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito não contemplada no artigo 151 do CTN é aquela que diz respeito à concessão de medidas cautelares e liminares em processos de controle abstrato da
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No âmbito federal, o artigo 62 do Decreto nº 70.235 e o artigo 48 da Lei nº 9.430/96. MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. 3. ed. v. 5. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 628. SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 387.
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constitucionalidade de leis e atos normativos ajuizados perante o Supremo Tribunal Federal – STF, por intermédio de Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN, Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC e Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF. Na forma do § 1º do art. 11 da Lei nº 9.868/99, a medida cautelar em ADIN, se concedida, terá eficácia contra todos e com efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa. A concessão da liminar, neste caso, suspende a eficácia da norma impugnada, conclusão a que se chega a partir da regra do § 2º do art. 11 da referida Lei, segundo o qual “a concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa disposição em sentido contrário”. A medida cautelar, nesse caso, tem dois efeitos: (a) restaura a vigência da lei anterior, se existente, salvo expressa manifestação em contrário; e (b) suspende, até o julgamento final da ação, os efeitos da norma contestada. No que concerne aos efeitos da medida cautelar em ADC, há incidência do art. 21 Lei nº 9.868/99, que tem a seguinte redação: Art. 21 O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, consistente na determinação de que juízes e os tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo.
Como visto, o deferimento da liminar, nesse caso, traduz norma jurídica que obriga juízes e tribunais a obstarem o julgamento dos processos que versem sobre a aplicação da norma impugnada. Por conseguinte, a norma que está sendo contestada em ADC não deixa de produzir os efeitos que lhes são próprios, o que inclui a revogação de normas anteriores, se for o caso. Por outro lado, o escoamento do prazo de 180 dias para julgamento da ADC, previsto na parte final do parágrafo único do art. 21 da Lei nº 9.868/99, em nada interfere nas relações jurídicas estabelecidas com base na lei contestada, porque o único efeito da perda da eficácia da medida liminar é tornar sem efeito a regra proibitiva dos julgamentos dos processos judiciais em que ela (a lei contestada) esteja sendo discutida. Sobre a concessão de medida liminar em ADPF, é aplicável o art. 5º da Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999, que tem a seguinte redação: Art. 5º O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na arguição de descumprimento de preceito fundamental. § 3º A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais,
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ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.
A medida liminar, neste caso, poderá consistir: (a) na determinação para que juízes e tribunais suspendam o andamento de processos ou suspendam os efeitos de decisões judiciais baseados na norma impugnada; ou (b) pode, ela mesma, determinar que adotada qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrente da coisa julgada. Portanto, é possível, ao menos em tese, que a decisão suspenda também a eficácia da norma impugnada, bastando que a decisão faça expressa referência a esse efeito. As diferentes consequências decorrentes das concessões de medidas liminares em ações ajuizadas perante o STF têm, igualmente, diferentes consequências no campo das regras que regulam a suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Assim, se há suspensão da eficácia da norma impugnada, ela não produz os efeitos que lhes são próprios, exceto, se for o caso, a restauração da vigência da norma anterior. Quando há suspensão da eficácia da norma impugnada, ela não obriga, proíbe ou permite alguma coisa. Efeitos diferentes ocorrem quando há simples suspensão do curso de processo judicial. Nesses casos, a norma impugnada continua a ser eficaz e a produzir os efeitos que lhes são próprios. Por outro lado, pode ocorrer que a medida liminar determine a suspensão dos efeitos de eventual decisão judicial, baseada na norma impugnada. Nestas circunstâncias, essa suspensão produz os mesmos efeitos das causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, acima analisadas. De fato, a decisão judicial é norma individual e concreta que estabelece um dever-ser sob pena de sanção. A suspensão dos efeitos da norma individual e concreta implica recorte do dever-ser nela estipulado e ela deixa de obrigar, permitir ou proibir, o que implica a impossibilidade material de violação dela durante o período da suspensão.
3. SUSPENSÃO
DA
EXIGIBILIDADE: DECADÊNCIA PRESCRIÇÃO
Há uma antiga discussão acerca da fluência ou não dos prazos de decadência no curso do período em que há suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Há decadência quando a administração não logra realizar a constituição definitiva do crédito tributário em determinado prazo. Em razão do perecimento do direito, o sujeito ativo da relação jurídica tributária (o Estado, em sentido amplo) deixa de ter o direito ao crédito tributário. A inércia do
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sujeito ativo durante o prazo de decadência estipulado em lei acarreta-lhe uma sanção consistente na perda do direito de arrecadar o tributo. A jurisprudência atual parece inclinada a declarar que, em certas circunstâncias, há fluência do prazo para lançamento tributário durante o período em que houver a suspensão da exigibilidade do crédito. Em 08 de junho de 2005, a 1ª Seção do STJ, julgando o ERESP nº 572.603 – PR (Diário de Justiça da União de 05.09.2005), decidiu: 3. A suspensão da exigibilidade do crédito tributário na via judicial impede o Fisco de praticar qualquer ato contra o contribuinte visando à cobrança de seu crédito, tais como inscrição em dívida, execução e penhora, mas não impossibilita a Fazenda de proceder à regular constituição do crédito tributário para prevenir a decadência do direito de lançar. 4. Embargos de divergência providos.
Pesou a favor da tese acima exposta o fato de que o caput do artigo 63 da Lei nº 9.430/96 estabelece que: “não caberá lançamento de multa de ofício na constituição do crédito tributário destinada a prevenir a decadência, relativo a tributos e contribuições de competência da União, cuja exigibilidade houver sido suspensa na forma do inciso IV do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966”. Ora, a norma em questão – como, de resto, todas as normas – só opera no campo do possível; deste modo, ao regular os efeitos do lançamento tributário para prevenir a decadência, a norma está a dizer que o lançamento pode ser realizado com esta finalidade. Desse modo, se a administração queda-se inerte, deve sofrer as consequências da norma que instituiu a decadência, sendo irrelevante a existência de ação judicial em andamento. Um eventual óbice para o exercício do direito só poderia ocorrer em razão de norma individual e concreta editada por juiz ou tribunal do feito (da ação em andamento), levando-se em consideração as circunstâncias fáticas e jurídicas do caso concreto. Não é usual a edição de uma norma com esse mandamento em razão do fato de que o Poder Judiciário não pode suprimir o direito que a administração tem de realizar o lançamento tributário, na forma da Lei e do Direito. No que concerne à prescrição, a matéria deve ser analisada levando-se em consideração o disposto no parágrafo único do artigo 174 do CTN. De acordo com este preceito, a prescrição se interrompe: (a) pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (b) pelo protesto judicial; (c) por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; e (d) por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.
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Extinção do Crédito Tributário
Edmar Oliveira Andrade Filho Doutor e Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP; Advogado em São Paulo
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1. EXTINÇÃO
DO
CRÉDITO
E DA
RELAÇÃO TRIBUTÁRIA
O nascimento da obrigação tributária – e do crédito tributário que constitui a sua contrapartida – tem como fonte uma relação jurídica que se forma a partir da incidência de uma norma (ou um conjunto de normas) sobre um fato. Em sentido lato, relação jurídica é um produto da incidência de normas jurídicas sobre condutas humanas1. Em sentido estrito, relação jurídica, de acordo com Manuel Domingues Andrade2, “vem a ser a unicamente a relação da vida social disciplinada pelo direito, mediante a atribuição a uma pessoa (em sentido jurídico) de um direito subjetivo e a correspondente imposição a outra pessoa de um dever ou uma sujeição”. Importante para tema central deste estudo é o objeto da relação jurídica de caráter tributário. De acordo com Orlando Gomes, “objeto da relação obrigacional é a prestação, o comportamento do devedor, não se devendo confundir esse elemento constitutivo com o conteúdo, que se define pela relação débito-crédito”3. Em igual sentido, Antunes Varela4 observa que o objeto da obrigação é a “prestação debitória” ou a “ação ou omissão que o devedor fica adstrito e que o credor tem o direito de exigir”. No âmbito tributário, o comportamento que é exigido do sujeito passivo constitui um dever: o dever de prestar, o qual, em face do disposto no parágrafo 1o do artigo 113 do CTN, é levar ou transferir dinheiro (ou algo equivalente, na forma da lei) ao Tesouro para realizar o pagamento do tributo ou penalidade pecuniária, no prazo assinalado na legislação tributária. O preceito citado faz menção ao “pagamento”; todavia, o conteúdo do dever não se resume a isto; a regra não pode ser interpretada com desprezo da norma do artigo 156, que trata de outras formas de extinção do credito tributário. Portanto, o dever de pagar, na verdade, constitui um dever de tomar as providências que estejam ao seu alcance para extinguir o crédito tributário. Pode ocorrer, no entanto, que a extinção ocorra por ato não imputável ao
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TUHR, Andreas Von. Derecho civil: teoria general del derecho civil alemán. tomo 1. 1. ed. Buenos Aires: Depalma, 1946, p. 155. ANDRADE, Manuel A. Domingues de. Teoria geral da relação jurídica. v. 1. 1. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 2. No mesmo sentido: PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria geral do direito civil. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1992, p. 167. GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 1. ed. São Paulo: RT, 1967, p. 150. VARELA, Antunes. Direito das obrigações. v. 1. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 70.
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devedor; assim, pode ocorrer a decadência, a prescrição, e pode ocorrer que o valor venha a ser modificado em razão de anistia ou remissão ou qualquer outra forma prevista em lei.
2. AS FORMAS
DE
EXTINÇÃO
DO
CRÉDITO TRIBUTÁRIO
Com as modificações introduzidas pela Lei Complementar nº 104/01, o artigo 156 do Código Tributário Nacional passou a ter a seguinte redação: Art. 156. Extinguem o crédito tributário: I – o pagamento; II – a compensação; III – a transação; IV – remissão; V – a prescrição e a decadência; VI – a conversão de depósito em renda; VII – o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º; VIII – a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164; IX – a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória; X – a decisão judicial passada em julgado. XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. Parágrafo único. A lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observado o disposto nos artigos 144 e 149.
Uma análise perfunctória das causas legais de extinção do crédito tributário revela que elas podem decorrer do cumprimento da obrigação – consistente na efetiva realização da prestação devida – ou em razão de perecimento de direito do credor e, ainda, em razão de: (a) pronunciamento judicial ou administrativo, na forma da lei; e (b) advento de fato posterior ao estabelecimento da relação jurídica.
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2.1. DO PAGAMENTO O pagamento é uma forma de extinção do crédito tributário pelo cumprimento da prestação devida. De acordo com o caput do artigo 157 do CTN, a imposição de penalidade não ilide o pagamento integral do crédito tributário. O preceito em questão está a dizer que a imposição de uma penalidade não substitui (não extingue) a obrigação de pagar o valor do crédito tributário legalmente determinado e apurado na forma da Lei. O artigo 158 do CTN afirma categoricamente que o pagamento de um crédito não importa em presunção de pagamento: (a) quando parcial, das prestações em que se decomponha; e, (b) quando total, de outros créditos referentes ao mesmo ou a outros tributos. Acerca do modo de cumprimento da obrigação tributária, o artigo 159 do CTN estipula que, na falta de definição legal (quando a legislação tributária for omissa), o pagamento deve ser efetuado na repartição competente do domicílio do sujeito passivo. Normas acerca do modo de cumprimento da obrigação constam do artigo 162 do mesmo CTN. De acordo com este preceito, o pagamento deve ser feito: I – em moeda corrente, cheque ou vale postal; II – nos casos previstos em lei, em estampilha, em papel selado, ou por processo mecânico. A legislação tributária pode determinar as garantias exigidas para o pagamento por cheque ou vale postal, desde que não o torne impossível ou mais oneroso que o pagamento em moeda corrente. O crédito pago por cheque somente se considera extinto com o resgate deste pelo sacado. O artigo 164 do CTN disciplina um modo especial de pagamento: aquele é feito por intermédio de ação judicial de caráter consignatório. De acordo com o enunciado do citado preceito, a importância de crédito tributário pode ser consignada judicialmente pelo sujeito passivo, nos casos: I – de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória; II – de subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas sem fundamento legal; III – de exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador. A consignação só pode versar sobre o crédito que o consignante se propõe pagar. Julgada procedente a consignação, o pagamento se reputa efetuado e a importância consignada é convertida em renda; julgada improcedente a consignação no todo ou em parte, cobra-se o crédito acrescido de juros de mora, sem prejuízo das penalidades cabíveis.
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Dispondo sobre o tempo do cumprimento da obrigação tributária, o artigo 160 do CTN estabelece que, quando a legislação tributária não fixar o tempo do pagamento, o vencimento do crédito ocorre 30 dias depois da data em que se considera o sujeito passivo notificado do lançamento. O parágrafo único deste preceito estipula que a legislação tributária pode conceder desconto pela antecipação do pagamento, nas condições que estabeleça. O CTN faz menção ao “pagamento antecipado”. De acordo com o inciso VII do artigo 156 daquele Código, extingue o crédito tributário o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do artigo 150 e parágrafos 1º a 4º. A expressão é inadequada: o pagamento é feito no prazo assinado pela Lei; a existência do poder de revisão do pagamento efetuado que se traduz na homologação ou não do lançamento efetuado (autolançamento) não converte o pagamento devido no prazo em “pagamento antecipado”. Em face do disposto no artigo 161 do CTN, o débito que não for integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas no CTN ou em lei tributária. Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês. Juros de mora não são devidos na pendência de consulta formulada pelo devedor dentro do prazo legal para pagamento do crédito. Problemática para compreensão do sentido e do alcance do disposto no artigo 161 do CTN é a noção de mora. O preceito em questão “fala” em juros de mora; todavia, não exige a culpa para caracterização da mora. A expressão “seja qual for o motivo da falta” indica que, havendo mora, não importa indagar sobre as razões em que ela ocorreu; em outras palavras, basta a existência de um estado caracterizador da mora para que seja admitida a cobrança de juros. Nesta matéria, o CTN adotou a teoria da “responsabilidade objetiva”, que é também mencionada no artigo 136. O CTN, neste caso, não adotou o conceito de mora do direito civil; neste campo, como exposto, a mora requer culpa. A ausência do elemento subjetivo – a culpa – não retira o caráter ilícito da infração ao dever de prestar, que é o pressuposto da mora. Para o CTN, basta o retardamento no cumprimento do dever de prestar para que a pena seja aplicada. Mora – culpável ou não – constitui ato antijurídico. Para Alberto Trabucchi5, mora significa retardo no cumprimento de uma obrigação (ritardo
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TRABUCCHI, Alberto. Istituzioni di diritto civile. 22. ed. Padova: Cedam, 1977, p. 565-566.
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nell’adempimento dell’obbligazione); mas para que ela se carecterize é necessário que a prestação seja certa e não sujeita a discussão (certa e indiscussa nel suo titolo). Entre nós, Carvalho de Mendonça6 observa que: “mora, no sentido técnico, tem uma significação equipolente da vulgar: – é a demora em pagar ou receber o devido”, que constitui “forma de injuria contratual”. Na mesma senda, Orlando Gomes7 explica que mora é violação de um dever: “Mora é demora, atraso, impontualidade, violação do dever de cumprir a obrigação no tempo devido”. Sem a caracterização da mora não há que cogitar – ao menos com base no artigo 161 do CTN – da exigência de juros de mora. Não podemos “ler” o enunciado do artigo 161 como se a palavra “mora” não estivesse ali escrita. O art. 161 do Código Tributário Nacional admite a cobrança de juros de mora deste que, é óbvio, esta situação (a mora) exista concretamente e ela possa ser imputada ao devedor em razão de ato (ação ou omissão) seu que possa ser caracterizado como injusto ou antijurídico sem cogitar da existência de qualquer modalidade de culpa.
2.2. PAGAMENTO INDEVIDO De acordo com o enunciado do artigo 165 do CTN, o sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos: (a) cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido; (b) erro na edificação (rectius: identificação) do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; (c) reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória. O artigo 166 do CTN, por outro lado, estabelece uma restrição à regra do artigo 165. De acordo com aquele preceito, a restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la. Em seguida, o artigo
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MENDONÇA, M. I. Carvalho de. Doutrina e prática das obrigações. tomo 1. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1938, p. 437. GOMES, Orlando. Obrigações. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 199.
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167 declara que a restituição total ou parcial do tributo dá lugar à restituição, na mesma proporção, dos juros de mora e das penalidades pecuniárias, salvo as referentes a infrações de caráter formal, cuja exigência não é prejudicada pela causa da restituição. Na forma do enunciado do artigo 168 do CTN, modificado pela Lei Complementar nº 113/05, o direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de cinco anos, contados: I – nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário; II – na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória. Em face do disposto no artigo 169 do CTN, prescreve em dois anos a ação anulatória da decisão administrativa que denegar a restituição. O prazo de prescrição é interrompido pelo início da ação judicial, recomeçando o seu curso, por metade, a partir da data da intimação validamente feita ao representante judicial da Fazenda Pública interessada. Quando ocorre o fato de alguém pagar tributo indevidamente ou em importância maior que a estipulada em lei, a devolução é medida que se impõe, independentemente da existência de regra legal, porque esse mandamento pode ser deduzido diretamente da Constituição Federal, a partir da aplicação de diversos princípios. Pois bem, a obtenção, pelo Estado, de recursos sem lastro em lei válida ofende aos princípios da legalidade, do devido processo legal substantivo (ou princípio da proporcionalidade) e da moralidade administrativa. Em outras palavras, normas que garantem a devolução de valores exigidos ou recebidos ao arrepio da lei submetem-se, por inteiro, a esses critérios de aferição constitucional porque elas visam a proteger valores fundamentais como a liberdade e propriedade, em recíproca interferência com o magno princípio da legalidade. Este, por sua vez, é uma projeção dos princípios cardeais do Estado Democrático de Direito. Constatada a existência de pagamento de tributo sem causa lícita (lei, ou diploma com força de lei, válida), a devolução se impõe, por, pelo menos, duas razões. A devolução do valor correspondente a tributo pago a maior ou indevidamente impõe-se de forma imediata e célere para o pronto restabelecimento da ordem jurídica que não se compadece com a exigência de tributos que não tenham supedâneo em lei que tenha fundamento de validade na Constituição Federal. Uma outra razão decorre do fato de que, se o Estado
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(sentido amplo) editou lei tributária obscura ou nula e com base nela arrecadou tributos, deve restituir o que recebeu, pois não pode valer de sua própria torpeza para obter uma vantagem. O Estado Democrático de Direito não tolera o enriquecimento sem causa e decorrente de ato ilícito à custa do Direito. Todo pagamento de tributo indevido é lesivo ao patrimônio do particular, ainda quando o fisco não acena – em concreto – com a ameaça de sanção que é inerente a toda norma penal. Logo, ainda que o sujeito passivo pague um tributo sem base legal por negligência ou desconhecimento, há uma lesão que pode ser imputada ao sujeito ativo que tem o dever legal de verificar a regularidade do pagamento por intermédio do lançamento tributário. A lesão patrimonial é um ato ilícito que impõe o dever de restituição. Neste sentido é a doutrina de Brandão Machado8: No direito privado a ação repetitória visa a restabelecer o equilíbrio do patrimônio do demandante, desfalcado pelo pagamento indevido; no direito tributário, o remédio judicial objetiva proteger a propriedade do solvens sobre o dinheiro desembolsado, a título de tributo, em favor do Estado, restaurando-lhe o direito subjetivo de pagar tão-somente os tributos que a lei determina. A ilicitude do Estado, na violação desse direito fundamental, é que origina a pretensão do contribuinte, aquele que o Estado escolheu como devedor, de reaver o que pagou contrariando o direito.
Para o douto mestre9, não há fundamento axiológico a justificar a restrição imposta pelo artigo 166 do CTN. De acordo com ele: Ora, se a pretensão de quem paga o indébito tributário deriva, não do enriquecimento do Estado, como supõem os civilistas, mas da violação do seu direito, constitucionalmente protegido, de não ser tributado senão exatamente de acordo com a lei, é ilógico que a lei complementar subordine o deferimento da pretensão do solvens à prova de que o tributo restituendo não tenha integrado o preço de seus bens e serviços.”
E, para arrematar, afirma: “Se, em nenhuma hipótese, pode o Estado cobrar ou receber tributo ilegal, evidente que, quando o faz, comete ato ilícito, não enriquece injustificadamente, como pensavam, em sua maioria, os antigos juristas”.
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MACHADO, Brandão. Repetição do indébito no direito tributário. In: Direito tributário: estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. 1. ed. Saraiva: São Paulo, 1984, p. 85-6. Idem, p. 99.
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Não cabe cogitar, neste tema, se a lesão é intencional ou não; o Estado responde pelo risco de produzir o dano porque tem o poder (dividido entre órgãos legislativos e executivos) de interferir na esfera jurídica dos particulares (ou de outros entes públicos) sem permissão; o poder de tributar é heterônomo. A possibilidade de lesão está atrelada ao risco do exercício deste poder que pode ser feito de forma defeituosa, espúria ou arbitrária, seja por intermédio de leis mal feitas, obscuras ou inválidas; por omissões contrárias ao dever de eficiência; ou pela expedição de atos normativos sem base na lei e no Direito. Há importante lacuna no CTN a respeito da restituição de tributos em caso de norma declarada inconstitucional pelos órgãos competentes do Poder Judiciário. O CTN é absolutamente omisso a esse respeito. O Superior Tribunal de Justiça, em diversas oportunidades, se pronunciou a respeito da interpretação deste preceito do CTN, criando o critério conhecido por “cinco mais cinco” para os tributos sujeitos ao lançamento por homologação. Em outras decisões, aquele Tribunal entendeu que o prazo de prescrição deveria ser contado a partir do momento da publicação da Resolução do Senado Federal nos casos de declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo no sistema difuso de controle de constitucionalidade. Exemplo de decisão em que foi adotado o critério do “cinco mais cinco” é a proferida quando do julgamento do Recurso Especial nº 460.644, em março de 2004. Da ementa pode ser extraído seguinte enunciado: [...] a jurisprudência desta Corte já assentou que a extinção do direito de pleitear a restituição de imposto sujeito a lançamento por homologação, em não havendo homologação expressa, só ocorrerá após o transcurso do prazo de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, acrescido de mais cinco anos, contados daquela da data em que se deu a homologação tácita.
Em relação à contagem do prazo a partir da data da Resolução do Senado Federal, há a decisão proferida quando do julgamento do Recurso nº 571.735, publicada em 5 de fevereiro de 2004, no qual ficou decidido que: [...] o prazo prescricional para a propositura da ação de repetição de indébito da Contribuição Social sobre o Pro labore, cobrado com base no art. 3º, I, da Lei nº 7.789/89 iniciou-se, portanto, em 19 de abril de 1995, data em que foi publicada a Resolução nº 14/95 do Senado Federal, findando em 18 de abril de 2000.
Em outra ocasião, o Superior Tribunal de Justiça acatou, em certa circunstância, o argumento de que o pagamento de tributo com base em lei
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inconstitucional é “pagamento sem causa”, não enquadrável no campo significativo do art. 168 do CTN. De fato, da leitura do acórdão proferido no AGRESP 479.717, é possível extrair que aquele Tribunal decidiu que: (a) a declaração de inconstitucionalidade da lei instituidora de um tributo altera a natureza jurídica dessa prestação pecuniária, que, retirada do âmbito tributário, passa a ser de indébito sem causa do Poder Público, e não de indébito tributário; (b) em decorrência, fica afastada a contagem do prazo prescricional/decadencial para repetição do indébito tributário previsto no Código Tributário Nacional, tendo em vista que a prestação pecuniária exigida por lei inconstitucional não é tributo, mas um indébito genérico contra a Fazenda Pública, aplicando-se a regra geral de prescrição de indébito contra a Fazenda Pública, prevista no artigo 1º do Decreto nº 20.910/32; e (c) o dies a quo para a contagem do prazo para repetição do indébito pelo contribuinte deve ser a publicação da Resolução do Senado Federal, caso a declaração de inconstitucionalidade tenha se dado em controle difuso de constitucionalidade. A Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005, prescreveu uma importante modificação no CTN a respeito da contagem do prazo para restituição. O artigo 3º da citada Lei dispôs que: “[...] para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei”. Em boa hora, o Egrégio STJ afastou a astúcia do legislador que pretendeu dar a esse preceito o caráter de “norma interpretativa” (e, portanto, passível de retroação) para dizer que a mesma só alcança as ações ajuizadas a partir de 9 de junho de 2005, data em que o preceito passou a ter eficácia plena10.
2.3. DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO O crédito tributário pode ser extinto em razão do perecimento de direito do credor: tal é o que ocorre nas hipóteses de prescrição e de decadência. De forma didática, o saudoso Rubens Gomes de Sousa11 expõe a diferença fundamental entre as figuras:
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Vide, a propósito, a decisão proferida pela 1ª Turma do STJ quando do julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 869.413 – SP, de 21 de novembro de 2006. Nesse caso, a Turma aplicou a decisão proferida pela Primeira Seção daquele Tribunal neste mesmo sentido, tomada quando do julgamento do EREsp nº 327.043 – DF, ocorrida em 27.04.2005. SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. 1. ed. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 124.
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A prescrição é o desaparecimento de um direito pelo decurso de um certo período de tempo, fixado em lei, sem que esse direito seja exercido. Aliás, é preciso distinguir duas figuras: caducidade e prescrição propriamente dita. Caducidade, também chamada decadência, é o desaparecimento do próprio direito pelo fato de não ser exercido dentro do prazo da lei; prescrição é o desaparecimento da ação que possa ser proposta no prazo da lei.
Há decadência quando a administração não logra realizar a constituição definitiva do crédito tributário em determinado prazo. Em razão do perecimento do direito, o sujeito ativo da relação jurídica tributária (o Estado, em sentido amplo) deixa de ter o direito ao crédito tributário. A inércia do sujeito ativo durante o prazo de decadência estipulado em lei acarreta-lhe uma sanção consistente na perda do direito de arrecadar o tributo. A prescrição, por outro lado, constitui a perda do direito de ajuizar ação de Execução contra o devedor. Pressupõe, portanto, o exercício do direito de concretizar o lançamento tributário (equivale a realizar a constituição definitiva do crédito tributário, na linguagem do CTN) por ação sua, mediante fiscalização, ou por intermédio de revisão ou controle da legalidade dos atos realizados pelo sujeito passivo, nos casos em que este fornece informações necessárias e suficientes a determinar o montante devido (autolançamento). Assim, em suma, a prescrição acarreta a perda do direito de ação do credor (o Estado) em face do devedor: a obrigação, que era existente e exequível, deixa de ser com o transcurso do prazo previsto em lei e pela inércia do credor. Deixando de existir a obrigação, o crédito tributário dela decorrente tem a mesma sorte. Ao regular a decadência tributária o artigo 173 do Código Tributário Nacional prescreve que a administração deve agir em determinado prazo e dispõe sobre a maneira de considerar o seu início e término. O preceito em questão tem o seguinte enunciado: Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data
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em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.
O enunciado normativo transcrito não comporta dúvidas: a administração tributária dispõe do prazo de cinco anos, contados do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, para constituir o crédito tributário, ou seja, para realizar o lançamento tributário nos termos do artigo 142 do CTN. No CTN não há uma definição sobre o que deve ser entendido por “exercício”; a doutrina12, no entanto, considera que essa palavra é utilizada para fazer referência ao “exercício financeiro” que está definido no artigo 34 da Lei nº 4.320/64 nos seguintes termos: “Art. 34. O exercício financeiro corresponderá ao ano civil”. A regra sobre decadência deve ser interpretada em harmonia com o disposto parágrafo 4º do artigo 150 do Código Tributário Nacional, que tem a seguinte redação: Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. § 4º. Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
Como é facilmente perceptível, diferente é a forma de contagem do prazo de decadência, de acordo com o preceito acima transcrito. Neste caso, o prazo começa a fluir da data da ocorrência do fato gerador, salvo nos casos de comprovada a ocorrência de dolo, fraude e simulação. A jurisprudência registra diversas decisões no sentido de que, havendo declaração, ainda que errada, seguida de pagamento, a regra da decadência a ser aplicada é a do artigo 150 do CTN, e não a do artigo 173. Neste sentido foi a decisão proferida pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, quando
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MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 190.
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do julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 279.473, ocorrido em 22 de setembro de 2004. Assim, de acordo com a jurisprudência da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, tendo sido feito recolhimento em valor menor que o devido, a regra de decadência aplicável é a do parágrafo 4º do artigo 150 do CTN, e o marco inicial é o fato gerador. Diferente consequência ocorre nos casos em que sujeito passivo não recolhe e não realiza o “autolançamento” dos tributos devidos de acordo com o chamado “lançamento por homologação”. Nestes casos, de acordo com a decisão proferida pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do ERESP nº 408.617, publicado no Diário de Justiça da União de 06.03.2006, cabe ao Fisco proceder ao lançamento de ofício no prazo decadencial de cinco anos, na forma estabelecida no art. 173, I, do Código Tributário Nacional. Problemática, por outro lado, tem sido a questão de diferentes prazos de decadência e de prescrição que foram veiculados por lei ordinária e que são diferentes daqueles constantes do CTT. Exemplo é o artigo 45 da Lei nº 8.212/91, que estabelece que o direito da Seguridade Social apurar e constituir seus créditos extingue-se após dez anos contados: (a) do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o crédito poderia ter sido constituído; e (b) da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, a constituição de crédito anteriormente efetuada. Ocorre que este dispositivo, ao estabelecer prazo diferente do previsto no Código Tributário Nacional, ofende a um preceito da Constituição Federal, precisamente o mandamento contido na letra “b” do inciso III do seu artigo 146, que diz caber à lei complementar dispor sobre “prescrição e decadência tributários”. A Lei nº 8.212/91 é lei ordinária e, portanto, não poderia dispor em sentido contrário ao CTN que – sob a ordem constitucional vigente – tem o caráter de lei complementar. Nos casos em que a Constituição Federal estabelece uma “reserva de lei complementar” – como são as hipóteses mencionadas no artigo 146, antes transcrito –, a lei ordinária não pode operar para inovar ou modificar o que fora estabelecido em lei complementar anterior, como é o caso do CTN. Em suma: se o CTN (lei complementar) estabelece um prazo de decadência de cinco anos, não pode uma lei ordinária estabelecer o prazo de dez anos porque, se o fizer, será considerada inconstitucional. Por esta razão, os Tribunais têm considerado que o artigo 45 da Lei nº 8.212/91 padece do vício de inconstitucionalidade. Importante precedente a respeito é a decisão proferida
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pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº AgRg no REsp 616.348 – MG, ocorrido em 14 de dezembro de 2004 (DJU de 14.02.2005, p. 144).
2.4. COMPENSAÇÃO Textualmente, diz o art. 170 do CTN que a lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública. Preliminarmente cabe aduzir que o fato de o CTN remeter a matéria para a lei tal não significa que a compensação é matéria sob reserva exclusiva de lei; ou seja, não é a simples existência de uma lei, ou de qualquer lei, que satisfaz aquele mandamento. De fato, ele deve ser interpretado de acordo com o texto constitucional que, em face do princípio do devido processo legal substantivo (em que a ideia de razoabilidade é nuclear), outorga direito subjetivo ao sujeito passivo de obter a extinção do crédito tributário da maneira mais célere possível, o que não se compadece com o princípio do solve et repet. A exigência de que os créditos compensáveis sejam líquidos e certos é bastante razoável, posto que a compensação, em nosso ordenamento jurídico positivo, extingue o crédito tributário. Dentro desta perspectiva é de ser aceita como razoável a regra do artigo 170-A do CTN, segundo a qual: [...] é vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo (o correto seria “crédito”), objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito da respectiva decisão judicial.” Poder-se-ia admitir a compensação independentemente do transito em julgado se houver decisão judicial de tribunal superior em caráter definitivo, nos casos em que a decisão deste tribunal possa ser considerada “súmula vinculante.
2.5. TRANSAÇÃO Uma forma de extinção do crédito tributário é transação. Transação é um instrumento típico da autonomia privada. No âmbito da esfera privada, as pessoas podem transigir em relação a seus interesses, salvo nos casos em que a ordem jurídica proíbe ou condiciona ao resguardo de interesse alheio. De acordo com o artigo 840 do Código Civil, transação é o negócio jurídico em que as partes, com o escopo de prevenir ou terminar litígios judiciais ou extrajudiciais, fazem concessões mútuas.
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No âmbito do direito público, a transação é ação vinculada. Cabe à lei estabelecer as hipóteses em que ocorrerão transação e os respectivos limites de atuação da autoridade pública portadora do poder de representação estatal. De fato, no direito público, impera o princípio da indisponibilidade do interesse público que – em certas circunstâncias – nem mesmo a Lei formal pode olvidar.
2.6. REMISSÃO O inciso IV do art. 156 do CTN prescreve que o crédito tributário será extinto com a remissão. Na forma do artigo 172 do CTN, a lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo: I – à situação econômica do sujeito passivo; II – ao erro ou ignorância excusáveis do sujeito passivo, quanto a matéria de fato; III – à diminuta importância do crédito tributário; IV – a considerações de equidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso; V – a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante. O referido despacho não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155. O valor que está subjacente a essa regra é a equidade. O vocábulo “equidade” é geralmente utilizado para fazer referência à justiça aplicada ao caso concreto; sob esta perspectiva, a equidade corresponde a um juízo de ponderação que visa a corrigir problemas de lacunas ou injustiças da ordem jurídica positiva. De acordo com a doutrina de Emmanuel Kant13, aquele que postula pela aplicação da equidade o faz com base em direito seu, que só não lhe é adjudicado porque faltam condições necessárias ao juiz para isso. Para Miguel Reale: há a equidade com norma aplicável para suprir lacunas da lei e há equidade como realização da justiça in concreto14. O instituto da remissão tem afinidade estrutural e teleológica com a anistia, que é referida no inciso II do art. 175 do CTN como forma de exclusão do crédito tributário. Sobre a diferença entre remissão e anistia, é bem conhecida e acatada a doutrina do Professor Paulo de Barros Carvalho15, verbis:
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KANT, Emmanuel. Doutrina do direito. 1. ed. São Paulo: Ícone, 1993, p. 50. REALE, Miguel. Teoria e prática do direito. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 307. No mesmo sentido: DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 265; e FRANÇA, R. Limongi. Formas e aplicação do direito positivo. 1. ed. São Paulo: RT, 1969, p. 73. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 458-459.
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Voltando-se para apagar o ilícito tributário ou a penalidade inflingida ao autor da ilicitude, o instituto da anistia traz em si indiscutível caráter retroativo, pois alcança fatos que se compuseram antes do termo inicial da lei que a introduz no ordenamento. Apresenta grande similitude com a remissão, mas com ela não se confunde. Ao remir, o legislador tributário perdoa o débito do tributo, abrindo mão do seu direito subjetivo de percebê-lo; ao anistiar, todavia, a desculpa recai sobre o ato da infração ou sobre a penalidade que lhe foi aplicada. Ambas retroagem, operando em relações jurídicas já constituídas, porém de índoles diversas: a remissão, em vínculos obrigacionais de natureza estritamente tributária; a anistia, igualmente em liames de obrigação, mas de cunho sancionatório.
A diferença apontada queda-se problemática em face da ambiguidade da expressão “crédito tributário”, adotada tanto no artigo 156 quanto no artigo 175 do CTN. De fato, há que se recordar que o crédito tributário, na redação do inciso do art. 139 do CTN, é composto pelo valor correspondente à obrigação tributária surgida com a ocorrência do fato imponível e pelo valor das penalidades pecuniárias ou convertíveis. Assim, o crédito tributário abrange o valor da obrigação decorrente da relação jurídica que se instaura com a ocorrência do fato imponível e abrange também, se for o caso, o valor da penalidade pecuniária prevista na norma sancionatória que, no antecedente, faz menção à norma que define a exigência do tributo que incidirá se e quando realizado aquele fato. Logo, a única forma de evidenciar a diferença entre remissão e anistia é a análise do art. 180 do CTN, o qual faz expressa referência às infrações. De qualquer sorte, as duas figuras têm em comum o fato de prescreverem consequências diferentes das previstas normativamente quando da época dos fatos, no caso do fato imponível (remissão) e do fato ilícito (anistia). Ambos são fenômenos que operam no campo das normas, posto que os fatos não desaparecem porque isso seria logicamente impossível; o que mudam são as consequências, que importam em romper a relação jurídica obrigacional surgida com o fato imponível e em retirar o caráter ilícito do fato do não pagamento do tributo no tempo e na forma devidos. A remissão é uma renúncia ao direito subjetivo nascido da relação jurídica instaurada com a ocorrência do fato gerador do tributo, ao passo que a anistia consiste em renúncia do direito subjetivo de exigir o cumprimento da norma penal.
2.7. CONVERSÃO DE DEPÓSITO EM RENDA Ocorre a extinção do crédito tributário com a conversão do depósito em renda. A realização de depósitos perante instituições financeiras autorizadas é
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uma faculdade que tem o sujeito passivo que pretenda obter, em certas circunstâncias, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Trata-se de providência que normalmente tem lugar nos casos em que há alguma disputa judicial de natureza consignatória ou não. Rigorosamente, a conversão de um depósito em renda, quando realizada de acordo com a Lei, constitui verdadeira hipótese de pagamento do débito.
2.8. DECISÃO JUDICIAL PASSADA EM JULGADO E DECISÃO ADMINISTRATIVA IRREFORMÁVEL Em face do disposto nos incisos IX e X do artigo 156 do CTN, ocorrerá extinção do crédito tributário nos casos de: (a) decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória; e de (b) decisão judicial passada em julgado. Quando, no âmbito administrativo, há alguma discussão acerca de eventual existência do crédito tributário (por via do lançamento tributário), não se tem, ainda, um crédito tributário definitivo. Desta forma, parece impróprio cogitar-se da extinção de algo que ainda não se formou ou não existe. Para resolver esse aparente paradoxo, é necessário recordar que o lançamento tributário pode ser decomposto em fases; daí o CTN fazer alusão – no artigo 174 – a crédito definitivamente constituído. A decisão judicial passada em julgado será assim considerada nos termos das leis processuais aplicáveis, em cada caso. De acordo com o artigo 467 do Código de Processo Civil, denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. Em face do disposto no artigo 468 do citado Código, a coisa julgada tem um campo material definido; este campo é delimitado pelos limites da lide e das questões decididas. No nosso ordenamento jurídico, as hipóteses de cabimento de ação rescisórias estão contidas em lei ordinárias: todavia, isto não significa que a coisa julgada é matéria que esteja à livre disposição do legislador infraconstitucional. Lei pode existir, mas ela terá que dar máxima efetividade à segunda jurídica que constitui o valor constitucional que envolve a coisa julgada, sob pena do esvaziamento da norma constitucional que a consagra. A decisão judicial que extingue o crédito tributário pode ter caráter geral ou individual. Decisão de caráter geral é aquela que produz efeitos erga omnes e pro omnes, e aquela cujos efeitos transcendem à relação jurídica processual em que foi proferida e que envolve, em geral, questões de índole constitucional.
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Por outro lado, a decisão de caráter individual é aquela que aproveita apenas e tão somente a parte de uma relação processual individualizada. A decisão judicial, uma típica norma individual e concreta, tem grande importância para o sistema jurídico. Para Philipp Heck16, “o direito realmente importante para a vida é aquele que se realiza na sentença judicial.” No mesmo sentido, Karl Engish17 afirma que “o Direito, se há de lograr significação para a nossa vida, tem de destilar-se em concretas regras de dever-ser.” Como regra que especifica um mandamento de ordem geral, ela prescreve o que deve ser feito, como muito bem observa a autorizada voz de Lourival Vilanova: A decisão judicial é ato que qualifica deonticamente a situação controvertida. O ato jurisdicional não se constitui como uma proposição declarativa (descritiva ou teorética), mas como proposição prescritiva. Uma controvérsia pede decisão, que se verte em norma. O juiz nem pronuncia juízo-de-realidade, nem puro juízo-de-valor. O existencial do fato e o critério-de-valor entram como componentes do juízo normativo. E esse juízo normativo não é de ordem moral, ou religiosa, ou atinente à etiqueta, ou aos usos e costumes. É especificamente jurídico.18
As normas jurídicas estabelecem uma conduta deonticamente modalizada, uma forma pela qual as pessoas devem se comportar sob pena de sanção. A decisão judicial estabelece um dever-ser que só pode ser desconstituído por uma outra decisão judicial. Enquanto ela for válida, isto é, enquanto pertencer ao ordenamento jurídico, deverá produzir os mesmos efeitos sempre que se verificarem as circunstâncias fáticas e jurídicas referidas em sua hipótese. Assim, a decisão judicial transitada em julgado constitui norma que concede imunidade contra o exercício do poder de tributar. Essa imunidade é uma decorrência do dever-ser nela estabelecido, o qual é imutável por força do disposto no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal.
2.9. DAÇÃO EM PAGAMENTO A Lei Complementar nº 104/01 introduziu uma importante modificação no texto do artigo 156 do CTN para estabelecer que a dação em pagamento
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HECK, Philipp. El problema de la creación del derecho. Tradução: Manuel Entenza. 1. ed. Ganada: Comares, 1999, p. 26. ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Tradução: João Batista Machado. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1988, p. 76. VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 246.
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em bens imóveis, na forma e nas condições estabelecidas em lei, é causa de extinção do crédito tributário. No plano do direito privado, a dação em pagamento “consiste num ato solutório da obrigação, assente sobre uma substituição convencional da prestação”19. No direito tributário, essa substituição depende da existência de lei que deve fixar as condições para a validade de um negócio jurídico desta natureza.
3. OUTRAS FORMAS
DE
EXTINÇÃO
DO
CRÉDITO TRIBUTÁRIO
As formas de extinção do crédito tributário previstas no CTN não esgotam o tema: na prática, é possível que outras situações ocorram extinção ocorrerá. Tal é o caso, por exemplo, da possibilidade de utilização de títulos da dívida pública federal, emitidos na forma do disposto na Lei nº 10.179/01, que podem ser utilizados para pagamento de tributos federais. Diz o artigo 6º daquele diploma normativo que, “a partir da data de seu vencimento, os títulos da dívida pública referidos no art. 2º terão poder liberatório para pagamento de qualquer tributo federal, de responsabilidade de seus titulares ou de terceiros, pelo seu valor de resgate”. Aqui não se trata de compensação, mas, sim, de autorização para uso de outra moeda para pagamento que não dinheiro. Da mesma forma, possuem poder liberatório para pagamento de tributos os valores relativos aos precatórios tratados pela Emenda Constitucional nº 30/00. Não pode ser descartada a possibilidade de extinção do crédito tributário por confusão e por novação. Confusão, de acordo com o artigo 381 do Código Civil, ocorre quando, na mesma pessoa, se confundam as qualidades de credor e devedor. A novação, por outro lado, é figura prevista no inciso I do artigo 360 do Código Civil de 2002. Novação – na doutrina de Orlando Gomes20 – é a extinção de uma obrigação pela formação de outra, precisamente destinada a substituí-la. Trata-se de modo extintivo não satisfatório, posto que “não produz, como o pagamento e a compensação, a satisfação imediata do crédito. O credor não recebe a dívida, nem deixa de pagar o que deve o seu devedor; simplesmente adquire outro direito de crédito ou passa a exercê-lo contra outra pessoa”.
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VARELA, Antunes. Direito das obrigações. v. 2. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 209. GOMES, Orlando. Obrigações. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 162.
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Exclusão do Crédito Tributário
Adilson Rodrigues Pires Doutor em Direito Econômico e Social pela UGF Profesor-Adjunto de Direito Financeiro da UERJ Advogado
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518 - EXCLUSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
1. INTRODUÇÃO
AO TEMA
Conforme dispõe o art. 175, Código Tributário Nacional, o crédito tributário pode ser excluído pela isenção ou pela anistia. A primeira refere-se à renúncia ao tributo, enquanto a anistia impede a constituição do crédito decorrente do descumprimento da obrigação tributária. Por sua vez, o parágrafo único do artigo citado estatui que a exclusão do crédito não implica a dispensa da obrigação tributária acessória, que tem por objeto o cumprimento de obrigações, também chamadas pela doutrina de deveres instrumentais ou de caráter administrativo, por terem sido criadas com o fim de facilitar os procedimentos de arrecadação e fiscalização de tributos pelos agentes do fisco federal, estadual e municipal. Vale acrescentar que o art. 97, inc. VI, do mesmo diploma, disciplinando as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção do crédito tributário, condiciona a concessão das duas modalidades à previsão em texto de lei. Nesse sentido estão compreendidas a lei ordinária e, em face da Emenda Constitucional nº 32/01, a medida provisória. Cabe aqui uma observação: a hipótese de exclusão não se confunde com a extinção do crédito tributário. Para que esta ocorra, é necessário que a dívida já exista, ou seja, que o crédito tributário já tenha nascido com a ocorrência do fato gerador. Pode, neste caso, ocorrer qualquer das hipóteses de extinção do crédito tributário previstas no Código Tributário Nacional. Adimplida a obrigação, extinto está, em consequência, o crédito tributário dela decorrente, fenômeno distinto do ocorre com as hipóteses de exclusão do crédito tributário. Uma obrigação extinta não se restaura de forma alguma, ao passo que a obrigação tributária pode ser recomposta, caso o crédito correspondente tenha sido excluído. É o caso, por exemplo, da revogação da lei que concede a isenção. Seja como incentivo ao exercício de certas atividades ou, ainda, como simples benefício outorgado a contribuintes desprovidos de suficiente capacidade contributiva, a isenção vem sendo utilizada, muitas vezes, com o propósito de desonerar a carga tributária imposta a setores estratégicos para o desenvolvimento econômico ou para a promoção da igualdade social. Dada a sua importância, o CTN dedica um capítulo exclusivo às normas relativas à isenção e à anistia. O vocábulo “exclusão” vem do latim exclusio, do verbo excludere, que significa ato ou efeito de excluir. Daí se infere que “exclusão do crédito tributário”, expressão utilizada pelo Código Tributário Nacional, indica a forma como a exigibilidade do crédito tributário é afastada por lei.
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Antonio Berliri1 qualifica a “exclusão como expediente técnico-legislativo para identificar, por delimitação, a hipótese de incidência tributária, destacando certos fatos como juridicamente irrelevantes (fora da esfera de aplicação do tributo)”. Afastando a possibilidade da incidência da lei sobre o fato nela indicado, o autor revela a sua opção por excluir a isenção do campo de incidência tributária, fenômeno que será estudado mais adiante. A dispensa do crédito tributário, nos seus primórdios, não se destinava a atender necessidades econômicas ou a igualar ou, tampouco, compensar os contribuintes que viviam em situação menos favorecida. Visava, isto sim, privilegiar certas categorias de contribuintes em detrimento de outras desprovidas de direitos civis e políticos plenos. Só modernamente a isenção passou a cumprir o papel de instrumento legal de transformações econômicas e sociais. Hoje, a isenção e a anistia, bem como a remissão, hipótese de extinção do crédito tributário, obedecem aos mesmos princípios constitucionais, quais sejam, os da isonomia, da uniformidade e da generalidade, que limitam a concessão de benefícios a casos excepcionais, que sejam legalmente previstos e justificados. Convém destacar, ainda, que as normas de exclusão do crédito são interpretadas declarativamente, isto é, não admitem interpretação restritiva ou sequer extensiva, visto que as leis que concedem ou revogam a isenção e a anistia não se constituem normas de exceção. O CTN, assim, não limita o aplicador da lei à interpretação gramatical do texto expresso da norma. É o que se depreende da leitura do art. 111, inc. I, do CTN, segundo o qual a legislação que disponha sobre suspensão e exclusão do crédito tributário deve ser interpretada literalmente. Os métodos de interpretação, entre os quais se enquadra, em sentido estrito, o literal, obedecem a um critério lógico de condução do raciocínio, que desemboca na compreensão do “sentido e alcance” da norma. O legislador, de forma alguma, pode impor ao intérprete a adoção deste ou daquele método, sendo-lhe facultado, porém, determinar que o resultado da interpretação da lei não se mantenha aquém ou além dos termos em que dispôs o texto legal. Conforme doutrina hoje dominante2, as isenções constituem uma forma de incidência negativa ou, melhor, de não incidência da norma impositiva, considerando-se, assim, que essa modalidade de exclusão se situa fora do campo
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BERLIRI, Antonio. Principios de Derecho Tributário. Volumen II. Madrid: 1971, p. 472. V. p. ex. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 8ª ed., São Paulo: Ed. Malheiros, 1993, p. 150-151.
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de incidência tributária. Enquanto a norma impositiva é delimitada pela amplitude constitucional conferida ao fato jurígeno, isto é, aquele que, uma vez ocorrido, empresta sua relevância para fins de provocar o nascimento da relação jurídica tributária, a norma isentiva, pelo contrário, consiste em afastar dos limites de alcance da norma tributária o fato jurígeno ocorrido. Em sentido diverso, autores como Luiz Emygdio F. da Rosa Júnior3, por exemplo, entendem que, à entidade de direito público tributante, é reservado o poder de dispensar a exigência do crédito tributário devido pelo sujeito passivo da obrigação, tendo em vista circunstâncias relevantes de ordem econômica, política ou social. Essa posição mais se aproxima da interpretação literal do art. 175, do CTN, segundo o qual a isenção configura uma hipótese de renúncia fiscal, ou seja, de dispensa legal do pagamento do tributo devido. Ocorrido o fato gerador do tributo, a lei incide, instaurando-se a relação jurídica, sem que, todavia, se constitua o direito ao crédito, visto que não se efetiva o procedimento de lançamento do crédito tributário.
2. ISENÇÃO A isenção, ainda que prevista em contrato, decorre sempre de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração, conforme dispõe o art. 176, do CTN. Nesse sentido, Gilberto de Ulhôa Canto4 conceitua isenção como sendo a: [...] expressa deliberada e taxativa omissão, pelo ente público que tem competência para instituir determinado tributo, do exercício dessa competência, quanto a fatos, atos ou pessoas. A lei que emana do próprio ente público dotado de competência renuncia, em razão de circunstâncias sociais, políticas e econômicas, ao respectivo exercício.
É lícito afirmar que a isenção é o reverso da instituição do tributo, como se o exercício de ambas as competências ocupassem lados opostos de um mesmo poder. Em outras palavras, o ente político competente pode, diante de certas circunstâncias, abdicar do exercício do seu poder de criar o tributo. A singularidade da figura explica a razão pela qual tanto a exigência quanto a
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ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 15ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001, p. 622. CANTO, Gilberto de Ulhôa. Temas de Direito Tributário. v.3. Rio de Janeiro: Alba. 1979. p. 190
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dispensa do tributo pela isenção decorrem de norma primária, como prevê o art. 3º, do CTN, como se uma fosse a visão da outra invertida no espelho. A legalidade persegue, portanto, as duas hipóteses, a saber, a instituição do tributo e o nascimento da relação jurídica, em que se vislumbra o crédito tributário dele decorrente. Vale lembrar, a atividade administrativa de lançamento é também vinculada à lei, assumindo, assim, o caráter de obrigatoriedade. Da mesma forma, o art. 97, inc. VI, do CTN, determina que somente a lei pode estabelecer, entre outras, as hipóteses de exclusão do crédito tributário. Em síntese, assim como a criação do tributo, a concessão de isenção também decorre de lei, como corolário do princípio da legalidade em matéria tributária. Em resumo, o tributo só pode ser instituído, extinto, majorado ou reduzido mediante lei em sentido estrito. A aplicação do princípio da reserva legal condiciona o poder-dever para a instituição de tributos à especificação das condições e requisitos para concessão da isenção, à indicação dos tributos a que se aplica e, se for o caso, do prazo pelo qual deve perdurar o benefício. A isenção pode ser graciosa quando a lei não impõe ao contribuinte o cumprimento de qualquer condição ou requisito para fins de gozo do direito. O beneficio existe independentemente da prática de qualquer ato condicionante da isenção. Por outro lado, a modalidade onerosa se perfaz mediante a contrapartida de alguma obrigação cumprida ou que venha a ser prestada pelo beneficiário. Trata-se de expediente comum quando o Estado, por razões de política fiscal, através da oferta da vantagem que representa a isenção, busca atrair a iniciativa privada para atividades que julga relevantes sob o aspecto econômico ou de outra natureza. Nas isenções onerosas, o benefício fica na dependência do implemento da condição, suspensiva, prevista em lei para a eficácia da dispensa do pagamento do tributo devido. Quanto ao gozo dos seus benefícios, a isenção é classificada como imediata, a prazo certo e permanente. A primeira dispensa o contribuinte do pagamento do tributo incidente, ou seja, a vantagem, que se esgota com a fruição da isenção, não se repete. A lei perde sua eficácia tão logo ocorra o fato. Não há que falar em revogação da lei, mas, sim, que a hipótese nela prevista se consumou. Vale citar como exemplo de isenção instantânea a importação, por uma única vez, de determinado equipamento, necessário à ampliação de um hospital, para fins de pesquisa e atendimento de pessoas portadoras de neoplasia maligna. O ingresso do bem, por sua unicidade, não se repetirá. Já a isenção a prazo certo se caracteriza pela fixação por lei de termos limites para a sua vigência. Seus efeitos cessam tão logo se esgote o prazo. O
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contribuinte beneficiado por isenção, como descrito, adquire direito ao seu gozo até que se complete o prazo estabelecido pela lei concessiva do benefício. Possível prorrogação do direito só é assegurada se estendido o prazo antes do termo final de vigência. O sujeito ativo da obrigação é impedido de exigir tributo antes do termo final da concessão, sob pena de gerar direito do contribuinte de impugnar a exigência. Como isenção por prazo certo, entende-se aquela em que a lei autoriza a importação de feijão, por exemplo, alimento indispensável à cesta básica do brasileiro, nos casos em que condições climáticas adversas impedem a colheita do produto. Por seu turno, isenção permanente é aquela a qual não tem, no texto legal que a instituiu, qualquer referência à limitação do tempo de sua eficácia. A lei isentiva, no entanto, pode ser revogada a qualquer momento. A concessão decorre de decisão baseada, exclusivamente, em critérios de política econômica ou social, não sujeitos a limitações de prazos ou requisitos exigíveis dos contribuintes. Quanto ao seu alcance, diz o parágrafo único, do art. 176, do CTN, que a isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares. Assim, é de se concluir que a isenção pode ser ampla ou restrita. No primeiro caso, todos os contribuintes são beneficiados de forma indiscriminada, sem delimitação de espaço no qual a lei produzirá efeitos ou, noutros termos, a isenção apenas beneficia determinada categoria de contribuintes. Sendo de conteúdo restrito, neste caso o benefício da isenção se restringe apenas a uma parte específica do território do ente político competente ou apenas uma ou algumas categorias de contribuintes. Se o conteúdo for amplo, ou seja, de caráter geral, a concessão independe de qualquer ato ou despacho de autoridade administrativa, produzindo efeitos com a publicação da lei. De forma diversa, sendo de conteúdo restrito, a isenção se efetiva, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para a sua concessão, conforme prescreve o art. 179 do CTN. Segundo o § 1º, do artigo mencionado, quando se tratar de tributo lançado por período certo de tempo, como o imposto de renda ou o IPTU, entre outros, o despacho de concessão perde a validade, automaticamente, a partir do primeiro dia seguinte ao término do período de apuração, caso o pedido não seja renovado antes de findo o prazo de vigência do benefício.
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Tendo em vista o tributo referido na lei, também se costuma classificar as isenções em geral e particular. A isenção é geral quando abrange, em seus efeitos, todas as espécies tributárias atinentes ao fato. Já a isenção em caráter particular é restrita a uma só espécie de tributo. É oportuno lembrar que o benefício da isenção não se estende às taxas, bem como às demais espécies de tributo, como reza o art. 177, do CTN, tampouco aos demais tributos instituídos após a sua concessão. O dispositivo acima referido consagra a interpretação literal, ou seja, declarativa, da legislação tributária pertinente à isenção, em consequência do disposto no art. 111, do CTN, in verbis: Art. 111 – Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: I–..... II – outorga de isenção; III – . . . . .
Considerando-se o tratamento especial outorgado ao contribuinte ou ao bem objeto de tributação pela norma, é compreensível que a interpretação do dispositivo não poderia ser extensiva ou restritiva, mas, sim, declarativa, ou literal, como dispõe o artigo em comento.
2.1. CONCEITO 2.1.1. CONCESSÃO POR
LEI
Diz o art. 97, inc. VI, do CTN, que só a lei pode estabelecer as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção do crédito tributário. Em vista disso, tanto a concessão quanto a revogação da isenção só são admitidas se houver previsão legal. A lei que concede a isenção é entendida tanto no sentido formal quanto no material. Conforme o primeiro, a lei isentiva é produto do processo legislativo ordinário, indicando que o ato concessivo deriva exclusivamente da vontade política do legislador. No segundo, entende-se a lei no sentido material, tendo em vista que a lei que concede a isenção encontra no Código Tributário Nacional a sua fonte legitimadora. A isenção observa o princípio da legalidade estrita. Significa dizer que a norma administrativa não é válida para fins de concessão ou revogação de isenção. A legalidade, verdadeira garantia do contribuinte, assegura o respeito ao interesse público, imanente à concessão do direito. Como a arrecadação de tributos visa alcançar o bem-estar de todos, em contrapartida, pode-se afirmar
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que a dispensa do tributo – ou a sua não incidência – também tem que obedecer ao interesse público.
2.1.2. ISENÇÃO OBJETIVA, SUBJETIVA E MISTA As isenções podem ser classificadas como objetivas, subjetivas e mistas. Quando o benefício advindo da sua concessão se refere à qualidade do bem ou à destinação que se lhe dê, a isenção é chamada objetiva. O bem jurídico visado pela lei corresponde ao próprio objeto da isenção. Com propriedade, afirma Souto Maior Borges5 que “a isenção objetiva, como o nome está a indicar, excluir o âmbito material da tributação, o aspecto objetivo do fato gerador (hipótese de incidência)”. Tratando-se, pois, de um elemento imprescindível à hipótese de ocorrência do fato gerador, a sua exclusão impede a formação da relação jurídica denominada pela lei e pela doutrina de obrigação tributária. Em outras palavras, o aspecto material, imprescindível à configuração jurídica do fato gerador, é o objeto da isenção objetiva. Por seu turno, diz-se subjetiva a isenção que desonera o contribuinte em virtude de sua qualificação como virtual sujeito passivo da obrigação, que, como dito acima, não chega a se constituir. Vale esclarecer que as isenções subjetivas não se caracterizam pela simples exclusão do sujeito passivo do âmbito de incidência do tributo. Melhor é dizer que a isenção é subjetiva quando leva em conta certas características pessoais do contribuinte para o fim de impedir que se constitua a relação jurídica tributária, não importando o bem, em si considerado, ou a destinação que a ele se dê. Embora rara de se observar na prática, a isenção subjetiva compõe o quadro das modalidades de renúncia fiscal. Como exemplo de isenção subjetiva, é de lembrar o benefício de que gozam as pessoas físicas, cujo rendimento anual seja inferior a certo limite de valor, estabelecido em lei, para efeito de ajuste da incidência do Imposto de Renda. Já as isenções mistas levam em conta, para a concessão da vantagem, não só características pessoais do contribuinte, como também a qualidade ou a destinação do bem. Ocorre com mais frequência no ingresso de produtos estrangeiros no país, caso em que o bem é importado por determinada pessoa, indicada na lei, com destinação específica também citada no ato legal. Na entrada de equipamentos ou aparelhos para uso específico de pessoas portadoras
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BORGES, José Souto Maior. Teoria Geral da Isenção Tributária, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 258.
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de deficiência física, por exemplo, o direito à isenção só é reconhecido se as duas condições se verificarem cumulativamente.
2.1.3. INTERPRETAÇÃO RESTRITA Já se disse que a entidade de direito público tributante, através de lei, pode conceder isenção de tributos, tendo em vista certas circunstâncias de ordem política, econômica ou social. A exclusão do crédito tributário, no entanto, não implica a dispensa das obrigações acessórias, previstas no art. 175, do CTN, que continuam a ser exigidas. Caso costumeiro é a apresentação da Declaração de Ajuste do Imposto de Renda por pessoas físicas isentas, desde que o total do rendimento anual não ultrapasse o limite estabelecido em lei e divulgado todos os anos. Nos termos do art. 175, do CTN, se o rendimento no ano-calendário for superior ao limite exigido para declaração, o contribuinte não pode deixar de entregar sua declaração de ajuste, embora não esteja obrigado ao recolhimento do imposto, caso a renda líquida apurada para efeito de incidência do imposto seja inferior ao limite de isenção fixado. De outra parte, diz o art. 177, inc. I, que a isenção não se estende às taxas e contribuições de melhoria. Isto quer dizer que a isenção de impostos sobre a propriedade imobiliária não exime o contribuinte do pagamento de taxas incidentes sobre a coleta de lixo ou a limpeza urbana, normalmente exigidas.
2.2. RENÚNCIA FISCAL OU FORMA DE NÃO INCIDÊNCIA? Duas correntes procuram explicar juridicamente o fenômeno da isenção. Uma delas sustenta que a isenção constitui uma forma de não incidência prevista em lei. Parte minoritária da doutrina, como Rubens Gomes de Souza6, considera a isenção uma espécie de dispensa, por lei, da obrigação de satisfazer o crédito tributário. Diz o consagrado autor que “a isenção tributária é um conceito diferente, embora frequentemente confundido com ele, o de não-incidência”. Esta última corrente baseia-se na interpretação literal do art. 175, do CTN, segundo o qual a isenção é uma forma de exclusão do crédito tributário. Os defensores dessa tese, como Vitor Cassone e Geraldo Ataliba7, fiéis ao texto normativo expresso, entendem que a isenção, como hipótese de exclusão
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SOUZA, Rubens Gomes de. Estudos de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1950, p. 252. CASSONE, Vittorio. Direito Tributário. São Paulo: Atlas, 1990, p. 93 e ATALIBA, Geraldo. Natureza jurídica da contribuição de melhoria, p. 243.
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do crédito tributário, por si se explica. Com efeito, se o crédito tributário nasce com a ocorrência do fato gerador, não existindo este, não há o que ser excluído, como dispõe o caput do art. 185, do CTN. A tese parece infirmar a natureza declarativa do lançamento, segundo a qual o crédito tributário nasce com o fato gerador. O lançamento simplesmente reconhece a existência da obrigação, quantifica o débito e a individualiza mediante a identificação do seu sujeito passivo. Para Vittorio Cassone8, a isenção exclui a exigibilidade do crédito que opera em determinadas circunstâncias, previstas em lei, no âmbito da incidência do imposto. Diz o autor que a isenção constitui: [...] a dispensa legal do pagamento do tributo, via de regra concedida face relevante interesse social ou econômico regional, setorial ou nacional.
Para outros, como José Souto Maior Borges9, a isenção é forma de exclusão da própria obrigação tributária. A sua concessão impossibilita o nascimento do fato gerador da obrigação, situando-se, assim, a isenção fora do campo de incidência. Significa dizer que a isenção é uma hipótese legal de não incidência tributária. O Supremo Tribunal Federal, contudo, através da Súmula 615, firmou posição de acordo com a primeira corrente, ao decidir que a isenção consiste na dispensa do pagamento do tributo surgido com a verificação, na prática, da hipótese de incidência. Além da súmula, vale mencionar, a título de ilustração, o RE 114.850-1, decidido por unanimidade pela 1ª Turma em 23/02/88, e o RE 97.455-RS (Rel. Ministro Moreira Alves). A cristalização jurisprudencial encontra respaldo na doutrina mais conservadora, representada, entre outros, por Rubens Gomes de Souza, Amilcar de Araujo Falcão e Aliomar Baleeiro, que defendem, literalmente, que a isenção é a dispensa legal do pagamento do tributo. Por sua vez, Luciano Amaro10 diz: “[...] optar pela técnica da isenção, que consiste em estabelecer, em regra, a tributação do universo, e, por exceção, as espécies que ficarão fora da incidência, ou seja, continuarão não tributáveis”. Para os precursores do estudo do Direito Tributário no Brasil, o fenômeno jurídico da isenção tributária se justifica pela ocorrência do fato imponível, ou seja, o “fato gerador in concreto”. Como se disse acima, o pagamento do crédito,
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ID., IBID, p. 70. BORGES, José Souto Maior. op. cit. p. 154. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 272.
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constituído com o nascimento da obrigação, é dispensado pela lei, razão pela qual esses autores denominam a isenção de favor fiscal, expressão condenada por Souto Maior Borges. Alfredo Augusto Becker11, em memorável obra, demonstra com clareza a inconsistência dos argumentos utilizados para se sustentar a tese da isenção como espécie de favor legal. A assertiva só estaria correta no plano pré-jurídico da formulação da política fiscal, momento em que o legislador observa e analisa as circunstâncias em que ocorrem os fenômenos fáticos para efeito de criação da norma jurídico-tributária. Como hipótese de não incidência tributária, a lei isentiva afasta os efeitos da norma tributante, impedindo que o fato provoque o nascimento da relação jurídica de Direito Tributário. Souto Maior Borges concorda com o autor citado, demonstrando, com argumentos convincentes, que não há incidência da norma jurídica tributária na isenção. A regra de isenção incide para que a regra de tributação não possa incidir. Em síntese, vale dizer que a lei isentiva, na verdade, exclui do campo de incidência algumas situações de fato, que, a priori, seriam determinantes para o nascimento da obrigação tributária. Em outras palavras, não há que se falar em dispensa de algo que não existe ou que sequer chegou a existir. A afirmação equivale a dizer que não se verifica a hipótese de incidência prevista na lei, donde se concluir que inexiste a figura do contribuinte, por não se ter realizado o fato gerador correspondente. Não é o caso de renúncia fiscal em sentido estrito, ou seja, de dispensa de pagamento do tributo, no dizer de alguns autores, como Rubens Gomes de Souza. Nasce o débito, mas não a obrigação de pagar, segundo esse entendimento, o que corresponde, em estreita interpretação, à verdadeira remissão do crédito tributário, instituto aplicado em hipóteses distintas das aqui consideradas.
2.3. DISTINÇÃO ENTRE ISENÇÃO E IMUNIDADE Ao se estabelecerem as diferenças entre os conceitos de “imunidade” e “isenção”, deve-se considerar, sobretudo, a fonte legislativa, suas finalidades e seus efeitos. Para melhor entender a distinção entre os dois institutos, convém lembrar que a isenção é tida por alguns12 como uma hipótese de não incidência
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BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. (Marcelo: eu tenho este livro) BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário, 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 305, AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 271 e BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 217.
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legalmente qualificada. Isto quer dizer que o fato gerador da obrigação não se realiza, donde se conclui que, não se realizando o fato gerador, o crédito correspondente não se constitui. Conforme Luciano Amaro13, “dispensa legal de tributo devido é conceito que calharia bem para a remissão (ou perdão) de tributo, nunca para a isenção. Aplicado à isenção, ele suporia que o fato isento fosse tributado, para que, no mesmo instante, o tributo fosse dispensado pela lei”. A imunidade, diferentemente, impede a ocorrência do fato gerador que ensejaria a cobrança do tributo. Essa corrente encontra respaldo na literalidade do art. 175, inc. I, do Código Tributário Nacional, segundo o qual a isenção é a dispensa legal do crédito tributário. De outro lado, João Augusto Filho14 vê as isenções como: [...] normas jurídicas autônomas, de hipótese legal mais complexa que a norma do tributo, [...] encerrando [...] o fato impeditivo, que, operando sobre o âmbito da norma do tributo, elide a eficácia desta, impossibilitando o nascimento da obrigação tributária.
Conclui, enfaticamente, afirmando que “a norma jurídica de isenção atua dentro do campo de aplicação do tributo, impedindo o nascimento da obrigação tributária”15. Autores clássicos, como Rubens Gomes de Souza, Bernardo Ribeiro de Moraes e Amílcar de Araújo Falcão, viam na isenção a renúncia ao pagamento do tributo, fundamentando essa convicção no CTN, que, nas disposições gerais do capítulo relativo à exclusão do crédito tributário, contempla a isenção como a primeira hipótese de exclusão. Hoje, segundo a palavra abalizada de eminentes autores16, essa visão parece superada. A imunidade, por sua vez, é considerada uma limitação constitucional ao poder de tributar; que alcança apenas os impostos, embora a Carta Magna de 1.988 haja contemplado expressamente algumas formas de imunidade no corpo do art. 5º. São os casos do inciso II e caput. Tanto no caso da isenção, conforme uma das correntes expostas, quanto no que se refere à imunidade, é
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AMARO, Luciano. op. cit., p. 275. AUGUSTO FILHO, João. Isenções e Exclusões Tributárias. São Paulo: José Bushatsky, 1979, p. 137. ID., IBID., p. 161. Entre outros, BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3ª ed. São Paulo: Malheiros e CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, São Paulo: Saraiva.
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válido afirmar que a não incidência decorre da inexistência de lei impositiva ou da exclusão legal da imputação de certos fatos, tendo em vista que a matriz constitucional a eles não se ajusta. A imunidade, assim, é considerada uma limitação constitucional ao poder de tributar que impede a ocorrência do fato gerador. Hugo de Brito Machado17 ensina que a imunidade é um obstáculo criado por uma norma da Constituição que impede a incidência de lei ordinária de tributação sobre determinado fato ou em detrimento de determinada pessoa ou categoria de pessoas. Para Vicente Kleber de Melo Oliveira 18, a imunidade, “vedação constitucional ao poder de tributar, emerge da Constituição e as pessoas ou bens tornam-se inatingíveis pelas leis tributárias, ou seja, não chega a ocorrer o fato gerador”. Na mesma trilha, Sacha Calmon Navarro Coêlho19 afirma que “as imunidades expressas dizem o que não pode ser tributado, proibindo ao legislador o exercício de sua competência tributária sobre certos fatos, pessoas ou situações, por expressa determinação da Constituição”. Vê-se, assim, que a questão está distante de ser pacificada, em que pese a tendência da doutrina moderna de entender a isenção como uma espécie de não incidência legalmente qualificada. Para importantes autores, já citados, as imunidades se colocam no espaço reservado à não incidência tributária. Justificam dizendo que, por restringirem o exercício da competência legislativa infraconstitucional, a imunidade não estaria inserida no campo da incidência tributária, significando, em verdade, uma prévia exclusão da própria competência tributária. Desse modo, a imunidade consiste na limitação imposta pela Lei Maior à instituição de tributos sobre determinados fatos ou situações. Vale lembrar, apenas, que a imunidade, assim como as isenções, pode encerrar caráter objetivo ou subjetivo. Como exemplo do primeiro caso, cite-se o art. 150, inc. VI, al. “d”, que veda a instituição de impostos sobre livros, jornais e periódicos, bem como sobre o papel destinado a sua impressão. A segunda hipótese, ou seja, de imunidade subjetiva, pode ser exemplificada com o art. 150, inc. VI, al. “b”, da Constituição, que proíbe a instituição de impostos sobre templos de qualquer culto.
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MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 225. OLIVEIRA, Vicente Kleber de Melo. Direito Tributário: sistema tributário nacional: teoria e prática. 1ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 125. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 7ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
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Contrariamente ao entendimento de alguns autores, sob o ponto de vista formal, não há que se confundir isenção com imunidade, visto que, apesar de ambas apresentarem como resultado prático o não pagamento do tributo, a isenção é instituída por lei, ao passo que a imunidade é prevista na Constituição. No que tange à extinção, ou revogação, dos institutos em tela, há que se estabelecer diferença. Com efeito, a isenção, concedida por lei, só pode ser revogada a qualquer tempo por outra lei de igual hierarquia, desde que não tenha sido concedida por prazo determinado e sob determinadas condições. O legislador, neste caso, tem inteira liberdade para retirar do mundo jurídico o benefício originariamente concedido, sem que o contribuinte possa interferir na vontade legislativa. De outro lado, a imunidade, tendo em vista a base constitucional que a constitui, não pode ser revogada por lei ordinária, nem, sequer, por lei complementar. Ao legislador federal, estadual ou municipal, é vedado instituir, não importa a que título ou finalidade, tributos que incidam sobre livros, jornais e periódicos ou sobre o papel utilizado na sua confecção. Por se constituir direito fundamental do indivíduo, qual seja, a liberdade de manifestação do pensamento, bem como os direitos à informação e o acesso à cultura, também ao constituinte derivado é defeso revogar a imunidade prevista no texto original. Da mesma forma, a Constituição da República assegura a livre prática religiosa mediante a imunidade que concede aos templos de qualquer culto no art. 150, inc. VI, al. “b”, e a liberdade dos partidos políticos, na al. “c”, do art. 150, inc. VI. Para Hugo de Brito Machado20, “a não incidência se configura em face da própria norma de tributação, sendo assim objeto da não incidência todos os fatos que não estão abrangidos pela própria definição legal da hipótese de incidência”. Para o autor, “a isenção é a retirada, por lei, de parcela da hipótese de incidência, ou suporte fático da norma de tributação, sendo objeto da isenção a parcela que a lei retira dos fatos que realizam a hipótese de incidência da regra de tributação”. Para Sacha Calmon Navarro Coêlho21, “a não incidência natural ou pura, como tal, inexiste, é um não-ser.” Quer dizer o autor que a isenção configura uma ausência de situação destinada a produzir efeitos de cunho jurídico tributário. Simplesmente não ocorre o fato jurígeno, no seu entender. De acordo com Sacha Calmon, “os dispositivos isencionais, assim como os imunizantes entram na composição das hipóteses de incidência das normas
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MACHADO, Hugo de Brito. op. cit., p. 224-225. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. op. cit.,, p. 849.
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de tributação, delimitando o perfil impositivo do fato jurígeno eleito pelo legislador.” Afirma ele que “as reduções de bases de cálculo e de alíquotas decorrem do modo de calcular o conteúdo pecuniário do dever tributário, determinando uma forma de pagamento que implica redução do quantum tributário”. Complementa, propondo que “reduções de bases de cálculo e de alíquotas deveriam ser sempre parciais, uma vez que as exonerações totais já são atendidas através das fórmulas isentantes e imunizantes”. Já Zelmo Denari22 se expressa de forma particular, ao afirmar que “a regra jurídica de imunidade, à semelhança da de isenção, insere-se na área de incidência tributária, porque supõe a ocorrência de fatos e acontecimentos passíveis de imposição”. Segundo o mesmo autor23, “a não incidência deve ser entendida como a inexigibilidade do tributo pela ocorrência de fato sem aptidão para gerar obrigação tributária”. Complementando, Luciano Amaro24 assevera que: [...] todos os fatos que não têm aptidão de gerar tributos compõem o campo da não incidência. Assim, podemos entender como não incidência um instituto jurídico que abarca todos os fatos estranhos à incidência de determinado tributo, ou seja, que não podem ser alcançados pela norma tributária in concreto em virtude de absoluta falta de concatenação entre o fato e a norma tributária.
Dessa forma, conclui-se que o tema é deveras polêmico, razão pela qual se debruçam sobre ele os mais destacados tributaristas modernos.
2.4. ISENÇÃO E ALÍQUOTA ZERO Partindo da premissa de que a isenção consiste na supressão da obrigação de pagar, qualquer que seja a corrente doutrinária que se considere, a exclusão do crédito se distingue da chamada “alíquota zero”, visto que, nesta, a alíquota incide efetivamente sobre uma base de cálculo, produzindo o resultado zero de valor a pagar. Lembre-se de que zero, para a matemática, é um número significativo. Neste caso, a obrigação existe e o tributo é calculado mediante a aplicação da alíquota vigente, ou seja, zero. O que se exclui, portanto, não é a obrigação tributária, mas o encargo financeiro dela decorrente.
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DENARI, Zelmo. Curso de Direito Tributário. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 163. ID., IBID, p. 161. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 10ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2004.
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Diante do benefício gerado pela liberalidade do legislador ao conceder a isenção ou ao reduzir a alíquota para zero, o que resta é a inexistência de obrigação financeira a ser adimplida. Dada a semelhança, no que se refere aos efeitos de ambos, alguns autores equiparam os dois institutos, como se fossem um único. Aurélio Pitanga Seixas Filho25, por exemplo, empresta-lhes aparente similitude, afirmando que há casos em que: [...] a isenção do imposto de importação é ampla, abrangente e incondicionada, regime jurídico idêntico ao de uma alíquota zero, ou seja, uma ausência de tributação para a mercadoria estrangeira independentemente do seu destino final e de quem seja o sujeito passivo originário e derivado.
É oportuno citar Vittorio Cassone, o qual, a propósito da confusão entre conceitos distintos, assevera que a exegese de dispositivos legais não pode prender-se à mera simplificação, na ordem do mundo dos fatos, de princípios ou institutos da maior relevância para o estudo do direito. Sem se subsumir à teoria da tipicidade cerrada em matéria tributária, entende o autor que a interpretação da lei, quando “distanciada do contexto”, pode conduzir a “absurdos”, causando impacto nas finanças do contribuinte. Diz textualmente o autor26 que: [...] uma hipótese que podemos considerar como interpretação absurda dá-se quando se pretende atribuir os mesmos efeitos jurídico-tributários a dois ou mais institutos relacionados no art. 150, § 6º, da CF, quais sejam: subsídio, isenção, redução da base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia, remissão. Isto porque, se a CF nomeou-os um a um, é obvio que cada um tem seus traços distintivos próprios e fundamentos constitucionais e infraconstitucionais diferentes.
Não há como confundir as duas hipóteses tributárias em razão da simples aparência. O conteúdo jurídico dos institutos legais não pode ficar restrito à leitura de suas características formais. A equiparação, assim, é válida apenas quanto ao efeito financeiro sobre o contribuinte, uma vez que, em ambas as hipóteses, o contribuinte se desobriga do pagamento do tributo.
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SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. “A Responsabilidade Tributária do Transportador de Mercadoria Estrangeira e do seu Agente e a Isenção do Imposto de Importação”. In: Revista Dialética, n. 7, São Paulo, 1996, p. 7. CASSONE, Vittorio. op. cit.
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2.5. ISENÇÕES AUTÔNOMAS E HETERÔNOMAS Questão polêmica no Direito Tributário diz respeito à extensão de isenções previstas em acordos, convenções ou tratados internacionais, às unidades federativas. A designação dos acordos pelo Direito Tributário Internacional, previsto no Tratado sobre o Direito dos Tratados, assinado em Viena, não segue regra específica, variando segundo a decisão dos Estados que firmam o ato. Tendo em vista que o presente estudo não se refere à dogmática própria do Direito Internacional, os acordos internacionais serão aqui nomeados sem qualquer preocupação com a sua denominação. A legislação brasileira não é clara ao lidar com o problema das isenções autônomas e heterônomas, motivo pelo qual autores e jurisprudência se debatem em defesa de posições antagônicas em relação à questão. Sacha Calmon Navarro Coêlho27 as distingue, ensinando que isenções autônomas, ou autonômicas, são “as concedidas pelo Poder Legislativo do ente público dotado pela Constituição de competência para instituir o tributo”. Já a “Isenção heterônoma é a concedida pelo Poder Legislativo de uma Pessoa Jurídica de Direito Público que não tem competência para instituir o tributo, objeto da isenção. A isenção heterônoma é a isenção de tributo de alheia competência”. A validade dos tratados repousa sobre a regra conhecida como pacta sunt servanda, segundo a qual, uma vez firmados, os acordos devem ser cumpridos pelos seus signatários, obedecido, sobretudo, o princípio da boa fé. No Brasil, é necessário o referendo do Congresso Nacional como condição de aplicação do tratado na ordem interna, conforme previsto no inc. III, do art. 84, combinado com o inc. III, do art. 49, da Constituição da República. Em outras palavras, só a partir da homologação pelo Congresso Nacional, através de Decreto Legislativo, é que o tratado internacional adquire eficácia plena no direito interno brasileiro. Na doutrina, que as trata como isenções autônomas e heterônomas, aparentemente, não há predominância de uma corrente sobre a outra. Os que as entendem como vedadas pelo direito pátrio se baseiam no fato de que, perante o modelo constitucional vigente, a União é, por definição, o ente representativo do Estado brasileiro perante a comunidade internacional, a quem compete firmar acordos, sujeitos à homologação do Congresso Nacional, conforme dispõe o art. 49, inc. I, da Constituição da República. Em razão
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Id., Curso de Direito Tributário Brasileiro, 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 303/304.
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disso, à União é vedado firmar acordos isentando o ICMS, por exemplo, quando o benefício não esteja previsto expressamente em lei estadual ou convênio entre os Estados. Para outros, no entanto, como José Carlos Magalhães28, os acordos celebrados se espraiam sobre os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a eles estendendo os benefícios e as vantagens eventualmente concedidas a outro ou outros Estados estrangeiros. A divergência reside, basicamente, no conceito de leis federais e leis nacionais. Com efeito, o nosso sistema federativo distribui a competência tributária pelos planos federal, estadual e municipal, dispensandose de lembrar que, na competência estadual, se insere a do Distrito Federal. É de se afirmar a constitucionalidade, prevalente na doutrina, do art. 98, do CTN. No dizer de Souto Maior Borges29, “na ordem internacional, é essa a configuração do tratado: expressar a vontade do Estado Nacional como um todo”, acrescentando que “quem o celebra formalmente é um órgão da União. Todavia, parte no tratado é a República Federativa do Brasil”, devendo-se entender que, “por uma ficção de direito interestatal, os Estados-membros, Distrito Federal e Municípios também estão presentes”. O texto permite concluir que, fictamente, as unidades federadas assinam, com a União, o tratado internacional, a eles se obrigando como partes da nação brasileira. Os tratados internacionais produzem efeito declaratório sobre a legislação interna da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Dessa afirmação deriva a sua força imperativa, razão pela qual se afirma a discutida constitucionalidade do art. 98, do CTN. Apenas a título de esclarecimento, ressalte-se que o termo “revoga”, nele expresso, não reflete o efeito jurídico que, à primeira vista, lhe poderia ser imputado. Na verdade, a prevalência do tratado, em sentido lato, quer dizer que a sua inserção na ordem jurídica interna suspende ou restringe os efeitos jurídicos da norma afetada, a qual, contudo, continua em vigor. O art. 98, do CTN, que literalmente dispõe que “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna e serão observados pela que lhe sobrevenha”, é questionado por José Eduardo Soares de Melo 30, o qual defende a eficácia dos acordos internacionais
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MAGALHÃES, José Carlos. O STF e as relações de direito interno e direito internacional. In: revista de direito publico, p. 122-125. BORGES, José Souto Maior. op. cit., p. 201. MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. 7ª ed. São Paulo: Dialética, 2007, p.188.
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“relativamente a tributos internos que não sejam de exclusiva competência da União sob o fundamento básico de que a esta é vedado instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios”. A afirmação tem por base o art. 151, inc. III, da Constituição de República, citado pelo Autor. Significa dizer que a vontade expressada no acordo não se restringe ao âmbito dos tributos federais, mas a todos os tributos de competência dos entes federados constitucionalmente constituídos, visto que os termos dos tratados celebrados pela União, cumprindo o status de poder político, imperam sobre a autonomia daquelas unidades. Sob essa ótica, a representação política no plano internacional confere à União o poder de impor a sua vontade à dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O Supremo Tribunal Federal, quando instado a se manifestar sobre a constitucionalidade de tratado que concedeu isenção de ICMS, reconheceu o direito da União de negociar a isenção de tributos, incluindo o imposto estadual, em processo relatado pelo Ministro Ilmar Galvão, posição hoje majoritária na doutrina brasileira. De acordo com Luciano Amaro31, “diversos autores sustentaram que os tratados não podem definir isenções de impostos estaduais ou municipais, à vista da vedação contida nesse dispositivo”. Cumpre notar que a decisão da Suprema Corte, aparentemente, esbarra no que dispõe o art. 151, inc. III, da Carta Magna, segundo o qual é vedado à União instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal e da União. A tensão gerada entre a decisão pretoriana e o entendimento de parcela da doutrina baseia-se no fato de que a União não pode decidir pela isenção de tributos de competência de outro poder quando a constituição veda expressamente essa prerrogativa. É de se esclarecer, no entanto, que a proibição contida na Carta Magna se refere à concessão de isenção de tributos incidentes sobre operações internas. Não cabe estender a interpretação do dispositivo constitucional de modo a alcançar acordos internacionais, fonte do Direito Tributário que se coloca ao largo da hierarquia das leis ou da competência específica dos poderes da República. A controvérsia é aparente, como se disse, tendo em vista que, no Brasil, a representação política no plano internacional é exclusiva do poder central.
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AMARO, Luciano. op. cit., p. 180.
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Seria pura fantasia imaginar que os entes federados pudessem concluir tratados em nome próprio e com efeitos particulares a cada um deles. Cabe recordar que a Emenda Constitucional de 1969 à Constituição de 1967 admitia a concessão de isenção de tributos estaduais e municipais pela União, desde que fossem igualmente concedidas, no âmbito federal, isenções de tributos e a dispensa das demais obrigações de natureza privada. Com a mudança no texto constitucional, essa possibilidade não mais subsiste no direito brasileiro, muito embora não seja pacífico o entendimento no sentido de se estender esse entendimento às isenções decorrentes de acordos internacionais. Luciano Amaro32 comenta que: [...] a questão da isenção de tributos estaduais ou municipais por “lei da União” sempre esteve mal posta. Na Constituição anterior, permitia-se que a União, sob certas condições, concedesse isenção de tributos estaduais e municipais (art. 19, § 2º); a atual procurou dizer o contrário. Na essência, porém, modificou-se apenas a extensão do preceito constitucional.
Roque Antônio Carrazza33, diferentemente, refuta a possibilidade da existência de isenção heterônoma. Contesta o autor o fato de a União poder celebrar tratados internacionais que disponham sobre tributos estaduais, distritais ou municipais. O mestre Aliomar Baleeiro34 é taxativo na sua recusa em aceitar a isenção autonômica, quando diz que: [...] é um equívoco supor que a proibição de conceder isenção de tributo estadual ou municipal seja vedação direcionada à competência exonerativa da União enquanto pessoa jurídica de Direito Público Interno (ordem parcial) e não como pessoa Jurídica de Direito Público Externo. A União em sendo ente central descentralizado detém posição jurídica equivalente aos Estados, Distrito Federal e Municípios. Destarte, nesta formatação de modo algum lhe seria facultado isentar tributo de esferas estaduais e municipais, razão pela qual a proibição de exercer a competência exonerativa heterônoma dirige-se à Federação ou a união
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AMARO, Luciano. op. cit., p. 181. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 492. BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, 1999, p. 640/641.
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dos Estados Membros, ordem jurídica nacional superior à federal, estadual e municipal.
Na mesma senda de Baleeiro, Heleno Torres35 diz em linhas gerais que: [...] tal questão deve ser compreendida sob a perspectiva da federação, sendo feita uma diferenciação entre ordem jurídica geral, que é inerente à República Federativa do Brasil, sujeito de direito público externo, e as ordens jurídicas internas dispostas na Constituição (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), repartição de competência que na ordem externa não tem qualquer importância, já que não possuem soberania e portanto não podem comprometer o Estado brasileiro, especificamente, no tocante à assinatura de tratados. Na ordem jurídica interna não existe hierarquia, existindo apenas igualdade no sentido real da palavra, tendo cada ente federativo autonomia frente à repartição de competência prevista constitucionalmente. Entretanto, há que se ressaltar a existência de interesses do Estado brasileiro enquanto signatário de tratados internacionais e interesses das unidades da federação, uma vez detentores da competência para instituir tributos.
Convém analisar os efeitos das isenções de tributos previstas em atos e documentos no âmbito do Mercado Comum do Sul (Mercosul), que adquiriu personalidade jurídica de direito público a partir de 1º de janeiro de 1995, em face da assinatura do Protocolo de Ouro Preto. A concessão de benefícios fiscais no âmbito internacional tem em vista o desenvolvimento econômico dos países signatários. Sob esse prisma, a renúncia fiscal é vista como um estímulo ao intercâmbio de bens e serviços que geram riqueza para os Estados. O objetivo da assinatura de tratados, portanto, reside no propósito de integrar a economia dos países, propiciando um grau de desenvolvimento e de bem-estar social que não seria possível sem a cooperação recíproca. As vantagens reveladas pelos processos de integração permitem concluir pela significativa importância dos tratados para a economia dos países signatários. Os efeitos positivos se expressam tanto no aumento do comércio intrabloco quanto no comércio com terceiros, como demonstrado pelo grande número de organismos regionais que têm sido criados em todo o mundo nas últimas décadas.
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TORRES, Heleno. Direito Tributário e Direito Privado, 2001, p. 585.
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Duas posições de certa forma antagônicas em face da competência, distinta, que lhes é atribuída pela Lei Maior, portanto, foram adotadas pelos tribunais superiores do país. Carecem, pois, o ordenamento e a jurisprudência nacionais de uma palavra final e definitiva que afaste toda a polêmica originária de uma legislação imperfeita em sua redação. Em outro célebre julgamento, o do Recurso Extraordinário n° 80.004, a Suprema Corte faz distinção entre o tratado-contrato e o tratado-lei para, então, decidir sobre a prevalência da lei interna sobre o tratado internacional. O primeiro tem por escopo os acordos em que os países dispõem sobre normas de cumprimento recíproco, em que as vantagens auferidas são distribuídas de forma equivalente entre os parceiros. Nesse tipo de acordo, a norma de direito internacional não concede privilégios a qualquer Estado que não sejam automaticamente estendidos a todos os demais. Diferentemente, o chamado tratado-lei, ou tratado normativo, contém normas de cumprimento obrigatório por todas as partes, que concordam em estabelecer compromissos de interesse comum. No citado Acórdão, o Supremo Tribunal Federal qualificou o documento firmado como um tratado-contrato, visto que, por ele, todos os países se comprometem reciprocamente pelas obrigações assumidas. Neste caso, a legislação interna prevalece sobre a vontade comum manifestada pelos países. É importante frisar, porém, que a matéria objeto do Acórdão referido diz respeito a obrigações de natureza privada e não de direito público, donde se permite deduzir que o polêmico art. 98, do Código Tributário Nacional, não foi objeto da decisão supramencionada. Segundo o dispositivo, em Direito Tributário, os tratados e as convenções internacionais prevalecem sobre a legislação interna e condicionam a legislação superveniente que disponha sobre o mesmo assunto. Assim, não resta duvidar da prevalência do tratado internacional sobre a legislação infraconstitucional, em matéria tributária, quando se instaurar o conflito. A interpretação acima é compatível com os termos do art. 146, da Constituição da República, que defere à Lei Complementar a competência para dispor sobre normas gerais de Direito Tributário, resultando, pois, que o tratado internacional há de ser visto em conformidade com o panorama jurídico estabelecido pelo Sistema Tributário Nacional, segundo o qual os tratados internacionais prevalecem sobre a legislação interna. Por outro lado, é de se afirmar que o corpo jurídico brasileiro não contempla dispositivo que infirme a prevalência dos tratados internacionais
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em confronto com a legislação interna. Em síntese, a isenção de tributos, federais, estaduais ou municipais, prevista em acordo firmado pelo Brasil e ratificado pelo Congresso Nacional, alcança todos os níveis de governo, independentemente da previsão expressa ou da prévia inserção do benefício em lei ou convênio entre os Estados-membros da Federação. É oportuno lembrar que o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT) não obriga os países a conceder isenções de produtos importados. Esse entendimento reforça a ideia de que, se facultativamente aceito, o benefício se impõe, internamente, em todo o território do ente político contratante. Não seria lícito um país assumir compromissos externamente que não pudessem ser cumpridos no âmbito interno. Sobre o tema, o STF acabou por cristalizar, através da Súmula 575, a jurisprudência sobre a isenção heterônoma. Nela afirma, textualmente, que “à mercadoria importada de país signatário do GATT (acordo hoje administrado pela Organização Mundial de Comércio) ou membro da ALALC (hoje, ALADI) estende-se a isenção do imposto sobre circulação de mercadorias concedida a similar nacional.” O STJ, por sua vez, também se pronunciou dessa maneira, editando as Súmulas de números 20 e 71, nas quais reconhece a isenção do ICM (denominação do imposto na ocasião) incidente sobre mercadoria importada de país signatário do GATT, sempre que o mesmo benefício fosse concedido a produto nacional similar. Entretanto a posição aludida não é pacífica, haja vista que, em voto proferido pelo Ministro José Delgado, o mesmo STJ, no Recurso Especial nº 90.871/PE, quando já em vigor a Constituição de 1988, entendeu que o art. 150, inc. III, restringe a competência da União para conceder isenção de ICMS mediante tratado internacional, por entender tratar-se de tributo da competência exclusiva dos Estados-membros da federação e do Distrito Federal. O eminente Ministro, assim, dá interpretação divergente ao entendimento anterior sobre o tema. Para concluir, e sem firmar posição sobre o tema, vale citar, uma vez mais, Sacha Calmon Navarro Coêlho36, que, analisando o artigo 155 da Magna Carta, assevera que: [...] a vedação das isenções heterônomas como principio é bem vinda ao federalismo e as exceções são justificáveis tendo em vista o necessário controle do export drive (esforço de exportação pela União Federal).
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COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. op. cit., p. 305.
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Desta feita, percebe-se que a hipótese de concessão mediante tratado internacional não está inserida na exceção. Além do mais, a União está sempre submetida às determinações constitucionais, sendo inconstitucional o referendo do Congresso Nacional que através de decreto legislativo conceder isenção heterônoma, já que há que se respeitar a repartição constitucional de competências.
O tema ainda permeia a mente dos estudiosos do Direito Tributário. Prosseguir na discussão da natureza e das características das isenções acordadas com outros países é contribuir para o enriquecimento do cenário jurídico, especialmente nos campos do Direito Tributário e do Direito Internacional.
2.6. ISENÇÕES TOTAIS E PARCIAIS As isenções podem ser classificadas como totais e parciais. No primeiro caso, diz-se que ocorre a hipótese da não incidência do tributo, razão pela qual a obrigação tributária não chega a se constituir. O fenômeno se passa fora do campo de incidência, fazendo excluir a própria relação jurídica tributária, que, por isso, não chega a se constituir. A isenção parcial, por sua vez, também chamada de redução de tributo, caracteriza-se pela ocorrência do fato gerador e consequente nascimento da obrigação de pagar, sendo que a lei restringe o montante da obrigação a cargo do contribuinte. A redução aqui tratada pode referir-se à base de cálculo, à alíquota ou, concomitantemente, aos dois, sem que se descaracterize o instituto. Embora a doutrina pátria não seja unânime em admitir a chamada isenção parcial, alguns estudiosos reconhecem a procedência da tese, cabendo citar, por oportuno, José Souto Maior Borges37. Para o autor: [...] as isenções totais excluem o nascimento da obrigação tributária enquanto que, nas isenções parciais, surge o fato gerador da tributação, constituindo-se, portanto, a obrigação tributária, embora o quantum do débito seja inferior ao que normalmente seria devido senão tivesse sido estabelecido preceito isentivo.
Souto Maior38 cita Pontes de Miranda, para quem “as isenções podem ser totais e parciais.” As primeiras excluem a própria obrigação tributária, ao
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BORGES, José Souto Maior. op. cit., p. 279. BORGES, José Souto Maior. Obrigação Tributária: uma introdução metodológica. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 279.
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passo que as segundas se caracterizam pela dedução do imposto na proporção estabelecida na lei. Outros, porém, como Paulo de Barros Carvalho39, preocupam-se em estremar as isenções parciais do próprio instituto da isenção tributária. Como diz o autor, a redução do critério quantitativo “não conduz ao desaparecimento do objeto”, razão pela qual não pode ser considerada isenção, mas, sim, a consequência da determinação legal no sentido de reduzir o aspecto quantitativo do tributo. Para Barros Carvalho, somente por previsão legal e disposição doutrinária tal situação jurídica é conhecida como isenção parcial. Modernamente, a doutrina dominante, já mencionada, que entende a isenção como forma de não incidência tributária, não encontra justificativa para falar em isenção parcial. Traduzindo em poucas palavras, é de se afirmar que, se a isenção se situa no espaço que transcende o campo de incidência tributária, não há que falar em não incidência, tributária, parcial. A controvérsia só encontra espaço no âmbito doutrinário, uma vez que a jurisprudência já se posicionou de forma a interpretar literalmente o disposto no art. 175, inc. I, do CTN. É importante também lembrar Sacha Calmon Navarro Coêlho40, que afirma: Ocorre, no entanto, que, à luz da teoria da norma jurídica tributária, a denominação de isenção “parcial” para o fenômeno da redução parcial do imposto a pagar, através das minorações diretas de bases de cálculo e de alíquotas, afigura-se absolutamente incorreta e inaceitável. A isenção ou é total ou não é, porque a sua essentialia consiste em ser modo obstativo ao nascimento da obrigação. Isenção é o contrário de incidência. As reduções, ao invés, pressupõem a incidência e a existência do dever tributário instaurado com a realização do fato jurígeno previsto na hipótese de incidência da norma de tributação. As reduções são diminuições monetárias no quantum da obrigação, via base de cálculo rebaixada ou alíquota reduzida.
O autor, de maneira enfática, sustenta a tese da inexistência de isenções parciais no direito brasileiro. Todavia, a polêmica sobre o conceito e a classificação das isenções no mundo jurídico está longe de se encerrar.
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CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 334. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. op. cit., p. 852.
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2.7. CONSEQUÊNCIAS DA REVOGAÇÃO DA ISENÇÃO Salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, a isenção pode ser revogada ou modificada por lei a qualquer tempo, conforme dispõe o art. 178, do CTN. A regra, todavia, condiciona a revogação à observância do preceito contido no art. 104, inc. III, do mesmo diploma, ou seja, a revogação da lei isentiva, quando referida a impostos que incidam sobre o patrimônio ou a renda, produz efeitos a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o ato é publicado. A dilação referida não se confunde, evidentemente, com o princípio da anterioridade da lei, uma vez que este é aplicado aos casos de criação ou de majoração de tributos, e não de eficácia de lei revogadora da isenção. O art. 178, do CTN, deve também ser interpretado em conformidade com o disposto no art. 5º, inc. XXXVI, da Constituição Federal, segundo o qual a lei não pode causar restrições ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. A isenção, portanto, concedida com base no cumprimento de condição imposta ao contribuinte e mediante prazo certo, implica direito adquirido para o contribuinte, desde que as condições estabelecidas tenham sido adimplidas e que não se tenha expirado o prazo de vigência da isenção. A isenção por prazo certo e sob condições vincula o sujeito ativo, visto que, em tese, o contribuinte se dedicou a uma atividade que talvez não fosse da sua conveniência caso a lei não o seduzisse com a oferta da isenção. A contrapartida, de caráter obrigatório para o sujeito passivo, assegura-lhe o direito subjetivo consistente na impossibilidade de revogação unilateral, previsto na Constituição da República. Os tribunais superiores, e reiteradas vezes o Supremo Tribunal Federal, têm consagrado esse entendimento, tendo o STF expedido a Súmula 544, segundo a qual “isenções tributárias concedidas sob condição onerosa não podem ser livremente suprimidas”. É, ainda, digna de menção, por sua pertinência, a Súmula 615, do STF, que dispõe que “o princípio constitucional da anualidade não se aplica à revogação de isenção do ICM”. Ressalte-se que a súmula, embora se refira ao imposto que antecedeu o atual ICMS, se mantém válida e oportuna, uma vez que estruturalmente o imposto conserva sua característica de tributo sujeito à anterioridade da lei, na súmula chamada de anualidade.
3. ANISTIA Nos termos do art. 180, do Código Tributário Nacional, a anistia corresponde à exclusão do crédito referente à infração cometida por descumprimento de obrigação tributária. Diz, textualmente, o artigo:
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Art. 180 – A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede, não se aplicando: I – aos atos qualificados em lei como crimes ou contravenções e aos que, mesmo sem essa qualificação, sejam praticados com dolo, fraude ou simulação pelo sujeito passivo ou por terceiro m benefício daquele; II – salvo disposição em contrário, às infrações resultantes de conluio entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas.
Forçoso é destacar que a anistia abrange fatos ocorridos em data anterior à da publicação da lei que a concede, aplicando-se retroativamente às infrações cometidas pelo contribuinte. As ilicitudes praticadas posteriormente, portanto, não estão contempladas pela lei de anistia. Segundo Bernardo Ribeiro de Moraes41, o termo “anistia”, conforme dicção do art. 180, do CTN, em Direito Tributário, não discrepa do sentido que lhe é atribuído no Direito Penal, qual seja, o de excluir apenas a penalidade aplicada em face do cometimento de infrações, ressalvadas aquelas caracterizadas como crimes ou contravenções. Diz o autor: No direito tributário, a palavra anistia continua sendo empregada na sua termologia jurídico-penal, para casos de infração tributária. A anistia equivale ao perdão, ao esquecimento da infração punível, deixando o anistiado de receber a penalidade. O Poder Público, no caso, vem “passer l´éponge” na penalidade, conforme assinala Louis Trotabas (LXII, pág. 322). Circunstâncias excepcionais, de interesse social ou político, permitem a concessão da anistia, fazendo-se com que as infrações tributárias desapareçam juridicamente.
Por sua vez, Paulo de Barros Carvalho42 ressalta o duplo caráter da anistia, dizendo constituir, a um só tempo, o perdão da falta cometida pelo infrator e, também, o perdão da penalidade que lhe deve ser imposta, distinguindo, assim, a anistia da remissão. Afirma o autor: Remitindo, o Estado dispensa o pagamento do crédito relativo ao tributo e, pela anistia, dá-se o perdão correspondente ao ato ilícito ou à penalidade pecuniária. As duas realidades são parecidas, mas estão subordinadas a regimes jurídicos bem distintos. A remissão se processa
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MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 590. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1981, p. 310.
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no contexto de um vínculo de índole obrigacional tributária, enquanto a anistia diz respeito a liame de natureza sancionatória, podendo desconstituir a antijuricidade da própria infração.
É de se discordar dessa afirmativa, uma vez que o caput do art. 172, do CTN, diz expressamente que “a lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder [...] remissão [...] do crédito tributário [...]”, não restando qualquer dúvida, portanto, quanto à sua interpretação no sentido abrangente da hipótese de extinção do crédito tributário. Assinale-se que, enquanto a anistia se refere a infrações que ainda não foram objeto de lançamento do crédito relativo à penalidade a ser aplicada, a remissão diz respeito ao crédito tributário já constituído, que, pela anistia, é extinto. O descumprimento da obrigação tributária, ou seja, a prática de uma infração à legislação tributária, faz nascer o direito do sujeito ativo de constituir o crédito relativo à penalidade a ser aplicada ao contribuinte faltoso. Por disposição legal, a administração tributária deixa de conhecer a infração para não lançar o crédito apurado e devido. Anistiando, o sujeito ativo deixa de constituir, pelo lançamento, o crédito a que corresponderia o descumprimento da lei tributária. Neste caso, é, como diz Bernardo Ribeiro de Moraes, citando Trotabas, uma espécie de “esquecimento” da infração cometida. A administração “finge não ver” a falta praticada para não ter que aplicar a penalidade correspondente. Já na remissão, o sujeito ativo abdica do seu direito subjetivo de exigir o cumprimento da obrigação constituída, seja a título de tributo, seja de penalidade. Alguns autores, porém, entendem que a remissão dispensa, tão somente, a penalidade. Para Sacha Calmon Navarro Coêlho43, o perdão não se restringe à penalidade, o que se faz deduzir da sua afirmação no sentido de que a remissão constitui a “[...] dispensa legal de pagamento do tributo devido[...].” O texto das leis concessivas da remissão e da anistia, porém, não diferencia as duas categorias. Normalmente, estas leis empregam o termo “cancelamento” indistintamente para se referir a uma e a outra forma, indistintamente.
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COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo. São Paulo: RT, 1982, p. 204.
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Repetição de Indébito
Marcus Abraham Doutor em Direito Público – UERJ Professor Adjunto de Direito Financeiro da UERJ Procurador da Fazenda Nacional
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I. INTRODUÇÃO Com um sistema tributário tão complexo, dinâmico e volátil como o brasileiro, não é incomum que o contribuinte, em algum momento das suas atividades, acabe por pagar um tributo indevidamente. Seja porque, simplesmente, cometeu um equívoco quanto ao seu valor, quanto a sua guia de recolhimento ou respectivo preenchimento, seja porque aquele tributo restou afastado do ordenamento jurídico por uma declaração de inconstitucionalidade subsequente ou, meramente, porque não tenha, efetivamente, realizado o fato gerador. Não importe o motivo a que deu causa ao pagamento indevido, o fato é que o mesmo deve ser devolvido ao contribuinte, sob pena de caracterizar-se um enriquecimento indevido por parte do Estado, através do ingresso de uma receita financeira não reconhecida ou prevista pelo ordenamento jurídico, violando-se, assim, não apenas o princípio da legalidade, mas também o princípio da moralidade, esculpido no artigo 37 da Constituição Federal de 1988. Este procedimento pode se dar na via administrativa ou na judicial, a que for mais conveniente e efetiva ao contribuinte, já que, em qualquer dos casos, o ordenamento jurídico lhe socorre ao prever fundamentos e estabelecer procedimentos para o pedido de restituição do tributo pago indevidamente.
II. O CONCEITO
DE
“REPETIÇÃO
DO INDÉBITO
TRIBUTÁRIO”
O vocábulo repetere tem sua matriz no latim, significando o ato ou efeito de repetir, devolver o que foi pago a mais, por erro ou boa-fé. Assim, o conceito de restituição ou repetição está ligado à ideia de pagamento indevido, tendo como fundamento o locupletamento sem causa daquele que o recebeu, considerado originalmente pelo direito romano como um enriquecimento ilícito e imoral. A expressão “repetir”, portanto, origina-se da literalidade de pedir de volta. O Código Civil de 2002 dispõe no seu artigo 876 que: “Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição”. E no artigo 884 afirma que: “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”. No caso da repetição do indébito tributário, o contribuinte que paga um tributo que não deveria estará, de alguma forma, carreando recursos para os cofres públicos sem que tenha efetivamente esta obrigação e, por outro lado, o Fisco estará recebendo uma receita sem que tenha realmente o direito sobre
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ela, tendo a obrigação de restituí-la na forma dos artigos 165 e seguintes do Código Tributário Nacional. O referido artigo assim determina: Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos: I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido; II – erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.
Portanto, o próprio Código Tributário Nacional considera a repetição do indébito tributário como um direito potestativo do contribuinte, já que afasta a necessidade de prévio protesto e ainda ressalta não importar a causa ou modalidade do seu pagamento. Há, também, quem entenda que a compensação do crédito tributário entre o contribuinte e a Fazenda Pública seria uma espécie de repetição do indébito, já que o seu efeito financeiro seria o mesmo, na medida em que o contribuinte receberia de volta – fictamente – o valor pago indevidamente, através da compensação com o valor que teria a pagar a título de tributo devido. Neste sentido, Vitório Cassone1 entende ser “uma restituição em sentido amplo”. Não se deixa de ter razão, já que este procedimento trata da situação de duas pessoas que são, ao mesmo tempo, credora e devedora, reciprocamente, devendo ser efetuado entre dívidas líquidas, vencidas e coisas fungíveis. Assim é que o Código Civil trata do instituto, no artigo 368, ao dispor que: “Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”. E no dispositivo imeiatamente seguinte, prescreve: “A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis”. E, no campo fiscal, não passaria, pois, de uma forma de extinção das obrigações, inclusive prevista no artigo 156, inciso II do CTN, ao lado do pagamento e no
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CASSONE, Vittorio. Processo Tributário, 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 259.
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próprio artigo 170, que dispõe especialmente sobre o instituto da compensação. Embora sendo um mecanismo mais eficaz para obter o mesmo efeito da restituição, devemos atentar para a necessidade de haver procedimento próprio previsto em lei para a realização da compensação, pois a autoridade administrativa deverá pautar os seus atos nas regras previamente estabelecidas, não havendo qualquer margem de subjetivismo na análise do cabimento dos pedidos. Poderíamos, em uma breve síntese, relacionar os requisitos ao procedimento da compensação no direito tributário como mecanismo substituto para a repetição do indébito: a)
reciprocidade: ambas as partes devem ser, ao mesmo tempo, credora e devedora uma da outra. Assim sendo, os créditos e as dívidas tributárias municipais, estaduais e federais somente se compensam entre si;
b)
liquidez: deverá existir a certeza da existência da dívida e do crédito (comprováveis de plano) e a determinação de sua quantia, contendo critérios previamente definidos para o cálculo (tais como a base de cálculo, a alíquota, a atualização monetária, a incidência de juros etc.);
c)
exigibilidade: pelo menos uma das dívidas deve encontrar-se vencida (que exista crédito do contribuinte), pois o art. 170 do CTN permite a compensação apenas com obrigações vincendas;
d)
fungibilidade: substituição de uma dívida pela outra.
e)
lei: a compensação, como procedimento fiscal, deverá estar autorizada e regulada por lei, conforme prevê o próprio Código Tributário Nacional.
Pelo exposto, vê-se que o direito a repetição do indébito tributário nasce pelo pagamento não previsto em lei, de uma quantia que se originaria de uma obrigação tributária, cuja natureza – de indébito – impõe a sua devolução por parte da Fazenda Pública ao contribuinte, que poderá fazê-lo nas vias administrativas ou judiciais, seja pelo próprio procedimento de restituição ou, sendo possível e previsto em lei, pelo procedimento de compensação.
III. A NATUREZA JURÍDICA DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO Há muito que se discute sobre a natureza jurídica do indébito tributário, justificando-se o questionamento na medida em que esta nomenclatura seria indevidamente utilizada, uma vez que a importância que fosse paga àquele
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título somente teria natureza tributária se fosse constituída e cobrada corretamente, resultado de exigência veiculada pela Constituição Federal e demais normas fiscais, o que, por consequência, retiraria a obrigatoriedade da sua restituição, porque tributo corretamente instituído e cobrado é tributo efetivamente devido. E, a contrário sensu, se de fato o valor pago, objeto do pedido de restituição, for efetivamente indevido e efetivamente restituível, este não teria natureza tributária, seja por ser objeto de cobrança originária de lei inconstitucional, seja por ato administrativo irregular ou, simplesmente, por erro material do contribuinte. Seria, assim, considerado um pagamento sem causa ou mesmo uma prestação pecuniária de fato ou inominada, representando mero ingresso financeiro de natureza provisória, desprovido de qualquer fundamento jurídico que lhe pudesse regularmente constituir. Entretanto, os efeitos práticos deste questionamento não são relevantes, quando muito estariam relacionados com os meios e as formas do pedido de repetição ou de compensação (requerimentos administrativos ou judiciais). E, na mesma linha, é indiferente ser ou não ser o “indébito tributário” efetivamente um tributo quando se debatem questões relativas à prescrição ou à decadência, pois, quando o devedor é a Fazenda Pública, o prazo prescricional será cinco anos, na forma do art. 1º do Decreto nº 20.910, de 06/01/32, que assim prescreve: “As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em 5 (cinco) anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem”. E, na mesma linha, assim estabelece o artigo 168 do Código Tributário nacional, ao dispor que “O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos [...]”.
IV. FUNDAMENTOS DO PEDIDO DE RESTITUIÇÃO E COMPENSAÇÃO Se uma importância paga à Fazenda Pública, de natureza tributária ou não, foi considerada indevida, sejam quais forem os motivos, vários serão os fundamentos para a sua restituição, alguns previstos na Constituição Federal, outros estabelecidos no próprio Código Tributário Nacional, e ainda aqueles previstos em legislação específica. O primeiro e principal fundamento seria a violação ao direito de propriedade, expresso no artigo 5o, inciso XXII da Constituição Federal. Isto porque, sempre que ocorre o indébito tributário, o Estado se apodera de uma parcela da propriedade do contribuinte, sem respeitar o devido procedimento para tanto, já que existem
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hipóteses constitucionalmente definidas que autorizam – excepcionalmente – ao Estado restringir ou se apropriar da propriedade do particular, de forma compulsória: a) função social da propriedade (art. 5, XXIII, e 170, III, CF); b) desapropriação por necessidade pública (art. 5, XXIV); c) multa pecuniária ou perda de bens (art. 5, XLVI, CF); d) poder de tributar (arts. 145 a 156, CF). Este fundamento encontra, também, guarida no direito fundamental “ao devido processo legal”, garantido no artigo 5o, inciso LIV, da Constituição Federal, pois a apropriação de qualquer importância somente será legítima ao se realizar em conformidade com alguma das quatro hipóteses já mencionadas. Outro fundamento estaria no Princípio da Legalidade Tributária, estabelecido expressamente no artigo 150, inciso I da Constituição Federal, que vincula a atividade fiscal à previsão em lei, e a sua violação determinaria, por total ausência de fundamentos, a necessária restituição da exação. Se todo tributo nasce por lei e se ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, o seu pagamento configuraria um ato desprovido de causa. Ademais, a própria Constituição federal determina a imediata restituição do indébito, disposição esta expressa no parágrafo 7o do mesmo artigo 1502, que foi incluído pela Emenda Constitucional nº 03/93, para solucionar os questionamentos em relação ao fato gerador presumido que surge nos regimes de substituição tributária. Entendemos, entretanto, que esta determinação não se refere exclusivamente aos tributos sujeitos ao regime da substituição, já que qualquer indébito tributário terá a mesma natureza, independente do mecanismo de apuração, lançamento e pagamento. Ainda em nível constitucional, temos o Princípio da Moralidade, previsto no artigo 37 da Carta constitucional, cuja essência e valor impõem ao Estado o dever de realizar a sua atividade de maneira justa, pautadas na ética e na boa-fé, sendo que este somente poderia vir a se opor à restituição do imposto indevidamente recolhido, desde que a sua manifestação de oposição fosse devidamente fundamentada em lei, não podendo impor ao contribuinte procedimentos impeditivos, restritivos, limitadores ou meramente procrastinatórios à realização do seu direito de restituição. Neste sentido, afirma Edmar Oliveira Andrade Filho3 que “a retenção, pelo Estado, de valores
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Artigo 150, § 7º, Constituição Federal: “A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”. ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. “Repetição do Indébito Tributário – um Enfoque Constitucional”. In: Problemas de Processo Judicial Tributário. São Paulo: Dialética, 2002. p. 120.
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recebidos a maior ou indevidamente, ofende aos princípios da legalidade, vulnera a proteção constitucional à propriedade e faz escárnio do princípio da moralidade administrativa”. Na esfera infraconstitucional, podemos também encontrar fundamento legal para a restituição do indébito no Código Tributário Nacional, previsto expressamente no artigo 165, dispondo sobre este direito nos seguintes casos: I – cobrança ou pagamento a maior em face da legislação aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador: Na primeira parte desta regra, temos o “erro de direito” por ilegalidade ou inconstitucionalidade do dispositivo aplicado pelo Fisco. Na segunda parte, temos o “erro de fato”, que se refere à situação material configurada na lei, pensada pelo contribuinte ou agente público como ensejadora da obrigação fiscal; II – erro na identificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante devido ou na análise de qualquer documento relativo ao pagamento. Neste caso, estamos também diante do “erro material” do contribuinte ou do agente público; III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória. Neste caso, trata-se de uma decisão administrativa ou judicial que, após alteração vindo a ser favorável ao contribuinte, enseja a restituição. Enquanto, nos dois primeiros casos, vislumbramos o pagamento espontâneo do contribuinte, no terceiro este seria inicialmente compelido ao pagamento por uma decisão administrativa ou judicial que tenha sido posteriormente alterada, ensejando a restituição. Já a modalidade de restituição através da compensação, anteriormente analisada, encontra-se prevista no artigo 170 do Código Tributário Nacional, ao dispor que: [...] a lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.
E importante ressalvar que, para o exercício do direito à compensação, deverá, igualmente ao de restituição, ser previamente declarado e reconhecido o indébito, seja nas vias administrativas ou judiciais.
V. O PEDIDO
DA
REPETIÇÃO
DO INDÉBITO
O pedido de restituição pode ser dirigido diretamente à administração pública, pela via administrativa, embora não haja óbice legal a que tal pedido seja requerido perante o judiciário, pois é assegurado constitucionalmente o
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livre acesso à justiça, na forma do artigo 5o inciso XXXV, ao dizer que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”. Há, todavia, entendimentos em contrário ao uso do judiciário como foro de origem do pedido de restituição. Argumenta-se que deveria haver alguma resistência – sobre a forma ou sobre o conteúdo do pedido – por parte do Fisco, para que haja interesse processual ao pedido de repetição ou de compensação, já que a constituição somente assegura o livre acesso à justiça quando houver lesão ou ameaça de direito e, no caso, estes somente se configurariam pela resistência no atendimento do pedido feito administrativamente. Ademais, considera-se como função primordial do Judiciário dar solução aos conflitos de interesses que de outra forma não foram resolvidos, e não ser uma atividade meramente administrativa, especialmente tendo em vista o princípio da separação dos poderes. Será passível de restituição tudo o que tiver sido pago indevidamente, somando-se ao valor principal do tributo os acréscimos que foram também recolhidos, inclusive os juros de mora e as penalidades pecuniárias incidentes, conforme prevê o artigo 167 do Código Tributário Nacional. Mas, sobre estes acréscimos, há algumas questões controvertidas que se colocam constantemente, especialmente sobre a forma da atualização monetária e os juros incidentes no direito de restituição. Assim sendo, comumente questionam-se: a) a partir de que momento incidirá a correção monetária e os juros; b) que índices de atualização monetária serão aplicáveis; c) que espécies de juros incidem na devolução: os moratórios, os compensatórios ou ambos. Não há dúvida de que a correção monetária deverá ser aplicada, a fim de devolver ao valor objeto de restituição ou de compensação a mesma dimensão financeira de quando fora pago indevidamente. Atualizar monetariamente significa restaurar o valor da moeda devido ao seu enfraquecimento pela corrosão feita em períodos de inflação monetária, sem que lhe seja acrescido qualquer importância nova. Assim sendo, nesta atualização, não deverá constar ou ser a ela acrescido qualquer valor ou índice a título de remuneração do capital (juros)4, mas tão somente aqueles valores capazes de restaurar no tempo o valor financeiro original. E a Súmula 162 do STF entende ser devida a sua incidência a partir da data do pagamento indevido.
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Entende-se que a TRD, instituída pela Lei n. 8.177/91, que extinguiu índices como o BTN, o MVR e IPC, não pode ser utilizada como índice de atualização monetária, pois nela está embutido um valor a título de taxa de juros, devendo, portanto, ser substituída pelo INPC.
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Com relação aos índices de atualização monetária, predomina o entendimento de que se aplicam, apenas, os índices oficiais divulgados pelo poder público e com a devida previsão legal, afastando-se quaisquer outros de natureza privada, ainda que originários de instituições reconhecidas. Neste sentido, muito se questionam, hodiernamente, sobre a inclusão dos “expurgos inflacionários” nas restituições em favor do contribuinte, relativos a períodos a que se referem os pagamentos. Prevalece nos tribunais superiores o entendimento de que são devidos apenas os seguintes índices: 1) até fevereiro de 1986, aplica-se a variação nominal da ORTN, na forma da Lei n. 4.357/ 64; 2) em março de 1986, a variação da OTN, atrelada ao IPC/IBGE, criado pelo “Plano Cruzado”; 3) de janeiro de 1989 até fevereiro de 1991, aplicamse os percentuais de 42/72%5 , 10,14%, 44,80%, 7,87% e 21,87% para atualização dos meses de janeiro e fevereiro de 1989, março, abril e maio de 1990 e fevereiro de 1991, respectivamente; 4) a partir de março de 1991 a dezembro de 1991, aplica-se o INPC/IBGE; 5) a partir de janeiro de 1992, aplica-se a variação da UFIR, nos termos da Lei n. 8.383/91. Quanto aos juros cabíveis, inicialmente incumbe esclarecer que os juros moratórios se referem ao atraso no cumprimento de uma obrigação, como o pagamento de um tributo após o seu vencimento ou a demora da sua restituição após a determinação administrativa ou judicial. Já os juros compensatórios se referem a remuneração pela utilização do capital alheio. Desta maneira, entende-se serem inaplicáveis à Fazenda Pública os juros compensatórios. Já a respeito dos juros moratórios, não capitalizáveis, a sua incidência se dará a partir do trânsito em julgado da decisão definitiva que determinar a restituição do indébito, na forma do disposto no parágrafo único do artigo 167 do Código Tributário Nacional e da Súmula 188 do STJ. Há quem entenda6, todavia, que os juros moratórios deveriam incidir a partir das datas dos recolhimentos indevidos, fundado no princípio da equidade, já que o artigo 161 determina que ao crédito não pago integralmente no vencimento deve ser acrescido de juros de mora, a contar do atraso. Entretanto, deve-se ponderar que a mora do
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Em relação aos meses de janeiro e de fevereiro de 1989, os contribuintes postulavam o índice de 70,28%. Entretanto, verificou-se que o IPC de janeiro foi calculado com base em 51 dias, abrangendo a variação de preços entre 30/11/88 e 20/10/89, gerando, portanto, superposição de índices, já que o IPC de dezembro de 1988 já levou em consideração a sua respectiva variação de preços. Assim sendo, no STJ, acabou sendo firmando entendimento que o valor devido seria de 42,72%. CAIS, Cleide Previtalli. “O Processo Tributário”. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 337.
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contribuinte existirá sempre a partir do momento em que este atrasar o cumprimento da sua obrigação regular e legalmente instituída. Já a mora da Fazenda Pública somente ocorrerá a partir do momento em que esta for definitivamente determinada, seja na via administrativa ou na judicial, o que ocorre somente com o trânsito em julgado do respectivo processo. Finalmente, dispõe o parágrafo único do artigo 1617 do Código Tributário Nacional, aplicável ao atraso no pagamento de tributo pelo contribuinte, que, na omissão da lei, os juros de mora serão calculados à taxa de 1%. Por isonomia, este dispositivo é aplicável à restituição ou compensação do indébito, já que, no respectivo capítulo, nada é regulado sobre o valor. Assim, restou pacificado que serão devidos os juros de mora da seguinte forma: a) 12% a.a. para pagamentos devidos até 29/07/91 (art.161, §1º, CTN); b) TRD para pagamentos de 30/07/91 à 31/12/94 (Lei 8.981/95); c) taxa média mensal de captação do Tesouro Nacional relativa à Dívida Mobiliária Interna para pagamentos entre 01/01/95 à 31/12/95 (Lei n. 8.981/95); d) SELIC a partir de 01/01/96 (parágrafo 4o, do artigo 39, da Lei 9.250/95).
VI. QUESTÕES PROCESSUAIS
DO
PEDIDO
DE
RESTITUIÇÃO
Raramente um pedido de repetição de indébito vem desacompanhado da necessidade do seu prévio reconhecimento, a fim de confirmar a existência de importâncias pagas indevidamente. Assim, grande maioria das medidas judiciais tributárias acaba tendo como pedido sucessivo o requerimento judicial para determinação da restituição ou da compensação, na forma como entende o requerente. Nesta linha, o autor da ação, após requerer a declaração de existência ou de inexistência da relação jurídica (tributária), requer ao juízo a condenação da Fazenda Pública à devolução ou à compensação do que fora pago indevidamente ou à maior. O direito à devolução ou à compensação do indébito tributário nasce com a ocorrência do evento do pagamento indevido e caberá ao legitimado juntar ao processo judicial os documentos comprobatórios do recolhimento do tributo, na forma dos artigos 283, 284 e 396 do Código de Processo Civil, representando, assim, uma condição da ação. Existem, todavia, exceções a tal obrigação, como é
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Artigo 161 do Código Tributário Nacional: “O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária”.
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o caso da dispensa de apresentação dos comprovantes relativos aos recolhimentos do empréstimo compulsório de gasolina e álcool para veículos automotores, já que o disposto no parágrafo 1o do artigo 16 do Decreto-lei 2.288/868 autoriza a apresentação apenas de prova da propriedade do veículo no período da restituição, que se fará, neste caso, pela média nacional de consumo, conforme cálculos da Secretaria da Receita Federal. Caso pretenda, entretanto, repetir o tributo na totalidade do consumido, deverá apresentar as Notas Fiscais juntamente com o documento do veículo. Este mecanismo resolve a grande maioria dos casos, já que nunca foi costume do brasileiro solicitar as notas fiscais nos postos de combustíveis, o que acabaria por obstar a pretensão à restituição. Todavia, nem sempre esta condição (apresentação dos documentos de pagamento do indébito) é suficiente para o exercício do pedido de restituição. Isto se dá pois determinados tributos, por sua própria natureza, permitem que a carga fiscal seja transferida à outra pessoa. Tais tributos são considerados pela doutrina e pela jurisprudência como tributos indiretos, sendo a transferência da carga fiscal feita do contribuinte de direito (que realiza o fato gerador e tem a obrigação legal de recolher o tributo) ao contribuinte de fato (que arca com o custo financeiro que lhe é repassado na relação econômica, por ser incluído no preço da mercadoria ou do serviço). Em contraposição a estes, temos os tributos diretos, que incidem exclusivamente sobre quem a norma legal pretendia atingir e não são passíveis de transferência. No primeiro caso, dizemos que são impostos que incidem sobre a despesa, ao passo que, no segundo, incidem sobre o patrimônio ou a renda9. Quando isso ocorre, o artigo 16610 do CTN estabelece que a sua restituição somente poderá ser feita por quem provar ter assumido o referido encargo ou estar autorizado a recebê-lo por quem tiver arcado com ele, sob pena do locupletamento indevido daquele que não arcou com o tributo e poderia estar eventualmente obtendo a sua restituição.
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TRF – 2ª R. – SÚMULA Nº 11 – DESNECESSÁRIA A APRESENTAÇÃO DOS COMPROVANTES DE AQUISIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS – GASOLINA OU ÁLCOOL CARBURANTE – NA AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DO EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO INSTITUÍDO PELO DECRETO-LEI NR. 2288, DE 23 DE JULHO DE 1986, QUE ESTABELECEU, DESDE LOGO, A SISTEMÁTICA DE CÁLCULO PARA SUA DEVOLUÇÃO (ART.16). TRF 4ª R. – SÚMULA 33 – A devolução do empréstimo compulsório sobre combustíveis (art. 10 do Decreto-lei n°2288/86) independe da apresentação das notas fiscais. DJ (Seção 2) de 08-09-95, p.58814. Embora seja pacífico o entendimento de que todos os tributos seriam passíveis de transferência para o contribuinte de fato, conforme os mais variados mecanismos oferecidos pelas leis de mercado, inclusive o Imposto sobre a Renda. Há quem entenda (dentre eles Edmar Oliveira Andrade Filho. op. cit. p. 66-70) que este dispositivo seja inconstitucional, por estabelecer restrições não razoáveis para a devolução de tributos recebidos sem supedâneo em lei.
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A própria jurisprudência sumulada do STJ evoluiu neste sentido, ao determinar, inicialmente, na Súmula 71, que: “Embora pago indevidamente, não cabe a restituição”; e, posteriormente, revogado-a, emite a Súmula 546, que estabeleceu que: “Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto o quantum respectivo”. Neste tema ainda deveras controvertido, percebe-se que tanto a legislação quanto os tribunais vêm alijando o “contribuinte de fato” do polo ativo na repetição do indébito, deixando a respectiva legitimidade apenas ao “contribuinte de direito”. Talvez uma das questões processuais mais controvertidas a respeito da repetição do indébito tributário seja a definição do prazo prescricional. Os prazos para que o contribuinte realize o seu pedido de repetição de indébito vêm estabelecidos no 168 do Código Tributário Nacional11, que expressa o limite de cinco anos, contados do pagamento indevido ou da data do trânsito em julgado da decisão que lhe for favorável. Ademais, a título de complemento exegético, temos a regra do artigo 174 do CTN, que estabelece que a ação para a cobrança de um determinado crédito tributário prescreve, igualmente, em cinco anos contados da sua constituição definitiva. A controvérsia, entretanto, surge nos casos dos tributos sujeitos a lançamento por homologação12, em que a Fazenda Pública teria cinco anos, a contar do pagamento, para lançá-lo tácita ou expressamente e, neste caso, tanto a doutrina quanto os tribunais consolidaram a tese comumente denominada de “cinco + cinco” para a repetição do indébito tributário, permitindo a dilação do prazo prescricional em até dez anos. Esta posição encontra-se delineada em diversos julgados do STJ, restando claramente sintetizada no julgamento do Recurso Especial nº 517.953, in verbis: BRASIL – STJ – RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. FINSOCIAL. COMPENSAÇÃO. PRESCRIÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. ÍNDICES. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. RESTITUIÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. DISSÍDIO
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O artigo 169 do Código Tributário Nacional estabelece que o contribuinte terá o prazo de dois anos para promover a medida judicial para anular a decisão administrativa que denegar seu pedido de restituição. O artigo 150 do Código Tributário Nacional assim prescreve: “O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. § 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.”
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PRETORIANO. SÚMULA N. 83/STJ. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial n. 435.835-SC (relator para o acórdão Ministro José Delgado), firmou o entendimento de que, na hipótese de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo para a propositura da ação de repetição de indébito é de 10 (dez) anos a contar do fato gerador, se a homologação for tácita (tese dos “cinco mais cinco”), e, de 5 (cinco) anos a contar da homologação, se esta for expressa. (DJ11.04.2005).
Entretanto, em sentido contrário, afirma-se que este raciocínio estaria equivocado se fosse feita uma análise mais detida ao disposto no parágrafo primeiro do artigo 150 do CTN, para o qual o pagamento antecipado pelo obrigado extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento. Isto porque, se o pagamento feito produz os seus efeitos plena e imediatamente, inclusive sendo capaz de extinguir o crédito desde o momento da sua realização, a condição resolutiva aludida pela norma, por sua natureza, ocorrendo, viria apenas para retroagir e apagar os efeitos ocorridos já definitivamente consolidado, gerando, apenas, um novo lançamento para cobrar o que entendesse devido. Portanto, afirma-se haver uma condição resolutória e não uma condição suspensiva que pudesse postergar o início da contagem do prazo prescricional. Outrossim, é também questionado o início da contagem do prazo prescricional em caso de decisão declaratória do STF que julga inconstitucional tributo devido. Segundo o Ato Declaratório nº 96/9913 da Secretaria da Receita Federal, o prazo para que o contribuinte possa pleitear a restituição de tributo ou contribuição pago indevidamente ou em valor maior que o devido, na hipótese de o pagamento ter sido efetuado com base em lei posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em ação declaratória ou em recurso extraordinário, extingue-se após o transcurso do prazo de cinco
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Ato Declaratório SRF nº 096, de 26 de novembro de 1999: O SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL, no uso de suas atribuições, e tendo em vista o teor do Parecer PGFN/CAT/Nº 1.538, de 1999, declara: I – o prazo para que o contribuinte possa pleitear a restituição de tributo ou contribuição pago indevidamente ou em valor maior que o devido, inclusive na hipótese de o pagamento ter sido efetuado com base em lei posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em ação declaratória ou em recurso extraordinário, extingue-se após o transcurso do prazo de 5 (cinco) anos, contado da data da extinção do crédito tributário – arts. 165, I, e 168, I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional). II – o prazo referido no item anterior aplica-se também à restituição do imposto de renda na fonte incidente sobre os rendimentos recebidos como verbas indenizatórias a título de incentivo à adesão a Programas de Desligamento Voluntário – PDV.
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anos, contados da data da extinção do crédito tributário. Entretanto, a jurisprudência se alinha no sentido de que tal prazo de cinco anos se inicia somente a partir do trânsito em julgado desta decisão. Assim, sedimentou-se que, nas ações em que se questiona a devolução (repetição ou compensação) de tributos lançados por homologação declarados inconstitucionais pelo STF, o termo a quo da prescrição seria: 1) a data da publicação da resolução do Senado Federal nas hipóteses de controle difuso de constitucionalidade (EREsp 423.994/MG); e 2) a data do trânsito em julgado da decisão do STF que, em controle concentrado, concluiu pela inconstitucionalidade do tributo (REsp 329.444/DF). Tal pronunciamento jurisprudencial pautava-se na boa-fé do contribuinte que, agindo de acordo com o ordenamento jurídico positivo, e em face da presunção de legalidade e legitimidade das normas tributárias, adimplia a exação, mas, se surpreendido com a declaração de inconstitucionalidade difusa, teria o direito, a partir de então, de repetir o que indevidamente havia recolhido, porque injusto seria aplicar a prescrição da data do efetivo pagamento que realizara. Posteriormente, ainda utilizando a tese dos “5 + 5 anos”, o STJ uniformizou a questão da prescrição nas relações tributárias, em acórdão de lavra do Exmo. Ministro Luiz Fux (AgRg no REsp 673225-CE), firmando o seguinte entendimento: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. 1. Versando a lide tributo sujeito a lançamento por homologação, a prescrição da ação de repetição/compensação de valores indevidamente recolhidos deve obedecer o lapso prescricional de 5 (cinco) anos contados do término do prazo para aquela atividade vinculada, a qual, sendo tácita, também se opera num quinquênio. 2. O E. STJ reafirmou a cognominada tese dos 5 (cinco) mais 5 (cinco) para a definição do termo a quo do prazo prescricional, nas causas in foco, pela sua Primeira Seção no julgamento do EREsp nº 435.835/SC, restando irrelevante para o estabelecimento do termo inicial da prescrição da ação de repetição e/ou compensação, a eventual declaração de inconstitucionalidade do tributo pelo E. STF. 3. Consequentemente, o prazo prescricional para a repetição ou compensação dos tributos sujeitos a lançamento por homologação começa a fluir decorridos 5 (cinco) anos, contados a partir da ocorrência do fato gerador, acrescidos de mais um quinquênio computado desde o termo final do
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prazo atribuído ao Fisco para verificar o quantum devido a título de tributo. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg RESP 638.248/PR, 1ª Turma, Min. Relator Luiz Fux. DJU de 28/02/2005)
Entretanto, adveio a Lei Complementar nº 118/2005, publicada no D.O.U. de 09/02/2005, a qual, com o expresso objetivo de interpretar o art. 168, I, do CTN, assenta que: “O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados: I – nas hipóteses dos incisos I e II do art. 165, da data da extinção do crédito tributário; [...]”. Também dispôs categoricamente no seu artigo 3º que: “Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida Lei”. E, para complementar, no seu artigo 4º conclui que: “Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”. Assim, por meio do exercício da denominada interpretação autêntica – através de lei que não inova o ordenamento jurídico –, o legislador pretendeu por fim às controvérsias, através da publicação da Lei Complementar n° 118/ 2005, de caráter e natureza eminentemente interpretativa, condição que se expressa pela remissão que seu supracitado artigo 4o faz ao artigo 106, inciso I do Código Tributário Nacional14. Pretende-se, portanto, esgotar a polêmica doutrinária e jurisprudencial sobre a questão do termo inicial a partir do qual deveria ser contado o prazo prescricional de cinco anos para pleitear a repetição do indébito, porquanto o já aludido artigo 3o veio a dispor expressamente que, para efeito de interpretação do inciso I do artigo 168 do Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida lei e, portanto, estabelece-se ser a partir daí o início da fluência do prazo quinquenal para que o contribuinte pleiteie a repetição do indébito, não restando mais razão para a subsistência da tese dos “cinco mais cinco”.
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Artigo 106 do Código Tributário Nacional: “A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; [...]”.
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Todavia, a Lei Complementar 118/2005 tem sido muito questionada no que se refere a sua natureza meramente interpretativa e à respectiva possibilidade de retroagir e atingir aos feitos já em trâmite no judiciário, por considerar possuir caráter e efeitos modificativos em seus termos, o que afastaria a pretensão do exercício de interpretação autêntica do legislador. Neste sentido, o STJ15 vem conferindo àquela norma apenas efeitos exnunc, ou seja, a sua eficácia interpretativa valerá apenas para as ações ajuizadas a partir de 09 de junho de 2005 (120 dias após a sua publicação). Tal posicionamento encontra-se manifesto no julgado de relatoria do Ministro Teori Albino Zavaski (AI nos EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 644.736 – PE – 2005/0055112-1), cuja ementa abaixo segue transcrita: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. LEI INTERPRETATIVA. PRAZO DE PRESCRIÇÃO PARA A REPETIÇÃO DE INDÉBITO, NOS TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. LC 118/2005: NATUREZA MODIFICATIVA (E NÃO SIMPLESMENTE INTERPRETATIVA) DO SEU ARTIGO 3º. INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ART. 4º, NA PARTE QUE DETERMINA A APLICAÇÃO RETROATIVA. 1. Sobre o tema relacionado com a prescrição da ação de repetição de indébito tributário, a jurisprudência do STJ (1ª Seção) é no sentido de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo de cinco anos, previsto no art. 168 do CTN, tem início, não na data do recolhimento do tributo indevido, e sim na data da homologação – expressa ou tácita – do lançamento. Segundo entende o Tribunal, para que o crédito se considere extinto, não basta o pagamento: é indispensável a homologação do lançamento, hipótese de extinção albergada pelo art. 156, VII, do CTN. Assim, somente a partir dessa homologação é que teria início o prazo previsto no art. 168, I. E, não
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TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE A AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. 1. O termo a quo do prazo prescricional das ações de repetição/compensação de valores indevidamente recolhidos a título de tributo sujeito a lançamento por homologação, desde que ajuizadas até 09 de junho de 2005, é o da cognominada tese dos cinco mais cinco, reconsolidando, a Primeira Seção, a jurisprudência desta Corte (EREsp nº 327.043/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 27/04/2005) (AgRg no REsp 803253/SP. D.O.U 18.09.2006. Min. Luiz Fux – 1º Turma).
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havendo homologação expressa, o prazo para a repetição do indébito acaba sendo, na verdade, de dez anos a contar do fato gerador. 2. Esse entendimento, embora não tenha a adesão uniforme da doutrina e nem de todos os juízes, é o que legitimamente define o conteúdo e o sentido das normas que disciplinam a matéria, já que se trata do entendimento emanado do órgão do Poder Judiciário que tem a atribuição constitucional de interpretá-las. 3. O art. 3º da LC 118/2005, a pretexto de interpretar esses mesmos enunciados, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele dado pelo Judiciário. Ainda que defensável a ‘interpretação’ dada, não há como negar que a Lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal. 4. Assim, tratando-se de preceito normativo modificativo, e não simplesmente interpretativo, o art. 3º da LC 118/2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham a ocorrer a partir da sua vigência. 5. O artigo 4º, segunda parte, da LC 118/2005, que determina a aplicação retroativa do seu art. 3º, para alcançar inclusive fatos passados, ofende o princípio constitucional da autonomia e independência dos poderes (CF, art. 2º) e o da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI). 6. Arguição de inconstitucionalidade acolhida.
Afastando-se qualquer juízo de valor subjetivo quanto às questões de política financeira e fiscal, e restringindo-se a análise à ponderação do valor supremo da segurança jurídica nas relações tributárias, o que se percebe, não obstante a inteligência dos julgados em questão, é que, apesar dos Poderes Executivo e Legislativo buscarem o apaziguamento das controvérsias e a pacificação dos entendimentos, se pretende a consequente redução substancial de questionamentos judiciais a respeito do tema. Mesmo assim, temos normas expressamente interpretativas, como a analisada Lei Complementar 118/2005, tendo a sua constitucionalidade questionada e os seus objetivos harmonizador e uniformizador afastados, gerando-se ainda mais debates acerca do assunto. Se o texto da norma afirma tratar-se de lei interpretativa e o objetivo do legislador ao criar tal dispositivo fora exatamente este, não se faz cabível tal questionamento.
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VII. CONCLUSÃO Uma vez pago indevidamente um tributo, independente da natureza da exação, nasce para o contribuinte o direito de exercer voluntariamente – seja na esfera administrativa ou na judicial – o pedido de devolução daquilo que foi recolhido, assim como todos os seus acréscimos, na forma da legislação em vigor, não podendo a Fazenda Pública se opor ou criar restrições descabidas, sem lei que fundamente e justifique o seu ato, obedecendo, assim, aos ditames constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Repetição do Indébito Tributário – um Enfoque Constitucional. In: PROBLEMAS de Processo Judicial Tributário. São Paulo: Dialética, 2002. CAIS, Cleide Previtalli. O Processo Tributário. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. CAMPOS, Dejalma. Direito Processual Tributário. São Paulo: Ed. Atlas, 2000. CASSONE, Vittório. Processo Tributário. São Paulo: Editora Atlas, 2003. DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio Dória. Direito Constitucional Tributário e o Due Process of Law. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. GRECO, Marco Aurélio; PONTES, Helenilson Cunha. Incostitucionalidade da Lei Tributária – Repetição do Indébito. São Paulo: Dialética, 2002. HERNANDEZ, Fernanda Guimarães. Prescrição examinada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Lei Complementar 118/05. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. Processo Judicial Tributário. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2005. MÖRSCHBÄCHER, José. Repetição do Indébito Tributário Indireto. São Paulo: Dialética, 1998. ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Problemas de Processo Judicial Tributário. São Paulo: Dialética, 1998. TROIANELLI, Gabriel Lacerda. A Lei Complementar nº 118/05 e o Prazo Inicial para a Repetição ou Compensação do Indébito. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2005.
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Crédito Tributário. Garantias e Preferências
Aldemário Araújo Castro Procurador da Fazenda Nacional Professor da Universidade Católica de Brasília Mestre em Direito pela UCB
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564 - CRÉDITO TRIBUTÁRIO. GARANTIAS E PREFERÊNCIAS
1. GARANTIAS
DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
As características jurídicas que conferem segurança, estabilidade, regularidade ou celeridade no recebimento de determinado crédito denominam-se de garantias1. As principais garantias do crédito tributário estão inscritas no Código Tributário Nacional. Outras garantias, entretanto, podem ser previstas expressamente em lei (ordinária). Assim, as garantias presentes no Código são meramente exemplificativas (a enumeração não é taxativa ou exaustiva). Segundo expressa previsão legal, a natureza das garantias atribuídas ao crédito tributário não altera a essência desse ou da obrigação tributária correspondente. Nesse sentido, a título de exemplo, o oferecimento de uma hipoteca (garantia real) para o parcelamento de um crédito tributário não transforma a dívida em hipotecária. Cumpre destacar que as garantias do crédito tributário não são transferidas para o terceiro que, na qualidade de responsável, paga a dívida tributária. Responde pelo pagamento do crédito tributário, conforme define expressamente o Código Tributário Nacional, a totalidade dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa falida, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens ou rendas que a lei declare absolutamente impenhoráveis. As cláusulas de inalienabilidade ou impenhorabilidade, como manifestações de vontade do eventual devedor relacionadas com o patrimônio potencialmente alcançável pelo credor, não podem embaraçar as ações de cobrança do crédito tributário. São bens absolutamente impenhoráveis, segundo disposição legal (principalmente o art. 649 do Código de Processo Civil), entre outros: a) os vencimentos, os soldos e os salários, salvo para pagamento de prestação alimentícia; b) os livros, as máquinas, os utensílios e os instrumentos necessários ou úteis ao
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“Por garantia, compreende-se os meios pelos quais o credor se previne, em face do devedor, das circunstâncias eventuais e futuras que podem prejudicar ou impor riscos ao efetivo recebimento do crédito a quem tem direito”. (MIRANDA, João Damasceno Borges de. Comentários ao Código Tributário Nacional – Artigo 183. In: Marcelo Magalhães Peixoto e Rodrigo Santos Masset Lacombe (Coordenadores). Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 1309).
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exercício de qualquer profissão; c) o anel nupcial e os retratos de família; d) o seguro de vida; e e) o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar. O art. 649, inciso I do Código de Processo Civil afirma a absoluta impenhorabilidade dos “bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução”. No confronto entre o art. 184 do Código Tributário Nacional e o art. 649, inciso I do Código de Processo Civil, a doutrina costuma entender como passíveis de responder pelo crédito tributário os bens inalienáveis e impenhoráveis por disposição de vontade. A conclusão está em perfeita consonância com a natureza ex lege da obrigação tributária, tal como delineada no art. 3º do Código Tributário Nacional2. A impenhorabilidade do imóvel residencial, prevista na Lei n. 8.009, de 1990, compreende plantações, benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados3. Excluem-se da referida impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos. Presumem-se fraudulentas a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa4. Essa presunção, consagrada no art. 185 do Código Tributário Nacional, é absoluta (ou jure et de jure)5. Se forem reservados bens suficientes ao total do pagamento da dívida, não se caracteriza a fraude.
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“Para conciliar os dois dispositivos, a doutrina considera excluídos da ressalva (e, portanto, passíveis de responder pela dívida fiscal) os bens cuja inalienabilidade ou impenhorabilidade decorra de disposição de vontade”. (AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 472). Nos termos do art. 3º da Lei n. 8.009, de 1990: “[...] a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III – pelo credor de pensão alimentícia; IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei n. 8.245, de 1991)”. Parte da doutrina tributária destaca a inutilidade dos termos “começo” e “oneração”. Segundo Yoshiaki Ichihara, essa presunção é relativa (ou iuris tantum) (Direito Tributário. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 187).
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Se for efetivada a alienação patrimonial em fraude contra o crédito tributário, reputa-se o ato ineficaz em relação ao Fisco. Nessa linha, mesmo depois da operação de alienação realizada pelo devedor, o bem pode ser gravado para satisfação do crédito tributário não pago. Deve ser destacado que a Lei Complementar n. 118, de 2005, substituiu a expressão então presente no Código Tributário Nacional (“[...] como dívida ativa em fase de execução”) pela cláusula simples “como dívida ativa”. Por essa via, o legislador complementar resolveu o antigo debate acerca do momento de caracterização da fraude. Atualmente, não existe mais sustentação legal para a adoção do critério de propositura da ação judicial de cobrança do crédito. A Lei Complementar n. 118, de 2005, introduziu, ainda, o artigo 185A no Código Tributário Nacional, fixando que, na hipótese do devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e às entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial. A indisponibilidade, presente no art. 185-A do Código Tributário Nacional, está limitada ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem o limite. Já os órgãos e as entidades aos quais se fizer a comunicação enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade promoverem. A indisponibilidade, introduzida no Código Tributário Nacional, já figurava em vários diplomas legais na ordem jurídica brasileira. O sentido geral da indisponibilidade aponta para a impossibilidade do proprietário do bem ou direito aliená-lo (transferir para outra pessoa) ou onerá-lo (dar em garantia, como nas hipóteses de hipoteca ou penhor). Admite-se, entretanto, que o proprietário possa utilizar o bem ou direito e continuar a perceber seus
Na fala de Hugo de Brito Machado, na linha da doutrina majoritária, cuida-se de presunção legal absoluta (que não admite prova em contrário) (Curso de Direito Tributário. 21a ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 209). Luciano Amaro registra o pensamento predominante quanto ao caráter absoluto da presunção e afirma que “alguma discussão probatória existirá em diversas situações” (Direito Tributário Brasileiro. 12a ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 474).
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frutos. Portanto, a indisponibilidade prevista no Código Tributário Nacional, tal como as demais, persegue o resguardo dos interesses do credor. A indisponibilidade, por ordem judicial, de bens e direitos, notadamente quando atinge o “mercado bancário” e o “mercado de capitais”, funciona como uma importante e necessária modernização das iniciativas voltadas para a recuperação de créditos públicos não pagos. Afinal, não é possível objetar que, nos tempos atuais, existe uma preponderância da “forma financeira” de manifestação e circulação da riqueza. A indisponibilidade, como plasmada pelo legislador tributário, não é inconstitucional, conforme caracterização emprestada por algumas vozes na doutrina6. Também não é uma medida que transforma o magistrado em autômato ou “escravo” dos interesses do credor tributário7. Uma das mais tradicionais garantias do crédito tributário, prevista expressamente no Código Tributário Nacional, consiste na vedação de ser proferida sentença de julgamento de partilha ou adjudicação sem prova da quitação de todos os tributos devidos relativos ao espólio.
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“Além da duvidosa constitucionalidade, as regras truculentas atentam contra os princípios da atividade econômica previstos expressamente no art. 170, no preâmbulo e no art. 3ª, da Constituição Federal de 1988”. (ICHIHARA, Yoshiaki. Direito Tributário. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 188). “A indisponibilidade prevista no art. 185-A do Código Tributário Nacional não padece de inconstitucionalidade. Primeiro, porque não há ação automática do magistrado, que verificará a presença dos requisitos legais para o deferimento da providência e a pertinência da medida no caso concreto. Segundo, porque com a indisponibilidade em tela não ocorre a privação dos bens de quem quer que seja. Continuam tais bens com a mesma propriedade anterior, a posse permanece inalterada e possibilidade de auferir os frutos de sua exploração é plena. Por fim, a ‘novidade’ também não ofende o princípio constitucional da ampla defesa. Afinal, todos os recursos e meios de defesa podem ser utilizados pelo executado”. (CASTRO, Aldemario Araujo. A indisponibilidade de bens e direitos prevista no artigo 185-A do Código Tributário Nacional. Disponível em: . Acesso em: 10 jan. 2007). “Os requisitos para a adoção da medida devem ser cumulativamente considerados. São eles: a) a citação do devedor; b) o não pagamento; c) o não oferecimento de bens à penhora e d) a não localização de bens penhoráveis. A decretação da indisponibilidade prevista no art. 185-A do Código Tributário Nacional, pressupõe a demonstração, pelo exeqüente, da adoção, sem sucesso, das diligências comuns ou normais de localização de patrimônio penhorável. Ademais, o magistrado, ao ser chamado a exercitar o poder cautelar por intermédio da indisponibilidade prevista no art. 185-A do Código Tributário Nacional, em atenção aos casos concretos e a eventual probabilidade de causar danos indesejáveis, até na ótica do credor, a quem interessa a manutenção da atividade econômica do devedor para o pagamento dos tributos ‘correntes’ e a existência de patrimônio a ser utilizado na satisfação dos créditos em cobrança, pode limitar ou, em casos extremos, não efetivar a providência legal”. (CASTRO, Aldemario Araujo. A indisponibilidade de bens e direitos prevista no artigo 185-A do Código Tributário Nacional. Disponível em: . Acesso em: 10 jan. 2007).
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A prova de quitação de todos os tributos também é exigida para a obtenção da extinção das obrigações do falido 8 e para a concessão de recuperação judicial. Para esse último caso, o Código Tributário Nacional, por força da Lei Complementar n. 118, de 2005, faz expressa remissão aos seus arts. 151, 205 e 206. Assim, a existência de créditos com exigibilidade suspensa, situação amplamente reconhecida como de regularidade fiscal, não obsta a recuperação judicial9. Exige-se, nos termos do art. 193 do Código Tributário Nacional, a prova de quitação de tributos devidos à Fazenda Pública interessada por ocasião da apresentação de propostas em concorrência pública ou celebração de contratos. O dispositivo legal citado restringe a demonstração de quitação aos tributos vinculados às atividades negociais relacionadas com o objeto da proposta ou contrato. Note-se que a Constituição (art. 195, §3o), a Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei n. 8.666, de 1993), a Lei n. 7.711, de 1988, entre outras, exigem a prova de regularidade fiscal de forma bem mais ampla que o Código Tributário Nacional. A exigência legal de comprovação da regularidade fiscal para a prática de certos atos e negócios jurídicos costuma ser chamada de “mecanismo indutor de pagamentos ou regularidade fiscal ou técnica de interdição de direitos em função da prática de atos ilícitos”. Segundo Carlos Ari Sundfeld: A regularidade das obrigações tributárias não é uma questão secundária e irrelevante. É, para o próprio Estado – e para a sociedade que recebe seus serviços – questão vital. Daí a razoabilidade da lei condicionando a aquisição ou o exercício de certos direitos de natureza econômica à regularidade fiscal.10
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A leitura do art. 191 do Código Tributário Nacional suscita uma hipótese bastante plausível: o encerramento da falência, consumidos todos os bens do falido, e a permanência de créditos tributários não quitados. Nesse caso, parece razoável a aplicação do disposto no art. 158, inciso III da Lei n. 11.101, de 2005 (nova Lei de Falências). Eis os termos do dispositivo: “Art. 158. Extingue as obrigações do falido: [...] III – o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contado do encerramento da falência, se o falido não tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei”. Cumpre destacar que a Lei Complementar n. 118, de 2005, introduziu os seguintes parágrafos no art. 155-A do Código Tributário Nacional: “§3 o Lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial. §4o A inexistência da lei específica a que se refere o §3o deste artigo importa na aplicação das leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial, não podendo, neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao concedido pela lei federal específica”. Percebe-se, assim, que o legislador praticamente induz o parcelamento dos créditos tributários do devedor para viabilizar a recuperação judicial. Licitação e Contrato Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 122.
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O aludido mecanismo indutor de regularidade fiscal tem sido alvo de acesas discussões jurídicas. Não é rara a atribuição da pecha de indevida “sanção política” para as restrições decorrentes do expediente. Realmente, o tratamento do tema envolve uma significativa dificuldade. Por um lado, o mecanismo é admitido em inúmeras decisões judiciais. Nesse sentido, pode ser observada a manifestação do Supremo Tribunal Federal na ADIn n. 1.65411. Por outro lado, também são identificadas decisões judiciais apontando para a invalidade da aplicação da técnica, como no julgamento do RE n. 413.78212 e da ADIn n. 3.45313. Aparentemente, a base das dificuldades com o mecanismo ou a técnica reside na tensão entre as necessidades de resguardar a liberdade de exercício de atividades econômicas e de financiar as atividades públicas voltadas para o
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“Julgado improcedente o pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Amapá contra o art. 1º da Lei 350/97, do mesmo Estado, que, inserindo o parágrafo único no art. 154 da Lei 194/94, veda ‘a retenção ou apreensão do veículo pelo não recolhimento do imposto devido no prazo regulamentar, quando este for licenciado no Estado’, estabelecendo, ainda, que ‘o inadimplemento impede a renovação da licença sob qualquer hipótese’. O Tribunal, afastando a alegada ofensa à competência privativa conferida à União para legislar sobre transporte e trânsito, considerou que o dispositivo impugnado cuida apenas de sanção imposta em razão de inadimplemento tributário, inserindo-se, portanto, na competência legislativa dos Estados-membros, prevista no art. 155, III, da CF. ADI 1654/AP, rel. Min. Maurício Corrêa, 3.3.2004. (ADI-1654)” (Informativo STF n. 338). “Por entender caracterizada a ofensa à garantia do livre exercício do trabalho, ofício ou profissão (CF, art. 5º, XIII) e de qualquer atividade econômica (CF, art. 170, parágrafo único), o Tribunal, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário, para declarar a inconstitucionalidade do inciso IV e do § 4º do art. 19, do Decreto 3.017/89, do Estado de Santa Catarina, que, regulamentando o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços naquele Estado, possibilitam que os órgãos da Diretoria de Administração Tributária proíbam a impressão de documentos fiscais para empresas em débito com a Fazenda estadual, condicionando-as a requerer ao fisco a emissão de nota fiscal avulsa a cada operação realizada. Vencido o Min. Eros Grau que desprovia o recurso por não vislumbrar restrição à atividade mercantil. RE 413782/SC, rel. Min. Marco Aurélio, 17.3.2005. (RE-413782)” (Informativo STF n. 380) “O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Conselho Federal da ordem dos Advogados do Brasil - OAB para declarar a inconstitucionalidade do art. 19 da Lei 11.033/2004, que condiciona o levantamento ou a autorização para depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial à apresentação, ao juízo, de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais, bem como de certidão de regularidade para com a Seguridade Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e a Dívida Ativa da União, depois de ouvida a Fazenda Pública. Entendeu-se que o dispositivo impugnado ofende os artigos 5º, XXXVI, e 100 da CF, por estatuir condição para a satisfação de direito do jurisdicionado que não está contida na norma fundamental da República. Asseverou-se que as formas de a Fazenda Pública obter o que lhe é devido estão estabelecidas no ordenamento jurídico, não sendo possível para tanto a utilização de meios que frustrem direitos constitucionais dos cidadãos. Ressaltou-se, ademais, que a matéria relativa a precatórios, tal como tratada na Constituição, não chama a atuação do legislador infraconstitucional, menos ainda para impor restrições que não se coadunam com o direito à efetividade da jurisdição e o respeito à coisa julgada. ADI 3453/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 30.11.2006. (ADI-3453)” (Informativo STF n. 450).
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cumprimento dos objetivos institucionais previstos na Constituição e nas leis de uma forma geral. A melhor solução para o choque em questão aponta no sentido da validade jurídica do mecanismo ou técnica, observados os limites da razoabilidade, notadamente para não ser afetado de forma indevida o desenvolvimento das atividades econômicas.
2. PREFERÊNCIAS
DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
As preferências são categorias de privilégios dos créditos tributários, assim como as garantias, fixadoras de um benefício de ordem por ocasião dos pagamentos14. Conforme reza o art. 186 do Código Tributário Nacional, prefere-se o crédito tributário a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho15. Na falência, segundo o parágrafo único do art. 186 do Código Tributário Nacional, introduzido pela Lei Complementar n. 118, de 2005: a) o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais16 ou às importâncias passíveis
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“Por sua vez, o ‘privilégio’ traduz-se em uma vantagem especial gozada por uma ou mais pessoas, que se encontram em posição de superioridade em relação aos direitos comuns dos outros. Na verdade, a ‘preferência’ não deixa de ser uma modalidade de privilégio, já que dá à pessoa que dela goza o direito de receber seus créditos antes de outros credores em concurso”. (GUTJAHR, Valéria. Comentários ao Código Tributário Nacional – Artigo 186 ao 193. In: Marcelo Magalhães Peixoto e Rodrigo Santos Masset Lacombe (Coordenadores). Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: MP Editora, 2005, pp. 1323-1324). A nova redação do art. 186 do Código Tributário Nacional, ao mencionar explicitamente os créditos decorrentes do acidente de trabalho, esclareceu situação já consolidada no âmbito jurisprudencial. Com efeito, o entendimento prevalecente apontava para o reconhecimento da preferência trabalhista para “tudo que o empregado tivesse direito a receber em decorrência da relação (de emprego)”. (Cf. GUTJAHR, Valéria. Comentários ao Código Tributário Nacional – Artigo 186. In: Marcelo Magalhães Peixoto e Rodrigo Santos Masset Lacombe (Coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 1326). A Lei n. 11.101, de 2005 (nova Lei de Falências), criou, no seu art. 84, a categoria dos créditos “extraconcursais”. Eles devem ser pagos com primazia em relação a todos os demais. Eis os termos do aludido dispositivo legal: “Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a: I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência; II – quantias fornecidas à massa pelos credores; III – despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência;
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de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com garantia real, no limite do valor do bem gravado; b) a lei poderá estabelecer limites e condições para a preferência dos créditos decorrentes da legislação do trabalho; e c) a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados. A nova redação do art. 188 do Código Tributário Nacional, também decorrente da Lei Complementar n. 118, de 2005, define que são extraconcursais17 os créditos tributários decorrentes de fatos geradores ocorridos no curso do processo de falência. Cumpre destacar que o Código Tributário Nacional disciplina a preferência de dois tipos de créditos tributários em relação ao processo de falência. No art. 186, parágrafo único, são considerados os créditos tributários decorrentes de fatos geradores acontecidos antes da falência. Já no art. 188, são tratados os créditos tributários advindos de fatos geradores ocorridos depois da falência. No último caso, o legislador admite a continuação da atividade econômica depois de decretada a falência. Por força do disposto no art. 186, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, os créditos tributários decorrentes de fatos geradores acontecidos antes da falência somente serão pagos depois: a) dos créditos extraconcursais18; b) das importâncias passíveis de restituição; c) dos créditos trabalhistas, no limite atual de 150 salários mínimos por credor19; d) dos créditos decorrentes de acidentes do trabalho; e e) dos créditos com garantia real, no limite do valor do bem gravado. Por outro lado, a posição de preferência dos créditos tributários advindos de fatos geradores ocorridos depois da falência, regulada no novo art. 188 do Código Tributário Nacional, não é tranquila. O primeiro raciocínio possível, a partir da qualificação desses créditos como extraconcursais na lei de normas gerais tributárias, aponta para a existência de uma primazia geral e absoluta, inclusive frente aos créditos trabalhistas e de acidentes de trabalho. O segundo raciocínio aceitável busca posicionar os créditos tributários aludidos na ordem específica dos créditos extraconcursais definida na lei falimentar. O último caminho parece mais consentâneo com a ordem jurídica posta por três razões básicas: a) a Lei Complementar n. 118, de 2005, diploma que ofertou
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IV – custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida; V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei”. Ver nota anterior. Ver nota 16.
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a nova redação para o art. 188 do Código Tributário Nacional, foi discutida, votada e editada paralelamente à Lei n. 11.101, de 2005 (nova Lei de Falências), buscando a conformação conjunta de um novo panorama para a recuperação de empresas; b) a categoria “créditos extraconcursais” foi criada justamente pela Lei n. 11.101, de 2005; e c) o art. 84, inciso V, da Lei n. 11.101, de 2005, define expressamente a ordem dos créditos tributários extraconcursais20. O sentido das alterações promovidas pela Lei Complementar n. 118, de 2005, no regime de preferência do crédito tributário no âmbito da falência, pode ser claramente verificado nas discussões parlamentares. Com efeito, restou consignada a busca por assegurar uma maior probabilidade de recuperação do capital dos credores privados. Ao lado desse objetivo, pretendeu-se dar maior celeridade ao processo falimentar. Nos termos do art. 188, parágrafo primeiro, do Código Tributário Nacional, contestado o crédito tributário decorrente de fato gerador ocorrido no curso da falência, o juiz remeterá as partes ao processo competente, mandando reservar bens suficientes à extinção total do crédito e seus acrescidos, se a massa não puder efetuar a garantia da instância por outra forma, ouvido, quanto à natureza e valor dos bens reservados, o representante da Fazenda Pública interessada. O mesmo procedimento deverá ser observado no processo de inventário ou arrolamento (art. 189, parágrafo único, do Código Tributário Nacional). Os arts. 189 a 190 do Código Tributário Nacional definem hipóteses de preferência geral e absoluta do crédito tributário, inclusive frente aos créditos trabalhistas e os oriundos de acidentes de trabalho21. Assim, os créditos tributários decorrentes de fatos geradores ocorridos no curso dos processos de inventário ou arrolamento (art. 189) e no decurso dos processos de liquidação (judicial ou voluntária) de pessoas jurídicas de direito privado (art. 190)22 deverão ser pagos preferencialmente a quaisquer outros créditos.
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Art. 83, inciso I da Lei n. 11.101, de 2005 (nova Lei de Falências). Ver nota 16. Observe-se que os “créditos tributários extraconcursais” terão preferência sobre os “créditos tributários concursais” (decorrentes de fatos geradores ocorridos antes da falência). Ressalve-se o entendimento daqueles que sustam a primazia dos créditos trabalhistas e dos créditos decorrentes de acidentes de trabalho por conta da aplicação do art. 186 do Código Tributário Nacional. Nesse sentido, afirma Luciano Amaro: “Não obstante esses artigos [189 e 190] não ressalvem os créditos trabalhistas e os acidentários, vale, a nosso ver, a disposição geral do art. 186, que privilegia tais créditos, com a limitação de que trata o inciso II do parágrafo único do mesmo artigo, aplicável aos trabalhistas” (Direito Tributário Brasileiro. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 477). “Por sua vez, embora o dispositivo em comento mencione a preferência do crédito tributário apenas no que tange às pessoas jurídicas de direito privado que sofrerem liquidação judicial ou voluntária, entende-se ser o mesmo aplicável àquelas que forem liquidadas
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A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concursos de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento. É o que diz o art. 187 do Código Tributário Nacional, com redação dada pela Lei Complementar n. 118, de 2005. Portanto, a Fazenda Pública não precisa realizar a habilitação de seus créditos nos concursos mencionados. Ao contrário dos credores de uma forma geral, o Poder Público pode iniciar ou dar seguimento aos processos de execução fiscal mesmo diante de um dos concursos referidos. Tal preferência é conhecida como “supremacia do executivo fiscal”. Deve ser destacado que o chamado “juízo universal da falência”, que atrai para si os processos de execução contra o falido23, não atinge as execuções fiscais do Poder Público. Essa conclusão decorre tanto do disposto no art. 187 do Código Tributário Nacional quanto do consignado no art. 76 da Lei n. 11.101, de 2005 (nova Lei de Falências)24. O privilégio da Fazenda Pública de não ver paralisados ou atraídos para o juízo da falência seus processos de execução fiscal não significa que eles chegarão ao seu final com a destinação dos recursos arrecadados aos cofres públicos. Prevalece o entendimento de que os valores resultantes da alienação de bens nas execuções fiscais serão remetidos ao juízo da falência para incorporação ao monte e distribuição segundo as regras próprias de preferência25.
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extrajudicialmente, como é o caso das instituições financeiras privadas e as públicas não federais, assim como as cooperativas de crédito”. (GUTJAHR, Valéria. Comentários ao Código Tributário Nacional – Artigo 186. In: Marcelo Magalhães Peixoto e Rodrigo Santos Masset Lacombe (Coordenadores). Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 1353). Fenômeno da vis attractiva. “Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo. Parágrafo único. Todas as ações, inclusive as excetuadas no caput deste artigo, terão prosseguimento com o administrador judicial, que deverá ser intimado para representar a massa falida, sob pena de nulidade do processo”. Nessa linha, aponta a Súmula n. 44 do extinto Tribunal Federal de Recursos: “Ajuizada a execução fiscal anteriormente à falência, com penhora realizada antes desta, não ficam os bens penhorados sujeito à arrecadação do juízo falimentar; proposta a execução fiscal contra a massa falida, a penhora far-se-á no rosto dos autos do processo de quebra, citando-se o síndico”. “PROCESSUAL – EXECUÇÃO FISCAL – MASSA FALIDA – BENS PENHORADOS – DINHEIRO OBTIDO COM A ARREMATAÇÃO – ENTREGA AO JUÍZO UNIVERSAL – CREDORES PRIVILEGIADOS. I – A decretação da falência não paralisa o processo de execução fiscal, nem desconstitui a penhora. A execução continuará a se desenvolver, até à alienação dos bens penhorados. II – Os créditos fiscais não estão sujeitos a habilitação no juízo falimentar, mas não se livram de classificação, para disputa de preferência com créditos trabalhistas (Dl. 7.661/45, Art. 126) III – Na execução fiscal contra falido, o dinheiro resultante da alienação de bens penhorados deve ser entregue ao juízo da falência, para que se incorpore ao monte e seja distribuído,
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O concurso de preferência, pelo recebimento de créditos tributários, entre pessoas jurídicas de direito público está disciplinado no art. 187, parágrafo único, do Código Tributário Nacional e no art. 29 da Lei de Execução Fiscal. Assim, quando mais de um ente público pretende receber créditos tributários do mesmo devedor, deve ser observada a seguinte ordem na entrega de recursos: a) União e suas autarquias; b) Estados, Distrito Federal e Territórios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata; e c) Municípios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata26. A operacionalização das preferências envolve a verificação da existência de sobras. Nesse sentido, os créditos da União e das suas autarquias são pagos em primeiro lugar. Havendo sobras no patrimônio do devedor, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e suas autarquias terão seus créditos quitados. Os créditos tributários dos Municípios e de suas autarquias somente serão pagos depois de quitados os créditos federais e estaduais. Registre-se que o art. 51 da Lei n. 8.212, de 1991, determina a equiparação dos créditos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) aos da União. Portanto, o concurso entre os dois resolve-se mediante rateio dos créditos27.
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observadas as preferências e as forças da massa” (STJ. Corte Especial. RE n. 188.148. Relator Ministro Humberto Gomes de Barros. Julgamento em 19/12/2001). As “regras próprias de preferência” estão presentes nos arts. 83 e 84 da Lei n. 11.101, de 2005 (nova Lei de Falências). É discutível a fixação infraconstitucional de ordem de preferência entre entes estatais. Pode-se argumentar, de forma consistente, com a igualdade ou paridade constitucional dos entes da Federação. Cumpre registrar que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade da ordem de preferência entre os entes da Federação, frente à Constituição de 1967, ao editar a Súmula n. 563 (“O concurso de preferência a que se refere o parágrafo único do art. 187 do Código Tributário Nacional é compatível com o disposto no art. 9o, I, da Constituição Federal”). Já o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento realizado no dia 9 de maio de 2002, também chancelou a ordem de preferência entre os entes integrantes da Federação. Eis a emenda do julgado: “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL MOVIDA PELA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL. AUTARQUIA FEDERAL. CONCURSO DE PREFERÊNCIA. CTN, ART. 187, PARÁGRAFO ÚNICO. LEI N° 6.830/80, ART. 29, PARÁGRAFO ÚNICO. I – O crédito fiscal da autarquia federal tem preferência em relação àquele de que seja titular a Fazenda Estadual, ex vi do art. 187, parágrafo único, do CTN e art. 29, parágrafo único da Lei n° 6.830/80, ressalvados os créditos decorrentes de legislação trabalhista. II – Na hipótese sub judice verifica-se que a autarquia provou a existência de ação de execução e penhora sobre o bem excutido na ação movida pelo fisco estadual, portanto, correta a decisão que concedeu preferência ao crédito do INSS, determinando seu pagamento em primeiro lugar. III – Embargos de divergência acolhidos.” (EREsp 167381/SP. Primeira Seção. Relator Ministro Francisco Falcão). A criação da Secretaria da Receita Previdenciária na estrutura do Ministério da Previdência Social e, na seqüência, da Receita Federal do Brasil na estrutura do Ministério da Fazenda, concentrando toda a Administração Tributária Federal, em particular a administração das contribuições previdenciárias, esvaziou o sentido e a aplicação do art. 51 da Lei n. 8.212, de
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A jurisprudência firmou o entendimento de que a preferência entre as pessoas jurídicas de direito público “pressupõe pluralidade de penhoras sobre o mesmo bem”. Não se aceita a simples intervenção em processo de execução alheio com o objetivo de satisfação preferencial de crédito28.
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1991. Afinal, não é mais possível tratar de créditos previdenciários, titularizados por uma autarquia (o INSS), frente aos créditos tributários da União. “TRIBUTÁRIO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO MUNICIPAL E ESTADUAL. PENHORA SOBRE O MESMO BEM. ARREMATAÇÃO. CONCURSUS FISCALIS. 1. É cediço que a instauração do concurso de credores pressupõe pluralidade de penhoras sobre o mesmo bem. Assim, discute-se a preferência quando há execução fiscal e recaia a penhora sobre o mesmo bem, excutido em outra demanda executiva. 2. Isto porque é assente na Corte que ‘O direito de preferência não concede à entidade autárquica federal a prerrogativa de intervir em execução movida pela Fazenda do Estado, a que é estranha, para reivindicar a satisfação preferencial de seu crédito, sem obedecer às formalidades processuais atinentes à espécie. Para instauração do ‘concursus fiscalis’ impõe-se a pluralidade de penhoras sobre o mesmo bem, devendo, portanto, a autarquia federal, provar haver proposto ação de execução, e que nela tenha restado penhorado o bem anteriormente excutido na ação movida pelo Fisco Estadual. Inteligência dos artigos 612 e 711 do CPC.’ (REsp n° 36.862-6/SP, Rel. Min. DEMÓCRITO REINALDO, DJ de 19.12.1994). 3. Assentando o Tribunal a quo que a execução fiscal movida pela Fazenda do Estado está garantida com o mesmo bem que restou penhorado na execução movida pelo fisco municipal, não há como afastar o direito de preferência do Estado sobre o produto da arrematação, ex vi do art. 187 do CTN e 29 da LEF, ressalvados eventuais créditos trabalhistas, conforme preceituam os arts. 184 e 186 do CTN. 4. A regra do art. 187 do CTN é especial em relação à regra geral do art. 130 do mesmo diploma. Este último dispositivo assegura apenas a subrogação na praça, sem disciplinar a hipótese de pluralidade de sistemas e o concurso de credores preferenciais. 5. Em caso da venda ser efetuada em autos onde se cobra crédito público de outra entidade federativa, no caso, o Estado, ao efetuar-se a alienação, o arrematante fica liberado de quaisquer outros encargos e o valor depositado é distribuído na ordem legal pelo art. 187 do CTN. Nesse caso, liberado o imóvel ao adquirente, receberá o que detém título melhor de preferência. E sobre o valor depositado, aplicando-se a ordem disposta no art. 187 do CTN, bem como no art. 29 da Lei 6.830/80 segunda a qual recebe em primeiro lugar a União, e, posteriormente Estados, após, Municípios. 6. Precedentes jurisprudenciais do STJ (EREsp 167.381/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, DJU de 16.09.02; Resp 131.564, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 14/09/2004; REsp 74153, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 07/10/96; REsp n° 36.862-6/SP, Rel. Min. DEMÓCRITO REINALDO, DJ de 19.12.1994) 7. Recurso especial provido” (STJ. 1a. Turma. REsp n. 654.779. Relator Ministro Luiz Fux. Julgamento em 08/03/2005).
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Sanções Tributárias
Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas Mestre e Doutora pela PUC/SP, em Direito do Estado. Pós-doutora em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Universidade do Museu Social da Argentina – UMSA. Pesquisadora do CNPq. Professora e orientadora na graduação e na pós-graduação da UFMS – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e da UNIDERP – Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal, em Campo Grande/MS. Diretora da Faculdade de Direito – FADIR, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e Presidente do Conselho Regional de Economia de Mato Grosso do Sul – CORECON/MS. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário – ABDT e membro fundadora da SKEPSIS Academia de Semiologia e Direito. E-mail: [email protected]
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1. ESTRUTURA Os comportamentos antijurídicos violadores do Direito Tributário são reprováveis ético-moralmente, diante de uma moderna concepção de Estado social, cujo sistema tributário contribua para fazer frente às despesas, trabalhando de modo a atingir o bem comum. A violação dos deveres tributários afeta a esfera patrimonial do Estado, causando considerável diminuição na sua principal receita. Por via de consequência, essa diminuição de receita reflete na satisfação das necessidades públicas e a consecução do bem-estar social, que o Estado deve promover. Daí o socorro às sanções tributárias, em busca de tutela a bem fundamental da sociedade. Paulo de Barros Carvalho considera que: O ordenamento jurídico, como forma de tornar possível a coexistência do homem em comunidade, garante, efetivamente, o cumprimento das suas ordens, ainda que, para tanto, seja necessária a adoção de medidas punitivas que afetem a propriedade ou a própria liberdade das pessoas. Daí porque, ao criar uma prestação jurídica, concomitantemente o legislador enlaça uma providência sancionatória ao não-cumprimento do referido dever.1
As regras jurídicas têm como destinatários os livres comportamentos dos seres humanos, visando a organizar e otimizar o inter-relacionamento em sociedade. O não cumprimento dos deveres estabelecidos nos dispositivos legais configura-se em ilícito, fazendo surgir, por via de consequência, as chamadas sanções. Para qualquer prestação jurídica criada, o legislador enlaça, concomitantemente, uma providência sancionatória para o não cumprimento desse dever. Sendo a ordem normativa imperativa, absoluta, a sua não observância, independentemente de respectiva natureza, tem que ser sancionada. Assim, a sanção é uma consequência necessária à normatividade jurídica. As normas distinguem-se em primárias e secundárias. As primeiras regulam os comportamentos humanos e as segundas têm por objeto outras regras, embora todas as normas jurídicas tenham, em sua estrutura lógica, uma previsão e uma estatuição.
1
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, pp. 497 e 498.
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As regras jurídicas que emanam de normas primárias são aquelas em que se definem as relações deônticas – direitos e deveres –, desde que se verifiquem os pressupostos fixados na hipótese. Nas normas secundárias, são preceituadas as consequências sancionadoras caso não seja cumprida determinada conduta estabelecida como devida pela norma. As normas primárias e secundárias estão relacionadas por conetivo com função lógica, uma vez que há sucessividade temporal na ocorrência do fato jurídico, tipificado na hipótese, para a consequência jurídica. A não observância da prestação implica a consequência sancionadora – ilícito e sanção, o relacionamento entre as proposições primárias e secundárias é de ordem lógicoformal, sendo irrelevante a temporalidade: “p J q” norma primária; “não q J r” norma secundária. Passa-se agora ao estudo detalhado da hipótese normativa da norma sancionadora tributária.
2. INFRAÇÃO TRIBUTÁRIA
E SUA HIPÓTESE NORMATIVA
As sanções tributárias derivam de normas do gênero “normas secundárias”. Como qualquer outra norma, a norma sancionatória tem sua estrutura constituída pela hipótese e pela consequência. A hipótese é a parte da norma que tem como função descrever possível ocorrência no mundo, possível alteração do estado de coisas. Também é chamada de antecedente, pressuposto ou prótase e funciona como descritor: “se ocorrer o fato F, então...”. A hipótese descrita na norma jurídica implica a tese ou consequente. A relação hipótese-consequência é lógico-formal: ocorrendo a hipótese, seguese a consequência. A norma secundária ou norma sancionadora tem por hipótese a inobservância do consequente da norma primária. O conteúdo da hipótese da norma sancionadora é a violação da norma precetiva ou proibitiva (norma primária ordenadora), e o da consequência, a respectiva sanção, que pode assumir modalidades distintas. No magistério de Paulo de Barros Carvalho:
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[...] o antecedente da regra sancionatória descreve um fato que se consubstancia no descumprimento de um dever estipulado no consequente da regra-matriz de incidência. É a não-prestação do objeto da relação jurídica tributária. Essa conduta é tida por antijurídica, por transgredir o mandamento prescrito, e recebe o nome ilícito ou infração tributária.2
A estrutura básica da relação jurídica não se altera, mas, se a sanção não for a multa ou a penalidade pecuniária, o objeto da prestação se modifica para um “fazer” ou “não fazer”, perdendo o vínculo de cunho obrigacional, mas continua sendo uma relação jurídica sancionatória. A utilização do esquema metodológico da regra-matriz de incidência fiscal, sintetizada por Paulo de Barros Carvalho3, no estudo das infrações e sanções, permite uma análise detalhada do suposto, que traz a descrição hipotética do fato ilícito ou infração e do consequente, que leva à prescrição dos elementos que compõem o nexo sancionatório. Assim, o esquema da norma sancionadora se conforma em:
Como analisada anteriormente, a hipótese de incidência das normas sancionadoras é exatamente o ilícito. Realizada a infração in concreto, advém a consequência – no caso a sanção, nos termos previstos pela norma sancionadora. 2 3
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, p. 342. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, pp. 154 e ss.
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3. ELISÃO
E EVASÃO TRIBUTÁRIAS
A evasão em sentido genérico refere-se àquela atitude do contribuinte que se nega ao sacrifício fiscal, não recolhendo o tributo, recolhendo menos que o valor devido ou retardando o pagamento. Direta ou indiretamente, o alvo principal da evasão é sempre uma receita de natureza tributária. Elisão, por sua vez, consiste em comportamento lícito, praticado por contribuinte que, buscando via menos onerosa, opta por condutas jurídicas pelas quais é menor a incidência tributária, ou não há incidência ou, ainda, retarda o recolhimento. Oportuna é a análise do reconhecimento da elisão tributária como manifestação lícita, configurada por meio de atos tendentes à não configuração da hipótese de incidência no mundo fático. Em estudo detalhado e específico, a Professora Diva Malerbi sublinha que: Expressa-se, assim o comportamento elisivo na prática de atos ou negócios jurídicos que são fundamentalmente motivados pelos efeitos tributários (mais benéficos) dela decorrentes. A escolha de tais atos ou negócios é essencialmente determinada pela intenção de evitar-se determinadas incidências tributárias, equiparando-se o resultado prático obtido aos daqueles atos ou negócios jurídicos sujeitos ao regime tributário desfavorável.4
Uma consideração chave para a diferenciação dos comportamentos entre elisivos e evasivos, no campo da tributação, revela-se a partir da identificação do momento da prática do ato por parte do contribuinte. O contribuinte que pratica ato após a configuração do fato gerador, de forma a evitar, reduzir ou retardar a incidência tributária, incorre em evasão fiscal, comportamento esse reprovável juridicamente. Porém, se o contribuinte pratica qualquer ato pretendendo evitar a incidência tributária, reduzi-la ou mesmo retardar o recolhimento do imposto devido, antes da ocorrência do fato gerador, este comportamento pode ser qualificado como elisão, ou seja, situação mais benéfica ao contribuinte, resultante de planejamento tributário, consequentemente não punível dado seu caráter lícito. As situações não descritas como hipótese de incidência pela lei tributária estão fora do campo da tributação. Se o contribuinte se utiliza de uma outra via
4
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MALERBI, Diva. Elisão Tributária, p. 15.
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não juridicizada, não há infração legal, uma vez que a conduta adotada não estava tipificada na lei tributária. Se, ao contrário, a conduta eleita está dentro da delimitação legal do campo de incidência, surgindo a obrigação tributária, está sendo violada a norma tributária, caracterizando-se a fraude fiscal, ou seja, a conduta ilegal comissiva ou omissiva visando a evitar, reduzir ou retardar pagamento de tributo, mediante atos praticados depois de ter ocorrido a obrigação tributária. O ordenamento jurídico brasileiro permite a existência de liberdade na tributação, pela sua não regulação, e a protege porque exige que o Estado nela não interfira, tendo em vista o limite da lei, em observância ao princípio da legalidade. Como em matéria de tributos não se aplica a analogia e não há qualquer margem de liberdade ou discricionariedade no lançamento tributário, o que não estiver no âmbito da hipótese de incidência tributária se constitui nessa esfera de liberdade, constitucionalmente garantida. A elisão é a manifestação de um direito subjetivo público, assegurado constitucionalmente, que consiste na liberdade de atuação do contribuinte em situações que não estejam previstas nas hipóteses legais tributárias, nas quais o Estado tributante não pode ingressar. O comportamento elisivo traduz-se num negócio indireto, ou seja, aquele cujos efeitos jurídicos próprios e peculiares a esse esquema negocial criado são realmente perseguidos pelas partes, influindo em sua eleição e consecução. Sendo lícita ao contribuinte a escolha do modo de agir, realizar seus negócios ou praticar suas atividades, sem que viole a lei, para que não seja forçado a um tratamento tributário mais oneroso, impõe-se uma definição da linha que separa essa conduta daquela para a qual o procedimento é qualificável como ilícito. Tanto na elisão quanto na evasão, o objetivo do agente (evitar, reduzir ou retardar o pagamento do tributo) é o mesmo; o que diferencia as condutas é seu elemento subjetivo. Gilberto Ulhôa Canto considera que: [...] o único critério cientificamente aceitável para se diferenciar a elisão e a evasão é o temporal. Se a conduta (ação ou omissão do agente) se verificar antes da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária de que se trate, a hipótese será de elisão, pois, sempre tendo-se como pressuposto que o contribuinte não viole nenhuma norma legal, ele também não terá infringido direito algum do Fisco ao tributo, uma vez que ainda não se corporificou o fato gerador.5
5
CANTO, Gilberto de Ulhôa. Evasão e elisão fiscais, RDTrib, 63/187-193.
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Assim sendo, o comportamento elisivo não importa em sanção, enquanto que o comportamento configurador de evasão é punido com sanção, administrativo-tributária ou penal tributária. O legislador, no sentido de coibir a sonegação fiscal, lançou um pacote de medidas6, dentre elas a Lei complementar nº 104, chamada de “norma antielisiva”, que trouxe alterações ao Código Tributário Nacional, introduzindo o parágrafo único do Art. 1167. Porém, faz-se necessária a diferenciação das práticas passíveis de desconstituição pela Administração Pública das práticas elisivas. Para efeito do dispositivo legal, somente poderão ser desconsiderados os atos ou negócios jurídicos que evitarem, diminuírem ou retardarem a incidência de tributos se sua realização ocorrer mediante simulação, dissimulação e ocultação, ou seja, ato ilícito. Elisão, conforme já visto, busca, dentro da esfera de licitude, comportamentos em que se tenha nenhuma, menor ou ulterior incidência tributária. Em hipótese alguma a norma acima descrita veda a utilização da elisão, pois este instituto pressupõe ato lícito, integrante da esfera de liberdades conferida ao contribuinte, e o escopo da chamada “norma anti-elisiva” é a persecução de atividades ilícitas que tenham como objetivo a sonegação fiscal. Sendo atividade lícita, a elisão tributária, evidentemente, não sujeita o seu autor a qualquer penalidade. Já a evasão fiscal, tendo a conotação da fraude, representa práticas puníveis na esfera jurídica. Assim, qualquer ato ou omissão anterior ao nascimento da obrigação tributária, praticado sem violação legal, com o intuito de evitar a ocorrência do fato imponível, postergá-lo ou reduzir o tributo dele decorrente, não pode ser desqualificado pelo fisco. Mas, se o contribuinte praticou ato ou negócio que configure a hipótese de incidência de uma norma tributária e, de maneira simulada ou dissimulada, oculta sua realização, poderá o fisco desqualificar o ato ou negócio aparente para chegar à real situação, para cobrar o tributo efetivamente devido; e isso também o próprio legislador civil explicitou8.
6 7
8
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Leis Complementares n. 104 e 105 e Decreto n. 3.724, todos de 10 de Janeiro de 2.001. Art. 116 CTN, parágrafo único: “A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”. Código Civil, art. 166: “É nulo negócio jurídico quando: [...] VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa”.
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4. ESPÉCIES
DE SANÇÕES TRIBUTÁRIAS
Conforme já apresentado, o descumprimento de obrigação estabelecida pelo arcabouço jurídico tributário consiste em ato ilícito, ensejando aplicação de sanção, dada a reprovabilidade da conduta. Todo ilícito deve ser rechaçado, e é a sanção o instrumento deste desiderato. Sanciona-se porque a ordem jurídica foi rompida e para que não o seja mais (efeito intimidativo e preventivo). O ilícito, na seara tributária, pode assumir as formas de: ilícito tributário, consistente em infração à norma de direito tributário, que enseja aplicação de sanção de natureza administrativa com caráter patrimonial, e finalidade reparatória-compensatória; e ilícito penal, que é prática de conduta típica, na área tributária, prevista por norma de direito penal tributário, a qual enseja aplicação de sanção de caráter penal, e finalidade punitiva e preventiva. Desta forma, são dois os sistemas sancionatórios no direito tributário: o sistema de sanções administrativas e o sistema de sanções penais. Os objetivos são comuns: a prevenção e reparação com rigor, mas com justiça, nos estritos termos legais, de modo a estimular o comportamento da moral tributária. A seguir são analisados separadamente os sistemas de controle do cumprimento das obrigações tributárias.
4.1. SANÇÕES ADMINISTRATIVAS As obrigações de direito tributário podem ser principais ou acessórias. A inobservância destas obrigações, seja por ação ou omissão do sujeito passivo, considera-se ilícito tributário. Com o objetivo de reprimir estas ações ou omissões de caráter ilícito, a própria legislação administrativo-tributária traz as penalidades impostas aos infratores. Estas penalidades são chamadas de sanções administrativas em razão da norma que as estatui e da esfera em que são aplicadas. Para Fernando Sáinz de Bujanda, as sanções administrativas “ficam subsumidas ao quadro da legislação administrativa por reputar-se inferior a sua gravidade para o corpo social, ou inferior o ‘status’ dos bens jurídicos lesionados”9. Estas penalidades são aplicadas pelo procedimento de lançamento, respeitando a regra-matriz de incidência conforme anteriormente exposto, e
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BUJANDA, Fernando Sáinz de. Hacienda y Derecho, p. 213, nota 4 (tradução livre).
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tem caráter indenizatório, o que implica em dizer que tem por objetivo, no dizer de Villegas, “restabelecer o equilíbrio perturbado pela violação, significando, para o infrator, unicamente, a privação do que foi ilegitimamente obtido”10. Não pode ser considerada pena, pois possui caráter puramente civil, equiparada ao ressarcimento de danos e prejuízos decorrentes de descumprimento de obrigações. É competente para estabelecer as sanções administrativas relativas ao descumprimento de determinada obrigação tributária o ente federativo que tem a competência para sua criação. As sanções administrativas podem ser classificadas como objetivas, o que significa que, em todos os casos e com total abstração ou prescindência de dolo ou culpa, deve o devedor reparar o prejuízo causado, em conformidade com a disposição do art. 136 do CTN11.
4.1.1. TIPOS DE SANÇÕES ADMINISTRATIVAS O caráter da sanção administrativa a ser aplicada está relacionado à natureza da obrigação tributária descumprida. As sanções podem ser penalidades pecuniárias, multas de mora, juros de mora, apreensão de mercadorias, perda de mercadorias, a sujeição a regime especial de controle e cassação de regimes especiais. A penalidade pecuniária é a principal espécie de sanção prevista na legislação e adotada pela Administração Tributária. Esta sanção tem caráter preventivo, na medida em que desestimula o cometimento do ilícito – efeito psicológico – em razão da possível perda patrimonial desvantajosa, e também punitivo, na medida em que agrava o débito fiscal em reprimenda ao ilícito cometido. Esta penalidade pode aparecer na forma de um percentual sobre o valor do imposto não pago ou na forma de importância determinada no texto legal. A primeira hipótese é peculiar ao descumprimento de obrigação principal e a segunda é geralmente cominada em relação às obrigações acessórias, também chamadas de deveres administrativo-tributários. As multas de mora têm o objetivo de desestimular o atraso no cumprimento das obrigações tributárias. Elas podem ser consideradas
10 11
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VILLEGAS, Héctor. Direito Penal Tributário, p. 319. Art. 136 – CTN: “Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato”.
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penalidades pecuniárias, porém, sem caráter punitivo. No dizer de Paulo de Barros Carvalho, “nelas predomina o intuito indenizatório, pela contingência do Poder Público receber a destempo, como as inconveniências que isso normalmente acarreta, o tributo a que lhe é de direito”12. Os juros de mora também são considerados, por alguns, espécies de penalidades pecuniárias. Eles têm por objetivo remunerar a permanência indevida de capital pertencente à Administração Pública, nas mãos do particular. Como ocorre com as multas de mora, não têm caráter punitivo, somente indenizatório. A apreensão de mercadorias consiste na sanção aplicada pela autoridade administrativa responsável pela fiscalização, em geral em relação a impostos incidentes sobre objetos, que determina o seu recolhimento e também dos veículos e documentos que os acompanhem, em razão das irregularidades constatadas. Para a liberação destas mercadorias, é necessária a regularização das mesmas, especialmente em relação à respectiva documentação e o pagamento do imposto devido e caução equivalente à multa máxima cominada (se houver), ou fiança idônea. Conforme sumulado pelo STF13, não é admitida utilização deste tipo de sanção como meio de coação ao cumprimento da obrigação tributária. A perda de mercadorias é sanção prevista na legislação para mercadoria objeto de contrabando. Nesta hipótese, havendo apreensão de mercadoria objeto do ilícito penal, esta será objeto de perda em favor da Fazenda Pública. Para Rui Barbosa Nogueira, “o fundamento jurídico dessa perda não é o confisco; a mercadoria ilicitamente entrada no País não tem título de legitimação ou propriedade e essa aquisição pela Fazenda visa impedir a formação de título ilegítimo”14. Em relação àqueles contribuintes que se mostram resistentes ao cumprimento das obrigações tributárias, a Administração fiscalizadora pode aplicar o regime especial de controle. Nesta penalidade, é imposta uma maior vigilância em relação às atividades comerciais desenvolvidas pelo sujeito passivo, podendo ser imposta a utilização de modelos de escrituração diferenciados e a prestação periódica de informações para maior controle das suas atividades, chegando ao ponto de certas legislações trazerem a possibilidade de plantões dos agentes fiscalizadores nos estabelecimentos.
12 13 14
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, p. 510. Súmula nº 323: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”. NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito tributário, p. 207.
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Por outro lado, ao contribuinte que goza de regime diferenciado, mais simplificado ou vantajoso, relativo ao cumprimento de obrigações principais ou acessórias, é prevista, como forma de sanção administrativa, a cassação de regimes especiais. Nesta hipótese, o sujeito passivo perde as prerrogativas mais vantajosas se, no gozo das mesmas, agir de maneira fraudulenta.
4.2. SANÇÕES PENAIS Conforme visto, rompida a ordem jurídica pelo ilícito tributário praticado, é utilizado o instrumento da sanção. Se o comportamento do agente estiver previsto na legislação penal como antijurídico, tem-se a aplicação de sanções de caráter penal. Quem determina se será uma sanção administrativo-tributária ou penal tributária é o legislador, ao valorar a conduta contrária à lei de acordo com a repulsa social. Se o legislador considerar a infração à norma tributária menos grave, prescreverá uma sanção administrativa tributária, mas, se a conduta praticada for considerada grave, então o legislador busca o manto severo da norma penal e prescreve uma sanção penal tributária. As sanções penais são o consequente normativo decorrente da prática dos chamados crimes tributários. Estes decorrem da legislação penal, estando subordinados aos seus princípios, e têm como sede de julgamento o Poder Judiciário. Para alguns, estas sanções têm caráter pessoal, que, no magistério de Hugo de Brito Machado: [...] são aquelas que atingem diretamente a pessoa natural, e se caracterizam pela possibilidade de serem suportadas pessoalmente por qualquer ser humano, independentemente de sua atividade pessoal, sua riqueza, ou qualquer outra qualificação. São as penas ditas corporais. Penas privativas de liberdade, ou de prestação de serviço a comunidade, por exemplo.15
Não obstante este entendimento, parte da doutrina acredita que o critério pessoal da sanção penal tributária foi flexibilizado pela Constituição Federal de 1988, que, no §3º do art. 22516, trouxe a possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica na esfera penal. Assim, pode ser responsabilizada penalmente a pessoa jurídica que, no haurir de suas atividades financeiras, incorrer na prática
15 16
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MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, p. 449. “§ 3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
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de condutas definidas como antijurídicas pela legislação penal tributária. Para esta corrente, não se aplica o critério personalíssimo do ilícito penal tributário. Cabe lembrar que, segundo previsão constitucional – art. 5º, XLVII –, não haverá penas de morte (salvo em caso de guerra declarada, por agressão estrangeira, autorizada pelo Congresso Nacional), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis. Os crimes tributários dependem da ação finalista, quer dizer, a ação positiva ou negativa do agente deve estar voltada para a sonegação de tributos, de modo a atingir o patrimônio público. Os delitos tributários estão informados pelo elemento subjetivo do injusto, uma vez que só se configuram se endereçados para a sonegação fiscal. Não estando presentes os elementos que informam a culpabilidade (dolo e culpa), não existirá delito tributário, seja ele praticado por particular ou por funcionário público. A sanção penal tributária comporta triplo efeito: o preventivo ou intimidativo (psicológico), com escopo de evitar a violação do direito; o indenizatório, que pretende restabelecer o equilíbrio perturbado pela violação; e o repressivo, visando a evitar o cometimento de infrações futuras. No Direito Penal Tributário, as sanções podem ser penas ou medidas de segurança. Estas têm caráter meramente preventivo, já que com elas se pretende apenas evitar violações futuras. A utilidade da sanção está ligada à sua eficácia, que depende de sua viabilidade. A certeza de sua aplicação tem efeito mais intimidativo do que sua gravidade. As penas contempladas na legislação penal tributária são a privativa de liberdade e as pecuniárias (multas). A primeira é usada em casos de especial gravidade, adotando-se, como pena ordinária, a multa de caráter pecuniário17. A multa penal tributária consiste em uma obrigação de pagar certa quantia determinada na sentença condenatória, dentro dos limites estabelecidos para aquela infração. Tem caráter indenizatório quando pretende o restabelecimento da situação anterior e caráter repressivo quando representa um excesso além da compensação, com o propósito de castigar e servir de exemplo. O órgão julgador, no caso o Poder Judiciário, pode aplicar medidas de segurança que podem resultar em interdição de estabelecimentos ou intervenção em sua direção; publicação do nome do infrator em veículo de divulgação; cassação de habilitações; perda de privilégios, concessões e prerrogativas;
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Note-se que, aqui, se trata de multa penal, e não da sanção administrativa pecuniária.
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suspensão ou destituição de cargos públicos; cancelamento de inscrições em registros públicos.
4.2.1. ASPECTOS GERAIS DOS TIPOS PENAIS TRIBUTÁRIOS Os delitos penais tributários representam práticas de evasão fiscal, uma vez que se destinam a retardar, a reduzir ou, mesmo, a eliminar por completo o recolhimento de um tributo, por meio de práticas defraudatórias levadas a efeito depois da realização de seu fato imponível. A Lei 4.729/65 foi a primeira a trazer para a esfera penal os ilícitos administrativo-tributários de sonegação fiscal. Não foi revogada expressamente pelas leis posteriores: a 8.137/90 (Lei dos crimes contra ordem tributária) e a 8.383/91, posterior a ela, que sugere sua eficácia paralela à Lei 4.357/64. Afirma César de Faria Júnior18, com remissão a Rui Stoco, que houve a mera derrogação parcial, considerando que submerge íntegro o art. 5º da Lei 4.729/65. Além dos delitos de contrabando e descaminho, o Código Penal incorporou outros crimes tributários, relacionados com condutas relativas à sonegação de determinados tributos, como os trazidos pela Lei nº 9.983/2000, relativos às contribuições sociais, que introduziu os crimes de Apropriação Indébita Previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária, além dos tipos especiais: de inserção de dados falsos em sistema de informação e modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações. Outra norma polêmica é a Lei 8.866/94, que erigiu a omissão do recolhimento de tributos como hipótese que se configura o depósito infiel. O legislador subverteu o conceito de depósito formulado na legislação civil, em flagrante desrespeito à Constituição Federal, impondo prisão civil em circunstâncias fora dos limites do inciso LXVII, do art. 5º19. A mais importante norma sobre crimes penais tributários é a Lei. 8.137/ 90, que estabelece os crimes contra a ordem tributária. Essa lei não estabeleceu definição para ordem tributária, nem explicitou qual a natureza do bem jurídico que pretende tutelar. Assim, deve ser entendida ordem tributária com uma abstração que diz respeito à instituição, à arrecadação e à fiscalização de tributos, mas o bem jurídico que a lei quis tutelar é o direito que o Estado tem de instituir e cobrar tributos.
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FARIA JÚNIOR, César de. “Crimes Contra a Ordem Tributária”, p. 116. Este dispositivo legal é objeto da ADI nº 1055/DF, na qual, em sede cautelar, foram suspensos os efeitos dos dispositivos que impõem a prisão civil por débito tributário.
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O dolo é o elemento nuclear dos crimes contra a ordem tributária, afastando-se a aplicação da lei nos casos em que a supressão ou redução de tributo decorre de mera culpa. São necessárias, portanto, a consciência e a vontade de realizar alguma das condutas previstas para que a ação típica seja punível. As condutas passíveis de cometimento por particulares são definidas nos arts. 1º e 2º, e por servidores públicos no art. 3º.
4.2.1.1. CRIMES PRATICADOS POR PARTICULARES Contrabando e descaminho (previstos no art. 334 do Código Penal-CP) Contrabando é a ilícita importação ou exportação, utilização, circulação, comércio e posse de gêneros ou produtos estrangeiros proibidos. Descaminho é a entrada ou saída, utilização, comércio e posse ou circulação de mercadorias que deveriam ser submetidas ao pagamento de tributos, que não foram satisfeitos no todo ou em parte. Enquanto no descaminho existe sonegação total ou parcial do pagamento pela importação ou exportação de produtos de comércio permitido, no contrabando a mercadoria é proibida. Por regra, o contrabando é crime contra a higiene, a moral, a segurança pública. Diferentemente, o descaminho ofende o erário e a receita tributária, pois importa na falta de recolhimento de tributo. E isto conduz ao delito de sonegação fiscal. A distinção feita pela legislação entre o contrabando e o descaminho tem fins tributários, possibilitando o pagamento dos tributos de importação no descaminho, já que, na hipótese de contrabando, a sua natureza (pressuposto de direito e fato) inviabiliza o crédito tributário. Enquanto no descaminho a conduta consiste em iludir o pagamento de direito do imposto, no contrabando há entradas ou saídas de mercadorias proibidas; seu objeto material é mercadoria proibida. A proibição pode ser absoluta ou relativa. Será absoluta a proibição da mercadoria que não pode, em tempo algum e sob qualquer forma, ser importada ou exportada. Já a proibição relativa poderá ser quanto ao tempo e quanto à forma. Note-se que há mercadorias proibidas, cujo tráfico constitui outros crimes estatuídos na legislação penal. Havendo norma específica a respeito, caso de entorpecentes, por exemplo, a tipicidade é diversa, não se constituindo em contrabando, e, sim, no delito específico. O contrabando e o descaminho são puníveis com reclusão de um a quatro anos.
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O crime é de dolo genérico, sendo sujeito ativo o agente que importa ou exporta a mercadoria ou ilude (no todo ou em parte) o pagamento de direito de imposto, devido na entrada, na saída ou pelo consumo de mercadoria importada. O sujeito passivo, ou seja, o titular do bem jurídico ofendido, é a Administração Pública em geral, como Poder representativo da autoridade do Estado. Admite a co-participação. O objeto material do delito é a violação dos direitos fiscais, e o objeto jurídico é a proteção desses mesmos direitos. Nestes ilícitos também se pune a tentativa, ou seja, a execução desejada mas não consumada, devido a circunstâncias alheias à vontade do agente, uma vez que configura hipótese de crime material. Os atos preparatórios não configuram o crime tentado. Exige-se, para isto, o início da execução. Estando presentes os elementos indispensáveis à caracterização do ilícito, não existem razões para que o Judiciário aguarde a manifestação da Administração, embora a solução do processo administrativo de infração ou apreensão influa consideravelmente no desfecho judicial, servindo como corpo de delito. Sonegação fiscal O significado de sonegação é o ato ou efeito de sonegar e o deste é o de ocultar, deixando de descrever ou mencionar, nos casos em que a lei exige, a descrição ou menção. Utilizada com significação ampla, a sonegação exprime toda e qualquer evasão de renda decorrente da ação do contribuinte ou de sua indiferença ou desídia, com prejuízo material aos cofres públicos, sendo este o bem atingido. A sonegação fiscal é uma forma de evasão tributária, na medida em que ocorre posteriormente ao nascimento do fato imponível. Na fraude, há ação ou omissão objetivando escamotear o pagamento de imposto devido, reduzilo, evitá-lo ou retardá-lo. Enquanto a sonegação impede a apuração da obrigação tributária, a fraude impede o pagamento do tributo devido. Diversas são as condutas ou omissões fraudulentas que estão no rol da Lei 8.137/90 e em outras leis especiais. Tal abrangência não permite formulação precisa para a conceituação genérica de sonegação fiscal, uma vez que o legislador não a definiu. Na Lei 8.137/90, a intenção do agente é colocada na cabeça do art. 1º como suprimir ou reduzir tributo ou contribuição social. Este dolo específico é necessário para a configuração dos delitos ali descritos. Podem tipificar o crime as condutas descritas nos incisos de I a V:
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Art. 1º. Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I – omitir informação ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela legislação fiscal; III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo a operação tributável; IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, a nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
A pena é de reclusão de dois a cinco anos e multa. O ajuizamento da ação penal independe da decisão definitiva do Fisco, como decidiu o Supremo Tribunal Federal ao declarar que o processo administrativo não é pressuposto em crime de sonegação fiscal20. Para a caracterização do crime, que é material ou de resultado, é preciso que o agente tenha atingido a supressão ou redução por meio das práticas previstas nos incisos acima transcritos. Interrompido o iter criminis, em razão de circunstância alheia à vontade do agente, antes de vencido o prazo para recolhimento do tributo, ocorrerá a tentativa. O momento consumativo desses crimes ocorre no vencimento do prazo para recolhimento do tributo suprimido ou reduzido21. A tentativa será de difícil configuração, já que, na forma omissiva (omitir informação), não se cogita de tentativa e a forma comissiva (prestar declaração falsa) também não comporta a tentativa.
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ADI nº 1571/UF, DJU 30-04-2004, pp. 27. Tanto o inciso III como o V representam caso de norma penal em branco, uma vez que sua integração depende de outras regras jurídicas, de caráter tributário, dos entes políticos que tiveram a competência tributária outorgada pela Constituição Federal.
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Equiparam-se ao crime contra a ordem tributária, descrito no art. 1º, as ações descritas no art. 2º, do mesmo diploma legal. Enquanto a realização isolada das condutas descritas nos vários incisos do art. 1º não conduzirem ao resultado colimado pelo agente, que é a supressão ou redução de tributo, não se aperfeiçoa o delito que, sendo material, exige, para sua configuração, além da conduta, o evento da supressão ou redução do tributo. Se houve resultado (supressão ou redução de tributo), o crime é o do art. 1º; se não houve esse prejuízo, o crime será o do art. 2º, mas se exige o elemento subjetivo do injusto, que é o fim especial de eximir-se total ou parcialmente do pagamento do tributo. Como os demais crimes formais, não reivindicam o resultado, para seu aperfeiçoamento, as condutas contidas nos incisos do art. 2º: Art. 2º. Constitui crime da mesma natureza: I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar fraude outra, com o objetivo de eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo; II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; III – exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal; IV – deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento; V – utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.
A pena é de detenção de seis meses a dois anos e multa. Interpretando este preceito, Corrêa diz que: [...] deve ser considerado o tipo do art. 2º completado pelo caput do art. 1º da Lei n. 8.137, especialmente no que diz respeito à natureza jurídica, que é de ordem tributária, e ao objetivo, isto é, o fato que procura reprimir e impedir, apenando, que é a sonegação fiscal.22
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CORREA, Antônio. Dos crimes contra a Ordem Tributária, p. 157.
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Nestes delitos, para que o tipo esteja presente, também é necessário que o agente aja com dolo específico, direto, com a ação voltada para a sonegação de tributos. São crimes de mera conduta. O crime-fim é sonegação fiscal, mas, para atingi-la, podem ser praticados atos anteriores que, eventualmente, caracterizariam outros delitos (falsidade ideológica ou material, por exemplo). Pelo princípio para solução do conflito de normas, na situação em que estes crimes-meios são absorvidos pela norma final, não há caracterização de tais delitos, afastando-se, portanto, o concurso material ou formal. As penas para os crimes do art. 2º – detenção de seis meses a dois anos – serão aplicadas independentemente de outras sanções pecuniárias de caráter administrativo e identicamente para os crimes previstos no art. 1º da lei. Apropriação indébita tributária O delito de apropriação indébita está previsto no Código Penal, Art. 168 , no título “Dos Crimes Contra o Patrimônio”. Instituído de modo genérico, não trata especificamente da questão fiscal. A legislação tributária e a legislação previdenciária trataram de ampliar o tipo penal em questão e, nestas hipóteses, trata-se de delito contra o patrimônio do Poder Público. 23
Previsto no inciso II do art. 2º da Lei 8.137/90, o crime configura-se quando o contribuinte deixar de recolher tributo de que tenha a posse ou detenção, por haver sido cobrado pelo sujeito passivo. Anteriormente, já era considerada crime, por alguns textos legislativos, a ausência de recolhimento de alguns tributos descontados ou cobrados de terceiro, na qualidade de sujeito passivo, mediante equiparação ao crime de apropriação indébita (caso de imposto de renda retido na fonte e contribuições previdenciárias devidas pelos empregados e descontadas dos salários pelos empregadores – Lei 4.357/64, art. 11, e Lei 3.897/60, arts. 86 e 155, II, respectivamente). Sujeito ativo do delito é a empresa que tem o dever jurídico de recolher o tributo devido ao fisco por terceiros. O objeto material do crime é a quantia tributária não repassada ao fisco. Na lição de Magalhães Noronha24, necessário se faz que ocorram o dolo genérico e o dolo específico para a caracterização do crime.
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“Art. 168. Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção.” NORONHA, Magalhães. Direito Penal, v. 2, p. 331.
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Assim, para a configuração deste delito, o fisco deve identificar inequivocamente a intenção do agente de tomar para si os valores tributários que detém. A simples mora no ato de recolher o tributo não caracteriza a apropriação. Prova material do delito será o levantamento fiscal que detalhe os valores apropriados. Esse delito não admite tentativa, uma vez que, se não ocorrer o recolhimento do tributo, estará o ilícito consumado e, se o tributo for pago no vencimento, não haverá o crime. O recolhimento parcial configurará o crime. A objetividade jurídica do crime é inibir o agente de se apropriar, de forma genérica, do numerário pertencente à Fazenda Pública e que reteve, momentaneamente, para depositar em seu nome. Ao reter o dinheiro que pertence ao Poder Público, o agente pratica inversão na sua posse, em verdadeira apropriação indevida. A conceituação da lei para o delito descrito é o de crime tributário.
4.2.1.2. CRIMES PRATICADOS
POR FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS
As repartições públicas fiscais que arrecadam tributos confiam a agentes públicos, que ajam em seu nome, identificação de situações jurídicas geradoras de tributos, promovendo, então, lançamentos dos tributos e impondo penalidades. Essa vastidão de atribuições, baseada na confiança conferida a esses agentes públicos, não pode permitir que eles tragam outros resultados que não aqueles para os quais foram investidos de parcela do Poder estatal. Ao agirem contrariamente aos interesses da coletividade, que o Estado representa, esses agentes causam ofensa grave e, por isso, merecem receber as punições que a lei define. No dizer de Antônio Corrêa, nesses casos, além do valor dos impostos sonegados, como o primeiro bem público tutelado, ainda é objeto jurídico sob tutela “o interesse, que é o perfeito funcionamento da máquina estatal, voltada ao exercício fiscal arrecadador confiado a pessoas físicas, agentes públicos legalmente investidos na função”25. Vários crimes podem ser cometidos no âmbito da Administração Tributária por servidores públicos. Alguns estão previstos no Código Penal e outros foram agrupados no art. 3º da Lei 8.137/9026.
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CORREA, Antônio. Dos crimes contra a Ordem Tributária. p. 219. “Art. 3° Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (Título XI, Capítulo I):
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O Código Penal prevê, entre outros, o crime de peculato, no art. 31227, que ocorrerá se o funcionário público arrecadador de tributo se apoderar de tal numerário, ocorrendo o dispêndio em seu próprio benefício, ou de terceiros, em vez de o recolher aos cofres públicos. Incorre no crime de excesso de exação o funcionário público que exigir tributo indevido ou, ainda que devido, faz uso de meios vexatórios ou gravosos, conforme prevê o § 1º do art. 316 do CP28. A segunda modalidade do tipo configura-se quando da utilização, na cobrança de tributo devido, por meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza e a primeira modalidade pela exigência de tributo que funcionário sabe ou deveria saber indevido. O excesso de exação configurado pela exigência de tributo indevido ocorre tanto pela conduta dolosa quanto culposa. No exercício das funções, o fiscal de tributos deve saber quais os tributos devidos, pelo conhecimento da legislação. Não conhecendo a legislação, está agindo com imperícia e, por isso, culposamente. Fica excluída a culpa e, portanto, a configuração do crime se houver erro inevitável na interpretação da lei tributária, por exemplo, se há divergência jurisprudencial a respeito da norma tributária em questão. Qualquer agente público relacionado com a atividade de cobrança de tributo, seja nos serviços de fiscalização, de julgamentos administrativos e judiciais ou até daqueles ligados à execução fiscal, poderá ser sujeito ativo do crime, se promover atos de exigência de tributo ou procedimentos de cobrança por meio de conduta ilegal ou abusiva. No § 2º do art. 316 do CP29, entendem alguns que se trata de forma qualificada do excesso de exação e outros como sendo um tipo penal autônomo,
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I – extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento, de que tenha a guarda em razão da função; sonegá-lo, ou inutilizá-lo, total ou parcialmente, acarretando pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social; II – exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente. Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. III – patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público. Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.” “Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem posse ou em razão do cargo ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio.” “§ 1º. Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza”. “§ 2º. Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos”.
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definido como apropriação de tributo indevido30, que ocorre atualmente com menor frequência, tendo em vista que os tributos geralmente são recolhidos via banco e não mais diretamente nos órgãos tributários. Do mesmo modo, o servidor da Administração Fazendária que deixar de lançar ou cobrar tributo para, com isso, satisfazer interesse pessoal comete crime de prevaricação, previsto no art. 319 do Código Penal31. Também o superior hierárquico que deixa de responsabilizar seu subordinado, autor da infração funcional, movido por indulgência, pratica crime de condescendência criminosa, elencado no art. 320 do Código Penal32. Foram acrescentados ao CP (pela Lei 9.983/2000) os artigos 313-A33 e 313-B34, que criam os crimes de inserção de dados falsos e modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações. Além de outros crimes também previstos no Código Penal, a Lei 8.137/90 arrolou, especificamente no art. 3º, os crimes contra a ordem tributária praticados por funcionários públicos, passando a incriminar de modo específico as condutas funcionais de extravio, sonegação ou inutilização de livro, processo ou documento, de concussão, de corrupção passiva e de advocacia administrativa. Ao inciso I correspondem o extravio, a sonegação ou a inutilização de livro, autos de processo ou documento relacionado a tributo, desde que em decorrência dessas condutas surja pagamento indevido ou inexato de tributo, uma vez que é crime de resultado. Extravio, por definição no Direito Penal comum, é o ato de desviar, desencaminhar ou mudar de destino ou fim. Sonegação é não apresentar, relacionar ou mencionar quando isso é devido. Por sua vez, inutilizar é tornar inútil, é tirar a aptidão, é tornar imprestável. Será sujeito ativo de tais delitos o funcionário público que realizar as condutas ali previstas, e sujeito passivo a pessoa jurídica de direito público
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MACHADO, Hugo de Brito. Estudos de Direito Penal Tributário, p. 201. “Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.” “Art. 320. Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente.” “Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano.” “Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente.”
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arrecadadora do tributo relacionado a cada uma das condutas delituosas e empregadora do servidor que a praticar. Em vez da infeliz redação “pagamento indevido ou inexato”, melhor seria conduta que “acarretasse redução, aumento ou supressão”, uma vez que, caso não venha a ser pago tributo em função da ação criminosa do funcionário público, tal conduta não se enquadra então nesse crime, e, sim, no do art. 314 do Código Penal35, cuja sanção é bem mais branda. O crime do art. 3º, I, admite a tentativa, por ser de resultado, e nele só cabe a modalidade dolosa, uma vez que o verbo “extraviar” tem o sentido de desencaminhar ou de fazer desaparecer, que são condutas intencionais, dolosas. O particular que, de alguma forma, contribui com o funcionário na realização do crime será partícipe. O crime previsto no inciso II do art. 3º é modalidade dos delitos de concussão e corrupção passiva, previstos nos arts. 31636 e 31737 do Código Penal, cometidos em matéria tributária. Entre os dois crimes penais, a diferença está na ação do delinquente. No crime de concussão, o funcionário público intimida, fazendo uma exigência, uma imposição; é considerado similar da extorsão. Já no crime de corrupção passiva, não existe o caráter intimidativo da exigência, mas apenas a solicitação de vantagem ou a aceitação de recebê-la, quando oferecida pelo particular interessado38. No caso da concussão, há violação do dever de probidade e abuso de autoridade. São crimes formais cuja consumação independe de qualquer resultado concreto, de tentativa inviável. Qualquer atividade relacionada à cobrança de tributos pode ser objeto da conduta do crime, sejam os trabalhos de fiscalização, as atividades de julgamentos administrativos e até as inscrições em dívida ativa. O crime previsto no art. 3º, III, incluído como está no capítulo da proteção da ordem tributária, ocorrerá quando o interesse do particular
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“Art. 314. Extraviar livro oficial ou qualquer documento, de que tem a guarda em razão do cargo; sonega-lo ou inutiliza-lo, total ou parcialmente.” “Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida.” “Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.” A legislação brasileira prevê ainda uma terceira situação para o caso do funcionário público que cobra direitos indevidos ou de modo vexatório, praticando, assim, excesso de exação.
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patrocinado pelo funcionário perante a Administração Tributária disser respeito à arrecadação de tributo. A doutrina define patrocinar como defender, pleitear ou advogar, que pode ser de modo formal e explícito, por meio de petições ou arrazoados, ou de modo dissimulado, por intermédio, por exemplo, de acompanhamento de processos, obtenção de informações sobre medidas sigilosas ou formulação de pedidos aos responsáveis por despachos. A regra do inciso III visa a impedir que se concentrem numa mesma pessoa interesses conflitantes, quer dizer, como representante do estranho com interesse subjetivo perante a Administração e representando e decidindo em nome da mesma Administração. Se fosse permitido ao funcionário que ostenta a condição de detentor de parcela do Poder estatal defender a Administração Pública e, ao mesmo tempo, em nome do particular, satisfazer pretensão, embora legítima, surgiria colisão de interesses e confusão nas atividades funcionais. Não pode o Estado permitir que ocorram tais situações e, por isso, criminalizou a atuação do funcionário para beneficiar terceiros, requerendo em seu nome, na condição de procurador, ou elaborando peças, mas assinadas por terceiros, perante a Administração que representa. Apesar de possível a tentativa, é de difícil configuração. As penas para estes crimes são mais severas que as dos crimes correspondentes previstos no Código Penal. A seguir, há um quadro que sintetiza questões relevantes das sanções tributárias.
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600 - SANÇÕES TRIBUTÁRIAS
BIBLIOGRAFIA BUJANDA, Fernando Sáinz de. Hacienda y Derecho. v.2. Madrid, 1962. CANTO, Gilberto de Ulhôa. Evasão e elisão fiscais – Um tema atual. RDTrib, n.63, p.187-193. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1993. CORRÊA, Antônio. Dos crimes contra a ordem tributária: Comentários à Lei n. 8.137, de 27.12.1990. São Paulo: Saraiva, 1994. FARIA JÚNIOR, César de. Crimes Contra a Ordem Tributária. In: Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, n.1, v. 4, p. 114-121. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2003.
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______. Estudos de Direito Penal Tributário. São Paulo: Atlas, 2002. MALERBI, Diva. Elisão Tributária. Ed. RT, 1984. NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de direito tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1989. NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1972. RIBAS, Lídia Maria L. R. Direito Penal Tributário: questões relevantes. São Paulo: Malheiros, 2004. VILLEGAS, Hector. Direito Penal Tributário. Trad. de Elisabeth Nazar Carrazza e outros. São Paulo: Ed. Resenha Tributária; EDUC, 1974.
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Processo Administrativo Fiscal
Sergio André Rocha Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho. Professor de Direito Tributário da Faculdade de Direito da FGV-Rio.
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604 - PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL
1. INTRODUÇÃO No ano de 1987, veio a lume o artigo do Professor Carlos Ari Sundfeld intitulado “A Importância do Procedimento Administrativo”, cuja premissa era a de que o processo administrativo é instrumento essencial para o controle da atividade de conversão dos fins previstos no ordenamento jurídico em atos administrativos1. Desde a publicação do citado trabalho, houve um perceptível crescimento da produção teórica sobre o processo administrativo, inclusive sobre o processo administrativo fiscal, sem, contudo, que se lograsse o reconhecimento de que este é de vital importância para o funcionamento do Sistema Tributário como um todo, podendo-se afirmar, com Antonio Berliri, que os problemas relativos ao controle da legalidade dos atos administrativos fiscais são alguns dos problemas centrais do Direito Tributário, “na medida que de sua solução depende o correto funcionamento do sistema tributário”2. A notável importância do processo administrativo no Brasil é conseqüência do estado da arte do Sistema Tributário pátrio, onde:
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(a)
os tributos aparecem como forma principal de custeio das atividades estatais3;
(b)
os contribuintes muitas vezes não se sentem inclinados a efetuar o pagamento dos tributos devidos4;
(c)
as atividades de liquidação e arrecadação tributárias foram delegadas aos sujeitos passivos5; e
SUNDFELD, Carlos Ari. A Importância do Procedimento Administrativo. In: Revista de Direito Público, São Paulo, n. 84, out.-dez. 1987, p. 64-74. Com inspiração neste artigo, publicamos um texto dedicado à importância do processo administrativo fiscal: ROCHA, Sergio André. A Importância do Processo Administrativo Fiscal. In: Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 239, jan.-mar. 2005, p. 33-44. BERLIRI, Antonio. Per un Miglior Funzionamento della Giustizia Tributaria. In: Scritti Scelti di Diritto Tributario. Milano: Giuffrè, 1990. p. 899. Cf. ESTEVAN, Juan Manuel Barquero. La Función del Tributo en el Estado Democrático de Derecho. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2002. p. 33. Ver, ainda: HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R. The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. New York: W. W. Norton & Company, 1999. p. 15. Cf. TÔRRES, Heleno. Direito Tributário e Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 173; SCHMÖLDERS, Günter. The Psychology of Money and Public Finance. New York: Palgrave Macmillan, 2006. p. 157-210. Ver: ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Fiscal: Controle Administrativo do Lançamento Tributário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 276-290.
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(d)
para controle dos pagamentos devidos pelos contribuintes, grandes poderes de fiscalização e controle foram atribuídos à Administração Fazendária6.
Este capítulo dedica-se ao estudo do processo administrativo fiscal, examinando sua natureza, princípios e finalidades. Com vistas a tornar mais concreta tal introdução teórica, será objeto de análise o processo administrativo fiscal federal, analisando-se sua estrutura e legislação de regência.
2. NATUREZA DISTINÇÃO
DO
PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL.
ENTRE PROCESSO E PROCEDIMENTO
Tem-se um processo administrativo sempre que se estiver diante da prática de atos interventivos pelo Estado, os quais, pela sua natureza, exigem que se ponha à disposição dos administrados meios efetivos para o controle de sua legalidade. A seu turno, o termo procedimento pode ser utilizado em duas acepções distintas: em primeiro lugar, quer significar o conjunto de atos e formas por meio das quais se exterioriza o processo, e, em segundo lugar, significa a opção democrática do Estado de atuar de forma procedimentalizada, possibilitando a participação dos administrados na prática dos atos administrativos. Tendo em conta a existência de processos administrativos assim como de procedimentos administrativos autônomos, é necessário destacar que, como já mencionado, a grande diferença entre essas duas formas de atuação estatal está focada no regime jurídico que se lhes afigura aplicável, o qual distingue a relação jurídica existente entre administração e administrado no âmbito dos processos e procedimentos administrativos e decorre da finalidade a que se visa alcançar com a sua prática. Uma vez que por intermédio de processos administrativos os agentes e órgãos da Administração Pública exercem sua face autoridade, intervindo no exercício de direitos pelos administrados ou em seu patrimônio, tais processos encontram-se submetidos ao princípio do devido processo legal, e assim, por via de conseqüência, a outros princípios que são consectários deste último, como o direito à ampla defesa, a qual deve ser realizada em contraditório.
6
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Ver: ROCHA, Sergio André. Ética da Administração Fazendária e Processo Administrativo Fiscal. In: ROCHA, Sergio André (Coord.). Processo Administrativo Tributário: Estudos em Homenagem ao Professor Aurélio Pitanga Seixas Filho. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 618-619.
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Por seu turno, tendo em consideração que a prática de atos com a precedência de procedimentos administrativos autônomos trata-se de uma opção democrática da Administração Pública, tem-se que o regime jurídico destes não se encontra pautado pelos princípios supramencionados, encontrando-se vinculados, tãosomente, aos princípios gerais de Direito Administrativo, que de resto são igualmente aplicáveis no âmbito dos processos administrativos, uma vez que regentes de toda a atuação das autoridades administrativas. Durante anos prolongou-se debate doutrinário a respeito da existência de verdadeiros processos administrativos7. Como salientam Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, “a querela nominal processo/procedimento é, em nosso Direito Administrativo, antiqüíssima”8, havendo sérias divergências quanto à juridicidade da utilização do termo “processo” para referência às atividades “procedimentalizadas” da Administração Pública. Contudo, embora ainda haja importantes vozes que defendam a impropriedade de se falar em processos administrativos9, parece-nos que a questão hoje se encontra superada, tanto doutrinariamente, quanto em termos legislativos, já que a própria Constituição Federal, no inciso LV de seu art. 5º estabelece claramente na existência de um processo administrativo.
3. PRINCÍPIOS
DO
PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL
Como restou afirmado anteriormente, a grande distinção entre os processos e os procedimentos administrativos reside no regime jurídico que se lhes afigura aplicável, o qual tem como ponto de partida os princípios jurídicos que regem cada uma dessas formas de atuação estatal. Seguindo essa diretriz, trataremos a seguir dos princípios comuns aos processos e procedimentos administrativos, ao lado de princípios aplicáveis exclusivamente aos processos administrativos. Os princípios comuns aos processos e procedimentos administrativos são aqueles previstos no art. 37 da Constituição Federal, quais sejam: a) legalidade;
7 8 9
Ver: ROCHA, Sergio André, Processo Administrativo Fiscal: Controle Administrativo do Lançamento Tributário, 2009, p. 31-44. FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 32. Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 222; CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008. p. 781.
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b) impessoalidade; c) moralidade; d) publicidade; e) eficiência, aos quais se podem acrescentar os princípios f ) do formalismo finalístico (instrumentalidade das formas); e g) da motivação. Por seu turno, os princípios que são aplicáveis com exclusividade aos processos administrativos são aqueles decorrentes do devido processo legal processual (procedural due process of law), ou seja, os princípios do contraditório, da ampla defesa e do duplo grau de cognição. Vale destacar a notável importância da Lei nº 9.784/99, no que se refere à positivação dos princípios aplicáveis aos processos administrativos federais. Embora tal lei seja aplicável ao processo administrativo fiscal apenas subsidiariamente, conforme previsto no seu art. 69, no que se refere aos princípios a mesma se faz integralmente aplicável10.
3.1. PRINCÍPIOS COMUNS AOS PROCESSOS E PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS11 3.1.1. PRINCÍPIO
DA
LEGALIDADE
A submissão da Administração Pública ao princípio da legalidade significa reconhecer que a atividade desta trata-se de uma atribuição infralegal12, ou seja, submetida à lei, cabendo às autoridades administrativas apenas a realização das competências que lhe tenham sido pela lei deferidas, as quais podem envolver maior ou menor margem para determinação de sua conduta (exercício de atribuições vinculadas ou discricionárias). Sob o prisma da separação dos poderes, o princípio da legalidade vem a subordinar a atuação das autoridades administrativas ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário, na medida que o atendimento aos desideratos consignados nos textos legais é o metro da legitimidade do atuar administrativo. Em consonância com o magistério de Hartmut Maurer “a vinculação à lei atua em direção dupla. Ela põe, por um lado, as autoridades administrativas na dependência do parlamento e das leis promulgadas pelo
10
11 12
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Sobre a aplicação da Lei nº 9.784/99 ao processo administrativo fiscal, ver: ROCHA, Sergio André, Processo Administrativo Fiscal: Controle Administrativo do Lançamento Tributário, 2009, p. 267-270. Para um estudo mais detalhado destes princípios, ver: ROCHA, Sergio André, Processo Administrativo Fiscal: Controle Administrativo do Lançamento Tributário, 2009, p. 45-117. Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 12.
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parlamento. Ela submete, por outro lado, as autoridades administrativas ao controle judicial”13. Em síntese, atentando-se especificamente para o processo e procedimento administrativos, o princípio da legalidade pode ser analisado sob duas vertentes distintas: (1) é fundamento do controle, via processo, dos atos praticados pela Administração Pública, consubstanciando-se, nesta assentada, na justificativa do instrumento de controle da legalidade dos atos administrativos; e (2) é exigência de que os atos praticados no seu curso tenham fundamento em competências legalmente estabelecidas, o que vem a significar a necessidade de que os diversos procedimentos adotados nos processos administrativos estejam expressamente previstos em lei. Assim, é decorrência do princípio da legalidade que somente instrumento normativo com força de lei disponha sobre processo administrativo. Dessa forma, tem-se, a título exemplificativo, que o Decreto nº 70.235/72, que dispõe acerca do processo administrativo fiscal federal, embora se trate, formalmente, de um decreto, somente pode ser alterado por lei, apenas tendo sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988 em função de inexistir, no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, inconstitucionalidade formal superveniente. Finalmente, é de se observar que, em termos de Direito positivo, o princípio da legalidade se encontra insculpido, como dito, no caput do art. 37 da Constituição Federal, bem como, para a Administração Pública Federal, no caput e no inciso I do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 9.784/99, que rege o processo administrativo federal.
3.1.2. PRINCÍPIO
DA IMPESSOALIDADE
O princípio da impessoalidade é multifacetado, representando a conjugação dos princípios da isonomia e da finalidade. Sob o prisma da isonomia, o princípio da impessoalidade corresponde à necessidade de as autoridades administrativas tratarem de forma equânime os administrados. Já sob o espectro da finalidade, a impessoalidade é uma decorrência de a atividade administrativa ser desenvolvida como função, ou seja, ser executada no interesse de terceiros, consubstanciado na consecução dos fins coletivos.
13
MAURER, Hartmut. Elementos de Direito Administrativo Alemão. Tradução Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 47.
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Como princípio regente do processo administrativo fiscal, a impessoalidade impõe a imparcialidade do órgão ou agente julgador, o qual não deve buscar vantagem para si ou privilegiar interesses dos administrados, pautando sua atuação pela observância objetiva das normas jurídicas (realização do princípio da legalidade) e a busca da verdade material. Nesse contexto, estabelece a Lei nº 9.784/99 que o processo administrativo federal deve visar ao “atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei” (art. 2º, parágrafo único, inciso II), pautando-se por critérios de “objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades” (inciso III). Também têm fundamento no princípio da impessoalidade as previsões, contidas nos arts. 18 e 20 do citado diploma normativo, relacionadas com o impedimento ou a suspeição da autoridade administrativa julgadora.
3.1.3. PRINCÍPIO DA MORALIDADE Com fundamento nas lições de Humberto Ávila (nota), temos que o princípio da moralidade é um sobreprincípio que determina um ideal de coisas amplo a ser atingido, o qual é concretizado por outros princípios menos abrangentes, que são aqueles que são efetiva e diretamente aplicados aos casos concretos. Dessa forma, o princípio em comento não se aplica diretamente à solução de casos concretos, dependendo, para tanto, da intermediação de outras regras e princípios. A Lei nº 9.784/99 incorporou o princípio em comento estabelecendo que o processo administrativo federal deve observar “atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé”. Como visto na definição de Humberto Ávila, o princípio da moralidade estabelece como fim que prevaleça um estado de confiabilidade e estabilidade nas relações entre Fazenda e contribuintes. Ganha relevo aqui o princípio da proteção da confiança, ao qual dedicamos o item seguinte.
3.1.4. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA O princípio da proteção da confiança do cidadão perante os atos administrativos, legislativos e jurisdicionais do Estado, orginado na Alemanha, vem cada vez mais ganhando expressão no Direito Público brasileiro, como forma de proteção das expectativas legítimas criadas por tais atos no cidadão. Tal princípio representa um passo adiante no que se refere à abrangência temporal dos atos praticados pelo Poder Público. Tomando por exemplo o
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sistema constitucional brasileiro, temos um ordenamento que protege contra alterações futuras os atos e fatos consumados no passado, isso mediante o princípio da irretroatividade das leis e a garantia de inviolabilidade do direito adquirido, da coisa julgada e do ato jurídico perfeito (art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal). Todavia, há situações em que não se está diante de uma situação consumada, mas meramente expectada, a qual se encontraria exposta a modificações de posicionamento por parte do Poder Público. Nas palavras de Misabel Derzi, “a justiça prospectiva, aliada à proteção da confiança, supõe não apenas o respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito a à coisa julgada, mas ainda se volta para o futuro, protegendo direitos meramente ‘expectados’ ou os ‘direitos a adquirir direitos’. As mudanças do legislador, quando necessárias, assim como do administrador ou do juiz devem se alimentar do princípio da proporcionalidade, constitucionalmente posto, instalando-se a obrigação geral de adoção de medidas transitórias, aplicáveis às situações em que, embora não se possa falar em direito adquirido, em decorrência do não preenchimento de todos os requisitos legais, as expectativas são fortemente criadas, pelo decurso do tempo transcorrido”14.
3.1.5. PRINCÍPIO
DA
PUBLICIDADE
O princípio da publicidade aparece como uma garantia da democracia, na medida em que determina que aos administrados seja dado conhecimento dos atos que venham a interferir em sua esfera jurídica, admitido o sigilo apenas em determinadas situações, justificáveis pelas circunstâncias (não é de se exigir, por exemplo, que um inquérito policial seja público, o que inviabilizaria seus próprios fins)15.
3.1.6. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA O princípio da eficiência, acrescido ao art. 37 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 19/98, teve por finalidade, segundo Sérgio
14
15
DERZI, Misabel Abreu Machado. Justiça Prospectiva no Imposto sobre a Renda. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2007. v. IV. p. 50. Cf. FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu, Processo Administrativo, 2002, p. 83. Nas palavras da Professora Odete Medauar “a publicidade é inerente às atividades administrativas processualizadas, inclusive no âmbito tributário, em virtude da participação dos administrados (e contribuintes). Afigura-se impossível a ocorrência de atuações ocultas em processo, embora em casos relativos à privacidade e honra, por exemplo, sua realização possa ocorrer em círculo restrito, mas sempre com a presença dos sujeitos” (MEDAUAR, Odete. Processualização e Publicidade dos Atos do Processo Administrativo Fiscal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo Administrativo Fiscal. São Paulo: Dialética, 1995. p. 123).
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Ferraz e Adílson de Abreu Dallari, “a substituição do modelo burocrático, caracterizado pelo controle rigoroso dos procedimentos, pelo novo modelo gerencial, no qual são abrandados os controles de procedimentos e incrementados os controles de resultados”16. A eficiência dos processos e procedimentos administrativos encontra-se ligada à “adoção dos mecanismos mais céleres e mais convincentes para que a Administração possa alcançar efetivamente o fim perseguido através de todo procedimento adotado”17. Em consonância com o magistério de Marcos Juruena Villela Souto, a eficiência deve ser avaliada “sobre tríplice aspecto, a saber, administrativa, que é agir sempre que esteja presente o interesse público, técnica, com o emprego dos meios adequados ao atendimento das necessidades públicas, e financeira, que é a aplicação do princípio da economicidade”18.
3.1.7. PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL Uma das inovações trazidas pela Emenda Constitucional nº 45, de 31 de dezembro de 2004, foi a inserção do inciso LXXVIII no art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. O direito à duração razoável do processo, no âmbito judicial, já se encontrava expresso no item 1º do art. 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que, ao tratar das garantias judiciais, dispõe que “toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”. Segundo Sidney Palharini Júnior, “mesmo antes da EC nº 45, a celeridade processual já era tida por garantia constitucional das partes litigantes, em decorrência da interpretação e aplicação da regra do devido processo legal”19.
16 17 18 19
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Processo Administrativo, 2002, pp. 77-78. Cf. CARVALHO FILHO, José dos Santos, Processo Administrativo Federal: Comentários à Lei 9.784/1999. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 60. SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 184. PALHARINI JÚNIOR, Sidney. Celeridade Processual – Garantia Constitucional Pré-Existente à EC nº 45 – Alcance da “Nova” Norma (art. 5º, LXXVIII, da CF). In: WAMBIER, Teresa Arruda
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Essa orientação também é seguida, por exemplo, por José Rogério Cruz e Tucci, para quem o direito a uma prestação jurisdicional em tempo razoável era uma decorrência da regra contida no citado 1º do art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica, combinada com o § 2º do art. 5º da Constituição Federal20.
3.1.8. PRINCÍPIO DAS FORMAS)
DO
FORMALISMO FINALÍSTICO (INSTRUMENTALIDADE
O processo, seja ele jurisdicional ou administrativo, não é um fim em si mesmo, mas sim um instrumento para a realização das Funções estatais. Tem-se, portanto, que a finalidade dos processos e procedimentos administrativos se resume à realização da Função Executiva, não devendo o formalismo se colocar à frente das finalidades públicas e dos interesses superiores da coletividade. Assim, o processo administrativo deve ser entendido como um instrumento e não como um fim em si mesmo. As formas previstas em lei para sua realização devem ser encaradas de maneira instrumental à consecução do fim a que se destinam, não servindo como barreira à efetividade deste último. O princípio do formalismo finalístico foi incorporado à Lei nº 9.784/ 99, que, nos incisos VIII e IX do parágrafo único de seu art. 2º, estabelece, respectivamente, que no processo administrativo federal deve-se “observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados”, indicando o caráter garantístico dos direitos dos administrados que as formalidades devem assumir no âmbito do processo administrativo, determinando, ainda, a “adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados”, evidenciando, a todas as luzes, a finalidade das formas do processo, ou seja, do procedimento. Também tem fulcro no princípio em comento a disposição contida no art. 22 da Lei nº 9.784/99, no sentido de que “os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir”. Ambos os dispositivos devem ser agora interpretados em conformidade com o novel inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2005, segundo o qual “LXXVIII a todos,
20
Alvim et al. (Coords.). Reforma do Judiciário: Primeiras Reflexões sobre a Emenda Constitucional nº 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 768. CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 86.
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no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. O direito fundamental a um processo célere implica na utilização do processo como meio para a realização de direitos e não como um fim em si mesmo, de modo que as formas não sejam exacerbadas a ponto de tornar ineficazes os direitos tutelados pelo Estado21.
3.1.9. PRINCÍPIO DA PRATICIDADE Um dos maiores desafios de um sistema tributário de massas consiste no estabelecimento de regras que sejam passíveis de serem aplicadas, alcançando a desejada efetividade. Nessa ordem de idéias, tem-se que o legislador, ao impor aos sujeitos passivos deveres fiscais, materiais ou formais, deve buscar editar regras que possam ser interpretadas por seus destinatários, evitando-se a criação de encargos exacerbados para os mesmos, prevendo, ainda, mecanismos que possibilitem a fiscalização das condutas dos contribuintes pelas autoridades fazendárias. O alcance de tais finalidades consiste no conteúdo do princípio da praticidade, o qual vem sendo analisado com bastante profundidade pela Professora Misabel Abreu Machado Derzi. Sobre o princípio em questão a citada jurista proferiu a seguinte lição: A praticidade é um princípio geral e difuso, que não encontra formulação escrita nem no ordenamento jurídico alemão, nem no nacional. Mas está implícito, sem dúvida, por detrás das normas constitucionais. Para tornar a norma exeqüível, cômoda e viável, a serviço da praticidade, a lei e o regulamento muitas vezes se utilizam de abstrações generalizantes fechadas (presunções, ficções, enumerações taxativas, somatórios e quantificações) denominadas impropriamente por alguns autores de “tipificações” ou modo de raciocinar “tipificante”. A principal razão dessa acentuada expressão da praticidade, já o dissemos, reside no fato de que o Direito Tributário enseja aplicação em masse de suas normas, a cargo da Administração, ex officio, e
21
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Cf. SILVA, Valcur Natalino da. O Princípio Constitucional da Razoável Duração do Processo (art. 5º, LXXVIII, da CF). In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (Coords.). Reforma do Judiciário: Primeiras Reflexões sobre a Emenda Constitucional N. 45/2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 785. Diversos estudos acadêmicos sobre o princípio da duração razoável do processo podem ser encontrados em: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (Coords.). Reforma do Judiciário: Primeiras Reflexões sobre a Emenda Constitucional nº 45/2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
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de forma contínua ou fiscalização em massa da aplicação dessas normas (nas hipóteses de tributos lançados por homologação).22
Nas palavras de Helenílson Cunha Pontes, a praticidade “se manifesta em pelo menos duas dimensões: uma, na definição da própria regra tributária, isto é, da própria obrigação principal, a partir da definição dos elementos estruturais da obrigação tributária; e uma outra dimensão, relativa à aplicação da regra tributária, nos chamados deveres acessórios”23. A praticidade material, referente às normas tributárias impositivas, demanda que as normas fiscais sejam simples o bastante para que sejam interpretadas diretamente pelos contribuintes. A praticidade formal refere-se à necessidade de que os deveres formais impostos aos contribuintes não lhes sejam penosos em demasiado (em termos administrativos e financeiros), referindo-se igualmente à administração fazendária, no sentido de se estabelecerem mecanismos de arrecadação e fiscalização que tornem possível a cobrança dos tributos em um sistema massificado. Nesse âmbito em partircular (praticidade como instrumento de viabilização da arrecadação e fiscalização tributárias) há que se ter o cuidado de evitar que, em nome da praticidade, o Poder Público derrogue outros princípios da tributação bem como as garantias do homem-contribuinte. Praticidade sim, mas dentro dos marcos constitucionais de exercício do poder tributário. No campo do processo administrativo, o princípio da praticidade implica a necessidade da simplificação das formas processuais, de modo que possam as mesmas ser observadas pelos contribuintes e pela própria Fazenda Pública, sendo do interesse de toda a coletividade que os contribuintes tenham meios simples e eficazes de defesa e que a Fazenda possua formas igualmente simples e eficazes de exigência dos tributos devidos.
3.1.10. PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO Como se sabe, todo ato administrativo possui um motivo, enquanto razão e fundamento de sua prática. Por outro lado, dentro de um Estado Democrático
22
23
DERZI, Misabel Abreu Machado. A Praticidade, a Substituição Tributária e o Direito Fundamental à Justiça Individual. In: FISCHER, Octavio Campos (Coord.). Tributos e Direitos Fundamentais. São Paulo: Dialética, 2004, p. 264. PONTES, Helenílson Cunha. O princípio da praticidade no Direito Tributário (substituição tributária, plantas de valores, retenções de fonte, presunções e ficções, etc.): sua necessidade e seus limites. In: Revista Internacional de Direito Tributário, Belo Horizonte, nº 2, jul.-dez. 2004, p. 58.
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de Direito não basta apenas a existência do referido motivo, sendo o conhecimento quanto ao mesmo restrito à Administração Pública. Exige-se, para a validade do ato, que as razões que ensejaram a sua prática sejam externadas aos seus destinatários, com o que se viabiliza a compreensão quanto aos fundamentos que levaram à sua realização, possibilitando-se, ainda, o controle de sua legalidade e legitimidade pelos administrados, pelo Poder Judiciário e pela própria Administração Pública. No âmbito do processo administrativo federal encontra-se o princípio da motivação estabelecido, como regra geral, no art. 2º, VII, da Lei nº 9.784/ 99, que determina a obrigatoriedade da “indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão”. Estabelece o art. 50 do citado diploma legal, de forma explícita, a tipologia dos atos que devem, necessariamente, ser motivados, prevendo ainda, em seu § 1º, que “a motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato”.
3.2. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS, COM EXCLUSIVIDADE, AOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS 3.2.1. PRINCÍPIO
DO
DEVIDO PROCESSO LEGAL
O princípio do devido processo legal significa, inicialmente, a eleição do processo como forma privativa de intervenção do Estado na esfera de direitos dos indivíduos, do que decorre que o processo, seja ele administrativo ou judicial, não poderá jamais ser considerado como um ato de benevolência estatal, sendo, antes, uma exigência do princípio do devido processo legal, o qual se encontra insculpido no inciso LIV do art. 5º da Constituição Federal. De outro lado, para que se tenha atendido esse requisito do devido processo legal, é necessário, ainda, que o processo seja “legal”, isto é, tenha seu procedimento previsto em lei, não cabendo ao arbítrio da Administração estabelecê-lo. Tal exigência do devido processo legal encontra-se relacionada com o princípio da legalidade, a se exigir que o procedimento a ser adotado para a consecução dos fins a que visa o processo estejam previstos em lei. É de se asseverar, entretanto, que não basta a existência de um procedimento legalmente estabelecido para que se atenda à exigência do devido processo legal, sendo necessária e imperiosa a existência de verdadeiro processo,
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para o que se exige estejam presentes os direitos à ampla defesa, ao contraditório e ao duplo grau de cognição. Nessa assentada, tem-se que, sob o prisma processual o princípio do devido processo legal encerra um aspecto formal, consistente na exigência de que o procedimento que exterioriza o processo esteja previsto em lei, bem como um aspecto material, referente às características de tal procedimento, que deve observar os princípios mencionados no parágrafo anterior. Dessa forma, é possível afirmar que todos esses direitos das partes são verdadeiros corolários da exigência de um devido processo legal, passando-se, então, ao seu estudo de forma individualizada.
3.2.2. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA Como já tivemos oportunidade de afirmar em trabalho anterior, “a ampla defesa consiste em poderem os litigantes exercer no processo, administrativo ou judicial, todas as posições processuais ativas para bem defender um seu direito”24. Dessa forma, para que se tenha um devido processo legal, é necessário que o processo seja externado por intermédio de um procedimento que possibilite às partes envolvidas a demonstração da procedência de suas razões. Como destaca Marçal Justen Filho “pouca utilidade teria um procedimento em que não fosse prevista a livre manifestação de todos os interessados, com direito à participação ativa e vedação da atuação unilateral de uma das partes. Enfim, o procedimento não consiste na observância formalística de um ritual. Não se compadece com o Estado Democrático a instituição de procedimento com perfil arbitrário ou prepotente”25. Portanto, são corolários do princípio em comento a possibilidade de revisão da primeira decisão proferida por uma instância superior (duplo grau de cognição), cujo acesso não pode ser limitado por ato legislativo ou administrativo, a exigência de imparcialidade do julgador (princípio da impessoalidade), a necessidade de motivação da decisão proferida (princípio da motivação), bem como a própria necessidade de que a relação jurídica processual transcorra de forma dialética, em contraditório.
24
25
SILVA, Sergio André Rocha Gomes da. Inconstitucionalidade da exigência do depósito de 30% do valor do tributo para que se possa interpor recurso na esfera administrativa federal. In: Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, nº 57, jun. 2000, p. 115-123. JUSTEN FILHO, Marçal. Ampla Defesa e Conhecimento de Argüições de Inconstitucionalidade e Ilegalidade no Processo Administrativo. In: Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, nº 25, out. 1997, pp. 68-79.
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3.2.3. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO O princípio do contraditório encontra-se intrinsecamente relacionado com o princípio da ampla defesa, uma vez que esta não se faz possível caso não tenham as partes conhecimento acerca dos atos relevantes praticados no âmbito do processo. Contudo, não basta que a parte tenha conhecimento quanto à prática de um ato, sendo também necessário que se disponibilize àquela a possibilidade de se manifestar sobre o mesmo. Nesse sentido é pertinente transcrever a definição do princípio do contraditório apresentada por Alexandre Freitas Câmara, para que tal princípio corresponda à “garantia da ciência bilateral dos atos e termos do processo com a conseqüente possibilidade de manifestação sobre os mesmos”26. Segundo as palavras de Alberto Xavier, “o princípio do contraditório encontra-se relacionado com o princípio da ampla defesa por um vínculo instrumental: enquanto o princípio da ampla defesa afirma a existência de um direito de audiência do particular, o princípio do contraditório reporta-se ao modo do seu exercício. Esse modo de exercício, por sua vez, caracteriza-se por dois traços distintos: a paridade das posições jurídicas das partes no procedimento e no processo, de tal modo que ambas tenham a possibilidade de influir, por igual, na decisão (‘princípio da igualdade de armas’); e o caráter dialético dos métodos de investigação e de tomada de decisão, de tal modo que a cada uma das partes seja dada a oportunidade de contradizer os fatos alegados e as provas apresentadas pela outra”27. O princípio do contraditório, além de representar o direito fundamental do administrado de ter ciência quanto aos atos praticados no processo, tratase, ainda, de instrumento da realização do princípio da verdade material, uma vez que é por intermédio do mesmo que se possibilita a participação daquele na formação da decisão a ser proferida pela autoridade administrativa, com a qual os fatos discutidos no seio do processo podem ser mais bem esclarecidos. A presença do princípio do contraditório implica, necessariamente, o dever de motivação dos atos praticados pela autoridade administrativa sem o que se inviabilizaria a possibilidade de o administrado lhes apresentar contrariedade.
26 27
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CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999. p. 45. XAVIER, Alberto. Princípios do Processo Administrativo e Judicial Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 10.
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3.2.4. PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE COGNIÇÃO O ser humano é falível por natureza. Em razão desse traço da natureza humana, é plausível que seja dada à parte que tenha sua pretensão indeferida pelo julgador singular a possibilidade de recorrer a uma instância superior. Como salientam Ada Pellegrini, Cândido Rangel Dinamarco e Antônio Carlos de Araújo Cintra, em lição plenamente aplicável ao processo administrativo: [...] é sempre mais conveniente dar ao vencido uma oportunidade para o reexame da sentença com a qual não se conformou. Os tribunais de segundo grau, formados em geral por juízes mais experientes e constituindo-se em órgãos colegiados, oferecem maior segurança; e está psicologicamente demonstrado que o juiz de primeiro grau se cerca de maiores cuidados no julgamento quando sabe que sua decisão poderá ser revista pelos tribunais da jurisdição superior.28
Assim, em uma primeira aproximação, corresponde o duplo grau à necessidade de o juízo de mérito sobre determinada pretensão ser realizado por mais de um órgão julgador29. Nota-se do exposto acima que o princípio em comento tem mais de uma finalidade. Por um lado, serve de garantia às partes, que terão suas pretensões apreciadas por mais de um julgador, o que diminui os riscos de uma decisão teratológica, lhes trazendo maior confiança na correção do julgamento. Sob outro prisma, há inegável aspecto psicológico relacionado com a possibilidade de interposição de recurso contra a primeira decisão contrária que é oposta ao sujeito, que faz com que ele se conforme mais facilmente com eventual decisão desfavorável. Por outro lado, a existência de um recurso contra a decisão de primeira instância trata-se de eficaz mecanismo de controle desta, ainda mais se tendo em conta que os órgãos de segunda instância são normalmente colegiados, o que possibilita um debate maior acerca do caso sob apreciação. É importante mencionar que o direito ao duplo grau de cognição, seja ele judicial ou administrativo, não se encontra previsto de forma individualizada na Constituição Federal, fato que levou alguns juristas a questionarem mesmo sua existência enquanto princípio aplicável ao processo.
28 29
GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 74-75. Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 141.
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Nada obstante, é de se assinalar que, embora não haja norma específica garantindo o duplo grau de cognição, o que seria até mesmo despiciendo, é induvidosa sua presença como princípio geral regente da atividade processual decisória do Estado (seja administrativa ou judicial). Com efeito, tal princípio é decorrência mesmo do princípio da ampla defesa, estudado anteriormente, não se podendo falar em realização deste em processo em que a parte se veja obrigada a aceitar a primeira decisão proferida por juiz singular contra seus interesses.
4. PANORAMA
DO
PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL FEDERAL
Apresentados, em linhas gerais, os contornos teóricos processo administrativo fiscal no ordenamento jurídico brasileiro, passaremos, neste item, a examinar com mais vagar o rito do processo administrativo fiscal federal. Considerando que cada ente tributante tem seu próprio rito processual, cremos que a escolha feita aqui se justifica, utilizando-se como paradigma o processo administrativo fiscal federal para que se possa, examinar se forma mais prática o seu rito.
4.1. REGÊNCIA LEGAL O Processo Administrativo Fiscal Federal encontra-se regido pelo Decreto nº 70.235/72, o qual decorreu de delegação de competência legislativa ao Poder Executivo levada a efeito pelo art. 2º do Decreto-lei nº 822/69, segundo o qual “o Poder Executivo regulará o processo administrativo de determinação e exigência de créditos tributários federais, penalidades, empréstimos compulsórios e o de consulta”30. Exaurida tal delegação legislativa e sob a égide do regime democrático restaurado com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Decreto nº 70.235/72 encontra-se sob o pálio dos princípios do devido processo legal e da legalidade, de forma que seu texto não pode ser alterado por diplomas normativos de sua mesma hierarquia formal, ou seja, decretos presidenciais editados em conformidade com o inciso IV do art. 84 da Constituição Federal, sendo sua alteração ou revogação matéria submetida à reserva legal.
30
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A legitimidade da delegação de competência constante no Decreto-lei nº 822/69 foi referendada pelo Tribunal Federal de Recursos (Apelação em Mandado de Segurança nº 106.747), bem como pelo Superior Tribunal de Justiça, como se pode inferir do Recurso Especial nº 1.314 (publicação no Diário da Justiça em 18/12/1989).
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Todavia, é de se observar que o fato de, sob o regime atual, não serem os decretos instrumento normativo adequado para a edição de normas sobre o processo administrativo fiscal em nada afeta a validade do Decreto nº 70.235/ 72, em face da inexistência de inconstitucionalidade formal superveniente no regime constitucional brasileiro, devendo-se verificar a compatibilidade constitucional do processo de produção do ato normativo com as regras previstas na Carta Política vigente à época de sua edição, com aplicação do princípio tempus regit actum31.
4.2. PROCEDIMENTO E PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL Na seara administrativa, há situações em que se verifica a presença de mero procedimento administrativo, o qual, por se encontrar excluído da incidência do princípio do devido processo legal, não configura a noção teleológica de processo. Partindo dessa orientação, tem-se que o Decreto nº 70.235/72 cuida do procedimento de determinação e exigência dos créditos tributários bem como do processo de controle da legalidade dos atos administrativos de exigência fiscal. Com efeito, há que se distinguir o procedimento de fiscalização empreendido pelas autoridades fazendárias, de natureza inquisitória e regido apenas pelos princípios gerais que subordinam o atuar administrativo, do processo administrativo fiscal, que se inicia no momento em que o sujeito passivo do dever tributário apresenta à Administração seu pedido de revisão (impugnação) da legalidade do ato administrativo de exigência fiscal editado.
4.3. DO PROCEDIMENTO DE FISCALIZAÇÃO De acordo com o artigo 7º do Decreto nº 70.235/72, o procedimento de fiscalização tem início com: (a) o primeiro ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, cientificado o sujeito passivo da obrigação tributária ou seu preposto; (b) a apreensão de mercadorias, documentos ou livros; ou (c) o começo de despacho aduaneiro de mercadoria importada. O procedimento de fiscalização instaurado com fundamento na alínea “a” tem origem em Mandado de Procedimento Fiscal emitido pela autoridade
31
Sobre a inconstitucionalidade formal superveniente ver: BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: Fundamentos de uma Dogmática Constitucional Transformadora. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 83-87.
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competente, na forma prevista na Portaria SRF nº 11.371, de 12 de dezembro de 2007. O mandado de procedimento fiscal deve indicar “o tributo ou contribuição objeto do procedimento fiscal a ser executado, podendo ser fixado o respectivo período de apuração, bem como as verificações relativas à correspondência entre os valores declarados e os apurados na escrituração contábil e fiscal do sujeito passivo, em relação aos tributos administrados pela RFB, cujos fatos geradores tenham ocorrido nos cinco anos que antecedem a emissão do MPF e no período de execução do procedimento fiscal, observado o modelo aprovado por esta Portaria” (artigo 7º, § 1º, da Portaria nº 11.371/2007).
4.3.1. EFEITOS DO INÍCIO DA FISCALIZAÇÃO A instauração do procedimento de fiscalização exclui a espontaneidade do sujeito passivo em relação aos atos anteriores e, independentemente de intimação, a dos demais envolvidos nas infrações verificadas (artigo 7º, § 1º, do Decreto nº 70.235/72). Para que tal efeito seja produzido, o procedimento de fiscalização valerá pelo prazo de cento e vinte dias (artigo 11, I, da Portaria nº 11.371/2007), prorrogável, sucessivamente, por períodos de sessenta dias (artigo 12 da Portaria nº 11.371/2007)32.
4.4. DOS PRAZOS Os prazos aplicáveis no âmbito do processo administrativo fiscal devem ser analisados separadamente, tendo em vista seus destinatários, se as autoridades administrativas ou os administrados. Os arts. 3º e 4º do Decreto nº 70.235/72 estabelecem prazos que devem ser observados pelos servidores, devendo ser interpretados à luz da natureza dos prazos que são impostos às autoridades administrativas, os quais configuram
32
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O STJ já se manifestou sobre a legitimidade das prorrogações no âmbito do procedimento de fiscalização, isso nos autos do Recurso Especial nº 666.277, cuja ementa tem a seguinte redação: “RECURSO ESPECIAL – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO FISCAL – PRAZO PARA A FISCALIZAÇÃO – INTERPRETAÇÃO DO ART. 7º, § 2º DO DECRETO 70.235/72 – SÚMULA 282/STF. 1. Aplica-se o teor da Súmula 282/STF quanto aos dispositivos não prequestionados. 2. Segundo o art. 7º, § 2º do Decreto 70.235/72, o Fisco dispõe de 60 (sessenta) dias para concluir o procedimento administrativo fiscal, podendo ser prorrogado o prazo por igual período, sucessivamente, até que se concluam os trabalhos, desde justificada a necessidade de prorrogação por ato administrativo vinculado e motivado. 3. Interpretação literal no sentido de que a prorrogação somente pode se dar uma única vez, por igual período, que não encontra respaldo na técnica legislativa. 4. Recurso especial conhecido em parte e improvido” (Publicação no DJ em 21.11.2005).
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prazos impróprios, ou seja, prazos em relação aos quais não se configura a preclusão temporal. Nessa ordem de raciocínio, o não-cumprimento dos prazos referidos nesses artigos não obstaculiza a sua prática intempestiva, dando ensejo, tão-somente: (a) à possibilidade de punição administrativa do servidor pelo descumprimento do preceito normativo; e (b) à configuração de ato coator omissivo, a viabilizar o recurso ao Poder Judiciário, nos casos em que a omissão administrativa causar danos ao administrado. Atualmente essa questão deve ser examinada sob o influxo da regra contida no inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal, segundo a qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”33. Na seara tributária, tendo em vista que a apresentação da impugnação suspende a exigibilidade do crédito tributário (art. 151, III, do C.T.N.), a demora da Administração na apreciação da matéria dificilmente causará prejuízos ao sujeito passivo, uma vez que tal suspensão faz recair o ônus do tempo do processo sobre a Fazenda Pública. De acordo com o Decreto nº 70.235/72, os prazos a serem observados pelos administrados “serão contínuos, excluindo-se na sua contagem o dia do início e incluindo-se o do vencimento” (art. 5º), sendo certo que “os prazos só se iniciam ou vencem no dia de expediente normal no órgão em que corra o processo ou deva ser praticado o ato” (parágrafo único). Essa regra se encontra em consonância com o disposto no Código de Processo Civil (arts. 178 e 184) quanto à contagem dos prazos processuais. Assim, em caso de greve dos servidores, ou mesmo da paralisação específica da repartição onde o ato será praticado em razão de comemoração ou outro evento anormal, transfere-se o vencimento do prazo para o próximo dia útil em que o expediente da repartição esteja normalizado.
4.5. DO AUTO DE INFRAÇÃO E DA NOTIFICAÇÃO DE LANÇAMENTO De acordo com o disposto no artigo 9º do Decreto nº 70.235/72, “a exigência do crédito tributário e a aplicação de penalidade isolada serão formalizados em autos de infração ou notificações de lançamento, distintos
33
Ver: ROCHA, Sergio André, Processo Administrativo Fiscal: Controle Administrativo do Lançamento Tributário, 2009, p. 76-94.
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para cada tributo ou penalidade, os quais deverão estar instruídos com todos os termos, depoimentos, laudos e demais elementos de prova indispensáveis à comprovação do ilícito”. Percebe-se, portanto, que o auto de infração e a notificação de lançamento fiscal são atos administrativos que formalizam exigências fiscais (referentes a tributos que não tenham sido recolhidos aos cofres públicos), formalizando, ademais, as sanções que sejam aplicáveis ao contribuinte inadimplente. A diferença entre os autos de infração e as notificações de lançamento consiste na forma como as autoridades fazendárias tiveram conhecimento da infração cometida. No auto de infração a autoridade toma conhecimento acerca da infração ao cabo de procedimento de fiscalização realizado no contribuinte, no qual se verificam irregularidades em seus recolhimentos ou no adimplemento de deveres de natureza formal. Por sua vez, a notificação de lançamento é decorrente da verificação de uma infração cometida pelo contribuinte, isso no âmbito de análise realizada pela autoridade a partir de informações que lhe foram fornecidas pelo próprio contribuinte. É o que se tem verificado com grande freqüência no âmbito da Receita Federal.
4.6. PEDIDO DE REVISÃO DA LEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO FISCAL – A IMPUGNAÇÃO Em conformidade com o disposto no art. 14 do Decreto nº 70.235/72, “a impugnação da exigência instaura a fase litigiosa do procedimento”34. Na linha do entendimento que sustentamos acima, parece equivocada tal disposição. De fato, a impugnação do auto de infração ou da notificação de lançamento é o divisor de águas entre o procedimento de fiscalização e o processo administrativo fiscal (processo de revisão da legalidade do ato administrativotributário), não sendo este último uma fase contenciosa daquele, tratando-se, isso sim, de seu instrumento de controle, estanque e independente do mesmo.
34
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Vale ressaltar que este é o efeito da impugnação tempestiva. Como bem expressa o Ato Declaratório Normativo nº 15/96, “expirado o prazo para impugnação da exigência, deve ser declarada a revelia e iniciada a cobrança amigável, sendo que eventual petição, apresentada fora do prazo, não caracteriza impugnação, não instaura a fase litigiosa do procedimento, não suspende a exigibilidade do crédito tributário nem comporta julgamento de primeira instância, salvo se caracterizada ou suscitada a tempestividade como preliminar”.
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Vale a pena mencionar, aqui, as palavras de Fernando Netto Boiteux, que destaca que “nosso país não conta com um verdadeiro contencioso administrativo, composto por tribunais de jurisdição plena; o nosso processo administrativo fiscal se desenvolve em tribunais de anulação de atos administrativos”35. Por outro lado, não se pode perder de vista a impropriedade de se falar em uma lide no âmbito do processo administrativo em geral, e no processo administrativo fiscal em especial, sendo certo que este tem por finalidade não a solução de um conflito de interesses, mas sim a verificação quanto ao respeito ao postulado fundamental da legalidade36. Somente se cogitará da existência de um litígio entre o sujeito passivo do dever tributário e o Estado quando, ao cabo do processo de revisão da legalidade do ato fiscal, pronuncia-se a Fazenda pela sua procedência. Até este momento não há que se falar na existência de um conflito de interesses qualificado por um contraste de vontades37. Os requisitos da impugnação encontram-se previstos no art. 16 do Decreto nº 70.235/72, cuja redação é a seguinte: Art. 16. A impugnação mencionará: I – a autoridade julgadora a quem é dirigida; II – a qualificação do impugnante; III – os motivos de fato e de direito em que se fundamenta, os pontos de discordância e as razões e provas que possuir; IV – as diligências, ou perícias que o impugnante pretenda sejam efetuadas, expostos os motivos que as justifiquem, com a formulação dos quesitos referentes aos exames desejados, assim como, no caso de perícia, o nome, o endereço e a qualificação profissional do seu perito. V – se a matéria impugnada foi submetida à apreciação judicial, devendo ser juntada cópia da petição.
Os três primeiros itens mencionados pelo art. 16 não exigem maiores comentários. O inciso IV estabelece uma regra de concentração de defesa no
35 36 37
BOITEUX, Fernando Netto. Aspectos (pouco Examinados) do Processo Administrativo Fiscal. In: Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, nº 119, ago. 2005, p. 33. Ver: ROCHA, Sergio André, Processo Administrativo Fiscal: Controle Administrativo do Lançamento Tributário, 2009, p. 37. Cf. CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. Tradução Antônio Carlos Ferreira. São Paulo: Lejus, 1999. p. 108-109.
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processo administrativo fiscal, a qual é complementada pelo § 4º do mesmo dispositivo. Por outro lado, a Lei nº 11.196/2005 incluiu um inciso V do art. 16 em questão, estabelecendo ser requisito da impugnação o esclarecimento, pelo contribuinte, “se a matéria impugnada foi submetida à apreciação judicial, devendo ser juntada cópia da petição”. Com isso visou-se resguardar a possibilidade de a autoridade julgadora verificar eventual renúncia ao processo administrativo em razão da apresentação de discussão idêntica à apreciação judicial, conforme previsto no parágrafo único do artigo 38 da Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/80).
4.7. COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS A comunicação dos atos processuais ao administrado-contribuinte é realização dos princípios do contraditório e da ampla defesa, postulados fundamentais do processo administrativo. Dessa forma, a falta de intimação da parte quanto a qualquer ato praticado pelo Estado-administração faz com que o mesmo não produza efeitos para o contribuinte. De outra sorte, não sendo a parte comunicada quanto a qualquer ato relevante praticado no processo pela Administração, não lhe poderão ser opostos os atos praticados subseqüentemente, em relação aos quais não teve oportunidade de se manifestar. Da mesma forma, qualquer irregularidade da intimação que impeça a parte de tomar o devido conhecimento de atos da Administração caracteriza cerceamento de defesa e assim violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Nesse sentido têm sido as decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais38.
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“PAF – CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA – Descumprimento do princípio da cientificação. É garantida ao sujeito passivo a ciência de todos os passos processuais. Atividades administrativas de interesse jurídico dos administrados devem ser formalmente comunicadas, a fim de assegurar o contraditório e o devido processo legal. Procedimentos de fiscalização ou julgamento não comunicados não são eficazes” (Processo nº 13808.002654/98- 10. 8ª Câmara – 1º Conselho de Contribuintes. Data da Sessão: 17/10/2002). “NULIDADE DE ATOS PROCESSUAIS – CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA – Serão anulados os atos processuais, retomando-se o curso processual a partir do ato que estiver contaminado por vício que afronte o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, devendo ser prolatada nova decisão pela autoridade julgadora singular em prestígio às garantias constitucionais e ao duplo grau de jurisdição administrativa. FALTA DE INTIMAÇÃO DE ATO PROCESSUAL – DILIGÊNCIA FISCAL. Caracteriza-se como violação ao contraditório e à ampla defesa a falta de intimação para que o sujeito passivo da relação jurídico-tributária tome conhecimento e manifeste-se acerca de diligência fiscal efetuada após a autuação e a apresentação de impugnação perante a autoridade administrativo-julgadora a quo” (Processo nº 10880.010678/00-04. 3ª Câmara – 1º Conselho de Contribuintes. Data da Sessão: 05/12/2000). “NULIDADE – CERCEAMENTO DE DEFESA –
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O reconhecimento de tal nulidade encontra guarida mesmo no disposto no inciso II do art. 59 do Decreto, segundo o qual são nulos “os despachos e decisões proferidos por autoridade incompetente ou com preterição do direito de defesa”. Ainda nesse sentido, vale a pena destacar o disposto no inciso II do art. 3º da Lei nº 9.784/99, segundo o qual é direito do administrado “ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado”, estabelecendo-se no art. 28 desse mesmo diploma legal que “devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse”. Outra disposição contida na Lei nº 9.784/99 e que é plenamente aplicável no âmbito do processo administrativo fiscal é a prevista em seu art. 27, segundo o qual “o desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado”. De fato, sendo o dever jurídico tributário regido pelo princípio da legalidade, não pode a desídia do contribuinte constituir dever jurídico que não se encontre previsto em lei, de forma que sua revelia no processo administrativo não se equipara, como é tão ao gosto das Autoridades Fazendárias, à confissão de dívida. Dessa forma, a inércia do contribuinte em se opor à cobrança exarada pela Fazenda somente passará a ter efeitos jurídicos uma vez ultrapassado o prazo prescricional previsto na legislação, com vistas a se estabelecer a almejada estabilização das relações jurídicas. É de se assinalar que a declaração da nulidade do ato de intimação deve ser informada pelos princípios analisados neste estudo quando se tratou das nulidades processuais. Assim, comparecendo o administrado espontaneamente para apresentar defesa, não há que se falar em nulidade do processo pela falta do ato de comunicação, uma vez que atingida a sua finalidade. Não é outra a solução adotada pela Lei nº 9.784/99, no § 5º de seu art. 26. As regras acerca da comunicação dos atos processuais encontram-se previstas no artigo 23 do Decreto nº 70.235/72, cuja redação é a seguinte:
Provido em parte o recurso de ofício para cancelar a decadência relativa a um exercício, se o julgador singular profere nova decisão para apreciar o mérito quanto ao referido exercício sem que tenha sido dada ciência ao interessado do acórdão do Conselho de Contribuintes que deu provimento em parte ao recurso de ofício do julgador singular, com abertura de prazo para recurso voluntário à Câmara Superior de Recursos Fiscais, resta caracterizado o cerceamento de defesa, anulando-se a decisão” (Processo nº 10140.001382/95-73. 1ª Câmara – 1º Conselho de Contribuintes. Data da Sessão: 07/11/2001).
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Art. 23. Far-se-á a intimação: I – pessoal, pelo autor do procedimento ou por agente do órgão preparador, na repartição ou fora dela, provada com a assinatura do sujeito passivo, seu mandatário ou preposto, ou, no caso de recusa, com declaração escrita de quem o intimar. II – por via postal, telegráfica ou por qualquer outro meio ou via, com prova de recebimento no domicílio tributário eleito pelo sujeito passivo. III – por meio eletrônico, com prova de recebimento, mediante: a) envio ao domicílio tributário do sujeito passivo; ou b) registro em meio magnético ou equivalente utilizado pelo sujeito passivo. § 1º Quando resultar improfícuo um dos meios previstos no caput deste artigo ou quando o sujeito passivo tiver sua inscrição declarada inapta perante o cadastro fiscal, a intimação poderá ser feita por edital publicado: I – no endereço da administração tributária na Internet; II – em dependência, franqueada ao público, do órgão encarregado da intimação; ou III – uma única vez, em órgão da imprensa oficial local. § 2º Considera-se feita a intimação: I – na data da ciência do intimado ou da declaração de quem fizer a intimação, se pessoal; II – no caso do inciso II do caput deste artigo, na data do recebimento ou, se omitida, quinze dias após a data da expedição da intimação. III – se por meio eletrônico, 15 (quinze) dias contados da data registrada: a) no comprovante de entrega no domicílio tributário do sujeito passivo; ou b) no meio magnético ou equivalente utilizado pelo sujeito passivo; IV – 15 (quinze) dias após a publicação do edital, se este for o meio utilizado. § 3º Os meios de intimação previstos nos incisos do caput deste artigo não estão sujeitos a ordem de preferência. § 4º Para fins de intimação, considera-se domicílio tributário do sujeito passivo:
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I – o endereço postal por ele fornecido, para fins cadastrais, à administração tributária; e II – o endereço eletrônico a ele atribuído pela administração tributária, desde que autorizado pelo sujeito passivo. § 5º O endereço eletrônico de que trata este artigo somente será implementado com expresso consentimento do sujeito passivo, e a administração tributária informar-lhe-á as normas e condições de sua utilização e manutenção. § 6º As alterações efetuadas por este artigo serão disciplinadas em ato da administração tributária.
O inciso III do artigo 23, que dispõe sobre a intimação por meio eletrônico foi incluído pela Lei nº 11.196/2005. Em 14 de março de 2006 foi editada a Portaria SRF nº 259, a qual “dispõe sobre a prática de atos e termos processuais, de forma eletrônica, no âmbito da Secretaria da Receita Federal”.
4.8. COMPETÊNCIA DECISÓRIA Pode-se definir a competência para apreciação do processo administrativo fiscal como a reserva de atribuições alocada em determinado agente ou órgão para proferir decisão acerca da matéria sobre a qual o contribuinte pede a revisão da Administração Fazendária.
4.8.1. DO JULGAMENTO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA Em primeira instância, o julgamento cabe às Delegacias da Receita Federal de Julgamento (art. 25, I do Decreto nº 70.235/72), órgãos colegiados compostos por agentes fazendários, criados com vistas à realização do princípio da imparcialidade, na medida em que desde a sua instituição se separou a atividade de fiscalização da de julgamento dos pedidos de revisão por parte dos contribuintes39.
39
PAIVA, Ormezino Ribeiro de. Delegacias da Receita Federal de Julgamento e Evolução das Normas do Processo Administrativo Fiscal. ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo Administrativo Fiscal: 4º Volume. São Paulo: Dialética, 1999. p. 135. Conforme noticiam Leando Paulsen, René Bergmann Ávila e Ingrid Schroder Sliwka, “até a edição da MP 2158-35/ 2001, o julgamento de primeira instância era feito pela pessoa do Delegado de Julgamento, que homologava os pareceres dos funcionários ao mesmo subordinados. A decisão era sempre pessoal do Delegado, que fazia valer sua opinião em todas as questões levadas a julgamento. A partir da nova redação, as delegacias de julgamento deixaram de ser órgãos monocráticos e passaram a ser órgãos colegiados, com composição em câmaras compostas por auditores
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O procedimento aplicável às Delegacias da Receita Federal de Julgamento encontra-se previsto na Portaria MF nº 58, de 17 de março de 2006. De acordo com o disposto no artigo 2º da Portaria MF nº 58/2006 as Delegacias de Julgamento “são constituídas por turmas de julgamento, cada uma delas integrada por cinco julgadores”. “O julgador deve ser ocupante do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal (AFRF), ou aposentado no cargo na hipótese prevista no § 3º do art. 4º, preferencialmente, em ambos os casos, com experiência na área de tributação e julgamento ou habilitado em concurso público nessa área de especialização”. (artigo 3º). Como mencionado na passagem de Ormezindo Ribeiro de Paiva antes transcrita, a criação das Delegacias da Receita Federal de Julgamento teve por fim a separação das atividades de fiscalização e revisão de autos de infração. Todavia, a realização prática dessa finalidade pode encontrar óbice no disposto no artigo 7º da Portaria nº 58/2006, segundo o qual “O julgador deve observar o disposto no art. 116, III, da Lei nº 8.112, de 1990, bem assim o entendimento da SRF expresso em atos normativos”. Verifica-se assim, que as Delegacias da Receita Federal de Julgamento encontram-se, em princípio, vinculadas às posições formalizadas pela Secretaria da Receita Federal em atos tributários e aduaneiros, de modo que não é plena a separação pretendida entre as atividades de julgamento e cobrança. A imparcialidade dos julgadores foi buscada pela Portaria nº 58/2006, a qual previu, em seu artigo 19, as seguintes hipóteses de impedimento de qualquer julgador para participar do julgamento: Art. 19. Os julgadores estão impedidos de participar do julgamento de processos em que tenham: I – participado da ação fiscal; II – cônjuge ou parentes, consangüíneos ou afins, até o terceiro grau, inclusive, interessados no litígio.
De acordo com o artigo 21 da Portaria em comento “o impedimento ou a suspeição pode ser declarado pelo julgador ou suscitado por qualquer membro da turma, cabendo ao argüido, nesse caso, pronunciar-se sobre a alegação, que, não sendo por ele reconhecida, é submetida à deliberação da turma”.
fiscais. As decisões são tomadas por maioria de votos, e não mais pela decisão do delegado” (PAULSEN, Leandro; ÁVILA, René Bergmann; SLIWKA, Ingrid Schroder. Direito Processual Tributário. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 68).
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A Portaria nº 58/06 não prevê a possibilidade de o impugnante sustentar oralmente as suas razões, o que leva ao questionamento acerca da configuração ou não de um cerceamento de defesa em razão desta omissão. Há decisões sobre esta matéria nas quais prevaleceu o entendimento de que de fato não há previsão para a sustentação oral por parte do impugnante, sendo que não decorreria daí uma restrição ao direito à ampla defesa administrativa. Em textual: PAF – NORMAS PROCESSUAIS – SUSTENTAÇÃO ORAL – NEGATIVA – CERCEAMENTO AO DIREITO DE DEFESA – IMPROCEDÊNCIA - Nos termos da legislação que rege o PAF, o julgamento de processos em primeira instancia se faz no âmbito interno das DRJ’s, não havendo nesta fase, pois, a possibilidade de sustentação oral, não se podendo daí se afirmar, contudo, vulneração ao princípio da ampla defesa (Primeiro Conselho de Contribuintes. Processo nº 10384.003412/2002-68. Data da Sessão: 15/06/2005). SUSTENTAÇÃO ORAL. INDEFERIMENTO. Não existe, no âmbito da legislação processual tributária, previsão para realização de sustentação oral, pela defesa, durante a sessão de julgamento administrativo de primeira instância (Primeiro Conselho de Contribuintes. Processo nº 10384.003376/2002-32. Data da Sessão: 11/11/2005).
De fato, a linha de entendimento defendida nas deciões acima parece refletir a posição do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, havendo diversas decisões do Pretório Excelso no sentido de que a sustentação oral não seria ato inerente à defesa. Veja-se a decisão abaixo: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA EM FACE DO PREJUÍZO CAUSADO À DEFESA PELA AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO PACIENTE E DO ADVOGADO PARA A SESSÃO, INVIABILIZANDO A SUSTENTAÇÃO ORAL. É de se reconhecer a preclusão quando o vício não é apontado na primeira oportunidade de manifestação nos autos. No caso, o recorrente teve numerosas oportunidades para alegar o defeito processual, quedando silente. Transcorridos mais de 8 anos da decisão, já não é possível a anulação do julgamento. A jurisprudência do STF é firme no sentido de que a sustentação oral não é ato essencial à defesa (HC 85.845, HC
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83.792). Inexistência de prejuízo. Recurso improvido. (Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 86.085. Publicação no DJ em 31/03/2006).
Não há, no âmbito do julgamento pela primeira instância administrativa, a previsão para a interposição de embargos de declaração para sanar eventuais erros formais e/ou obscuridades. Dessa forma, embora o § 1º do artigo 22 da Portaria nº 58/2006 estabeleça que “para a correção de inexatidões materiais devidas a lapso manifesto e a erros de escrita ou de cálculo existentes no acórdão, é proferido novo acórdão”40, não foi prevista a possibilidade de interposição de embargos de declaração com a suspensão do prazo para a apresentação do Recurso Voluntário.
4.8.2. DO RECURSO VOLUNTÁRIO E DO RECURSO
DE
OFÍCIO
Havendo mais de um órgão ou agente administrativo com competência decisória hierarquizada, tem o administrado direito a ter seu processo examinado pela instância mais alta de julgamento, observados os requisitos procedimentais legalmente estabelecidos. Nisso consistiria o direito ao duplo grau de cognição no processo administrativo. Nesse contexto, poderia o processo administrativo fiscal ser decidido em instância colegiada única, restringindo-se as hipóteses de recurso à finalidade de uniformização das decisões administrativas, nos moldes do que já ocorre com o processo administrativo-fiscal de consulta (art. 48 da Lei nº 9.430/96). O direito à interposição de recurso se encontra expressamente previsto no Decreto nº 70.235/72 (e também na Lei nº 9.784/99), não se podendo limitar o direito do contribuinte de postular a revisão do ato administrativo de exigência fiscal perante os Conselhos de Contribuintes. Segundo o art. 33 do aludido Decreto, “da decisão caberá recurso voluntário, total ou parcial, com efeito suspensivo, dentro dos trinta dias seguintes à ciência da decisão”. O § 2º do artigo 33 do Decreto nº 70.235/72 determinava que o seguimento do recurso voluntário interposto dependeria do arrolamento de bens em valor equivalente a 30% (trinta por cento) da exigência fiscal formulada. Essa exigência do arrolamento de bens substituiu a previsão anterior, que estabelecia que o recurso voluntário somente teria seguimento mediante o depósito, pelo impugnanterecorrente, de valor correspondente a 30% da exação fiscal questionada.
40
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Reflete-se aqui o art. 32 do Decreto nº 70.235/72, segundo o qual “as inexatidões materiais devidas a lapso manifesto e os erros de escrita ou de cálculos existentes na decisão poderão ser corrigidos de ofício ou a requerimento do sujeito passivo”.
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Todavia, o § 2º do art. 33 do Decreto nº 70.235/72 foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.976 (publicação no Diário da Justiça em 18/05/ 2007), de modo que a partir de então deixou de haver fundamento legal para a exigência do arrolamento como condição de admissibilidade do recurso voluntário apresentado pelo contribuinte41. Segundo o art. 34 do Decreto nº 70.235/72, a autoridade julgadora de 1ª instância recorrerá de ofício sempre que: (a) exonerar o contribuinte do pagamento de débito superior ao valor de alçada estabelecido pelo Ministro da Fazenda (hoje equivalente a R$ 1.000.000,00, conforme previsto pela Portaria MF nº 03/2008); ou (b) deixar de aplicar pena de perda de mercadorias, quando cabível.
4.8.3. DO JULGAMENTO EM SEGUNDA INSTÂNCIA Em segunda instância o julgamento do processo administrativo cabe ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, órgão colegiado de composição paritária (art. 25, II, do Decreto nº 70.235/72, com a redação dada pela Lei nº 11.941/2009), ou seja, composto parte por representantes da Fazenda Nacional e parte por representantes dos contribuintes.
4.8.3.1. HISTÓRICO DO CONSELHO ADMINISTRATIVOS RECURSOS FISCAIS42
DE
O primeiro Conselho de Contribuintes foi criado no ano de 1924, pelo Decreto nº 16.580, segundo o qual cada Estado e o Distrito Federal instalariam um Conselho para o julgamento de recursos referentes ao Imposto sobre a Renda. Somente o Conselho do Distrito Federal foi criado, iniciando suas atividades no ano de 1925. Este conselho de contribuintes seria composto por mebros indicados pelos contribuintes e membros indicados pelo Ministro da Fazenda. Nota-se, então, que já em sua formatação inicial a Corte
41 42
Ver: ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Fiscal: Controle Administrativo do Lançamento Tributário, 2009, p. 147-154. As informações aqui apresentadas foram extraídas do sítio dos Conselhos de Contribuintes na internet. Ver: . Sobre a história dos Conselhos de Contribuintes, atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, ver: OLIVEIRA, Leonardo Henrique M. de. Processo Administrativo e Judicial Tributário. In: TÔRRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe; FEITOSA, Raymundo Juliano (Coords.). Direito Tributário e Processo Administrativo Aplicados. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 75-79; CASTARDO, Hamilton Fernando. Processo Tributário Administrativo. 2ª ed. São Paulo: IOB Thompson, 2006. p. 307-312.
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Administrativa já se configurava como um órgão de julgamento formado por membros apontados pelos contribuintes e outros selecionados pela Fazenda. Todavia, a composição paritária, da forma como existente atualmente, só veio a ser implementada com a edição do Decreto nº 5.157/27, o qual cuidou do julgamento de recursos relacionados ao Imposto sobre Consumo, atribuído ao Conselho de Contribuintes da Capital. Este órgão não tinha competência para julgamentos referentes ao Imposto de Renda. Posteriormente, o Decreto nº 24.036/34 criou o Primeiro e o Segundo Conselhos de Contribuintes. Um Terceiro Conselho foi criado pelo Decreto nº 54.767/64 e um Quarto instituído já em 1972, pelo próprio Decreto nº 70.235. Em 1977 o Terceiro Conselho foi extinto, sendo as suas atribuições transferidas para o Segundo. O Quarto Conselho for renomeado Terceiro Conselho de Contribuintes. No dia 04 de dezembro de 2008 foi publicada a Medida Provisória nº 449, a qual alterou o Decreto nº 70.235/72 e criou o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, órgão para o qual foram transferidas as competências decisórias dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais. A aludida Medida Provisória foi convertida na Lei nº 11.941/2009. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais foi instalado pela Portaria MF nº 41/2009 e seu Regimento Interno aprovado pela Portaria MF nº 256, de 22 de junho de 2009.
4.8.3.2. COMPETÊNCIA RECURSOS FISCAIS
DO
CONSELHO ADMINISTRATIVO DE
A competência decisória do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais é definida por matéria. O Conselho é dividido em três Seções, compostas por quatro Câmaras cada. As Câmaras são integradas por Turmas, ordinárias e especiais. A competência das três Seções do Conselho é por matéria, e encontrase prevista nos artigos 2º a 4º do Anexo II do Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais43.
43
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“Art. 2º À Primeira Seção cabe processar e julgar recursos de ofício e voluntário de decisão de primeira instância que versem sobre aplicação da legislação de: I – Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ); II – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); III – Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), quando se tratar de antecipação do IRPJ; IV – demais tributos, quando procedimentos conexos, decorrentes ou reflexos, assim compreendidos os referentes às exigências que estejam lastreadas em fatos cuja apuração serviu para configurar a prática de infração à legislação pertinente à tributação do IRPJ;
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4.8.3.3. A QUESTÃO DA COMPOSIÇÃO PARITÁRIA Como visto, de acordo com sua regência normativa, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais trata-se de órgão de composição paritária,
V – exclusão, inclusão e exigência de tributos decorrentes da aplicação da legislação referente ao Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte (SIMPLES) e ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação (SIMPLES-Nacional); VI – penalidades pelo descumprimento de obrigações acessórias pelas pessoas jurídicas, relativamente aos tributos de que trata este artigo; e VII – tributos, empréstimos compulsórios e matéria correlata não incluídos na competência julgadora das demais Seções. Art. 3º À Segunda Seção cabe processar e julgar recursos de ofício e voluntário de decisão de primeira instância que versem sobre aplicação da legislação de: I – Imposto sobre a Renda de Pessoa Física (IRPF); II – Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF); III – Imposto Territorial Rural (ITR); IV – Contribuições Previdenciárias, inclusive as instituídas a título de substituição e as devidas a terceiros, definidas no art. 3º da Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007; e V – penalidades pelo descumprimento de obrigações acessórias pelas pessoas físicas e jurídicas, relativamente aos tributos de que trata este artigo. Art. 4º À Terceira Seção cabe processar e julgar recursos de ofício e voluntário de decisão de primeira instância que versem sobre aplicação da legislação de: I – Contribuição para o PIS/PASEP e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), inclusive as incidentes na importação de bens e serviços; II – Contribuição para o Fundo de Investimento Social (FINSOCIAL); III – Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); IV – Crédito Presumido de IPI para ressarcimento da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS; V – Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF); VI – Imposto Provisório sobre a Movimentação Financeira (IPMF); VII – Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro e sobre Operações relativas a Títulos e Valores Mobiliários (IOF); VIII – Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE); IX – Imposto sobre a Importação (II); X – Imposto sobre a Exportação (IE); XI – contribuições, taxas e infrações cambiais e administrativas relacionadas com a importação e a exportação; XII – classificação tarifária de mercadorias; XIII – isenção, redução e suspensão de tributos incidentes na importação e na exportação; XIV – vistoria aduaneira, dano ou avaria, falta ou extravio de mercadoria; XV – omissão, incorreção, falta de manifesto ou documento equivalente, bem como falta de volume manifestado; XVI – infração relativa à fatura comercial e a outros documentos exigidos na importação e na exportação; XVII – trânsito aduaneiro e demais regimes aduaneiros especiais, e dos regimes aplicados em áreas especiais, salvo a hipótese prevista no inciso XVII do art. 105 do Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966;
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o que leva à discussão quanto à obrigatoriedade da presença de representantes dos contribuintes para a legitimidade de suas decisões. Segundo entendemos, considerando que não há qualquer previsão constitucional que estabeleça a necessidade da presença dos representantes dos contribuintes nos órgãos administrativos decisórios, não pode ser a mesma considerada requisito essencial da legitimidade da decisão proferida no processo administrativo. A legitimação democrática da decisão proferida em processo administrativo se dá pela participação do administrado, a qual deve ser qualificada pela incidência do princípio do devido processo legal. Dessa forma, a adoção da composição paritária do Conselho seria uma opção política, como forma de ressaltar a imparcialidade desses órgãos decisórios, e não uma imposição a que se encontre adstrita a Administração Pública44.
4.8.3.4. DECISÃO COM BASE NA INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI E EFEITOS DAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O CONSELHO Questão relevante é referente à (im)possibilidade de o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais proferir decisão com base no reconhecimento da inconstitucionalidade de lei. O Conselho manifesta posição pacífica no sentido de não ser o mesmo órgão competente para afastar a aplicação de lei sob o argumento de sua inconstitucionalidade. Nesse sentido foi a decisão abaixo transcrita, proferida pelo então Terceiro Conselho de Contribuintes: NORMAS PROCESSUAIS – INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI – O exame da constitucionalidade de lei é prerrogativa exclusiva
44
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XVIII – remessa postal internacional, salvo as hipóteses previstas nos incisos XV e XVI, do art. 105, do Decreto-Lei nº 37, de 1966; XIX – valor aduaneiro; XX – bagagem; e XXI – penalidades pelo descumprimento de obrigações acessórias pelas pessoas físicas e jurídicas, relativamente aos tributos de que trata este artigo. Parágrafo único. Cabe, ainda, à Terceira Seção processar e julgar recursos de ofício e voluntário de decisão de primeira instância relativos aos lançamentos decorrentes do descumprimento de normas antidumping ou de medidas compensatórias.” No mesmo sentido, ver: RODRIGUES, Valter Piva. A Pluralidade de Instâncias no Processo Administrativo Tributário. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo Administrativo Fiscal: 4º Volume. São Paulo: Dialética, 2000. p. 168. Em sentido contrário, José Eduardo Soares de Melo ressalta a vinculação entre a composição paritária dos Conselhos de Contribuintes e a realização do imperativo de imparcialidade que deve guiar suas decisões (cf. MELO, José Eduardo Soares. Composição paritária dos órgãos julgadores administrativos. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo Administrativo Fiscal: 5º Volume. São Paulo: Dialética, 2000. p. 100-101).
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do Poder Judiciário. O processo administrativo não é meio próprio para exame de questões relacionadas com a adequação da lei à Constituição Federal. Preliminar rejeitada (Processo nº 15374.002466/99-55. Data da Sessão: 21/08/2002).
Este posicionamento encontra-se refletido no verbete da Súmula nº 2 do antigo Primeiro Conselho de Contribuintes, segundo a qual “o Primeiro Conselho de Contribuintes não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária” (tem igual teor a Súmula nº 2 do Segundo Conselho de Contribuintes). Até a edição da Medida Provisória nº 449/2008, a questão da análise da inconstitucionalidade de lei pelo órgão julgador administrativo estava prevista apenas nos Regimentos Internos dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais. A Lei nº 11.941/2009, que converteu a referida medida provisória, incluiu um artigo 26-A no Decreto nº 70.235/72, cuja redação é a seguinte: Art 26-A. No âmbito do processo administrativo fiscal, fica vedado aos órgãos de julgamento afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade. § 6o O disposto no caput deste artigo não se aplica aos casos de tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo: I – que já tenha sido declarado inconstitucional por decisão definitiva plenária do Supremo Tribunal Federal; II – que fundamente crédito tributário objeto de: a) dispensa legal de constituição ou de ato declaratório do ProcuradorGeral da Fazenda Nacional, na forma dos arts. 18 e 19 da Lei no 10.522, de 19 de julho de 2002; b) súmula da Advocacia-Geral da União, na forma do art. 43 da Lei Complementar no 73, de 10 de fevereiro de 1993; ou c) pareceres do Advogado-Geral da União aprovados pelo Presidente da República, na forma do art. 40 da Lei Complementar no 73, de 10 de fevereiro de 1993.
Esta mesma regra encontra-se prevista no artigo 62 do Anexo II do Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. A seu turno, os efeitos de decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nos controles de constitucionalidade difuso ou concentrado,
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encontram-se previstos no Decreto nº 2.346/97, cujo art. 1º possui a seguinte redação: Art. 1º As decisões do Supremo Tribunal Federal que fixem, de forma inequívoca e definitiva, interpretação do texto constitucional deverão ser uniformemente observadas pela Administração Pública Federal direta ou indireta, obedecidos aos procedimentos estabelecidos neste Decreto. § 1º – Transitada em julgado decisão do Supremo Tribunal Federal que declare a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, em ação direta, a decisão, dotada de eficácia ex tunc, produzirá efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional não mais for suscetível de revisão administrativa ou judicial. § 2º – O disposto no parágrafo anterior aplica-se, igualmente, à lei ou ao ato normativo que tenha sua inconstitucionalidade proferida, incidentalmente, pelo Supremo Tribunal Federal, após a suspensão de sua execução pelo Senado Federal. § 3º – O Presidente da República, mediante proposta de Ministro de Estado, dirigente de órgão integrante da Presidência da República ou do Advogado-Geral da União, poderá autorizar a extensão dos efeitos jurídicos de decisão proferida em caso concreto. Art. 1º-A. Concedida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade contra lei ou ato normativo federal, ficará também suspensa a aplicação dos atos normativos regulamentadores da disposição questionada.
4.8.3.5. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Quando a decisão proferida “contiver obscuridade, omissão ou contradição entre a decisão e os seus fundamentos, ou for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se a turma”, cabem embargos de declaração (artigo 65 do Anexo II do Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Segundo o § 1º deste mesmo artigo 65, “os embargos de declaração poderão ser interpostos por conselheiro da turma, pelo Procurador da Fazenda Nacional, pelos Delegados de Julgamento, pelo titular da unidade da administração tributária encarregada da execução do acórdão ou pelo recorrente, mediante petição fundamentada dirigida ao presidente da Câmara, no prazo de 5 (cinco) dias contado da ciência do acórdão”. É importante destacar que “os embargos de declaração opostos tempestivamente interrompem o prazo para a interposição de recurso especial” (§ 5º do artigo 65).
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A retificação de “inexatidões materiais devidas a lapso manifesto e os erros de escrita ou de cálculo existentes na decisão serão retificados pelo presidente de turma, mediante requerimento de conselheiro da turma, do Procurador da Fazenda Nacional, do titular da unidade da administração tributária encarregada da execução do acórdão ou do recorrente” (artigo 66).
4.8.3.6. DO RECURSO ESPECIAL, DO RECURSO VOLUNTÁRIO E DO JULGAMENTO PELA CÂMARA SUPERIOR DE RECURSOS FISCAIS A Câmara Superior de Recursos Fiscais é composta de um órgão Pleno e três Turmas de julgamento (artigo 9º do Regimento Interno do Conselho). Segundo o artigo 26 do Regimento, “as turmas da CSRF são constituídas pelo presidente e vice-presidente do CARF e pelos presidentes e vicepresidentes das Câmaras da respectiva Seção”. O Pleno da Câmara Superior de Recursos Fiscais é “composto pelo Presidente e Vice-Presidente do CARF e pelos demais membros das turmas da CSRF”.
4.8.3.6.1. DO RECURSO ESPECIAL De acordo com o artigo 67 do anexo II do Regimento Interno, “compete à CSRF, por suas turmas, julgar recurso especial interposto contra decisão que der à lei tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outra câmara, turma de câmara, turma especial ou a própria CSRF”. Este dispositivo é reflexo da Lei nº 11.941/09, que alterando o regime anterior pôs fim ao recurso contra decisão por maioria, contrária à lei ou prova dos autos, que só podia ser interposto pela representação da Fazenda Nacional. Este recurso, agora extinto, desbordava os limites impostos pelos princípios da isonomia e da ampla defesa, sendo manifestamente inconstitucional45. Quando o Recurso Especial for interposto com fundamento na contrariedade entre a decisão recorrida e outra decisão proferida por outra Câmara
45
Como destaca Dejalma de Campos: “Surpreendentemente, no primeiro caso (decisão não unânime de Câmara de Conselho de Contribuintes) é privativo do Procurador da Fazenda Nacional, sendo a interposição facultada também ao sujeito passivo unicamente nas situações de existência de dissídio jurisprudencial. A surpresa decorre da existência de possibilidade normativa de manutenção de ilegalidade em ato administrativo em virtude da ‘parte’ que a apontar. Como se somente as ilegalidades apontadas pela Procuradoria implicassem a anulação do ato administrativo” (CAMPOS, Dejalma de. Direito Processual Tributário. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 60). Reconhecendo a violação ao princípio da isonomia na presente situação: MARINS, James. Direito Tributário Processual Brasileiro: Administrativo e Judicial. São Paulo: Dialética, 2001. p. 275-276; MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário. São Paulo: Atlas, 2004. p. 192-193.
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do respectivo Conselho ou da Câmara Superior, tal contrariedade deve estar demonstrada, sendo que não será admitida como paradigma decisão que houver manifestado entendimento posteriormente reformado pela Câmara Superior (artigo 67). O prazo para a interposição do Recurso é de 15 dias (artigo 68). A reforma empreendida pela Lei nº 11.941/09 acabou também com o recurso de Agravo contra decisão que não admita o Recurso Especial. A nova sistemática foi prevista pelo artigo 71 do Anexo II do Regimento Interno, cuja redação é a seguinte: Art. 71. O despacho que rejeitar, total ou parcialmente, a admissibilidade do recurso especial será submetido à apreciação do Presidente da CSRF. § 1º O Presidente do CARF poderá designar conselheiro da CSRF para se pronunciar sobre a admissibilidade do recurso especial interposto. § 2º Na hipótese de o Presidente da CSRF entender presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso especial terá a tramitação prevista nos art. 69 e 70, dependendo do caso. § 3º Será definitivo o despacho do Presidente da CSRF que negar ou der seguimento ao recurso especial.
4.8.3.7. RECURSO HIERÁRQUICO CONTRA DECISÃO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS
DO
CONSELHO
Como visto anteriormente, debate-se acerca da possibilidade de interposição de recurso hierárquico ao Ministro da Fazenda contra decisões pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Esse tema, que foi objeto de discussão mais detida no item 9.3 infra, será referido aqui de forma mais resumida, apenas para fins didáticos. Marcos Vinicius Neder e Maria Tereza Martínez López noticiam que há duas correntes quanto ao tema em apreço: uma que defende a impossibilidade de interposição de recursos contra decisão proferida pelos órgãos julgadores colegiados paritários e outra, sustentada pela Fazenda Nacional, no sentido de ser legítima tal interposição46. Um dos pilares principais sobre o qual se constrói o processo administrativo consiste na independência técnica dos órgãos administrativos responsáveis pela apreciação das manifestações de contrariedade dos administrados.
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NEDER, Marcos Vinicius; LÓPEZ, Maria Teresa Martínez. Processo Administrativo Fiscal Federal Comentado. São Paulo: Dialética, 2002. p. 298.
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A necessidade da independência do julgador aparece como um requisito fundamental do processo administrativo fiscal, garantindo-se que a decisão que será proferida seja uma decisão técnica, fundada estritamente na análise dos fatos e da legislação aplicável, evitando-se, dessa forma, que necessidades arrecadatórias decorrentes do imediatismo das ações políticas condicionem os resultados dos processos administrativos em matéria tributária, o que faria ruir todo o sistema, causando o descrédito dos contribuintes e a insegurança nas relações jurídico-fiscais. Assim, há que se afastar a possibilidade de a decisão final no processo administrativo fiscal ser atribuição do Ministro de Estado de Fazenda, cuja decisão tende a ser influenciada mais pelos imperativos da política do que pela impessoal aplicação dos mandamentos do ordenamento jurídico. O entendimento ora defendido encontra amparo no disposto no art. 42 do Decreto nº 70.235/72, segundo o qual as decisões proferidas pelas diversas instâncias do Processo Administrativo Fiscal, quando definitivas, esgotam a competência decisória administrativa47. Esse posicionamento foi referendado pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, que, nos autos do Mandado de Segurança nº 8.810, proferiu decisão cuja ementa tem a seguinte redação (publicação no Diário da Justiça em 06/10/2003): ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – CONSELHO DE CONTRIBUINTES – DECISÃO IRRECORRIDA – RECURSO HIERÁRQUICO – CONTROLE MINISTERIAL – ERRO DE HERMENÊUTICA. I – A competência ministerial para controlar os atos da administração pressupõe a existência de algo descontrolado, não incide nas hipóteses
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Em sentido contrário, vale destacar o entendimento da Professora Mary Elbe Queiroz, para quem: “Apesar de o artigo 42 do Decreto nº 70.235/72 e alterações preverem que as decisões emanadas do órgão julgador em instância especial, Câmara Superior de Recursos Fiscais, são definitivas na esfera administrativa, deve-se salientar que, pelo fato de a competência daquele órgão, para apreciação e julgamento dos recursos especiais, nos termos do Decreto nº 83.304/79, decorrer de ato de competência delegada, haja vista que a originária é do Ministro da Fazenda, ao qual aquele órgão se encontra subordinado (Regimento Interno da Câmara Superior de Recursos Fiscais, Portaria MF nº 55/98), consoante o Decreto nº 70.235/72, com as alterações da Lei nº 8.748/93, conclui-se que eles se encontram submetidos também a controle hierárquico, pois a autoridade delegante sempre poderá avocar a si o poder que foi outorgado à autoridade delegada, [...]” (Do Lançamento Tributário – Execução e Controle. São Paulo: Dialética, 1999. p. 171). No mesmo sentido, ver: ALVIM, Eduardo Arruda. Apontamentos sobre o Recurso Hierárquico no Procedimento Administrativo Tributário Federal. In: FICHER, Octavio Campos (Coord.). Tributos e Direitos Fundamentais. São Paulo: Dialética, 2004. p. 31-44.
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em que o órgão controlado se conteve no âmbito de sua competência e do devido processo legal. II – O controle do Ministro da Fazenda (Arts. 19 e 20 do DL 200/67) sobre os acórdãos dos Conselhos de Contribuintes tem como escopo e limite o reparo de nulidades. Não é lícito ao Ministro cassar tais decisões, sob o argumento de que o colegiado errou na interpretação da Lei. III – As decisões do Conselho de Contribuintes, quando não recorridas, tornam-se definitivas, cumprindo à Administração, de ofício, “exonerar o sujeito passivo “dos gravames decorrentes do litígio” (Dec. 70.235/ 72, Art. 45). IV – Ao dar curso a apelo contra decisão definitiva de Conselho de Contribuintes, o Ministro da Fazenda põe em risco direito líquido e certo do beneficiário da decisão recorrida.
Vale ressaltar, todavia, que a posição manifestada pelo Superior Tribunal de Justiça na decisão acima transcrita teve lastro em disposição expressa contida no artigo 42 do Decreto nº 70.235/72. Em outras situações, em que previsto o recurso hierárquico na legislação de processo administrativo do ente tributante, a jurisprudência do Tribunal ainda não é pacífica. Para um estudo mais detido desta problemática remete-se o leitor, uma vez mais, ao item 9.3.
4.9. COISA JULGADA ADMINISTRATIVA O art. 42 do Decreto nº 70.235/72 enumera as situações em que se torna definitiva a decisão proferida no processo administrativo. Como visto anteriormente, diante do princípio da inafastabilidade da jurisdição, esta definitividade da decisão administrativa alcança apenas a própria Administração Pública, sendo possível o seu questionamento judicial por parte do contribuinte. Em qualquer das situações previstas no artigo em tela há a formação da coisa julgada administrativa48. Nessa linha de raciocínio, proferida a decisão final no processo administrativo, podem acontecer duas situações distintas: (a)
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A decisão declara a legalidade do ato administrativo impugnado. Nesse caso, o contribuinte pode concordar com a decisão administrativa,
Ver: ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Fiscal: Controle Administrativo do Lançamento Tributário, 2009, p. 198-212.
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procedendo ao pagamento do crédito tributário; ou discordar do entendimento manifestado pela Administração, caso em que surgirá um conflito de interesses entre Administração e administrado, o qual somente poderá ser pacificado pela substituição das partes pelo Estado-juiz. (b)
A decisão administrativa declara a ilegalidade do ato administrativo, anulando-o. Nesse caso, haverá a formação da coisa julgada administrativa, com a preclusão, para Administração, da análise do critério jurídico da decisão. Com isso, em conformidade com o inciso IX do art. 156 do Código Tributário Nacional, há a extinção do crédito tributário, não se podendo falar na possibilidade de a Fazenda Pública postular a anulação da decisão administrativa perante o Poder Judiciário.
Uma vez proferida decisão pela legalidade do ato administrativo impugnado, segue-se a fase de cobrança amigável do crédito tributário, conforme previsto no art. 43. Questão relevante, relacionada ao fim do processo administrativo fiscal, é relativa ao fenecimento da suspensão da exigibilidade do crédito tributário, que se inicia com a apresentação da impugnação pelo contribuinte (art. 151, III, do Código Tributário Nacional). Sobre esse ponto, é de se assinalar que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário tem fim no momento em que o contribuinte é intimado acerca da decisão final no processo administrativo. Todavia, até que o prazo para pagamento do crédito tributário pelo contribuinte se esgote, o mesmo não pode ser considerado em mora, de modo que deve ser reconhecida sua regularidade fiscal, com a conseqüente concessão de certidão positiva com efeitos de negativa.
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Processo Judicial Tributário
Hugo de Brito Machado Segundo Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (2000). Mestre em Direito (área de concentração: ordem jurídica constitucional) pela Universidade Federal do Ceará (2004). Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (2009). Professor da pós-graduação em Direito e Processo Tributário da Universidade de Fortaleza. Professor de Processo Tributário da Faculdade Farias Brito. Professor de Direito Tributário da Faculdade Christus. Membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET. Advogado.
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1. NOÇÕES INICIAIS 1.1. PROCESSO ADMINISTRATIVO E JUDICIAL Como se viu no capítulo anterior deste Curso, os conflitos verificados entre o Poder Público cobrador de tributos e aqueles dos quais esses tributos são exigidos podem ser equacionados através de uma série encadeada de atos através da qual a Administração Pública exerce o autocontrole, ou o controle interno da legalidade de seus próprios atos. É o processo administrativo, no âmbito do qual há uma fase oficiosa, ou meramente procedimental, preparatória do lançamento (ou de um outro ato administrativo, como, v.g., de homologação de uma compensação), e uma fase contenciosa, ou verdadeiramente processual, na qual se faz o controle da legalidade desse ato. No Brasil, sendo constitucionalmente assegurada a inafastabilidade da tutela jurisdicional, o cidadão não pode ser compelido a se valer do processo administrativo, cujo emprego é sempre facultativo, e nem se conformar com a decisão nele obtida. Pela mesma razão, a Fazenda não pode compelir, por conta própria, o cidadão a cumprir o que restar apurado administrativamente. Nessas hipóteses, subsistindo o conflito, faz-se necessária a intervenção do Poder Judiciário, que presta a tutela jurisdicional, através do processo judicial tributário.
1.2. PROCESSO TRIBUTÁRIO E PROCESSO “CIVIL” O processo judicial tributário é a série encadeada de atos através da qual o Estado-Juiz presta a tutela jurisdicional, solucionando definitivamente os conflitos havidos entre o Estado-Fisco e os contribuintes através da aplicação do direito ao caso concreto. Esse processo é disciplinado por normas jurídicas, cujo conjunto chamamos Direito Processual, que têm por finalidade: a) assegurar a efetividade da tutela buscada; b) permitir a participação dos interessados; e c) definir e delimitar a atuação dos juízes, impondo-lhes deveres e impedindo-lhes a prática de excessos e abusos1. Note-se que o processo judicial tributário é, em quase toda a sua extensão, o mesmo processo civil. Não há um processo e um Direito Processual específicos, como ocorre, por exemplo, no âmbito do Processo Penal, mas apenas o processo e o Direito Processual Civil aplicados à solução de conflitos
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Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de Direito Processual Civil, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, v. 1, p. 37.
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verificados nas relações jurídicas tributárias. Isso não significa, contudo, que não se possa fazer referência a um Processo Judicial Tributário, pois a natureza peculiar do direito material subjacente influencia na interpretação e na aplicação das normas processuais pertinentes2.
1.3. AS VÁRIAS ESPÉCIES DE TUTELA JURISDICIONAL A tutela jurisdicional pode ser objeto de diversas classificações, a depender do critério adotado. O mais difundido, acolhido pelo legislador brasileiro, separa as espécies de tutela jurisdicional conforme a finalidade do provimento correspondente. Segundo esse critério, a tutela jurisdicional pode ser: a) de conhecimento; b) executiva; c) cautelar. Diz-se “de conhecimento” a tutela por meio da qual o Judiciário afirma a existência, ou a inexistência, no caso concreto, do direito invocado pela parte. Afere-se a ocorrência de fatos, discute-se a interpretação das normas a eles aplicáveis, e, ao final, declara-se o direito subjetivo decorrente da incidência ali reconhecida. Sua finalidade é a de dizer “quem” é o titular do direito subjetivo (seja apenas declarando relação preexistente; seja declarando e condenando a parte demandada à prestação dele decorrente; seja constituindo situação jurídica nova, ou desconstituindo situação pré-existente). Executiva, por sua vez, é a tutela na qual não se perquire sobre a existência do direito, que é presumido em face de certos títulos: busca-se, tão somente, o adimplemento forçado do direito. Finalmente, cautelar é a tutela cuja finalidade é a de assegurar a efetividade de uma das anteriores (conhecimento e executiva), afastando situações que poderiam levar à inutilidade das mesmas. Registre-se que a Fazenda Pública, dotada da competência de editar atos administrativos e constituir seus próprios títulos executivos, e de desconstituir os seus atos que considerar ilegais, em regra, não tem interesse nem legitimidade para pleitear a prestação da tutela jurisdicional de conhecimento. Através de uma autotutela vinculada, a Fazenda acerta as relações nas quais está envolvida e se verifica um conflito, cabendo-lhe apenas valer-se da tutela executiva (execução fiscal) ou da tutela cautelar (cautelar
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Nesse sentido, Marcelo Abelha doutrina que: “se o processo vive em função do direito material para impor as soluções nele previstas, é sinal de que diversos serão os pontos de contato entre esses dois planos, especialmente porque toda ferramenta que se preze deve ser moldada de forma a atender melhor o desiderato para o qual ela serve. Isso se passa com o processo, que recebe influxos do direito material, que, em razão de suas peculiaridades, molda e torna adequada a ferramenta processual apta a ampará-lo.” (Elementos de Direito Processual Civil, 3ª ed. São Paulo: RT, 2003, v. 1, p. 71).
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fiscal). Ao administrado inconformado é que caberá reclamar ao Poder Judiciário a anulação do ato administrativo, se for o caso.
1.4. AÇÕES DE INICIATIVA DO FISCO E AÇÕES DE INICIATIVA DO CONTRIBUINTE
A doutrina que se ocupa do Processo Judicial Tributário costuma dividir as ações conforme a parte, o Fisco ou o contribuinte, que as detém, ou seja, conforme a parte que pode provocar a respectiva tutela jurisdicional. Fala-se, então, de “ações de iniciativa do Fisco” e de “ações de iniciativa do contribuinte”, considerando-se a ideia – aqui já explicada – segundo a qual a Fazenda Pública não se vale da tutela de conhecimento, visto que tem o poder de elaborar, unilateralmente se for o caso, seus próprios títulos executivos. Ao contribuinte, portanto, cabe a utilização das ações de conhecimento de uma maneira geral, bem como das ações cautelares e executivas que se fizerem necessárias à proteção e à efetivação forçada do direito reconhecido na primeira; ao passo que, à Fazenda Pública, assiste a faculdade de reclamar, em regra, unicamente o exercício da tutela executiva (execução fiscal) e da tutela cautelar (cautelar fiscal).
2. AÇÕES
DE INICIATIVA DO
FISCO
2.1. EXECUÇÃO FISCAL 2.1.1. NOÇÕES GERAIS O processo de execução fiscal, disciplinado pela Lei nº 6.830/80, é uma espécie de processo de execução por quantia certa, fundado em título extrajudicial, através do qual se busca a prestação da tutela jurisdicional executiva. Isso significa que, através dele, não se busca o acertamento da relação conflituosa, mas, sim, a satisfação do direito já acertado e não adimplido, representado pelo título executivo, que é a Certidão de Dívida Ativa. Seu papel, no âmbito tributário, é o de obter o adimplemento do crédito tributário (da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como de suas respectivas autarquias ou fundações) devidamente constituído, vencido, exigível e não pago. Mas isso não significa que, no processo de execução fiscal, o crédito executado deva ser satisfeito a qualquer custo. Na verdade, a presunção estabelecida pelo título executivo é apenas relativa, e o crédito executado pode não ser devido, ou não ter a dimensão que lhe foi atribuída pelo exequente. Isso, aliás, não é raro em
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matéria tributária, dada a maneira como são constituídos os créditos da Fazenda Pública, bem diferente da que origina os demais títulos executivos. Por outro lado, a execução é um processo judicial – no qual é exercida a tutela jurisdicional – precisamente porque se faz necessária a atuação de um terceiro, em tese imparcial (Poder Judiciário), na resolução do problema, a fim de que a expropriação de bens do executado não se dê de maneira desproporcional, abusiva, em desrespeito aos princípios constitucionais etc.
2.1.2. SUJEIÇÃO PASSIVA 2.1.2.1. SUJEIÇÃO PASSIVA E CDA A Certidão de Dívida Ativa (CDA) deve conter o nome do devedor, dos corresponsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou a residência de um e de outros. Pode haver, ainda, corresponsáveis, ou seja, pessoas que, solidária ou subsidiariamente, também poderão responder pelo crédito tributário executado. A corresponsabilidade é matéria que não deveria ser apurada na execução fiscal, mas, sim, em momento anterior, no bojo do procedimento preparatório do lançamento ou do processo administrativo propriamente dito. A execução não busca o exercício da tutela de conhecimento, mas, sim, da tutela executiva, sendo descabido admitir que, no título, conste o nome de um devedor, porém a Fazenda “prove” a responsabilidade de outro, para contra ele redirecionar o feito executivo. Deve-se mencionar, contudo, que a jurisprudência admite esse redirecionamento. Superando entendimento ainda mais permissivo, do STF, segundo o qual o redirecionamento poderia ocorrer sempre, o STJ exige que o nome dos corresponsáveis conste da CDA como condição para que sua responsabilidade seja presumida de modo juris tantum e a execução possa ser contra eles movida3. Assim, se não houver remissão a corresponsáveis na CDA, o redirecionamento da execução pode ser feito, mas depende da “prova”, feita pelo fisco nos autos da própria execução, da presença das condições que ensejam a responsabilização de terceiros4.
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Mesmo assim, convém referir a existência de julgados segundo os quais “é insuficiente, para evidenciar a responsabilidade tributária do sócio, fazer constar da CDA a expressão genérica de ‘co-responsável’, sem esclarecer em que condição responde o sócio pela sociedade.” (STJ, 1ª T, REsp 621.900/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, j. em 6.5.2004, v.u., DJ de 31.5.2004, p. 246) “[...] A Primeira Seção, no julgamento dos EREsp 702.232/RS, de relatoria do Ministro Castro Meira, assentou entendimento no sentido de que: (a) se a execução fiscal foi promovida apenas contra a pessoa jurídica e, posteriormente, foi redirecionada contra sócio-gerente cujo
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2.1.2.2. RESPONSABILIDADE
DE SÓCIOS E DIRIGENTES DE
PESSOAS JURÍDICAS
O art. 4º da Lei nº 6.830/80 dispõe que a execução poderá ser promovida não apenas contra o devedor, mas também contra: o fiador; o espólio; a massa; o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado; e os sucessores a qualquer título. A responsabilidade de tais pessoas já foi devidamente abordada em capítulo próprio deste Curso. Por isso, colhemos para análise, aqui, apenas a possibilidade de se redirecionar a execução fiscal contra sócios e dirigentes de pessoas jurídicas, para exigir o pagamento de débitos tributários destas. Essa responsabilidade encontra amparo nos arts. 134, VII, e 135, III, do CTN. Quanto ao art. 134 do CTN, é preciso observar que a responsabilidade nele referida exige, para se configurar, além da impossibilidade de cumprimento da obrigação pelo contribuinte, que exista relação entre a obrigação tributária e o comportamento do terceiro responsável. É por isso, aliás, que o caput do art. 134 alude à responsabilidade dos terceiros nos atos em que intervierem e pelas omissões de que forem responsáveis. Além disso, a responsabilidade diz respeito apenas aos sócios de sociedades de pessoas, em face da liquidação destas. E mais: liquidada a sociedade, a responsabilidade de seus sócios deve ser apurada nos termos da legislação societária específica, que o CTN não derrogou nem excepcionou. Se se trata de responsabilidade limitada, sua regular liquidação não pode dar margem à exigência de tributos por parte dos sócios, se estes, por exemplo, integralizaram o capital social regularmente, nos termos da lei societária de regência desse tipo social.
nome não consta da Certidão de Dívida Ativa, cabe ao Fisco comprovar que o sócio agiu com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, nos termos do art. 135 do CTN; (b) se a execução fiscal foi promovida contra a pessoa jurídica e o sócio-gerente, cabe a este o ônus probatório de demonstrar que não incorreu em nenhuma das hipóteses previstas no mencionado art. 135; (c) se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, o ônus da prova também compete ao sócio, em virtude da presunção relativa de liquidez e certeza da referida certidão. [...] Constando da CDA o nome dos sóciosgerentes, entende-se que a eles incumbe o ônus probatório de demonstrar, em sede de embargos à execução, que não incorreram em nenhuma das hipóteses previstas no art. 135 do CTN, porquanto a referida certidão possui presunção relativa de liquidez e certeza. [...]” (STJ, 1ª T, REsp 620.855/RJ, Rel. Min. Denise Arruda, j. em 7/3/2006, DJ de 27/3/2006, p. 163). Pode ser manejada a “exceção de pré-executividade”, desde que a demonstração da ausência dos requisitos exigidos pelo art. 135 do CTN independa de dilação probatória (STJ, 1ª T, REsp 696.877/PR, Rel. Teori Albino Zavascki, j. em 9/3/2006, DJ de 27/3/2006, p. 178; 2ª T, AgRg no Ag 715.863/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 7/2/2006, DJ de 20/3/2006, p. 244).
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A rigor, o art. 134, VII, do CTN autoriza a responsabilidade de sócios no caso de dissolução irregular da sociedade, quando, em face dessa dissolução, os débitos tributários da empresa não são pagos. Quanto ao art. 135, III, do mesmo Código, é preciso observar, primeiro, que o mesmo se reporta a pessoas que têm poder de gerência ou direção. Não ao sócio, mas ao sócio-gerente, diretor ou administrador5. Além disso, o ato praticado com infração de lei, a que se reporta o caput daquele artigo, não se confunde com o mero não pagamento do tributo, que, conquanto ilícito, em condições normais, é praticado pela pessoa jurídica, através de seu órgão, e não pessoalmente pela pessoa natural que a representa. A maneira de diferenciar esses atos – o ato do órgão e o ato da pessoa natural que corporifica o órgão – é a vantagem: atos praticados pela pessoa natural do diretor, e não pela pessoa jurídica através do órgão que ele corporifica, são aqueles que o beneficiam, em prejuízo do fisco e da própria empresa. Nesse rol, além da já apontada dissolução irregular da sociedade, podemos incluir a retirada de recursos sociais em limites superiores aos juridicamente possíveis, que implique o indevido esvaziamento patrimonial da sociedade em benefício dos seus integrantes. Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência6. Assim, em suma, pode-se dizer que os sócios de uma pessoa jurídica somente respondem pelos débitos tributários desta se: a) procederem à sua liquidação irregular7; ou, b) no exercício da gerência8, praticarem ato contrário
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“O sócio-gerente responde por ser gerente, não por ser sócio” (REsp 260.524/RS – RDDT 75/ 226). Aqueles que são meros sócios-quotistas podem responder, eventualmente, apenas na hipótese de liquidação irregular da sociedade, com amparo nos arts. 135, I e 134, VI, do CTN, mas não por atos praticados no exercício de uma “gerência” que jamais desempenharam. “[...] a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, circunstância que acarrete a responsabilidade solidária dos terceiros, nomeadamente dos sócios-gerentes, pelos débitos tributários da empresa (art. 135 do CTN). Precedentes: REsp 505968/SC, 2ª Turma, Min. Peçanha Martins, DJ de 13. 06.2005; REsp 228030/PR, 1ª Turma, Min. Francisco Falcão, DJ de 13.06.2005. [...]” (STJ, 1ª T, REsp 753.821/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 16/3/2006, DJ de 3/4/2006, p. 262). Na verdade, “a responsabilidade do administrador depende da comprovação da prática de ato ilícito que tenha encoberto a obrigação tributária ou diminuído as garantias do crédito tributário.” (TRF da 4ª R, 2ª T, AC 2003.72.08.005559-6/SC, j. em 1º/6/2005, DJ de 7/7/2004, p. 376). Mesmo nesse caso, os sócios e dirigentes responsabilizados podem ainda demonstrar que não têm responsabilidade. Podem não ter concordado com a dissolução irregular, ou mesmo podem ter sido ludibriados pelos demais sócios. Há apenas inversão do ônus de fazer essa prova, em face da presunção gerada pela dissolução irregular. Confira-se: Ac un da 2ª T do STJ – REsp 420.663 – AgRg – Rel. Min. Eliana Calmon – j. em 13.08.2002 – DJU I de 09.09.2002, p. 220. Pode ocorrer de o terceiro, mesmo ostentando a denominação de “diretor”, não haver praticado atos de gestão. Naturalmente, o ônus de provar essa peculiaridade será dele, mas, de qualquer sorte, em tais hipóteses, não haverá responsabilidade nos termos do art. 135, III, do CTN. Confira-se: STJ, 1ª T, AgRg no REsp 809.640/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, j. em 6/4/2006, DJ de 4/5/2006, p. 148.
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aos interesses do fisco e aos da própria pessoa jurídica, em benefício próprio, deixando a empresa sem condições de solver o débito tributário. Registre-se que, se a dissolução é regular, em princípio, não se pode responsabilizar o sócio ou o dirigente, senão nos termos – e com os limites – previstos na legislação empresarial9. O STJ tem entendido, ainda, que a saída do sócio dos quadros sociais da sociedade, com a continuidade das atividades desta sob a administração dos sócios remanescentes, é motivo para que o ex-sócio não possa ser responsabilizado. Esboçou-se, no STJ, uma tese segundo a qual os requisitos exigidos pelos arts. 134 e 135 para responsabilizar sócios e dirigentes de pessoas jurídicas não seriam aplicáveis em execuções de débitos para com a previdência social, em função do disposto na Lei 8.620/93, que preconiza a responsabilidade solidária de todos os sócios, independentemente de dolo, culpa, nexo causal com o inadimplemento, dissolução da sociedade ou mesmo do próprio exercício da gerência. Tal tese, porém, foi rejeitada pela Primeira Seção daquela Corte e não é mais acolhida por suas Turmas10. Note-se que, para que o sócio-gerente, o diretor ou o administrador da sociedade sejam chamados a responder pela dívida da sociedade, no âmbito de uma execução, é necessário que sejam devidamente citados, na condição de corresponsáveis. Essa citação deve ocorrer dentro do prazo prescricional, que é interrompido com a citação da pessoa jurídica (ou com o despacho que determina a citação desta, relativamente ao período posterior à LC 118/2005). Caso tenham decorrido mais de cinco anos da citação da pessoa jurídica (ou do despacho que determinou a citação desta, relativamente ao período posterior À LC 118/2005), não será mais possível redirecionar a execução em face do sócio-gerente. Sobre o assunto, leia-se: A jurisprudência das 1ª e 2ª Turmas desta Corte vêm proclamando o entendimento no sentido de que o redirecionamento da execução contra
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“[...] a executada foi dissolvida regularmente por processo falimentar encerrado, sem que houvesse quitação total da dívida, razão pela qual carece o fisco de interesse processual de agir para a satisfação débito tributário. 3. Inocorrentes quaisquer das situações previstas no art. 135 do CTN (atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto), não há se falar em redirecionamento. [...]” (STJ, REsp 755.153/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 1/12/2005, p. 308/309, RDDT 126/193). STJ, 1ª T, REsp 815.369/MT, Rel. Min Teori Albino Zavascki, j. em 28/3/2006, DJ de 10/4/ 2006, p. 161. No mesmo sentido: STJ, 2ª T, REsp 798.287/RS, Rel. Min. Peçanha Martins, j. em 2/2/2006, DJ de 28/3/2006, p. 213.
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o sócio deve dar-se no prazo de cinco anos da citação da pessoa jurídica, de modo a não tornar imprescritível a dívida fiscal. [...]”.11
A co-responsabilidade é matéria que não deveria ser apurada na execução fiscal, mas sim em momento anterior, no bojo do procedimento preparatório do lançamento, ou do processo administrativo propriamente dito. A execução não busca o exercício da tutela de conhecimento, mas sim da tutela executiva, sendo descabido admitir que no título conste o nome de um devedor, mas a Fazenda “prove” a responsabilidade de outro, para contra ele redirecionar o feito executivo. Deve-se mencionar, contudo, que a jurisprudência admite esse redirecionamento. Superando entendimento ainda mais permissivo, do STF, segundo o qual o redirecionamento poderia ocorrer sempre, o STJ exige que o nome dos co-responsáveis conste da CDA como condição para sua responsabilidade seja presumida de modo “juris tantum” e a execução possa ser contra eles movida. Assim, se não houver remissão a co-responsáveis na CDA, o redirecionamento da execução pode ser feito, mas depende da “prova”, feita pelo fisco nos autos da própria execução, da presença das condições que ensejam a responsabilização de terceiros: “(...) A Primeira Seção, no julgamento dos EREsp 702.232/RS, de relatoria do Ministro Castro Meira, assentou entendimento no sentido de que: (a) se a execução fiscal foi promovida apenas contra a pessoa jurídica e, posteriormente, foi redirecionada contra sócio-gerente cujo nome não consta da Certidão de Dívida Ativa, cabe ao Fisco comprovar que o sócio agiu com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, nos termos do art. 135 do CTN; (b) se a execução fiscal foi promovida contra a pessoa jurídica e o sócio-gerente, cabe a este o ônus probatório de demonstrar que não incorreu em nenhuma das hipóteses previstas no mencionado art. 135; (c) se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, o ônus da prova também compete ao sócio, em virtude da presunção relativa de liquidez e certeza da referida certidão. (...) Constando da CDA o nome dos sócios-gerentes, entende-se que a eles incumbe o ônus probatório de demonstrar, em sede de embargos à execução, que não incorreram em nenhuma das hipóteses previstas no art. 135 do CTN, porquanto a referida certidão possui presunção relativa
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STJ, 2ª T, EDcl no REsp 773.011/RS, Rel. Min. Castro Meira, j. em 7/2/2006, DJ de 20/2/ 2006, p. 313.
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de liquidez e certeza. (...)” (STJ, 1ª T, REsp 620.855/RJ, Rel. Min. Denise Arruda, j. em 7/3/2006, DJ de 27/3/2006, p. 163).
Registre-se que, mesmo assim, pode ser manejada a “exceção de préexecutividade”, desde que a demonstração da ausência dos requisitos exigidos pelo art. 135 do CTN independa de dilação probatória: STJ, 1ª T, REsp 696.877/PR, Rel. Teori Albino Zavascki, j. em 9/3/2006, DJ de 27/3/2006, p. 178; 2ª T, AgRg no Ag 715.863/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 7/2/2006, DJ de 20/3/2006, p. 244). Finalmente, ainda quanto à sujeição passiva, cabe notar que, nos termos do § 3º do art. 4º da Lei de Execuções Fiscais, os responsáveis “poderão nomear bens livres e desembaraçados do devedor, tantos quantos bastem para pagar a dívida”. Também conforme o citado dispositivo, todavia, os bens dos responsáveis ficarão sujeitos à execução “se os do devedor forem insuficientes à satisfação da dívida”. Com isso, torna-se claro que o corresponsável só há de ter seus bens constritos no âmbito da execução fiscal diante da insuficiência do patrimônio do devedor principal.
2.1.3. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE NA EXECUÇÃO FISCAL E AS CHAMADAS “EXCEÇÕES DE PRÉ-EXECUTIVIDADE” Em razão da proliferação de execuções fiscais descabidas, nas quais a Fazenda Pública busca o adimplemento de créditos gerados eletronicamente pelo “sistema” (inexistentes, já pagos etc.), ganhou corpo, na doutrina e na jurisprudência relativa ao Processo Judicial Tributário, a ideia de uma exceção de pré-executividade12, espécie de defesa apresentada pelo executado antes ou independentemente de garantida a execução. Deve-se lembrar, no exame desta questão, que o processo de execução, no qual é prestada a tutela jurisdicional de execução, não comporta, em princípio, discussões a respeito da existência e da validade do crédito executado. Busca-se apenas o seu adimplemento, e discute-se a respeito dos meios que podem ser utilizados para esse fim. Admitir a plena discussão a respeito da própria quantia executada, nos autos da execução, implica tornar sem sentido a própria divisão entre as espécies de processo e de tutela jurisdicional. Essa discussão sobre o crédito executado deve ocorrer em sede de embargos.
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O termo “exceção de pré-executividade” não conta com aceitação pacífica no âmbito doutrinário, sendo muitos os processualistas que o criticam. Apesar disso, para facilitar a compreensão do leitor, ao longo do texto rendemo-nos ao termo “exceção de pré-executividade”. Conquanto impreciso tecnicamente, é o que mais vem sendo empregado pela jurisprudência.
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Entretanto, existem situações nas quais não há sequer condições de ser admitida a ação de execução fiscal. Situações nas quais o Juiz, caso tivesse examinado detidamente a inicial antes de recebê-la, teria indeferido-a. É o caso, por exemplo, de uma execução desacompanhada de título executivo, ou acompanhada de título executivo visivelmente ilíquido, ou em cujo título executivo não consta o nome daquele que se pretende devedor, nem consta qualquer demonstração de sua “corresponsabilidade”. Ou, ainda, de execução de quantia claramente alcançada pela decadência, ou pela prescrição (notadamente a intercorrente). Nessas hipóteses, e em outras semelhantes que poderiam ser aqui enumeradas, admite-se, desde que não haja questionamento quanto aos fatos, a manifestação do executado, antes da penhora, que pode, eventualmente, ensejar a extinção da execução, pois a rigor são questões que poderiam ser conhecidas de ofício pelo magistrado, ou que, conquanto não fossem verificáveis de ofício, podem ser demonstradas de plano pelo executado, independentemente de dilação probatória. Posicionando-se de modo restritivo – mas não impeditivo – ao uso das chamadas “exceções de pré-executividade”, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que: [...] o processo executivo fiscal foi concebido como instrumento compacto, rápido, seguro e eficaz, para realização da dívida ativa pública. Admitir que o executado, sem a garantia da penhora, ataque a certidão que o instrumenta, é tornar insegura a execução. [...] Nada impede que o executado – antes da penhora – advirta o Juiz, para circunstâncias prejudiciais (pressupostos processuais ou condições da ação) suscetíveis de conhecimento ex officio. Transformar, contudo, esta possibilidade em defesa plena, com produção de provas, seria fazer ‘tabula rasa’ do preceito contido no Art. 16 da LEF. Seria emitir um convite à chicana, transformando a execução fiscal em ronceiro procedimento ordinário (REsp 14357/Humberto).13
Advirta-se, porém, quanto ao trecho transcrito, que a lição nele contida não diz respeito apenas ao processo de execução fiscal, como pode parecer de sua fundamentação, mas, a rigor, pertine aos processos de execução de uma maneira geral. E, além do mais, o entendimento nele contido não impede que
13
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Ac do STJ – Medida Cautelar 4.212/SP (2001/0121009-8) – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – jul. 25/09/2001 – DJU-1 de 19.10.2001, p. 197 – Revista Dialética de Direito Tributário n° 75/2001, p. 193.
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a exceção de pré-executividade seja empregada em uma série de hipóteses nas quais não são necessárias nem a produção de provas, nem o exercício da defesa plena, nem a instauração de um “ronceiro procedimento ordinário”, mas tão somente a advertência ao Juiz de certas nulidades presentes na CDA. Uma situação na qual é bastante comum o oferecimento, e o acolhimento, de exceção de pré-executividade é a execução de créditos tributários com exigibilidade suspensa, hipótese admitida pelo próprio Superior Tribunal de Justiça14.
2.1.4. QUESTÕES LIGADAS À GARANTIA DO JUÍZO Garantido o juízo, seja pela penhora, pelo depósito ou pela fiança bancária, inicia-se o prazo de 30 dias15 para que o executado maneje, se for o caso, a ação de embargos do executado. Não interpostos os embargos, a execução segue seu curso, sendo importante destacar que não se forma, no caso, coisa julgada. Nela não há julgamento “de mérito”16. Assim, nada impede que o executado, não embargando tempestivamente a execução, pague o que lhe é exigido e depois promova a restituição do indébito, ou mesmo proponha ação anulatória antes que esse pagamento aconteça na via executiva17. Registre-se que o prazo para embargos, na hipótese em que a garantia é feita de forma insuficiente e posteriormente é reforçada, tem início da intimação da penhora, ou do depósito, ou da juntada aos autos da prova da fiança bancária, e não do eventual reforço posteriormente levado a efeito18. Por essa razão, realizada a penhora, ainda que insuficiente, os embargos devem ser recebidos e processados, sem prejuízo das providências tendentes, nos autos da execução, a obter o reforço da garantia. A esse respeito – da admissão dos embargos independentemente da integralidade da garantia –, a jurisprudência do STJ vacilou um pouco, mas se consolidou no sentido de admitir os embargos mesmo em face de penhora insuficiente19. Trata-se de solução louvável, que a todos aproveita, sobretudo
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Ac. un. da 2ª Turma do STJ – rel. Min. Franciulli Netto – REsp 193402/RS – DJ 31/02/2003, p. 184. Em se tratando de penhora, esse prazo é contado da data em que o executado é cientificado da constrição, e não da data na qual ocorre a juntada aos autos do respectivo mandado de intimação. Ac un da 4ª T do STJ – AgRg no AgIn 8.089-SP – 91.416-2 – Rel. Min. Athos Carneiro DJ-I 20.05.91 p. 6537. Nesse sentido: REsp 336.995/PR, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, j. em 18.10.2001, DJ de 04.02.2002, p. 309; REsp 135.355/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 19.06.2000. Ac da 2ª T do STJ – Resp 244.923/RS – Rel. Min. Franciulli Netto – jul. 16/10/2001 – DJU de 11.03.2002 - Informativo de Jurisprudência do STJ n° 114, de 22 a 26/outubro/01 (Internet). Ac un da 2ª T do STJ – Rel. Min. Nancy Andrei – RESP 80723/PR – DJU 01/08/2000, p. 218. Ac un da 1ª T do STJ – Rel. Min. Gomes de Barros – RESP 79097/SP – DJU 06/05/1996, p. 14386. Ac da 1ª S do STJ – mv - ERESP 80723/PR – Rel. Min. Milton Luiz Pereira – j. em 10.04.2002 – DJ de 17.06.2002, p. 183 – RDDT 87/160 – RT 805/196.
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se se considerar que a única alternativa aceitável seria suspender a execução, nos termos do art. 40 da LEF, correndo-se o risco de a execução ser atingida pela prescrição intercorrente20.
2.1.5. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS E A SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO Garantida a execução, total ou parcialmente, nos termos já explicados itens acima, o devedor pode, caso considere indevido o valor executado, ajuizar os embargos do executado à execução fiscal, ação de conhecimento com base na qual, através de ampla dilação probatória, poderá demonstrar as razões fáticas e jurídicas pelas quais considera que deva ser desconstituído o título executivo. Os embargos do executado constituem processo autônomo, no qual é prestada a tutela jurisdicional de conhecimento. Formam autos apartados, que são apensos aos do processo executivo. A interposição dos embargos suspende o curso da execução fiscal, em que podem ser praticados apenas atos que tenham por finalidade garantir ou reforçar a garantia da dívida, mas não a alienação dessa garantia. O STJ, entretanto, tem considerado que essa suspensão somente acontece até a prolação da sentença21. Assim, caso os pedidos do embargante sejam julgados procedentes, a execução é extinta, mas, caso sejam julgados improcedentes, e a apelação não seja recebida no efeito suspensivo, a execução fiscal poderá ter retomado o seu curso normalmente. Não nos parece que tal entendimento seja procedente22, mas é o que tem prevalecido na jurisprudência, recomendando-se ao embargante, diante de eventual insucesso na primeira instância, que insista junto ao Tribunal de Apelação para obter a atribuição de efeito suspensivo à apelação, se for o caso, com o manejo de ação cautelar específica para esse fim. Com o advento da Lei nº 11.382/2006, que promoveu a reforma no processo de execução, o art. 739-A do CPC passou a estabelecer que os embargos não suspendem a execução, a menos que o juiz assim determine.
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“Se o processo executivo fiscal ficou paralisado por mais de cinco anos, especialmente porque o exequente permaneceu silente, deve ser reconhecida a prescrição suscitada pelo devedor. A regra inserta no art. 40 da Lei nº 6.830/80 não tem o condão de tornar imprescritível a dívida fiscal, já que não resiste ao confronto com o art. 174, § único, I, do CTN” (STJ, 1ª Seção, ED no REsp 97.328-PR, Rel. Min. Adhemar Maciel, j. 12.08.1998, DJU de 15.05.2000, p. 114). Ac un da 1ª T do STJ – Rel. Min. Milton Luiz Pereira – REsp 178.412-RS - j. em 05.04.2001 – DJ de 04.03.2002, p. 185. No mesmo sentido: Ac un da 2ª T do STJ – Rel. Min. Eliana Calmon – REsp 182.986-SP – AgRg – j. em 18.10.2001 - DJ de 18.03.2002, p. 194. Confira-se, a propósito, a crítica que a ele fazem Humberto Theodoro Júnior (Curso de Direito Processual Civil, 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992, v. 2, p. 20) e Vicente Greco Filho (Direito Processual Civil Brasileiro, 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993, v. 3, p. 34 e 35).
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Coloca-se, então, a questão de saber se tais disposições aplicam-se à execução fiscal, contrariando ou modificando o que se disse acima. Parece-nos que não. O CPC somente se aplica de modo subsidiário naquilo em que não for incompatível com a Lei de Execuções Fiscais, e nela a sistemática adotada para a execução funda-se na natureza suspensiva dos embargos. Tanto que o art. 18 da LEF determina à Fazenda Pública que se manifeste sobre a garantia da execução caso não sejam oferecidos embargos, em nítida afirmação de que a apresentação dos embargos posterga essa discussão até que eles sejam apreciados. Confirmação disso está no art. 19 da LEF, segundo o qual, apenas na hipótese de não oferecimento de embargos, ou de rejeição destes, haverá intimação do terceiro para remir o bem ou pagar a dívida, sob pena de prosseguimento da execução contra ele. O art. 24, I, da LEF, por sua vez, determina que a Fazenda só pode adjudicar os bens antes do leilão se a execução não for embargada ou se os embargos forem rejeitados, o que significa dizer que a adjudicação e o leilão que seria a ela posterior são ambos condicionados à rejeição (ou à não oposição) dos embargos. Finalmente, o art. 32, § 2º preconiza que, “após o trânsito em julgado da decisão, o depósito, monetariamente atualizado, será devolvido ao depositante ou entregue à Fazenda Pública, mediante ordem do Juízo competente”, ou seja, só quando transitar em julgado decisão rejeitando os embargos, o depósito poderá ser convertido em renda. Em suma, se a execução for garantida por depósito (e a penhora de dinheiro é convertida em depósito, como se sabe), fiança ou penhora de bens, só com a rejeição dos embargos a satisfação do débito pode ocorrer. Como dizer, então, que a LEF não determina a suspensão dos embargos, como justificativa para aplicar o art. 739-A do CPC às execuções fiscais? Além desses dispositivos expressos da Lei 6.830/80, devem ser lembrados ainda dois aspectos, os quais justificam que a execução fiscal não tenha o mesmo tratamento das demais execuções de títulos extrajudiciais. O primeiro é a natureza diferenciada do título executivo que aparelha a execução fiscal, fabricado – diversamente daqueles executados pela sistemática do CPC – unilateralmente pelo credor23, e ainda a forma diferenciada. O segundo é a forma como o credor, diante do posterior reconhecimento de que a execução
23
Nesse sentido, cf.: Igor Mauler Santiago e Frederico Menezes Breyner. “Eficácia suspensiva dos Embargos à execução fiscal em face do art. 739-A do Código de Processo Civil”. In: Revista Dialética de Direito Tributário nº 145, p. 54 e ss.
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se deu indevidamente, devolve a quantia recebida. O disposto no art. 694, § 2º, do CPC, segundo o qual “[...] o executado terá direito a haver do exequente o valor por este recebido como produto da arrematação; caso inferior ao valor do bem, haverá do exequente também a diferença”, é de aplicação muito complicada nas execuções fiscais, em face da sistemática de precatórios e de suas conhecidas dificuldades.
2.2. CAUTELAR FISCAL 2.2.1. NOÇÕES GERAIS Como já afirmamos, a Fazenda Pública, em regra, não se vale de processos de conhecimento. Não tem interesse nem legitimidade para tanto, eis que dotada da aptidão de constituir unilateralmente seus próprios títulos executivos. O Estado-Fisco necessita, isso sim, do processo executivo para obter o adimplemento do crédito por ele próprio lançado e, eventualmente, pode necessitar de um processo cautelar para assegurar a efetividade do processo de execução. Do processo executivo manejado pela Fazenda Pública, cuidamos no item anterior. Trataremos, aqui, da cautelar fiscal, processo de natureza cautelar, utilizado pela Fazenda para ver assegurado o adimplemento de crédito tributário lançado ou a efetividade da execução desse mesmo crédito, tornando indisponíveis os bens do sujeito passivo, de sorte a que este não se possa utilizar de meios sub-reptícios para não adimplir o crédito da Fazenda Pública (pondo seus bens em nome de terceiros, contraindo dívidas fictícias etc.). A disciplina normativa da cautelar fiscal é feita pela Lei nº 8.397, de 6 de janeiro de 1992, que assevera ser possível a sua propositura antes ou no curso da execução fiscal, sendo desta sempre dependente (art. 1º). Poderá ser requerida sempre que o devedor da Fazenda Pública, de crédito regularmente constituído, tributário ou não, adotar conduta indicativa do propósito de frustrar seu adimplemento.
2.2.2. HIPÓTESES DE
CABIMENTO
A tutela cautelar é definida por sua finalidade, que é a de assegurar a eficácia, ou a utilidade, da tutela de conhecimento, ou da tutela executiva. Seus pressupostos básicos, portanto, residem na existência de uma situação de perigo à efetividade de uma prestação jurisdicional e na possibilidade de essa prestação vir a ocorrer em favor de quem a requer. É o que a doutrina processualista costuma chamar de perigo da demora, e de aparência do direito, respectivamente.
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No que pertine à cautelar fiscal, seus pressupostos não diferem muito dos acima resumidamente explicados. A Fazenda Pública há de possuir em seu favor um crédito regularmente constituído (aparência do direito), e esse crédito deve estar com seu adimplemento ameaçado por atos do sujeito passivo que revelem seu propósito de furtar-se fraudulentamente do respectivo pagamento (perigo da demora). O STJ tem admitido a sua propositura antes da conclusão do processo administrativo24, sendo ela instrumento adequado para evitar que o contribuinte se utilize de recursos administrativos protelatórios para, antes da conclusão do processo administrativo, alienar seu patrimônio sem incorrer na vedação contida no art. 185 do CTN25, esvaziando a execução fiscal e inviabilizando a satisfação do crédito tributário. Presentes os requisitos necessários, o juiz poderá conceder liminarmente a medida cautelar fiscal, em despacho que pode ser impugnado através de agravo de instrumento. Quanto ao perigo da demora, não basta que a Fazenda o alegue, genericamente, sem demonstrar concreta e objetivamente a sua presença. É preciso justificar o seu receio de que, não deferida a medida cautelar fiscal, o direito a ser satisfeito no processo executivo poderá restar esvaziado.
2.2.3. EFEITOS DO PROVIMENTO QUE CONCEDE A MEDIDA CAUTELAR FISCAL O efeito do provimento jurisdicional que defere uma medida cautelar fiscal, em suma, é o de tornar indisponíveis os bens do sujeito contra o qual se requereu a medida. Trata-se, enfim, de uma forma de garantir o adimplemento do crédito a ser posteriormente objeto de execução fiscal. Deve-se observar, porém, que essa indisponibilidade só pode alcançar os bens necessários à satisfação do alegado crédito. A cautelar fiscal não pode implicar a indisponibilidade de bens em montante superior ao dos créditos que justificaram sua concessão, seja por que motivo for. Não é possível tornar indisponíveis todos os bens do devedor, não obstante o crédito contra ele
24
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“[...] A medida cautelar fiscal, ensejadora de indisponibilidade do patrimônio do contribuinte, pode ser intentada mesmo antes da constituição do crédito tributário, nos termos do artigo 2º, inciso V, “b”, e inciso VII, da Lei nº 8.397/92 (com a redação dada pela Lei nº 9.532/97) [...]” (REsp 689.472/SE, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 05.10.2006, DJ de 13.11.2006, p. 227). “Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita.”
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constituído seja de valor bem inferior à totalidade de tais bens, sob a justificativa de que “outros” créditos poderiam vir a ser constituídos. Haveria, nesse caso, além de clara ilegalidade, uma flagrante afronta ao princípio da proporcionalidade. A indisponibilidade dos bens do requerido, no caso de pessoa jurídica, recairá somente sobre os bens do ativo permanente (v.g. imóvel onde funciona a sociedade), o que significa que não poderão ser tornados indisponíveis bens do chamado “ativo circulante”, tais como mercadorias em estoque, por exemplo. A ressalva tem por finalidade impedir que a pessoa jurídica tenha suas atividades “paralisadas” por conta da medida, o que poderia implicar desnecessária e abusiva ofensa à liberdade de iniciativa e à liberdade empresarial, asseguradas constitucionalmente. Quanto à hipótese de o requerido, na ação cautelar fiscal, ser uma pessoa jurídica, a Lei nº 8.397/93 assevera ainda que a indisponibilidade poderá: [...] ser estendida aos bens do acionista controlador e aos dos que em razão do contrato social ou estatuto tenham poderes para fazer a empresa cumprir suas obrigações fiscais, ao tempo: a) do fato gerador, nos casos de lançamento de ofício; b) do inadimplemento da obrigação fiscal, nos demais casos.
Note-se, aí, a expressão “poderá”, que serve para viabilizar uma interpretação conforme a Constituição e, também, conforme o CTN, pois não será em qualquer caso que os bens dos que decidem em nome da pessoa jurídica poderão ser alcançados pelas dívidas fiscais desta (Cf. item 2.1.2.2, supra). Na verdade, para obter a extensão dos efeitos da medida cautelar fiscal sobre os bens dos que integram os órgãos da pessoa jurídica requerida, a Fazenda Pública terá de demonstrar a ocorrência da situação de fato que autoriza a extensão da responsabilidade tributária correspondente, nos termos do art. 135, III, do CTN, do mesmo modo como tem de fazer para obter o “redirecionamento” da execução fiscal correspondente26.
3. AÇÕES DE INICIATIVA DO CONTRIBUINTE 3.1. EMBARGOS DO EXECUTADO 3.1.1. NOÇÕES INICIAIS Os “embargos do executado” representam ação de conhecimento autônoma mas estreitamente relacionada com a execução. Seu principal objetivo é o de
26
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Ac un da 2ª T do STJ – REsp 197278/AL – Rel. Min. Franciulli Netto – j. em 26.02.2002 – DJU I de 24.06.2002, p. 233 – RTFP 46/313.
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obter a invalidação, total ou parcial, do título executivo e, por conseguinte, obter a extinção da execução por ele aparelhada. Questões relacionadas ao prazo para a interposição dos embargos, à necessidade de garantia da execução, à suspensão da execução até o julgamento definitivo dos embargos, entre outras, foram já abordadas no tópico destinado à execução fiscal. Cuidaremos, nos itens seguintes, apenas de pontos mais relacionados ao processo de embargos, seu trâmite e seu julgamento, tais como a presunção de validade da CDA e o ônus da prova, matérias supostamente “vedadas” aos embargos etc. Vejamos.
3.1.2. EMBARGOS DO EXECUTADO E PRODUÇÃO DE PROVAS A petição inicial dos embargos à execução deve requerer a produção das provas com as quais se pretende demonstrar a ocorrência dos fatos nela afirmados. Exige o art. 16, § 2º da Lei nº 6.830/80 que a inicial seja, desde logo, acompanhada dos documentos a serem juntados aos autos, bem como do rol de testemunhas a serem ouvidas em juízo (até três ou, a critério do juiz, o dobro desse limite). Não há, em princípio, a opção de juntar documentos, ou de depositar o rol de testemunhas, em momento posterior, como ocorre na generalidade das ações de conhecimento, de rito ordinário. Essa exigência, porém, há de ser considerada com temperamentos, notadamente à luz das normas constitucionais que consagram a garantia a um devido processo legal substantivo, bem como à ampla defesa e ao contraditório. Pode ocorrer de, somente após a impugnação da embargada, mostrar-se relevante a ouvida de determinada testemunha ou a juntada de algum documento. Se o juiz pode determinar a produção de provas até mesmo de ofício, no interesse de apurar a verdade e bem aplicar o Direito, não se justifica que se ampare em uma infundada preclusão para negar a produção de provas relevantes e, assim, prestigiar uma execução descabida. O juiz deve indeferir a produção de tais provas quando estas se mostrarem irrelevantes ou desnecessárias para o deslinde da causa, não quando não houverem acompanhado desde o início a inicial. Ainda quanto à produção de provas, especificamente no âmbito da ação de embargos à execução fiscal, merece destaque a questão relativa à “presunção de validade” da Certidão de Dívida Ativa e do ônus da prova daquele que se insurge contra essa validade. Com efeito, a Certidão de Dívida Ativa, como qualquer título executivo, goza de presunção de liquidez e certeza. Esse fato, aliado à “presunção de validade” que se costuma atribuir aos atos emitidos pelo Poder Público de uma maneira geral, tem gerado uma falsa ideia segundo a qual o ônus da
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prova, no âmbito dos embargos à execução, seria integralmente do embargante, e de que toda a dúvida porventura existente teria de ser resolvida favoravelmente à Fazenda exequente. Mas não deve ser exatamente assim. Na condição de autor da ação de embargos, realmente incumbe ao embargante demonstrar a insubsistência da CDA. Muitas vezes, porém, a invalidade da CDA não decorre de questões de fato, mas de questões de Direito (invalidade, ou má aplicação, das normas que a fundamentam), hipótese na qual não se há de cogitar de produção de provas. Mesmo assim, se a insubsistência da CDA decorrer de aspectos de fato, incumbirá ao embargante a prova da ocorrência desses mesmos fatos. Isso não significa, todavia, que se deva demonstrar a inocorrência dos fatos sobre os quais se funda o lançamento respectivo. Basta que se demonstre que a autoridade competente não comprovou essa ocorrência. Realmente, provando que a autoridade lançadora não demonstrou a ocorrência dos fatos sobre os quais se funda o ato de lançamento, o embargante estará tornando clara a invalidade desse mesmo ato, por vício em sua fundamentação.
3.1.3. MATÉRIAS “VEDADAS” AOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL Dispõe o art. 16, § 3º, da Lei nº 6.830/80 que “não será admitida reconvenção, nem compensação, e as exceções, salvo a de suspeição, incompetência e impedimentos, serão arguidas como matéria preliminar e serão processadas e julgadas com os embargos”. Merecem exame essas limitações. Quanto à reconvenção, é mesmo lógico que não seja viável, em sede de execução fiscal. Os embargos não são uma “contestação” à execução, mas processo de espécie diferente, através do qual é prestada tutela de conhecimento, e não a tutela executiva. Além disso, a limitação à reconvenção não malfere qualquer direito do executado, que pode, a qualquer tempo, mover ação autônoma, de conhecimento, contra a Fazenda exequente, deduzindo em juízo a mesma pretensão que deduziria na reconvenção cujo manejo é legalmente vedado, sem qualquer prejuízo. Em se tratando de compensação, porém, não é acertada a vedação, que deve ser vista com temperamentos, à luz da Constituição. No momento atual, deve-se considerar que a compensação é amplamente autorizada por lei (o que não ocorria em 1980), não fazendo sentido algum vedar sua arguição em sede de embargos. Não há amparo jurídico, nem moral, para que o ente público, reconhecidamente devedor, postergue o adimplemento de suas dívidas e, paralelamente, exija coercitivamente os valores que esse mesmo credor lhe deve.
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Do mesmo modo, não há como se alegar que o crédito o qual o executado afirma possuir pode não existir, ou não ser suficiente para extinguir por compensação toda a quantia executada: essas questões são “de mérito” e devem ser discutidas no âmbito dos embargos à execução. O que não é possível é afastar – sem exame – toda e qualquer questão relacionada à compensação, apenas porque o art. 16, § 3º, da LEF o determina.
3.2. MANDADO DE SEGURANÇA 3.2.1. NOÇÕES GERAIS Dispõe o art. 5º, LXIX, da CF/88 que: [...] conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus, ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Observe-se que todo direito cuja lesão ou ameaça pode ser submetida ao Judiciário através de um mandado de segurança pode, por igual, ser tutelado através de outros instrumentos processuais, notadamente por uma ação de conhecimento, de rito ordinário, no âmbito da qual pode ser formulado um pedido de antecipação dos efeitos da tutela. Existem, porém, alguns dados que devem ser ponderados por quem vai a juízo, antes de escolher por um desses instrumentos. O mandado de segurança tem rito mais célere e simples, mas, precisamente por isso, em seu âmbito não pode haver dilação probatória. Outro ponto a ser considerado é o de que, no mandado de segurança, não há condenação da parte vencida no pagamento de honorários de sucumbência27, o que pode recomendar o emprego desse instrumento para evitar que uma disputa em torno de valores elevados culmine com o agravamento destes em até 20%.
3.2.2. DIREITO LÍQUIDO
E CERTO
Muita incompreensão cercou o conceito de “direito líquido e certo”, para fins de concessão de mandado de segurança, gerando equívocos que infelizmente ainda hoje se fazem ecoar. O principal problema é a sua associação a uma “certeza”, sem que se esclareça sobre o que deve haver certeza. Fala-se apenas de direito “de fácil demonstração”, ou “incontestável”. Diante disso, certos magistrados
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Súmula 512 do STF, confirmada, após a CF/88, pela Súmula nº 105 do STJ.
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chegam ao cúmulo de afirmar que, se a inicial do mandado de segurança tem mais que um determinado número de páginas, ou se é “muito complicado”28 o assunto nela discutido, o direito postulado não é líquido e certo. Ora, deve-se observar que a liquidez e a certeza do direito a ser tutelado através de mandado de segurança estão diretamente relacionadas à simplicidade do procedimento deste, que o diferencia de um processo de conhecimento, de rito ordinário, no âmbito do qual, em tese, qualquer direito subjetivo pode ser tutelado. Essas simplicidade e celeridade não são obtidas limitando o conhecimento do juiz apenas a matérias “simples”, de interpretação “não controvertida”, mas sim limitando a investigação, realizada no âmbito do processo, quanto à ocorrência de fatos sobre os quais as partes divergem. É a instrução probatória, a realização de perícias, a ouvida de testemunhas etc., que faz demorado um processo de conhecimento comum, de rito ordinário, e não um maior esforço do juiz para interpretar esse ou aquele dispositivo de lei. Disso se concluir que a liquidez e a certeza de um direito, para fins de mandado de segurança, estão relacionadas ao componente factual, ou à inexistência de controvérsia quanto aos fatos que lhe servem de suporte. Pode-se discutir, até não mais poder, a interpretação das normas (Súmula nº 625, do STF), mas não pode haver divergência quanto à ocorrência dos fatos necessários à incidência dessas normas. Há muito, aliás, o Supremo Tribunal Federal consignou que direito líquido e certo é aquele que “resulta de fato certo, e fato certo é aquele capaz de ser comprovado de plano, por documento inequívoco”29.
3.2.3. CABIMENTO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA Diante do que foi explicado no item anterior, conclui-se que o mandado de segurança pode ser utilizado, no âmbito tributário, sempre que o reconhecimento da invalidade do ato administrativo impugnado independer de solução de controvérsia factual. Com ele pode-se: impugnar um lançamento (por vícios formais ou materiais); afastar óbices indevidamente oferecidos à efetivação de uma compensação (Súmula 213 do STJ); impugnar ato de cancelamento ou suspensão de imunidade ou isenção tributária (por ofensa, por exemplo, ao princípio do devido processo legal); coibir o ato ilegal e abusivo
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Pontes de Miranda, após registrar que a liquidez e a certeza dizem respeito ao suporte fático do qual decorre o direito subjetivo reclamado em juízo, e não à norma discutida, esclarece que a dúvida ou a incerteza quanto ao sentido da norma é irrelevante, por ser meramente subjetiva, decorrendo de “simples insuficiência do juiz” (Pontes de Miranda. Comentários à Constituição de 1967, com a emenda nº 1 de 1969, 2ª ed. São Paulo: RT, 1971, tomo V, p. 362). RTJ 83/130.
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de negar o fornecimento de certidões negativas de débito ou certidões positivas com efeito de negativa etc. O mandado de segurança pode ser utilizado, ainda, não propriamente para impugnar de modo direto o ato de lançamento, mas para discutir aspectos do processo administrativo de controle de sua legalidade, por exemplo, para afastar a exigência de um “depósito recursal” e obter o julgamento de um recurso administrativo.
3.2.3.1. MANDADO DE SEGURANÇA E COMPENSAÇÃO O mandado de segurança pode ser usado, também, para afastar óbices indevidamente colocados pela autoridade administrativa ao exercício do direito à compensação. Isso acontece desde que, naturalmente, a demonstração da ilegalidade dos tais óbices não dependa da solução de controvérsia quanto à ocorrência de fatos. Registre-se que, para que seja cabível o mandado de segurança, o contribuinte não deve pedir que seja “efetivada” a compensação, com a extinção de um crédito tributário no valor de “X”. O contribuinte deve pedir para que seja declarado o seu direito de efetuar a compensação, afastando-se o óbice apontado pela autoridade. Caso a autoridade tenha negado a compensação por considerar que o tributo “A” – conquanto realmente indevido – não pode ser compensado com o tributo “B”, por exemplo, a impetração terá por finalidade apenas ver reconhecida essa possibilidade, com a determinação de que a autoridade acate a compensação do tributo “A” com o tributo “B”. No mandado de segurança, não será discutido quanto de tributo “A” foi pago indevidamente, o que será apurado pelo próprio contribuinte, por sua conta e risco, e submetido à homologação da autoridade competente. Superadas tais divergências, hoje é pacífica a possibilidade de emprego do mandado de segurança para garantir o direito à compensação, conforme entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça30. Entretanto, e de modo aparentemente contraditório, o Superior Tribunal de Justiça sumulou também que “a compensação de créditos tributários não pode ser deferida por medida liminar” (Súmula nº 212/STJ), entendimento que depois foi positivado no art. 170-A do CTN, que assevera ser “vedada a compensação mediante aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial”.
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Súmula 213/STJ.
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O referido art. 170-A do CTN deve ser visto com as devidas cautelas, não apenas porque pode implicar restrição desproporcional ao princípio que assegura a utilidade da prestação jurisdicional, mas também porque seus termos não são tão abrangentes quanto têm parecido a algumas decisões judiciais que o aplicam. Com o advento da Lei 12.016/2009, essa orientação foi ratificada, dispondo o seu art. 7º, § 2º, que não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação tributária. Resta saber como o STJ, que em alguns arestos já havia estabelecido exceções à aplicação do art. 170-A do CTN, entenderá a restrição contida na nova lei. É importante perceber que, por meio de uma liminar, o juiz a rigor não procede à compensação, mas apenas determina – desde que presentes os requisitos – a suspensão da exigibilidade do crédito tributário que poderá, após o trânsito em julgado da sentença concessiva da segurança, ser objeto da compensação no âmbito administrativo. Como o STJ já havia decidido, são “impertinentes, por não se tratar de deferimento de compensação, mas de mera suspensão da exigibilidade do crédito, as alegações relativas à inaplicabilidade ao caso concreto do que dispõe a Súmula 212/STJ – ‘a compensação de créditos tributários não pode ser deferida por medida liminar’, bem como à vedação introduzida pela Lei Complementar 104/ 2001 – ‘é vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial’.” (STJ, REsp 575.867/CE, DJ de 25.2.2004, p. 121)
3.2.4. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO De acordo com o inciso LXX do art. 5º da CF/88, o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; ou por b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados. Trata-se de instrumento de defesa dos mesmos direitos que, em tese, poderiam ser tutelados em um mandado de segurança individual31, mas que pode ser manejado, por substituição processual, por pessoa distinta do titular do direito correspondente, legitimada a fazê-lo por disposição expressa da Constituição.
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Diferente, portanto, de uma ação civil pública, conforme ser visto na parte final deste capítulo.
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Advirta-se que o mandado de segurança coletivo não se confunde com as ações de controle concentrado de constitucionalidade. Nele não se busca restabelecer a integridade da ordem jurídica no plano hipotético (geral e abstrato, como preferem alguns). Não. Busca-se a tutela de direitos subjetivos, da mesma maneira que ocorre em mandado de segurança individual, ou em qualquer outra ação na qual se busca o autêntico exercício da jurisdição. Deve a impetrante, por isso mesmo, demonstrar a ocorrência, ou a ameaça, da lesão ao direito daqueles que substitui processualmente. A propósito, como se trata de substituição processual, e não de “representação”, não é necessária procuração dos associados ao impetrante do mandado de segurança coletivo. Tal representação seria necessária se não existisse a figura do mandado de segurança coletivo, e exigi-la implica negar vigência à norma do inciso LXX do art. 5º da CF/88. Nesse sentido, aliás, sedimentouse a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal32. Nos termos do art. 21 da Lei 12.016/2009, o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial. Em nítido amesquinhamento do poder do magistrado de tornar efetiva a tutela jurisdicional coletiva, o § 2º do art. 22 da Lei 12.016 dispõe que, no mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas. Proíbe-se, com isso, a concessão da medida sem a ouvida da parte contrária, o que pode impactar a norma constitucional na qual se funda esse instrumento, sobretudo nos casos em que essa concessão imediata seja condição indispensável para a eficácia da prestação jurisdicional. A concessão ou não da liminar inaudita altera pars deveria ficar a critério do juiz, à luz das peculiaridades do caso, e não ser cerceada de forma geral, abstrata e incondicionada pelo próprio legislador.
32
STF. Mandado de Segurança nº 22132/RJ. Fonte DJU de 18/11/1996, p. 39.848. Relator Min. Carlos Veloso. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Decisão de 21/08/1996.
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3.2.5. IMPETRAÇÃO PREVENTIVA E MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA “LEI EM TESE” Como se sabe, o mandado de segurança pode ser impetrado também de forma preventiva. Nessa modalidade, o impetrante, tendo justo receio de que seu direito líquido e certo seja violado, pede ao Juiz que determine à autoridade coatora que não pratique a lesão que se receia ver concretizada. Essa sua função preventiva, que deveria ser prestigiada, foi durante muito tempo amesquinhada em matéria tributária com a exigência de que o impetrante fizesse sempre e necessariamente a “prova da ameaça”. Sem essa prova, considerava-se que o impetrante estava questionando a “lei em tese”, com a extinção do mandado de segurança. Na verdade, não apenas o mandado de segurança, mas nenhum tipo de ação, na qual se exerça autêntica jurisdição, comporta questionamento da lei – ou de qualquer outro ato normativo – em tese. É essa, aliás, a diferença entre as ações nas quais é exercida a jurisdição e os instrumentos de controle concentrado de constitucionalidade. No mandado de segurança preventivo, porém, não se questiona a lei em tese. Em mandado de segurança no qual se demonstra a inconstitucionalidade de uma lei que cria determinado tributo e se pretende afastar o ato ilegal e abusivo da autoridade que irá executar essa mesma lei, não se questiona a validade da lei em tese, mas, sim, a sua aplicação pela autoridade, que exerce atividade plenamente vinculada. Basta, portanto, que o impetrante comprove a ocorrência dos fatos que autorizam a aplicação da lei para restar demonstrado o seu justo receio de que essa aplicação aconteça33. Essas conclusões não são pertinentes apenas no questionamento de tributos fundados em leis inconstitucionais, ainda não lançados, mas também na impugnação preventiva de toda e qualquer exigência que se considere ilegal e abusiva, mas que tenha fundamento (inválido) em lei, decreto, ou qualquer outro ato normativo, a exemplo do cumprimento de determinadas obrigações acessórias. Ocorrido o fato em face do qual, fundada na norma que se considera inválida, a autoridade poderá praticar a lesão, a impetração preventiva está justificada. Entretanto, se a impetração preventiva não se deve ao receio de que seja cumprida lei inconstitucional, ou decreto ilegal, mas, sim, à prática de um ato ilegal que não encontra amparo em qualquer diploma normativo
33
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RSTJ 148/91, Apud Theotonio Negrão e José Roberto Ferreira Gouveia. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 35ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 1667.
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pré-existente, a prova da ocorrência de fatos que possam ser objetivamente considerados uma “ameaça” é necessária. De qualquer modo, feita ou não a prova da ameaça, “se, nas suas informações, a autoridade impetrada contestou o mérito da impetração, caracterizada se acha a ameaça da prática do ato malsinado na referida ação”34.
3.2.6. O PRAZO DE 120 DIAS Nos termos do art. 23 da Lei nº 12.016/2009, o direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado. Trata-se de prazo extintivo, não do direito material (que pode ser reclamado em ação de conhecimento, de rito ordinário), mas do direito ao uso desse específico remédio jurídico processual. Discutiu-se a constitucionalidade da citada norma, quando ainda contida no art. 18 da Lei nº 1.533/51, que não seria válida por implicar restrição a uma garantia fundamental. Não nos parece, porém, que haja qualquer inconstitucionalidade no citado prazo. Do contrário, seriam inconstitucionais também os prazos de prescrição, por ofensa à garantia de amplo acesso à jurisdição, bem como a figura da ação rescisória, que violaria a garantia da proteção à coisa julgada, apenas para citar dois exemplos no âmbito processual. Hoje, a propósito, a validade do citado prazo de 120 dias é absolutamente pacífica nos Tribunais, sendo objeto inclusive de Súmula do Supremo Tribunal Federal35. O que se deve perquirir não é se pode, ou não, existir um prazo. Deve-se ponderar, isso sim, se o prazo fixado é, ou não, razoável, parecendonos plenamente razoáveis os 120 dias atualmente estabelecidos. O prazo de 120 dias tem como termo inicial a data na qual os interessados – que são as pessoas por ele atingidas – tomam conhecimento de sua existência e de seu teor36. Para fins de cumprimento desse prazo, a jurisprudência tem entendido, a nosso ver com inteira razão, que relevante é a data do protocolo da petição inicial, ainda que perante juízo incompetente37.
34 35 36
37
STJ – 2ª Turma – REsp 20.307-0-CE, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 22.09.1993, v.u., DJU 11.10.1993, p. 21.305. Súmula nº 632 do STF: “É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança”. “O prazo para atacar o ato administrativo começa a correr a partir da ciência, pelo interessado, do ato impugnado. Desarrazoado é exigir que os cidadãos devam ler diariamente o diário oficial para não serem desavisadamente afetados nos seus direitos”. (STJ, 2ª T – RESP 24.046RJ – Rel. Min. Adhemar Maciel, j. 4.9.98, v.u., DJ 8.3.99). RTJ 138/110.
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Naturalmente, em se tratando de impetração preventiva, não se há de cogitar de prazo de decadência, pois “a lesão temida está sempre presente, em um renovar constante”38.
3.2.7. MEDIDA LIMINAR Conforme o inciso III do art. 7º da Lei nº 12.016/2009, o juiz ordenará, ao despachar a petição inicial, “que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando for relevante o fundamento e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida”. É a chamada “medida liminar”, assim conhecida porque se trata de provimento judicial expedido “logo no início do processo, com ou sem a audiência da parte contrária”39. Através de provimento liminar, portanto, o juiz pode determinar a suspensão do ato impugnado. Obviamente, nas hipóteses em que o mandado de segurança for impetrado contra omissão da autoridade coatora, o provimento liminar determinará a prática do ato cuja ausência lesa direito líquido e certo do impetrante. E, em se tratando de mandado de segurança preventivo, determinará à autoridade que se abstenha de praticar o ato receado. Isso, naturalmente, quando estiverem presentes os requisitos respectivos, quais sejam, a relevância do fundamento e a possibilidade de ineficácia da medida, também conhecidas como fumaça do bom direito, ou fumus boni juris, bem como o perigo da demora, ou periculum in mora. Deve-se lembrar, primeiro, que a liminar é medida destinada a assegurar a eficácia da sentença que, posterior e eventualmente, venha a conceder a segurança. A possibilidade de o impetrante sofrer “danos irreparáveis”, por isso mesmo, deve ser avaliada à luz da sentença do mandado de segurança, e não em face de possíveis reparações a serem obtidas através de outras ações. Danos irreparáveis são todos aqueles danos que a sentença do mandado de segurança não seja capaz, ela própria, de corrigir. É absurdo, por isso, dizer que não há perigo da demora a justificar a concessão de medida liminar em mandado de segurança impetrado contra exigência de determinado tributo, por exemplo, sob a justificativa de que o impetrante poderia, depois, obter a restituição deste. O simples fato de se fazer necessária outra ação para reparar o dano sofrido mostra que o mandado de segurança, em face do pagamento
38 39
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STJ – 1ª T – RESP 46.174-o-RS – Rel. Min. Cesar Rocha – j. 23.05.1994, v.u., DJU 20.06.1994, p. 16.062. Hugo de Brito Machado. Mandado de Segurança em Matéria Tributária, 5ª ed. São Paulo: Dialética, 2003, p. 113.
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do tributo nele questionado, torna-se carente de sentido40. Por outro lado, caso o tributo, não obstante exigível, não seja pago, o impetrante é submetido a uma série de gravames, decorrentes da mora, os quais lhe causam danos também irreparáveis pela sentença concessiva do writ. Há, por isso mesmo, sério risco de “ineficácia da medida” caso seja mantida a exigibilidade de tributo discutido em sede de mandado de segurança. O julgador deve considerar também, no exame dos requisitos constitucionais, se há risco de irreversibilidade da medida ou o chamado “perigo da demora inverso”. Nesse caso, como a liminar pode, de fato, tornarse definitiva e esvaziar a utilidade dos atos processuais subsequentes, o juiz não deve, em princípio, deferi-la. Entretanto, em casos extremos, nos quais há risco de danos irreparáveis, e de irreversibilidade, de ambos os lados, o juiz pode deferir a medida em face da prestação de uma contracautela por parte do impetrante, ou concedê-la mesmo sem essa contracautela, ainda que irreversível, caso a fumaça do bom direito seja eloquente. Eventualmente acontece de o magistrado, diante de um pedido de medida liminar que suspenda a exigibilidade do crédito tributário cuja exigência é questionada no writ, afirmar que concede a liminar caso o impetrante deposite judicialmente o montante integral do crédito tributário. Trata-se, porém, de violação ao art. 151 do CTN, que prevê a liminar como causa suficiente e autônoma para a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ao lado, e independentemente, do depósito. Se a parte efetua o depósito, a liminar é desnecessária, pois a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, e todas as suas consequências, são obtidas com o próprio depósito. O que deve fazer o juiz é examinar se estão presentes os requisitos legais, a fim de deferir, ou indeferir, o pedido liminar. Caso indefira a liminar, em despacho devidamente fundamentado, será uma escolha da parte tentar obter a reforma do despacho em segunda instância, em sede de agravo de instrumento, ou efetuar o depósito da quantia controvertida. Não pode a falta do depósito, porém, servir de “fundamento” para o indeferimento da liminar. O que pode ocorrer é de, a depender do conteúdo do provimento urgente requerido, surgir no juiz o receio da irreversibilidade. Nesses casos, para superar essa possível irreversibilidade, também conhecida como “perigo da demora
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Some-se a isso o fato de que a repetição do indébito somente ocorre através de precatórios, parceláveis, quem sabe, em até dez anos. Mesmo que a restituição fosse célere, contudo, o simples fato de fazer-se necessária uma outra ação para consegui-la demonstra a ineficácia da sentença que vier a conceder a segurança.
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inverso”, e havendo também perigo da demora em face do direito do impetrante, o depósito, ou uma outra espécie de contracautela, pode ser exigido. É a essa possibilidade de exigência de contra-cautela que o art. 7º, III, da Lei 12.016/ 2009 se refere, quando afirma que é facultado exigir do impetrante uma caução. Tal exigência há de ser excepcional, não sendo demais lembrar que, a teor do art. 151 do CTN, no caso de liminar destinada apenas a suspender a exigibilidade do crédito tributário impugnado através do writ, que a liminar e o depósito são causas autônomas e independentes que justificam essa suspensão. Em verdade, se a parte efetua o depósito, a liminar é desnecessária, pois a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, e todas as suas conseqüências, são obtidas com o próprio depósito. O que deve fazer o juiz é examinar se estão presentes os requisitos legais, a fim de deferir, ou indeferir, o pedido liminar. Caso indefira a liminar, em despacho devidamente fundamentado, será uma escolha da parte tentar obter a reforma do despacho em segunda instância, em sede de agravo de instrumento, ou efetuar o depósito da quantia controvertida. Não pode a falta do depósito, porém, servir de “fundamento” para o indeferimento da liminar41.
3.2.7.1. AGRAVO DE INSTRUMENTO,
EFEITO SUSPENSIVO E ANTECIPAÇÃO
DOS EFEITOS DA TUTELA RECURSAL
Em face do despacho que defere, ou indefere, o pedido de medida liminar, pode ser interposto agravo de instrumento, nos termos do art. 522 do Código de Processo Civil, no prazo de dez dias42. Como o agravo é dirigido à corte que exerce o segundo grau de jurisdição, mas não leva a essa mesma corte os autos correspondentes (que continuam seu trâmite perante o juiz de primeiro grau), deve ser formado um “instrumento”, ou seja, autos apartados com cópia das principais peças dos autos principais. Tudo para que o Tribunal possa efetivamente conhecer as circunstâncias do problema que lhe é submetido, avaliando o acerto, ou desacerto, do despacho agravado, sem prejuízo da continuidade do trâmite processual em primeira instância. O agravo, como todo recurso, tem efeito devolutivo, o que significa que submete ao tribunal a matéria apreciada na decisão agravada. A ele pode ser,
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Para um exame do problema, especialmente focado nos princípios constitucionais envolvidos, confira-se também: James Marins, “Incondicionalidade a depósito da liminar no mandado de segurança em matéria tributária (Enfoque constitucional)”, em Repertório de jurisprudência e doutrina sobre Processo Tributário, coord. Teresa Arruda Alvim, James Marins e Eduardo Arruda Alvim, São Paulo: RT, 1994, p. 161. Esse prazo é de 20 dias para a Fazenda Pública, em face do disposto no art. 188 do CPC.
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também, atribuído efeito suspensivo, em face do qual são suspensos os efeitos da decisão agravada até que seja julgado o recurso. Pode, também, haver a antecipação dos efeitos da tutela recursal, com a concessão, pelo relator, da liminar denegada em primeira instância até que o órgão colegiado aprecie definitivamente o recurso. Da decisão do relator, que defere ou indefere a liminar no agravo, poderse-ia manejar agravo regimental. Entretanto, a atual redação do art. 527, parágrafo único, do CPC (dada pela Lei 11.187/2005) determina que a decisão do relator de converter o agravo de instrumento em agravo retido, ou de deferir a liminar pleiteada, somente poderá ser reapreciada quando julgamento do agravo, salvo se o relator a reconsiderar. Afasta-se, com isso, a possibilidade de manejo de agravo regimental, nesses dois casos43. Segue-se a ideologia – absolutamente falsa – de que o problema da lentidão do Judiciário está na possibilidade de se recorrer de suas decisões. Assim, por conta da citada lei, a regra é a de que o agravo será interposto na forma retida. Só em casos excepcionais, como quando estiver presente o risco de a decisão agravada causar grave lesão à parte, de impossível ou difícil reparação, o agravo será interposto na modalidade “de instrumento”. No âmbito do mandado de segurança, até por conta dos requisitos inerentes ao deferimento de uma medida liminar, essa alteração não deveria ter grandes efeitos, pois, invariavelmente, uma decisão que denegar uma liminar, quando presentes os requisitos para sua concessão, ou conceder uma liminar, quando ausentes esses requisitos, enquadrar-se-á na exceção legal e continuará suscetível à interposição de agravo de instrumento.
3.2.8. O
PEDIDO DE SUSPENSÃO DE LIMINAR, E DE SUSPENSÃO
DE SEGURANÇA
Caso a decisão proferida em mandado de segurança, deferindo medida liminar ou concedendo a segurança, cause grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, a parte prejudicada44 pode requerer ao Presidente do Tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso,
43
44
O agravo regimental continua possível diante de decisões do relator que não sejam simplesmente concessivas ou denegatórias da liminar pleiteada, como é o caso, por exemplo, da decisão que rejeita o agravo, por manifestamente improcedente. Conquanto a lei se reporte a “pessoa jurídica de Direito Público” (art. 4º da Lei nº 4.348/64), a suspensão de segurança, ou de liminar, pode ser manejada também por pessoa jurídica de Direito Privado, a exemplo de concessionárias de serviços públicos, quando forem objeto da impetração atos de seus representantes (cf. Hugo de Brito Machado. Mandado de Segurança em Matéria Tributária, 5ª ed. São Paulo: Dialética, 2003, p. 131).
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que suspenda, em despacho fundamentado, a sua execução. É a chamada “suspensão de liminar”, ou “suspensão de segurança”, conforme, naturalmente, seja manejada contra a liminar ou contra a sentença concessiva da segurança. Como os requisitos legais para o pedido de suspensão não dizem respeito, literalmente, ao mérito da controvérsia, ou seja, não dizem respeito ao direito invocado pela parte, tampouco à possibilidade de ineficácia da sentença, há quem sustente que se trata de decisão de cunho exclusivamente político e que, por isso mesmo, pode ser concedida ainda que o direito do impetrante seja evidente. Não é bem assim, contudo. Seria inconcebível que um cidadão, tendo efetivamente lesado um direito líquido e certo, e correndo esse direito risco de total fenecimento, não se pudesse valer de uma efetiva prestação jurisdicional apenas porque isso poderia ensejar lesão à “ordem pública”, por exemplo. O Supremo Tribunal Federal, efetuando uma interpretação da Lei nº 4.348/64 conforme a Constituição de 1988, decidiu, já em 1996, que a suspensão de liminar, ou de segurança, tem natureza cautelar. Sua finalidade é assegurar a eficácia do recurso interposto, ou que venha a ser interposto, contra a decisão de cuja suspensão se cogita. Assim, o perigo de lesão à ordem, à segurança etc. públicas é apenas um dos requisitos ao seu deferimento, equiparável ao “perigo da demora” necessário à concessão de medidas cautelares em geral. É indispensável, para que seja deferida a suspensão de segurança, ou de liminar, que também haja uma fundamentação jurídica relevante. Em outras palavras, é preciso que, no mérito, a decisão a ser suspensa seja considerada, pelo menos em um juízo provisório, como juridicamente desacertada45. É lamentável que, em período de plena democracia, a figura da suspensão tenha sido consolidada na própria lei do mandado de segurança (Lei 12.016/2009), em termos até mais autoritários que os originalmente previstos na Lei 4.348/64. Para que a suspensão seja deferida, portanto, a decisão há de estar aparentemente equivocada, quanto ao mérito, e ainda causar uma das lesões referidas no art. 15 da Lei 12.016/2009. Obviamente, não basta que a decisão desagrade aos interesses da entidade pública correspondente, sendo necessário que efetivamente cause uma das lesões legalmente referidas como requisitos para a suspensão, que devem ser devidamente demonstradas. Caso não haja tal risco de lesão, serão cabíveis apenas os recursos que seriam “acautelados” pela suspensão de segurança, ou de liminar, como a apelação, ou o agravo de instrumento, conforme o caso.
45
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Cf. Hugo de Brito Machado. Mandado de Segurança em Matéria Tributária, 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 132 e seguintes.
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3.3. AÇÃO ANULATÓRIA DE LANÇAMENTO 3.3.1. NOÇÃO A chamada “ação anulatória” é uma ação de conhecimento, de rito ordinário, movida com o propósito de se obter uma tutela jurisdicional que implique o desfazimento do ato administrativo de lançamento por conta de nulidade nele verificada. Essa nulidade pode dizer respeito a questões substanciais (inexistência da obrigação tributária) ou formais (incompetência da autoridade lançadora, vícios no procedimento ou no processo administrativos etc.), e sua demonstração pode envolver não apenas controvérsia quanto à interpretação de normas e ao significado jurídico de fatos, mas também divergência quanto à própria ocorrência dos fatos sobre os quais se funda a pretensão do autor, com ampla dilação probatória. Exatamente porque comporta ampla dilação probatória, a ação de conhecimento, de rito ordinário, é instrumento mais amplo que o mandado de segurança para a discussão da validade do crédito tributário. Na ação anulatória, portanto, podem ser discutidos os mesmos lançamentos que seriam judicialmente impugnáveis em sede de mandado de segurança, além de outros que demandem dilação probatória, ou se tenham consumado há mais de 120 dias. Como há condenação do vencido no pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, e pagamento de custas mais elevadas (especialmente nas Justiças dos Estados-membros), a ação anulatória pode tornar mais onerosa a discussão judicial do crédito tributário, ponto que também deve ser levado em consideração quando de sua escolha pelo contribuinte.
3.3.2. ANULATÓRIA
E DEPÓSITO JUDICIAL
Para suspender a exigibilidade do crédito tributário cujo lançamento se pretende anular, o autor da ação pode requerer antecipação parcial dos efeitos da tutela jurisdicional, nos termos do art. 273 do CPC e do art. 151, VI, do CTN, demonstrando a presença dos requisitos a tanto necessários. O mesmo resultado pode ser alcançado através do depósito do montante integral do crédito tributário (CTN, art. 151, II). O depósito, convém insistir, é uma alternativa. É absurda a postura de alguns juízes de “condicionar” o deferimento de tutelas de urgência suspensivas da exigibilidade do crédito ao depósito de seu montante integral, pois o depósito, nesses casos, torna a liminar inteiramente desnecessária. Ressalte-se, a propósito do depósito de que cuida o art. 151, II, do CTN, que montante integral é quantia exigida pelo Fisco (e que se questiona na
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ação), e não da quantia que o contribuinte eventualmente considera devida. Embora nos estejamos reportando ao depósito aqui, em item destinado à ação anulatória, o depósito em princípio pode ser feito em qualquer tipo de procedimento, sendo direito do contribuinte cujo exercício independe de autorização judicial ou administrativa. Para a feitura do depósito, não é preciso propor ação cautelar46 (como já se sustentou), nem requerer “autorização” ao Juiz. Basta comunicar ao juiz a sua feitura, nos autos da própria anulatória, pedindo a cientificação da parte ré para que respeito os efeitos suspensivos que lhe são próprios. O mesmo procedimento pode ser adotado no âmbito do mandado de segurança utilizado para impugnar a validade de lançamento tributário. Trata-se, aliás, de posicionamento hoje pacífico na jurisprudência47, que, após alguma divergência, acolheu a tese que há muito vinha sendo defendida pela doutrina. O depósito é uma faculdade do contribuinte que pretender a suspensão da exigibilidade do crédito tributário discutido em juízo. Não é uma imposição ao exercício do direito de ação, constitucionalmente assegurado, devendo o art. 38 da Lei de Execuções Fiscais – que determina a feitura de depósito do montante integral do crédito tributário no âmbito da ação anulatória – ser interpretado conforme a Constituição. Seu correto sentido é o de que, não sendo feito o depósito (e não sendo concedida uma tutela de urgência nos termos do art. 273 do CPC e do art. 151, V, do CTN), a anulatória não implica, por si só, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, podendo a Fazenda Pública executá-lo.
3.3.3. OUTRAS ESPÉCIES DE AÇÃO ANULATÓRIA A ação que dá origem a um processo de conhecimento, de rito ordinário, destinada a obter a desconstituição de um ato administrativo, pode ter muitos outros usos que não apenas a impugnação judicial de um ato de lançamento. Através dela podem ser impugnados outros atos administrativos, tais como atos de suspensão de imunidade, de revogação de uma isenção condicionada, de indeferimento ou rescisão de um parcelamento etc. Quando o ato impugnado, conquanto não seja um lançamento, puder implicar a ulterior exigência de tributos – já lançados (v.g. rescisão de
46 47
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Ac un da 1ª T do STJ – rel. Humberto Gomes de Barros – MC 636/SP – DJU I 15.9.97, p. 44285/ 6 - RDDT 29/111. Ac un da 1ª S do STJ – rel. Hélio Mosimann – ED no RESP nº 40.668-DF – DJU I de 19.10.1998, p. 5 – RDDT 40/190.
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parcelamento) ou a serem ainda lançados (v.g. suspensão de imunidade) –, é possível requerer a antecipação parcial dos efeitos da tutela, nos termos do art. 274 do CPC, para suspender os efeitos desse ato até o julgamento da questão. A inicial, o procedimento, enfim, todos os demais aspectos dessas outras espécies de anulatória são semelhantes aos da que tem por finalidade anular um lançamento tributário, e da qual tratamos nos itens acima.
3.4. AÇÃO DECLARATÓRIA 3.4.1. CONCEITO A ação declaratória é aquela na qual o autor busca a manifestação do Poder Judiciário a respeito da existência, do modo de ser, ou da inexistência, de uma relação jurídica, ou acerca da autenticidade ou da falsidade de um documento (art. 4º do CPC), a fim de superar um estado de incerteza, de insegurança. A sentença, nesse caso, simplesmente declara, sem condenar, nem constituir ou desconstituir48. Note-se que as ações de conhecimento, de uma maneira geral, ensejam a prolação de sentenças com conteúdo declaratório. A sentença que anula um lançamento tributário por vício material, por exemplo, invariavelmente declara a inexistência da relação jurídica tributária nele acertada. Nesse caso, entretanto, sabendo-se que o que transita em julgado é o dispositivo da sentença, e não os seus fundamentos, o contribuinte não estaria livre de ver contra si efetuados outros lançamentos semelhantes, no futuro. A peculiaridade da ação declaratória reside precisamente no fato de que, nela, o que se pede é precisamente a declaração, que será veiculada no dispositivo da sentença. A coisa julgada, portanto, vincula as partes no tocante à relação jurídica declarada, mesmo em relação aos períodos futuros, naturalmente enquanto subsistir o mesmo contexto fático/normativo. Vale lembrar da possibilidade, de resto presente em qualquer ação de conhecimento, de serem cumulados pedidos de prestação de tutela jurisdicional de espécies distintas. É possível pedir-se, em uma mesma ação, por exemplo: a) a declaração da existência, da forma, ou inexistência, de uma relação jurídica; e, como consequência, b) a desconstituição de um ato administrativo de lançamento discrepante da relação cuja declaração se almeja; e c) a condenação
48
Pontes de Miranda. Tratado das ações, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Campinas: Bookseller, 1998, tomo I, p. 132.
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do ente público correspondente na restituição de quantias eventualmente já pagas a esse título.
3.4.2. CABIMENTO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA Poder-se-ia suscitar dúvida a respeito do cabimento da ação declaratória, em matéria tributária, em face do art. 38 da Lei de Execuções Fiscais. Isso porque o citado dispositivo alude, como instrumentos aptos à discussão judicial do crédito tributário, apenas à execução (a rigor, aos embargos do executado), ao mandado de segurança, à ação anulatória acompanhada do depósito, e à ação de restituição do indébito. Por óbvio, se o dispositivo fosse visto como um obstáculo ao cabimento da ação declaratória, seria inconstitucional, por representar flagrante e injustificada restrição ao exercício do direito à jurisdição. Não há, contudo, essa restrição, pois, como esclarece Alberto Xavier, fundado na doutrina de Eduardo Bottallo49, a não inclusão da ação declaratória na enumeração contida no art. 38 da Lei 6.830/80 se deve: [...] a puras razões de ordem técnica, uma vez que esta ação não é o instrumento normalmente adequado para discutir a dívida ativa da Fazenda ‘em execução’, mas sim para discutir a existência ou não de relação jurídica tributária que autorize a Fazenda Pública a constituir dívidas ativas contra o contribuinte para efeitos de execução futura.50
Atualmente, o cabimento da ação declaratória em matéria tributária é pacífico.
3.4.2.1. AÇÃO DECLARATÓRIA E DEPÓSITO JUDICIAL A simples pendência de uma ação meramente declaratória não inibe o réu de considerar existente a relação jurídica cuja inexistência o autor pretende ver reconhecida, ou de reputar inexistente a relação jurídica cuja existência se pede que seja declarada. Assim, caso o contribuinte pretenda ver assegurada a inexistência de relação jurídica que o obrigue ao pagamento de determinado tributo, a propositura da ação declaratória não será suficiente para que a Fazenda
49
50
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Eduardo Bottallo, Execução fiscal, ação declaratória e repetição do indébito, RDT 50 (1989), p. 166, Apud Alberto Xavier, Do Lançamento, Teoria Geral do Ato, do Procedimento e do Processo Tributário, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 360. Alberto Xavier, Do Lançamento, Teoria Geral do Ato, do Procedimento e do Processo Tributário, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 360.
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Pública não exija o crédito tributário relativo a esse tributo. Será necessário provocar a incidência do art. 151 do Código Tributário Nacional51, pleiteando a concessão de um provimento jurisdicional de urgência ou procedendo-se ao depósito do montante integral do crédito tributário. Naturalmente, em se tratando de ação meramente declaratória, ou declaratória verdadeiramente “pura”, o depósito a rigor não é pertinente, pois não se discute a específica apuração que culminou com o estabelecimento da quantia depositada. Tanto é assim que, caso a Fazenda Pública, apesar do depósito, venha a fazer um “lançamento para prevenir a decadência”, a sentença não será capaz de desconstituir esse lançamento. Apesar disso, não é o caso de “proibir” a feitura do depósito, no âmbito das ações declaratórias em matéria tributária, mas, sim, o de vislumbrar em tais ações, em virtude do depósito, também um efeito cominatório. Não são puras, pois se pede a condenação da Fazenda Pública em uma obrigação de fazer, não fazer, ou tolerar, relativamente à relação jurídica a ser declarada. Esclareça-se, ainda, que, com o trânsito em julgado da sentença a qual julgar procedentes os pedidos do autor da ação declaratória, o depósito deve ser levantado por este. Diante da procedência dos pedidos, não é possível manter o depósito à disposição do juízo, ou convertê-lo em renda em favor do ente público respectivo, nem mesmo sob o argumento de que existem “outros débitos” lançados contra o mesmo contribuinte. Ora, se o depósito suspende a exigibilidade do crédito discutido em juízo, e não de “qualquer” crédito, a declaração de que esse crédito não pode sequer vir a ser constituído libera o depósito efetuado. Sendo os pedidos do autor julgados improcedentes, esse depósito deve ser convertido em renda do ente público respectivo. Essa conversão em renda deve ocorrer mesmo quando não tiver havido o lançamento de ofício das quantias questionadas, não sendo lícito ao contribuinte invocar a consumação da decadência, e a inexistência de um lançamento de ofício relativo às quantias depositadas, para com isso levantá-las mesmo tendo perdido a ação. Não se há de cogitar da consumação da decadência do direito da Fazenda Pública de efetuar esse lançamento, no caso, pois a concordância desta em relação ao depósito efetuado configura o lançamento por homologação do crédito tributário correspondente.
51
Alberto Xavier. Do Lançamento, Teoria Geral do Ato, do Procedimento e do Processo Tributário, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 362.
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3.4.3. EFETIVIDADE DA SENTENÇA MERAMENTE DECLARATÓRIA E A COISA JULGADA
Como já foi dito, a principal distinção entre a ação declaratória “pura”, ou meramente declaratória, e a ação apenas condenatória é que, nesta segunda, a “declaração” é simples fundamento da sentença, não integrando o dispositivo respectivo; na primeira, por sua vez, a declaração integra o próprio dispositivo da decisão, precisamente o seu trecho que se reveste dos efeitos e da autoridade da coisa julgada52. A sentença declaratória, portanto, tem efeitos mais abrangentes no tempo, que envolvem todas as possíveis decorrências da relação jurídica declarada em seu dispositivo. Assim, se um contribuinte se considera isento do IPTU, mas propõe ação de restituição do indébito formulando apenas o pedido de condenação do Município à devolução do que já houver sido pago, a sentença, devidamente executada, obrigará o Município a efetuar a devolução pretendida, mas não o impedirá de, em outro momento, exigir novamente o IPTU relativo a outros períodos. O mesmo pode ser dito caso seja promovida ação pedindo-se apenas a desconstituição de um ato de lançamento. Isso porque a isenção, que enseja a inexistência de relação jurídica que obrigue ao pagamento do imposto, terá sido mero fundamento da decisão, e não parte do dispositivo. Por outro lado, se esse mesmo contribuinte propuser ação com pedido meramente declaratório da inexistência de relação jurídica que obrigue ao pagamento do IPTU, e seus pedidos forem julgados procedentes, o Município não poderá mais exigir o imposto, nem mesmo em outros exercícios; mas somente através de uma outra ação – condenatória – poderá ser compelido a restituir os valores já pagos. Os efeitos da sentença declaratória no tempo, como dito, perduram enquanto perdurar a mesma situação fático/jurídica. Em outras palavras, enquanto as normas jurídicas forem as mesmas, e o fato a elas subsumido for também o mesmo (ou, conquanto posterior, reúna os mesmos elementos daquele considerado pela sentença), os efeitos da ação declaratória subsistem. E é bastante lógico que seja assim, pois o juiz “declarou” uma relação jurídica, que nada mais é que o fruto da incidência de uma norma sobre um fato. Permanecendo a norma, e o fato, o mesmo se pode dizer da incidência da
52
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Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de Direito Processual Civil, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, v. III, pp. 221 e 222.
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primeira sobre o segundo. Por conseguinte, havendo alteração na situação de fato, ou no direito a ela aplicável, os efeitos da sentença declaratória não podem mais ser invocados. Suponha-se que um contribuinte promova ação declaratória de inexistência de relação jurídica que o obrigue ao pagamento do IPTU. Invocando a legislação municipal específica, pede que seja reconhecido o seu direito à isenção de referido imposto, pois é proprietário de apenas um imóvel residencial, no qual vive com a família e cujo valor não ultrapassa a R$ 20.000,00. Constatadas a veracidade das afirmações quanto aos fatos e a previsão legal para a concessão de referido benefício, a ação é julgada procedente e transita em julgado. Nesse caso, o Município não poderá exigir-lhe o IPTU, nem mesmo nos exercícios fiscais subsequentes, pois a sentença tem “efeito normativo no que concerne à existência ou à inexistência de relação jurídica entre as partes”53. Caso, porém, o contribuinte ponha abaixo a sua pequena casa e, no terreno, construa imenso edifício comercial ou adquira outros imóveis, terá havido mudança no contexto fático, e a declaração da “incidência” contida na sentença não mais produz efeitos futuros. O mesmo se pode dizer no caso de mudança no plano normativo (v.g. revogação da lei isentiva).
3.5. AÇÃO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO 3.5.1. O DIREITO À RESTITUIÇÃO A Constituição Federal de 1988 assevera que nenhum tributo será exigido sem lei que o estabeleça. Paralelamente, e de modo bastante detalhado, delimita quais requisitos devem ser preenchidos pela lei que instituir ou majorar tributos. Como consequência disso, conclui-se que o direito à restituição de um tributo pago indevidamente, seja ele decorrente de uma exigência sem amparo legal, seja ele decorrente de exigência inconstitucional, tem fundamento na Constituição. A principal consequência que se pode extrair de tal fundamento constitucional – mas que por vezes é solenemente ignorada pelo Poder Judiciário – é a de que o direito à restituição de tributo pago indevidamente não pode ser suprimido, embaraçado ou impossibilitado pela legislação de inferior hierarquia. Não têm validade dispositivos de lei, seja ordinária ou complementar, que estabeleçam formalidades as quais, absolutamente
53
Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco. Teoria Geral do Processo, 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 304.
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desproporcionais, terminem representando pura e simplesmente um óbice ao exercício do direito à restituição. Note-se, ainda, que, ao preconizar que o direito à restituição independe de prévio protesto, o art. 165 do CTN está a afirmar que o pagamento é indevido e deve ser restituído, independentemente de o sujeito passivo havêlo pago “forçadamente” ou motivado por “erro”. No Direito Tributário, como a obrigação é compulsória, a vontade do sujeito passivo não influi na relação tributária correspondente. Não será a manifestação de vontade do contribuinte que fará o tributo tornar-se indevido, assim como não será essa mesma vontade que “convalidará” um tributo indevido.
3.5.2. REPETIÇÃO
DO INDÉBITO E REPERCUSSÃO
Questão das mais relevantes, no que toca à restituição de tributos pagos indevidamente, diz respeito à norma contida no art. 166 do CTN, que dispõe: Art.166 – A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.
De logo se percebe que o dispositivo se reporta apenas à restituição. Assim, se o contribuinte deixar de pagar o tributo que considera indevido – em vez de pagá-lo para depois pleitear a devolução –, o art. 166 do CTN não se aplica54. Apesar de não se tratar, propriamente, de “restituição”, o STJ entende que o art. 166 do CTN se aplica aos casos de compensação. Considera, para tanto, que “a compensação de crédito tributário é uma forma, ainda que indireta, de restituição de indébito”55. O maior problema, na interpretação do artigo acima transcrito, é a determinação do que vem a ser um tributo que comporte, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro. Isso porque, a rigor, de um ponto de vista econômico, todo tributo comporta transferência do encargo financeiro. Aliás, não apenas todo tributo, mas todo e qualquer ônus suportado no exercício de uma atividade econômica. Na verdade, o art. 166 do CTN se aplica àqueles casos em que o tributo é devido por uma pessoa (contribuinte), mas a responsabilidade pelo seu
54 55
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STJ, 2ª T, REsp 698.611/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 3/5/2005, DJ de 6/6/2005, p. 288. STJ, 2ª T, REsp 472.162/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 9/12/2003, DJ de 9/02/ 2004, p. 157.
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recolhimento é legalmente atribuída a outra (responsável), nos termos do art. 128 do CTN. Para muitos autores, inclusive, só nesses casos (e não nas hipóteses em que há mera repercussão financeira de tributo “indireto”) a limitação poderia ser aplicada56. Com base nesse fundamento, o STJ tem aplicado o art. 166 à restituição e à compensação, quando postuladas por responsáveis tributários57. Além dos casos em que há contribuintes e responsáveis, nos termos do art. 128 do CTN, o STJ aplica o art. 166 também aos chamados tributos “indiretos”: “O art. 166, do CTN, só tem aplicação aos tributos indiretos, isto é, que se incorporam explicitamente aos preços, como é o caso do ICMS, do IPI etc.”58. Entende aquela Corte que no “recolhimento do ICMS ocorre o fenômeno da substituição tributária, a qual significa transferir a responsabilidade, em decorrência de previsão legal, concernente ao recolhimento do tributo. A empresa é responsável pelo imposto pago pelo consumidor”. Com base nesse entendimento, o STJ negou a uma sociedade comercial produtora de laticínios “legitimidade ad causam para pleitear a restituição ou compensação dos valores recolhidos indevidamente, pois a mesma não arcou diretamente com a tributação, restando evidente a transferência do respectivo encargo ao consumidor final”59. A jurisprudência tem repelido a aplicação do art. 166 do CTN aos tributos que classifica como “diretos”. É o caso do adicional estadual do imposto de renda60, das contribuições previdenciárias patronais61 e do ISS devido por sociedades de profissionais liberais, por exemplo62. Aliás, mesmo em relação aos tributos tidos por “indiretos”, o STJ tem limitado a aplicação do art. 166 do CTN às hipóteses de restituição e compensação de pagamentos feitos indevidamente. Quando se trata do aproveitamento de créditos desses impostos, decorrentes da sistemática da não-cumulatividade, o art. 166 não é considerado invocável: É firme a orientação da 1ª Seção do STJ no sentido da desnecessidade de comprovação da não-transferência do ônus financeiro correspondente
56
57 58 59 60 61 62
Nesse sentido, v.g.: José Arthur Lima Gonçalves e Márcio Severo Marques. “Direito à restituição do indébito tributário”. In: Hugo de Brito Machado (coord.). Repetição do Indébito e Compensação no Direito Tributário. São Paulo/Fortaleza: Dialética/ICET, 1999, p. 207; Hugo de Brito Machado Segundo. Processo Tributário. São Paulo: Atlas, 2004, p. 226 e ss. STJ, 2ª T, REsp 608.252/RS, Rel. Min. Castro Meira, j. em 7/3/2006, DJ de 20/3/2006, p. 235. STJ, 1ª T, AGA 452.588/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 5/4/2004, p. 205. STJ, 1ª T, AgRg no Ag 634.587/SP, Rel. Min. Denise Arruda, j. em 19/4/2005, DJ de 9/5/ 2005, p. 305. STJ, 2ª T, REsp 198.508/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 8/3/2005, DJ de 16/5/ 2005, p. 276. STJ, 1ª S, EREsp 187.481/RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 22/9/2004, DJ de 03/11/2004, p. 122. STJ, 2ª T, REsp 724.684/RJ, Rel. Min. Castro Meira, j. em 3/5/2005, v.u., DJ de 1º/7/2005, p. 493.
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ao tributo, nas hipóteses de aproveitamento de créditos de IPI, como decorrência do mecanismo da não-cumulatividade.63
Registre-se, finalmente, que o art. 166 do CTN deve ser visto não como uma regra destinada a impedir a restituição, mas, sim, como uma regra relativa à legitimidade para pleitear a restituição. Repelindo o argumento – contraditório – sempre invocado pela Fazenda Nacional, segundo o qual o “contribuinte de direito” não pode pleitear a restituição por haver “repassado” o ônus do tributo e o “contribuinte de fato” não pode pleitear a restituição por não ter “relação com o fisco”, o STJ tem reconhecido legitimidade ativa ad causam a qualquer dos dois: ao contribuinte de direito, quando prove não haver repassado o ônus, ou estar autorizado pelo contribuinte de fato, e a este último nos demais casos, como regra geral64.
3.5.3. PRAZO PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO À RESTITUIÇÃO O art. 168 do CTN dispõe que o direito de pleitear a restituição de tributos pagos indevidamente extingue-se com o decurso do prazo de cinco anos, contados: a) da data da extinção do crédito tributário; ou b) da data em que se tornar definitiva a decisão, administrativa ou judicial, que reformar, anular ou rescindir decisão condenatória. A rigor, de acordo com o CTN, o prazo de cinco anos de que cuida o art. 168 seria para se pleitear a restituição na via administrativa. Resolvida definitivamente a questão pela Administração, de modo desfavorável ao contribuinte, este teria então dois anos, nos termos do art. 169, para propor a ação judicial correspondente. Não obstante, a jurisprudência tem considerado prescindível a formulação do pedido administrativo, aplicando o prazo de que cuida o art. 168 do CTN para a contagem da prescrição da ação de restituição do indébito tributário65.
3.5.3.1. TERMO INICIAL DO PRAZO 3.5.3.1.1. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE A doutrina e a jurisprudência têm dado especial tratamento às hipóteses de inconstitucionalidade da lei que instituiu ou majorou o tributo de cuja
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STJ, 1ª T, AgRg no REsp 635.973/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 3/5/2005, DJ de 16/ 5/2005, p. 244. No mesmo sentido: STJ, 2ª T, REsp 493.902/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 3/5/2005, DJ de 6/6/2005, p. 256. STJ, 1ª T, REsp 517.616/SE, Rel. Min. Denise Arruda, j. em 14/9/2004, DJ de 25/10/2004, p. 220; STJ, 1ª T, REsp 817.323/CE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 6/4/2006, DJ de 24/4/ 2006, p. 377. STJ, 1ª T, AgRg no Ag 629.184/MG, Rel. Min. José Delgado, j. em 3/5/2005, DJ de 13/6/2005, p. 173.
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restituição se cogita. Há quem entenda, em tais casos, que o termo inicial do prazo é a data na qual a lei foi considerada inconstitucional, assim entendida a data em que é publicado o acórdão no qual o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade66. Em situações assim, mesmo que já se pudesse considerar consumada a prescrição, caso esta seja contada a partir da extinção do crédito tributário, entende-se que a declaração de inconstitucionalidade dá ao contribuinte novo prazo para pleitear a recuperação do que pagou indevidamente, em face da lei inconstitucional. Tal prazo conta-se da data da publicação do acórdão, em se tratando de ação de controle concentrado de constitucionalidade ou da data da publicação da Resolução do Senado que suspender, de modo erga omnes, o dispositivo declarado inconstitucional em sede de controle difuso. Esse entendimento parte da premissa de que os prazos de que cuidam os arts. 168 e 169 do CTN se referem, a rigor, ao pedido de restituição dirigido à Administração e à impugnação judicial de uma resposta negativa a esse pedido. Como a Administração não pode declarar a inconstitucionalidade de uma lei, no âmbito de um processo administrativo, tais prazos não dizem respeito a uma pretensão que demande, como questão prejudicial, a decisão a respeito da constitucionalidade da lei na qual se fundou a cobrança. Apenas depois de declarada a inconstitucionalidade dessa lei, pelo STF, os prazos previstos em tais artigos, notadamente no art. 168, teriam início. Acatado em alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça, tal entendimento foi posteriormente repelido naquela Corte Superior, como se depreende do seguinte julgado: A Primeira Seção, em 24.03.04, no julgamento dos Embargos de Divergência 435.835/SC (cf. Informativo de Jurisprudência do STJ 203), entendeu que a ‘sistemática dos cinco mais cinco’ também se aplica em caso de tributo declarado inconstitucional pelo STF, mesmo que tenha havido resolução do Senado nos termos do art. 52, X, da Constituição Federal.67
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STJ, 1ª T, AGREsp 425.732/SP, Rel. Min. Paulo Medina, j. em 11/2/2003, DJ de 10/3/2003, p. 99. STJ, 2ª T, REsp 703.950/SC, Rel. Min. Castro Meira, j. em 3/3/2005, DJ de 23/5/2005, p. 240. No mesmo sentido: “[...] Não há que se falar em prazo prescricional a contar da declaração de inconstitucionalidade pelo STF ou da Resolução do Senado. [...]” (STJ, 1ª T, REsp 801.175/ MG, Rel. Min. José Delgado, j. em 11/4/2006, DJ de 22/5/2006, p. 170). Parece-nos, entretanto, que, embora a competência para interpretar a legislação federal seja do STJ, se trata no caso de questão de índole constitucional, cabendo a última palavra ao Supremo Tribunal Federal, que já possui arestos nos quais acata a tese segundo a qual, havendo a declaração de inconstitucionalidade da norma que fundamentou a cobrança do tributo, é dela que se inicia o prazo para reaver o indébito correspondente. É conferir: “Declarada a inconstitucionalidade
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3.5.3.1.2. EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO O prazo para a restituição do indébito tem início, na hipótese do inciso I do art. 168, na data da extinção do crédito, a qual nem sempre coincide com a data do pagamento. Se se trata da lavratura de um auto de infração, que é pago pelo contribuinte, o prazo de cinco anos para se pleitear a restituição tem início com o pagamento, data na qual se extinguiu o crédito correspondente. Mas, se ocorreu um pagamento antecipado, no âmbito do lançamento por homologação, a extinção do crédito somente ocorrerá quando da homologação, a qual, se for tácita, se dá cinco anos após a ocorrência do fato gerador do tributo. Daí a tese dos “5+5”, construída pela jurisprudência do TRF da 5ª Região e acolhida pelo STJ: Está uniforme na 1ª Seção do STJ que, no caso de lançamento tributário por homologação e havendo silêncio do Fisco, o prazo decadencial só se inicia após decorridos 5 (cinco) anos da ocorrência do fato gerador, acrescidos de mais um quinquênio, a partir da homologação tácita do lançamento.68
Atualmente, como se sabe, tal entendimento foi afastado pela LC 118/ 2005, que dispôs, em seu art. 3º: [...] para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida Lei.
No art. 4º da mesma lei, pretendeu-se dar à nova disposição caráter “meramente interpretativo”, mas, como se trata de norma nova, o STJ não aceitou essa pretensa retroatividade, tendo pacificado seu entendimento no sentido de que o pagamento antecipado, nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, só é termo inicial do prazo de prescrição para se pleitear a restituição do indébito quando efetuado após a vigência da LC 118/200569.
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das normas instituidoras do empréstimo compulsório incidente na aquisição de automóveis (RE 121.336), surge para o contribuinte o direito à repetição do indébito, independentemente do exercício financeiro em que se deu o pagamento indevido.” (STF, RE 136.805, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ de 26.8.1994). STJ, 1ª S, EREsp 449.751/PR, Rel. Min. José Delgado, j. em 24/3/2004, DJ de 31/5/2004, p. 169. Para aprofundamentos a respeito da origem e da razão de ser desse entendimento: Hugo de Brito Machado. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, 2005, v. 3, p. 446 e ss. STJ: 1ª S – EREsp 576.237/SC, Rel. Min. José Delgado – j. em 11/5/2005, DJ de 13/6/2005, p. 163; 1ª S – EREsp 555.038/DF, Rel. Min. José Delgado, j. em 11/5/2005, DJ de 13/6/2005, p. 163; 2ª T – AgRg no Ag 646.732/CE, Rel. Min. Franciulli Netto, j. em 22/3/2005, DJ de 20/6/ 2005, p. 218.
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3.5.3.1.3. PAGAMENTO EM FACE DE “DECISÃO CONDENATÓRIA” Na verdade, de um ponto de vista técnico, nenhuma decisão condena o contribuinte a pagar o tributo, até porque a Fazenda não precisa manejar ação de conhecimento, condenatória, para obter o seu título executivo. A decisão à qual o artigo em comento está a se reportar é aquela que julga improcedente pedido feito pelo contribuinte, em ação manejada por ele. Tal decisão só indireta e impropriamente o “condena” a pagar o tributo o qual estava a impugnar. Imagine-se, por exemplo, que o contribuinte é executado, tem seus bens penhorados e opõe embargos, que são julgados improcedentes. Apela, mas, premido pelas circunstâncias, paga a dívida. Caso, depois, sua apelação seja provida, terá início com o trânsito em julgado do acórdão (que reformou a sentença) o prazo prescricional para pleitear a restituição do tributo correspondente.
3.5.4. EXECUÇÃO DE SENTENÇA, PRECATÓRIO E COMPENSAÇÃO Quando do trânsito em julgado da sentença, inicia-se a fase relativa à sua execução. A Fazenda Pública pode opor embargos à execução, mas, como se trata de título judicial, a questão de mérito versada na sentença não pode ser reaberta. Na hipótese de a Fazenda Pública alegar “excesso de execução”, ou qualquer outro fundamento que implique o reconhecimento em parte da obrigação executada, o Juiz deverá desmembrar a dívida, determinando a expedição do precatório relativamente à parcela incontroversa, deixando suspensa, para eventual adimplemento depois do julgamento dos embargos, somente a parcela impugnada. Caso não sejam opostos embargos, ou estes sejam julgados improcedentes, deverá então ser expedido o precatório, nos termos do art. 100 da CF/88. Nesse momento, o contribuinte pode optar por compensar o valor correspondente ao seu crédito (já liquidado e acertado) com débitos seus em face da entidade pública executada70, desistindo da expedição do respectivo precatório. Essa postura é plenamente admitida pela jurisprudência71, a qual, inclusive, aceita até mesmo que o contribuinte vitorioso em ação na qual pedia
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Isso ocorre, muitas vezes, em situações nas quais o contribuinte manejou a ação antes do advento de leis que passaram a autorizar expressamente a compensação. Acontece, ainda, em casos nos quais o contribuinte não considerava viável a compensação (pretendia encerrar suas atividade, v.g.), mas o contexto fático, quando do julgamento da ação e do reconhecimento definitivo de seu crédito, é diferente, e torna possível e atrativa a alternativa da compensação. Ac un da 2ª T do STJ – Rel. Min. Castro Meira – AGA 471645/RS – j. em 18.11.2003 – DJU I de 19.12.2003, p. 413.
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a declaração de seu direito à compensação (e não à restituição do indébito) posteriormente “desista” da compensação e execute a sentença pedindo a expedição do precatório72.
3.6. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO 3.6.1. CONCEITO E
FUNDAMENTO LEGAL
Ação de consignação em pagamento é aquela através da qual se busca a proteção ao direito de pagar uma dívida, em face de indevida resistência oferecida pelo credor ou da pretensão de mais de um credor de recebê-la. Trata-se de instrumento processual adequado, em outras palavras, à tutela do direito de pagar, e pagar ao credor correto, deixando clara a noção de que a distinção entre direitos e deveres é puramente axiológica. O disciplinamento legal de referida ação pode ser encontrado nos arts. 890 a 900 do Código de Processo Civil e, no que pertine ao seu emprego especificamente na seara tributária, no art. 164 do CTN, afirma-se cabível a ação de consignação em pagamentos nos casos: i) de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória; ii) de subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas sem fundamento legal; e iii) de exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador. O emprego da ação de consignação, no que pertine aos incisos I e II, é de verificação pouco frequente, não só porque qualquer quantia paga à Fazenda Pública a determinado título pode ser por ela imputada a outra dívida (CTN, art. 163), mas especialmente porque o pagamento de tributos, feitos em estabelecimentos bancários, não costuma ser recusado, nem subordinado ao pagamento de outros tributos ou ao cumprimento de obrigações acessórias. Pode ocorrer, contudo, no âmbito do lançamento do IPTU, de o documento que o formaliza veicular também o lançamento de outro tributo, considerado indevido (v.g., taxa de limpeza pública), não permitindo o pagamento do imposto destacado do da taxa. Nessa hipótese, seguramente, será cabível a consignatória73.
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Ac un da 2ª T do STJ – Rel. Min. Nancy Andrighi - AGRESP 227048/RS – j. em 27.06.2000 – DJU I de 26.03.2001, p. 414. “Cabe ação de consignação quando a entidade tributante subordinar o pagamento do IPTU ao pagamento de taxas municipais (inciso I, do art. 164, do CTN). [...] Propriedade da ação proposta com o fito de consignar o valor relativo ao IPTU enquanto se discute, em demanda
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A consignatória mostra-se mais relevante, e útil, na hipótese referida no inciso III do art. 164, quando mais de uma pessoa jurídica de direito público estiver a exigir tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador. Imagine-se, por exemplo, que um contribuinte, estabelecido em um Município, preste serviços a tomador estabelecido em outro Município e seja alvo, por esse serviço, da cobrança do ISS pelos dois Municípios. Conquanto o dispositivo em comento se reporte a “tributo idêntico”, não é necessário que se trate do mesmíssimo tributo, com o mesmo nome, e instituído por entidade tributante da mesma natureza, até porque isso reduziria despropositadamente o âmbito de incidência da norma nele contida. Não é necessário que estejam dois Municípios a exigir o ISS ou dois Estados a exigir o IPVA. Pode se tratar de um conflito entre a União, pretendendo o ITR, e um Município, que exige o IPTU. O relevante é que esteja em discussão a cobrança de dois tributos, sobre um mesmo fato gerador, sendo a exigência de um excludente da exigência do outro. Registre-se que o § 1º do art. 164 do CTN explicita a ideia, aqui já explicada, de que ação de consignação em pagamento se presta à defesa do direito de pagar. O valor consignado pelo contribuinte é aquele considerado devido ou, nos termos do dispositivo, aquele “que o consignante se propõe a pagar”. Caso a exigência formulada seja tida como indevida, não porque o tributo é devido a outro ente, mas porque se considera que o tributo não é devido, a ação de consignação, a rigor, não é cabível, devendo-se manejar ação de rito ordinário. O Superior Tribunal de Justiça, porém, tem julgados em sentido contrário, considerando que “a ação de consignação é instrumento processual admissível para pagamento de tributo em montante inferior ao exigido, o que implica em recusa do Fisco ao recebimento do tributo por valor menor”74. Considerando os princípios da efetividade da prestação jurisdicional e da instrumentalidade do processo, parece-nos que esse entendimento, adotado pelo STJ, é bastante razoável. Realmente, ainda que não seja o instrumento mais adequado, não há qualquer prejuízo em se acolher o uso da ação de consignação. Convencendo-se o magistrado de que a exigência impugnada é realmente ilegal, deixar de acolher os pedidos do autor da ação em homenagem à forma processual implica subversão da finalidade para a qual o processo e o próprio Poder Judiciário existem.
74
própria, a constitucionalidade das taxas municipais cobradas. [...]” (STJ, 2ª T, REsp 197.922/ SP, Rel. Min. Castro Meira, j. em 22/3/2005, DJ de 16/5/2005, p. 276). STJ, 2ª T, REsp 538.764/RS, Rel. Min. Castro Meira, j. em 12/4/2005, DJ de 13/6/2005, p. 237. No mesmo sentido: STJ, 1ª T, REsp 659.779/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 14/9/ 2004, DJ de 27/9/2004, p. 281.
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3.6.2. ALGUMAS
NOTAS SOBRE O PROCEDIMENTO A SER SEGUIDO
3.6.2.1. JUÍZO AO QUAL DEVE SER DIRIGIDA O juízo competente para o processamento e o julgamento da ação consignatória dependerá dos entes tributantes envolvidos no problema. Caso a ação tenha por fundamento o inciso I ou II do art. 164 do CTN (recusa de recebimento pelo ente tributante), o juízo será aquele competente para processar as causas normalmente propostas contra o ente tributante correspondente. Em se tratando de recusa levada a cabo pela União, portanto, a ação deverá ser proposta perante a Justiça Federal, na seção judiciária em cuja circunscrição se encontrar estabelecido o contribuinte. A competência, contudo, não é de tão fácil determinação, em se tratando de ação proposta com fundamento no inciso III do mesmo artigo, hipótese na qual mais de uma pessoa jurídica de direito público estará envolvida na questão. Caso o conflito se verifique entre União e Estado, entre União e Distrito Federal, entre Estado e o Distrito Federal, ou entre Estados, apesar do que dispõe o art. 102, I, “e”, da CF/88, a ação não será da competência do Supremo Tribunal Federal (Súmula 503 do STF). Entende o STF que, nesses casos, não há propriamente um conflito entre entes federados, mas um conflito entre um contribuinte e dois ou mais entes federados, não sendo possível que o contribuinte provoque essa competência originária75. Assim, caso o conflito se verifique entre União e Estado (algo pouco provável em face da divisão de competências entre tais entes), a ação deverá ser proposta na seção judiciária federal instalada na capital do Estado correspondente. E, na hipótese de a exigência ser formulada por mais de um Estado, a ação deverá ser proposta em face da Justiça Estadual em cuja jurisdição estiver situado o contribuinte, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça, se for o caso, dirimir conflito suscitado entre esse Juízo e o Juízo Estadual do outro Estado envolvido na questão. O mesmo vale para a exigência de tributo feita por mais de um Município situados em Estados diferentes. Caso, porém, o conflito se configure entre União e Município (v.g. ITR x IPTU) ou entre Estado e Município (v.g. ICMS x ISS), a ação deverá ser
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RTJ 44/564. Nesse sentido: Cleide Previtalli Cais. Processo Tributário. 3ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 392. Para a citada autora, porém, se houver a instauração de efetivo litígio entre União e Estado, ou entre Estados, depois de consignado o valor do tributo, o art. 102, I, “f” da CF/88 reclama que a questão seja apreciada pelo STF. Não nos parece, com a devida vênia, ser essa conclusão, conquanto razoável, autorizada pela Súmula 503 do STF.
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movida perante a Justiça Federal, ou a Justiça Estadual, respectivamente, em cuja circunscrição estiver situado o correspondente Município.
4. AÇÕES
DE
CONTROLE
DE
CONSTITUCIONALIDADE
4.1. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE PELO JUDICIÁRIO O Poder Público, composto de pessoas tão falíveis quanto quaisquer outras, não raro pratica atos inválidos, que não guardam coerência com o ordenamento jurídico dentro do qual se devem encartar. E esses atos inválidos, como se sabe, não advêm apenas da Administração Pública, mas frequentemente também do Poder Legislativo, em sua atuação no âmbito da criação de normas jurídicas. A partir dos célebres julgamentos de Marshall, na Corte Suprema dos Estados Unidos da América, firmou-se o entendimento de que também os atos legislativos, quando incompatíveis com as normas de superior hierarquia, contidas na Constituição, são suscetíveis de controle jurisdicional. Afinal, para que a Constituição seja realmente suprema, rígida e hierarquicamente superior, não se pode admitir que um juiz, ao solucionar um caso concreto, seja obrigado a aplicar uma lei que contraria seus dispositivos. Em outras palavras, o controle de constitucionalidade das leis e demais atos normativos é uma consequência lógica da própria supremacia constitucional.
4.2. CONTROLE “DIFUSO” E CONTROLE “CONCENTRADO” DE CONSTITUCIONALIDADE
Da ideia de que o juiz não deve aplicar ao caso concreto, no exercício da jurisdição, uma lei que considere inconstitucional, surgiu o controle difuso de constitucionalidade, também conhecido como controle concreto, ou incidental. Em face das condições nas quais é exercitada, essa espécie de controle de constitucionalidade tem seus efeitos limitados às partes do processo judicial correspondente. O controle difuso de constitucionalidade foi o que primeiro veio a ser adotado no Brasil. Desde a Constituição de 1891, todo e qualquer órgão do Poder Judiciário pode declarar, incidentalmente aos casos que estiver apreciando, a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos. Paralelamente a essa forma de controle, desenvolveu-se na Europa o chamado controle concentrado, ou abstrato, de constitucionalidade. Realizado por apenas um órgão (daí o nome “concentrado”) e produzindo efeitos sobre
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todos (erga omnes), seus efeitos se processam no plano normativo, ou da abstração jurídica, não havendo um caso concreto a ser deslindado. Trata-se, a rigor, de um procedimento especial de invalidação de normas jurídicas, em tese, no qual o Judiciário atua como legislador negativo, excluindo do próprio ordenamento jurídico a norma impugnada. Esse sistema de controle foi também inserido no Direito Brasileiro a partir da Constituição de 1934, em cujo artigo 12, § 2º, já constava a referência ao controle concentrado de constitucionalidade, que, entretanto, se limitava às leis de intervenção federal em Estado-membro. Feição semelhante à atual foi obtida somente em 1965, com a Emenda nº 16 à Constituição de 1946, que passou a prever a possibilidade de ser proposta “representação de inconstitucionalidade”, perante o STF, pelo Procurador Geral da República (art. 101, I). Atualmente, o controle concentrado de constitucionalidade está previsto nos arts. 102, I, “a”, e 103 da CF/88, que tratam das ações diretas de constitucionalidade e de inconstitucionalidade, tendo sido regulamentado pela Lei nº 9.868/1999. Nas linhas que se seguem, não trataremos do chamado controle difuso de constitucionalidade, que pode ser normalmente exercido na determinação dos fundamentos de acórdão ou sentença proferida em quaisquer das ações acima examinadas (embargos do executado, mandado de segurança, anulatória, declaratória, restituição do indébito etc.). Não há, nesse ponto, peculiaridades procedimentais que mereçam tratamento apartado aqui. Cuidaremos, porém, de alguns aspectos relacionados ao controle concentrado de constitucionalidade, especialmente dos aspectos relacionados ao direito intertemporal. É nesse campo que as maiores confusões entre o controle difuso e o controle concentrado acontecem e com repercussões mais significativas no campo tributário.
4.3. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE
Em face da EC 45/2004, a ação direta de inconstitucionalidade, e a ação declaratória de constitucionalidade, essas passaram a ter tantos pontos em comum que talvez se possa falar, hoje, em uma ação apenas, de controle concentrado de constitucionalidade. O art. 103 da Constituição Federal de 1988 atribui competência para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade ao Presidente da República; à Mesa do Senado Federal; à Mesa da Câmara dos Deputados; à Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; ao Governador de Estado ou do Distrito Federal; ao Procurador-Geral da República; ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados
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do Brasil; a partido político com representação no Congresso Nacional e a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. Recebida a ação pelo Supremo Tribunal Federal, deverá ser citado o Advogado Geral da União, a fim de que defenda a validade do ato ou texto impugnado. Como em todos os processos de competência do STF, o Ministério Público deverá ser ouvido. Percebe-se, na atual Constituição, sensível incremento no rol dos legitimados para a propositura de uma ADI (ou de uma ADC), antes adstrito ao ProcuradorGeral da República. A inclusão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e de confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional deu feição mais democrática ao instituto, que passou a ser manejado também por integrantes da sociedade, tão ou mais interessada na manutenção da integridade da ordem jurídica e da higidez constitucional. Ganhou também o sistema de checks and balances, com um maior controle do poder pelo poder, em face da inclusão de Partidos políticos, com representação no Congresso, e de Mesas do Senado, da Câmara dos Deputados, bem como de Assembleia Legislativa. Possibilitou-se, com isso, a participação das várias forças envolvidas no processo legislativo, bem como de representantes de entes federados. Ainda quanto à legitimidade, no que pertine às entidades de classe, às confederações sindicais, aos Governadores dos Estados e às Assembleias Legislativas, o STF tem exigido, ainda, a presença de pertinência temática entre o autor da ADIN e a matéria a ser nela apreciada. Exemplificando, a Confederação Nacional das Indústrias não poderia questionar, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, a validade de lei que cria tributo a ser pago apenas por produtores rurais76 ou por prestadores de serviços. Essa exigência não é feita quando o autor é Conselho Federal da OAB, ou o Presidente da República, por exemplo, pois neles se presume o legítimo interesse em preservar a supremacia da Constituição em quaisquer áreas, matérias ou aspectos. A propósito do termo “ação”, conquanto já esteja consagrada a expressão “ação direta de inconstitucionalidade”, ou “ação de inconstitucionalidade”, não se trata aqui, a rigor, de uma ação, no sentido processual da palavra. Isso porque não há exercício da jurisdição, pelo menos em sua significação tradicional, que é a de resolução de um conflito em um caso concreto. Ao julgar ações de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal não aplica a Constituição a um caso concreto, mas, sim, corrige um defeito que, no plano hipotético, normativo, da abstração jurídica, é verificado no ordenamento. Em outros
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ADin 1.103/DF.
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termos, e lembrando lições básicas de Teoria Geral do Direito, é o direito objetivo – e não o direito subjetivo – que se corrige. A rigor, trata-se de produção normativa. O STF atua como legislador negativo, de modo erga omnes.
4.4. JURA NOVIT CURIA E AS AÇÕES DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE
No âmbito das “ações” de controle concentrado de constitucionalidade, o Tribunal (STF ou TJ, conforme o caso) não está adstrito ao cotejo da compatibilidade entre o dispositivo impugnado e um determinado artigo da Constituição, tido como violado pelo autor da ação. Não. O dispositivo cuja constitucionalidade é objeto de apreciação pode ter sua invalidade decretada em face de outros artigos da Constituição que não aqueles apontados na inicial. Aplica-se, com toda a intensidade, o princípio do jura novit curia, não estando o Tribunal “adstrito aos fundamentos invocados pelo autor, podendo declarar a inconstitucionalidade por fundamentos diversos dos expendidos na inicial”77. E nem poderia ser mesmo diferente, pois, do contrário, bastaria que um dos legitimados, interessado na declaração da constitucionalidade de uma norma, propusesse ADI pondo em dúvida a constitucionalidade da lei em face de um dispositivo, que por ela evidentemente não é violado, e se omitindo quanto àqueles que de modo efetivo foram malferidos.
4.5. EFEITOS DA DECISÃO QUE DECLARA, EM TESE, A INCONSTITUCIONALIDADE DE ATO NORMATIVO
Questão das mais relevantes diz respeito aos efeitos no tempo da decisão que decreta a inconstitucionalidade de uma lei ou de um ato normativo outro. O Supremo Tribunal Federal tem considerado que, em princípio, a medida cautelar que suspende a vigência do ato normativo impugnado tem eficácia ex nunc, ou seja, apenas para o futuro, enquanto a decisão que julga definitivamente a ação, declarando a inconstitucionalidade da norma impugnada, produz efeitos ex tunc, quer dizer, a partir da edição da norma declarada inconstitucional. Esses são os efeitos da decisão, liminar e definitiva, em princípio. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal tem admitido, em alguns casos, por atribuir eficácia ex tunc à medida cautelar, e pode, por autorização da Lei nº 9.868/1999, atribuir eficácia ex nunc à decisão que julgar definitivamente a ação.
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ADI 2396 MC / MS – Rel. Min. Ellen Gracie – j. em 26.09.2001 – Tribunal Pleno – DJ de 14.12.2001, p. 23 – Ementário v. 2053-3, p. 605.
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A propósito, há um dado que deve ser considerado, na hipótese de uma norma ser considerada inconstitucional de forma ex tunc. Trata-se do respeito aos cidadãos que, de boa-fé, a houverem observado. Não se pode simplesmente aplicar a “teoria das nulidades”, afirmando-se que a lei inconstitucional é um “nada”, “nunca existiu”, quando isso implique o prejuízo de cidadãos que observaram a lei confiantes na presunção de sua constitucionalidade. Premissas e fundamentos inerentes ao controle difuso de constitucionalidade, que é invariavelmente exercitado em favor do cidadão e é feito à luz de uma situação concreta, não podem ser transplantados de modo impensado para o âmbito do controle concentrado, sob pena de surgirem inaceitáveis distorções ou, no dizer de Paulo Bonavides, “situações ainda mais inconstitucionais”78. Com efeito, a declaração da inconstitucionalidade de uma lei faz com que, automaticamente, a lei que havia sido por ela revogada, ou que não incidia sobre as situações nela previstas por ser mais genérica, passe a ser aplicável de modo retroativo. Isso, na generalidade das situações, se dá em favor do cidadão, que passa a ter direito à restituição de tributos pagos com base na lei declarada inconstitucional, por exemplo. Porém, na hipótese – certamente menos frequente – de tais efeitos retro-operantes prejudicarem o cidadão, tal eficácia ex tunc não pode ser absoluta. Imagine-se, por exemplo, que um cidadão importa mercadoria beneficiada com isenção e a operação assim é declarada ao Fisco. Caso posteriormente se declare, em ADIn, inconstitucional a lei isentiva, que seria então tida como “nunca existente”, teria o contribuinte praticado o crime de descaminho? Obviamente, não, o que mostra que a lei, conquanto inconstitucional, há de produzir efeitos em relação a quem a houver de boa-fé observado, especialmente se se considerar que não foi o cidadão em exame o responsável por sua elaboração. As normas jurídicas, enfim, sejam oriundas do Poder Legislativo, sejam decorrentes da atuação do Poder Judiciário, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, não podem retroagir em desfavor do cidadão.
5. AÇÕES
DA
COLETIVIDADE
5.1. AÇÃO POPULAR 5.1.1. CONCEITO E
FUNDAMENTOS
A ação popular é instrumento processual disponível a qualquer cidadão, e sua finalidade é obter prestação jurisdicional que anule:
78
Paulo Bonavides. Curso de Direito Constitucional. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 308.
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[...] ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e dos ônus da sucumbência.79
Seu âmbito, como se percebe, não se restringe à defesa do Poder Público, ou seja, de direitos subjetivos de uma pessoa jurídica de Direito Público, mas envolve também a defesa de direitos coletivos, de todos e de cada um dos indivíduos que compõem a sociedade, tais como o direito a um ambiente saudável, à preservação de sítios arqueológicos, obras de arte, construções históricas etc.
5.1.2. CABIMENTO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA No âmbito tributário, a ação popular pode ser manejada como forma de preservar o patrimônio público em face de atos ilegais da Administração Tributária. Uma isenção concedida irregularmente a determinada empresa, por exemplo, pode ser questionada por qualquer cidadão, no âmbito de uma ação popular. Cumpre insistir, no caso, que está “implícito que o ser lesivo significa também ser inválido do ponto de vista jurídico. Ato juridicamente válido não pode ser anulado”80. Atos da Administração Tributária considerados ilegais e lesivos ao Erário, tais como concessão indevida de isenções, remissões ou anistias, podem ser impugnado em ação popular. Qualquer cidadão, outrossim, pode manejá-la, ou nela figurar como litisconsorte ativo, desde que comprove essa qualificação através do respectivo título de eleitor81. Não é preciso ter “interesse” específico no problema, até porque não se está defendendo um direito subjetivo do autor, mas um direito do povo82. A ação popular não é cabível quando se pretender a discussão da lei em tese, ou seja, quando não se estiver impugnando a prática de um ato administrativo, mas a própria edição de uma lei, com conteúdo que se considera lesivo ao patrimônio público ou à moralidade, ao meio ambiente etc. Nesse caso, de impugnação da lei enquanto ato legislativo que veicula normas jurídicas, cabível será a ação direta de inconstitucionalidade.
79 80 81 82
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CF/88, art. 5º, LXXIII. Hugo de Brito Machado. “Ação Popular em Matéria Tributária”. In: Repertório Jurisprudência, São Paulo: IOB, nº 03/91, c. 1, 1ª quinzena de fevereiro de 1991, p. Lei nº 4.717/65, art. 1º, § 3º, e art. 6º, § 5º. Hugo de Brito Machado. “Ação Popular em Matéria Tributária”. In: Repertório Jurisprudência, São Paulo: IOB, nº 03/91, c. 1, 1ª quinzena de fevereiro de 1991, p.
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IOB de 53. IOB de 53.
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5.2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA A ação civil pública é o instrumento processual através do qual são tutelados direitos coletivos, supra ou meta individuais. São direitos subjetivos, decorrentes da incidência de normas sobre fatos (não se trata de uma ADIn, na qual se versa o direito “em tese”), mas que pertencem à sociedade, a cada um e a todos os indivíduos que a compõem, e que, por isso, mesmo não podem ser atribuídos, individualmente, a este ou àquele cidadão. Sua finalidade é reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico ou paisagístico. Para assegurar a efetividade da tutela a ser prestada, ao final, na ação civil pública, pode ser proposta ação cautelar. Tais ações, principal e cautelar, podem ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios. Podem ser ajuizadas, ainda, por autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista ou associações que estejam constituídas há pelo menos um ano e que incluam, entre as suas finalidades institucionais, a proteção aos bens jurídicos tutelados pela ação civil pública (meio ambiente, ordem econômica, patrimônio artístico etc.). Não trataremos aqui em maiores detalhes dessa ação, pois ela não tem sido admitida pela jurisprudência para discutir aspectos da relação tributária, não se incluindo, por isso, entre aquelas que podem ser chamadas de “processuais tributárias”83.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABELHA, Marcelo. Elementos de Direito Processual Civil. v. 1, 3ª ed. São Paulo: RT, 2003. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense,1999. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. BOTALLO, Eduardo. Execução fiscal, ação declaratória e repetição do indébito. In: RDT, n. 50, p. 166, 1989. BOTTESINI, Maury Ângelo; FERNANDES, Odmir; CHIMENTI, Ricardo Cunha; ABRÃO, Carlos Henrique; ÁLVARES, Manoel. Lei de Execução Fiscal comentada e anotada. 3ª ed. São Paulo: RT, 2000. BUZAID, Alfredo. Do Mandado de Segurança. São Paulo: Saraiva, 1989.
83
ED no REsp 106.993/MS, Rel. Min. Ari Pargendler – j. em 28.04.1998, DJU I de 18.05.1998, p. 68 – RDDT 34/199. Resp nº 99.635/MG - Rel. Min. Garcia Vieira – j. em 17.03.1998, DJU I de 04.05.1998, p. 80 – RDDT 34/200. RE 195.056/PR – Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 09.12.1999. Confiram-se, a propósito, os Informativos STF de nº 124, 130 e 174.
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CAIS, Cleide Previtalli. O Processo Tributário. 3ª ed. São Paulo: RT, 2001. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel Dinamarco. Teoria Geral do Processo. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. 1 e 3, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1989. GONÇALVES, José Arthur Lima; MARQUES, Márcio Severo. Direito à restituição do indébito tributário. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Repetição do Indébito e Compensação no Direito Tributário. São Paulo; Fortaleza: Dialética; ICET, 1999. GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. v. 3, 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. O formalismo e a instrumentalidade do processo – questões relativas à instrução do agravo de instrumento. In: Revista Dialética de Direito Processual, n. 2. São Paulo: Dialética, mai. 2003. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. MACHADO, Hugo de Brito. Ação Popular em Matéria Tributária. In: Repertório IOB de Jurisprudência, São Paulo, IOB, n.03/91, c. 1, 1ª quinzena de fevereiro de 1991. ______. Imprescritibilidade da ação declaratória do direito de compensar tributo indevido. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Problemas de Processo Judicial Tributário. v. 2. São Paulo: Dialética, 1998. ______. Curso de Direito Tributário. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004. ______. Comentários ao Código Tributário Nacional. v. 3. São Paulo: Atlas, 2005. ______. Mandado de Segurança em Matéria Tributária. 5ª ed. São Paulo: Dialética, 2003. MARINS, James. Incondicionalidade a depósito da liminar no mandado de segurança em matéria tributária (Enfoque constitucional). In: ALVIM, Teresa Arruda; MARINS, James; ALVIM, Eduardo Arruda (coord.). Repertório de jurisprudência e doutrina sobre Processo Tributário. São Paulo: RT, 1994. MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro. São Paulo: Dialética, 2001. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. NEGRÃO, Theotonio; GOUVEIA, José Roberto Ferreira. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. 35ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. PONTES DE MIRANDA, F. C. Comentários à Constituição de 1967, com a emenda n.º1 de 1969. tomo V, 2ª ed. São Paulo: RT, 1971. ______. Tratado das ações. tomo I. Atual. por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 1998. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v. 2, 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. XAVIER, Alberto. Do Lançamento, Teoria Geral do Ato, do Procedimento e do Processo Tributário. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
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Direito Tributário Internacional
Sergio André Rocha Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho. Professor de Direito Tributário da Faculdade de Direito da FGV-Rio.
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1. DA DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL Com a cada vez mais acentuada mundialização dos esforços econômicos, torna-se habitual a submissão das pessoas, físicas ou jurídicas, à potestade tributária de países distintos, fenômeno que não raro dá ensejo à denominada dupla tributação internacional. De regra, a referida dupla tributação incide sobre a renda auferida pelos agentes econômicos vinculados por elementos de conexão a mais de um país, distinguindo a doutrina os conceitos de dupla tributação jurídica e dupla tributação econômica. Segundo Gerd Willi Rothmann, “no Direito Tributário Internacional, a expressão ‘elemento de conexão’ refere-se a determinado evento, a partir do qual a norma vincula a atribuição da competência tributária a determinado Estado. Deixando de lado a nacionalidade, que caiu em desuso (praticamente só é adotado pelos Estados Unidos, Filipinas e Turquia), os principais elementos de conexão são: domicílio e residência, sede e direção, estabelecimento permanente, situação do bem, fonte do rendimento, país de origem ou do destino”1. Segundo a teoria dominante quanto à matéria, a identificação da dupla tributação jurídica é feita mediante a aplicação da regra das quatro identidades, de forma que somente se verificaria a ocorrência do fenômeno em se identificando que países distintos, no exercício de sua soberania fiscal, estão a tributar o mesmo sujeito passivo, sobre um mesmo suposto fático, mediante a imposição de tributos com materialidades comparáveis e em relação a um mesmo período de tempo2. Esse critério encontra-se, inclusive, refletido na definição de dupla tributação trazida pela Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) em seus comentários à sua Convenção-modelo
1
2
ROTHMANN, Gerd Willi. Tributação Internacional sem Sujeito Passivo: uma Nova Modalidade do Imposto de Renda sobre Ganhos de Capital? In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes Questões Atuais do Direito Tributário – 10º Volume. São Paulo: Dialética, 2006. p. 110. Sobre necessidade da existência de um elemento de conexão para a legitimação da tributação, ver: SCHOUERI, Luís Eduardo. Princípios no Direito Tributário Internacional: Territorialidade, Fonte e Universalidade. In: FERRAZ, Roberto (Coord.). Princípios e Limites da Tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 334. Cf. XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 33; SCHOUERI, Luís Eduardo. Tratados e Convenções Internacionais sobre Tributação. In: Revista Direito Tributário Atual. São Paulo, n. 17, 2003, p. 26; MOREIRA JÚNIOR, Gilberto de Castro. Bitributação Internacional e Elementos de Conexão. São Paulo: Aduaneiras, 2003. p. 45. Ver também: ROCHA, Sergio André. Interpretação dos Tratados contra a Bitributação da Renda. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 1-2.
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para evitar a dupla tributação da renda e a evasão fiscal, segundo a qual a dupla tributação internacional jurídica seria “a imposição de tributos comparáveis em dois (ou mais) Estados sobre o mesmo contribuinte em relação ao mesmo objeto e em períodos idênticos”3. A dupla tributação jurídica seria distinta, portanto, da dupla tributação econômica, na qual uma mesma riqueza sofre a imposição de tributos comparáveis, mas o sujeito passivo da obrigação tributária é diferente4. Vale a pena observar que a identificação de situações onde se verifica a dupla tributação jurídica da renda, mediante a aplicação da regra das quatro identidades, nem sempre se mostra de fácil consecução5. Ainda assim, esta pode ser considerada a teoria dominante a respeito da matéria. Segundo notado por Victor Uckmar, a dupla (ou múltipla)6 tributação internacional, na medida em que onera as transações vinculadas por elementos de conexão ao poder tributário de mais de um Estado, tem um efeito inibidor sobre o comércio internacional, podendo acarretar uma volta dos agentes internacionais para seus mercados internos7. Dessa forma, a dupla tributação está na contramão do processo de globalização econômica mundial, sendo um entrave à livre movimentação de bens, serviços, capital e pessoas. Além desse aspecto inibidor do comércio internacional, Manuel Pires elenca outras conseqüências nocivas decorrentes da dupla tributação: a)
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7
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conseqüências financeiras para os Estados, os quais podem, em decorrência do cenário acima descrito, verificar uma redução da tributação;
OECD. Model Tax Convention on Income and on Capital. Paris: OECD, 2000. v. I. p. I-1. Cf. XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil, 2004, p. 35-36; ROTHMANN, Gerd W. Bitributação Internacional. In: DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio; ROTHMANN, Gerd W. Temas Fundamentais do Direito Tributário Atual. Belém: CEJUP, 1983. p. 126-127. Ver também: ROCHA, Sergio André. Interpretação dos Tratados contra a Bitributação da Renda, 2008, p. 2. Cf. XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil, 2004, p. 33; TÔRRES, Heleno. Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 391-392. Embora utilizemos os termos bitributação ou dupla tributação, não desconsideramos que no mundo globalizado contemporâneo podemos estar diante de situações de pluritributação (ver: TÔRRES, Heleno. Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, p. 374-375). UCKMAR, Victor. Tratados Internacionales en Materia Tributaria. In: AMATUCCI, Andrea (Coord.). Tratado de Derecho Tributario. Bogotá: Themis, 2001. t. I. p. 744. Ver também: MUNRO, Alastair. Tolley’s Double Taxation Relief. 6th. ed. London: LexisNexis, 2003. p. 2; ROHATGI, Roy. Basic International Taxation. 2nd. ed. Richmond: Richmond, 2005. p. 2; MOREIRA JÚNIOR, Gilberto de Castro. Bitributação Internacional e Elementos de Conexão. São Paulo: Aduaneiras, 2003. p. 54.
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b)
conseqüências relacionadas à justiça da tributação, já que a dupla tributação afetaria a capacidade contributiva dos contribuintes;
c)
conseqüências culturais, na medida em que se poderia ter impactos sobre propriedade intelectual e a atividade internacional de cientistas, artistas e esportistas; e
d)
conseqüências sócio-políticas, decorrência não só do eventual desencorajamento de inversões internacionais, mas também da dificuldade do movimento de pessoas.8
Diante do caráter negativo da dupla tributação internacional, a partir do início do século passado foram se intensificando as discussões a respeito dos mecanismos que podem ser adotados para que a mesma seja evitada.
2. MEDIDAS PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO Ao se discutirem as medidas para se evitar a dupla tributação da renda fala-se basicamente em medidas unilaterais, adotadas por cada Estado com base em sua legislação doméstica, e em medidas bilaterais ou multilaterais adotadas pelos Estados por intermédio da celebração de tratados internacionais9. Mais recentemente, diante principalmente do modelo exitoso da União Européia tem-se discutido a utilização da harmonização tributária como instrumento para se evitar a dupla tributação10. Entre as medidas unilaterais temos, por exemplo, a isenção concedida por determinado país sobre rendimentos auferidos no exterior, a possibilidade de se considerar o imposto pago no exterior como um crédito compensável com o imposto doméstico ou de se utilizar o mesmo como uma despesa dedutível para fins de cálculo do imposto de renda e, por fim, a possibilidade de se compensar o imposto pago no exterior nos casos de transparência fiscal internacional11. No que tange às medidas para evitar a dupla tributação fundadas em tratados internacionais é possível, como dito, que sejam as mesmas veiculadas
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PIRES, Manuel. International Juridical Double Taxation of Income. Deventer: Kluwer Academic Publishers, 1989. p. 86-89. Cf. SERRANO ANTÓN, Fernando. Los Principios Básicos de la Fiscalidad Internacional y los Convenios para Evitar la Doble Imposición Internacional: Historia, Tipos, Fines, Estructura y Aplicación. In: SERRANO ANTÓN, Fernando (Coord.). Fiscalidad Internacional. Madrid: Centros de Estudios Financieros, 2001. p. 98-99. Cf. TÔRRES, Heleno. Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, p. 728-776. Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. A Pluritributação Internacional e as Medidas Unilaterais de Controle. In: UCKMAR, Victor (Coord.). Curso de Derecho Tributario Internacional. Bogotá: Themis, 2003. v. I. p. 197-215.
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em tratados bilaterais, envolvendo apenas dois Estados, ou multilaterais, sendo majoritária a primeira opção. Por fim, fala-se na harmonização da legislação tributária dos Estados, mediante a qual se superam as assimetrias existentes entre as legislações dos países-membros de um bloco integrado ou em processo de integração (o tema da integração econômica será tratado no capítulo seguinte)12.
3. CONVENÇÕES PARA EVITAR A
DUPLA TRIBUTAÇÃO DA RENDA
Como visto, um dos instrumentos utilizados com vistas a se evitarem os nefastos efeitos que a dupla tributação acarreta é a celebração de convenções bilaterais para evitar a dupla tributação da renda (de agora em diante referidas como CDTRs), as quais vêm sendo pactuadas por diversos países, entre os quais o Brasil. Em linhas gerais, tais tratados têm por finalidade delimitar o campo de exercício legítimo do poder tributário de cada um dos signatários, conciliando seus interesses fiscais e protegendo os contribuintes contra a dupla imposição que ocorreria se ambos os países tributassem, indistintamente, as rendas auferidas por pessoas a eles vinculadas por elementos de conexão. Conforme mencionado, o Brasil tem celebrado diversas CDTRs, as quais seguem a Convenção-modelo editada pela OCDE, mesmo não figurando o Brasil entre os membros da referida Organização13.
3.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS CDTRS Embora o fenômeno da dupla tributação não seja recente, mencionando Seligman controvérsia surgida após a implementação de novas formas de tributação em cidades italianas e francesas já no Século XIII14, a celebração de CDTRs somente se tornou comum no curso do Século XX, sendo o tratado celebrado entre a Prússia e o Império Austríaco em 22 de junho de 1899 normalmente citado como a primeira CDTR celebrada15.
12 13 14 15
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Sobre a harmonização da legislação tributária, ver: SILVA, Sergio André R. G. da. Integração Econômica e Harmonização da Legislação Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 8-11. Tendo este fato em consideração, o presente estudo encontra-se baseado na análise do texto da Convenção-modelo da OCDE e das CDTRs celebradas pelo Brasil. SELIGMAN, Edwin R. A. Double Taxation and International Fiscal Cooperation. New York: The Macmillan Company, 1928. p. 32-35. SCHOUERI, Luís Eduardo. Tratados e Convenções Internacionais sobre Tributação. In: Revista Direito Tributário Atual. São Paulo, n. 17, 2003. p. 27.
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Como destaca Adolfo Atchabahian, com base em lição de Brewer Richman, a pouca difusão das CDTRs anteriormente ao Século XX é uma decorrência mesmo de o Imposto de Renda não ter alcançado grande relevância em tal período16. Manuel Pires destaca três diferentes estágios de desenvolvimento das CDTRs: um primeiro, pré-Primeira Guerra Mundial, um segundo no entre guerras e um terceiro pós-Segunda Guerra, destacando, entretanto, que os desenvolvimentos mais significativos sobre a matéria ocorreram apenas nesta terceira fase17. Os primeiros grandes impulsos ao desenvolvimento das CDTRs ocorreram mesmo, contudo, após a Primeira Grande Guerra. No ano de 1920, a Câmara de Comércio Internacional focou sua atenção no tema da dupla tributação, tendo designado um comitê para tratar do assunto. Devido às dificuldades enfrentadas pela Câmara, no ano de 1921 a Liga das Nações, por meio de seu Comitê Financeiro, assumiu a condução da questão18. O Comitê formou então uma comissão de quatro financistas, o Professor Bruins (Holanda), o Senador Luigi Einaudi (Itália), Sir Josiah Stamp (Grã-Bretanha) e o Professor Edwin Seligman (Estados Unidos), os quais levaram adiante sua tarefa através de trocas de correspondências, vindo a se reunir em 1923 em conferência realizada em Genebra. O resultado dos esforços da comissão foi formalizado em relatório apresentado no mesmo ano19. Segundo a narrativa de Seligman, o ponto de partida da comissão foi a questão da cooperação fiscal internacional, analisando-se em que medida tal cooperação envolve algum sacrifício por parte dos Estados envolvidos em um caso de bitributação e, em assim sendo, qual dos Estados deveria suportar tal sacrifício, ou se o mesmo deveria ser distribuído entre os Estados ou, ainda, se haveria critérios para a divisão dos sacrifícios20.
16 17 18 19
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ATCHABAHIAN, Adolfo. Derecho Tributario Internacional. In: BELSUNCE, Horacio A. García (Coord.). Tratado de Tributación. Buenos Aires: Astrea, 2003. t. I. v. II. p. 530. PIRES, Manuel. International Juridical Double Taxation of Income, 1989, p. 217. Cf. SELIGMAN, Edwin R. A. Double Taxation and International Fiscal Cooperation, 1928, p. 114-115. Cf. SELIGMAN, Edwin R. A. Double Taxation and International Fiscal Cooperation, 1928, p. 115. Sobre o relatório da comissão de financistas, ver: CARROLL, Michell B. Prevention of International Double Taxation and Fiscal Evasion: Two Decades of Progress under the League of Nations. Geneva: League of Nations, 1939. p. 13-15. SELIGMAN, Edwin R. A. Double Taxation and International Fiscal Cooperation, 1928, p. 117.
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Ainda de acordo com o Professor da Universidade de Columbia, na falta de uma autoridade central suprema, a cooperação fiscal internacional seria dependente do desenvolvimento de acordos bilaterais, sendo que os principais critérios que pautariam tais acordos seriam a fonte da renda, de um lado, e a residência ou domicílio daquele que tem a sua disponibilidade, de outro, embora o local da coisa e a possibilidade de exercício de um direito também devessem ser levados em consideração21. Após definir os critérios, a comissão buscou aplicá-los a categorias de riquezas específicas, visando determinar situações em que o direito à tributação caberia à fonte e aquelas em que deveria ser atribuído ao país de residência. A comissão analisou também quais seriam os métodos passíveis de serem utilizados para a eliminação da dupla tributação, elencando quatro: o da dedução, o da isenção, o da divisão e o da classificação. Este último foi apontado como o mais apropriado, na medida em que consistiria na atribuição de um tratamento distinto para cada tipo de rendimento22. Ainda em 1922 e antes mesmo de os financistas terem apresentado seu relatório, a Liga das Nações nomeou uma comissão de técnicos fazendários, originários de sete países europeus (Bélgica, França, Holanda, Itália, Reino Unido, Suíça e Tchecoslováquia), para analisar questões relacionadas à dupla tributação é à evasão fiscal23. Em 1926, representantes de Alemanha, Japão, Polônia e Venezuela foram incluídos no grupo e em 1927 foi a vez dos representantes da Argentina e dos Estados Unidos. Ao final, no ano de 1928 a comissão de técnicos apresentou quatro convenções-modelo: uma convenção sobre a dupla tributação da renda, outra sobre tributos sucessórios, e ainda convenções sobre assistência administrativa e judiciária24. Posteriormente a Liga das Nações realizou duas conferências na Cidade do México (1940 e 1943), sendo que nesta segunda conferência foi editada nova Convenção-modelo sobre a dupla tributação da renda, a qual substituiu aquela de 1928. Devido à grande presença de países latino-americanos (cujo envolvimento na Segunda Guerra era de menor relevância), tal Convenção-
21 22 23 24
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SELIGMAN, Edwin R. A. Double Taxation and International Fiscal Cooperation, 1928, p. 121-123. Cf. SELIGMAN, Edwin R. A. Double Taxation and International Fiscal Cooperation, 1928, p. 136. Cf. DAVIES, David R. Principles of International Double Taxation Relief. London: Sweet & Maxwell, 1985. p. 33. Cf. DAVIES, David R. Principles of International Double Taxation Relief, 1985, p. 34; SCHOUERI, Luís Eduardo. Tratados e Convenções Internacionais sobre Tributação, 2003, p. 28.
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modelo caracterizou-se por dar maior relevância ao critério da fonte do rendimento para a atribuição de competência tributária, o qual normalmente é favorável aos países “importadores” de capital estrangeiro25. Esse modelo veio a ser revisto em reunião do Comitê Fiscal da Liga das Nações realizada em Londres, em 1946. A grande diferença entre os dois modelos era que a convenção aprovada no Reino Unido mudava o critério principal de atribuição de competência tributária da fonte para a residência, privilegiando os países desenvolvidos (“exportadores de capital”). Foi realmente após o fim da Segunda Guerra, com a retomada das atividades econômicas pelos países envolvidos no conflito armado que as CDTRs tiveram grande impulso26. Vê-se, portanto, que nesta nova fase exerce papel principal a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE (antiga OECE – Organização Européia para Cooperação Econômica). Com efeito, em 1963 a OCDE edita a sua Convenção-modelo para evitar a dupla tributação da renda. O modelo OCDE foi revisado em 1977 e a partir de 1992 passou a seguir o formato de folhas soltas, de modo a permitir atualizações constantes27. Uma das críticas apresentadas ao modelo da OCDE é que o mesmo tende a privilegiar os países desenvolvidos em detrimento de países em desenvolvimento, beneficiando o Estado de residência sobre o Estado de fonte. Segundo Roy Rohatgi tal característica é conseqüência de a OCDE ser um grupo de países desenvolvidos, os quais teriam interesses e políticas tributárias semelhantes28. Segundo seu entendimento, a Convenção-modelo da OCDE encontra-se baseada em duas premissas: (a) a eliminação da dupla tributação pelo país de residência pela aplicação dos métodos de crédito e isenção; e (b) a redução da competência tributária do país da fonte e a redução das alíquotas quando tal competência fosse mantida29.
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Cf. DAVIES, David R. Principles of International Double Taxation Relief, 1985, p. 35; SCHOUERI, Luís Eduardo. Tratados e Convenções Internacionais sobre Tributação, 2003, p. 28; SERRANO ANTÓN, Fernando. Los Principios Básicos de la Fiscalidad Internacional ..., 2001, p. 106. XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil, 2004, p. 97-98. Cf. BAKER, Philip. Double Taxation Conventions. London: Thompson, 2005. p. A-3. Para um breve histórico da Convenção-modelo da OCDE, ver: OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2000, p. I-1-I-4. Por intermédio da Portaria nº 214/07, o Ministério da Fazenda criou um grupo de trabalho para avaliar a possibilidade de ingresso do Brasil na OCDE. ROHATGI, Roy. Basic International Taxation, 2005, p. 66.
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Buscando conciliar os interesses de países desenvolvidos e países em desenvolvimento, em 1980 as Nações Unidas editaram o seu modelo de convenção para evitar a dupla tributação da renda, o qual vinha sendo pensado desde 1967. Tal modelo veio a ser revisto em 2000. Vale a pena destacar, por fim, que alguns países como os Estados Unidos e a Holanda possuem seu próprio modelo de convenção. Segundo Joseph Isenbergh o modelo americano não difere muito da convenção OCDE. Todavia, tal modelo tem particular atenção com aspectos que preocupam os Estados Unidos, como o tratamento de paraísos fiscais30. Feitos esses comentários, vale a pena deixar registrado que atualmente a maioria das CDTRs celebradas seguem o modelo OCDE31. Este é o caso das CDTRs celebras pelo Brasil, as quais seguem a Convenção-modelo da OCDE, mesmo não sendo o país membro desta organização.
3.2. A POSIÇÃO HIERÁRQUICA DAS CDTRS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Desde o julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004 o Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que os tratados internacionais estão no mesmo patamar hierárquico das leis ordinárias, de modo que eventual antinomia entre disposições de tratados internacionais e leis domésticas deve ser solucionada pela aplicação dos critérios cronológico e de especialidade32. A aplicação desta orientação no caso das CDTRs é, todavia, controvertida, não havendo uma posição do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. Com efeito, de um lado temos a regra insculpida no artigo 98 do Código Tributário Nacional, segundo a qual “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”. Este artigo, de duvidosa constitucionalidade, parece prever a supremacia dos tratados internacionais tributários sobre a legislação interna. Ao se analisar as decisões judiciais sobre a matéria, entretanto, percebese que a questão é ainda um pouco mais complexa, já que o Superior Tribunal
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Cf. ISENBERGH, Joseph. International Taxation. 2nd. ed. New York: Foundation Press, 2005. p. 233. Cf. ARNOLD, Brian J.; MCINTYRE, Michael J. International Tax Primer, 2002, p. 109. ROCHA, Sergio André. Treaty Override no Ordenamento Jurídico Brasileiro: O Caso das Convenções para Evitar a Dupla Tributação da Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 25.
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de Justiça, até a decisão proferida no Recurso Especial nº 426.945 (publicação no DJU em 25/08/2004), decidia de forma uniforme no sentido de que a regra prevista no artigo 98 somente seria aplicável aos tratados contratuais, negando-se sua aplicação aos ditos tratados normativos, isso independentemente da questionável validade científica dessa classificação. Tal orientação encontra raízes em decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a questão33. Ademais, embora, como visto, seja pobre o regramento constitucional acerca das relações entre tratados internacionais e direito interno, há que se destacar o mandamento contido no § 2º do artigo 5º da Constituição, segundo o qual “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Diante dessa previsão, como veremos adiante, alguns estudiosos manifestaram entendimento no sentido de que as CDTRs teriam status constitucional. Além do mencionado § 2º, há que se ter atenção também à regra incorporada ao texto constitucional por intermédio da Emenda Constitucional nº 45/05, a qual adicionou um § 3º ao artigo 5º, o qual estabelece que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Embora seja ainda mais improvável a inclusão das CDTRs entre os “tratados e convenções sobre direitos humanos”, há que se examinar se essa disposição constitucional tem algum papel no debate que ora se apresenta. Vejamos cada um desses aspectos, começando pela análise dos §§ 2º e 3º do artigo 5º da Constituição Federal.
3.2.1. REFLEXÕES SOBRE A APLICABILIDADE DOS §§ 2º E 3º DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM RELAÇÃO ÀS CDTRS Tendo em consideração o silêncio da Constituição Federal sobre o assunto, prevalece o entendimento no sentido de que os tratados internacionais são incorporados ao ordenamento jurídico interno no mesmo patamar hierárquico das leis ordinárias. Seguindo essa linha de idéias as CDTRs seriam incorporadas ao direito interno no mesmo nível hierárquico das leis ordinárias e, em assim sendo,
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Nesse sentido foi a decisão proferida no Recurso Extraordinário nº 196.560 (publicação no Diário da Justiça em 10 de maio de 1999.
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eventual conflito destas com leis tributárias internas deveria ser solucionado com a utilização dos critérios cronológico e de especialidade. Todavia, como já mencionamos, se falta na Constituição regra geral acerca do relacionamento entre o Direito das Gentes e o ordenamento doméstico, há na Lei Maior, por outro lado, regras atinentes aos direitos e garantias fundamentais (artigo 5º, § 2º) e à proteção dos direitos humanos (artigo 5º, § 3º). Essa temática foi objeto de pesquisa específica do autor da presente tese, tornada pública no ano de 200734. Reproduziremos a seguir um resumo das considerações lá apresentadas e das conclusões alcançadas.
3.2.1.1. REFLEXÕES SOBRE A APLICABILIDADE DO § 2º DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM RELAÇÃO ÀS CDTRS Dispõe o § 2° do artigo 5° da Constituição Federal que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Em consonância com tal dispositivo, todas as normas constantes em tratados internacionais que se refiram a direitos fundamentais do homem ganham status constitucional, assumindo, evidentemente, posição hierárquica superior dentro do ordenamento jurídico pátrio. Tendo em vista o entendimento predominante entre os internacionalistas, no sentido de que, por força do disposto no § 2° do artigo 5° da Constituição Federal os tratados que versam sobre direitos e garantias fundamentais ingressam no ordenamento jurídico pátrio em patamar constitucional, surgiram vozes sustentando que também os tratados internacionais tributários, inclusive no que respeita às CDTRs, estavam abarcados por tal dispositivo35. No trabalho antes referido defendemos posição no sentido da não-insersão das CDTRs no âmbito de incidência do dispositivo em comento36.
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ROCHA, Sergio André. Treaty Override no Ordenamento Jurídico Brasileiro [...], 2007, p. 58-69. Cf. XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil, 2004, p. 124; SCHOUERI, Luís Eduardo. Acordos de Bitributação e Lei Interna – Investimentos na Ilha da Madeira – Efeitos da Lei n° 9.249/95. In: Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, n. 17, fev. 1997, p. 97; SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Dialética, 1999. p. 154-156; MATTOS, Aroldo Gomes de. PIS/COFINS: a Não-cumulatividade e os Tratados Internacionais. In: Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, n. 104, maio 2004, p. 11; SILVEIRA, Rodrigo Maitto da. Aplicação de Tratados Internacionais contra a Bitributação: Qualificação de Partnership Joint Ventures. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 90. ROCHA, Sergio André. Treaty Override no Ordenamento Jurídico Brasileiro [...], 2007, p. 59-67.
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O argumento principal então apresentado foi no sentido de que, embora seja possível falar em um princípio (enquanto norma que estabelece fins a serem alcançados) da não-bitributação, não poderia esta (não-bitributação) ser direito fundamental do homem enquanto contribuinte37. Na verdade, a bitributação é um fenômeno que atinge contribuintes sujeitos a duas jurisdições fiscais legitimadas a lhes impor tributos. Dessa forma, embora seja do interesse dos diversos países evitar que a dupla tributação seja causa de um arrefecimento econômico, nenhuma nação está obrigada por um princípio supralegal a renunciar a receitas fiscais em benefício de outro país em função do dito princípio da não-bitributação. Nesse contexto, o papel das convenções internacionais para evitar a dupla tributação da renda é exatamente o de instrumento de rateio de receitas fiscais entre os países signatários, com a conseqüente proteção da capacidade contributiva dos contribuintes38. Veja-se bem: a celebração de convenções para evitar a dupla tributação da renda não é o único meio para se lograr tal objetivo, havendo até mesmo que sustente que tal instrumento deva ceder lugar a outros mecanismos para se evitar a bitributação39. Ademais, enunciar o princípio da não-bitributação não resolve o problema principal, qual seja o estabelecimento de critérios que determinem, diante das operações concretas, qual país irá renunciar à receita fiscal que, de outra forma, caber-lhe-ia. Assim sendo, embora seja óbvio que, como indicado por Alberto Xavier, os direitos do homem enquanto contribuinte estejam incluídos entre os direitos e garantias fundamentais, não parece que as CDTRs veiculem, em si, direitos que se enquadrem em tal categoria. Outro argumento enunciado naquela oportunidade reside no fato, olvidado pelos defensores da inclusão das CDTRs entre os tratados previstos no § 2° do artigo 5° da Constituição Federal, de que caso tratassem tais tratados de direitos fundamentais do homem enquanto contribuinte deveriam estes estar protegidos não só contra alterações por leis ordinárias posteriores, mas sim serem imunes a qualquer forma de revogação, até mesmo sua denúncia.
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ROCHA, Sergio André. Treaty Override no Ordenamento Jurídico Brasileiro [...], 2007, p. 67. Sobre os fins das CDTRs ver o item 3.3 abaixo. Ver: TAVOLARO, Agostinho Toffoli. O Brasil ainda Precisa de Tratados de Dupla Tributação? In: SCHOUERI, Luís Eduardo (Coord.). Direito Tributário: Estudos em Homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 867-892; EASSON, Alex. Do We Still Need Tax Treaties?. 2000, p. 619-625.
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Com efeito, na arena dos direitos humanos vige o princípio da irreversibilidade dos direitos já reconhecidos, diante do qual, assevera Fábio Konder Comparato, “o poder de denunciar uma convenção internacional só faz sentido quando esta cuida de direitos disponíveis. Em matéria de tratados internacionais de direitos humanos, não há nenhuma possibilidade jurídica de denúncia, ou de cessação convencional da vigência, porque se está diante de direitos indisponíveis e, correlatamente, de deveres insuprimíveis”40. Com efeito, se de direitos fundamentais se tratassem, as previsões contidas nas convenções para evitar a dupla tributação da renda deveriam ser consideradas cláusulas pétreas, imodificáveis até mesmo por meio de emenda à Constituição. Por essas razões concluímos ser inaplicável o disposto no § 2° do artigo 5° da Constituição Federal às CDTRs.
3.2.1.2. REFLEXÕES SOBRE A APLICABILIDADE DO § 3º DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM RELAÇÃO ÀS CDTRS Um dos grandes problemas enfrentados pelo § 2º do artigo 5º da Constituição Federal, no que tange à conferência de estatura hierárquica diferenciada às normas de direito internacional, foi certamente a sua ineficácia. Com efeito, nas situações em que examinou a matéria o Supremo Tribunal Federal manifestou posição que reduziu o campo de aplicação do mencionado dispositivo na arena internacional. Foi assim que no Recurso Extraordinário nº 253.071 (publicação no DJU em 29/06/2001) decidiu-se que “o § 2º do artigo 5º da Constituição não se aplica aos tratados internacionais sobre direitos e garantias fundamentais que ingressaram em nosso ordenamento jurídico após a promulgação da Constituição de 1988, e isso porque ainda não se admite tratado internacional com força de emenda constitucional”. De outra parte, em diversas ocasiões firmou a Suprema Corte a prevalência da Constituição Federal sobre os tratados internacionais de direitos humanos. Nesse sentido, ver as decisões proferidas no Habeas Corpus nº 81.319 (publicação no DJU em 19/08/2005), no Recurso em Habeas Corpus nº 80.035 (publicação no DJU em 21/11/2000), no Habeas Corpus nº 73.044 (publicação
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COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 66 e 67. Na mesma linha, ver: DERZI, Misabel Abreu Machado. Direitos Humanos e Tributação. In: XX Jornadas do Instituto Latinoamericano de Derecho Tributario – ILADT. Brasil: ABDF, 2000. v. I. p. 216.
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no DJU em 20/09/1996) e na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.480 (publicação no DJU em 18/05/2001)41. A ineficácia do § 2º do artigo 5º no que tange aos direitos humanos veiculados em tratados internacionais parece ter sido superada com a inclusão do § 3º neste dispositivo, o qual passou a prever uma forma de incorporação de tais pactos internacionais ao ordenamento constitucional interno. De fato, segundo tal dispositivo “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Dessa forma, quer-nos parecer que a partir da vigência desse parágrafo perdeu o § 2º seu âmbito de eficácia42 , isso no que tange aos tratados internacionais de direitos humanos. Concordamos, portanto, com Carmen Tiburcio, quando sustenta que os tratados que sejam aprovados sem a observância do quorum especial previsto no do § 3º do artigo 5º da Constituição “adquirem o status de lei ordinária, como qualquer outro tratado ratificado pelo País, submetendo-se ao critério geral de que o posteriori derrogat priori”43. Considerando a regra prevista no dispositivo constitucional em comento, no caso de um tratado internacional veicular norma que concretize direitos que possam ser considerados direitos do homem enquanto contribuinte, como o direito à não-surpresa ou ao repúdio da tributação confiscatória, e sendo tal tratado aprovado na forma prescrita pelo § 3º do artigo 5º da Constituição Federal, cremos que tal tratado deverá ser considerado equivalente a uma emenda constitucional. Todavia, considerando a natureza das CDTRs, parece-nos que tal não é o caso quando se trata de tais tratados, já que os mesmos não veiculam direitos fundamentais do homem-contribuinte. Feitos esses comentários, temos que nossas conclusões aqui são iguais àquelas alcançadas no item anterior: há tratados que versam sobre matéria
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Sobre esta matéria vale a pena acompanhar o julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343, atualmente em curso perante o Supremo Tribunal Federal. Nesse mesmo sentido: SANTIAGO, Igor Mauler. Relações entre o Direito Interno e o Direito Internacional em Matéria Tributária. In: Revista Internacional de Direito Tributário. Belo Horizonte, v. 3, jan.-jun. 2005, p. 182. TIBURCIO, Carmen. A EC N. 45 e Temas de Direito Internacional. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (Coord.). Reforma do Judiciário: Primeiras Reflexões sobre a Emenda Constitucional N. 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 126.
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tributária que veiculam direitos humanos do homem-contribuinte, os quais, caso sigam o processo legislativo previsto no § 3º do artigo 5º, serão incorporados ao direito interno como emendas constitucionais, todavia, evidentemente esse não é o caso das CDTRs44. A superação do § 2º do artigo 5º da Constituição pelo seu § 3º deixa evidente não haver que se falar na estatura constitucional de tais tratados internacionais, duvidando-se absolutamente que alguma CDTR venha a ser apresentada ao Congresso Nacional para aprovação em nível de emenda constitucional, tal como preconiza o § 3º.
3.2.2. O ARTIGO 98 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL Considerando a posição esposada acima, no sentido de que as CDTRs não se encontram incluídas no âmbito de incidência dos §§ 2º e 3º do artigo 5º da Constituição Federal, resta-nos examinar o papel do artigo 98 do Código Tributário Nacional no debate quanto à posição hierárquica de tais convenções no ordenamento jurídico pátrio. Segundo tal dispositivo, “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”. O contexto da gênese do artigo 98 do Código Tributário Nacional foi reportado por Gilberto de Ulhôa Canto: [...] O artigo consagrou o princípio que ao tempo do Código era tranqüilamente aceito pela jurisprudência dos nossos tribunais. [...] Por volta de 1942, por aí, ou antes, talvez, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar um caso, que por coincidência era um caso de direito tributário, em que se invocava um tratado de comércio e navegação entre o Brasil e o Uruguai, em abono do reconhecimento de isenção de Imposto de Importação, e tendo como relator essa figura exponencial que foi Philadelfo Azevedo, firmou o princípio da prevalência do tratado, muito embora após a sua promulgação várias leis de caráter geral tivessem estabelecido a incidência do Imposto de Importação. Considerou a Corte que essas leis não eram poderosas o bastante para tornar sem efeito a norma isentiva do tratado, porque este, depois de aprovado pelo Brasil, pela forma que a Constituição prevê, se integra na legislação interna,
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Entendimento diverso é manifestado pelo professor Luís Eduardo Schoueri (Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2006. p. 271-272).
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mas tem pré-eminência sobre as normas nacionais contrárias, até que seja denunciado. A esta orientação o Supremo Tribunal Federal se ateve por muitos anos. Quando elaboramos o anteprojeto do CTN consignamos o princípio, porque tínhamos plena convicção de que além de prevalecer na jurisprudência, era certo. Acontece que, recentemente, em 1° de junho de 1977, julgando o RE nº 80.004, o Supremo Tribunal Federal mudou de posição, contra o voto do relator, Min. Xavier de Albuquerque (‘RTJ’, vol. 83, os. 809 e segs.).45 (Grifo nosso)
Percebe-se, portanto, que a finalidade dos elaboradores do Código Tributário Nacional era apenas positivar o entendimento que aparentemente seria seguido pelo Supremo Tribunal Federal em matéria de relação entre o direito internacional e o direito interno, sendo certo que, como visto acima, com o julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004 a Corte Suprema posicionou-se em posição distinta do que haviam antecipado os redatores do Código. Assim, não parece descabido afirmar que o artigo 98 é decorrência de um açodamento do legislador tributário, que no exercício do futurismo tentou antever qual seria a posição que se cristalizaria na Corte Suprema. Tivesse o Código sido elaborado após 1977 e a regra em comento muito provavelmente não existiria. A despeito do exposto, não se pode ignorar a presença do dispositivo no Código Tributário Nacional. Ademais, embora se reconheça ter o legislador laborado sobre fato que ao final se mostrou equivocado, não é menos verdade estar evidente que o seu propósito era estabelecer a prevalência dos tratados tributários sobre a legislação interna. Todavia, há que se cogitar quanto à compatibilidade do artigo 98 do Código Tributário Nacional com a Constituição Federal, em um ordenamento em que o Supremo Tribunal Federal adota posicionamento divergente daquele que lhe inspirou.
3.2.2.1. ANÁLISE QUANTO À COMPATIBILIDADE DO ARTIGO 98 COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL A maioria dos estudiosos do assunto sustenta posição no sentido da constitucionalidade do artigo 98, ao argumento principal de estar este inserido no Código Tributário Nacional, o qual, a partir da Constituição Federal de
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CANTO, Gilberto de Ulhôa. Legislação Tributária, sua Vigência, sua Eficácia, sua Aplicação, Interpretação e Integração. In: Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 267, jul.–set. 1979, p. 27.
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1988, passou a ter estatura de lei complementar, veiculando as normas gerais de Direito Tributário na forma do artigo 146 da Carta Política46. Seguindo essa linha de entendimentos, o artigo 98 seria norma introdutora de uma limitação ao legislador ordinário de exercer sua competência desconsiderando as regras pactícias. Nas palavras de Heleno Taveira Tôrres, a segunda parte desse dispositivo “é uma restrição ao sistema, quanto à produção normativa, posta para evitar possíveis hipóteses de desobediência ao conteúdo das convenções, isoladamente, coarctando qualquer possibilidade de futura ad-rogação ou derrogação por parte de lei interna às convenções em espécie”47. Como deixei assentado em outra oportunidade, por mais respeitáveis que sejam as opiniões daqueles que sustentam a posição acima, não conseguimos nos filiar à mesma, e a razão para isso é que nos parece irrazoável alegar que o Código Tributário Nacional está complementando a Constituição ao estabelecer uma supremacia dos tratados internacionais sobre o direito interno que não se encontra prevista na Lei Maior48. Com efeito, partindo-se da premissa de que o Código Tributário Nacional trata-se de lei ordinária com status de complementar, a qual veicula uma série de limitações ao legislador ordinário, impõe-se reconhecer que tais limitações somente serão válidas e eficazes quando compatíveis com a Constituição, e então tornamos a repetir que na Lei Maior não há qualquer previsão que indique a supremacia do Direito das Gentes sobre as regras de direito interno. Diz-se que a legitimidade do artigo 98 é decorrência de se encontrar o mesmo encartado na lei complementar que traz normas gerais de Direito Tributário. Contudo, a previsão da supremacia dos tratados e convenções internacionais sobre o direito interno não parece inserir-se no conjunto das normas gerais de Direito Tributário. Afirma-se que o artigo 98 trataria de uma limitação ao poder de tributar. Ora, o artigo 146 ao estabelecer caber à lei complementar tratar das limitações
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Para uma revisão de bibliografia neste sentido, ver: ROCHA, Sergio André. Interpretação dos Tratados contra a Bitributação da Renda, 2008, p. 35-36. TÔRRES, Heleno. Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, p. 581. Ver, ainda: VELLOSO, Carlos Mario da Silva. O Direito Internacional e o Supremo Tribunal Federal. In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (Org.). O Brasil e os Novos Desafios do Direito Internacional. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 424. ROCHA, Sergio André. Treaty Override no Ordenamento Jurídico Brasileiro [...], 2007, p. 79-80.
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ao poder de tributar refere-se àquelas que se encontram previstas no texto constitucional, entre as quais não está elencada a situação de que se cogita. Assim, de forma alguma se trata o artigo 98 de regra que veicula a regulamentação de uma limitação ao poder de tributar. Dessa forma, somos da opinião de que o artigo 98 do Código Tributário Nacional não é compatível com a Constituição Federal. Na verdade, cremos que tal artigo já nasceu inconstitucional49. É possível concluir, portanto, que o artigo 98 do Código Tributário Nacional, ao pretender estabelecer a supremacia dos tratados internacionais tributários sobre a legislação interna, usurpou competência da Constituição Federal de impor limites ao legislador ordinário sobre esta matéria, não podendo ser considerado compatível com a Carta Política. A despeito da opinião sustentada neste trabalho, é importante destacarmos que a inconstitucionalidade do artigo 98 do Código Tributário Nacional nunca foi enunciada pelo Supremo Tribunal Federal. Do contrário, a Corte Suprema em várias decisões reconheceu a aplicabilidade do artigo 98, embora tenha limitado seu alcance aos denominados tratados contratuais, afastando de seu alcance os ditos tratados normativos. Após a Constituição Federal de 1988 essa linha de entendimentos também foi acolhida de forma expressa em diversas decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça50. Nada obstante, em 22 de junho de 2004 foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça o Recurso Especial nº 426.945, no qual a Corte adotou postura que rompe com a tradição das decisões tanto do Superior Tribunal de Justiça como do Supremo Tribunal Federal, seguindo entendimento que vai na linha da prevalência do direito internacional sobre o direito interno51.
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Para uma revisão de bibliografia neste sentido, ver: ROCHA, Sergio André. Interpretação dos Tratados contra a Bitributação da Renda, 2008, p. 37. Ver as decisões proferidas nos seguintes processos: Recurso Especial nº 34.932 (publicação no DJU em 13 de setembro de 1993); Recurso Especial nº 37.065 932 (publicação no DJU em 21 de fevereiro de 1994); Recurso Especial nº 45.759 (publicação no DJU em 06 de junho de 1994); Recurso Especial nº 47.244 (publicação no DJU em 27 de junho de 1994); Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 67.007 (publicação no DJU em 28 de abril de 1997); e Recurso Especial nº 196.560 (publicação no DJU em 10 de maio de 1999). Para um exame detido dos fundamentos dessa decisão, ver: ROCHA, Sergio André. Treaty Override no Ordenamento Jurídico Brasileiro [...], 2007, p. 92-104; ELALI, André. Direito Tributário numa Economia Globalizada – Tributação e Integração Econômica Internacional: um exame do entendimento do STJ sobre os acordos que impedem a dupla tributação da renda no âmbito internacional. In: Revista Tributária e de Finanças Públicas. São Paulo, n. 68, mai.-jun. 2006.
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Mais recentemente, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 229.096, o Supremo Tribunal seguiu esta tendência, expressamente reconhecendo a constitucionalidade do artigo 98 do Código Tributário Nacional52.
3.2.3. AS CDTRS
COMO VEÍCULOS INTRODUTORES DE REGRAS ESPECIAIS
DE TRIBUTAÇÃO
Não raro se encontra na literatura sobre o tema de que ora nos ocupamos a menção de que a prevalência das CDTRs decorreria de sua especialidade sobre a legislação tributária interna. Tal fato (a especialidade das convenções em relação às regras internas) é, regra geral, sustentável, já que, tratando-se de acordos bilaterais, versam as convenções de que se trata sobre questões específicas concernentes à tributação de operações realizadas entre residentes dos dois Estados contratantes. Dessa forma, em função da especialidade de que em princípio se revestem as CDTRs, as mesmas prevaleceriam sobre o direito interno, aplicando-se, portanto, o critério de especialidade. Essa linha de raciocínio é sustentada no Brasil, entre outros, por Luís Eduardo Schoueri53, Luciano Amaro54, Marciano Seabra de Godoi55, Heleno Tôrres 56 , Paulo Ayres Barreto57 , Betina Treiger Grupenmacher 58, Diva Malerbi59, Helenilson Cunha Pontes60, Taísa Oliveira Maciel61, Gabriel
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56 57 58 59 60
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Sobre o tema, ver: ROCHA, Sergio André. Isenção de Tributos estaduais e municipais via tratado internacional e efeitos do artigo 98 do CTN: análise da decisão do RE nº 229.096-0. In: Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, n. 160, jan-2009, p. 84-90. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro, 1999, p. 166-168. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 174-177. GODOI, Marciano Seabra de. Os Tratados ou Convenções Internacionais para Evitar a Dupla Tributação e sua Hierarquia Normativa no Direito Brasileiro. In: SHOUERI, Luís Eduardo (Coord.). Direito Tributário: Estudos em Homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Quartier Latin, 2003. p. 1000. TÔRRES, Heleno. Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, p. 593 e 594. BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a Renda e Preços de Transferência. São Paulo: Dialética, 2001. p. 169. GRUPENMACHER, Betina Treiger. Tratados Internacionais em Matéria Tributária e Ordem Interna. São Paulo: Dialética, 1999. p. 118. MALERBI, Diva. Tributação no Mercosul. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Tributação no Mercosul. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 79. PONTES, Helenilson Cunha. Tributação no Mercosul. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Tributação no Mercosul. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 365. PONTES, Helenilson Cunha. A tributação dos lucros do exterior e os tratados para evitar a dupla tributação da renda. In: PIRES, Adilson Rodrigues; TÔRRES, Heleno Taveira (Org.). Princípios de Direito Financeiro e Tributário: Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 874-877. MACIEL, Taísa Oliveira. Tributação dos Lucros das Controladas e Coligadas Estrangeiras. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 151.
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Francisco Leonardos62 , Edmar Oliveira Andrade Filho 63, Igor Mauler Santiago64, Antonio Carlos Rodrigues do Amaral e Douglas Yamashita65. Na doutrina estrangeira lição nesse sentido é encontrada, por exemplo, em Klaus Vogel66 e Manuel Pires67. O grande problema desse critério é que a análise acerca do caráter especial da norma internacional é de todo casuístico podendo ser, por vezes, de difícil apreciação. A dificuldade da utilização do critério da especialidade de solução de antinomias, notadamente quando verificado um conflito entre este e o critério cronológico, foi percebida por Norberto Bobbio no seguinte trecho: Conflito entre o critério de especialidade e o cronológico: esse conflito tem lugar quando uma norma anterior-especial é incompatível com uma norma posterior-geral. Tem-se conflito porque, aplicando o critério de especialidade, dá-se preponderância à primeira norma, aplicando o critério cronológico, dá-se prevalência à segunda. Também aqui foi transmitida uma regra geral que soa assim: Lex posterior generalis non derogat priori speciali. Com base nessa regra, o conflito entre critério de especialidade e critério cronológico deve ser resolvido em favor do primeiro: a lei geral sucessiva não tira do caminho a lei especial precedente. O que leva a uma posterior exceção ao princípio lex posterior derogat priori: esse princípio falha não só quando a lex posterior é inferior, mas também quando é generalis (e a lex prior é especialis). Essa regra, por outro lado, deve ser tomada com uma certa cautela, e tem um valor menos decisivo que o da regra anterior. Dir-se-ia que a lex especialis é menos forte do que a lex superior, e que, portanto, a sua vitória sobre a lex posterior é mais contrastada. Para fazer afirmações mais precisas nesse campo, seria necessário dispor de uma ampla casuística.68
62 63 64 65
66 67 68
LEONARDOS, Gabriel Francisco. Tributação da Transferência de Tecnologia. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 29. ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Imposto de Renda das Empresas. São Paulo: Atlas, 2004. p. 293. SANTIAGO, Igor Mauler. Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução de Conflitos. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 56. AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do; YAMASHITA, Douglas. Norma Antielisão: Tributação de Lucros no Exterior. Disponibilidade da Renda e Tratados Internacionais. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (Coord.). Direito Tributário: Estudos em Homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Quartier Latin, 2003. p. 912-913. VOGEL, Klaus. The Domestic Law Perspective. In: MAISTO, Guglielmo (Org.). Tax Treaties and Domestic Law. Amsterdam: IBFD, 2006. p. 3. PIRES, Manuel. International Juridical Double Taxation of Income, 1989, p. 221. BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. Tradução Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Brasília: UNB, 1999. p. 108.
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Conforme destaca Vicente Ráo, é possível que uma nova lei geral pretenda substituir todo um sistema até então em vigor, sendo que nesse caso tal lei revogaria todas as disposições anteriores, inclusive as especiais. Em textual: Se as disposições nova e antiga (gerais ou especiais) não forem incompatíveis, podendo prevalecer umas e outras, umas a par de outras, não ocorrerá revogação alguma. Quando, porém, a lei nova regular por inteiro a mesma matéria contemplada por lei ou leis anteriores, gerais ou particulares, visando substituir um sistema por outro, uma disciplina total por outra, então todas as leis anteriores sobre a matéria devem considerar-se revogadas.69
Nessa linha de raciocínio, e tendo em foco as CDTRs, no caso da lei posterior estabelecer o novo regime aplicável a “toda e qualquer operação”, por exemplo, é plausível a exegese no sentido de que a lei nova regulou por inteiro a matéria contemplada na convenção anterior, referente à tributação da mesma operação com um país específico, “visando substituir um sistema por outro, uma disciplina total por outra”, caso em que a aplicação do critério de especialidade poderia ser posta em xeque. Além disso, e pensando agora em uma situação completamente hipotética, poderíamos imaginar um caso em que fosse editada lei mencionando, de forma expressa, que a tributação seria alterada “inclusive nos casos em que o Brasil possuir convenção para evitar a dupla tributação da renda”70. Em uma hipótese assim a aplicação do critério da especialidade teria que ceder espaço para o critério cronológico. Diante do exposto, é possível concluir que as normas previstas nas CDTRs tratam-se de normas especiais em relação ao direito interno, de modo que, regra geral, eventual antinomia entre os dois será resolvida em favor da aplicação do tratado.
3.3. OBJETIVOS DAS CDTRS Embora pareça até intuitivo que o objetivo principal das CDTRs é evitar a dupla tributação sobre rendimentos vinculados aos países contratantes por meio de elementos de conexão. Contudo, como já pontuavam Fernando Sainz
69 70
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RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 343. Nesse sentido: SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro, 1999, p. 168; SANTIAGO, Igor Mauler. Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução de Conflitos, 2006, p. 56.
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de Bujanda 71 e Ramón Valdés Costa72, são muitas as finalidades de tais tratados, examinando-se a seguir aqueles que nos parecem mais relevantes.
3.3.1. EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO DA RENDA O propósito primário das CDTRs é evitar a dupla tributação da renda. Como destaca Luís Eduardo Schoueri, tais tratados “são instrumentos de que se valem os Estados para, através de concessões mútuas, diminuir ou impedir a ocorrência do fenômeno da bitributação internacional em matéria de imposto sobre a renda, além de meio para o combate à evasão fiscal”73. Nesse contexto, pode-se dizer que as CDTRs concretizam o que se poderia chamar de princípio da não-bitributação internacional. Ao retomarmos este assunto é importante destacar qual a noção de princípio que está sendo aqui utilizada, já que, nas acertadas palavras de Virgílio Afonso da Silva, “o termo princípio é plurívoco. Isso, em si, não significa nenhum problema. Problemas só surgem a partir do momento em que o jurista deixa de perceber esse fato e passa a usar o termo como se todos os autores que a ele fazem referência o fizessem de forma unívoca”74. No presente capítulo está sendo adotado o conceito de princípio como norma finalística, mandado de otimização, para utilizar a expressão de Robert Alexy, o qual determina que dado estado de coisas seja alcançado tanto quanto possível, resguardadas as limitações fáticas e jurídicas75. Dessa forma, a não-bitributação internacional seria um princípio jurídico, o qual pode se realizar por meio de medidas unilaterais, bilaterais e multilaterais.
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SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Sistema de Derecho Financiero I. Madrid: Facultad de Derecho de la Universidad Complutense, 1985. v. II. p. 477. COSTA, Ramón Valdés. Instituciones de Derecho Tributario. 2. ed. Buenos Aires: Depalma, 2004. p. 34. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2006. p. 260. SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito: Os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 35. Cf. ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Tradução Ernest Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001. p .86. Sobre o tema, ver: HECK, Luís Afonso. Regras, Princípios Jurídicos e sua Estrutura no Pensamento de Robert Alexy. In: LEITE, George Salomão (Coord.). Dos Princípios Constitucionais: Considerações em torno das normas principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 52-100; ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 15-77; SILVA, Virgílio Afonso da, A Constitucionalização do Direito: Os direitos fundamentais nas relações entre particulares, 2005, p. 29-37; TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: Valores e Princípios Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. v. II. p. 275-283.
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As CDTRs seriam tratados bilaterais que concretizam o princípio da nãobitributação internacional. A OCDE, em seu relatório acerca da tributação das partnerships, coloca como escopo das CDTRs, ao lado da prevenção da dupla tributação a prevenção da dupla isenção76. Todavia, há que se concordar com Michael Lang quando este afirma que evitar a dupla isenção não é uma das finalidades das CDTRs77. De fato, parece-nos que a dupla isenção é uma conseqüência da desarmonia hermenêutica no campo das CDTRs (ou de um benefício fiscal encartado nas mesmas), não sendo um problema internacional que se busca solucionar mediante a celebração de convenções78.
3.3.2. A REPARTIÇÃO DE RECEITAS TRIBUTÁRIAS ENTRE OS PAÍSES CONTRATANTES
Parece-nos que a principal finalidade de uma CDTR, ao concretizar o dito princípio da não-bitributação, é a repartição de receitas tributárias entre os países contratantes, já que este parece ser o único dos propósitos que não pode ser alcançado mediante a adoção de medidas unilaterais por parte dos Estados. A distribuição das receitas tributárias no âmbito das CDTRs é questão envolta em controvérsia, principalmente nas situações em que o tratado é celebrado países desenvolvidos e países em desenvolvimento. De fato, reconhece-se, por um lado, que no caso de CDTRs celebradas entre países desenvolvidos, os quais sejam, simultaneamente e de forma equilibrada, importadores e exportadores de capital, é possível alcançar um balanceamento na divisão das receitas tributárias mediante a convenção.
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77 78
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OECD. The Application of the OECD Model Tax Convention to Partnerships. In: OECD. Model Tax Convention on Income and on Capital. Paris: OECD, 2000. v. II. p. R(15)-20/21. Sobre a dupla não-tributação, ver: TEIXEIRA, Alexandre Alkmin. Dupla Não-Tributação: Entre o Poder de Tributar e as Convenções Internacionais em Matéria Fiscal. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2007. v. IV. p. 241-270. LANG, Michael. General Report. In: IFA. Cahiers de Droit Fiscal International: Double Nontaxation. Deventer: Kluwer Law International, 2004. v. 89a. p. 81. Segundo Alberto Xavier tal afirmação é particularmente verdadeira no que concerne aos tratados celebrados pelo Brasil. Segundo o professor “pode-se dizer que, para o Brasil, a dupla não-tributação não é considerada um objetivo a ser alcançado por meio de tratados tributários. De fato, não só tal objetivo não é mencionado no título ou em qualquer outra passagem dos textos das convenções, como o Brasil favoreceu ativamente a adoção de cláusulas de créditos presumido e fictício, as quais privilegiam o efeito de incentivos econômicos a investimentos estrangeiros e não o objetivo de evitar a dupla não-tributação” (XAVIER, Alberto. [Brazilian Report]. In: IFA. Cahiers de Droit Fiscal International: Double Non-taxation. Deventer: Kluwer Law International, 2004. v. 89a. p. 227).
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Todavia, nos casos de tratados celebrados entre países desenvolvidos e outros em desenvolvimento, a divisão das receitas fiscais torna-se complexa, havendo uma competição entre a tributação pela fonte dos rendimentos e a taxação pelo país da residência79. Mecanismo de incentivo de investimentos pensado no contexto das relações entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, e que acaba tendo reflexos sobre a repartição de receitas tributárias, é a atribuição de créditos presumidos (matching credit) ou fictícios (spare credit). O matching credit é concedido mediante a atribuição pelo país de residência de um crédito fixo a ser aplicado sobre o valor remetido, independentemente do montante efetivamente retido no país da fonte80. Já o spare credit é atribuído com vistas a evitar que benefícios fiscais concedidos pelo país da fonte sejam anulados pela tributação no país da residência81. Nas palavras de Alberto Xavier: Enquanto a cláusula de “tax sparing” pressupõe incentivo preexistente que visa a preservar, a cláusula de “matching credit” atribui o direito à dedução no Estado de residência de um crédito fixado “a fortait”. Seja qual for a política fiscal do outro Estado, estabeleça ele ou não um imposto reduzido ou até mesmo uma isenção: é este o significado da expressão “o imposto será sempre considerado como tendo sido pago à alíquota de ...”.82
A eficácia das cláusulas de créditos fiscais presumidos ou fictícios para incentivar a investimentos em países em desenvolvimento vem sendo questionada no âmbito da própria OCDE, conforme se verifica pela análise do relatório publicado no ano de 1997, intitulado Tax Sparing: A reconsideration83. Contudo, independentemente da posição da OCDE parece ter razão Victor Thuronyi, quando afirma que as cláusulas em questão permanecem sendo utilizadas em diversas CDTRs84. Tal consideração tem plena pertinência
79 80 81 82
83 84
Ver: ROHATGI, Roy. Basic International Taxation, 2005, p. 3; DAVIES, Daniel R. Principles of International Double Taxation Relief, 1985, p. 4. Cf. XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil, 2004, p. 824. Cf. XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil, 2004, p. 824. XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil, 2004, p. 824. Sobre Tax Sparing, ver: TOAZE, Deborah. Tax Sparing: Good Intentions, Unintended Results. Canadian Tax Journal, v. 49, n. 4, 2001, p. 880-882; HINES JR., James R. “Tax Sparing” and Direct Investment in Developing Countries. Cambridge: National Bureau of Economic Research, 1998. p. 2. OECD. Model Tax Convention on Income and on Capital. Paris: OECD, 2000. v. II. p. R (14)4-R(14)72. THURONYI, Victor. Comparative Tax Law. The Hage: Kluwer Law International, 2003. p. 22.
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na realidade brasileira, havendo cláusulas de tax sparing e matching credit em diversas convenções celebradas pelo Brasil. Embora reste evidenciada, portanto, a relevância das CDTRs enquanto mecanismos de divisão de receitas tributárias, inclusive no que tange ao relacionamento entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, parece-nos que esta questão encontra-se inserida na arena da política internacional, sendo mais um campo onde tais países debatem uma convivência que promova o crescimento dos últimos.
3.3.3. FOMENTO AOS
INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS (SEGURANÇA JURÍDICA
E ESTABILIDADE DA TRIBUTAÇÃO SOBRE INVERSÕES ESTRANGEIRAS)
Uma das finalidades das CDTRs é a proteção da segurança jurídica dos investimentos estrangeiros, mediante a previsibilidade das regras aplicáveis para evitar a dupla tributação da renda85 . Citando lição de David R. Davies86 , é possível que haja situações em que a dupla tributação seja evitada por intermédio de medidas unilaterais, de modo que a CDTR torna-se irrelevante para fins de evitar a dupla tributação, a qual, mesmo no caso de sua inexistência, não ocorreria. Todavia, ainda em tais circunstâncias as CDTRs exercem o importantíssimo papel de possibilitar aos investidores estrangeiros a previsibilidade das regras tributárias e a conseqüente estabilidade de suas operações. Nas palavras de Brian J. Arnold e Michael McIntyre, “um dos mais importantes objetivos de tratados tributários é proporcionar certeza para os contribuintes. Certeza no que se refere às conseqüências fiscais de operações transnacionais é um importante fator para facilitar tal investimento”87. Nesse contexto, uma vez que têm como efeito a segurança quanto à tributação de operações com não-residentes, as CDTRs viabilizam a realização de investimentos, reduzindo os riscos fiscais relacionados às operações transnacionais. Como bem percebido por Roberto França de Vasconcellos, há aqui uma duplicidade de intenções, a depender do ponto de vista levado em consideração, se do importador ou do exportador de capital. No primeiro caso, a celebração de CDTRs tem o papel de estimular a participação do Estado no comércio internacional, enquanto que no segundo a preocupação maior seria com o resguardo da segurança jurídica do investidor.
85 86 87
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Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. A Convenção Brasil-Alemanha e sua Aplicação em Face do Direito Brasileiro. In: Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 83, 2002, p. 10. DAVIES, David R. Principles of International Double Taxation Relief,1985, p. 4. ARNOLD, Brian J.; MCINTYRE, Michael J. International Tax Primer, 2002, p. 106.
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Além disso, em princípio a celebração de uma CDTR também pode fomentar investimentos mediante a inclusão das já referidas cláusulas de créditos presumido e ficto, as quais geram vantagens fiscais para o investidor no seu país de domicílio.
3.3.4. CONCRETIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NÃO-DISCRIMINAÇÃO O princípio da não-discriminação estabelece como fim que nacionais, pessoas físicas ou jurídicas, de determinado Estado, não tenham qualquer vantagem tributária em relação a estrangeiros88. Com isso, busca-se que os Estados não utilizem a nacionalidade como critério discriminatório para fins fiscais. Nas palavras de Heleno Tôrres: Sobre suas características, mostra-se, o princípio da não discriminação, como um preceito vinculante para os Estados que o contemplem, quanto à criação ou aplicação de normas que tenham por finalidade entabular restrições de natureza tributária para os nacionais de outro Estado. Descortina-se, assim, a natureza de instrumentalidade do princípio da não-discriminação, na garantia de aplicação de um tratamento fiscal equivalente para os nacionais de um e de outro Estado signatário. Sendo instrumental, descabe falar de um valor absoluto que lhe possa servir como único conteúdo possível, porquanto o tratamento discriminatório praticado contra nacionais do outro Estado signatário pode manifestarse por vários modos, pois tratar de maneira distinta situações similares ou situações diversas de modo igual, a partir de uma análise de comparabilidade, pode tanto demonstrar a presença de uma discriminação, como de uma restrição, ou mesmo de nenhuma das duas.89
Uma das finalidades das CDTRs consiste na concretização do princípio da não-discriminação, propósito este alcançado por intermédio da regra posta no artigo 24 da Convenção-modelo da OCDE.
88
89
Cf. XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil, 2004, p. 278-285; OKUMA, Alessandra. Princípio da Não-Discriminação e a Tributação das Rendas de Não-Residentes no Brasil. In: TÔRRES, Heleno (Coord.). Direito Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003. p. 263-267; TÔRRES, Heleno Taveira. Princípio da Territorialidade e Tributação de Não-Residentes no Brasil. Prestações de Serviços no Exterior. Fonte de Produção e Fonte de Pagamento. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003. p. 108 e 109; GRAETZ, Michael J. Foundations of International Income Taxation. New York: The Foundation Press, 2003. p. 436. TÔRRES, Heleno. Capital estrangeiro e o princípio da não-discriminação tributária no direito interno e nas convenções internacionais. In: Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, n. 87, dez. 2002, p. 45-46.
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Como destaca Kees van Raad, tal dispositivo “compreende quatro normas distintas contra o tratamento tributário menos favorável: uma que proíbe o tratamento menos favorável baseado na nacionalidade estrangeira (parágrafo 1º) e três que proíbem o tratamento menos favorável que seja baseado na não-residência, tanto na forma direta (parágrafo 3º) quanto indireta (parágrafos (4º e 5º)”90.
3.3.5. EVITAR A EVASÃO FISCAL Outra finalidade das CDTRs é prevenir a evasão fiscal91. Como destaca David R. Davies, “enquanto de um lado negócios internacionais estão expostos ao risco de serem sujeitos à dupla (ou até múltipla) tributação, de outro lado, tais atividades podem também apresentar oportunidades de elisão ou evasão fiscais”92. É interessante a análise feita por Philip Baker, para quem, a despeito da evidente dependência dos Estados em relação aos tributos, a arrecadação fiscal continuará sendo uma atividade impopular, de forma que se pode esperar que a elisão e até mesmo a evasão tributárias continuem sendo uma constante93 . Assim, segundo o professor britânico, “um dos papéis da tributação internacional do século XXI será o de dar assistência às autoridades fiscais no combate à evasão fiscal, como também ajudá-las na determinação da linha divisória entre a elisão fiscal aceitável e a inaceitável”94. Um dos mecanismos convencionais de prevenção da evasão fiscal é o intercâmbio de informações, previsto no artigo 26 da Convenção-modelo da OCDE.
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VAN RAAD, Kees. Não-discriminação na Tributação de Operações Transnacionais: Escopo e Questões Conceituais. Tradução Flávio Rubinstein. In: Revista Direito Tributário Atual, São Paulo, n. 19, 2005, p. 52. Cf. PIRES, Manuel. International Juridical Double Taxation of Income, 1989, p. 214; SERRANO ANTÓN, Fernando. Los Principios Básicos de la Fiscalidad Internacional ..., 2001, p. 119; ROTHMANN, Gerd W. Bitributação Internacional, 1983, p. 138. DAVIES, David R. Principles of International Double Taxation Relief, 1985, p. 6. Sobre o planejamento fiscal internacional, ver: MOREIRA JÚNIOR, Gilberto de Castro. Elisão Fiscal Objetiva no âmbito Internacional. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; ANDRADE, José Maria Arruda de (Coords.). Planejamento Tributário. São Paulo: MP Editora, 2007. p. 49-62. BAKER, Philip. A Tributação Internacional no Século XXI, 2005, p. 43-44. Sobre as razões que levam os contribuintes a não se sentirem inclinados a adimplir seus deveres fiscais, ver: SCHMÖLDERS, Günter. The Psychology of Money and Public Finance. Tradução Iain Grant e Karen Green. New York: Palgrave Macmillan, 2006. p. 157-210; ROCHA, Sergio André. Ética da Administração Fazendária e Processo Administrativo Fiscal. In: ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Tributário: Estudos em Homenagem ao Professor Aurélio Pitanga Seixas Filho. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 613-616. BAKER, Philip. A Tributação Internacional no Século XXI. Tradução Elise M. Sakane. In: Revista Direito Tributário Atual. São Paulo, n. 19, 2005. p. 44.
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A própria utilização das CDTRs pode se dar de forma ilegítima95, sendo a principal forma de abuso o chamado treaty shopping, o uso impróprio do tratado, o qual, nas palavras de Rosembuj “indica o uso de um convênio de dupla tributação por parte de uma pessoa jurídica, física ou sujeito de direito que, com propriedade, carece de legitimidade para fazer-lo”96. Com vistas a evitar o treaty shopping as CDTRs passaram a prever disposições anti-abuso, como as regras de beneficiário efetivo e as cláusulas de limitação de benefícios (cláusulas LoB). A cláusula de beneficiário efetivo busca desconsiderar empresas interpostas (conduit companies) em um dos Estados contratantes por outra que não teria direito a se valer das regras do CDTR. Já as cláusulas LoB, conforme destaca Luís Eduardo Schoueri, “pressupõe a existência de uma lista de situações às quais o acordo não se estende”97.
95 96 97
Cf. UCKMAR, Victor. Introducción. In: UCKMAR, Victor (Coord.). Curso de Derecho Tributario Internacional. Tradução Cristian J. Billardi; Juan O. Zanotti Aichino. Bogotá: Temis, 2003. v. I. p. 8. ROSEMBUJ, Tulio. Fiscalidad Internacional. Madrid: Marcial Pons, 1998. p. 111. SCHOUERI, Luís Eduardo. Questões Atuais da Tributação e da Cooperação Internacionais. In: Revista de Direito Tributário Internacional. São Paulo, n. 2, fev. 2006. p. 53.
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Integração Econômica e Harmonização Tributária
Sergio André Rocha Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho. Professor de Direito Tributário da Faculdade de Direito da FGV-Rio.
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728 - INTEGRAÇÃO ECONÔMICA E HARMONIZAÇÃO TRIBUTÁRIA
1. INTRODUÇÃO O ser humano, gregário por natureza, há muito descobriu a necessidade de viver em sociedade, compartilhando, no seio da coletividade, a responsabilidade pela realização das tarefas necessárias ao seu desenvolvimento. Essa coletivização do trabalho, que inicialmente tinha como foco as pequenas comunidades familiares, com o passar dos anos, e o desenvolvimento das atividades empreendidas pela humanidade, foi distribuindo-se, passando a ser realizada de forma difusa, dentro do contexto de focos comunitários de maior amplitude que o familiar. Em razão do notável desenvolvimento técnico-científico experimentado pela raça humana no último século, cresceram, em igual proporção, os problemas e as necessidades das comunidades de massa, com a consequente demanda da coletivização mundial dos esforços econômicos, aumentando, portanto, a necessidade do alargamento das relações entre os diversos países. Nesse contexto, surge a integração econômica internacional, representando o reconhecimento de que os países, da mesma forma que os indivíduos, são gregários, e dependem das relações com outras nações para melhor atingirem seus objetivos. É nesse sentido que Manuel Garcia Pelayo afirma que “o Estado não existe isoladamente, mas em conexão e relação com os demais Estados”1. Assim sendo, levando-se em conta que os processos de integração econômica defluem da necessidade intrínseca do inter-relacionamento das nações na esfera internacional, não causa espécie que os primeiros movimentos concretos de integração, surgidos no continente europeu a partir da metade do século XX, tenham tido origem em um momento histórico adverso, qual seja, o período final da Segunda Guerra Mundial e a primeira década do pós-guerra. Nesse período, as economias das maiores potências do continente europeu estavam completamente devastadas, em razão da hecatombe que se fez presente na Europa durante a guerra.
1
PELAYO, Manuel Garcia. Derecho Constitucional Comparado. Madrid: Revista de Occidente, 1964, p. 205. Nessa esteira de raciocínio, vale a pena mencionar o entendimento de Franklin R. Root, para quem “nenhuma nação habita em um vácuo econômico. Suas indústrias, seu comércio, sua tecnologia, seus padões de vida, e todas as demais facetas de sua economia são relacionadas às economias das nações estrangeiras pelo complexo fluxo de bens, capital, tecnologia e empreendimentos. Toda nação deve conviver com esta interdependência, e toda nação pode alargar os benefícios e minimizar os custos da interdependência através de políticas nacionais”. (ROOT, Franklin R. International Trade and Investment. Apud, AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. O Preço de Transferência no Mercosul. In: CAMPOS, Dejalma (Coord.). O Sistema Tributário e o MERCOSUL. São Paulo: Ltr, 1998, p. 20).
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Diante desse quadro fático, a necessidade de uma integração econômica das nações mais desenvolvidas da Europa Ocidental fazia-se presente, como forma mesmo de superação do desastre que o individualismo e o nacionalismo exacerbado tinham causado na região. Esse aspecto é ressaltado pelo jurista espanhol Antonio López Castillo, que, em sua tese de doutoramento, esclareceu o vínculo existente entre a destruição provocada pela guerra no continente europeu e a conseqüente necessidade de superação da crise econômica a partir do desenvolvimento do comércio internacional e da integração das nações européias2. É decisivo assinalar, portanto, que o processo de integração européia teve origem na necessidade de desenvolvimento do inter-relacionamento das nações desse continente, que encontrariam maiores dificuldades para superar aquele momento histórico sombrio de forma absolutamente “individualista”. Não é despiciendo observar que, como acentua Karl Polanyi, o período de paz que antecedeu às Guerras Mundiais do Século XX foi resultado do equilíbrio do poder existente entre as nações européias durante quase todo o Século XIX, o qual, por sua vez, tinha raízes em interesses econômicos da burguesia liberal. Em suas palavras, “só um louco duvidaria de que o sistema econômico internacional era o eixo material da raça humana. Como o sistema precisava da paz para funcionar, o equilíbrio-de-poder era organizado para servi-lo. Se se retirasse esse sistema econômico, o interesse pela paz desapareceria da política”3. É possível destacar, portanto, que da mesma maneira que o período de paz anterior às Grandes Guerras foi sustentado por interesses econômicos, é razoável que, para que a paz mundial fosse mantida no pós-guerra, buscassese a recuperação econômica das nações européias4. Por outro lado, não se pode deixar de mencionar que os Estados Unidos da América, ao contrário do ocorrido com seus aliados, não tiveram seu território transformado em campo de batalha durante a 2ª Grande Guerra Mundial (exceto pelo audacioso ataque japonês à Pearl Harbour), e, portanto, não sentiram os mesmos efeitos que o conflito causou no continente europeu.
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CASTILLO, Antonio López. Constitución e Integración. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1996, p. 1. POLANYI, Karl. A Grande Transformação – As Origens da Nossa Época. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 33. Nota-se que, nos dias atuais, vive-se um período de paz (pelo menos entre as grandes potências econômicas do ocidente) o qual, entre outras razões, é também assegurado pela interdependência econômica das nações.
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Dessa forma, enquanto as antes potências da Europa estavam em ruínas, os Estados Unidos encontravam-se em período de amplo desenvolvimento econômico, uma vez que guardavam a posição de única potência do mundo ocidental do pós-guerra. Nessa ordem de idéias, a recuperação das economias européias representava um dos principais objetivos norte-americanos, uma vez que a economia dessa nação, como restou salientado acima, encontrava-se em processo de crescimento, tendo como entrave a quebra dos mercados consumidores europeus, sem os quais se quedava prejudicado o escoamento de sua produção excedente. Assim sendo, pode-se observar que foram os Estados Unidos, por meio do Plano Marshall, que estimularam o início da integração dos países da Europa Ocidental, isso como forma de fomentar o renascimento do mercado consumidor europeu e de reerguer os baluartes do capitalismo nessa região. Corroborando esse entendimento, permite-se transcrever do Professor Victor Uckmar, que ressalta a relação entre o Plano Marshall norte-americano e o processo de integração européia: O processo de integração européia, alentado pelo Plano Marshall de 1946, o qual praticamente colocava como condição do mesmo uma rápida integração dos países da Europa ocidental, teve início em uma fase da história européia e mundial que requeria a criação de grandes mercados, de grande concentração de forças produtivas, indispensáveis para a recuperação econômica e política do continente, sob a pressão de necessidades estratégicas ou diplomáticas de dimensões mundiais.5
Bem se vê, portanto, que o início dos movimentos concretos de integração internacional, que se desenvolveram na Europa em meados do século passado, objetivou a recuperação econômica de algumas nações desse continente, a partir de uma política de fomento ao comércio exterior, o que viabilizaria a consolidação da vitória econômica, militar e política dos Estados Unidos da América, a partir da restauração das potências européias do ocidente. Depreende-se do que restou anteriormente aduzido que a principal finalidade da integração econômica européia, que serviu até o momento de paradigma da presente análise, e, em geral, da integração econômica entre
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UCKMAR, Victor. Aspectos Fiscales de la Integración Económica: La experiencia Europea. In: Revista de Direito Tributário. São Paulo, v. 58, p. 7. Ver, também: MORENO, Alicia Sonia. Reflexiones Acerca de las Organizaciones Internacionales y el Sistema de Integración Comunitária. In: CALDANI, Miguel Ciuro (Org.). La Filosofia del Derecho en el Mercosur. Madrid: Ediciones Tres Americas, 1997, p. 247.
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quaisquer países (e.g. MERCOSUL) é a potencialização do desenvolvimento das nações por meio do fomento ao comércio exterior, com a criação de novos mercados e a facilitação do trânsito de mercadorias (e de serviços) entre os países integrados, assim como dos fatores de produção, tudo com vistas ao crescimento econômico das nações integradas. Isso porque, conforme ressalta Daniel Real Azúa6, o crescimento das relações internacionais possui demasiada importância no desenvolvimento das nações, de forma que, o aumento do comércio exterior de bens e serviços representa verdadeiro estímulo ao engrandecimento econômico dos Estados. É possível asseverar, diante do exposto, que a integração econômica internacional tem fulcro na necessidade de inter-relacionamento das nações, visando o seu desenvolvimento, que restaria prejudicado diante de uma postura “individualista” dos diversos países. Conforme esclarece o Professor Adilson Rodrigues Pires, em perfeita síntese, esse inter-relacionamento possui estreita conexão com a intensificação das atividades empresariais dentro do território econômico das nações em vias de integração: A integração econômica é um processo de criação de mercados que visa desenvolver condições mais favoráveis à competitividade internacional. Caracteriza-se pela intensificação da movimentação de capitais dentro do território econômico, pelo maior volume de investimentos financeiros em atividades produtivas e pelas fusões e associações de empresas, do que resultam a especialização da produção e o estímulo à livre concorrência.7
Uma vez ressaltada a importância dos processos de integração para o desenvolvimento das nações, não se pode deixar de mencionar, contudo, que a implementação dos mesmos envolve a superação das diferenças marcantes existentes entre os diversos países em processo de integração. Tais diferenças, chamadas assimetrias por Adilson Rodrigues Pires, relacionam-se, principalmente, com aspectos culturais, sociais, políticos, econômicos e legislativos (jurídicos) específicos de cada nação, tratando-se de verdadeiros obstáculos ao processo de integração econômica8.
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AZÚA, Daniel E. Real. O Neoprotecionismo e o Comércio Exterior. São Paulo: Aduaneiras, 1986, p. 18. PIRES, Adilson Rodrigues. Harmonização Tributária em Processos de Integração Econômica. In: AUGUSTA, Maria (Org.). Estudos de Direito Tributário em Homenagem a Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 1. PIRES, Adilson Rodrigues. Harmonização Tributária em Processos de Integração Econômica, 1998, p. 3.
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Nessa ordem de idéias, pode-se aduzir que, somente quando completamente superadas essas assimetrias, poder-se-á atingir o nível mais elevado de integração, qual seja, a união econômica, da qual são características a unificação monetária, a elaboração de políticas macroeconômicas comuns direcionadas aos países unidos e a sua completa harmonização legislativa. Com efeito, de acordo com a lição corrente da doutrina, as primeiras etapas da integração econômica, que precedem a formação da união econômica, são: a) a área de livre comércio, que se caracteriza pela ausência de barreiras tarifárias entre os países em vias de integração; b) a união aduaneira, em que, além da ausência de tarifação interna, há, ainda, o estabelecimento de uma tarifa externa comum para as relações comerciais com outros países; e c) o mercado comum que, além das características acima mencionadas, distingue-se por se tratar de área onde é livre o trânsito dos fatores de produção, com o início do desenvolvimento de políticas macroeconômicas comuns aos países em vias de integração9. Não é despiciendo observar que, de todas as assimetrias acima apontadas, releva em importância as diferenças existentes entre os diversos ordenamentos jurídicos dos países em vias de integração, podendo-se asseverar que a superação das demais assimetrias que servem de obstáculo à integração econômica dependem, em grande parte, da superação das assimetrias legislativas. A importância da harmonização legislativa entre os países em vias de integração deve-se mesmo à natureza instrumental das normas jurídicas, de forma que a existência de um ordenamento jurídico comum, ao menos no que se refere aos princípios fundamentais reguladores das matérias de interesse do bloco econômico, é imperioso para que se possa implementar, exitosamente, o processo de integração. Nada obstante, a referida harmonização legislativa mostra-se, muitas vezes, difícil de ser alcançada, na medida em que a sua consecução passa por questões que desafiam a argúcia dos juristas, como a relativização da soberania estatal e o confronto entre as normas internacionais e o ordenamento jurídico interno de cada país. Especial importância neste processo tem a harmonização da legislação tributária, da qual depende a neutralidade da tributação no âmbito do mercado
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PIRES, Adilson Rodrigues. Práticas Abusivas no Comércio Internacional. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 62 a 77.
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comum, bem como a paridade dos agentes econômicos que participam do mercado integrado. No dizer de Heleno Tôrres: Como se dessume destas considerações, a harmonização tributária, que se manifesta numa potencial tentativa de neutralizar as divergências entre os ordenamentos tributários dos países-membros do processo de integração, mediante fixação de alíquotas aproximadas ou uniformes, a definição de critérios de qualificação das espécies redituais, a alteração de elementos que sirvam à formação de bases de cálculo, etc., implicam infalivelmente numa redução da autonomia fiscal dos Estados-Membros, mas isto em favor do desenvolvimento do processo de integração.10
2. INSTRUMENTOS
DE HARMONIZAÇÃO LEGISLATIVA
Em consonância com o que restou asseverado anteriormente, pode-se aduzir que a harmonização legislativa é o processo pelo qual se busca superar as assimetrias existentes entre os ordenamentos jurídicos dos países em vias de integração, com vistas a viabilizá-la. No dizer de Werter Faria, “a harmonização tem por objeto suprimir ou atenuar as disparidades entre as disposições de direito interno, na medida em que o exija o funcionamento do mercado comum”11. Conforme mencionado, a integração econômica desenvolve-se em quatro etapas distintas (zona de livre comércio, união aduaneira, mercado comum e união econômica). Cada um desses momentos representa o desenvolvimento do inter-relacionamento das nações que participam do processo de integração e, por via de conseqüência, o crescimento nas necessidades de harmonização legislativa. Nessa ordem de idéias, é de se observar que o processo de harmonização desenvolve-se em direta proporção ao de integração econômica. De acordo com a lição da professora Maristela Basso, a técnica de harmonização legislativa realiza-se por meio da “elaboração conjunta de novas normas jurídicas”, bem como da “eliminação ou redução das normas que servem de obstáculo à formação e consolidação do mercado comum”12.
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TÔRRES, Heleno. Mercosul e o Conceito de Harmonização na Tributação da Renda das Empresas. In: CAMPOS, Dejalma (Coord.). O Sistema Tributário e o MERCOSUL. São Paulo: Ltr, 1998, pp. 307 e 308. FARIA, Werter. Métodos de harmonização aplicáveis no Mercosul e incorporação das normas correspondentes nas ordens jurídicas internas. In: BASSO, Maristela (Org.). Mercosul - Seus efeitos jurídicos, econômicos e políticos nos Estados-membros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 143. BASSO, Maristela. Harmonização do Direito dos Países do Mercosul. In: Anais da XVII Conferência Nacional dos Advogados. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2000, v. 1, p. 430.
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Entretanto, não se pode deixar de observar que, a depender do nível de desenvolvimento do processo de integração econômica, a elaboração conjunta de normas jurídicas e a substituição das normas que sirvam de obstáculo a tal processo dar-se-ão de formas distintas. Nesse sentido é que se pode observar que a harmonização legislativa poderá ser efetuada, inicialmente, por meio do Direito Internacional Público, até o desenvolvimento do denominado Direito Comunitário, que, conforme assevera o internacionalista português Fausto Quadros, representa “um estágio superior da evolução do Direito Internacional Público”13. Embora haja notadas semelhanças entre o Direito Internacional Público e o Direito Comunitário, podendo-se aduzir que este, em sua natureza, tratase também de um “Direito” internacional, não se pode perder de vista que há características marcantes que os distinguem, conforme esclarece Celso Albuquerque Mello: O D. Comunitário integra o DIP, mas possui como direito regional ou particular características próprias. Estas são essenciais, porque: a) o direito comunitário é aplicado no interior dos estados e nas relações entre estados, enquanto as normas de DIP (na sua grande maioria) são aplicadas apenas nas relações entre estados; b) há uma necessidade de uniformidade na aplicação, vez que se trata em grande parte de normas de natureza econômica, isto é, a diversidade pode prejudicar ou beneficiar um estado; c) existem órgãos supranacionais que agem em nome da comunidade e não dos estados, isto é, algo inexistente no resto do DIP.14
Dessa forma, o processo de harmonização legislativa pode efetivar-se a partir da elaboração de normas de Direito Internacional Público stricto sensu ou do desenvolvimento do Direito Comunitário, sendo certo que, para o surgimento deste último, é necessário que o processo de integração econômica dos países esteja em fase avançada, como ocorre com a União Européia na atualidade. Característica marcante do Direito Internacional Público stricto sensu, que o distingue do Direito Comunitário, é a inexistência de qualquer órgão que exerça atribuições típicas da soberania estatal em lugar dos Estados, que tratam diretamente, por seus próprios órgãos, de conferir eficácia às normas internacionais. Esse traço distintivo é examinado por Celso Albuquerque Mello:
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Apud, MELLO, Celso Albuquerque. Direito Supranacional e Efetividade na Ordem Interna. In: Anais da VII Conferência Nacional dos Advogados. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2000, v. 1, p. 419. MELLO, Celso Albuquerque. Direito Supranacional e Efetividade na Ordem Interna. In: Anais da VII Conferência Nacional dos Advogados. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2000, v. 1, p. 419.
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Uma outra característica que ainda permanece na sociedade internacional, apesar da sua crescente institucionalização através das organizações internacionais, é o princípio do desdobramento funcional de que falava Georges Scelle; isto é, os próprios Estados (autores e destinatários das normas internacionais) emprestam os seus órgãos para que o DI se realize. Assim o Executivo de um Estado atua como órgão do Estado e órgão da sociedade internacional.15
Dessa assertiva pode-se depreender que, uma vez que a aplicação das normas internacionais é atribuição de cada uma das nações, a efetividade do Direito Internacional Público stricto sensu depende de atitudes concretas dos Estados neste sentido, principalmente no que se refere à adequação de seus ordenamentos jurídicos internos às disposições do ordenamento internacional, quando este não seja dotado de aplicabilidade direta. Foi exatamente essa característica do Direito Internacional Público stricto sensu que levou o Professor Herbert Hart a questionar sua juridicidade. A partir de sua distinção entre normas primárias (que conferem direitos subjetivos) e secundárias (normas de estrutura, relativas à produção das normas primárias), esclarece o citado jurista que no Direito Internacional não figuram normas secundárias, da mesma forma que não há uma unificação de suas fontes16. Com o surgimento do Direito Comunitário, enfraquecem-se as críticas formuladas pela citado professor, uma vez que este tem como características a unificação das fontes legislativas assim como a existência de órgãos de execução próprios, conforme esclarecem os juristas argentinos Dromi, Ekmekdjian e Rivera: O direito comunitário tem outro dado de identificação e especificidade, que é dado pela fonte de criação das normas de integração, é dizer, pela forma de produção do direito comunitário. Neste sentido, dizemos que o direito comunitário conforma um verdadeiro ordenamento jurídico autônomo. Caracteriza-se por ser um conjunto organizado e estruturado de normas jurídicas que possui suas próprias fontes e está dotado de órgãos e procedimentos aptos para produzí-las.17
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MELLO, Celso Albuquerque. Direito Constitucional Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 15. HART, H. L. A. The Concept of Law. New York: Oxford University Press, 1997, p. 214. DROMI, Roberto; EKMEKDJIAN, Miguel A.; RIVERA, Julio C. Derecho Comunitário. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1996, p. 57.
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De fato, o Direito Comunitário, diferentemente do Direito Internacional stricto sensu, trata-se de um conjunto de normas supranacionais, que se integram aos diversos “direitos” nacionais das nações integradas, sendo aplicadas tanto pelos diversos países que se submetem à sua regulamentação quanto pelos órgãos da própria Comunidade, que passam a exercer algumas atribuições soberanas das nações integradas. Conforme aduz Paulo Borba Casella, esse conjunto de normas compõem um “ordenamento jurídico comunitário autônomo e integrado aos direitos nacionais”18.
3. INTEGRAÇÃO ECONÔMICA
E
HARMONIZAÇÃO TRIBUTÁRIA
3.1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES Postas anteriormente, em contornos bens genéricos, as linhas gerais dos processos de harmonização legislativa, presta-se o presente tópico à análise específica das questões relativas à harmonização das normas tributárias, que, no dizer de Adilson Rodrigues Pires “é um processo tendente a aproximar o sistema tributário de países integrantes de uma comunidade econômica, com vistas ao fortalecimento dos laços comunitários e à construção de uma unidade política entre os Estados-membros. Compreende, não só a compatibilização da legislação de cada país, como também a aproximação da carga suportada pelos contribuintes e a adequação dos instrumentos de controle do cumprimento das obrigações tributárias impostas pela política comunitária. O avanço e as conquistas da harmonização tributária são ditados pelo dinamismo e pela evolução do processo de integração”19. Ressalta em importância a harmonização fiscal como meio de preservar a paridade entre as diversas empresas que passarão a competir no mercado integrado, no dizer do professor Victor Uckmar, “a harmonização da legislação fiscal dos países membros antecede a criação de um regime que garanta que a competição não será distorcida no mercado comum”20.
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CASELLA, Paulo Borba. Comunidade Européia e seu Ordenamento Jurídico. São Paulo: Ltr, 1994, p. 205. PIRES, Adilson Rodrigues. Harmonização Tributária em Processos de Integração Econômica, 1988, p. 6. UCKMAR, Victor. Sobre a Harmonização Tributária nos Países da Comunidade Européia. Tradução Fernando Aurélio Zilveti. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurélio (Coords.). Direito Tributário: Estudos em Homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 286. No mesmo sentido: VILLEGAS, Hector B. Curso de Finanzas, Derecho Financiero y Tributario. Buenos Aires: Depalma, 1999, p. 491 e 492.
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Nessa linha de convicções, esclarece Fernando Sainz de Bujanda que “durante muito tempo, talvez desde que os europeus começaram a pensar na conveniência ou na necessidade de superar a forma histórico-política do Estado nacional, creu-se que a unidade política da Europa, de qualquer forma que se fosse tentar, haveria que ser precedida que uma coordenação econômica e fiscal entre os Estados”21. Tendo em conta as fases do desenvolvimento dos processos de integração econômica anteriormente mencionadas, é de se assinalar que a harmonização tributária ocorre, inicialmente, em relação aos impostos incidentes sobre o comércio exterior, isso a partir da formação de uma zona de livre comércio ou de uma união aduaneira. Com efeito, a zona de livre comércio e, posteriormente, a união aduaneira, caracteriza-se pela paulatina substituição das tarifas de cada país em vias de integração, incidentes sobre produtos estrangeiros, por uma tarifa externa comum, devendo-se harmonizar a incidência do Imposto de Importação sobre os produtos importados pelos países membros do bloco econômico, com o que se pretende “que os direitos de importação e outras regulamentações restritivas do comércio sejam eliminados para a maioria das trocas entre os países constitutivos da união, sendo estas aplicadas, por qualquer país-membro no comércio com os países não compreendidos na área”22. Conforme esclarecem Antonio Rodrigues da Silva Filho e Marcos André Vinhas Catão: Em geral, por se tratar da etapa inicial dos processos de Harmonização Tributária, inserido no contexto da constituição de uma Zona de Livre Comércio, ou na passagem para uma União Aduaneira, via instituição de uma tarifa comum para os membros do bloco, a harmonização dos tributos aduaneiros é o primeiro passo para o processo de integração em sede fiscal. Aqui, na verdade, a ‘harmonização’ procura efetivamente eliminar as barreiras alfandegárias para o comércio intrabloco, através da criação de um instrumento legislativo único, qual seja o estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum.23
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BUJANDA, Fernando Sainz de. Hacienda y Derecho. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1975, v. 1, p. 74. PIRES, Adilson Rodrigues. Harmonização Tributária em Processos de Integração Econômica, 1988, p. 2. SILVA FILHO, Antonio Rodrigues da; CATÃO, Marcos André Vinhas. Harmonização Tributária no Mercosul. São Paulo: Aduaneiras, 2001, p. 51.
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Pode-se aduzir que esta primeira fase da harmonização tributária, embora não seja de fácil implementação, em razão principalmente das grandes diferenças tarifárias que podem existir entre os diversos países constituintes do mercado em processo de integração, não reserva maiores problemas de cunho estritamente jurídico, isso até mesmo em razão da natureza predominantemente extrafiscal que passou a ser conferida ao Imposto de Importação no último século. Nessa esteira de idéias, não é desarrazoado afirmar que, em sede de harmonização dos tributos aduaneiros, os problemas impostos à integração econômica são mais de natureza política e econômica do que propriamente jurídica. Por outro lado, além da harmonização da tributação do comércio exterior, é certo que o sucesso da integração econômica depende também da harmonização dos impostos internos de cada país, notadamente no que se refere aos tributos incidentes sobre o consumo de mercadorias e de serviços. No que tange aos tributos incidentes sobre a renda, é de se notar que a harmonização dos mesmos não se mostra tão urgente quanto à referida no parágrafo anterior, relativa aos impostos incidentes sobre o consumo de mercadorias e serviços, devendo-se, entretanto, fixar regras claras e uniformes concernentes à regulamentação dos preços de transferência e às formas de se evitar a dupla tributação da renda por mais de um dos países componentes do bloco econômico. Além da tributação do consumo e da renda, também se faz necessária a harmonização dos tributos que oneram as relações de trabalho, uma vez que os mesmos, além de comporem o custo dos produtos, mercadorias e serviços diretamente, agregam ao mesmo, também, de forma indireta, na medida em que tornam maior o custo da mão-de-obra aplicada na produção, comércio e prestação de serviços. Feitas essas considerações, passa-se à análise de algumas questões relativas à harmonização tributária, especificamente no que se refere aos impostos incidentes sobre o consumo de mercadorias e serviços, à harmonização da tributação incidente sobre a renda e dos encargos sociais tributários nos países constituintes do bloco econômico.
3.2. HARMONIZAÇÃO DOS IMPOSTOS INCIDENTES SOBRE O CONSUMO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS
Como restou asseverado anteriormente, os processos de harmonização tributária passam pela indispensável uniformização, ao menos no que se refere à carga tributária, dos impostos incidentes sobre o consumo de bens e serviços.
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Isso porque, tendo a integração econômica o fim último de estimular o desenvolvimento das relações comerciais entre as nações integradas, é de todo lógico que se busque alcançar uma tributação eqüitativa sobre o consumo de bens e serviços no seio do bloco econômico, com o intuito mesmo de preservar a livre concorrência daqueles que integram o novo mercado. Nesse sentido é o entendimento de Fernando Rezende, que esclarece que a finalidade da harmonização tributária é a manutenção da isonomia entre os agentes econômicos do mercado integrado: Harmonizar não significa igualar. Não é necessário que os sistemas tributários de todos os países sejam idênticos. O que sim é importante é que a competitividade interna e externa não seja afetada por motivos tributários. Isso ocorreria, por exemplo, nos casos em que o produto estrangeiro que ingressar no país, desonerado de qualquer tributo na origem, deslocar do mercado o produto nacional que arca com a cumulatividade de impostos exigidos na sua produção e comercialização. Ou, no sentido oposto, nos casos em que o produto brasileiro não tiver acesso ao mercado de outros países por não poder livrar-se, na saída, de todos os impostos pagos no país.24
No mesmo sentido, permite-se transcrever o magistério de Jose Luis Perez de Ayala e Miguel Perez de Ayala Becerril: Todos processo de integração econômica, não apenas o modelo da C.E. conleva a necessidade de harmonizar normativas tributárias, basicamente por duas razões: 1. Para evitar que as disparidades fiscais obstaculizem a livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais e distorcem o regime de libre e leal competência, pois as condições de competição não são eqüitativas se uns produtores suportam mais carga fiscal que outros.
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REZENDE, Fernando. No Rumo da Modernização. Disponível em: . Na mesma esteira de raciocínio manifesta-se Heleno Tôrres: “Funcionalmente falando, a harmonização se constitui num processo, numa técnica jurídica voltada para a eliminação das disparidades existentes, em que se caracteriza pelo entrechoque de regras no pluralismo das ordens normativas insertas e coordenadas no mesmo espaço territorial, o espaço de integração, com o fim de estabelecer uma disciplina legislativa comum sobre as matérias tributárias específicas, para possibilitar a redução dos obstáculos e distorções econômicas não passíveis de imediata uniformização. Tudo isso, confluindo na definição de critérios para o regime impositivo e para a coordenação dos procedimentos administrativos de arrecadação e de fiscalização, destinados a assegurar uma aplicação uniforme dos impostos e a manter os níveis de arrecadação nos períodos seguintes” (TÔRRES, Heleno. Mercosul e o Conceito de Harmonização na Tributação da Renda das Empresas, 1998, p. 309).
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2. Porque a plenitude da soberania fiscal dos Estados membros se põe em questão se é necessário aproximar as políticas econômicas gerais dos estados membros ou instaurar uma política comum em em certor setores. E ele, pela importância do imposto não só como instrumento arrecadatório, mas sim em sua função de intervenção econômica (art. 4 L.G.T.). A harmonização nõ supõe a criação de um modelo novo de imposição nem a imposição nem a unificação dos sistemas fiscais nacionais. No âmbito comunitário, a harmonização tem um verdadeiro caráter instrumental para alcançar os fins explicitados no artigo 2 do T.C.E. que constituiem a Comissão da Comunidade.25
Na maioria das nações do mundo ocidental, a tributação do consumo é efetivada a partir de impostos sobre o valor adicionado que, conforme aduz o professor Ricardo Lobo Torres, surgiram recentemente como forma de imposição tributária26. De fato, conforme assevera Pierre Beltrame, o IVA teve sua origem na França, na primeira metade do século passado: O I.V.A. encontra a sua origem no processo dos pagamentos fracionados instituído em França em 1948 para facilitar a cobrança do imposto único na produção. De acordo com este regime, cada produtor pagava o imposto sobre o montante das suas vendas, dedução feita aos impostos que oneraram as suas compras. Generalizando, como preconizava M. Lauré em 1953, a aplicação dessa técnica de imputação imposto em imposto e autorizando a dedução dos impostos que se integravam directamente (deduções físicas) ou indirectamente (deduções financeiras) no curso dos produtos e serviços, acabava-se por tributar apenas o valor acrescentado em cada estádio pelos diferentes agentes econômicos.27
No início das tratativas visando ao desenvolvimento da União Européia, buscava-se a utilização comum de um tributo que incidisse sobre o consumo de bens e serviços da forma mais neutra possível, preservando ao máximo a concorrência entre os agentes econômicos dos diversos países. Conforme salienta Antonio Carlos Rodrigues do Amaral “pretendia-se a substituição dos indesejáveis tributos cumulativos (gerando a incidência ‘em cascata’), por um
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AYALA, Jose Luis Perez de; BECERRIL, Miguel Perez de Ayala. Fundamentos de Derecho Tributario. Madrid: Edersa, 2000, p. 402. TORRES, Ricardo Lobo. IVA, ICMS e IPI. In: Revista da Associação Brasileira de Direito Tributário. Belo Horizonte, v. 1, 1998, p. 13. BELTRAME, Pierre. Os Sistemas Fiscais. Tradução J. L. da Cruz Vilaça. Coimbra: Almedina, 1976, p. 125.
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outro que colhesse o valor agregado em cada etapa da cadeia produtiva de bens e serviços em direção ao consumo final”28. Feitas essas considerações, passa-se a uma breve análise das características do IVA, conforme adotado pela União Européia como imposto incidente sobre o consumo de bens e serviços.
3.2.1. O IVA NA UNIÃO EUROPÉIA Com vistas a atingir os aludidos objetivos de substituição da tributação cumulativa, foi adotado o IVA na União Européia, como imposto incidente sobre o consumo de bens e serviços, com o que se buscava, como dito, a máxima neutralidade de tal tributação. Esse entendimento pode ser inferido da análise da Primeira Diretiva do Conselho das Comunidades Européias sobre o IVA, datada de 11 de abril de 1967, em cuja “exposição de motivos” registra-se que: Considerando que o objetivo essencial do Tratado é instituir, no âmbito de uma união econômica, um mercado comum, que permita uma concorrência sã e apresente características análogas às de um mercado interno; Considerando que a realização de tal objetivo pressupõe a aplicação prévia, nos Estados-membros, de legislações respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios que não falseiem as condições de concorrência e não impeçam a livre circulação das mercadorias e dos serviços no mercado comum; Considerando que as legislações em vigor não correspondem às exigências referidas; que é, portanto, do interesse do mercado comum realizar uma harmonização das legislações respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios a fim de eliminar, tanto quanto possível, os fatores que possam falsear as condições de concorrência, tanto no plano nacional como no plano comunitário, e de modo a permitir que se atinja em seguida o objetivo da supressão da tributação na importação e do desagravamento na exportação em relação às trocas comerciais entre os Estados-membros; Considerando que dos estudos efetuados resultou que a harmonização deve conduzir à eliminação dos sistemas de impostos cumulativos em
28
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AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Visão Global da Fiscalidade no Mercosul: Tributação do Consumo e da Renda. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). O Direito Tributário no Mercosul. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 24.
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cascata e à adoção, por parte de todos os Estados-membros, de um sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado; Considerando que um sistema de imposto sobre o valor acrescentado consegue a maior simplicidade e a maior neutralidade se o imposto for cobrado da forma mais geral possível e se o seu âmbito de aplicação abranger todas as fases da produção e da distribuição, bem como o sector das prestações de serviços; que, por conseqüência, é do interesse do mercado comum e dos Estados-membros adotar um sistema comum que se aplique igualmente ao comércio a retalho; [...].29
É possível aduzir que a introdução do IVA, no âmbito da então Comunidade Européia, foi o grande feito desse bloco econômico em matéria tributária, o que certamente não sugere que se encontrem consolidadas suas regras de regência. Com efeito, como esclarece Victor Uckmar, “os resultados positivos obtidos em alguns campos como no caso dos impostos indiretos, através da adoção das primeiras medidas da Comunidade Européia a respeito do IVA (Imposto sobre Valor Acrescido), no início dos anos 60, deram lugar a um arrefecimento no impulso do progresso Comunitário”30. De acordo com o aduzido anteriormente, a introdução do IVA na União Européia representou o maior avanço desse bloco econômico, rumo à harmonização das regras tributárias incidentes sobre a circulação de mercadorias e a prestação de serviços no âmbito do mercado comum. Ao se proceder à análise do IVA, nota-se que, conforme salientado pela professora Misabel Abreu Machado Derzi, esse imposto tem as seguintes características:
29 30
a)
sua hipótese de incidência compreende a prestação de serviços, bem como a circulação de mercadorias em todas as etapas da cadeia produtiva;
b)
a tributação apenas sobre o valor agregado redunda em uma ampla não-cumulatividade, evitando-se ao máximo a oneração das etapas intermediárias da cadeia de produção;
c)
as operações de exportação são isentas de tributação, permitindose a manutenção do crédito pelo exportador;
Disponível em: . UCKMAR, Victor. Sobre a Harmonização Tributária nos Países ..., 1998, p. 286.
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d)
a tributação pelo IVA é consumada no país de destino da mercadoria ou da prestação de serviços; e
e)
em razão da neutralidade que se deseja alcançar por intermédio da instituição do IVA, sua utilização extrafiscal torna-se de todo remota31.
A inclusão da prestação de serviços na hipótese de incidência do IVA é uma decorrência da natureza desse imposto, que pretende tributar, de uma forma absolutamente neutra, as relações econômicas que se perfazem no interior do mercado comum. Por outro lado, não é despiciendo salientar que, hodiernamente, vem perdendo razão a dicotomia das atividades privadas em cíveis e comerciais, as quais passam a empresariais, tendo como conseqüência o fim da dicotomia do Direito Privado, a partir do que as atividades de mercancia, e aquelas de prestação de serviços, encontrar-se-ão regidas pelo Direito Empresarial32. Dessa maneira, justifica-se que a circulação de mercadorias e a prestação de serviços tenham o mesmo tratamento, também em matéria tributária, com o que se mantém a concorrência eqüitativa no seio da atividade empresarial. No que se refere à não-cumulatividade do IVA, com o amplo reconhecimento do direito ao crédito do montante de tributo pago durante o processo de circulação das mercadorias, até sua chegada ao consumidor final, é de se assinalar que a não-cumulatividade deriva do escopo do imposto, qual seja, a tributação do valor agregado em cada operação, do que é decorrência lógica o reconhecimento do direito amplo ao crédito do montante de imposto incidente nas operações anteriores à de saída. Assim, nota-se que a tônica da harmonização da tributação do consumo consiste na neutralidade da incidência do IVA sobre as operações realizadas pelos diversos agentes econômicos que atuam no interior da comunidade. Essa neutralidade visa alcançar a isonomia entre tais agentes, evitando-se, dessa forma, o favorecimento de uns em detrimento de outros. Decorrência dessa neutralidade é a redução da utilização extrafiscal do IVA, como forma de incentivo ao desenvolvimento de determinados setores da economia. Conforme salienta o professor Aurélio Pitanga Seixas Filho, tais incentivos “são concedidos para exercerem uma função de desenvolver uma
31
32
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DERZI, Misabel Abreu Machado. A Necessidade da Instituição do IVA no Sistema Constitucional Brasileiro. In: BALTHAZAR, Ubaldo César (Org.). Reforma Tributária e Mercosul. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 20. Sobre o tema vide o nosso: Teoria da Empresa – Um Retorno ao Critério Subjetivo. In: Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 783, jan. 2001, p. 17 a 41.
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determinada atividade, considerada relevante pelo legislador”33, sendo certo que, a extrafiscalidade, como forma de desenvolvimento setorial da comunidade por meio da renúncia tributária, talvez só possa ser possível caso o bloco, em um momento ainda muito distante, seja, praticamente, um país, caso em que a exoneração tributária extrafiscal seria concedida pelos próprios órgãos da União Européia, e não isoladamente por país. Tal conclusão pode ser extraída mesmo da análise do art. 87 do Tratado de Roma, que veda a concessão unilateral de benefícios fiscais por parte dos Estados-membros desse bloco econômico: Salvo disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados-membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assuma, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.
Em face dessa disposição do direito comunitário primário, nota-se que, a partir da constituição do mercado comum, quedam-se os Estados impedidos de conceder benefícios, inclusive de ordem fiscal, às empresas localizadas em seus territórios, o que contrariaria o fim último da integração que consiste na criação de um mercado integrado em que os diversos agentes econômicos atuam em paridade de condições. Note-se, entretanto, que a exoneração extrafiscal que se queda reduzida com a integração econômica é aquela concedida unilateralmente por um país com a finalidade de se desenvolver determinadas atividades econômicas internas em prejuízo da par conditio que deve imperar no seio da união econômica, sendo certo, por outro lado, que a exoneração fiscal como forma de incentivar atividades socialmente relevantes encontra previsão no art. 13°, A, da Sexta Diretiva do Conselho das Comunidades Européias, de 17 de maio de 1977. Em face dos comentários supra, pode-se concluir que a implantação do IVA, enquanto imposto comunitário sobre o consumo de bens e serviços, representou grande avanço rumo à harmonização tributária, sendo certo, por outro lado, que ainda não se atingiu o nível ideal de harmonização. Esse ponto ótimo de harmonização do IVA espera-se alcançar, principalmente, com a substituição da tributação no país de destino pela
33
SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Teoria e Prática das Isenções Tributárias. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 115.
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tributação no país de origem, conforme pretendido pelo Comitê Econômico Social da União Européia34.
3.2.2. A TRIBUTAÇÃO DO CONSUMO NO MERCOSUL O Tratado de Assunção em diversos dispositivos estabelece a necessidade livre circulação de bens, servições e fatores produtivos no âmbito do MERCOSUL (arts. 1° e 5°), determinando, em seu art. 7°, que “em matéria de impostos, taxas e outros gravames internos, os produtos originários do território de um Estado-Parte gozarão, nos outros Estados-Partes, do mesmo tratamento que se aplique ao pruduto nacional”. A tributação do consumo nos países componentes do MERCOSUL é realizada também por meio de impostos sobre o valor agregado, sendo certo, entretanto, que o tratamento dispensado a essa espécie tributária por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai se distinguem em alguns aspectos. Com efeito, no Uruguai o IVA se caracteriza por ser um imposto nãocumulativo, incidente sobre a circulação de mercadorias em todas as etapas da cadeia produtiva, bem como sobre a prestação de serviços e as operações de importação, sendo, ainda, “um imposto nacional, cujas receitas ingressam para Rendas Gerais, não podendo constitucionalmente os Governos Departamentais estabelecerem um tributo com estas características”35. Modelo similar é adotado pela Argentina36 e pelo Paraguai37. Como se sabe, a tributação do consumo de bens e serviços no Brasil é feita de forma distinta, com a repartição das competências tributárias por todos os entes tributantes, havendo impostos específicos incidentes sobre a produção, o comércio e a prestação de serviços (IPI, ICMS e ISS), isso sem considerar as contribuições federais incidentes sobre a receita decorrentes das atividades de venda de mercadorias e prestação de serviços (PIS e COFINS). Essa característica da tributação do consumo no Brasil é decorrência mesmo do princípio federativo e da autonomia conferida a cada um dos entes
34 35 36
37
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LOBO, Maria Teresa Carcomo. O Direito Tributário no Mercosul. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). O Direito Tributário no Mercosul. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 152. VALDES, Nelly. El Impuesto al Valor Agregado en el Uruguay. In: BALTHAZAR, Ubaldo César (Org.). Reforma Tributária e Mercosul. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 98 a 101. ALTAMIRANO, Alejandro C. Estructura Básica Del Impuesto al Valor Agregado (IVA) en la Republica Argentina. In: BALTHAZAR, Ubaldo César (Org.). Reforma Tributária e Mercosul. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 71 a 96. BLANCO, Sindulfo. El Impuesto al Valor Agregado en el Paraguay. In: BALTHAZAR, Ubaldo César (Org.). Reforma Tributária e Mercosul. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 125 a 144.
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políticos. De fato, tal autonomia depende, em certa medida, da possibilidade de cada ente federativo possuir meios financeiros que viabilizem a sua autoadministração, o que se faz atribuindo um imposto de grande força arrecadatória à União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Entretanto, é de se reconhecer que o sistema tributário pátrio dificulta, em certa medida, a harmonização necessária para o rápido desenvolvimento do MERCOSUL, isso, principalmente, em face da difusão da competência legislativa tributária entre a União, os 26 Estados, o Distrito Federal e os 5.564 Municípios (dados do IBGE em 2007) componentes da federação. Tais dados estatísticos evidenciam as dificuldades da harmonização do sistema tributário brasileiro com o dos demais países componentes do MERCOSUL, conforme reconhecido por Antonio Carlos Rodrigues do Amaral: No caso brasileiro, a reforma da sistemática de tributação do consumo é considerada essencial para fins de ser implementada a neutralidade na repartição de recursos entre as esferas federativas (União, Estados, Municípios e o Distrito Federal), tornar a administração fazendária mais eficiente e menos vulnerável à sonegação e aumentar a competitividade da economia doméstica. Ademais, será fator essencial à viabilização da harmonização tributária com os demais países do Mercosul.38
Como forma de solução à problemática anteriormente exposta, muito se tem discutido acerca da possibilidade de se alterar as competências tributárias previstas na Constituição Federal, com o que melhor se atenderia às necessidades apresentadas para fins de harmonização tributária no MERCOSUL.
3.3. HARMONIZAÇÃO DA TRIBUTAÇÃO DIRETA Como se pode inferir da abalizada lição de Rubens Gomes de Sousa, os “impostos diretos são os suportados em definitivo pelo contribuinte obrigado por lei ao seu pagamento”39. Em consonância com que já restou aduzido no presente estudo, ao contrário do que acontece com os tributos incidentes sobre o consumo, à harmonização da tributação direta tem sido conferido um papel secundário nos processos de integração econômica, isso a despeito da sua importância
38 39
AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Visão Global da Fiscalidade no Mercosul: Tributação do Consumo e da Renda, 2000, p. 41. SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 170.
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para a competição equânime no mercado comum. Nesse sentido, salienta Antonio Carlos Rodrigues do Amaral: A tributação da renda produz menos efeitos, nesse particular, do que a tributação sobre o consumo, que diretamente afeta o comércio interjurisdicional. Os impostos sobre a renda, ademais, podem ser acordados caso a caso, por meio dos tratados internacionais para evitar a bitributação, que são importantes instrumentos para neutralizar o impacto impositivo sobre a renda nas jurisdições que adotam a base global da imposição (como é o caso, no Mercosul, da Argentina e do Brasil), e também ante a regulamentação do denominado preço de transferência (transfer pricing) nas transações levadas a efeito entre partes relacionadas.40
Nessa mesma ordem de idéias, aduzem Jose Luis Perez de Ayala e Miguel Perez de Ayala Becerril que: A harmonização da fiscalidade direta não tem sido considerada prioritária no âmbito comunitário, pois não impede tanto como a indireta a mobilidade de fatores nem põe xeque de forma notória a eficácia das liberdades garantidas pelo tratado de Roma, isto é, a livre circulação de mercadorias, pessoas e serviços e capitais. Por isso, as medidas normativas se concentraram no necessário para garantir a neutralidade fiscal de determinadas operações empresariais, como são as fusões e outras operações de reorganização empresarial quanto têm caráter intracomunitário e as operações entre matrizes e filiais. Assim mesmo, com alcance normativo, aprovou-se em 1990 um Convenio para suprimir os casos de dupla imposição nos casos de correção de benefícios entre empresas associadas.41
Assim, as questões mais importantes, referentes à harmonização dos impostos diretos concentram-se, em linhas gerais, no estabelecimento de regras claras para evitar a bitributação da renda dos agentes econômicos, bem como na regulamentação do transfer pricing. Com efeito, conforme salienta Victor Uckmar, “naquilo que diz respeito aos impostos diretos, o objetivo primordial é permitir a livre circulação de capital, evitando casos de bitributação no fluxo de capital entre os diferentes Países”42.
40 41 42
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AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Visão Global da Fiscalidade no Mercosul: Tributação do Consumo e da Renda, 2000, p. 24. AYALA, Jose Luis Perez de; BECERRIL, Miguel Perez de Ayala. Fundamentos de Derecho Tributario. Madrid: Edersa, 2000, p. 406. UCKMAR, Victor. Sobre a Harmonização Tributária nos Países ..., 1998, p. 289.
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É importante esclarecer que o que restou acima asseverado, se representa a realidade da unificação da tributação da renda na União Européia, não pode ser aduzido com a mesma correção em relação ao MERCOSUL, sendo certo que no âmbito desse bloco econômico ainda há medidas outras a serem adotadas de forma a se alcançar a necessária paridade da tributação direta nos países componentes do bloco. Nesse sentido, um aspecto que merece ser ressaltado é a uniformização dos elementos de conexão utilizados para fins de se determinar a incidência do imposto de renda. Em relação a esse aspecto, a partir de 1° de janeiro de 1996, com o início da eficácia da Lei n° 9.249, de 1995, o Brasil passou a adotar o sistema de tributação em bases mundiais das rendas das pessoas jurídicas (princípio da universalidade), em substituição ao princípio da territorialidade antes observado. Tal sistema de tributação da renda é adotado também pela Argentina. Entretanto, é de se observar que, enquanto Brasil e Argentina adotam o princípio da universalidade da tributação da renda, Uruguai e Paraguai ainda se valem do princípio da territorialidade para determinar os limites da incidência dessa tributação. Nesse sentido é a observação de Enrique Jorge Reig: Um primeiro tema a analisar na região é o da vinculação jurisdicional que obviamente não foi matéria de tratamento no UE, dado que nos países que a integram prevalecia e prevalece uniformemente desde muito antes da assinatura do Tratado de Roma o critério jurisdicional denominado de residência ou domicílio ou da renda mundial. Este aspecto da vinculação jurisdicional é justamente de atenção prioritária dada a diferença existente entre os países membros do Mercosur no uso do critério da “renda mundial” e do tradicional na América Latina por muitos anos de “territoritorialidade ou da fonte”. Argentina e Brasil aplicam o conceito de renda mundial tanto para as sociedades ou empresas, enquanto Uruguai e Paraguai se prendem ao critério de fonte territorial em seus impostos sobre a renda, que aplicam somente em nível empresarial.43
Também ressalta em importância as distintas cargas tributárias em cada um dos países do MERCOSUL, sendo certo que, conforme observado por
43
REIG, Enrique Jorge. La Tributación de la Renta en el Mercosur (Personas Físicas y Jurídicas). In: CAMPOS, Dejalma de (Coord.). O Sistema Tributário e o MERCOSUL. São Paulo: Ltr, 1998, p. 191.
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Eivany A. Silva, “a carga tributária brasileira, embora já minimizada pela nova legislação do imposto de renda, continua sendo muito elevada, em contraposição como países como o Paraguai e o Uruguai, especialmente se considerarmos como tributação da renda a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Empresas”44. Em face do exposto, pode-se concluir que, no âmbito da União Européia, onde havia uma certa paridade entre a regulamentação da tributação da renda nos diversos países integrantes do bloco econômico, à harmonização desses tributos é dispensada menor relevância, somente sendo relevante no que tange à dupla tributação e à regulamentação do transfer pricing. Por seu turno, no que se refere ao MERCOSUL, há importantes passos a serem dados no campo da tributação direta, isso em razão das marcantes diferenças existentes na forma em que cada nação componente desse bloco econômico realiza a tributação da renda. Tal uniformização se faz necessária para que se possa atingir os já tão falados objetivos de paridade da tributação e equânime competitividade no âmbito do MERCOSUL.
3.4. DA HARMONIZAÇÃO DOS ENCARGOS SOCIAIS Aspecto relevante nos processos de integração econômica é relativo à harmonização dos encargos sociais incidentes sobre a contratação de mão-deobra no interior do mercado integrado. Conforme salienta Sonia Aparecida M. Tomaz de Aquino, “um mercado comum, com livre circulação de trabalhadores, propicia a eliminação de assimetrias e de diferenças de custos de mão-de-obra, barateando produtos. Contribui, ainda, para diluir tensões corporativas, provocadas por grupos e organizações”45. Como esclarece a pesquisadora da Universidade de Rosário Susana Treviño Ghioldi, a harmonização dos encargos sociais visa equalizar dois tipos distintos de questões, de natureza social e de ordem econômica46, sendo possível afirmar que, tendo em vista o objeto desse estudo, interessa mais a análise dos efeitos econômico-tributários do referido fenômeno.
44 45
46
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SILVA, Eivany A. Tributação da Renda no Brasil – Particularidades. In: CAMPOS, Dejalma de (Coord.). O Sistema Tributário e o MERCOSUL. São Paulo: Ltr, 1998, p. 228. AQUINO, Sonia Aparecida M. Tomaz de. A Livre Circulação de Trabalhadores no Mercosul. In: CASELLA, Paulo Borba et alli (Coords.). MERCOSUL: Das Negociações à Implantação. São Paulo: Ltr, 1998, p. 225. GHIOLDI, Susana Treviño. Livre Circulación y Migraciones de Trabajadores. In: CALDANI, Miguel Ângelo Ciuro. Del Mercosur. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1996, p. 358 e 359).
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Com efeito, para que se possa atingir a desejada isonomia entre os agentes econômicos no âmbito do mercado integrado, faz-se necessário que se atinja uma harmonização dos encargos tributários incidentes sobre as relações de trabalho, com o que se visa não só aproximar o custo da mão-de-obra nos países componentes de determinado bloco econômico, mas, da mesma forma, viabilizar a transferência de trabalhadores entre os diversos países sem que isso signifique, para os mesmos, radical alteração na sua proteção. Como salienta Edison Carlos Fernandes: A análise desses tributos é importante porque quando se discute a constituição de um bloco econômico, essencialmente erguido sobre o mercado comum, o primeiro ponto a ser tratado é a competitividade entre as empresas dos países envolvidos. Nesse momento, discute-se o impacto da integração nos fatores de produção e vice-versa. Dentre esses fatores de produção, que se refletem na composição do custo das mercadorias que terão livre curso no mercado, está a carga tributária. Além dos aspectos impositivos, hão de ser lembrados os encargos sociais. Esses, apesar de tratarem de receita pública vinculada, têm um caráter essencialmente tributário.47
Assim, é possível assinalar que um dos principais objetivos que se busca alcançar com a harmonização dos encargos sociais é a eliminação do chamado dumping social, conforme salientam Dromi, Ekmekdjian e Rivera, procura-se “obter certo grau de eliminação das diferenças mais agudas. O que se deve evitar são as diferenças muito agudas que possam legar ao dumping social”48. Entende-se por dumping a conduta do vendedor de uma determinada mercadoria ou serviço de realizar suas operações de venda abaixo de seu custo de produção ou aquisição. Em se tratando de comércio internacional, tal definição altera-se um pouco, passando o dumping a significar a colocação de um produto, em um mercado estrangeiro, por um preço inferior ao praticado dentro do mercado interno do exportador, conforme pode ser depreendido do exame dos arts. 4° e 5° do Decreto n° 1.602/95, que regulamenta as normas que disciplinam os procedimentos administrativos relativos à aplicação de medidas antidumping:
47 48
FERNANDES, Edison Carlos. Sistema Tributário do Mercosul. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 142. DROMI, Roberto; EKMEKDJIAN, Miguel A.; RIVERA, Julio C. Derecho Comunitário. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1996, p. 471.
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Art. 4° – Para os efeitos deste Decreto, considera-se prática de dumping a introdução de um bem no mercado doméstico, inclusive sob as modalidades de drawback, a preço de exportação inferior ao valor normal.” Art. 5° – Considera-se valor normal o preço efetivamente praticado para o produto similar nas operações mercantis normais, que o destinem a consumo interno no país exportador.
Tendo em vista essa definição genérica de dumping, é possível esclarecer que o denominado dumping social, conceito de origem franco-americana que surgiu em meados de 199449, caracteriza-se pela competição desleal entre o produto importado e o produzido no mercado interno, isso em razão da diferença existente entre as garantias e direitos trabalhistas e previdenciários praticados nos países exportador e importador. Como assevera Adilson Rodrigues Pires: O dumping social tem como característica a venda incentivada pelo baixo nível salarial vigente, bem como pela escassa assistência social colocada à disposição do trabalhador no país de exportação. Referidos fatores impulsionam o comércio internacional, na medida em que contribuem para diminuir custos de produção, tornando o preço final mais acessível.50
Desta feita, nota-se que a paridade competitiva no seio do mercado comum passa também por uma harmonização dos encargos sociais incidentes sobre o fator trabalho, a qual se mostra imprescindível para que se possa evitar a prática do dumping social dentro do mercado integrado, evitando-se, assim, que um déficit na proteção do trabalhador possa significar uma vantagem comercial para o país exportador.
4. CONCLUSÃO É possível asseverar que a integração econômica é um processo que tende a ser amplamente favorável ao desenvolvimento econômico regional, o que facilita a inserção e a discussão de problemas de caráter mundial pelo bloco econômico que se vê fortalecido nesse cenário. É nesse sentido que se pode assinalar a importância do MERCOSUL para o desenvolvimento da América do Sul (da mesma forma que a criação da
49 50
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RATTI, Bruno. Comércio Internacional e Câmbio. São Paulo: Aduaneiras, 2001, 379. PIRES, Adilson Rodrigues. Práticas Abusivas no Comércio Internacional, 2001, p. 188.
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União Européia possui destacada importância no desenvolvimento dos países Europeus), sendo certo que a formação desse bloco econômico facilita a discussão de problemas e a exigência de soluções comuns aos quatro países que hoje compõem o mercado integrado. Não se pode perder de vista que o mundo vive hoje os fenômenos da globalização e do neoliberalismo, que deixam um rastro de miséria e exclusão social, principalmente (não exclusivamente) nos países subdesenvolvidos, que possuem, com a integração econômica, melhores condições de defender seus interesses em conjunto. Para a superação de tais dificuldades a integração regional pode ser grandioso instrumento para essas nações suplantem, conjuntamente, os desafios econômicos que ora se lhes impõem, buscando soluções que viabilizem o crescimento do bloco como um todo, que passaria a representar a região no cenário mundial. Nota-se, portanto, que a integração econômica pode ser instrumento do desenvolvimento regional, se utilizada pelos detentores do poder em determinado momento histórico com tal finalidade. Por outro lado, pode a integração econômica representar nova forma de colonização, um novo pacto colonial, forma de institucionalização da subserviência das nações periféricas para com os países ricos do globo, contra o que se deve apresentar a mais veemente oposição. Dessa forma, tendo-se em consideração a mundialização dos esforços econômicos, a qual não pode ser, hodiernamente, evitada pelas diversas nações do mundo ocidental, especialmente aquelas que, como o Brasil, ainda buscam alcançar o desenvolvimento econômico e tecnológico compatível com o terceiro milênio, é de se fazer da integração regional o meio para se alcançar tais objetivos, isso a partir da negociação em bloco dos interesses da região, que não devem ser menosprezados pelas atuais metrópoles da comunidade econômica mundial. Nesse contexto é pertinente a observação do Professor Celso Lafer, no sentido de que “o novo pacto de associação [...] não é necessário nem provável. Ele é apenas possível e conveniente, e requer, para a sua concretização, aquele mínimo de utopia na sua formulação, sem o qual o peso dos fatos e dos condicionamentos não será superado”51.
51
LAFER, Celso. Ordem, Poder e Consenso: Caminhos da Constitucionalização do Direito Internacional. In: As Tendências Atuais do Direito Público – Estudos em Homenagem ao Prof. Afonso Arinos. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 110.
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Ressalta em importância, como meio de viabilização da referida integração econômica que se envide esforços na harmonização legislativa dos países em vias de integração, especialmente no que se refere à harmonização da legislação tributária, a qual afeta diretamente a paridade competitiva entre os agentes econômicos que atuam no seio do mercado integrado. Especificamente quanto a esse aspecto, é de se ressaltar as deficiências ostentadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, bem como pela jurisprudência dos tribunais superiores pátrios, os quais, apegados ainda a um posicionamento “individualista” e isolacionista que se tenta abolir no mundo moderno, afastam o Brasil das grandes alterações por que passam o Direito Internacional nos dias de hoje e entravam a criação de um Direito Comunitário no âmbito do MERCOSUL, com o que se impossibilita o atingimento dos objetivos antes mencionados.
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Tributos de Competência da União
José Antonio Minatel Mestre e Doutor em Direito Tributário pela PUC-São Paulo (SP); professor de Direito Tributário na Faculdade de Direito da PUC-Campinas (SP), nos cursos de graduação e pós-graduação (especialização em Direito Tributário); professor do IBET-Instituto Brasileiro de Estudos Tributários; ex-Delegado da Receita Federal em Campinas; ex-membro do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda em Brasília; autor do livro “Conteúdo do Conceito de Receita e Regime Jurídico para sua Tributação”, publicado pela MP Editora (SP), em 2005; vários artigos e capítulos de livros publicados sobre matéria tributária e processo administrativo tributário; advogado e consultor tributário.
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Quando se olha para a repartição constitucional das competências tributárias na procura do critério eleito pelo legislador constituinte para distribuir, entre os entes tributantes, as parcelas da realidade com significação econômica que servem de base para incidência de tributos, vê-se que adotou o constituinte a técnica de fazer simples referência ao vocábulo que identifica cada uma dessas realidades, sem nenhum esforço para explicitá-las. Não precisou o constituinte esclarecer em qual sentido deveria ser adotado cada um desses diferentes símbolos linguísticos, porque consabidas as notas determinantes que qualificam os seus conteúdos, assim como as diferenças que contribuem para distingui-los. Portanto, parte-se da premissa de que há um conceito constitucional pressuposto para cada uma das diferentes realidades econômicas referidas no Texto Maior (importação, renda, receita, patrimônio, crédito, câmbio, seguro, lucro, produto industrializado, mercadoria, propriedade, serviço), bem como há conceito constitucional pressuposto para outras tantas realidades referidas pelo constituinte sem qualquer iniciativa para explicitar o conteúdo semântico circunscrito em cada uma delas (empresa, cooperativa, sindicato, instituição, empregador). Com essa consideração prévia, passemos ao exame das diferentes realidades reservadas ao legislador da União para que, sobre elas, possa deitar regra de incidência de tributo, na busca de receita para atender aos custos das atividades públicas que estão constitucionalmente a seu cargo. Comecemos pelo exame dos Impostos Federais, seguindo a ordem prevista no art. 153 da Constituição Federal:
1. IMPOSTOS SOBRE E EXPORTAÇÃO)
O
COMÉRCIO EXTERIOR (IMPORTAÇÃO
Por contemplarem características comuns, serão examinados, em conjunto, os impostos previstos no inciso I (importação) e inciso II (exportação), ambos do art. 153 da Constituição Federal, que são conferidos à União por razões de soberania, até porque podem interferir em relações internacionais. A estipulação constitucional para que a União possa instituir Imposto sobre “importação de produtos estrangeiros”1 e “exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados”2 pode soar como estranha redundância,
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“Art. 153. Compete à União instituir imposto sobre: I. Importação de produtos estrangeiros.” “Art. 153. Compete à União instituir imposto sobre: [...] II. Exportação para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados.”
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no sentido de que, se é importação, só poderá ser de produto estrangeiro, da mesma forma que a referência à exportação já seria suficiente, sem necessidade de repisar o destino para o exterior. No entanto, não se trata de mero descuido linguístico, pois essa construção foi desejada pelo legislador constituinte originário. Isto porque, quando pronta a versão final elaborada pelas diferentes comissões que cuidavam da nova Constituição, todo o texto foi submetido ao exame de filólogo para que fossem depurados os erros e vícios de linguagem, oportunidade em que foi produzido relatório sugerindo que fossem eliminadas redundâncias, mediante a supressão do termo ”estrangeiros” no primeiro inciso, assim como fosse suprimido o termo “para o exterior” previsto no inciso seguinte que cuida do imposto de exportação. Submetidas à avaliação da comissão que cuidava do Sistema Tributário, as supressões sugeridas pelo filólogo foram prontamente rejeitadas, ao argumento de que a redação era proposital para que não houvesse dúvidas sobre a competência que se estava outorgando à União, restrita para cuidar de impostos sobre o comércio exterior, o que a impediria de qualquer criatividade na tentativa de criar imposto sobre operações entre contribuintes de diferente Estados da Federação, negócio jurídico que, na linguagem econômica, poderia ser qualificado como operação de importação/exportação, na medida em que a mercadoria transita de um Estado para outro. Trata-se, portanto, de redundância enfática, desejada pelo constituinte originário. Esses dois impostos (importação e exportação) são reconhecidos como impostos com função regulatória, dotados de natureza extrafiscal, na medida em que são impostos utilizados como instrumentos de política econômica, sem função arrecadatória. Exatamente por servirem de instrumento para regular o abastecimento do mercado interno, a Constituição põe esses dois impostos a salvo do princípio da anterioridade3, admitindo que a majoração da alíquota possa ter eficácia imediata, não precisando aguardar o exercício financeiro seguinte (art. 150, III, “b”), nem mesmo a anterioridade mínima de 90 dias (art. 150, III, “c”). Sendo impostos com função de regular o mercado interno, e não de arrecadação, é preciso mecanismo que lhes dê agilidade, pelo que previu o legislador constituinte expressa restrição ao princípio da legalidade, assegurando que “é facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites
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Conforme previsão contida no § 1° do art. 150, da Constituição Federal.
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estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V”4. Essa previsão procura dar efetividade à função regulatória, pois, diante de excesso de determinado produto estrangeiro no mercado interno que viesse inviabilizar até mesmo o consumo do produto nacional equivalente, não teria sentido elevar a alíquota do imposto de importação do produto estrangeiro para diminuir a sua competitividade, se essa alteração tivesse que ser submetida ao rito do processo legislativo para que a aprovação se efetivasse por meio de lei. Pela mesma razão, não seria instrumento eficaz se a nova regra de majoração do imposto tivesse seus efeitos postergados para o primeiro dia do exercício seguinte. É preciso chamar a atenção para a seguinte particularidade: a regra do § 1° do art. 153 constitui pontual restrição ao princípio da legalidade, e não uma exceção como registra a esmagadora doutrina. Isto porque não se dispensa a lei para esses dois impostos, pois tanto o imposto de importação quanto o de exportação só podem ser criados por meio de lei. Além de criar esses impostos, a lei deve delimitar a faixa de mobilidade em que pode atuar o chefe do Poder Executivo por meio de decreto, estabelecendo “as condições e os limites” para manejo de suas alíquotas com dispensa do processo legislativo5. No plano da lei complementar (CTN), o imposto de importação está disciplinado nos arts. 19 a 22, merecendo destaque a indicação do aspecto temporal da regra de incidência como sendo “a entrada” do produto estrangeiro no território nacional (art. 19), evento determinado pela lei ordinária como coincidente com a data do registro da declaração de importação. Por sua vez, o imposto de exportação vem regulado nos arts. 23 a 28, tomando-se a data do registro da exportação como determinante da “saída” do produto nacional ou nacionalizado, evento tomado como critério temporal da sua regra de incidência.
2. IMPOSTO SOBRE NATUREZA
A
RENDA E PROVENTOS
DE
QUALQUER
Como consignado no preâmbulo deste capítulo, também operou o legislador constituinte com um conceito pressuposto de “renda” e de “proventos de qualquer natureza”.
4 5
Regra contida no § 1° do art. 153, da Constituição Federal. O art. 3° da Lei n° 3.244/57 fixou esse limite em 30%. Pelo art. 1° do Decreto-Lei n°2.162/84, o limite foi alterado para 60%. Especialmente para o imposto de exportação, a Lei n° 9.716/98 (art. 3°) fixou o limite máximo de 100%.
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Investigar esses conceitos tem a ver com a identificação das notas determinantes que qualificam cada uma dessas realidades, assim como os traços que permitem diferenciar os conteúdos cobertos pelos diferentes signos linguísticos. Já nos debruçamos sobre semelhante empreitada quando nos propusemos a investigar o “conteúdo do conceito de receita e o regime jurídico para sua tributação”, título de obra6 que hoje se encontra publicada, após honrosa avaliação por banca de doutoramento da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Com efeito, buscando confrontar o conceito de “renda” com o de “receita”, anotamos no referido ensaio que receita, enquanto materialidade selecionada para servir de base de cálculo de contribuições, é qualificada pelo ingresso de recursos financeiros que remunera o esforço de cada ato da atividade empresarial, portanto, de avaliação isolada e instantânea em cada evento, pelo que dispensa qualquer periodicidade para sua aferição. Em contrapartida, não se pode confundir: [...] essa perspectiva da realidade com outros enunciados que também valorizam a potencialidade econômica das operações, como, por exemplo, as regras jurídicas que operam no sentido de atribuir consequências tributárias às condutas que viabilizam a grandeza econômica expressada no conceito genérico de renda, no sentido de acréscimo de riqueza nova em período determinado de tempo. A renda é outra projeção dos eventos extraídos da realidade, cujo foco valoriza outro conteúdo, outra materialidade contextualizada pelo resultado, pelo produto.7
Essa concepção de “renda”, como acréscimo patrimonial de riqueza, já estava sedimentada no ordenamento e veio confirmada pelo art. 43 do CTN no plano da legislação complementar, a quem a Magna Carta atribui o papel de “estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição dos tributos e suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes”8. Portanto, é inquestionável que o constituinte tenha operado sob influência desses conceitos, não sendo demasiado registrar que a Constituição Federal de 1988 recepcionou o comando do art. 43 do CTN, adotando a construção do
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MINATEL, José Antonio. Conteúdo do Conceito de Receita e Regime Jurídico para sua Tributação. São Paulo: MP Editora, 2005. Idem, p. 102. CF, art. 146, III, “a”.
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conceito de “renda” em torno da ideia de produto, de resultado que viabiliza acréscimo patrimonial num determinado período de tempo.
2.1. CONCEITO DE “RENDA”: NOTAS DETERMINANTES EXTRAÍDAS DO CTN Para facilitar a nossa análise, façamos presente o comando do art. 43 do Código Tributário Nacional: Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza, tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.” [Grifos nossos]
No texto transcrito, destacamos as expressões que contribuem para qualificar o conceito de “renda”. Começa o CTN afirmando ser imprescindível a “aquisição da disponibilidade”, econômica ou jurídica, da renda ou dos proventos de qualquer natureza, para que se possa falar na existência de fato gerador. Ou seja, a “disponibilidade”, no sentido de faculdade para usar, gozar e dispor da riqueza nova, é nota determinante que qualifica o conteúdo do conceito de “renda”. Se renda é acréscimo, é preciso que esse acréscimo esteja disponível, ao alcance do seu titular, a ponto de permitir-lhe dar livre destinação ao montante identificado como renda, seja para realização de novos investimentos, consumo ou para liquidação de obrigações. Na linguagem do CTN, a “disponibilidade” pode ser econômica ou jurídica, caracterizando-se a primeira pela existência física dos recursos financeiros no patrimônio do seu titular, enquanto que a disponibilidade jurídica pressupõe, no mínimo, a existência de direito líquido certo que assegura a exigibilidade da renda, por estarem cumpridas as condições que viabilizam a sua percepção. É o caso da remuneração do trabalho recebida em títulos de crédito (disponibilidade jurídica), e não em dinheiro (disponibilidade econômica), em que a marca da disponibilidade reside na possibilidade de transferir referidos títulos a terceiros, viabilizando até mesmo a liquidação de obrigações. A despeito das críticas que se faz ao art. 43 do CTN, é inegável que a lei complementar avançou para fixar outra diretriz determinante para a definição do conteúdo do conceito de “renda”, qual seja, a ideia de que renda é produto,
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ou seja, renda é resultado que pode provir “do capital, do trabalho ou da combinação de ambos”. O recebimento de juros pode ser mencionado como o melhor exemplo de acréscimo de riqueza (renda) como produto do capital, assim também o valor do aluguel que remunera a cessão temporária e onerosa de bens ou direitos, a título de locação. Esses exemplos já são suficientes para demonstrar que renda (valor dos juros, valor do aluguel) e capital (valor do investimento, valor do imóvel locado) não se confundem, na medida em que renda é produto gerado pelo capital. Por sua vez, os salários, honorários e comissões são exemplos que permitem atrelar a ideia de renda como produto do trabalho, na medida em que propiciem acréscimo de riqueza nova que permita a realização de novos gastos, sejam para consumo ou para investimentos. Atendidos esses pressupostos, perde relevância a controvérsia acerca da indagação se salário é renda, pois, juridicamente, será renda toda vez que o valor do salário for suficiente para, além do atendimento das necessidades vitais do ser humano, assegurar disponibilidade de riqueza que permita realizar novos investimentos. De outra parte, os lucros e dividendos são exemplos que se encaixam no conceito de “renda” como produto da combinação entre capital e trabalho, na medida em que aparecem não só como resultado, como fruto do investimento (capital) aportado pelos sócios e acionistas, mas também são gerados pela contribuição do esforço da massa trabalhadora, seja físico ou intelectual, na busca do resultado positivo para a empresa. Por último, dá-se o destaque para os proventos de qualquer natureza, definidos pelo CTN como os demais “acréscimos patrimoniais” não compreendidos no conceito de “renda”, ou seja, que não provenham do capital nem do trabalho, nem da combinação de ambos. Se outros acréscimos patrimoniais, além dos advindos como remuneração do capital e do trabalho, podem configurar disponibilidade de riqueza nova passível de tributação pelo imposto de renda, é porque renda também pressupõe acréscimo, que se constitui na sua nota determinante. As doações recebidas, os bens e direitos havidos por sucessão hereditária, são bons exemplos de “proventos de qualquer natureza” que podem traduzir disponibilidade de riqueza nova, cujo acréscimo patrimonial não provém nem do trabalho, nem do capital. Isso quer dizer que esses eventos se amoldam à materialidade da regra de incidência do imposto sobre a renda – auferir renda, no sentido de acréscimo –, embora seja certo que a legislação tributária, hoje vigente para as pessoas físicas, contemple regra de isenção específica para essas hipóteses. A necessidade da regra de isenção, para neutralizar os efeitos da
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regra de incidência, como ensina Paulo de Barros Carvalho9, é medida que vem confirmar que, tanto a doação quanto a herança, se conformam ao conceito genérico de “renda”, mais precisamente como proventos de qualquer natureza, na linguagem do CTN. Em tom de arremate, é preciso inscrever a periodicidade no rol das notas determinantes que qualificam o conceito de “renda”, pois não é possível imaginar a apuração de acréscimo patrimonial sem período determinado de tempo para quantificá-lo. É preciso mensurar a variação patrimonial ocorrida num período de tempo, tomando em consideração o valor do patrimônio existente em determinada data anterior, que deve ser comparado com o valor do patrimônio em momento posterior. Assim o é para as pessoas físicas, cuja legislação hoje vigente elege o ano calendário (1°de janeiro a 31 de dezembro) como periodicidade adequada para se medir a renda tributável no ano, mediante a apresentação da declaração anual de ajustes. Também é necessária a fixação de periodicidade para quantificar a renda das pessoas jurídicas que, na perspectiva das empresas, é conhecida pelo nome de “lucro”. O lucro nada mais representa do que o resultado positivo do confronto entre receitas e custos/despesas, provenientes do exercício da atividade empresarial em determinado período de tempo. A legislação, atualmente em vigor para as pessoas jurídicas, também elege o ano calendário para essa aferição, ao lado da apuração trimestral em determinadas circunstâncias, como acontece com as pessoas jurídicas que são tributadas pela sistemática do lucro presumido ou pelo lucro arbitrado, em que a apuração trimestral é obrigatória.
2.2. DIRETRIZES CONSTITUCIONAIS PARA A TRIBUTAÇÃO DA RENDA Além de hospedar conceito pressuposto de “renda”, a tônica da rigidez constitucional mais uma vez se faz presente ao estabelecer diretrizes que devem ser observadas pelo primeiro destinatário de suas normas, quando da textura da regra de incidência que objetive alcançar essa materialidade. Diz a Magna Carta, ao legislador ordinário, que o imposto sobre a renda “será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei” [Grifos nossos]10. Também nesse passo não avançou o constituinte para explicitar o que pretendia com cada uma dessas expressões, porque certamente abarcam
9 10
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 488. CF, art. 153, § 2°, inciso I.
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conceitos do domínio comum dos destinatários. A determinação para observar o critério da ”generalidade”, na estruturação da regra de incidência do imposto sobre a renda, é mandamento atrelado ao princípio da isonomia11 a ponto de lhe dar efetividade, exigindo que a regra matriz de incidência do imposto sobre a renda venha alcançar todas as pessoas que revelem capacidade contributiva, em função dos patamares de renda eleitos pelo legislador. Por sua vez, “universalidade” é a prescrição constitucional para que a regra de incidência do imposto sobre a renda seja estruturada de forma a alcançar todos os fatos que sejam signos presuntivos de renda, para parafrasear Alfredo Augusto Becker12. Se a generalidade tem a ver com todas as pessoas, a universalidade determina que sejam tomados todos os fatos que revelem renda, no sentido já examinado de acréscimo, de aquisição de riqueza nova. É do mandamento da universalidade que decorre a máxima da tributação universal da renda, sendo irrelevante “[...] a localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção”13, mandamento que se completa pela inserção de outra regra no CTN, diga-se de passagem, de duvidosa constitucionalidade, no sentido de que, “na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo”14. Não basta só a observância desses requisitos, pois a Constituição ainda determina que a regra matriz de incidência esteja estruturada de forma a observar o critério da “progressividade”, mandamento suficiente para dar efetividade ao princípio da capacidade contributiva15, além de convergir para outra máxima de construção popular, veiculada pela mensagem de que “aquele que ganha mais deve pagar mais”. Mas essa aferição não pode ser simplória, em termos nominais, imaginando estar cumprida quando alguém que ganha 100 unidades monetárias paga dez unidades a título do imposto de renda, enquanto outro aufere 1.000 unidades de renda e paga 100 unidades como imposto. Esse exemplo é de proporcionalidade (alíquota fixa – 10%) e não de progressividade que pressupõe maior alíquota
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CF, art. 150, contém a seguinte previsão: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1963. CTN, art. 43, § 1°, inserido pela Lei Complementar n° 104, de 2001. CTN, art. 43, § 2°, também inserido pela Lei Complementar n° 104, de 2001. CF, art. 145, § 1°.
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na medida em que aumenta o volume da renda. Portanto não é isso que determina a Constituição Federal. Com efeito, estabelece o art. 145, § 1° da CF, que “sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”, mandamento que parece idealizado para o imposto sob análise, pois, se há um imposto no ordenamento em que é perfeitamente factível estabelecer regras de graduação que respeitem a capacidade contributiva, tomando como parâmetro as condições pessoais do contribuinte (número de filhos, gastos com saúde e educação), o exemplo repousa no imposto sobre a renda. Desse modo, a estipulação de alíquotas progressivas para o imposto sobre a renda é exigência constitucional, graduação que procura dar efetividade ao princípio da capacidade contributiva, no sentido de que, quanto maior o volume de renda, maior deverá ser a alíquota utilizada para cálculo do respectivo imposto.
3. IMPOSTO
SOBRE
PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS
Com raízes históricas no antigo “imposto sobre consumo”, foi mantida a competência exclusiva à União para instituir imposto sobre operações com “produtos industrializados”16, estabelecendo o legislador constituinte diretrizes que devem ser observadas pelo legislador ordinário quando da textura da regra de incidência que venha colher essa específica materialidade. Confirmando a pouca liberdade reservada ao legislador ordinário, estabelece o art. 153 da Constituição Federal, verbis: Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: [...] IV – produtos industrializados; [...] § 3º. O imposto previsto no inciso IV: I – será seletivo, em função da essencialidade do produto; II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;
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Constituição Federal, art. 153, inciso IV.
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III – não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior; IV – terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto, na forma da lei.17
Dos comandos constitucionais transcritos, é possível extrair que realizar operação com produto industrializado – seja no mercado interno ou de importação, como prevê o CTN – é a circunstância material que deve estar contemplada, como hipótese, no desenho da regra de incidência do IPI, conduta suficiente para implicar a consequência prescrita de pagar referido imposto, calculado mediante percentual incidente sobre o valor de cada operação. Com isso, pode-se afirmar que industrializar produtos, mantendo-os no estoque do estabelecimento de quem os fabrica, é conduta sem consequência para o IPI, porque o legislador constituinte valorizou o ambiente da circulação econômica do bem industrializado, pressupondo o seu “impacto” nas operações realizadas no ciclo da cadeia produtiva, tanto que a Constituição foi emendada para inserir a previsão de que a lei deve contemplar a hipótese de redução desse “impacto”, na operação que tenha por objeto a “aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto” (inciso IV anteriormente transcrito) [Grifos nossos]. Portanto, longe de ser “imposto real” que incide sobre o “produto”, como sustenta Marco Aurélio Greco18, o IPI deve incidir sobre o conteúdo da realidade econômica exteriorizada pelos negócios jurídicos que tenham por objeto operações com produtos industrializados, assertiva que também está confirmada na previsão constitucional que determina ser o imposto “nãocumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas [operações] anteriores” (inciso II já transcrito) [Grifos nossos]. É a Constituição Federal que diz que o IPI é “devido em cada operação”, e não pela simples conduta unilateral de industrializar produtos, conclusão que também pode ser extraída da regra constitucional que prevê a não-incidência (imunidade) “sobre produtos industrializados destinados ao exterior” (inciso III), em que a relevância atribuída à destinação do produto (exportação) é suficiente para se pressupor a existência de operação econômica que viabilize essa finalidade. Não se nega que as circunstâncias objetivas que qualificam o “produto” devem ser sopesadas pelo legislador ordinário, mas unicamente como critério
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Inciso inserido pela Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003. GRECO, Marco Aurélio. Alíquota Zero – IPI não é Imposto sobre Valor Agregado. In: Revista Fórum de Direito Tributário n° ...., p.
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para discriminá-lo segundo referencial da sua essencialidade, mediante processo de seleção dos produtos que é determinante para que as alíquotas do IPI sejam graduadas na razão inversa da essencialidade, dando efetividade ao mandamento constitucional que exige ser o IPI: “[...] seletivo, em função da essencialidade do produto” (inciso I). Nem mesmo aqui tem liberdade o legislador ordinário, pois não pode fugir do parâmetro para a graduação das alíquotas que está fixado no texto constitucional, qual seja, o da “essencialidade do produto”. Quanto maior a essencialidade, deve ser a menor alíquota, e vice-versa. Na mesma linha já examinada no âmbito dos impostos sobre o comércio exterior, também para o IPI há expressa restrição aos princípios da anterioridade do exercício financeiro19 e da legalidade20, facultando-se ao chefe do Poder Executivo alterar as suas alíquotas, por meio de decreto, “atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei”. Repisa-se, mais uma vez, que não se trata de exceção ao princípio da legalidade, pois o IPI deve ser criado por meio de lei, e só outra lei pode alterá-la. No entanto, registre-se que, para o IPI, há tratamento diferenciado na aplicação do princípio da anterioridade, desgarrando-se do regime atribuído aos impostos sobre o comércio exterior, ao qual esteve sempre equiparado. Isto porque, ao inserir a alínea “c” no art. 150, inciso III, para implantar a anterioridade nonagesimal mínima também para os impostos, a Emenda Constitucional n° 42/2003 não excepcionou o IPI dessa observância, como o fez para os impostos sobre o comércio exterior. Com isso, ainda que possa o chefe do Poder Executivo majorar as alíquotas do IPI por meio de decreto, com possibilidade de produzir efeitos dentro do próprio exercício financeiro da sua publicação, há que se observar sempre a anterioridade mínima de 90 dias para que essa majoração possa produzir efeitos.
3.1. O CONCEITO DE “PRODUTO INDUSTRIALIZADO” Se o imposto deve incidir sobre operações com “produtos industrializados”, é preciso que se investigue o conteúdo semântico coberto pela referida expressão, certamente pressuposto pelo legislador constituinte a partir de previsões contidas no Código Tributário Nacional que já eram do seu conhecimento. Esclarece o parágrafo único do art. 46 do CTN, verbis:
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Conforme art. 150, § 1° da Constituição Federal. Conforme art. 153, § 1° da Constituição Federal.
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Parágrafo único: Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.
Por sua vez, inspirado nessas diretrizes estabelecidas pela lei complementar, estabeleceu o art. 4º do Regulamento do IPI 21 que a atividade de industrialização pode configurar-se pelas seguintes modalidades de operações: Transformação: a que, exercida sobre matérias-primas ou produtos intermediários, importe na obtenção de espécie nova; Beneficiamento: a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto; Montagem: a que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte um novo produto ou unidade autônoma, ainda que sob a mesma classificação fiscal; Acondicionamento ou reacondicionamento: a que importe em alterar a apresentação do produto, pela colocação da embalagem, ainda que em substituição da original, salvo quando a embalagem colocada se destine apenas ao transporte da mercadoria; ou Renovação ou recondicionamento: a que, exercida sobre produto usado ou parte remanescente de produto deteriorado ou inutilizado, renove ou restaure o produto para utilização.
3.2. A SELETIVIDADE EM FUNÇÃO DA ESSENCIALIDADE Confirmando a extrema rigidez do sistema tributário brasileiro, quer a Constituição Federal que o IPI tenha alíquotas distintas para os diferentes produtos industrializados, ou seja, não pode o legislador ordinário adotar alíquotas uniformes para todos os produtos. Mais ainda, determina a Magna Carta que as diferentes alíquotas sejam fixadas sob o enfoque da “essencialidade”22, comando suficiente para se inferir que a estipulação das diferentes alíquotas deve guiar-se na razão inversa da essencialidade, ou seja, quanto mais essencial o produto, menor deve ser a sua alíquota, e vice-versa.
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Atual Regulamento do IPI baixado pelo Decreto nº 4.544, de 26 de dezembro de 2002. Conforme § 3°, inciso I, do art. 153 da Constituição Federal.
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A essencialidade é parâmetro relativo e subjetivo que, no entanto, deve ser aferido no contexto dos produtos disponíveis ao ser humano comum, avaliando-se as necessidades básicas da pessoa humana para sobrevivência em sociedade, considerada na linha média da população. Dessa avaliação, não se questiona que alimentos são mais essenciais que produtos de perfumaria, assim como os produtos de higiene pessoal são mais essenciais que bebidas alcoólicas. Veículos de passeio são menos essenciais que veículos para transporte coletivo, assim como o tabaco (produto de maior alíquota do IPI) é seguramente menos essencial que o vinho, que a cachaça. É possível enxergar a valoração da essencialidade não só na seleção de produtos a cargo do legislador ordinário, mas também na prévia seleção de produtos plasmada em regras de imunidade fixadas no Texto Constitucional. Com efeito, ao vedar a incidência de impostos sobre “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”23, que são produtos reconhecidamente industrializados, está o constituinte originário valorando esses produtos em sintonia com bens jurídicos tutelados pelo ordenamento (cultura, disseminação do conhecimento e da informação), ao mesmo tempo em que seleciona esses produtos para protegê-los do ataque do legislador ordinário por meio de impostos, operando com o instrumento da imunidade para tornar efetivo o preceito da seletividade em função da essencialidade, já no plano constitucional. O mesmo acontece com os produtos industrializados (derivados de petróleo, combustíveis, minerais) previstos no § 3° do art. 155, da Constituição Federal. No plano da lei ordinária, opera-se a seletividade mediante a estipulação de uma Tabela de Incidência do IPI (TIPI) em que os produtos aparecem individualizados e classificados segundo a composição, natureza e características que os permitem identificar e diferenciar dos demais, atribuindo-se a cada um deles um código pelo qual passa a ser reconhecido pela legislação do IPI e que também serve para atrelar a respectiva alíquota. A TIPI é baixada por meio de decreto, conforme faculta o ordenamento constitucional24.
3.3. A TÉCNICA DA NÃO-CUMULATIVIDADE DO IPI Muito se discute se a não-cumulatividade prescrita para o IPI, e também para o ICMS, tem status de princípio constitucional ou de simples regra. A
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Art. 150, inciso VI, aliena “d” da Constituição Federal. Art. 153, § 1° da Constituição Federal.
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maioria dos doutrinadores25 protesta para que se dê dignidade de princípio ao mandamento constitucional, no sentido de máxima diretriz a iluminar a tarefa dos operadores infraconstitucionais incumbidos de colocar em prática a norma de incidência desses impostos. Nessa trincheira de pensamentos, aderimos ao magistério exposto na obra de Humberto Ávila26, que enxerga a previsão da não-cumulatividade como regra objetiva e não como princípio, bombardeando a doutrina tradicional ao concluir que o descumprimento de regra constitucional é muito mais grave do que a ofensa a um determinado princípio, na medida em que a conduta exigida pelo comando da regra é única, objetiva, determinada, sem possibilidade de outra avaliação no plano ideológico – qualidade reservada aos princípios, normas reconhecidamente dotadas de relevante carga axiológica. Com apoio nessa concepção, vemos como regra objetiva o comando constitucional que determina que o IPI “será não-cumulativo, compensandose o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores” (inciso II). Com essa natureza de simples regra, há mais segurança para os administrados, na medida em que seu comando implementa técnica com sentido único, determinado, objetivo, exigindo que não haja impacto econômico em cascata pela natural incidência plurifásica da regra do IPI em cada operação com produto industrializado, distribuindo a carga tributária de tal forma que esse imposto não venha onerar demasiadamente o último adquirente da cadeia produtiva. Sendo a não-cumulatividade técnica de sentido único, determinado, induvidoso, não pode o legislador ordinário, a pretexto de discipliná-la, mutilar o seu conteúdo. Cabe-lhe, isto sim, implementar regra objetiva pela qual seja assegurado o direito de utilizar o IPI que compõe o preço pago ao fornecedor dos insumos, como moeda para abatimento do IPI calculado sobre as operações de saída. Essa regra de crédito estabelece outra relação jurídica em que se invertem os papéis do sujeito ativo e do sujeito passivo, porque atribui ao estabelecimento industrial um direito subjetivo de crédito incondicionado – oponível à União que tem dever de suportá-lo –, correspondente ao valor do IPI pago ao fornecedor dos insumos, via preço. Esse direito de crédito serve para redução, ou até liquidação, da obrigação tributária nascida pelo acontecimento do fato jurídico tributário, podendo até mesmo remanescer saldo credor com dever atribuído à União de ressarci-lo.
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MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, 2003. p. 494 e seguintes. ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.
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Isto ocorre porque a técnica da não-cumulatividade não faz parte da estrutura da regra de incidência do IPI. Vale dizer, o imposto incide sobre a operação com produto industrializado, sendo quantificado mediante aplicação de alíquota seletiva sobre o valor de cada operação. A obrigação tributária, assim nascida, deve ser honrada pelo sujeito passivo, sendo uma das formas de adimpli-la mediante a utilização dos créditos de IPI destacados do custo de aquisição dos insumos, hipótese que necessariamente deve estar contemplada na lei ordinária com aptidão para reduzir, ou neutralizar, a obrigação tributária decorrente da saída dos produtos industrializados. Esse também é o entendimento doutrinário, como se vê das oportunas considerações do Professor Eduardo Domingos Botallo, ao concluir que: [...] ao instituir tal sistema, o constituinte teve em mira favorecer o contribuinte (de direito) deste tributo, aliviando a pressão sobre seus custos de produção, o que, em última análise, reverte em prol do consumidor final (contribuinte de fato), mediante a determinação de preços menos onerados pela carga fiscal.27
Desse modo, em razão da dupla relação jurídica que se estabelece entre o contribuinte do IPI e a União Federal (de crédito pela aquisição de insumos e de débito pela saída de produtos industrializados), é possível afirmar que a técnica da não-cumulatividade se opera pelo mecanismo incondicionado da compensação, instituto que se revela apropriado para cumprimento desse mister, na medida em que dispõe a legislação pátria que, “se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”28.
4. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CRÉDITO, CÂMBIO E SEGURO, OU RELATIVOS A TÍTULOS OU VALORES MOBILIÁRIOS Ainda que costumeiramente se mencione o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) como se fosse uma única regra de incidência para essas diferentes operações, pela ampla competência prevista no inciso V do art. 153, da Constituição Federal, é inquestionável que a União pode instituir quatro diferentes impostos, porque calcados em quatro diferentes materialidades.
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BOTALLO, Eduardo Domingos. Fundamentos do IPI. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 45. Código Civil (Lei 10.406/2002), art. 368.
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Esta assertiva vem confirmada nas estipulações do art. 63 do CTN que, no papel que lhe cabe de lei complementar, estabelece que há distinto “fato gerador” para cada uma dessas operações. Com efeito, dispõe expressamente o CTN que, “quanto às operações de crédito”, pelas quais se disponibilizam novos recursos financeiros ao tomador mediante o conhecido contrato de mútuo, o fato gerador se caracteriza “pela entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado” (art. 63, inciso I). Por sua vez, fazendo referência “às operações de câmbio”, que se caracterizam por verdadeiros contratos para conversão de direitos monetários e troca de moedas, estabelece o CTN que o fato gerador se materializa “pela entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado, em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este” (art. 63, inciso II). Remetendo “às operações de seguro” e ali reconhecendo a existência de contrato típico de risco, pelo qual se ajusta valor para cobertura de dano decorrente de evento futuro e incerto, mediante o pagamento do custo do seguro denominado “prêmio”, indica o CTN que o específico imposto terá por fato gerador a “emissão da apólice ou do documento equivalente, ou recebimento do prêmio, na forma da lei aplicável” (art. 63, inciso III). Por último, focado na multiplicidade de negócios factíveis no chamado “mercado financeiro”, estipula o CTN que o imposto incidente nas “operações relativas a títulos ou valores mobiliários” deverá adotar como fato gerador “a emissão, transmissão, pagamento ou resgate destes, na forma da lei aplicável” (art. 63, inciso IV). Como se vê, diferentes materialidades só podem ser sustentadas por distintas regras de incidência tributária, com estrutura e critérios próprios, tanto que se apressa o art. 64 do CTN em acenar para as diferentes bases de cálculo que se revelam adequadas para cada específica incidência, ainda que se teime em colocá-las sob o manto genérico de imposto com único rótulo (IOF). Todos esses impostos enfeixados sob o manto do IOF têm natureza extrafiscal, ou seja, sem função arrecadatória, pois servem como instrumento para monitorar a realização dos “objetivos da política monetária”29, em razão do que estão a salvo da observância do princípio da anterioridade e com expressa
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Conforme art. 65 do CTN.
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restrição ao princípio da legalidade, seguindo o regime e considerações já explicitadas quando da análise dos impostos sobre o comércio exterior. Descendo a particularidades para dirimir possíveis conflitos de competências, antecipa-se o constituinte para estabelecer que “o ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial, sujeita-se exclusivamente ao imposto de que trata o inciso V”30. Com isso, ainda que seja certo que uma barra de ouro possa configurar mercadoria e, por consequência, com operação de circulação ao alcance do ICMS, a incidência deste imposto estadual fica inibida (imunidade) quando a barra de ouro é utilizada como lastro no mercado financeiro, prevalecendo a exclusividade da incidência do IOF.
5. IMPOSTO
SOBRE A
PROPRIEDADE TERRITORIAL RURAL
No rol dos direitos e garantias individuais, ao lado de assegurar o direito de propriedade31 e de colocar a condicionante de que esta deverá cumprir a sua função social 32 , estabelece a Constituição, no art. 153, inciso VI, competência exclusiva à União para instituir tributo que venha gravar a propriedade rural, na modalidade de imposto que venha incidir sobre o valor da propriedade localizada na área rural, conhecido como ITR. Mais uma vez, não é livre o legislador ordinário para criar essa específica regra de incidência a seu talante, pois a Constituição lhe reservou estreito caminho que deve ser rigorosamente observado, sob pena de inconstitucionalidade. Com efeito, dispõe o § 4° do art. 153 que o ITR: I – será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas; II – não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore o proprietário que não possua outro imóvel; III – será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal.
No inciso I, está a progressividade funcionando como instrumento indutor da produtividade nas áreas rurais, determinando que o legislador
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Parágrafo 5°, do art. 153, da Constituição Federal. Constituição Federal, art. 5° inciso XXII: “é garantido o direito de propriedade”. Constituição Federal, art. 5° inciso XXIII: “a propriedade atenderá a sua função social”.
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tributário opere com alíquotas progressivas na razão inversa do grau de produtividade, ou seja, quanto mais produtiva for a propriedade rural, deve ser a menor alíquota, e vice-versa. Esse empenho está em harmonia e encontra reforço nos arts. 185 e 186 da Constituição Federal, este último com a estipulação das diretrizes as quais servem para aferir, em cada caso, se a propriedade rural cumpre ou não a preconizada função social. Para dar efetividade ao anseio constitucional da progressividade, a Lei n° 9.393/96, que atualmente regula a incidência do ITR a cargo da União, determina que o “valor do imposto será apurado aplicando-se sobre o Valor da Terra Nua Tributável – VTNt a alíquota correspondente, prevista no Anexo desta Lei, considerados a área total do imóvel e o Grau de Utilização – GU”.33 O referido Anexo deixa clara a função não arrecadatória do ITR (natureza extrafiscal), trazendo alíquotas progressivas que vão de 0,03% até 20%, fixadas na razão inversa do “Grau de Utilização” de cada área, cuja aferição leva em conta o tamanho da propriedade rural, medido em hectares. A estipulação de alíquota de 20% para propriedade rural com área acima de 5.000 hectares, cujo Grau de Utilização – GU seja mínimo (até 30%), pode levar à meditação sobre a possibilidade de tributo com caráter de confisco, na medida em que a cobrança do ITR nesse patamar (20%), durante cinco anos, absorveria integralmente o valor da propriedade. De outra parte, a regra prevista no inciso II, anteriormente transcrito, tem natureza de imunidade condicionada, na medida em que inibe a atuação do legislador da União, impedindo-o de estender a regra de incidência do ITR para “pequenas glebas rurais, definidas em lei34, quando as explore o proprietário que não possua outro imóvel”35. Por sua vez, a regra colocada no inciso III pela Emenda Constitucional n°42/2003 acena com a possibilidade de transferência da capacidade tributária ativa do ITR – e não a competência que é indelegável – ao Município que
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Art. 11 da Lei n° 9.393, de 19 de dezembro de 1996. O art. 2°, parágrafo único, da Lei n° 9.393/96 indica três parâmetros em função da localização geográfica para reconhecer a “pequena gleba rural”, definindo-a como o imóvel rural com área igual ou inferior a: “I – 100 ha, se localizado em município compreendido na Amazônia Ocidental ou no Pantanal mato-grossense e sul-mato-grossense; II – 50 ha, se localizado em município compreendido no Polígono das Secas ou na Amazônia Oriental; III – 30 ha, se localizado em qualquer outro município.” Redação conferida pela Emenda Constitucional n° 42, de 19 de dezembro de 2003.
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formalizar a opção ali prevista, na forma já regulamentada pela Lei n°11.250, de 27 de dezembro de 2005. Toda vez que se fala em reforma tributária, o ITR é o imposto de que a União concorda em abrir mão da competência, pelo fato da insignificante participação na arrecadação nacional, aliado à notória dificuldade de aferição das condições de utilização de cada imóvel rural, pelo órgão central. Some-se a isso o fato de a União ficar com somente 50% (cinquenta por cento) do pouco que arrecada, pois o Município da localização do imóvel rural já é titular de metade do valor arrecadado pela União a título de ITR, passando a ficar com o valor integral 36 se exercer a opção na forma das alterações constitucionais processadas pela EC 42/2003.
6. IMPOSTO
SOBRE
GRANDES FORTUNAS
Estabelece a Constituição Federal no art. 153, inciso VII, que compete à União instituir o “imposto sobre grandes fortunas, nos termos de lei complementar”. Novidade da Carta de 1988, até hoje não diligenciou a União para implementar a instituição do novo imposto que lhe foi atribuído, em que pesem os frequentes reclamos por necessidade de maior volume de receita para fazer face aos elevados gastos públicos, situação invariavelmente resolvida mediante aumento de outros tributos já existentes. Esse dispositivo vem confirmar a máxima de que a Constituição não cria tributos, apenas atribui competência às pessoas jurídicas de direito público para que o façam por meio de leis próprias, votadas e aprovadas nas suas Casas Legislativas, respeitados os limites e condições particularizados na rígida distribuição de competências.
PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES
DE
COMPETÊNCIA
DA
UNIÃO
Estabelece o art. 149 que compete exclusivamente à União instituir: (i) contribuições sociais; (ii) contribuições de intervenção no domínio econômico; e (iii) contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas, discurso que é complementado com a inserção de condicionantes para criação
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Constituição Federal, art. 158: “Pertencem aos Municípios: [...] II. cinquenta por cento do produto da arrecadação do imposto da União sobre a propriedade territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados, cabendo a totalidade na hipótese da opção a que se refere o art. 153, § 4°, III.”
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dessas prestações com natureza tributária, pois só são admitidas ”como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas” e desde que observadas as demais diretrizes constitucionais traçadas no âmbito do sistema tributário, especialmente as nominadas no art. 146, III, e no art. 150, I e III. Portanto, fica fora de dúvida a natureza tributária dessas exigências a partir da Constituição Federal de 1988. Demandaria muito espaço para tratar das particularidades de cada uma das contribuições instituídas pela União ao amparo das competências elencadas no art. 149. Para o plano restrito desta obra, optamos por registrar as notas determinantes que qualificam as principais contribuições que compõem o primeiro grupo (contribuições sociais), dentre elas as contribuições finalísticas voltadas para o custeio da Seguridade Social, previstas no art. 195 da Constituição Federal.
1. CONTRIBUIÇÃO SOBRE REMUNERAÇÕES A PESSOAS FÍSICAS Inspirando-se no princípio da universalidade do custeio, estabelece o art. 195 da Constituição Federal que: [...] a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, com recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício.37
Com base nessa específica competência, instituiu a União a contribuição mensal básica que é ônus do empregador, seja ele pessoa física ou pessoa jurídica, contribuição que era arrecadada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e fixada, como regra, em 20% da totalidade das “remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços [...]”, conforme previsão contida no art. 22 da Lei n° 8.212/9138.
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Redação atribuída pela Emenda Constitucional n° 20, de 15 de dezembro de 1998. “Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:
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Como se vê, é grande o peso das contribuições a cargo das empresas e demais empregadores, que gravam as remunerações atribuídas a pessoas físicas que lhes prestem serviços, sejam com ou sem vínculo empregatício, sem contar a expressiva contribuição a cargo do próprio trabalhador a qual é descontada da sua remuneração. Essa elevada carga incidente sobre as remunerações do trabalho tem sido considerada como a grande causa de induzimento ao trabalho informal, a ponto de se reformar a Constituição para acenar com a “substituição gradativa, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento”39. Por expressa delegação prevista em lei, o Instituto Nacional de Seguro Social – INSS (autarquia federal) é quem detinha capacidade ativa para fiscalização e arrecadação das contribuições incidentes sobre as remunerações atribuídas às pessoas físicas, prerrogativa que foi retomada pela União e concentrada na Secretaria da Receita Federal do Brasil 40, vinculada ao Ministério da Fazenda.
2. CONTRIBUIÇÕES SOBRE A RECEITA OU FATURAMENTO Contribuição incidente sobre o “faturamento” não é novidade da Constituição de 1988. Como registro histórico, lembre-se de que, para dar cumprimento ao direito assegurado pelo art. 165, inciso V, da Constituição Federal de 1967, foi criada, em 1970, a contribuição destinada a constituir fundo para viabilizar a participação dos empregados nos lucros das empresas, denominada de Programa de Integração
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I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99) [...] III – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados contribuintes individuais que lhe prestem serviços; (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99) IV – quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, relativamente a serviços que lhe são prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho. (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)”. Previsão contida no § 13 do art. 195 da Constituição Federal, inserido pela Emenda Constitucional n° 42, de 19 de dezembro de 2003. Criada pela Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007.
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Social – PIS41, fundo que seria composto da arrecadação: de percentual que incidia sobre o “faturamento” das empresas comerciais e industriais (PIS – Faturamento: 0,15% em 1971; 0,5% de 1974 a 1986; 0,75% de 1987 em diante), além de outra parcela mediante dedução do Imposto de Renda devido por essas empresas (PIS – Dedução IR: 2,0% em 1971; 5% de 1973 em diante). As empresas prestadoras de serviços e entidades financeiras contribuíam com o PIS – Dedução IR, além de igual parcela com recursos financeiros próprios denominada de PIS – Repique, enquanto, das entidades sem fins lucrativos, a contribuição era exigida sobre a folha de salários (1,0%). Seguiu-se idêntica iniciativa para também integrar os servidores públicos nessa mesma proposta, mediante a contribuição dos órgãos públicos para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, denominada de PASEP42. À época, reconheceu-se que essas contribuições não tinham natureza tributária, ao argumento de que não se qualificavam como receita pública, mas, sim, receita que contribuía para o incremento do patrimônio dos particulares, na medida em que a arrecadação dessas contribuições era destinada à constituição de específicos fundos, cujas quotas eram rateadas entre os trabalhadores da iniciativa privada (PIS) e trabalhadores do setor público (PASEP). Com a declaração de inconstitucionalidade dos Decretos-Leis nºs 1.445 e 1.449, ambos de 1988, e consequente expurgo do ordenamento jurídico pela Resolução do Senado Federal nº 49/95, a incidência dessas contribuições continuou regida pelas leis complementares que as criaram, cuja eficácia foi estendida até o advento da Medida Provisória nº 1.212/95, convertida na Lei nº 9.715, de 25 de novembro de 1998. No entanto, é preciso dizer que a Carta Constitucional de 1988 dá feição tributária às contribuições sob exame ao recepcioná-las, de forma expressa, no seu art. 239, determinando que a arrecadação de ambas passa a financiar o “programa de seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º deste artigo”. Consequentemente, como nova fonte de custeio (receita pública) de ações governamentais inseridas sob o manto da Seguridade Social, é inquestionável a transmutação da natureza das contribuições do PIS/PASEP, agora albergadas no sistema tributário, mais precisamente no contexto das contribuições destinadas ao custeio da Seguridade Social. A nova Carta Constitucional de 1988 também encontrou vigente a contribuição (0,5%) cobrada sobre o “faturamento” das pessoas jurídicas,
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Lei Complementar nº 7, de 07 de setembro de 1970. Lei Complementar nº 08, de 03 de dezembro de 1970.
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denominada de Fundo de Investimento Social – Finsocial, criada pelo DecretoLei nº 1.940/82, que havia sido legitimada no sistema anterior com a natureza de imposto da competência residual da União43. Com a natureza de contribuição destinada ao custeio da Seguridade, foi expressamente recepcionada pelo art. 56 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT. Declaradas inconstitucionais as majorações de alíquotas do Finsocial pós Constituição de 1988, exceto para as empresas exclusivamente prestadoras de serviços44, apressou-se o Poder Executivo em submeter ao Congresso Nacional projeto de lei recriando a Contribuição para Financiamento da Seguridade, agora batizada de COFINS, que resultou na Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991, cuja conformidade com o sistema constitucional foi reconhecida no âmbito da primeira Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 01-DF), que foi proposta, após inserção desse instrumento pela EC 03/93. Tal como a sucedida contribuição do Finsocial, a contribuição da COFINS era calculada sobre o “faturamento” das pessoas jurídicas (2,0%), assim considerado como “a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza”45. Pela redação original do art. 195 da Carta Constitucional de 1988, só a receita advinda do “faturamento” poderia ser tomada como base de incidência da contribuição destinada ao custeio da Seguridade Social, competência dez anos depois alargada pela Emenda Constitucional nº 20/98, publicada em 16 de dezembro de 1998, que colocou, no referido art. 195, o vocábulo “receita” ao lado de “faturamento”, para permitir que essa contribuição pudesse incidir sobre outros ingressos da pessoa jurídica, além do ingresso proveniente do faturamento. Como anotamos em nossa específica obra46 sobre o tema, “receita” é gênero que pode abarcar ingressos que remuneram diferentes negócios jurídicos, inclusive o ingresso proveniente do “faturamento”, mas nem toda “receita” se qualifica como faturamento, como acontece com os juros, royalties e dividendos recebidos. No entanto, mediante deliberado abuso legislativo47, foi precipitada a publicação da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, resultado da
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STF, Recurso Extraordinário nº 103.778-DF, relator o Ministro Cordeiro Guerra. STF, Recursos Extraordinários nº 150.764-1 PE e 187.436-8 RS, relator o Ministro Marco Aurélio. Art. 2º da Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991. MINATEL, José Antonio. Conteúdo do Conceito de Receita e Regime jurídico para sua Tributação. São Paulo: MP Editora, 2005. p. 95 em diante. Abuso denunciado com detalhes em capítulo do livro: MINATEL, José Antonio. Conteúdo do Conceito de Receita e Regime Jurídico para sua Tributação. São Paulo: MP Editora, 2005. p. 154.
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conversão de Medida Provisória editada um mês antes (MP nº 1.724), com os seguintes propósitos ali consignados: (i) alargar e unificar as bases de cálculo das contribuições da COFINS e do PIS, que passariam a contemplar a totalidade das receitas das pessoas jurídicas, e não só o faturamento; (ii) elevação da alíquota da COFINS de 2% para 3%, incidente sobre a nova base de cálculo, com eficácia já prevista para 1º de fevereiro de 1999. Antecipamos a existência de abuso legislativo em que a lei foi produzida cronologicamente antes da Emenda Constitucional que lhe daria amparo, ao mesmo tempo em que protestamos pelo evidente “descompasso constitucional e não-recepção da Lei nº 9.718/98” 48, circunstância que acabou sendo parcialmente reconhecida pela Suprema Corte 49 ao declarar a inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da referida lei, invalidando o pretendido alargamento da base de cálculo para as contribuições da COFINS e do PIS, até que lei posterior a EC nº 20/98 venha regular novamente a matéria. A síntese do novo quadro legislativo completa-se com a iniciativa de tributação monofásica50 para determinadas operações, além da imprópria adoção da técnica da não-cumulatividade para essas contribuições, experimentada no âmbito da contribuição do PIS pela Lei nº 10.637/02, posteriormente estendida para a contribuição da COFINS pela Lei nº 10.833/03. No entanto, o regime dito não-cumulativo – que é exceção – convive com a tradicional forma cumulativa adotada para essas contribuições, que continua valendo como regra geral para o grande número de empresas não submetidas ao Lucro Real como forma de tributação do imposto sobre a renda, assim como para receitas de determinadas atividades econômicas expressamente excepcionadas51. A inserção do § 12 ao art. 195 da Constituição, pela Emenda Constitucional nº 42/03, só vem confirmar a possibilidade conferida ao legislador para excepcionar, destacando da regra geral “os setores da atividade econômica para os quais as contribuições [...] serão não-cumulativas”. Ainda que se tenha essa norma constitucional como fundamento de validade da lei
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MINATEL, José Antonio. Conteúdo do Conceito de Receita e Regime Jurídico para sua Tributação. São Paulo: MP Editora, 2005. p. 158. Recurso Extraordinário nº 346.084 – PR, relator para o Acórdão o Ministro Marco Aurélio, Tribunal Plano em 09.11.2005. Lei nº 9.990/00 para combustíveis; Lei nº 10.147/00 para determinados medicamentos e artigos de higiene pessoal e de toucador; Lei nº 10485/02 para determinados produtos do setor automotivo, dentre outros. Previsão contida no art. 8º da Lei nº 10.637/02 (PIS) e também no art. 10 da Lei nº 10.833/ 03 (COFINS).
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ordinária que adotou a imprópria não-cumulatividade para as contribuições do PIS e da COFINS, permanece a crítica sobre o inadequado objeto do discrímen, pois a forma eleita para a tributação do resultado da pessoa jurídica pelo imposto de renda (Lucro Real) nada tem a ver com “setores da atividade econômica”, que é o parâmetro indicado pela Constituição.
3. CONTRIBUIÇÕES SOBRE A IMPORTAÇÃO DE BENS E SERVIÇOS A Constituição original foi emendada para assegurar que “as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico” das quais trata o caput do art. 149 “incidirão também sobre as importações de produtos estrangeiros ou serviços”52, comando que foi complementado pela previsão específica acrescida ao art. 195 para indicar que a Seguridade Social pode ter como fonte de custeio contribuição a ser exigida “do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar”53. Com base nessa nova competência, pela Lei nº 10.865/04 foram instituídas as contribuições batizadas de PIS/COFINS Importação, regras de incidência que não guardam qualquer relação com o conteúdo das normas estudadas no tópico anterior, a despeito de adotarem o mesmo rótulo das conhecidas contribuições sociais incidentes sobre a receita. Rigorosamente, a estrutura das normas de incidência que passaram a gravar as importações revela que essas novas exigências têm natureza de verdadeiros adicionais do próprio imposto de importação, na medida em que ostentam idêntico critério material (importar produtos) que qualifica aquele imposto. Além do mais, a despeito da legitimação finalística que caracteriza as verdadeiras contribuições sociais, não houve a preocupação de colocar na nova lei a necessária vinculação do produto arrecadado com o orçamento da Seguridade Social, omissão que também contribui para a assertiva de que essas contribuições não passam de meros adicionais do imposto de importação.
4. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURÍDICAS O conteúdo material revelado pelo vocábulo “lucro”, no sentido de resultado positivo apurado em período de tempo determinado, pelo confronto das múltiplas operações realizadas no contexto do desenvolvimento de atividades
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Conforme § 2º, inciso II, inserido no art. 149 pela Emenda Constitucional nº 42/03. Conforme inciso IV, inserido no art. 195 pela Emenda Constitucional nº 42/03.
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empresariais, foi duplamente qualificado pelo legislador constituinte para servir de base de incidência de específicos tributos. Com efeito, essa perspectiva da realidade (lucro) encontrável no âmbito das pessoas jurídicas está também contemplada no conceito constitucional pressuposto para “renda”, com expressa competência atribuída à União para tomá-la como pressuposto material de regra de incidência de específico imposto, como se vê do art. 153, inciso III, do texto constitucional. Por outro lado, preso às regras constitucionais de que o produto da arrecadação dos impostos se destina ao custeio das necessidades gerais do Poder Público, vedada a sua vinculação a determinado órgão, fundo ou custeio54, optou o constituinte por trazer essa mesma realidade para servir de base de incidência de específica contribuição (art. 195, I, “c”), fórmula encontrada para materializar o desejo de vincular definitivamente à Seguridade Social uma parcela da arrecadação obtida sobre essa mesma grandeza econômica, afastando os riscos das casuísticas deliberações anuais que os detentores do poder costumam praticar na destinação das verbas orçamentárias. É por essa razão que se costuma afirmar que a contribuição social sobre o lucro, efetivamente instituída pela Lei nº 7.689/88, nada mais representa do que um adicional do imposto de renda, com destinação específica da arrecadação para custeio da Seguridade Social. Tendo como materialidade de incidência a conduta “auferir lucro”, rechaça-se a pretensiosa tese daqueles que almejam colocar a contribuição social, exigida pela Lei nº 7.689/88, sob o manto da imunidade estampada no art. 149, § 2º, inciso I, do texto constitucional, pois a vedação ali concebida é para inibir a possibilidade de contribuições que tenham como materialidade de incidência a conduta “auferir receita”, como são exemplos as contribuições da COFINS e do PIS. Bem por isso é que a proteção constitucional está voltada para os ingressos provenientes das “receitas decorrentes de exportação”, e não para o conteúdo que possa identificar o “resultado” da exportação que, quando positivo, tipifica a hipótese de “lucro”.
5. CONTRIBUIÇÃO SOBRE A RECEITA DE CONCURSOS DE PROGNÓSTICOS Para concluir o exame panorâmico das principais contribuições a cargo da União Federal, voltadas para o custeio da Seguridade Social, interessa fazer
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Conforme art. 167, inciso IV, da Constituição Federal.
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uma rápida menção à contribuição incidente sobre a “receita de concursos de prognósticos”, prevista no art. 195, inciso III, da Carta Suprema. Nos termos do art. 26 da Lei nº 8.212/91, “constitui receita da Seguridade Social a renda líquida dos concursos de prognósticos, excetuando-se os valores destinados ao Programa de Crédito Educativo”, o que demonstra que o valor da contribuição é apurado pelo valor líquido, depois da dedução dos impostos incidentes sobre os prêmios, dos custos de administração e do próprio valor atribuído ao vencedor do prêmio. Essa mesma norma pontifica que “consideram-se concursos de prognósticos todos e quaisquer concursos de sorteios de números, loterias, apostas, inclusive as realizadas em reuniões hípicas, nos âmbitos federal, estadual, do Distrito Federal e municipal”55. É significativa a arrecadação dessa fonte de custeio da Seguridade Social, dada a proliferação das diferentes loterias implementadas em âmbito nacional.
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Conforme § 1º do art. 26 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
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Tributos Estaduais
Luiz Fernando Mussolini Jr. Advogado e Contador Professor no LLL em Direito Tributário do IBMEC/SP; Professor Titular em Direito Tributário e Planejamento Tributário na Faculdade de Ciências Econômicas de São Paulo/FECAP; Professor convidado do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários; Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo; Sócio Efetivo do Instituto dos Advogados de São Paulo; Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Professor Titular de Direito Tributário no UniFECAP.
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I. INTRODUÇÃO 1. Antes de fazer a análise de alguns aspectos específicos deste larguíssimo tema no plano estritamente jurídico, cabe, para realçar a sua importância, fixar o contexto econômico em que está localizado. Para tanto, vamos nos valer dos números contidos em recentíssimo estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, a partir das conclusões do IBGE, publicado pelo Mensário do Contabilista, do Sindicato dos Contabilistas de São Paulo (Ed. 506, de março de 2007). Verifica-se que, em 1986, a arrecadação de tributos estaduais somou U$ 17.160.000.000,00, o que representou 5,08% do Produto Interno Bruto, ao passo que, que em 2006, o total arrecadado foi de R$ 211.694.000.000,00 (mais ou menos U$ 100.000.000.000,00), expressando 10,08% do PIB brasileiro. Constata-se que, em 20 anos, quase dobrou o percentual que exprime a participação dos Estados no todo produzido pelo País, enquanto que a relação entre a carga tributária integral e o PIB cresceu em menor proporção, sendo de 22,39% em 1986 e 38,80% em 2006. Essa é a expressão macroeconômica do objeto do nosso trabalho, qual seja, o conjunto normativo que leva à transferência para os Estados de mais de 10% de tudo o que os agentes privados produzem. 2. A Constituição Federal, em seu artigo 156, dá competência aos Estados e ao Distrito Federal para a instituição de três impostos. Por ordem de significação arrecadatória, temos o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), o imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) e o imposto sobre a transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens e direitos (ITCMD). Além disso, os Estados e o Distrito Federal também são competentes para instituir taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição (art. 145, II, da CF), e contribuição de melhria, decorrente de obras públicas (art. 145, III, da CF). Finalmente, temos que os Estados e o Distrito Federal instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário próprio, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União (CF, art. 149, § 1º).
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Esta é a grossa fatia do bolo tributário atualmente destinada aos Estados e parte daquela conferida ao Distrito Federal, cuja tradução quantitativa foi apontada no item 1. 3. Dentro dos limites do presente estudo, inserido como capítulo de um Curso de Direito Tributário, seria demais ousada qualquer tentativa de análise exaustiva sobre o conjunto integral das regras que vinculam a atuação estatal de instituição, arrecadação e fiscalização de todos esses tributos; essa é tarefa de dificílima consecução e acreditamos que foge à intenção daqueles que promovem a edição desta obra. Desta maneira, vamos nos fixar, essencialmente, na exposição de uma questão fulcral, de enorme repercussão, referente ao ICMS, tributo que representa a maior parcela das receitas estaduais e que, por seu amplo espectro de incidência, tem maior importância para o setor privado da Economia. Para não deixar vácuo, abordaremos outras situações atinentes ao IPVA e às taxas estaduais. Temos ideia de que tais problemas objetivos envolvem os conceitos jurídicos básicos relativos a tais tributos, de sorte que sua enunciação revelará o que nos parece imprescindível para a compreensão dos mecanismos próprios de cada espécie de exação.
II. O ICMS
E A
GUERRA FISCAL
4. Em 12 de abril de 2007, foi publicada a seguinte matéria no jornal Valor Econômico: BRASÍLIA - A guerra fiscal gera uma perda estimada em R$ 25 bilhões para os governos regionais, pelos inúmeros incentivos concedidos a empresas, a maior parte em “contratos de gaveta”, somente conhecidos pelos beneficiários. A avaliação foi feita pelo secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, que calcula que “o país perde bilhões em investimentos” em função do “ambiente de incertezas jurídicas”. A prática de redução de imposto em diversos âmbitos da administração brasileira é uma das principais distorções que o governo federal quer tentar corrigir na nova proposta de Reforma Tributária, que tem previsão de conclusão até agosto deste ano. A guerra fiscal, explica o secretário, tem baixo custo para o estado ou município que concede a redução de impostos, de forma a atrair o investimento. Mas passou a ser uma “dor de cabeça” geral, pela
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complexidade de formas adotadas e pelos prejuízos que causam às receitas do conjunto. “Ninguém conhece todos os benefícios concedidos”, explica Appy. Os incentivos são concedidos de governo para empresa, sem passar pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). E as estimativas de renúncia geral são tão elevadas, que a guerra fiscal está provocando contra-reações dos governadores que se sentem prejudicados. São exemplos as disputas no Supremo Tribunal Federal (STF), ou recusa e cancelamentos de créditos de ICMS pelo Estado que não concedeu o incentivo. “Essa insegurança leva a uma redução de investimentos, o que é muito negativo para o país”, diz Appy. “Ou leva o investidor a pedir uma taxa de retorno mais elevada”, com repasse do custo ao consumidor Sem fazer citações, o secretário disse ter conhecimento de desistências de investimentos estrangeiros. “Há casos de empresas deixando de investir no Brasil por receio” da insegurança criada pela guerra fiscal, afirmou ele. Outro efeito da multiplicidade de regimes do ICMS, que tem legislação e alíquotas específicas em cada um dos 27 Estados, é sobre o comércio exterior. Appy calcula que os Estados exportadores devem cerca de R$ 17 bilhões em créditos de ICMS de empresas exportadoras, cujos insumos foram adquiridos em outras regiões. “O problema é a tributação na origem”, disse o secretário, ao comentar como o ICMS dificulta a desoneração das exportações. Por tudo isso, segundo ele, o objetivo da Reforma Tributária é dar maior simplicidade e eficiência ao sistema, evitando a sonegação e contribuindo para o crescimento da economia.
5. Esta atualíssima e incisiva manifestação, especialmente considerada a autoridade de que é emanada, leva-nos a enfrentar uma crucial implicação deste imbróglio, que atinge os agentes econômicos paulistas (e de outros Estados) na condição de sujeitos passivos do ICMS, em particular quando colocados como adquirentes de mercadorias e serviços em operações e prestações interestaduais. Vamos, em suma, à busca de respostas para duas indagações que parecem singelas. É verdadeiro ou falso afirmar-se que um contribuinte do ICMS de São Paulo, que compra ou recebe mercadorias de seu comércio, insumos de sua produção ou, ainda, que toma serviços, negociando e se relacionando com contribuintes do tributo, localizados em outras unidades da Federação, em
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operações subsumidas ao imposto, praticadas por entes os quais ostentam situação regular perante as autoridades fiscais a que estão jurisdicionados e que sejam acobertadas pela documentação exigível, tem segurança absoluta sobre o fato de que o crédito tomado em função das transações é legítimo? Ou, em outro giro , é verdadeiro ou falso assertir que o contribuinte paulista do ICMS, em face de tais fatos e conduta, corre o risco de ser objeto de ação fazendária tendente a exigir o estorno, integral ou parcial, do valor contabilizado, acrescido de sanção pecuniária pela pretensa antijuridicidade de sua conduta, além dos juros moratórios? 6. A Constituição Federal, em seu artigo 155, § 2º, inciso I, enuncia o traço essencial do ICMS, que está na sua natureza não cumulativa, predicado que se materializa na compensação escritural do imposto devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou serviços com o montante do tributo cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado ou pelo Distrito Federal. A Carta da República, no próprio artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea “c”, defere à lei complementar a disciplina do regime de compensação do ICMS. Hoje tem vigência a Lei Complementar nº 87/96, sendo que o caput de seu artigo 23 diz que o direito de crédito do ICMS, no fito de sua compensação com débito do imposto, está condicionado à idoneidade da documentação que serviu para a operação. A legislação paulista do ICMS segue na mesma direção, como se vê do artigo 36 e § 1º da Lei nº 6374/89. Considerando apenas as normas que são obtidas a partir desses enunciados desses dispositivos, as respostas às indagações propostas seriam peremptórias, pela veracidade da primeira assertiva e pela falsidade da segunda, prevalecendo a conclusão de que o contribuinte paulista do ICMS – tendo participado, no polo passivo, como destinatário ou tomador, de operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte e de comunicação, de caráter interestadual, que foi submetida à incidência do imposto, figurando no polo ativo um outro contribuinte do tributo, inscrito e operando regularmente em outra unidade federativa, coberta a operação ou a prestação com a documentação exigível – seria titular do direito ao crédito da importância paga ao fornecedor, a título de ICMS, para compensação contra o montante devido pelas operações futuras que praticasse. 7. Acontece, entretanto, que a Constituição Federal, na alínea “g” do já referido inciso XII do § 2º de seu artigo 155, confere à lei complementar a competência para, em relação ao ICMS, estabelecer a forma pela qual, por
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decisão dos Estados e do Distrito Federal, serão concedidas e revogadas as isenções, os incentivos e os benefícios fiscais. Aqui ainda remanescem vigentes as antigas regras emanadas do texto da Lei Complementar nº 24, de 07 de janeiro de 1975, que, conquanto inseridas no sistema sob o pálio da Constituição anterior, não tiveram contestada sua integral recepção pela Carta atual. Há que se focar o contido nos enunciados dos artigos 1º e 8º do diploma complementar1. É nessas mesmas disposições que busca arrimo o artigo 36, § 3º, da Lei Estadual nº 6.374/892. Com tal suporte, o Senhor Coordenador da Administração Tributária da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda de São Paulo ditou o Comunicado CAT nº 36, de 29/07/2004, que foi publicado no DOE de 30/07/2004, depois republicado em 31/07/2004. O enunciado da ementa do referido ato administrativo elucida cabalmente qual foi o seu desiderato. Assim é que: Esclarece sobre a impossibilidade de aproveitamento dos créditos de ICMS provenientes de operações ou prestações amparadas por 1
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“Art. 1º - As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei. Parágrafo único - O disposto neste artigo também se aplica: I - à redução da base de cálculo; II - à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros; III - à concessão de créditos presumidos; IV - à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus; V - às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data.” “Art. 8º - A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente: I - a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria; II - a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente. Parágrafo único - As sanções previstas neste artigo poder-se-ão acrescer a presunção de irregularidade das contas correspondentes ao exercício, a juízo do Tribunal de Contas da União, e a suspensão do pagamento das quotas referentes ao Fundo de Participação, ao Fundo Especial e aos impostos referidos nos itens VIII e IX do art. 21 da Constituição Federal”. “Não se considera cobrado, ainda que destacado em documento fiscal, o montante do imposto que corresponder a vantagem econômica decorrente da concessão de qualquer subsídio, redução da base de cálculo, crédito presumido ou outro incentivo ou benefício fiscal em desacordo com o disposto no artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea ‘g’, da Constituição Federal.” (Redação dada pelo inciso I do art. 2º da Lei nº 9.359, de 18-06-96 - DOE 19-06-96).
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benefícios fiscais de ICMS não autorizados por convênio celebrado nos termos da Lei Complementar nº 24, de 7-1-1975.
No introito do Comunicado, a autoridade firmatária declinou expressamente quais seriam os fundamentos sistêmicos do seu ato, invocando – aqui propositadamente em ordem inversa da menção –: a) o artigo 36, § 3º, da Lei Estadual 6374, de 1º de março de 1989; b) os artigos 1º e 8º, I, da Lei Complementar 24, de 07 de janeiro de 1975; e c) os artigos 155, § 2º, I, e XII, “g”, e 170, IV da Constituição Federal. Depois fica denunciada a motivação do ato, que se mostra dúplice, estando: [...] na necessidade de esclarecer o contribuinte paulista e de orientar a fiscalização quanto a operações realizadas ao abrigo de atos normativos concessivos de benefício fiscal que não observaram a legislação de regência para serem emanados.
Vem, a seguir, o conteúdo dispositivo do Comunicado, na direção de que: 1 – o crédito do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, correspondente à entrada de mercadoria remetida ou de serviço prestado a estabelecimento localizado em território paulista, por estabelecimento localizado em outra unidade federada que se beneficie com incentivos fiscais indicados nos Anexos I e II deste comunicado, somente será admitido até o montante em que o imposto tenha sido efetivamente cobrado pela unidade federada de origem; 2 – o crédito do ICMS relativo a qualquer entrada de mercadoria ou recebimento de serviço com origem em outra unidade federada somente será admitido ou deduzido, na conformidade do disposto no item 1, ainda que as operações ou prestações estejam beneficiadas por incentivos decorrentes de atos normativos não listados expressamente nos Anexos I e II [...].
Finalmente, são elencados os “BENEFÍCIOS FISCAIS SUJEITOS À GLOSA DE CRÉDITOS FISCAIS”, em dois anexos. O Anexo I traz o rol dos “BENEFÍCIOS CONTESTADOS EM AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE PROPOSTAS PELO ESTADO DE SÃO PAULO”. O Anexo II contém uma denominada “LISTA EXEMPLIFICATIVA DOS DEMAIS BENEFÍCIOS FISCAIS”, à qual se acrescentou a assertiva de que: “[...] não prejudica a aplicação do disposto no item 2”.
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Tomando-se, então, o conjunto das regras que se retiram dos textos primeiramente referidos e daquelas arquitetadas com estofo nos enunciados depois reportados, as respostas às indagações propostas seriam radicalmente diferentes, pela falsidade da primeira afirmativa e por ser verdadeira a segunda, validando-se a ideia de que o contribuinte paulista do ICMS – não obstante tenha participado, como destinatário ou tomador, de operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte e de comunicação, de caráter interestadual, que foi subsumida ao imposto, aparecendo no polo ativo um outro contribuinte do tributo, inscrito e operando regularmente em outra unidade federativa, coberta a operação ou a prestação com a documentação exigível – mesmo assim poderia ter confutado pelo Fisco Paulista, de maneira total ou apenas parcialmente, o direito ao crédito da importância paga ao fornecedor a título de ICMS, para compensação contra o montante devido pelas operações futuras que praticasse. Dúvidas podem recair sobre o espectro do seu direito, sendo latente a existência de possível risco quanto à legitimidade da sua conduta, que não estaria resguardada em relação a possíveis ações fazendárias. 8. É imperativo, em face de tal conclusão, sublinhar que ela implica em gravíssima e indesejável insegurança para todos aqueles que se dispõem a se arriscar no exercício das atividades econômicas, significando mais um fator de inibição aos tão prementes investimentos de que o País necessita. 9. Por óbvio, a realidade comporta diversas situações, em que os comportamentos dos agentes privados são marcados por maior ou menor dose de previsibilidade jurídica quanto às suas consequências, mas dentro do quadro descrito podem ser figuradas algumas cenas que confirmam o que supra afirmamos. Imaginemos que uma empresa paulista, empenhada na comercialização em varejo de roupas e acessórios para o público feminino, adquira mercadorias de fabricantes localizados em outras unidades da Federação, todos eles ostentando condição de plena regularidade perante as autoridades locais a que estão submetidos, em operações interestaduais sujeitas ao ICMS à razão de 12%, vindo o imposto destacado na documentação hábil emitida pelos fornecedores. Tendo participado de operações relativas à circulação de mercadorias perfeitamente legítimas, o contribuinte paulista toma os créditos do imposto e os compensa contra o tributo devido pelas operações subsequentes que praticar. Digamos que, decorridos 50 meses das compras realizadas, seja iniciado um trabalho de fiscalização de parte da Fazenda do Estado de São Paulo, procedimento que seja concluído com a glosa de parte dos créditos escriturados
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pela empresa comercial em virtude das compras em foco, exigindo-se o recolhimento do ICMS e aplicando-se a penalidade por suposto creditamento indevido do tributo. Suponha-se que os motivos da autuação tenham sido os fatos de que: a) o fornecedor catarinense de blusas fabricadas com tecidos importados fosse merecedor de um crédito presumido do ICMS, por força de regime especial previsto na legislação daquele Estado para as empresas que efetivassem suas importações por seus portos; e b) o industrial gaúcho o qual vendeu os calçados tivesse parte do ICMS recolhido ao Rio Grande do Sul devolvida sob a forma de financiamento para capital de giro, concedido pelo banco estatal local, com carência e taxas subsidiadas, em função dos novos investimentos que tinha efetivado, benefícios esses atribuídos unilateralmente pelos Estados do Sul, independentemente de sua aprovação pelo CONFAZ, sendo certo que o contribuinte paulista ignorava essas circunstâncias, na medida em que não tinha a obrigação de conhecê-las e, mais ainda, pela razão de que tais estímulos não se encontravam nominados na chamada “LISTA EXEMPLIFICATIVA DOS DEMAIS BENEFÍCIOS FISCAIS” anexa ao Comunicado CAT nº 36/2004. Imagine-se, de outra banda, o caso de um comerciante atacadista paulista que, a exemplo de seus principais concorrentes, resolve instalar uma filial que opere como “centro de distribuição” em Brasília – DF, para onde são direcionadas as compras de mercadorias que realiza de industriais paulistas e de outros Estados e de onde as mesmas são transferidas para a Matriz no Estado de São Paulo, onde são comercializadas. Assim procede para usufruir o benefício conferido pelo Distrito Federal, que concede um crédito presumido de ICMS no importe de 11% sobre o valor das saídas ocorridas a partir de estabelecimentos situados em seu território, desconsiderado, entretanto, os créditos a que seu contribuinte tem direito pelas entradas de mercadorias recebidas de outras unidades da Federação. As transferências de mercadorias entre os estabelecimentos de Brasília e de São Paulo são efetuadas com o ICMS calculado à alíquota de 12%, que é creditado pela Matriz paulista e compensado contra os débitos de sua responsabilidade. Depois de algum tempo, o contribuinte do Estado de São Paulo sofre lançamento ex officio e vê glosada quase que a integralidade dos créditos escriturados, igualmente ao ensejo de que a renúncia fiscal de Brasília fora instituída ao largo da necessária deliberação do Conselho de Política Fazendária, isto a par de lhe ser imposta multa por suposta infração à legislação tributária paulista.
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Veem-se, claramente, duas atitudes distintas; a primeira tomada com total e escusável ignorância dos incentivos dados aos fornecedores catarinense e gaúcho; a segunda assumida conscientemente, porque a empresa paulista era sabedora da irregularidade do deferimento outorgado pelo Distrito Federal. Todavia, em nosso entendimento, em uma e outra hipótese, não poderão prosperar as intenções arrecadatória e punitiva do Estado de São Paulo, isto até que seja eventualmente decretada a inconstitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal, das normas estaduais que estatuíram os benefícios fiscais aqui simulados. Senão, vejamos. 10. Embora a dicção do Comunicado CAT nº 36/2004 não seja semanticamente a mais apropriada – pois que, aparentemente, objetivaria apenas “esclarecer o contribuinte paulista” e “orientar a fiscalização” acerca de possíveis comportamentos dos particulares –, a sua natureza jurídica, retirada do conteúdo das suas disposições, mais se mostra ser a de ato normativo (artigo 100, I, do Código Tributário Nacional), espécie do gênero dos instrumentos secundários introdutores de normas, isto porque, no plano geral e abstrato, intenta vedar determinada conduta aos contribuintes (a apropriação do crédito do ICMS relativo às operações e prestações interestaduais em montante superior ao do imposto efetivamente cobrado pela unidade federada de origem) e, de outro lado, pretende obrigar o comportamento de seus subordinados, os agentes fiscais de rendas do Estado de São Paulo, em promover os lançamentos ex officio quando constatada a não observância da proibição dirigida aos administrados. Sendo válida essa pressuposição, temos que os Comunicados do Coordenador da Administração Tributária da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda de São Paulo podem, em face da estrutura administrativa do Estado, ser tipificados como sendo atos que o Prof. Paulo de Barros Carvalho3 qualifica como: [...] veículos úteis para introduzir no ordenamento regras jurídicas de nível secundário, fazendo ]possível a aplicação efetiva das leis e dos decretos regulamentadores, e assegurando, desse modo, a uniformidade da ação administrativa. É despiciendo frisar que as disposições desses atos não podem contrariar os comandos da lei ou do regulamento, situando-se em patamar inferior.
Reforçando, na esteira do que leciona o Prof. Paulo de Barros Carvalho4:
3 4
Curso de Direito Tributário, Saraiva, 2000, p. 74/75. Obra citada, p. 73.
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Os instrumentos secundários são todos os atos normativos que estão subordinados à lei. Não obrigam os particulares e, quanto aos funcionários públicos, devem-lhe obediência não propriamente em vista de seu conteúdo, mas por obra da lei que determina que sejam observados os mandamentos superiores da Administração.
Assim raciocinando – e considerando a) que, nos termos do caput do artigo 36 da Lei nº 6374/89, a compensação do ICMS se faz com o imposto anteriormente cobrado por outro Estado ou pelo Distrito Federal, relativamente à mercadoria entrada ou à prestação de serviço recebida, e b) que o § 3º do mesmo dispositivo legal hoje qualifica como não cobrado o montante do imposto que corresponder a qualquer vantagem econômica derivada da concessão de qualquer incentivo ou benefício fiscal em desconformidade com o comando do artigo 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal –, é de se admitir que as limitações estatuídas pelos itens 1 e 2 do Comunicado CAT nº 36/2004 têm amparo na sistemática legal do tributo própria do Estado de São Paulo. Cumpre investigar, entretanto, a razão pela qual a Administração Fazendária Paulista, somente em 2004, veio tomar uma providência que lhe era facultada desde 1989 e à qual passou a estar obrigada desde 1996? De outro lado – partindo-se de que, a) nos termos do artigo 1º e parágrafo único da Lei Complementar nº 24/75, a concessão de quaisquer modalidades de incentivos e benefícios fiscais relativos ao ICMS está condicionada à celebração e à ratificação de convênios pelos Estados e pelo Distrito Federal, e de que, b) por força do artigo 8º, I, do mesmo diploma complementar à Constituição Federal, a não observância dessa condição implicará a nulidade do ato normativo concessório e, ainda e concomitantemente, acarretará a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria –, é possível vislumbrar, com leitura rasa de tais enunciados, o alicerce sistêmico para que o legislador do Estado de São Paulo viesse, como de fato veio, a caracterizar como não cobrado o ICMS destacado em documento fiscal emitido pelo contribuinte titular da renúncia tributária, na exata proporção da vantagem econômica pela mesma representada, caminhando para a positivação da regra da legislação complementar que prevê, como corolário de ser nula a concessão, a falta de eficácia dos créditos do imposto a serem exercidos pelos adquirentes das mercadorias e pelos tomadores de serviços em operações interestaduais. Todavia, a busca mais atilada da significação do enunciado do artigo 8º, I, Lei Complementar nº 24/75, leva a concluir que as normas a partir dele edificadas não autorizam as unidades federadas a considerarem como “não
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cobrado” o ICMS inteiro, ou parcela desse imposto, que tenha sido corretamente calculado e debitado em documento fiscal regularmente emitido por contribuinte de outra unidade da Federação, sem embargo de que esse último seja titular de qualquer forma de benefício fiscal, total ou parcial, direto ou indireto. Provavelmente este terá sido o motivo pelo qual a legislação ordinária paulista não continha, entre 1989 e 1996, um permissivo para essa qualificação, a de imposto “não cobrado”, cingindo-se a possibilitar às autoridades fazendárias a vedação do crédito do ICMS oriundo de operações/prestações praticadas por contribuintes detentores de incentivos/ benefícios fiscais conferidos à margem das regras do artigo 8º e parágrafo único da Lei Complementar nº 24/75. Só depois, com a Lei nº 9359, de 18/06/96, é que foi injetada no ordenamento paulista a categoria de imposto “não cobrado”, para as hipóteses específicas de operações/prestações envolvendo empresas de outras unidades federadas. Essa modificação, em nosso parecer, não tem estofo nas normas do artigo 8º, I, da Lei Complementar nº 24/75, que visivelmente estão dirigidas a) ao Estado-Juiz, através do órgão próprio, a quem competirá, provocado por quem tiver legítimo interesse de agir, o reconhecimento de ser nulo o ato concessório dos benefícios perpetrados por unidade federada, com desrespeito à forma prevista no caput do seu artigo 1°, e b) ao Estado-Administração das unidades federadas onde estiverem localizados os contribuintes adquirentes das mercadorias e tomadores dos serviços que, decretada a nulidade, poderão exigir o estorno integral ou proporcional dos créditos tomados, mediante a concretização dos respectivos lançamentos de ofício. É razoável ter sido esse o iter compulsório eleito pelo sistema jurídico posto para que as unidades federadas prejudicadas vejam resguardados os seus legítimos interesses, dando-lhes concretude, positivando a ineficácia dos créditos do ICMS tomados pelos contribuintes a si jurisdicionados. Árdua e pedregosa, a estrada não pode, no entanto, ser suavizada com a pretensão demais simplória de considerar como “não cobrado” o imposto que foi debitado regularmente no instrumento formal próprio, a nota fiscal emitida pelo fornecedor/prestador de outro Estado ou do Distrito Federal, mesmo que seja este legatário de benefício fiscal conferido a latere legis. Essa conclusão fica robustecida pelo exame da declarada fundamentação constitucional do Comunicado CAT nº 36/2004.
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Com efeito, o primeiro enunciado invocado é o do artigo 155, § 2º, I, da Carta Política, que, desenhando o elemento fulcral do ICMS, diz que o imposto: [...] será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.
Ora: é primário, quase intuitivo, que, por “montante cobrado” nas operações anteriores por outra unidade federada, outra realidade se possa designar que não o resultado da operação aritmética da multiplicação da alíquota pela base imponível, a qual expressará o que o Prof. Paulo de Barros Carvalho5 chama de “compostura numérica do crédito tributário”, valor esse que será destacado no documento fiscal apropriado e representará o quantum debeatur da relação jurídica, o qual vincula os sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária. Se a Pessoa Política, por qualquer um dos mecanismos arrolados nos itens II, III e IV do parágrafo único do artigo 1º da Lei Complementar nº 24/75 – “(a) devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros; (b) concessão de créditos presumidos, ou (c) quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiros-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus” –, resolve conferir “vantagem econômica” ao contribuinte estabelecido dentro de seu território, essa postura não implicará, porém, em modificar a dimensão jurídica e matemática do “montante cobrado” do ICMS sobre as operações/prestações que tiverem praticado; consistirá, isto sim, em transferência de recursos estatais (na devolução), em renúncia de receita (na admissão de créditos presumidos), ou em subsídio (na hipótese de financiamentos com taxas privilegiadas), mas nunca mutilará a expressão quantitativa da relação jurídica tributária, que permanecerá inalterada depois de ingressar no sistema de direito positivo. Se isto é verdadeiro, fica manifesta a impossibilidade de que, em função de fenômenos alheios à relação obrigacional cuja prestação foi definida nos termos legais, se possa tipificar como não sendo “montante cobrado”, na significação constitucional, a parcela do imposto que terminou por não onerar, de alguma sorte, o seu contribuinte. Daí que avulta a inexistência do pretendido arrimo no artigo 155, § 2º, I, da Constituição Federal, para os preceitos do § 3º do artigo 36 da Lei nº
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6374/89, na redação dada pela Lei nº 9359/96 e, consequentemente, para os ditames do ato administrativo normativo exarado pelo Senhor Coordenador da Administração Tributária da SEFAZ/SP. De outro lado, o Comunicado CAT nº 36/2004 reportou-se ao inciso XII, “g”, do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal, ali igualmente buscando espeque para as suas disposições. Se é certo que a norma constitucional confere à lei complementar a incumbência de regular o modus de concessão e revogação dos incentivos e benefícios fiscais relativos ao ICMS e se também é correto que esta função foi executada pela Lei Complementar nº 24/75, não menos verdadeiro é que, de seu substrato, nem de muito longe pode ser retirada a ideia de que as unidades federadas estejam autorizadas a qualificar, automaticamente, como sendo “não cobrado” pela unidade remetente o imposto que, regularmente destacado pelos fornecedores/prestadores de mercadorias/serviços, seja objeto de qualquer tipo de desoneração, mesmo que o favor seja concedido sem respeito à forma fixada pela legislação complementar. Finalmente, o Comunicado CAT nº 36/2004 alçou-se ao princípio constitucional da livre concorrência (artigo 170, IV, da Constituição Federal), caçando fundamento para restringir o direito do contribuinte paulista em se apropriar do crédito do ICMS cobrado pela unidade federada de origem das mercadorias/serviços, provavelmente ao motivo (não expresso), de que essa restrição serviria para preservar os interesses dos contribuintes estabelecidos em seu território e que desenvolvam operações internas com as mesmas mercadorias e serviços, recompondo o equilíbrio concorrencial aparentemente maculado pela concessão de benefícios fiscais àqueles oriundos de outros Estados ou do Distrito Federal. Todos sabem que, em tese, é possível a intervenção estatal para assegurar o respeito aos postulados constitucionais da ordem econômica, entre eles o da livre concorrência entre os agentes privados. Essa atuação excepcional há, entretanto, que ser feita dentro do círculo estreito do ordenamento, com rígida consideração aos princípios que informam o sistema de direito posto. Nessa direção, a posição incisiva do Plenário do Supremo Tribunal Federal, na apreciação do AI nº 244.578/RS, relator o Ministro Celso de Mello (Informativo STF, nº 154), em aresto assim ementado: A possibilidade de intervenção do Estado no domínio econômico, por sua vez, não desonera o Poder Público do dever jurídico de respeitar os
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postulados que emergem do ordenamento constitucional brasileiro, notadamente os princípios – como aquele que tutela a intangibilidade do ato jurídico perfeito de que se revestem de um claro sentido de fundamentalidade. Motivos de ordem pública ou razões de Estado – que muitas vezes configuram fundamentos políticos destinados a justificar, pragmaticamente, ex parte principis, a inaceitável adoção de medidas que frustram a plena eficácia da ordem constitucional, comprometendo-a em sua integridade e desrespeitando-a em sua autoridade – não podem ser invocados para viabilizar o descumprimento da própria Constituição que, em tema de autuação do Poder Público, impõe-lhe limites inultrapassáveis, como aquele que impede a edição de atos legislativos vulneradores do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada.
Ora, o Comunicado CAT nº 36/2004, antes de ter o pretendido estribo no artigo 170, IV, da Carta Política, arranha, contrario sensu, a regra constitucional da não-cumulatividade do ICMS posta no seu artigo 155, § 2º, I, pois que busca limitar o ilimitável, restringir o irrestringível, atribuindo à expressão “montante cobrado” uma significação incondizente com a dicção da norma garantidora da incumulatividade do tributo, a exemplo do que faz hoje o § 3º do artigo 36 da Lei nº 6374/89. O escopo colimado, induvidosamente legítimo, de se afastar a deturpação da livre concorrência, que hipoteticamente deriva da outorga de benesses fiscais aos contribuintes instalados em outras unidades federadas, não pode ser atingido pelo atentado ao direito de terceiros, que tem status constitucional, com medida interventiva que chega a arrepiar, como se demonstrará a seguir, o sobreprincípio da segurança jurídica. Em verdade, prevalecendo as regras do item 2 do Comunicado CAT nº 36/2004, o contribuinte do Estado de São Paulo – que adquira mercadorias ou tome serviços de contribuintes de outras unidades da Federação, os quais são titulares de benefícios fiscais relativos ao ICMS, estímulos esses cuja concessão é muito possível que seja até ignorada pelo agente econômico paulista – poderá ser surpreendido com a glosa de parcela do crédito do imposto cobrado pela unidade de origem, uma vez que a lista do Anexo II do Comunicado é expressamente exemplificativa, sendo literalmente impossível a quem está localizado em São Paulo acompanhar a edição de todos os atos normativos de cada unidade federativa, mesmo porque este não é dever instrumental que lhe possa ser exigido, à míngua de previsão legal.
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É cristalino que essa potencial contingência aniquila, para as empresas, aquilo que o Prof. Paulo de Barros Carvalho6 designa como “sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da regulação da conduta”, que, na sua ótica, “[...] tranquiliza os cidadãos, abrindo espaço para o planejamento de ações futuras, cuja disciplina jurídica conhecem, confiantes que estão no modo pelo qual a aplicação das normas do direito se realiza”. Em suma: o Comunicado CAT nº 36/2004 é, ao nosso modo de ver, ato administrativo normativo, representando instrumento secundário por meio do qual se pretendeu introduzir regras no sistema jurídico de direito posto, de sorte a factibilizar a positivação do quanto estatuído no artigo 36, § 3º, da Lei nº 6374/89. Guarda consonância com as previsões da lei paulista, mas seus pretensos efeitos se mostram contaminados pelo descompasso dessa última com seus supostos fundamentos na legislação complementar e na Constituição Federal. 11. Não abraçamos nem de muito longe a ideia de que a chamada “Guerra Fiscal” é um fato consumado, com o qual devamos conviver, engolindo-o, sem mastigar, como consequência inevitável das características de uma Federação arquitetada sobre diferenças geográficas e econômicas tão marcantes como aquelas dos Estados brasileiros. Assim não admitimos, porque, como velho operador do direito, temos plena convicção da acintosa inconstitucionalidade, aliás muitas vezes já reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, que vem contida nas iniciativas unilaterais dos Estados e do Distrito Federal em conceder benesses fiscais para atrair investimentos. Estamos conscientes de que tais programas de estímulos representam violenta agressão ao sistema jurídico posto, a par de que, como cidadãos, somos sabedores dos danos que esses artificialismos geram às finanças públicas, em prazo mais longo e no contexto macroeconômico, bem como do desequilíbrio injusto e predatório que trazem para a livre concorrência entre os agentes privados da economia. Essa postura poderia nos conduzir, a mim e a nós todos, a ver legitimada a atitude de reação agora assumida pelo Estado de São Paulo, não isoladamente, mas tal como quase todas as outras unidades federativas. Seria apenas mais um dos intermináveis episódios do conflito tributário. Com efeito, não há como negar que a medida consubstanciada no Comunicado CAT nº 36/2004 tem justa e sobrante motivação política, no
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patamar pré-jurídico. Todavia, temos sérias dúvidas sobre a validade da atitude da Administração Fazendária Paulista, isto em termos estritamente de direito. Num primeiro lance, e como já fundamentamos, parece-nos que se quer combater inconstitucionalidades, com a adoção de procedimento impróprio, que pode ser considerado desconforme às normas maiores do ordenamento. Explicamos. Pensamos que a circunstância de que um estímulo tributário deferido a uma empresa localizada fora do Estado de São Paulo tenha sido concebido à margem do sistema jurídico não pode ter como consequência a restrição ao direito ao crédito do ICMS debitado no documento fiscal e pago pelo adquirente da mercadoria ou tomador do serviço, isto sob pena de se fazer letra morta a norma constitucional maior da não-cumulatividade do tributo, posta no art. 155, I, da Carta Política de 88, com as exceções estampadas no inciso II do mesmo artigo. Reiterando: é verdadeiro que a Lei Complementar nº 24/75 prevê que a outorga de benefícios ou incentivos fiscais está vinculada à sua aprovação através de convênio entre as unidades federadas e que, nos termos do § 1º do seu artigo 8º, a não observância dessa forma acarreta, cumulativamente, a nulidade do ato concessório e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria (à época não havia a incidência sobre serviços) e, mais ainda, a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do crédito correspondente. Todavia, em nosso entendimento, tal não dá alicerce ao artigo 36, parágrafo 3º, da Lei Estadual nº 6.374/89 (em que busca supedâneo o Comunicado CAT nº 36/2004), segundo o qual não se considera cobrado, para fins de crédito posterior, o ICMS destacado em documento fiscal que corresponder à vantagem econômica decorrente de qualquer subsídio, benefício ou incentivo fiscal concedido em desacordo com dispositivo da Constituição Federal. Parece impossível negar, dentro de nosso ordenamento posto, que a nulidade e a consequente ineficácia do ato concessório do estímulo fiscal, e as implicações dessas máculas, hão que ser previamente reconhecidas pelo Poder Judiciário, mais precisamente pelo Supremo Tribunal Federal, que tem competência exclusiva de controle concentrado de constitucionalidade dos atos legislativos estaduais, entre outros. Em outras palavras: o fato, mesmo que notório, de o benefício ser concedido unilateralmente por uma certa unidade da Federação não tem, de per si, o condão de tornar ilegítimos os créditos a que têm direito os adquirentes das mercadorias e tomadores de serviços situados em unidades federativas.
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Por esse exato motivo é que o Estado de São Paulo vem buscando a decretação da inconstitucionalidade de várias legislações de diversos Estados e do Distrito Federal, como se vê do próprio Anexo I do Comunicado CAT nº 36/2004, mostrando-se, por essa mesma razão, claramente contraditórias as disposições do referido ato administrativo, projetadas na direção de invalidar automaticamente, mecanicamente, os créditos do ICMS pago a fornecedores e prestadores de serviços de tais unidades, pois essa providência afronta o direito à não-cumulatividade do imposto, que há de ser respeitado até que a norma instituidora do estímulo, que ingressou validamente no sistema jurídico, dele seja extirpada pelo reconhecimento, pelo STF, da sua incompatibilidade com as regras maiores da Constituição Federal. Em conclusão, temos que os contribuintes paulistas, na hipótese de serem atingidos pelas determinações do Comunicado CAT nº 36/2004, poderão sustentar, diante das instâncias administrativa e judicial, o direito à apropriação e mantença integral dos créditos que forem impugnados pelo Fisco, salvo se decorrentes de operações ou prestações beneficiadas por regras já julgadas inconstitucionais. 12. Se assim sustentamos, cumpre esclarecer que a aplicação, in concreto, a “positivação” das regras veiculadas pelo Comunicado CAT 36/2004, está espelhada em matéria jornalística veiculada no site da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda de São Paulo, que transcrevemos: Fazenda na Imprensa Sexta-feira, 1 de julho de 2005 São Paulo cancela crédito de R$ 1 bi de atacadistas DCI – Diário Comércio e Indústria Ygor Salles A Secretaria de Fazenda de São Paulo cancelou cerca de R$ 1 bilhão em créditos tributários de empresas atacadistas em uma operação que fiscalizou mais de 150 empresas atacadistas de medicamentos e autopeças. A ação, que está em curso desde agosto do ano passado, faz parte do plano paulista de cancelar créditos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre operações interestaduais. A alegação do secretário da Fazenda paulista, Eduardo Guardia, é de que as empresas fazem “dança de mercadorias” usando estados que dão incentivos fiscais para que as atacadistas se instalem em seus estados.
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Segundo ele, tais incentivos deveriam passar pelo crivo do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), o que não acontece. Assim, é facultado ao estado de destino da mercadoria o poder de cancelar o crédito. “Tais incentivos são dados pelos estados sem que passe pelo Confaz, e nós é que somos obrigados a pagar pelo incentivo dado por outro estado”, disse. Para se beneficiar, os atacadistas se instalam em um estado que dá créditos presumidos sobre suas alíquotas de ICMS. “Quando a mercadoria volta para São Paulo, na nota fiscal estão os 12% que ele deveria pagar de imposto, mas na verdade pagou bem menos devido aos benefícios conseguidos no estado de origem”, explicou Andressa Iovine Martins, tributarista do Leite,Tosto e Barros Advogados Associados. “O que o fisco paulista faz é descobrir quais estados dão esses créditos, para aqui só dar crédito sobre o que ele realmente pagou de imposto”. Mais setores serão vistoriados O diretor executivo da Diretoria Executiva da Administração Tributária (DEAT) da Secretaria da Fazenda de São Paulo, José Clóvis Cabrera, informou que a análise de todas as atacadistas de medicamentos e autopeças ainda não acabou. Portanto, mais créditos deverão ser cancelados em breve. “Estamos atualmente com 80% do trabalho concluído”, informou. Em agosto do ano passado, o fisco paulista lançou o Comunicado CAT 36/2004, em que listou todas as leis de incentivos fiscais em outros estados que resultariam em cancelamento de crédito tributário em São Paulo. Foram listadas leis dos Estados de Minas Gerais, Paraná, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul, Amazonas, Espírito Santo, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Tocantins. “A partir deste ponto, analisamos quais eram os que mais geravam créditos, já que nossa equipe não é suficiente para ver tudo. Mas assim que acabar essa fiscalização que fizemos com medicamentos e autopeças, partiremos para outros setores do comércio atacadista”, disse Cabrera. “Escolheremos os próximos usando como critério os valores envolvidos em cada setor e no quanto eles conseguem de créditos tributários”. O resultado dessa primeira operação mais enfocada pode ser sentido ao ser comparada com a arrecadação estadual de impostos. Esse R$ 1
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bilhão corresponde a quase 30% de tudo o que foi arrecadado pelo fisco paulista no mês de abril (R$ 3,34 bilhões). Apesar das reclamações – e recursos – contra a ação do fisco paulista, os atacadistas receberam bem o cancelamento desses créditos. “É uma atitude muito justa. A empresa não pagou o imposto, por que então deveria receber os créditos?”, questionou Sandoval Araújo, presidente da Associação de Distribuidoras e Atacadistas do Estado de São Paulo (Adasp). uma ação desse tipo e deu vitória ao atacadista, já que o estado de destino não pode negar um crédito sobre a mercadoria se foi o estado de destino que abriu mão da arrecadação. São Paulo daria o mesmo crédito, independentemente do que foi pago no outro estado “Tem muita empresa que faz armazém fora de São Paulo só para conseguir esses créditos. Espero que o Guardia continue nesta luta para eliminar essas empresas que agem de má-fé”. Por outro lado, a jurisprudência criada pelo Superior Tribunal Federal (STF) credita ao atacadista o direito de receber os créditos. “O STF já julgou”, disse Andressa. Mas o Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo não pensa da mesma forma. Duas ações relativas à atual operação do fisco paulista chegaram a este tribunal, que deu ganho de causa, nos dois casos, ao governo estadual.
Entretanto, é de se ressaltar que sobreveio a essa notícia decisão de uma das Câmaras do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo em sentido contrário ao quanto afirmado pela Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda de São Paulo, objeto de recurso fazendário ao Plenário do Tribunal, ainda pendente de apreciação, que vem servindo como paradigma para a impetração de Recursos Especiais de contribuintes vencidos nos acórdãos prolatados pelas Câmaras Efetivas e Temporárias. Há, em verdade, outros julgados favoráveis à pretensão fiscal, entre eles um tomado por voto de Juiz Presidente de Câmara, em julgamento em que tivemos posição divergente, assim consubstanciada no voto que vai em nota7.
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COMPLEMENTO DE RELATÓRIO E VOTO. “O d. patrono do contribuinte compareceu à sessão aprazada, requerendo a juntada de memorial (que vai às fls.) e fazendo a sustentação oral das razões do recurso ordinário. Reiterou, em suma, os argumentos pela improcedência da autuação deduzidos desde a defesa primeira.
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Obviamente, a decisão será objeto de Recurso Especial às Câmaras Reunidas do TIT, apelo que muito possivelmente será admitido (porque
Com tanto encerro o relato e passo a proferir meu VOTO Invocando a aplicação subsidiária do quanto estatui o artigo 249, § 2º, do Código de Processo Civil, deixo de me manifestar acerca da pretensa nulidade da decisão recorrida, por falta de enfrentamento da inteireza das questões suscitadas na impugnação, pois que, no mérito, vou acolher a irresignação do contribuinte. Tenho posição pública sobre a matéria. Mais uma vez insisto e deixo claro que não compactuo com a ideia de que a chamada ‘Guerra Fiscal’ é um fato consumado, com o qual devemos mansamente conviver, aceitando-o como consequência inevitável das características de uma Federação arquitetada sobre diferenças geográficas e econômicas tão marcantes como aquelas dos Estados brasileiros. Assim não posso admitir, porque, como antigo operador do direito, tenho plena convicção da acintosa inconstitucionalidade, aliás muitas vezes já reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, que vem contida nas iniciativas unilaterais dos Estados e do Distrito Federal em conceder benesses fiscais para atrair investimentos. Estou consciente de que tais programas de estímulos representam violenta agressão ao sistema jurídico posto, a par de que, como cidadão, sou sabedor dos danos que esses artificialismos geram às finanças públicas, em prazo mais longo e no contexto macroeconômico, bem ainda do desequilíbrio injusto e predatório que trazem para a livre concorrência entre os agentes privados da economia. Essa postura poderia nos conduzir, a mim e a nós todos, a ver legitimada a atitude de reação de algum tempo mais incisivamente assumida pelo Estado de São Paulo. Seria apenas mais um dos intermináveis episódios do conflito tributário. Com efeito, não há como negar que a norma vertida no § 3º do artigo 36 da Lei nº 6374/89 (na redação conferida pela Lei nº 9359/96), bem como as providências preconizadas no Comunicado CAT nº 36/2004, têm justificativas políticas de sobra. Todavia, tenho sérias dúvidas sobre a validade da regra e da atitude da Administração Fazendária Paulista, isto em termos estritamente de direito Num primeiro lance, parece-me que se quer combater inconstitucionalidades, com a adoção de procedimento impróprio, que pode ser considerado desconforme às normas maiores do ordenamento. Explico. Penso que a circunstância de que um estímulo tributário deferido à uma empresa localizada fora do Estado de São Paulo tenha sido concebido à margem do sistema jurídico, não pode ter como consequência a restrição ao direito ao crédito do ICMS debitado no documento fiscal e pago pelo adquirente da mercadoria ou tomador do serviço, isto sob pena de se fazer letra morta a norma constitucional maior da não-cumulatividade do tributo, posta no art. 155, I, da Carta Política de 88, com as exceções estampadas no inciso II do mesmo artigo. Reiterando: é verdadeiro que a Lei Complementar nº 24/75 prevê que a outorga de benefícios ou incentivos fiscais está vinculada à sua aprovação através de convênio entre as unidades federadas, e que, nos termos do § 1º do seu artigo 8º, a não observância dessa forma acarreta, cumulativamente, a nulidade do ato concessório e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria (à época não havia a incidência sobre serviços), e, mais ainda, e exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do crédito correspondente. Todavia, em meu entendimento, tanto não dá alicerce ao artigo 36, parágrafo 3º, da Lei Estadual nº 6.374/89 (em que busca supedâneo o Comunicado CAT nº 36/2004), segundo o qual não se considera cobrado, para fins de crédito posterior, o ICMS destacado em documento fiscal que corresponder à vantagem econômica decorrente de qualquer subsídio, benefício ou incentivo fiscal concedido em desacordo com dispositivo da Constituição Federal. Parece impossível negar, dentro de nosso sistema jurídico, que a nulidade e a consequente ineficácia do ato concessório do estímulo fiscal, e as implicações dessas máculas, hão que ser previamente reconhecidas pelo Poder Judiciário, mais precisamente pelo Supremo Tribunal Federal, que tem competência exclusiva de controle concentrado de constitucionalidade dos atos legislativos estaduais, entre outros.
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existente a divergência de critérios jurídicos decisórios), que, soberanamente, apreciarão a questão.
Em outras palavras: o fato, mesmo que notório, de o benefício ser concedido unilateralmente por uma certa unidade da Federação, não tem, de per si, o condão de tornar ilegítimos os créditos a que têm direito os adquirentes das mercadorias e tomadores de serviços situados em unidades federativas. Por esse exato motivo é que o Estado de São Paulo vem buscando a decretação da inconstitucionalidade de várias legislações de diversos Estados e do Distrito Federal, como se vê do próprio Anexo I do Comunicado CAT nº 36/2004. Por essa mesma razão, revelam-se improcedentes as ações fiscais voltadas à invalidação dos créditos do ICMS pago a fornecedores e prestadores de serviços de tais unidades, pois essa providência afronta o direito à não-cumulatividade do imposto, que há de ser respeitado até que a norma instituidora do estímulo, que ingressou validamente no sistema jurídico, dele seja extirpada pelo reconhecimento, pelo STF, da sua incompatibilidade com as regras maiores da Constituição Federal. ... In casu, está incontroversa a concretização das operações de circulação de mercadorias que geraram os créditos guerreados pelo Fisco Paulista. Assim sendo, e com espeque nas razões acima postas, estou pela improcedência do AIIM, pois que não vejo ilegítima a apropriação dos créditos aqui impugnados, feita com suporte em documentação hábil e emitida por contribuinte em situação regular perante o Fisco de sua jurisdição. De outro lado, ainda que se admita - e o faço apenas ad argumentandum - a validade da regra do artigo 36, § 3º, da Lei nº 6374, na redação posta pela Lei nº 9359/96, é preciso considerar, respeitados os termos da mesma norma, que a glosa de créditos do ICMS, por São Paulo, relativamente a entradas de mercadorias e serviços originários de outras unidades federativas que sejam beneficiários de estímulos conferidos unilateralmente, deveria ficar restrita ao montante do imposto que corresponder a vantagem econômica decorrente da concessão de qualquer subsídio, redução de base de cálculo, crédito presumido ou outro incentivo ou benefício fiscal em desacordo com o disposto no artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea ‘g’, da Constituição Federal. No caso concreto, como deriva da própria mecânica do benefício outorgado pelo Distrito Federal ao estabelecimento candango da Recorrente, esta ‘vantagem econômica’ corresponde a 4% (quatro por cento) do valor do imposto destacado pelo contribuinte do Distrito Federal, tudo na medida em que este não se credita, quando das entradas das mercadorias, nos termos do TARE firmado com aquela unidade, do montante de 7%(sete por cento) debitado por seus fornecedores de outros Estados, recebendo, em contrapartida, crédito ficto de 11% (onze por cento) sobre as importâncias das operações de saídas. Em outras palavras: se não existisse o TARE, o estímulo fiscal do DF, o ICMS devido pelo estabelecimento candango seria de 5% (cinco por cento) sobre o valor agregado às mercadorias (se é que há alguma agregação); existindo o TARE, tal percentual fica reduzido a 1% (hum por cento), calculado sobre os valores das saídas; disso deriva que a ‘vantagem econômica’ não pode exceder a 4% (quatro por cento) do valor atribuído às saídas pelo estabelecimento remetente das mercadorias em transferência para a unidade operacional paulista. É insofismável serem estes os parâmetros para quantificação daquele conceito que a Lei nº 6374/89 fixa como sendo montante do imposto não cobrado na unidade de origem das mercadorias/serviços. Menos fosse porque é o próprio Diretor Adjunto da DEAT da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda de São Paulo quem assim cabalmente o reconhece, como se vê do documento anexo, ‘Análise de Impacto’, produzido para servir de base à informações prestadas no Mandado de Segurança – Processo nº 053.05.005391-7. Sublinhe-se: ... Através do artigo 3º da Portaria 384/01, o Distrito Federal determinou que, nas transferências de mercadorias para estabelecimentos da mesma empresa situados em outra Unidade Federada,
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13. Com efeito, o operador do Direito menos experiente no trato com o que chamamos de “processo tributário não-judicial” poderia, diante dos quadros iniciais que desenhamos, ver como inócuo o debate, no âmbito do contencioso administrativo tributário do Estado de São Paulo, dos lançamentos de ofício que sejam dirigidos contra os contribuintes paulistas com suporte nas determinações do Comunicado CAT nº 36/2004. Existem argumentos no plano doutrinário no sentido de faltar competência aos órgãos da jurisdição administrativa para deixar de aplicar atos normativos ao pretexto de sua inadequação com regras hierarquicamentes superiores do ordenamento. Ainda mais, no plano federal, estão postas disposições expressas no Regimento do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda8.
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aplica-se o percentual constante do item 1 do art. 1º, isto é, 11%. Desta forma, o DF autoriza o seu contribuinte a substituir o crédito original de uma mercadoria (7% sobre o valor de entrada) por um valor maior, correspondente a 11% do valor da saída da mercadoria. O imposto apurado e recolhido para o DF, pelo estabelecimento lá situado, nas condições da TARE, é de apenas 1% sobre o valor de saída (debito de 12% menos crédito de 11% sobre a saída). O contribuinte paulista adquirente dessa mercadoria se creditará de 12% do valor da NF, embora no valor da mercadoria esteja embutido apenas 1% de imposto (recolhido para o Distrito Federal). Consideramos para efeito de avaliação do impacto financeiro que neste caso, o benefício fiscal é de aproximadamente 4% sobre os valores transferidos do DF para SP entre os estabelecimentos da mesma empresa. A denúncia, no caso sotto giudizzio, é de que o sujeito passivo ter-se-ia apropriado indevidamente dos créditos do ICMS, destacado á razão de 12%, quando o imposto cobrado pelo DF seria de apenas 1%. É o que se vê dos demonstrativos que instruem o libelo, onde de estampa a glosa de 11% dos montantes creditados. Sucede que estes valores não correspondem ao ‘imposto não cobrado’ pelo DF, e , por consequência, à ‘vantagem econômica’ auferida pelo estabelecimento candango. A evidência aritmética é irrebatível. Sendo assim – e é impossível negar que o é – ainda que se admita, por amor ao argumento, a validade das disposições restritivas do § 3º do artigo 36 da Lei nº 6374/89 em face da normamãe do ICMS, a não-cumulatividade do imposto, não se podem agasalhar ações fiscais como as da espécie que, escancaradamente, não têm respaldo no permissivo legal invocado, mesmo que superada a sua duvidosa constitucionalidade. Por conseguinte, estou em que o Recurso Ordinário do particular merece provimento, quando menos pelo reconhecimento da incerteza e iliquidez do crédito constituendo, que dá suporte à decretação da insubsistência do AIIM. O montante do ICMS exigido não corresponde à vantagem econômica que teria beneficiado o contribuinte do DF e, ipso facto, seria passível de anulação pelo Fisco Paulista. Em conclusão: estou pelo provimento do RO, por entender improcedente o trabalho fiscal e, caso ultrapassada a ratio decidendi de invalidade do § 3º do artigo 36 da Lei nº 6374/89, por estar convencido da insubsistência do AIIM lavrado ao arrepio do mesmo dispositivo legal, porque claramente inexata a expressão quantitativa do que se designa como ‘imposto não cobrado pela unidade de origem’.” [Grifos nossos]. “Art. 22 No julgamento de recurso voluntário, de ofício ou especial, fica vedado aos Conselhos de Contribuintes afastar a aplicação, em virtude de inconstitucionalidade, de tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo em vigor. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica aos casos de tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo:
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Hoje se cuida de matéria que é objeto da Súmula nº 02 do E. Primeiro Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda. Temos, entretanto, posição contrária, como já sustentamos publicamente9. Estamos certos de que, em nosso sistema jurídico, coexistem o “processo tributário não-judicial” e o “processo tributário judicial”; o primeiro, desenvolvido diante das autoridades do Estado-Administração, inaugurado pela impugnação do sujeito passivo a lançamento ex officio contra si dirigido pelo Fisco; o segundo, que corre defronte ao Estado-Juiz, instado pelo Ente Tributante para a execução de seus créditos, ou pelo particular na tentativa da sua desconstituição, ou ainda do afastamento de atentados a seus direitos líquidos e certos em face de possíveis arbitrariedades cometidas por agentes da administração fazendária. Não há, em nosso ver, entre um e outro institutos, entre o processo nãojudicial e o processo desenrolado perante o Poder Judiciário, a pretensa e aparente superposição, pois que ambos são fórmulas adotadas pela ordem posta com o fito de solução dos dissídios entre o Fisco e os contribuintes, em esferas competenciais distintas e absolutamente independentes. Fixado esse pressuposto, e guardando coerência com o modelo referencial que adotamos, não vemos qualquer diferença de conteúdo entre os atos administrativos atípicos de julgamento e o exercício da jurisdição stricto sensu sobre matéria tributária. Em todas as hipóteses, as autoridades competentes executarão, substancialmente, a mesma tarefa a cada uma delas especificamente atribuída pelo sistema, concretizando, step by step, o amplo controle da legalidade da norma jurídica tributária individual e concreta vertida no lançamento, arquitetando outras normas, da mesma natureza, que ratificarão ou retificarão a regra primacialmente injetada no ordenamento, podendo extinguir, total ou
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I – que já tenha sido declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em ação direta, após a publicação da decisão, ou pela via incidental, após a publicação da resolução do Senado Federal que suspender a execução do ato; II – objeto de decisão proferida em caso concreto cuja extensão dos efeitos jurídicos tenha sido autorizada pelo Presidente da República; III – que embasem a exigência do crédito tributário: a) cuja constituição tenha sido dispensada por ato do Secretário da Receita Federal; ou b) objeto de determinação, pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional, de desistência de ação de execução fiscal. (Artigo incluído pelo art. 5º da Portaria MF nº 103, de 23/04/2002)”. Curso de Especialização em Direito Tributário. Estudos Analíticos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Forense, 1ª edição, 2004, pags. 422/423.
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parcialmente, a relação jurídica tributária desenhada no documento que veiculou o ato administrativo de lançar tributo. E assim vão fazer autoridades julgadoras administrativas e autoridades judiciárias, com irrestrita liberdade para, umas e outras: a) anularem a pretensão tributária pelo reconhecimento de vício formal no procedimento; b) enfrentarem o mérito da dita pretensão e concluírem pela inocorrência do fato tributário e não se ter instalada a relação jurídica tributária; e, ainda, c) deslindarem o fulcro da pretensão arrecadatória, admitindo a justaposição do evento à regra que dá sustento ao lançamento, mas deixando de aplicá-la pelo motivo de sua invalidade sistêmica, o que acarreta decretar a não instauração do vínculo obrigacional tributário. Desta sorte, temos como verdadeiro que os Tribunais Administrativos podem – e mais do que isso, devem – afastar a aplicação da lei sob a alegação de sua incompatibilidade com a Constituição Federal. Pensamos nessa direção e nesse prumo, votamos em Questão de Ordem suscitada diante do Plenário do Tribunal de Impostos e Taxas da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, cujo acórdão vai publicado no Ementário TIT 1996. Ressaltamos remissão feita, no voto vencedor do Ilustre ex-Juiz Luiz Fernando de Carvalho Accácio, à lição de Antonio da Silva Cabral, que, por sua clareza e juridicidade, reproduzimos: Predomina em nosso direito o princípio da hierarquia das leis. Diz o artigo 99 do CTN que o conteúdo e o alcance dos decretos restringemse aos das leis em função das quais sejam expedidos. Poder-se-ia acrescentar que as portarias se limitam ao que preveem os decretos em função das quais são baixadas, e assim por diante. Ora, a própria lei tem seu conteúdo e alcance limitados pela Constituição. Há que se distinguir a atitude de um funcionário público em geral da atitude de um funcionário encarregado de julgar os atos administrativos. No primeiro caso, um funcionário não pode deixar de cumprir uma portaria, uma instrução normativa ou até um parecer normativo, pois está subordinado hierarquicamente ao DRF (leia-se, por igual, CAT) e ao Ministro da Fazenda (leia-se Secretário da Fazenda) e sua missão é executar o que é determinado pelas autoridades. O julgador, ao contrário, tem por função apreciar a legalidade dos atos administrativos. O princípio da legalidade exige que se cumpra a lei,
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sobretudo a lei máxima que é a Constituição. Logo, se o Conselho de Contribuintes (leia-se Tribunal de Impostos e Taxas) depara com lei abertamente contrária à Constituição, há que prestar obediência à Lei Maior. Parodiando o que disse Ruy, o julgador singular ou o Conselho de Contribuintes não revogam leis inconstitucionais, desconhecem-nas. Quando os contribuintes alegam a inconstitucionalidade de uma lei não pedem aos tribunais administrativos que “declarem a inconstitucionalidade da lei”, mas que façam cumprir a Constituição. Pedem, na realidade, que determinado dispositivo de lei não seja aplicado àquele caso concreto, por ser inconstitucional. [Grifos nossos]
Esta é nossa visão teórica, e apresentamos uma faceta da ordem positiva. Deve-se observar, outrossim, que a posição supra-aventada do Tribunal de Impostos e Taxas da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, sacada anteriormente à edição da referida regra do Regimento Interno do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, remanesce incólume ao largo de mais de dez anos. Não vemos, portanto, como inconsequente, ineficaz já a priori, a discussão administrativa de lançamentos ex officio fundados nos comandos do Comunicado CAT nº 36/2004. Há ponderáveis argumentos pela incompatibilidade do artigo 36, § 3º, da Lei nº 6374/89 (no qual tem ninho) com os ditames do artigo 8º, I, da Lei Complementar nº 24/75 e, mais ainda, com o artigo 155, § 2º, I, da Carta Política, não cabendo, ademais, nos limites do princípio interventivo do resguardo da livre concorrência. Pode ser vista como atingida a regra mater da não-cumulatividade do ICMS; vislumbra-se como perigosamente desafiado o postulado maior da segurança jurídica, ideia que se escancara diante da possibilidade de um contribuinte paulista ter glosada a parcela do crédito oriundo de imposto cobrado por outra unidade federativa de origem, mesmo ignorando – e não tem obrigação de conhecer – a existência do benefício fiscal conferido à empresa vendedora da mercadoria ou prestadora do serviço tomado. Aqui não se sustenta a subversão do sistema jurídico e não se faz a apologia da Guerra Fiscal; advoga-se, isto sim, o estrito respeito ao ordenamento, mesmo que ações menos ortodoxas tenham justificável motivação política. O Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo tem competência para refutar as exigências estribadas no ato normativo em comento, podendo fazêlo se assim for a convicção majoritária dos seus integrantes.
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14. Nossa visão não é solteira. Confirma-a, sem sombra de dúvida, a postura de outro Tribunal Administrativo Estadual, qual seja, o Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais do Estado do Paraná. Em processo recentemente apreciado, destacamos trecho do r. voto da vogal designada, Dra. Michelle H. Akel, que terminou prevalecendo, por sufrágio de desempate da Presidência da Corte Administrativa: De outro lado, considero temerária a conduta da Fazenda do Estado do Paraná de, em operações interestaduais, desconsiderar a legislação do estado de origem das mercadorias e, consequentemente, considerar ilegítimos os créditos provenientes de operações ali originadas. Isso porque, todas as normas jurídicas gozam, em princípio, de presunção de legalidade, eficácia e validade jurídica. O sistema jurídico nacional não admite que determinada regra deixe de ser aplicada em razão de uma presunção de inconstitucionalidade ou ilegalidade. Para que dita regra, ainda que flagrante a ilegalidade, perca sua presunção de validade, é necessário que ela seja retirada do sistema jurídico pela via legislativa ou judiciária. Em se tratando de normas editadas por um Estado, contudo, o executivo ou o legislativo de outra unidade federada não tem competência para editar outra regra que se sobreponha àquela, na medida em que tal prática fere o principio federativo. Cabe, então, tal como na hipótese em tela, ao Estado que se sinta prejudicado, socorrer-se do Poder Judiciário, através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, por meio da qual a regra concessória do benefício fiscal poderá ser extirpada do sistema. No caso concreto, porém, se o Estado do Paraná é, ou foi, omisso ao buscar os meios legais cabíveis para vedar a concessão de incentivos fiscais ao desamparo de convênio, não é lícito, em momento posterior, voltar-se não contra o Estado que cometeu a ilegalidade, mas contra os próprios contribuintes paranaenses. Para concluir, vejo que na situação em tela, a conduta fazendária me parece ainda mais abusiva, já que nos autos restou comprovado, por prova documental, que houve a incidência do ICMS nas operações (com o destaque nas notas fiscais) e que foi suportado pelo destinatário, contribuinte de fato do imposto. Daí, também, ser flagrante o direito aos créditos e a inocorrência da infração imputada contra o autuado.
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15. Há mais ainda. Algum tempo atrás, o Governador do Estado do Mato Grosso editou diploma regulamentar cujo inteiro vai anotado ao final10. O indigitado decreto foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade, manejada pelo Distrito Federal (ADI 3312), aos argumentos de que teria afrontado os princípios constitucionais da não discriminação tributária em razão da procedência do produto – CF, art.152, da não-cumulatividade (CF, art. 155, § 2º, I), da vedação de confisco (CF, art. 150, IV) e também do preceito constitucional que prevê a competência do Senado Federal para fixar a alíquota do ICMS (art. 155, § 2º, IV).
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“DECRETO N° 989, DE 23 DE JULHO DE 2003. Introduz alterações no Regulamento do ICMS e dá outras providências. O GOVERNADOR DO ESTADO DE MATO GROSSO, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 66, inciso III, da Constituição Estadual, e CONSIDERANDO o disposto no artigo 8°, inciso I, da Lei Complementar n° 24, de 7 de janeiro de 1975; CONSIDERANDO o comando do parágrafo único do artigo 24 da Lei n° 7.098, de 30 de dezembro de 1998; CONSIDERANDO a necessidade de promover ajustes na legislação vigente, D E C R E T A: Art. 1° Fica acrescentado o artigo 153 às Disposições Transitórias do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 1.944, de 6 de outubro de 1989, com a redação que segue: ‘Art. 153 Não será considerado cobrado o imposto destacado em Nota Fiscal que acobertar operação de aquisição de mercadorias quando originárias dos Estados do Espírito Santo, Goiás e Pernambuco e do Distrito Federal. § 1° Nas aquisições referidas no caput, para fins de aproveitamento do crédito fiscal relativo à entrada de mercadorias no seu estabelecimento, o contribuinte mato-grossense poderá utilizar até o percentual de 7% (sete por cento) do valor da aquisição, ressalvadas as hipóteses de benefícios fiscais autorizados mediante Convênio celebrado no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ. § 2° O percentual autorizado no parágrafo anterior alcança, inclusive, as mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributária e ao recolhimento do ICMS Garantido Integral, bem como sujeitas à sistemática de cobrança do ICMS Garantido. § 3° Fica vedada ao contribuinte mato-grossense a utilização, como crédito fiscal, de valor superior ao autorizado no § 1°, quando adquirir mercadorias de estabelecimento localizado no Estado do Espírito Santo, Goiás ou Pernambuco ou no Distrito Federal. § 4° Durante a vigência deste artigo, ficam suspensas as disposições do § 1° do artigo 435L das Disposições Permanentes, em relação às aquisições oriundas do Estado de Goiás e do Distrito Federal.’ Art. 2° Este Decreto entra em vigor na data da sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1° de agosto de 2003. Art. 3° Revogam-se as disposições em contrário. Palácio Paiaguás, em Cuiabá - MT, 23 de julho de 2003, 182° da Independência e 115° da República. BLAIRO BORGES MAGGI GOVERNADOR DO ESTADO WALDIR JÚLIO TEIS SECRETÁRIO DE ESTADO DE FAZENDA”.
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Conquanto ainda não se tenha conhecimento da íntegra do aresto, a notícia que se tem é a de que a decisão unânime do Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade de votos, na esteira do Relator, Ministro Eros Grau, teria acatado, entre outras, a alegação de inconstitucionalidade da legislação mato-grossense por atingimento ao princípio da não-cumulatividade do ICMS, como se vê em notícia que vai anotada ao final11. Há de se aguardar a publicação do acórdão, que, claramente, poderá servir de baliza para questionamentos posteriores, pois, que, mutatis mutandis, a substância do regramento paulista em pouco difere das inválidas disposições da legislação do Estado de Mato Grosso. Vale, ao final, alertar para que a questão aqui focada, a implicação da chamada “Guerra Fiscal” quanto à regra-mãe da incumulatividade do ICMS, perdurará por longo tempo, a menos que se espancada pelo Supremo Tribunal Federal. Anote-se a proposta de Emenda Constitucional transcrita como nota12, que dá
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“16/11/2006 - 20:11 - STF declara inconstitucional norma sobre ICMS do Mato Grosso. Voto condutor do ministro Eros Grau, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3312, declarou a inobservância, pelo estado de Mato Grosso, do disposto no artigo 155, parágrafo 2º, inciso I, da Constituição Federal. O Governo do Distrito Federal (GDF) propôs, no Supremo Tribunal Federal (STF), a ADI contra o Decreto 989/03, do Estado do Mato Grosso, que introduziu alterações no regulamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). De acordo com o GDF, o decreto veda o crédito do imposto integral e corretamente destacado em nota fiscal, quando proveniente do DF, o que ofenderia os princípios da não discriminação tributária, da não-cumulatividade e a vedação de confisco (artigos 152, 155, parágrafo2º, inciso I e artigo 150, inciso IV da Constituição Federal). O decreto também violaria o artigo 150, parágrafo 2º da Constituição que estabelece a competência do Senado Federal para fixação da alíquota interestadual do ICMS. O relatório O relator informou ao Plenário que “deve ser enfrentada, em primeiro lugar, a questão atinente ao vício formal” em relação à usurpação da competência do Senado Federal, para fixar a alíquota do ICMS. “Isso porque a declaração de inconstitucionalidade estará ou não justificada em função de o ato impugnado consubstanciar, ou não, fixação de alíquota”. Para o ministro, da análise da matéria, “o estado de Mato Grosso pretende fixar a alíquota do ICMS em relação aos produtos adquiridos nos estados do Espírito Santo, de Goiás, de Pernambuco e no Distrito Federal”, no mesmo patamar da fixada para produtos procedentes das regiões Sul e Sudeste. O voto Eros Grau declarou que “a escancarada inconstitucionalidade formal decorrente de violação ao preceito constitucional dispensaria a análise de outras alegadas inconstitucionalidades apontadas no normativo”. Mas o ministro afirmou que o decreto viola também o disposto no artigo 155, incisos IV e V, ao fixar “alíquota do ICMS de 7%, em valor inferior ao percentual de 12% prescrito pela Resolução 22/89 do Senado Federal”. A jurisprudência do Supremo é a de que é inconstitucional a “concessão unilateral pelo estado-membro ou pelo Distrito Federal de isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos ao ICMS, sem a celebração de convênios intergovernamentais”, concluiu o relator. O Plenário seguiu o entendimento de Eros Grau, por unanimidade, para declarar inconstitucional o Decreto 989/03, do estado de Mato Grosso.” [Grifos nossos]. EMENDA AGLUTINATIVA GLOBAL Nº , DE 2005 AO SUBSTITUTIVO DA COMISSÃO ESPECIAL DESTINADA A PROFERIR PARECER ÀS PROPOSTAS DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO
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bem a dimensão do problema e a extrema dificuldade de seu equacionamento, em termos políticos e jurídicos. Diferente não é o conteúdo da proposição que, no mês de março de 2007, foi encaminhada pelo Ministério da Fazenda ao exame da sociedade civil e que será depois levada ao Congresso Nacional. Não é lícito, pois, esperar solução fora do sistema de direito posto; esta haverá, em nosso entendimento, que ser pautada no postulado da segurança jurídica, não se carreando aos particulares, que impulsionam a economia, os ônus daquilo que é, em verdade, res inter alios, a contenda entre as unidades de uma Federação de ficção.
III. A GUERRA FISCAL E O IMPOSTO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES
SOBRE A
PROPRIEDADE
16. Enganam-se os que imaginam que o quadro até aqui tratado se restringe à batalha travada pelas unidades federativas com o armamento das benesses fiscais pertinentes ao ICMS. Não obstante a Constituição Federal, em seu artigo 155, § 6º, inciso I (acrescido que foi pela Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003), seja peremptória em determinar que o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores terá alíquotas mínimas fixadas pelo Senado Federal, mandamento esse cujo nítido escopo foi limitar o que se chama de “poder de não tributar” dos Entes Políticos Federados, isto a bem de impedir a perpetuação de outro capítulo da guerra fiscal travada entre os mesmos, a realidade está em que, decorridos mais de três anos, o Senado ainda não disciplinou a matéria, como é de sua obrigação, dando ensejo à continuidade às iniciativas juridicamente legítimas perpetradas e executadas por vários Estados. Esse fato dá a exata dimensão dos problemas da Federação Brasileira, multiforme, com diferenças brutais de níveis de desenvolvimento socioeconômico e com manifesta ausência de vontade política para o seu equacionamento.
NºS: 228-B, 255, 285 e 293, QUE ALTERAM O SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL E DÃO OUTRAS PROVIDÊNCIAS (REFORMA TRIBUTÁRIA) “Art. 3º. A transição do imposto de que trata o art. 155, II, da Constituição, para a forma definida nesta Emenda Constitucional, observará o seguinte: I – os incentivos e benefícios fiscais e financeiros concedidos ou autorizados até a data da promulgação desta Emenda, nos termos da Lei Complementar nº 24, de 07 de janeiro de 1975, ou nos termos de norma estadual ou distrital, ficam mantidos pelos prazos previstos nos respectivos atos concessórios; II – as alíquotas do imposto deverão ser fixadas com critérios objetivando manter o equilíbrio das receitas estaduais. [...]” [Grifos nossos].
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17. Vem o contra-ataque. Para que se tenha dimensão quantitativa da questão, vale reportar à recente manifestação da Administração Tributária do Estado de São Paulo (inserida no INFORMATIVO CAT nº 72, de março de 2007). Afirma-se que o trabalho o qual vem sendo realizado pela fiscalização da SEFAZ/SP, no intuito de punir fraudes no registro de domicílio de veículos, começa a se mostrar eficaz, como se vê do aumento das transferências, para São Paulo, de carros antes registrados em outros Estados. Esse procedimento foi iniciado há um ano atrás, tendo como ponto de partida evidências obtidas pelo Fisco na direção do crescente uso de domicílios falsos para registro de veículos em Estados que cobram uma alíquota inferior de IPVA. Observa-se que as transferências para São Paulo somaram 192.000, número que abrange todas as ocorrências, inclusive as rotineiras, sucedidas entre janeiro e setembro de 2006; o que é significativo, entretanto, é o montante verificado em janeiro de 2006, antes da ação fiscal, que foi de 13.000 eventos, ao passo que, em setembro do mesmo ano, já em curso o trabalho fazendário, a quantidade foi de 25.000. O procedimento fiscalizatório consistiu no cruzamento de dados dos últimos cinco anos relativos aos licenciamentos feitos no DETRAN/SP, isto em face do destino dos veículos vendidos pelas montadoras e, mais ainda, diante das informações feitas à Receita Federal (IRPF e IRPJ) e à própria Justiça Eleitoral (títulos de eleitor) em idêntico período. É importante sublinhar que, além das chamadas transferências espontâneas, o Fisco notificou mais de 7.000 proprietários para que regularizassem seus domicílios. Mais que isso: foi lavrada mais de uma centena de autos de infração tendo como motivo o uso de endereço falso para efeito de licenciamento dos veículos, lançamentos acompanhados da instauração de inquéritos policiais em que se intenta a responsabilização criminal desse grupo de contribuintes.
IV. TAXAS ESTADUAIS: UM EXEMPLO DE TRIBUTAR
DO
ABUSO
DO
PODER
18. Expressão escancarada da utilização imprópria e arbitrária de taxas é a questão que passaremos a abordar. Cuida-se de dívida referente à Taxa de Fiscalização e Serviços Diversos (TFSD), bem como da multa pelo seu não recolhimento, exigidas pelo Estado
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de São Paulo, com base na Lei nº 7.645/91, com redação dada pelo artigo 1º da Lei nº 9.036/94, em razão da suposta fiscalização por ele exercida sobre as atividades de realização de bingos permanentes. Aqui, antes de tudo, ressalvamos que não morremos de amores por tal business, mas a natureza do negócio não é motivo para a imposição indevida de tributo. O débito foi constituído por meio de processo administrativo derivado do auto de infração e imposição de multa lavrado pela Fiscalização Estadual de São Paulo. 19. Ocorre que os dispositivos que embasaram o crédito tributário e a sanção são manifestamente ilegais e inconstitucionais, por implicarem em cobrança de taxa de polícia totalmente desvinculada da atividade de fiscalização que deveria ser por ela remunerada e com patamares escancaradamente confiscatórios e desarrazoados, conforme reconhecido pelo próprio Poder Público Estadual, ao editar, no ano de 1995, nova lei, reduzindo o valor da taxa em questão, de 100 UFESP’s por milhar para somente três UFESP’s por milhar de cartelas de bingo emitidas. Esse também é o entendimento que vem sendo unissonamente acolhido pelos nossos Tribunais Pátrios. Senão, vejamos. Primeiramente, é de se esclarecer que o particular autuado é sociedade civil sem fins lucrativos e que, no período inicial da legalização dos bingos no Brasil, obteve licença para desenvolver essa atividade, isto em conjunto com uma empresa administradora, com a expectativa de que isso lhe propiciasse receitas extraordinárias, para fazer frente aos seus constantes déficits financeiros (como os existentes em todos os clubes brasileiros atualmente). O intento, infelizmente, não se concretizou, levando ao encerramento dessas atividades. No curto período em que explorou tal atividade, por meio de uma terceira empresa, administradora especializada, a ora excipiente foi surpreendida por autuação fiscal, geradora do processo administrativo que ensejou a dívida ativa ora atacada, na qual se lhe exigiu a Taxa de Fiscalização e Serviços Diversos (TFSD), e a sua correspondente multa, com base na Lei nº 7.645/91, com redação dada pelo artigo 1º da Lei nº 9.036/94. Esta última norma estabeleceu a cobrança desproporcional e confiscatória de um valor de 100 UFESP’s por milhar ou fração de cartelas de bingo impressas ou confeccionadas (na época, com a UFESP a R$ 5,76, equivalentes a R$ 576,00, e, ao longo do ano de 1995, com a UFESP chegando a bater em R$ 7,21, equivalentes a R$ 721,00), quando as mesmas eram, de uma forma
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generalizada, na cidade de São Paulo e em quase todo o Brasil, vendidas pelo preço de R$ 1,00 cada, totalizando uma receita de R$ 1.000,00 o milhar, dos quais 65% (R$ 650,00) eram destinados, por lei, às premiações. Além dessa evidência numérica falando por si mesma, e que não deixa dúvidas sobre o fato de que o Clube acabava como devedor do Estado por um valor muitas vezes superior ao que lhe restava da atividade de bingo (o que inclusive levou ao encerramento dessas atividades), temos a certeza de que o próprio Estado de São Paulo reconheceu essa confiscatoriedade, ao editar, já no ano seguinte ao da criação da taxa em questão, a Lei nº 9.336, de 28 de dezembro de 1995, reduzindo o valor da exação de 100 UFESP’s por milhar para somente três UFESP’s. Esse reconhecimento, pelo próprio Ente Tributante, de que o valor cobrado no exercício de 1995 a título da taxa de polícia em questão era mais de 33 vezes superior ao montante realmente necessário para custear a atividade estatal de fiscalização remunerada pela taxa, leva à conclusão insofismável da confiscatoriedade, vedada pela Magna Carta, e da ilegalidade, frente aos artigos 77 e 78 do CTN, de sua exigência tal como posta na Lei nº 9.036/94. Com efeito, o valor cobrado pelo Estado de São Paulo, para os fatos geradores ocorridos em 1995, com base na Lei nº 9.036/94, a título da TFSD sobre bingos permanentes, bem como das respectivas penalidades, não guarda qualquer relação com o custo da fiscalização que referida taxa deveria ressarcir. Isso se verifica pelos critérios utilizados para sua definição (quantidade de cartelas emitidas ou confeccionadas) e principalmente pelo seu valor desarrazoado, o qual tanto não representava qualquer conexão lógica ou fáticoeconômica com o poder de polícia tido por custeado por tais exações que, já no ano seguinte à sua instituição, foi drasticamente reduzido (33,33 vezes) de 100 UFESP’s por milhar para apenas três UFESP’s por milhar. E, no caso das taxas de polícia, o valor cobrado do sujeito passivo deve, imperativamente, corresponder ao custo da atuação estatal. Tal característica é essencial não só às taxas, mas também aos impostos, cuja base imponível deve ser o valor numérico necessariamente relacionado com o fato que constitui o núcleo da regra-matriz de incidência. 20. Dessa forma, inexistindo tal liame entre a base de cálculo da taxa objeto da dívida que se pretende anular e a atividade estatal correspondente (fiscalização), mostra-se ilegítima a cobrança dessa exação, sob pena de exigirse, na verdade, imposto não elencado na competência constitucional do Estado. Essa é a opinião uníssona da doutrina, valendo a pena transcrever a passagem do I. Hugo de Brito Machado, que assim se manifestou sobre o tema:
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Embora não se disponha de critério para o exato dimensionamento da maioria das taxas, especialmente para aquela cujo fato gerador é o exercício do poder de polícia, é razoável o entendimento pelo qual o valor da taxa há de ser relacionado ao custo da atividade estatal à qual se vincula. A não ser assim, a taxa poderia terminar sendo verdadeiro imposto, na medida em que o seu valor fosse muito superior ao custo. (Curso de Direito Tributário, Ed. Malheiros, 11ª edição , p. 327)
Também esse é o entendimento do extinto Egrégio Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, proferido em caso análogo ao presente: Taxa. Fiscalização, localização, instalação e funcionamento. Base de cálculo assentada sobre o número de empregados. Inadmissibilidade. Critério que não guarda correspondência com o eventual custo do serviço. Não é legítima base de cálculo tomada para a execução. Com efeito, a consideração do número de empregados não guarda correspondência com o eventual custo do serviço, desnaturando-se assim, o figura tributária em questão (arts. 77 do CTN e 145 da CF). É que como remuneração de serviços específicos ou decorrente do exercício do poder de polícia, exige a taxa, nexo de relação com o objeto tributado. (1º TACivSP Ap. 523.337/0, 4ª Câmara. Rel. Des. Carlos Bittar, j. em 30.03.1994, RT 709/96)
O EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL também já se manifestou nessa mesma linha, em acórdão proferido nos autos do Recurso Extraordinário nº 202.393/RJ, com a seguinte ementa: TAXA – LOCALIZAÇÃO E F UNCIONAMENTO DE ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL E COMERCIAL – BASE DE CÁLCULO – NÚMERO DE EMPREGADOS. Não se coaduna com a natureza do tributo o cálculo a partir do número de empregados – Precedente: Recurso Extraordinário nº 88.327, relatado pelo Ministro Décio Miranda, perante o Tribunal Pleno, tendo sido publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência nº 91/967 (Relator: Ministro Marco Aurélio – DJ DATA-24-10-97)
Do voto do I. Ministro Marco Aurélio, podemos destacar o seguinte trecho: Conforme consta das razões recursais, são reiterados os pronunciamentos dessa Corte, inclusive do Plenário, no sentido da necessidade do valor cobrado a título da taxa corresponder a uma prestação de serviço. No caso dos autos, assim não aconteceu, já que se considerou, para efeito de cálculo, o número de empregados dos ora Recorrentes. O elemento utilizado nada tem a ver com o poder de
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polícia exercido em face à necessidade de obter-se a autorização para desenvolver-se em certo local uma atividade. [Grifos nossos]
21. Por esses motivos, ficam escancaradas a ilegalidade e a inconstitucionalidade da cobrança da TFSD sobre bingos permanentes aqui combatida, frente aos princípios constitucionais da legalidade, da vedação ao confisco (Art. 150, IV), da razoabilidade e da proporcionalidade e da moralidade (Art. 7º), bem como aos dispositivos constitucionais que possibilitam ao Estado a cobrança de taxas para o custeamento das atividades relacionadas ao seu poder de polícia (art. 145, II) e aos artigos 77 e 78 do Código Tributário Nacional. É de se salientar, aliás, que os Tribunais Pátrios já vêm também assim se manifestando. 22. Com efeito, praticamente todos os Tribunais de Justiça do Brasil vêm, a um só coro, declarando a inconstitucionalidade de normas tal como a Lei nº 9.036/94, que estabeleceram taxas sobre a fiscalização de bingos em patamares desarrazoados e confiscatórios. Em primeiro, destaca-se recentes julgados neste sentido do EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, proferidos em casos idênticos ao presente, verbis: DECLARATÓRIA – Sorteios na modalidade de “Bingo Permanente” – Exigência de taxa, instituída pela Lei Estadual n. 9.036/94 – Adoção da base de cálculo do tributo a quantidade de cartelas impressas, por milhar ou por fração – Ilegalidade – Recurso provido. (Apelação Cível n. 107.810-5 – São Paulo – 1ª Câmara de Direito Público – Relator: Scarance Fernandes – 05.02.02 – V.U.) JOGO – Bingo – Taxa de polícia – Lei Estadual nº 9.036/94 – Ilegalidade – Não correspondência a efetivo exercício do poder de polícia – Declaratória procedente – Recurso não provido – JTJ 253/138.
Na mesma linha, são os inúmeros arestos proferidos pelo EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS, dos quais destacamos os seguintes:
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EMENTA: TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – TAXA DE EXPEDIENTE – FISCALIZAÇÃO DE BINGO PERMANENTE – NATUREZA CONFISCATÓRIA – INCONSTITUCIONALIDADE – SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO. O valor fixado à Taxa de Expediente é abusivo e possui natureza confiscatória, em razão da desproporcionalidade entre a quantia cobrada e o ato do poder de polícia praticado.
EMENTA: CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – TAXA DE EXPEDIENTE COBRADA DOS BINGOS – CARÁTER CONFISCATÓRIO – REVELIA – ENTE PÚBLICO – NÃO INCIDÊNCIA – INTELIGÊNCIA DO ART. 150, IV DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTS. 319 E 320, II AMBOS DO CPC E LEI ESTADUAL 11.985/95. São incabíveis os efeitos da revelia ao Estado, por se tratar de Ente público. Fere o princípio do não confisco a cobrança de taxa que extrapola os valores das diligências efetuadas pelo Poder Público Estadual, pois ela deve ser proporcional ao custo do “Poder de Polícia” dirigido diretamente ao contribuinte.
Finalmente, destaca-se também o entendimento do EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL, verbis: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. TAXA ESTADUAL DE FISCALIZAÇÃO DE SORTEIO DE BINGO OU SIMILAR COBRADA À RAZÃO DE CERTO VALOR SOBRE DETERMINADO NÚMERO OU LOTE DE CARTELAS. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA DA EFETIVA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS PARA EFEITO DE CONFIGURAÇÃO DA TAXA, TAXA ESTA QUE SE APRESENTA MAIS COMO IMPOSTO SOBRE RENDA ENCOBERTO DA DENOMINAÇÃO TAXA, ALÉM DE SER PROGRESSIVA. RECURSO PROVIDO, POR MAIORIA. (Apelação Cível Nº 70005068325, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roque Joaquim Volkweiss, Julgado em 06/11/2002)
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Eutálio Porto Mestre em Direito do Estado – PUC/SP Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
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1. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
DO
MUNICÍPIO
1.1. A AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL PARA O EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA A competência tributária dos Municípios, assim como a dos demais entes federativos, advém da Constituição Federal, cuja previsão normativa se encontra inscrita no art. 156, que lhe outorga o direito de instituir imposto sobre: a) a propriedade territorial e predial urbana (IPTU); b) transmissão inter- vivos (ITBI); c) imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN). Além dessas espécies tributárias, também é possível ao Município instituir taxas em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição, consoante expressão advinda do art. 145, II, da Constituição Federal. Igualmente se encontra, dentre as possibilidades do Município, a instituição de contribuição de melhoria decorrente de obras públicas (art. 145, III, CF), além da contribuição para iluminação pública (CIP), instituída pela Emenda Constitucional n° 39, que criou o art. 149-A. Verificada a competência tributária municipal, vale, doravante, imiscuirse em cada uma dessas espécies tributárias, traçando suas premissas básicas, abordando as vicissitudes que envolvem cada um dos tributos, seja do ponto de vista normativo, seja do ponto de vista prático, que decorrem da aplicabilidade da norma ao caso concreto, tentando daí apontar, à luz da doutrina e da jurisprudência, a solução dos conflitos surgidos do exercício desta competência.
2. AS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS 2.1. IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA (IPTU) Este imposto encontra sua base normativa nos artigos 32, 33 e 34 do Código Tributário Nacional (CTN), emanando daí a diretriz básica que permite a sua instituição, define os limites territoriais de sua incidência com a distinção de área urbana e rural, bem como especifica a sujeição passiva de sua incidência.
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O imposto tem uma peculiaridade raramente encontrada nos demais, pois, além de incidir sobre a propriedade, também pode servir de penalidade, isto porque a Constituição Federal possibilitou sua instituição, mediante alíquotas progressivas, quando o proprietário não promover o seu adequado aproveitamento, ou seja, quando não der ao imóvel uma função social, conforme estabelecido no inciso II, § 4º, do art. 182.
2.1.1. DOIS IMPOSTOS: PREDIAL E TERRITORIAL (IPTU) Tanto a Constituição Federal quanto o Código Tributário Nacional abordam o IPTU como Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, o que implica dizer que, na verdade, se trata de tributos distintos, definidos no mesmo dispositivo legal. Em outras palavras, o imposto territorial é um tributo e o predial, outro; por isso, torna-se perfeitamente possível a instituição de alíquotas diferentes para um e para outro, não implicando qualquer ilegalidade, progressividade ou violação ao princípio da igualdade, na medida em que se trata de tributos com bases de cálculo distintas, inexistindo proibição de terem alíquotas diferentes, especialmente porque pode haver incidência somente sobre o terreno, quando vazio ou sobre este e o prédio, quando existente no local. Com isso, poder-se-ia objetar que a diferença de alíquotas existente entre imóveis edificados e imóveis não edificados constitui violação ao princípio da igualdade, já que, incidindo o fato gerador do IPTU sobre a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóveis urbanos, pouco importa se tratar de terreno com ou sem construção, posto que o fato gerador é único para ambos. Porém tal entendimento não é dos melhores, pois o IPTU tem dupla incidência, ou seja, recai sobre prédio e sobre terreno. Por isso, é perfeitamente aceitável a existência de alíquotas diferentes, ou seja, uma para prédio e outra para terreno. O legislador local, centrado nos assuntos de seu peculiar interesse, consoante art. 30 da CF, tem o poder de instituir o tributo levando em consideração a propriedade em seu conjunto ou criar dois impostos, um para terreno e outro para edificações. Aires F. Barreto1, posicionando-se contra a progressividade, assevera ser inadmissível que o legislador enverede para o campo da progressão ou que
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Curso de Iniciação em Direito Tributário, 2004, p. 271.
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venha a se valer de alíquotas diversificadas, mas desde que, respeitados estes limites, é facultado “ao legislador ordinário optar pela criação de um único imposto, ou pela instituição de dois impostos”. Em complemento ao seu raciocínio, destaca o eminente jurista que: a lei municipal pode optar por: a) criar um único imposto, cuja incidência abranja assim os imóveis edificados como os não edificados; b) instituir dois impostos: um cujo campo de incidência se limite aos imóveis edificados; c) outro, gravando os imóveis sem edificação.2
2.1.2. O FATO GERADOR O fato gerador do IPTU encontra-se ancorado na propriedade, no domínio útil ou na posse do imóvel, desde que localizado na zona urbana do Município, o que implica dizer que o imóvel o qual se localiza na zona rural não se encontra sob a égide do município para efeito de exigência do IPTU, tendo a Constituição Federal atribuído tal competência à União, cujo tributo incidente é o Imposto Territorial Rural (ITR). Não obstante isto, torna-se importante adiantar que a distinção entre zona urbana e rural se encontra hoje obsoleta, dada a multiplicidade de usos e restrições existentes sobre a propriedade, que permite dividir a área territorial do Município em diferentes tipos, tais como agroindustial, agropecuário, industrial, comercial, de proteção ambiental etc., distanciando-se com isso da clássica distinção entre zona urbana e rural, que não mais se apresenta adequação ao mundo moderno. De qualquer forma, tratando-se de imposto de natureza real e não pessoal, o fato gerador encontra-se cerrado na relação da coisa para com a pessoa que detém um de seus atributos, seja proprietário, possuidor ou que tenha o seu domínio útil, cuja incidência seja aferível, anualmente, sempre no dia 1º de janeiro de cada ano. Vale destacar que a indicação do sujeito passivo da relação tributária tem como finalidade a efetivação do lançamento e, em caso de inadimplemento, definir o devedor para efeito de execução fiscal, pois, sendo o IPTU uma obrigação propter rem, o próprio imóvel é a garantia do pagamento do débito. Por isso, a condição de proprietário ou possuidor acaba assumindo, neste caso, uma condição secundária. Afinal, como antes dito, o bem é a garantia do débito, e não é por menos que a própria Lei 8.009/90, a qual tratou da impenhorabilidade do bem de família, de um lado deixou claro que é ela oponível
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em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciário, trabalhista ou de qualquer outra natureza, mas, de outro, ressaltou que não se aplica esta oposição quando se tratar de cobrança de impostos, predial ou territorial, bem como as taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar (art. 3º, IV). Por este fato, denota-se que, tratando-se de débito originado em uma das relações mencionadas, o imóvel não está albergado pela impenhorabilidade, motivando com isso a interpretação no sentido de possibilitar a efetivação do lançamento em nome do proprietário ou possuído e não apenas daquele cujo nome estiver constando no Cartório de Registro de Imóveis, pois não responde pessoalmente o contribuinte pelo débito na medida em que o imóvel representa a garantia do pagamento da dívida.
2.1.3. BASE DE CÁLCULO A base de cálculo do IPTU é o valor venal, entendendo-se como tal o valor de venda. Não obstante, raras são as prefeituras que conseguem manter a planta genérica de valores em simetria com o preço de mercado em razão das constantes alterações ocorridas no setor imobiliário. Por isso, em regra, o que as prefeituras fazem, para efeito de aferição do valor venal, é dividir o Município em regiões, elaborando a partir daí uma tabela por metro quadrado, indicando os valores encontrados para cada região, obtendo com isso um valor médio do imóvel a ser tributado, o qual raramente coincide com o valor de mercado, pois, como antes destacado, tais tabelas não são atualizadas com a constância necessária e, por isso, é comum haver uma discrepância entre o valor venal e o valor de mercado, em que pese, do ponto de vista semântico, o fato de tais expressões significarem a mesma coisa. Porém, na prática, é comum fazer distinção entre o valor venal e o valor de mercado. Isso porque, com a dificuldade de se manter um sistema permanente de atualização da planta genérica de valores, em razão da complexidade de se fazer uma pesquisa sistemática do valor auferido por cada imóvel no mercado imobiliário, o Executivo Municipal acaba expedindo, anualmente, um decreto atualizando os mapas de valores, baseando-se em índices de inflação, ocasionando com isso, como já mencionado, uma discrepância entre o valor de mercado e o valor venal. A sistemática utilizada pelas prefeituras de atualização do valor venal mediante decreto não é incorreta, pois não há qualquer majoração do valor venal, mas mera correção monetária, situação que se encontra pacificada na jurisprudência. Porém, nada impede que, após anos atualizando o valor venal de acordo com a inflação, o Município resolva, em determinado momento, fazer uma
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alteração na base de cálculo, utilizando, para isso, o valor de mercado, devendo então acionar o Legislativo local e aprovar lei específica, devidamente acompanhada dos valores aferidos para cada região, possibilitando ao contribuinte identificar o valor venal de seu imóvel. Não basta que a lei autorize o lançamento com base nos valores apurados; é necessário que a tabela com os valores seja, também, publicada como parte integrante, anexa à lei. Da mesma forma, como não raro acontece, não pode a lei autorizar o Executivo a efetivar o levantamento e, mediante decreto, determinar os valores. Existe a necessidade, sempre que haja alteração do valor venal mediante nova pesquisa, que o seja por meio de lei, em respeito ao princípio da legalidade imanente ao Direito Tributário. Sempre que o município realiza o levantamento para o fim de atualizar o valor venal, é comum ocorrerem demandas judiciais em que se reclama que o IPTU teve um aumento exagerado, indo muito além da inflação. Contudo, neste caso, não há o que fazer, pois a mera queixa de aumento não implica ilegalidade se os valores se encontram em consonância com o valor real e tudo foi realizado nos termos da lei. A indignação, em regra, circunscreve-se ao fato de que, durante muitos anos, o valor venal ficou sem ser atualizado, somente sendo acrescido ano-a-ano com os índices inflacionários. De modo que, ocorrendo uma atualização na base de cálculo mediante nova pesquisa, haverá também majoração do valor do IPTU muito além da inflação, situação que não implica, necessariamente, qualquer ilegalidade. Entretanto, pode ocorrer que o novo valor venal seja, de fato, superior ao valor de mercado e, para isso, deve a queixa ser acompanhada de prova, estreme de dúvida, que demonstre a discrepância, ou seja, que o valor venal utilizado para a formação da base de cálculo é superior ao valor do próprio imóvel e, neste caso, é possível que o lançamento seja anulado para se adequar o valor encontrado pela perícia ou outra prova constante nos autos à realidade. Isso porque o valor venal não pode suplantar o valor de mercado, sendo defeso ao Município utilizarse de base de cálculo que esteja em desacordo com este parâmetro. Desse modo, a questão inerente à base de cálculo é motivo de controvérsia constante nos tribunais, sendo certo que a jurisprudência vem utilizando-se das premissas mencionadas para solucionar tais conflitos.
2.1.4. ZONA URBANA X ZONA RURAL: UMA DEFINIÇÃO ULTRAPASSADA Sobre a propriedade, a Constituição possibilitou a instituição não cumulativa de dois tipos de impostos, o Imposto Predial e Territorial Urbano
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(IPTU) e o Imposto Territorial Rural (ITR), sendo o primeiro, como aqui já se viu, de competência do Município e o segundo, da União, consoante comandos expressos nos arts. 153, VI, e 156, I, da Constituição. A problemática, todavia, circunscreve-se ao fato da definição do que seja zona urbana e zona rural, havendo como indicativo o argumento de que o art. 32, § 1º, do Código Tributário Nacional (CTN) já expressou claramente tal distinção, ou seja, entende-se como zona urbana a área definida em lei municipal, que possua pelo menos dois dos seguintes melhoramentos: I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II – abastecimento de água; III – sistema de esgotos sanitários; IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.
De tal sorte, por este critério, é a lei que definirá a divisão da área municipal em urbana e rural, mas somente podendo, assim, proceder desde que haja pelo menos dois melhoramentos como os acima indicados, ou caso haja o enquadramento na forma prevista no § 2º, do art. 32 do CTN. Em outras palavras, a competência do Município, segundo o CTN, em dividir o seu território em urbano e rural não depende da vontade do legislador local, mas das condições impostas pelo dispositivo suscitado. Porém, com base no referido dispositivo, quando posto em confronto com o inciso VIII, do art. 30 da Constituição Federal, identifica-se uma antinomia, pois consta, neste comando, que compete ao Município “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”. Isto implica dizer que, sendo o Município ente federativo nos moldes dos Estados e da União, foi destinado a ele o poder de ordenação do solo, independente de qualquer condição que possa ser imposta pela norma infraconstitucional, que não pode restringir onde a Constituição alarga. Senão por isso, o art. 182 da CF, ratificou tal competência ao determinar que a política de desenvolvimento urbano executada pelo Poder Público Municipal objetiva ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade proporcionando o bem-estar aos habitantes. Referido dispositivo, que foi regulado pelo Estatuto da Cidade, consubstanciado na Lei 10.257/01, dá as bases para execução da política urbana. Por isso, as disposições constitucionais acima nomeadas retiram do § 1º, do art. 32, do CTN, a sua força normativa, já que a rigidez dos critérios nele
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contido contrasta com a atual posição do Município como ente federativo e com competência legislativa própria. A inflexibilidade dos critérios estampados nos incisos I a V coloca o Município em difícil situação, pois não raro diversas são as atividades desenvolvidas por ele que não se encontram entre as previstas no citado dispositivo, podendo mencionar, por exemplo, o transporte colocado à disposição da população moradora de áreas mais distantes, traslado gratuito para ir e voltar da escola, atendimento médico, dentre outros benefícios sociais que ficam a cargo do Município e que não estão contemplados na lei. Mas não é só isso, pois tal situação acaba por beneficiar imensas áreas de terra que escapam do imposto predial, quando na verdade não possuem quaisquer características rurais, beneficiando-se de uma tributação que, visivelmente, é inferior ao IPTU, sem qualquer contrapartida. A distinção entre área urbana e rural é inadequada aos tempos modernos, pois o uso do solo tem sofrido cada vez mais restrições, exigindo do Município um controle maior sobre seu território, pois a divisão do solo se faz levando em consideração o tipo de uso nele definido, por exemplo, o que antes era denominado “área rural”, hoje, na verdade se denomina “agronegócio”, sendo que os equipamentos utilizados também evoluíram, não se diferenciando daqueles destinados à indústria automobilística, de aviação ou qualquer outra, resguardadas as especificidades de cada negócio. O que existe é uma indústria de alimentos, de álcool, de matéria-prima para papel, movelaria e tantos outros que exploram os recursos naturais dentro de um processo, absolutamente industrializado, distanciando-se completamente da definição de área rural como ocorria no início do século. Por isso, o município dividiu-se em diversas áreas, permitindo a exploração de atividades distintas, separando alguns para a instalação de indústria que tanto pode ser inerente ao agronegócio, como aquelas destinadas a outros tipos, havendo divisão, ainda, para áreas destinadas ao comércio, residência, preservação ambiental, ou seja, a clássica divisão do território do Município em urbano e rural foi absolutamente alterada em razão de outros tipos de uso que não mais se enquadram no conceito trazido pelo Código Tributário Nacional (CTN). Assim, pode o Município transformar todo o seu território em área urbana e definir o tipo de atividade a ser exercida em cada parte dele. Da mesma forma, poderá exigir o IPTU independente da existência ou não dos melhoramentos constantes no art. 32 do CTN, já que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) admite a incidência do ITR, independente do local onde esteja situada a área explorada, inclusive em áreas urbanas que contenham todos os melhoramentos, uma vez que a definição para a incidência deste tributo não
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se dá em razão da localização do imóvel, mas em razão do uso da propriedade, o que implica dizer que, se a área estiver localizada na região central do município, mas for explorada pelo agronegócio, é passível de incidência do ITR, e não do IPTU, o que confirma a tese de que não mais existe uma separação entre urbano e rural, mas, sim, baseada no tipo de uso da propriedade. O ITR, consoante definição do STJ: [...] não incide somente sobre os imóveis localizados na zona rural do município, mas, também sobre aqueles que, situados na área urbana são, comprovadamente, utilizados em exploração extrativa, vegetal, pecuária ou agroindustrial.3
Tal entendimento encontra-se fundado no Decreto-lei 57/66, que prestigia o critério do uso do imóvel em detrimento da localização. Contudo, a Emenda Constitucional n° 29, em que pese a existência de questionamentos quanto à sua constitucionalidade, veio possibilitar ao Município instituir alíquotas diferentes em razão da localização e do uso do imóvel, o que implica instrumentalizar o Executivo local para cobrar o imposto levando em conta os mais diversos tipos de exploração, variando a alíquota de acordo com cada um deles, sendo, doravante, o IPTU um meio de incentivar ou desestimular a exploração de certas atividades dependendo do interesse do município. Apesar da posição do STJ em privilegiar o critério da destinação da área para efeito de incidência do imposto a ser pago, vale ressalvar que, em razão da própria definição da Emenda 29/00, e mais os benefícios que os Municípios acabam por estender para além da área urbana, o ITR é um tributo que tende a morrer, pois, afastando-se o Município da rigidez do art. 32 do CTN e definindo como urbano todo o seu território, pode ele próprio definir alíquotas diferentes para cada tipo de uso e, assim, atribuir uma alíquota menor para as áreas vinculadas a atividade extrativa, vegetal, pecuária ou agroindustrial, caso assim pretenda ou, se for caso, impor uma maior alíquota para esta atividade caso queira incentivar a outro tipo de exploração mais atinente a sua vocação.
2.1.5. IPTU PROGRESSIVO: O USO DO IMPOSTO COMO
PENALIDADE
A par do que restou definido na Emenda Constitucional n° 29/00, pode o Município impor ao proprietário que pague um IPTU diferenciado, ou
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Recurso Especial 472628/RS.
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seja, progressivo no tempo, desde que a área em questão não esteja cumprindo sua função social. A toda cidade com mais de 20 mil habitantes é obrigatória a existência de um Plano Diretor, sendo este o instrumento legal apto para definir a política de desenvolvimento e expansão urbana, conforme art. 182, § 1º, da CF, regulamentado pela Lei 10.257/01, denominada como Estatuto da Cidade. Com isso, a área incluída no Plano Diretor que se revele subutilizada ou não utilizada se encontra sujeita ao imposto progressivo, que é uma penalidade que visa a obrigar o proprietário a dar a esta área um destino adequado. O § 1º, do art. 5º do Estatuto da Cidade dá as diretrizes do que se considera um imóvel subutilizado, indicando, ainda, as providências necessárias antes da imposição da penalidade. Esta questão, antes da edição do Estatuto da Cidade, gerou enorme controvérsia, pois passaram os Municípios a instituírem imposto progressivo sem qualquer critério e sobre qualquer imóvel, situação que restou pacificada pela decisão do STF, em voto proferido pelo Ministro Moreira Alves, que afastou a incidência da progressividade generalizada, sustentado no argumento de que, sendo o IPTU um imposto de natureza real, a sua incidência somente poderia ser instituída como extrafiscalidade, nos moldes do § 4º, do art. 182 da CF, e, mesmo assim, quando previsto em de lei específica a qual, no caso, é o Estatuto da Cidade. A progressividade representa um desvirtuamento da natureza jurídica do IPTU, na medida em que, sendo ele uma espécie do gênero “tributo”, sua definição se encontra insculpida no art. 3º, do CTN, que indica ser “uma prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito”. Tal situação, entretanto, se confrontada com § 4º, do art. 182, da CF, causa evidente antinomia, pois a violação deste dispositivo implica uma conduta ilícita, entendendo-se, desse modo, o exercício de um ato contrário à lei e, como tal, sujeitar-se-á o infrator, dentre outras penalidades, ao pagamento de imposto de forma progressiva, de modo a tornar insuportável a manutenção da propriedade. Com isso, há de se entender que o legislador constitucional deu um tratamento diferenciando ao imposto progressivo cujo enquadramento não se pode inserir na definição do art. 3º, do CTN, o que não implica dizer que tenha o legislador desfigurado a natureza jurídica dos demais tributos, pois assim o fez de forma específica para o caso que ora se apresenta.
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DA EMENDA CONSTITUCIONAL 29/00 Posta esta questão, outra polêmica surgiu, pois, tendo o STF afastado a cobrança do IPTU progressivo para os casos não previstos no art. 182, § 4º, da CF, foi aprovada a Emenda Constitucional 29/00, que inseriu, no § 1º, do art. 156, os incisos I e II, admitindo a progressividade em qualquer situação. Contudo, desta vez, não como penalidade e, sim, como parte de um procedimento normal alcançando todo e qualquer imóvel, cujas alíquotas podem ser tanto progressivas, em razão do seu valor, ou diferentes, de acordo com a localização e o uso. Com isso, há questionamentos quanto à constitucionalidade da Emenda 29/00, na medida em que, tendo o IPTU caráter real, não pode se valer do aspecto pessoal para suportar a sua exigibilidade, infringindo com isso a capacidade contributiva prevista na própria Carta Magna, bem como o princípio da isonomia ao colocar os proprietários de imóveis em situações diferentes. A jurisprudência vacila em torno da questão, sendo certo que a matéria se encontra sob exame no Supremo Tribunal Federal (STF), tendo sido alvo de análise a Lei 13.250/01, do Município de São Paulo, que recebeu cinco votos favoráveis à sua constitucionalidade. Os seguintes ministros acompanharam o relator da matéria, ministro Marco Aurélio: Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Eros Grau e Sepúlveda Pertence. O julgamento acabou por ser suspenso em razão do pedido de vistas do ministro Carlos Ayres4. Antes disto, porém, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que, dentre outras atribuições, tem o poder de exercer o controle da constitucionalidade dos atos normativos dos Municípios, considerou constitucional a lei acima mencionada, cuja ementa se encontra vazada nos seguintes termos: Incidente de inconstitucionalidade – Lei 13.250/2001, do Município de São Paulo, que estabeleceu progressividade das alíquotas do IPTU de 2002, tomando como base o valor do imóvel – Mandado de segurança concedido pela segunda instância para declarar inconstitucional a Emenda Constitucional n° 29/2000 que instituiu a progressividade fiscal do IPTU – Incidente de inconstitucionalidade suscitado, sob alegação de que referida EC viola os princípios constitucionais da isonomia e capacidade contributiva – A EC 29/2001, ao contrário do
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alegado, atende ao princípio de tratamento isonômico dos contribuintes que se desigualam, e o valor venal do imóvel pode ser tomado como critério razoável para demonstração de capacidade econômica do contribuinte – Entendimento de boa parte dos doutrinadores e do STF a respeito – Incidente julgado improcedente (VOTO Nº. 12.033 – INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE N°. 149 5100/5 COMARCA: São Paulo).
2.1.6. CONTRIBUINTE
DO
IPTU
Para o art. 34 do Código Tributário Nacional, o “contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do domínio útil, ou seu possuidor a qualquer titulo”. Tal questão, que a princípio parece simples, torna-se polêmica quando entra em cena o instrumento particular de compromisso de compra e venda, sendo certo que inúmeros são os entendimentos no sentido de que o compromissário comprador não pode figurar na condição de contribuinte enquanto não houver a transferência definitiva da propriedade perante o Cartório de Registro de Imóveis. Nesse caso, existem duas situações distintas: a primeira é aquela em que o registro da propriedade espelha a real situação, ou seja, o possuidor e o proprietário se fundem na mesma pessoa; a segunda caracteriza-se por uma situação em que o possuidor obtém a coisa, ou seja, a posse direta com animus de dono em razão de um compromisso de compra e venda, porém, sem registro do título. Há, assim, duplicidade na relação jurídica, na medida em que, perante o Cartório de Registro de Imóveis, ainda consta como proprietário o compromissário vendedor, mas, na prática, nenhuma relação mais tem com o imóvel por tê-lo também, mediante o ato jurídico perfeito, transferido a posse. Desse modo, o imóvel foi compromissado à venda e pago todo o preço, mas as partes ainda não lavraram e nem registraram a escritura, havendo com isso uma situação dúbia, na medida em que o registro não coincide com a posse, ou seja, no registro consta um nome, mas quem exerce a posse é outro, havendo necessidade, em razão desta situação, de identificar o sujeito passivo da relação tributária, ou seja, se o compromissário comprador ou aquele cujo nome ainda figura como proprietário no Cartório de Registro de imóveis. A questão não é pacífica nos tribunais, havendo entendimento no sentido de que somente o lançamento efetivado em nome do proprietário, cujo nome consta no Cartório de Registro de imóvel, tem legitimidade passiva para responder pela execução fiscal na condição de devedor.
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Porém, esta não é a melhor interpretação, na medida em que o artigo 34 do CTN é claro ao dispor que o contribuinte do imposto é tanto o proprietário quanto o possuidor, o que permite ao compromissário comprador do imóvel figurar como sujeito passivo da relação tributária ou, para ser mais específico, na condição de contribuinte do IPTU, sem que, para tanto, esteja o título registrado em seu nome, pois, em caso de débito, não se pode executar quem não mais detém um dos atributos da propriedade, qual seja, a posse do imóvel, por tê-la transferido por instrumento particular. O que em regra se argumenta como forma de motivar a execução em nome daquele cuja propriedade se encontra registrada é o fato de que, tratando-se de instrumento particular, o Município não tem condições de identificar o sujeito passivo, havendo, para isso, necessidade de as partes, seja o adquirente ou o promissário vendedor, notificarem o Município para o fim de atualização do seu cadastro, o que nem sempre acontece. Além disso, argumenta-se ainda que o art. 123 do CTN determina que as convenções particulares não podem ser opostas à Fazenda Pública no que tange à responsabilidade pelo pagamento do tributo. Todavia, a comunicação da transação realizada deve ser uma obrigação prevista em lei municipal, que pode gerar para as partes penalidade administrativa, mas não a obrigação daquele que se desligou do imóvel de ter que suportar o ônus da dívida não paga pelo adquirente. Isso acontece especialmente porque, tratando-se de IPTU, o próprio imóvel assegura o pagamento do débito, em razão da natureza propter rem da obrigação. Com isso, havendo a transferência do bem por instrumento particular, não há porque negar a ele efeitos jurídicos, pois o próprio Código Civil estabelece que a declaração de vontade não dependerá de forma especial, salvo quando a lei expressamente o exigir, indicando apenas, para sua validade, que seja realizado por agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (arts. 104 e 110 do Código Civil atual e arts. 82 e 129 do Código anterior). Quanto ao art.123 do CTN, não tem ele aplicabilidade ao caso, pois as partes não convencionaram sobre a transferência da responsabilidade tributária, mas, sim, do próprio imóvel objeto do tributo. O que houve foi a transferência de um dos atributos da propriedade, no caso a posse, com alteração do sujeito passivo da obrigação, e não apenas a mudança de quem deva pagar o tributo, ou seja, quem antes era possuidor não é mais, por ter transferido o bem para outrem com animus de dono, que, a teor do artigo 34 do CTN, se encontra elencado dentre os contribuintes do IPTU. Com efeito, não se pode negar a existência de compromisso particular de compra e venda, em relação à obrigação de natureza tributária, pois, mais
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adiante, poderá o compromissário comprador, que ficou fora da ação de execução, ingressar nos autos, invocando, em seu favor, a Súmula 84 do STJ, a qual diz ser “admissível a oposição de embargos de terceiros fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido de registro”, possibilitando, com isso, a anulação de atos praticados sem sua ciência. E mais, se prevalecer o entendimento do não reconhecimento do instrumento particular para efeito tributário, ter-se-ia que admitir a impenhorabilidade de bem de devedor que apenas seja signatário deste tipo de documento. Chega-se à conclusão de que, possuindo um devedor direito sobre diversos imóveis oriundos de compromisso de compra e venda, não poderia a Fazenda Pública pedir a penhora de quaisquer destes imóveis, pois não figuraria aquele devedor como dono. Em outras palavras, apenas poder-se-ia reconhecer como apto a responder pela execução aquele que tivesse o nome transcrito no Cartório de Registro de Imóveis, ficando o promitente comprador livre de quaisquer responsabilidades tributárias. Entretanto, não é assim que funciona. A Fazenda Pública pode requerer a penhora de bens do devedor constante de título não registrado, em relação a crédito tributário de qualquer natureza. A não aceitação do instrumento de venda e compra sem registro, para definição do contribuinte do IPTU, viabiliza uma outra situação pouco recomendável, ou seja, uma entidade imune ao pagamento de IPTU que tenha firmado contrato de compra e venda com terceiro, sem levá-lo a registro, teoricamente, continuaria gozando deste benefício, pois, para todos os efeitos, ainda é ela a dona do imóvel, com direito à imunidade, quando na verdade este bem já se encontraria na posse de outro, que não tem a mesma característica. É por isso que o art. 150, § 3º, da Constituição Federal não exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel adquirido de autarquia. Também, a Súmula 593 do STF diz que: “Promitente comprador de imóvel residencial transcrito em nome de autarquia é contribuinte do Imposto Predial e Territorial Urbano”. Desse modo, se a Súmula é aplicável entre um particular e uma autarquia, o princípio, da mesma forma, deve ser aplicado entre particulares. Verifica-se que o art. 34 do Código Tributário Nacional permite interpretação extensiva, na medida em que estabelece como contribuinte do imposto o proprietário
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do imóvel, o titular do seu domínio útil ou seu possuidor a qualquer título, não se exigindo que seja, exclusivamente, aquele que esteja figurando como proprietário perante o Registro de Imóveis. Tal fato, de modo efetivo, restringiria sensivelmente a possibilidade de penhora num momento em que se tem buscado dar concretude às mais diversas formas de satisfação do crédito. A propósito, em obra coletiva coordenada por Vladimir Passos de Freitas (2005, p. 93), denominada Código Tributário Nacional Comentado, ficou dito, em interpretação ao art. 34, que: [...] o proprietário – titular de domínio – que não detiver a posse do imóvel ou dele estiver destituído, não poderá se sujeitar ao imposto, por não possuir, com a perda da posse, os atributos e requisitos inerentes à propriedade do imóvel (FREITAS, 2005, p. 93).
Nesta mesma obra, Odmir Fernandes retratou como curiosa a situação de um imóvel conservar [...] a propriedade e a posse em pessoas distintas, com alguém detendo a posse transmitida pelo proprietário, a exemplo do compromissário comprador, que detém a posse com animus domini pela aquisição feita, sujeito passivo, portanto, do IPTU; e outra pessoa detendo o domínio, pelo registro imobiliário. A propriedade conferida pela titularidade do domínio somente pode se sujeitar ao IPTU quando o titular do domínio – proprietário – também detiver e conservar a posse como atributo da propriedade. Assim, o proprietário que não detiver a posse do imóvel com os poderes e atributos da propriedade, por haver transferido, cedido ou mesmo perdido a posse, não pode se sujeitar ao imposto (FREITAS, 2005, p. 105).
Assim, a propriedade só é plena quando exercida por pessoa que detém todos os seus atributos, ou seja, não estando a propriedade desdobrada, “contribuinte é o proprietário, vale dizer, aquele a quem pertence o domínio pleno do imóvel”, consoante lição de Hugo de Brito Machado, que também assevera não assegurar ao legislador ordinário à Administração Fazendária a escolha do contribuinte, pois, não se identificando o proprietário, e não sendo caso de enfiteuse, “contribuinte do imposto será aquele que tiver a posse, a qualquer título”, pois, “havendo fracionamento da propriedade, desaparece a figura do proprietário, que só existe efetivamente quando todos os direitos de propriedade se encontram nas mãos de um só titular”5 .
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Hugo de Brito MACHADO. Comentários ao Código Tributário Nacional. 3. ed. São Paulo: FORENSE, 2001.
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Senão por isso, o inciso I, do art. 121, do CTN evidencia que o sujeito passivo é o contribuinte que “tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador”. Da mesma forma, o art. 130 do Código Tributário Nacional diz que os créditos tributários relativos a impostos, taxas e contribuições de melhoria, cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, sub-rogam-se na pessoa dos adquirentes, salvo se constar do título prova de quitação destes tributos. Aliomar Baleeiro, em comentário a este dispositivo (art. 130 do CTN), diz que os tributos ali referidos ficam a cargo do adquirente: [...] isto é, o sujeito passivo passa a ser o novo proprietário, foreiro, ou posseiro, em substituição ao anterior. O ressarcimento do adquirente por este é assunto entre ambos (MARTINS, 1998, p. 229).
Explica Pedro Roberto Decomain (2000, p. 490) que: [...] a sub-rogação está, na verdade, afirmando que o adquirente do imóvel passa a substituir o anterior detentor do seu domínio, da nua propriedade ou da posse na condição de novo e único sujeito passivo da obrigação tributária principal.
Diante do acima exposto, é possível identificar com exatidão as hipóteses previstas no art. 34 do CTN, sendo considerado: a)
Proprietário: aquele que é titular do domínio, que detém a coisa de forma plena, ou seja, tem posse e título registrado, e por isso, “tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, bem como o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha” (art. 1228 CC/02 e art. 524 do CC/16).
Neste caso, não pode ser considerado contribuinte quem já não detém todos os atributos da propriedade, por ter prometido, de forma definitiva, a venda do imóvel a terceiros, não exercendo a plenitude dos seus direitos. b)
Titular do domínio útil: aquele que adquire esta condição pela enfiteuse, que é modalidade de transferência dos direitos sobre o imóvel, em que o proprietário atribui a outrem o seu domínio útil (art. 678, CC/16), cuja obrigação inclui a satisfação dos impostos e ônus reais sobre ele gravados (art. 682, do CC/16 – o instituto foi abolido pelo atual Código Civil).
c)
Possuidor que detém a coisa a qualquer título: são os casos em que se revela contribuinte o detentor da posse com o animus
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domini, caracterizando ter condições de obter a propriedade plena, inclusive utilizando a tutela jurisdicional em seu favor, se lhe for negado este direito. Com exceção da letra “b” acima mencionada, cuja possibilidade de sujeição passiva é mais remota, os conflitos, em regra, surgem entre o proprietário e o possuidor, pois, quando a posse do imóvel é transferida por instrumento particular não levada a registro, o imposto, pela ausência de informação por parte dos Municípios, acaba sendo lançado em nome daquele cuja indicação consta no Cartório de Registro de Imóveis, quando, na verdade, não é mais o contribuinte do IPTU por ter se desligado do bem em razão da transferência da posse para o adquirente. Nesse caso, entretanto, permanece o compromissário vendedor com o imóvel ainda registrado em seu nome por uma mera formalidade, considerando que, sobre o imóvel, não tem mais qualquer ingerência ou responsabilidade por tê-lo transferido ao compromissário comprador, sendo esse, em razão disso, o sujeito passivo do IPTU, consoante define o art. 34 do CTN. Outra questão que se impõe diz respeito ao instrumento particular de compromisso de compra e venda ainda não quitado, cujo imóvel fora adquirido mediante parcelamento para o qual, não raro, se levam anos para a quitação. Nestes casos, também não se tem dúvida quanto à responsabilidade pelo pagamento do IPTU, na medida em que assume a condição de sujeito passivo da relação tributária o compromissário comprador, já que o art. 34 do CTN diz que contribuinte é o proprietário ou possuidor a qualquer título, não impondo qualquer restrição quanto à condição na qual se lastreia a ocupação. Desde que esteja investido de documento que permita ocupação de forma a tornar-se proprietário do bem, é o responsável pelo pagamento do imposto.
2.2. DO ISSQN – IMPOSTO SOBRE SERVIÇO DE QUALQUER NATUREZA O Imposto Sobre Serviços (ISS), anteriormente regulamentado pelo Decreto-lei 406/68, foi modernizado com a entrada em vigor da Lei Complementar 116/03, que, além de atualizar a lista de serviços, dispôs, com mais critério, sobre o conflito no que tange ao local onde o imposto é devido, ou seja, se o da prestação de serviço ou o da sede da empresa. Referida norma, em princípio, revogou a legislação anterior, não o fazendo, no entanto, em relação à incidência tributária oriunda das atividades de prestação de serviço desenvolvidas na forma de sociedade uniprofissional,
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prevista no art. 9º, do Decreto-lei 406/68. Tal posição, porém, não é pacífica, já que existem entendimentos no sentido de que a revogação do art. 9º restou patente com a nova lei, situação que será, mais adiante, enfrentada.
2.2.1. DO FATO GERADOR DO ISS6 O ISS é tributo que onera a prestação de serviço, e sua incidência aparece sempre que haja entre as partes contratantes uma relação de fazer. Entretanto, pode ser que, de uma mesma relação, surja mais de um fato gerador além da prestação de serviço, pois pode haver, entre as partes, outras modalidades de negócios jurídicos, como compra, venda e locação, dentre outras situações que afastam a incidência do ISS. O artigo 1º da Lei Complementar 116/03 indica, como fato gerador do ISS, os serviços estabelecidos na lista que se encontra anexa a esta lei, mesmo que tais serviços não se constituam como atividade preponderante do prestador. Por isso, qualquer empresa, mesmo que não tenha como atividade principal a prestação de serviço, estará sujeita ao ISS, quando o realizar. Em outras palavras, uma empresa que produz bens, pode, em certas situações, prestar serviços. Também, consoante dispositivo legal supramencionado, não ficam de fora da incidência do ISS “os serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públicos explorados, economicamente, mediante autorização, permissão ou concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço”. Ficam de fora as hipóteses previstas no art. 2º, da Lei Complementar 116/03.
2.2.2. DO LOCAL DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO À luz do Decreto-lei 406/68, o local da prestação de serviço estava definido no art. 12 como sendo aquele onde se encontrava a sede da empresa, com ressalvas para a construção civil, onde o local do pagamento era o da própria prestação do serviço. Embora o local do pagamento do ISS tivesse definição legal no Decretolei 406/68, era motivo de controvérsias, sobretudo, após a promulgação da Constituição de 1988, posto que os serviços eram prestados em um Município, mas o imposto era recolhido em outro, o que, de certa forma, gerava uma situação de injustiça fiscal, na medida em que o prestar se utilizava de toda a infraestrutura e equipamentos urbanos de um município, mas o outro é que
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Identificado neste trabalho como ISS – Imposto Sobre Serviço. Nota do autor.
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arrecadava o tributo, ou seja, o fato gerador ocorria em determinado local, mas a lei aplicada para pagamento do imposto era de outro. O Superior Tribunal de Justiça, mais de uma vez, relativizou a regra insculpida no art. 12, “a”, do Decreto-lei 406/68, que considerava como local da prestação de serviço aquele onde estava situado o estabelecimento prestador, fazendo valer a regra do local da ocorrência do fato gerador em detrimento da sede da empresa. Baseava-se, para isso, no art. 156, inciso III, da Constituição Federal. Entendeu o STJ, mediante reiteradas decisões da Primeira Secção, quanto à fixação de competência para cobrança do ISS, ou seja, se do Município onde se localiza a sede da empresa prestadora ou do Município onde são eles efetivamente prestados, que, em razão do princípio da territorialidade, albergado pela Constituição Federal, deve o pagamento do tributo ocorrer no local da prestação dos serviços, onde do fato gerador do imposto se consumou, pois este entendimento se encontra em simetria com os termos do artigo 156, III, da Constituição Federal, ao atribuir ao Município competência para tributar as prestações efetivadas dentro dos limites de seu território. Este entendimento não destoa da doutrina, pois, consoante entendimento de Roque Carrazza, mencionado no Recurso Especial nº 525.067 – ES, restou dito que: A Constituição traçou a regra-matriz de todos os tributos. Esta regra-matriz – que vincula o Poder Legislativo das várias pessoas políticas – indica, dentre outras coisas, o aspecto espacial possível da hipótese de incidência de cada exação (ou seja, os limites do aspecto espacial da hipótese de incidência dos tributos). O postulado vale também para o ISS. De acordo com a Constituição, este imposto só pode alcançar os serviços de qualquer natureza (exceto os referidos no art. 155,II, da CF) prestados no território do Município tributante. Por quê? Porque nosso Estatuto Magno adotou um critério territorial de repartição das competências impositivas que exige que a única lei tributária aplicável seja a da pessoa política em cujo território o fato imponível ocorreu. De conseguinte, por injunção constitucional, a lei que cria, in abstrato, o ISS só pode irradiar efeitos sobre os serviços prestados no território do Município que a editou. Nem mesmo a lei complementar nacional pode alterar a seguinte diretriz da Lei das Leis: ‘o ISS é sempre devido no Município onde o serviço for efetivamente prestado, ainda que seu prestador esteja domiciliado ou sediado em outro Município’.7
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Roque CARRAZZA. Curso de Direito Constitucional Tributário. 18. ed., São Paulo, p. 844.
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Essa situação, embora interpretada de forma ampla pelo STJ, sofreu restrições na Lei Complementar 116/03, sem, no entanto, deixar clara sua vocação de prestigiar o local da prestação do serviço como aquele apto à incidência do tributo, pois o art. 3º, mesmo dizendo que o serviço se considera prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, aplicando com isso a regra geral do estabelecimento em detrimento do local da prestação do serviço, não deixou de excetuar as hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local da prestação. Desse modo, a Lei Complementar 116/03 foi mais clara ao especificar que o local da prestação do serviço é aquele em que o contribuinte desenvolve a atividade de modo permanente ou temporário, não importando se a denominação utilizada seja sede, filial, sucursal, agência, escritório de representação ou contato (art. 4º). Vale mencionar que, apesar de a sede da empresa ser a regra geral contida no art. 3º para pagamento do ISS, não deixou, porém, de mencionar as exceções, alargando o conceito de “local da prestação”, pois, mesmo a empresa tendo sua matriz em um determinado Município, mas, se em outro prestar o serviço, seja temporário ou permanente, que configure unidade econômica ou profissional, utilizando-se para tanto as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas, o imposto será devido no local. Por isso, uma mesma empresa que exerça atividade em vários Municípios e, em cada um deles, mantenha um núcleo que configure quaisquer das denominações acima mencionadas pagará o imposto no local da prestação do serviço. Vale, por fim, prognosticar que, mesmo à luz da nova lei, o STJ continuará a prestigiar como local do pagamento do ISS aquele onde o serviço for prestado, mesmo que a atividade não esteja entre as exceções constantes dos incisos I a XXII, do art. 3º, da Lei Complementar 116/03, pois era firme a jurisprudência do STJ em relação ao Decreto-lei 406/68 e, mais recentemente, esta Corte tem decidido que: Mesmo na vigência do art. 12 do Decreto-Lei nº 406/68, revogado pela Lei Complementar nº 116/03, a Municipalidade competente para realizar a cobrança do ISS é a do local da prestação dos serviços, onde efetivamente ocorre o fato gerador do imposto.8
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Recurso Especial 443965/TO; Recurso Especial – 2002/0077971-7.
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2.2.3. DA BASE DE CÁLCULO A base de cálculo do ISS encontra-se definida no art. 7º da Lei Complementar 116/00 que, em síntese, diz que “a base de cálculo é o preço do serviço”, ficando, no entanto, ressalvado, no § 2º, que, nos casos dos serviços descritos nos itens 7.02 e 7.05, fica excluído da base de cálculo o valor dos materiais fornecidos. Aqui, de plano, verifica-se a possibilidade de se entender a regra de duas formas: a primeira é que a base de cálculo é apenas o valor do serviço, o que implica dizer que devem ser excluídas as despesas geradas para a realização da atividade e ressarcidas pelo tomador do serviço, bem como as receitas financeiras, cobradas pelo prestador, atingindo, assim, a essência do caput do susomencionado dispositivo legal. Porém, a regra contida no § 2º dá outra interpretação: que somente nos casos dos itens mencionados 7.02 e 7.05 é que poderá ser extirpado da base de cálculo o valor dos materiais, o que implica dizer que, nos demais casos, a base de cálculo incide sobre o total cobrado sem qualquer dedução. De fato, esta é a interpretação firmada pela jurisprudência, não se admitindo qualquer dedução da base de cálculo do ISS, que deve ser compreendido na sua totalidade, especialmente quando, para a prestação do serviço, o material se torna parte integrante dele, sem o qual a atividade não poderia ser realizada9. É evidente que tal interpretação não indica que esta deva ser aplicada de forma absoluta para todos os casos e de forma simétrica, dadas a diversidade de serviços e as diferentes composições da base de cálculo de cada um deles. A par disso, cabe aqui citar como exemplo o caso das agências de mãode-obra que normalmente têm a responsabilidade de pagar o salário do empregado, bem como os encargos sociais. Essas empresas recebem do tomador de serviço um valor bruto, incluindo salário, encargos e mais uma comissão pelo serviço prestado, tendo o STJ, em inúmeras decisões, mantido apenas a comissão como base de cálculo pelo ISS, afastando, destarte, os valores repassados a título de salário e encargos, que somente entram no caixa da prestadora de serviço, mas a ela não se destinam. Sobre isso, cabe mencionar as inúmeras decisões do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a “empresa que agencia mão-de-obra temporária
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É inadmissível a exclusão da base de cálculo do ISS dos materiais utilizados para a realização dos serviços, sem os quais, afinal de contas, sequer poderiam eles ser realizados. Cf.: STJ. Recurso Especial 132430/CE; Recurso Especial 1997/0034569-6.
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age como intermediária entre o contratante da mão-de-obra e o terceiro que é colocado no mercado de trabalho”. É certo que a base de cálculo implica, exatamente, no preço do serviço cobrado pela intermediação, expelindo as importâncias destinadas a pagamento dos salários e encargos sociais dos trabalhadores, já que tais valores não pertencem à prestadora do serviço10. Outra questão, inclusive, não raro conflituosa diz respeito à exigência de ISS sobre construção para uso próprio. Muitas vezes as empresas de construção civil edificam prédios que somente serão vendidos depois de prontos, ou seja, o prédio é incorporado em terreno da própria empresa que assim o constrói com recursos próprios, vendendo as unidades apenas depois de expedido o Habite-se. A situação também não é diferente quando a empresa constrói para locação, sendo que, em ambas as situações, não há incidência do ISS na medida em que não houve prestação de serviço. Conflitos surgiram à luz do Decreto-lei 406/68 e, inexoravelmente, continuaram surgindo com a Lei Complementar 116/03, e, mesmo havendo uma determinada orientação jurisprudencial, isto não implica dizer que todos os casos serão sempre decididos no mesmo sentido, na medida em que, somente em razão do caso concreto, se poderá analisar os aspectos legais aplicando-se a cada qual os princípios norteadores da justiça tributária. Por fim, não são poucos os conflitos que geram polêmica, e certamente não cabe por ora analisá-los, sequer por amostragem, compilando apenas alguns exemplos que poderão dar ao leitor uma noção geral da questão ora tratada.
2.2.4. DA INCIDÊNCIA
DO
ISS SOBRE PROFISSIONAIS
O § 1º, do art. 9º, do Decreto-lei 406/68 possibilita que os serviços prestados sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte tenham uma tributação diferenciada, ou seja, a base de cálculo não recai sobre o valor total dos serviços prestados, mas, sim, deve ser calculado sobre a forma de alíquotas fixas ou variáveis decorrentes da natureza do serviço ou outros fatores pertinentes, não incidindo, como destaca a própria norma, sobre a importância paga a título de remuneração.
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Cf. STJ – Recurso Especial 787353/MG; Recurso Especial 2005/0168292-0. No seguinte sentido: “O implemento do tributo em face da remuneração efetivamente percebida conspira em prol dos princípios da legalidade, justiça tributária e capacidade contributiva. O ISS incide apenas sobre a taxa de agenciamento, que é o preço do serviço pago ao agenciador, sua comissão e sua receita, excluídas as importâncias voltadas para o pagamento dos salários e encargos sociais dos trabalhadores. Distinção de valores pertencentes a terceiros (os empregados) e despesas, que pressupõem o reembolso. Distinção necessária entre receita e entrada para fins financeiro-tributários”.
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O referido benefício foi estendido para os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da Lista anexa ao Decreto-lei 406/ 68, quando prestados por sociedades as quais, neste caso, ficarão sujeitas ao imposto. Inclusive, o valor é calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável (§ 3º). Sobre a questão, a jurisprudência, mais especificamente aquela advinda do STJ, firmou posicionamento de que, para aplicar esta norma, se torna necessário que todos os sócios sejam da mesma profissão, ou seja, exige-se que a empresa seja uniprofissional, que não tenha caráter empresarial e se aplique na prestação de serviço especializado11. Com isso, a empresa que, mesmo sendo sociedade uniprofissional, pelas próprias características, tenha perdido a pessoalidade na prestação do serviço, ou seja, delegando para terceiros aquela atividade a qual deveria ser feita pelo próprio sócio, passando este a se ativar como empresário e administrador, afastando-se da ponta da atividade, acaba por perder o benefício. Dessa forma, as sociedades que fogem às características indicadas passam a ser tributadas sobre o faturamento e não mais sobre a pessoa do sócio. Isto restou definido em vários acórdãos do STJ que foram examinados. A questão, porém, já não mais é essa, considerando a superação do tema pela jurisprudência, sendo doravante importante saber se o art. 9º, §§ 1º e 3º do Decreto-lei 406/68 continua em vigor ou foi revogado pela Lei Complementar 116/03. Vozes levantam-se em ambos os sentidos, mas, pela análise do art. 10 da nova lei, se torna possível afirmar a inexistência de revogação, na medida em que o referido art. 10 foi expresso ao mencionar cada dispositivo excluído do ordenamento jurídico, não existindo entre eles os §§ 1º e 3º, do art. 9º, do Decreto-lei 406/68. Com efeito, o art. 10 da nova lei mencionou que estava revogando os seguintes dispositivos: [...] arts. 8º, 10, 11 e 12 do Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968; os incisos III, IV, V e VII do art. 3º do Decreto-Lei nº 834, de 8
11
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STJ: “Nos termos do art. 9º, § 3º, do DL 406/68, têm direito ao tratamento privilegiado do ISS as sociedades civis uniprofissionais que têm por objeto a prestação de serviço especializado, com responsabilidade social e sem caráter empresarial”. (Recurso Especial 802437/MS; Recurso Especial 2005/0202919-7).
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de setembro de 1969; a Lei Complementar no 22, de 9 de dezembro de 1974; a Lei nº 7.192, de 5 de junho de 1984; a Lei Complementar nº 56, de 15 de dezembro de 1987; e a Lei Complementar nº 100, de 22 de dezembro de 1999.
Portanto, nada foi mencionando sobre os comandos aqui tratados, quais sejam, §§ 1º e 3º do art.9º do Decreto-lei 406/68. Com base no cotejo deste dispositivo, associado à Lei Complementar 95/98, com redação conferida pela Lei Complementar 107/01, restou estabelecido que: “[...] a cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas”. Tal situação admite inferir que, não tendo sido expressamente mencionados os §§ 1º e 3º, do art. 9º, do Decreto-lei 406/68, eles permanecem em vigor, não sendo demais destacar que a Lei Complementar 95/98 tem como missão indicar a forma de elaboração das leis, bem como sua técnica de redação. Este posicionamento encontra-se em simetria com a tendência do Superior Tribunal de Justiça, sendo que, por sua Segunda Turma, em recurso especial nº 713752/PB, relatado pelo Ministro João Otávio de Noronha, restou decidido que: “O art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei n. 406/68, que dispõe acerca da incidência de ISS sobre as sociedades civis uniprofissionais, não foi revogado pelo art. 10 da Lei nº 116/2003”.
2.2.5. A FLEXIBILIDADE
DA
LISTA DE SERVIÇOS
A lista de serviços certamente não pode ser rígida a ponto de impossibilitar o Município de adaptá-la à sua realidade, tampouco pode impedir que seja interpretada em razão da natureza da atividade e não em relação ao que nela se encontra, expressamente, previsto. A propósito disto, muito se discutiu nos tribunais a respeito da aplicabilidade da lista de serviços anexa ao Decreto-lei 406/68, com fortes argumentos quanto à sua rigidez. Não obstante, esta corrente sucumbiu no Superior Tribunal de Justiça e no próprio Supremo Tribunal Federal, que acabaram por consolidar o entendimento quanto à possibilidade de uma interpretação extensiva da lista, cujos argumentos são suficientes para formar o convencimento quanto à sua flexibilidade, na medida em que a taxatividade diz respeito apenas a sua enumeração, mas não quanto aos serviços propriamente ditos, admitindo interpretação extensiva em relação a cada item, o que permite a exigência do ISS em relação aos serviços correlatos. Os itens descritos na lista ou os termos nela contidos não se pautam por uma precisão absoluta que possa dispensar o recurso da interpretação, na medida
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em que, em vários dos seus itens, se observam expressões do tipo: “materiais biológicos de qualquer espécie” (5.06; “congêneres” (5.07, 5.08, 6.02, 603, 7.13 etc.); “outros recursos minerais” (7.21); “de qualquer natureza” (8.02); e “quaisquer meios” (10.08). Ou seja, a própria norma impõe a utilização de uma interpretação extensiva, que, aliás, não se queda nem mesmo em razão de eventual mudança na nomenclatura utilizada pelo contribuinte. O uso de uma denominação diferente da que consta na lista não afasta a possibilidade de exigência tributária. Em outras palavras, o fato concreto vale mais que o nome utilizado, conforme expressa o § 4º, do art. 1º, da Lei Complementar 116/03, cuja redação deixa transparecer com exatidão que: “A incidência do imposto não depende da denominação dada ao serviço prestado”.
2.2.6. O PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO E TRANSFERÊNCIA DE SERVIÇOS PÚBLICOS PARA O SETOR PRIVADO A Lei Complementar 116/03 ampliou sua incidência, passando a agregar diversos serviços antes não previstos, adaptando-se, por isso, à forma moderna de gerenciamento do Estado, que, nos últimos anos, transferiu diversos serviços do setor público para o privado, surgindo a possibilidade de exigência tributária, de que anteriormente não havia previsão. É possível verificar este reflexo de forma clara no § 3º, do artigo 1º, que tem a seguinte redação: O imposto de que trata esta Lei Complementar incide ainda sobre os serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço.
Em razão deste dispositivo, os itens 21 e 22 descrevem a incidência do ISS sobre serviços de registros públicos, cartórios e notariais, bem como serviços de exploração de rodovia, cujas descrições das atividades se encontram presentes nos subitens 21.01 e 22.01. A polêmica em torno da incidência do ISS sobre tais atividades ainda está longe de se findar por se tratar de modalidade de serviços que ainda estão debutando na ordem jurídica brasileira e, pelo fato de o processo de privatização, bem como a transferência de serviços, antes realizados pelo Poder Público para o particular, por ainda contarem com uma forte jurisprudência em relação à não tributação a qual, data vênia, ainda se encontra apegada ao sistema que se localiza na clássica divisão de atividade pública e privada, não adaptada à
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nova ordem econômica forjada, hodiernamente, em uma sociedade de consumo onde tudo passa a ser essencial e necessário ao exercício da própria cidadania. De tal sorte, na sociedade de consumo, a linha divisória entre o público e o privado tem sido cada vez mais tênue, pois tudo passa a ser essencial e a ter uma dimensão pública. Com isso, em prol da dignidade da pessoa humana, o Estado tem envidado esforços através de políticas públicas regulatórias ou intervencionistas no sentido de garantir à sociedade acesso a todos os tipos de bens e serviços disponíveis no mercado. As inovações tecnológicas, a aquisição de bens necessários ao lar, tais como telefone, computador, acesso à internet, longe de serem um luxo supérfluo, são necessidades fundamentais para o exercício da cidadania e inclusão social, especialmente porque o mercado não é mais encarado sobre o aspecto individualista como faziam os oitocentistas, sendo ele, hoje, um bem público a serviço da sociedade. Uma empresa que produz computadores, geladeiras, televisores, fogões, em que pese seu caráter privado, tem certamente grande relevância pública. O fato é que o Estado avocou a responsabilidade de prestar serviço ou produzir bens por entender que sejam de relevância pública, como o caso dos serviços de telefonia, manutenção de estradas, energia elétrica, serviços de cartórios dentre outros. Mas isso não quer dizer que não sejam também de relevância pública tantas outras atividades, como aquelas inerentes à pecuária, à agricultura, à educação, à produção de computadores, de geladeiras, de televisores, de automóveis e de outros que poderiam enquadrar-se como atividade pública em um sentido lato. Por isso, a transferência das atividades antes realizadas pelo Estado para um particular não implica que se encontrem elas fora do alcance da tributação por serem atividades públicas. Acontece que tal situação acaba por permitir que empresas privadas fiquem fora do alcance da norma tributária em desigualdade com tantas outras empresas que, da mesma forma, exercem atividades de diminuta relevância pública, mas, pelo simples fato de não se encontrarem no rol daquelas atividades antes prestadas pelo Estado, ficam obrigadas a pagar impostos. O velho conceito “público e privado” tem sofrido modificações, de tal modo que não se pode mais a ele se agarrar para assim permitir que empresas particulares, que exploram serviços de rodovia, de registros públicos, de cartórios e de notariais, de telecomunicações, dentre tantas outras que foram privatizadas, fiquem sem pagar imposto, se tais empresas, como as demais, lucram com a atividade desenvolvida.
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Ou seja, uma empresa ou qualquer cidadão que explore determinada atividade mediante a utilização de bens e serviços públicos e, com isso, auferindo lucro não pode ficar fora da incidência tributária. O intérprete deve pautar a leitura da norma em consonância com a realidade em que vive, evoluindo com a sociedade, fazendo da lei uma moderna leitura, pois, se o serviço que antes era explorado pelo Estado passou a ser explorado pelo particular, não há como manter a não incidência do tributo, na medida em que, por serviço público, se entende tudo aquilo que o cidadão necessita para viver e para o exercício da cidadania. Por isso, as empresas privadas acabam, por uma interpretação alargada, exercendo, dentro do seu mister privado, um serviço público que não é diferente daqueles os quais foram delegados ao particular. Basta, para isso, conferir alguns dispositivos da Constituição, por exemplo, o art. 170, que vinculou a ordem econômica à finalidade de assegurar a todos a existência digna, dando ao mercado uma dimensão pública, cujas atividades desenvolvidas por empresas públicas ou de economia mista estão, da mesma forma que as empresas privadas, sujeitas à tributação. Assim, não há porque deixar fora da tributação as empresas que detêm autorização, permissão ou concessão do Estado para explorarem atividades mediante a utilização de bens e serviços públicos, se as próprias empresas públicas ou de economia mista se encontram sujeitas à tributação e realizam atividades de interesse coletivo e de segurança nacional, consoante expressão contida no art. 173 da CF.
3. DO IMPOSTO
DE
TRANSMISSÃO
DE
BENS IMÓVEIS (ITBI)
3.1. O FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL ITBI é o imposto de transmissão de bens imóveis inter vivos a qualquer título, por ato oneroso, ficando de fora deste tributo os imóveis dados em garantia, bem como as cessões de direito a sua aquisição. Do mesmo modo, encontra-se fora da incidência do ITBI a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital e sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes da fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, com a ressalva de que, se a atividade preponderante do adquirente for compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil, será o imposto devido (art. 156, § 2º, I, CF).
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Consoante o § 1º, do art. 37, do CTN, caracteriza-se como atividade preponderante quando mais de 50% da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos dois anos anteriores e nos dois anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações. A competência para instituir o tributo é a do Município da situação do bem (art. 156, § 2º, II, CF).
3.2. DA BASE DE CÁLCULO A questão, que não raro chega aos tribunais, envolve a discussão referente à base de cálculo do ITBI, na medida em que os Municípios utilizam como paradigma para a sua formação o valor venal atribuído aos imóveis que, em geral, não correspondem ao valor praticado no mercado, mesmo tendo-se como sinônimo que o valor venal é o mesmo que valor de venda, ou seja, aquele compatível com os critérios de valorização definido pelo mercado imobiliário que leva em consideração diversos fatores que impulsionam a oferta e procura. O certo é que o art. 38 do Código Tributário Nacional indica como base de cálculo do ITBI o valor venal dos bens ou direitos transmitidos. No entanto, como antes foi mencionado, o valor venal definido pelos Municípios, em regra, não se encontra em sintonia com a realidade do mercado imobiliário, e daí a sinonímia entre valor venal e valor de mercado, na prática, ter acabado por revelar uma discrepância, pois os Municípios atribuem ao imóvel um determinado valor, mas, de fato, não há coincidência com aquele o qual, efetivamente, ele foi vendido. Porém, em última instância, estando o valor venal limitado ao valor de venda, o ITBI deve ser recolhido no exato montante em que a negociação está sendo efetuada, pois a presunção é de que o valor objeto da transação espelha aquele que o mercado está disposto a pagar pelo imóvel, não sendo paradigma o valor venal definido para pagamento de IPTU, na medida em que este se trata de uma hipótese, pois, quando o Município define o valor venal, utiliza dados hipotéticos, ao passo que, na incidência do ITBI, existe uma situação real em função da venda do imóvel. Idêntica situação observa-se nas desapropriações quando o ente político despreza o valor venal para efeito de pagamento do imóvel desapropriado, sendo obrigatória a realização de uma avaliação específica para que se verifique o valor de mercado do imóvel, conferindo, com isso, pouca credibilidade a este valor como paradigma para indicar o pagamento. Dessa forma, diferentemente do lançamento do IPTU, cujo valor venal é apenas hipotético, na desapropriação
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existe uma questão real que exige uma avaliação específica, à luz da aquisição que será feita. Por isso, o valor venal para efeito de lançamento do IPTU é uma presunção, enquanto, para efeito de ITBI, é uma realidade, pois o imóvel está sendo concretamente vendido, sendo que o valor aferido pela venda é que constituirá a base de cálculo do ITBI, nada obstando que a municipalidade fixe a base de cálculo sustentada no valor venal. No entanto, havendo conflito entre estas duas bases de cálculo, deverá prevalecer o valor objeto da transação realizada, mesmo que seja ele abaixo do valor venal estipulado pelo Município. Assim, em ambas as situações, ou seja, tanto para se definir a base de cálculo do IPTU quanto do ITBI, o Código Tributário indica o valor venal, conforme se infere pelos artigos 33 e 38. Porém, na prática, tais valores não são coincidentes, pois, como antes mencionado, o IPTU lançado anualmente trabalha com uma definição de valor venal hipotético, pois, teoricamente, este imóvel não se encontra disponível para venda, ao passo que, no caso do ITBI, há uma situação concreta, ou seja, o valor venal é o valor de venda e o imóvel está, efetivamente, sendo vendido. Com isso, o valor venal será sempre o valor de venda, ou seja, aquele declarado pelo contribuinte na escritura pública de venda e compra que poderá ser, inclusive, como já destacado, abaixo do valor venal identificado para efeito de lançamento do IPTU, tendo o Município, ao seu dispor, o art. 148 do Código Tributário Nacional para investigar a real situação da transação efetivada, considerando que, no caso de omissão ou não merecendo fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, bem como os documentos expedidos pelo contribuinte, poderá o preço ser arbitrado. Nesse sentido, já houve decisão do Superior Tribunal de Justiça segundo a qual: Constituindo o valor venal do bem transmitido à base de cálculo do ITBI, caso a importância declarada pelo contribuinte se mostre nitidamente inferior ao valor de mercado, pode o Fisco arbitrar a base de cálculo do referido imposto, desde que atendida a determinação do art. 148, do CTN (Recurso Especial nº 261166/ SP).
Situação que também merece destaque, não menos diferente do que acima se identificou, é quanto à discrepância entre o valor identificado na avaliação judicial e aquele pelo qual o imóvel foi, efetivamente, arrematado, em razão de hasta pública originada de processo judicial. O entendimento que se firmou é o de que o ITBI incide sobre o valor da arrematação, o que
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implica, em outras palavras, dizer que prevalece o valor de venda do imóvel em detrimento do de mercado aferido na avaliação judicial. Assim, quando da arrematação judicial, a base de cálculo será aquela originada na arrematação, desprezando-se o valor identificado na avaliação judicial, pois, sendo a arrematação modalidade de aquisição judicial e sendo que a hasta pública é forma de oferta apta a operacionalizar a venda do bem, há de se considerar como base de cálculo o valor pelo qual foi o bem adquirido, não sendo válida qualquer outra, seja o valor venal atribuído pelo Município, seja aquele concluído pelo perito judicial. O Ministro Francisco Falcão, ao enfrentar questão desta natureza, firmou posicionamento fundado em precedentes do Superior Tribunal de Justiça, determinando que o cálculo do ITBI: “[...] há de ser feito com base no valor alcançado pelos bens na arrematação, e não pelo valor da avaliação judicial”12. Tendo em vista que a arrematação corresponde à aquisição do bem vendido judicialmente, é de se considerar como valor venal do imóvel aquele atingido em hasta pública. Este, portanto, é o que deve servir de base de cálculo do ITBI13.
3.3. DO FATO GERADOR O fato gerador do imposto é a compra e a venda, a transmissão do bem de forma definitiva do alienante para o adquirente, que ocorre apenas quando do registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis, não podendo ser considerada qualquer transação como apta a gerar a hipótese legal de incidência, pois somente com o registro é que ocorre o aperfeiçoamento da operação, não podendo ser atribuída como fato gerador a transação realizada mediante instrumento particular. Isto porque o Código Civil, no art. 1.245, diz que a propriedade se transfere entre vivos mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis, sendo que o alienante continua sendo considerado dono do imóvel enquanto o título não for registrado (§ 1º), embora já tenha transferido a posse e não tenha mais qualquer relação com o imóvel. Assim, o instrumento particular, mesmo constando no rol dos direitos reais (art. 1.225, VII, CC), ficou expresso no art. 1.227 do Código Civil: “[...] os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos
12 13
Recurso Especial nº 2.525/PR. Recurso Especial nº 863893/PR.
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entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de imóveis dos referidos títulos”. Por isso, o instrumento particular não é apto a fazer surgir a hipótese de incidência tributária, sendo que este entendimento se encontra assentado na jurisprudência, inclusive aquela advinda do Superior Tribunal de Justiça o qual, por mais de uma vez, já decidiu que: “O fato gerador do imposto de transmissão de bens imóveis ocorre com a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil, na conformidade da Lei Civil, com o registro no cartório imobiliário”14, pois “a promessa de compra e venda de imóvel, sem registro, não transfere a propriedade e não constitui fato gerador do ITBI”, tendo sido indicados como fundamento, nesta última decisão, precedentes não só do próprio STJ, mas também de entendimento pacificado no Supremo Tribunal Federal, consoante se identifica pelo Recurso Especial n° 264064/DF.
3.4. DA ALÍQUOTA A definição da alíquota é de competência do Município e não pode ser progressiva, na medida em que o princípio da capacidade contributiva se revela em razão do preço da transação efetivada. Essa questão encontra-se devidamente definida pelo Supremo Tribunal Federal, a qual, em decisão plenária, estabeleceu que a exigência do tributo com uso de alíquotas progressivas vinculadas à capacidade contributiva que leve em consideração o preço da venda do imóvel não se encontra albergada pela Constituição Federal15. Em outras palavras, ainda sob o paradigma da Corte Suprema, é possível afirmar que a capacidade contributiva é realizada levando-se em consideração a proporcionalidade originada pelo preço da venda16, não se concretizando este princípio pelo estabelecimento da progressividade.
4. DA CONTRIBUIÇÃO
DE
MELHORIA
A contribuição de melhoria é a espécie tributária que pode ser exigida por quaisquer dos entes federativos, não sendo, como os demais impostos aqui vistos, exclusividade do Município. O referido tributo, por possuir característica própria,
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AgRg nos EDcl no Ag 717187 / DF. Recurso Especial 234.105. Recurso Especial 227033/SP.
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não pode ser definido como imposto ou taxa, dadas suas peculiaridades, não escapando, porém, da separação que se faz entre tributos vinculados e não vinculados, estando, por conta disto, atrelado aos indicadores que formam o conceito de “tributos vinculados”, pois a possibilidade de exigência só surge mediante uma atividade estatal que tenha relação direta ou vinculada ao contribuinte. Porém, há de se destacar que a contribuição de melhoria é de difícil instituição, sobretudo porque o seu fato gerador se encontra fundado na valorização de obra pública, a ser suportado pelo proprietário do imóvel. A contribuição de melhoria encontra-se alicerçada na Constituição Federal, no Código Tributário Nacional, bem como no Decreto-lei 195/67, cujo fato gerador é identificado pelo o acréscimo do valor imobiliário de imóveis que estejam localizados nas áreas que foram beneficiadas direta ou indiretamente por obra pública (art. 1º). Porém, não é qualquer obra pública que gera a contribuição de melhoria, mas apenas aquelas definidas no art. 2º, do susomencionado decreto-lei, sendo elas: abertura, alargamento, pavimentação, iluminação, arborização, esgotos pluviais e outros melhoramentos de praças e vias públicas; construção e ampliação de parques, campos de desportos, pontes, túneis e viadutos; construção ou ampliação de sistemas de trânsito rápido, inclusive todas as obras e edificações necessárias ao funcionamento do sistema; serviços e obras de abastecimento de água potável, esgotos, instalações de redes elétricas, telefônicas, transportes e comunicações em geral ou de suprimento de gás, funiculares, ascensores e instalações de comodidade pública; proteção contra secas, inundações, erosão e ressacas, bem como de saneamento de drenagem em geral, diques, cais, desobstrução de barras, portos e canais, retificação e regularização de cursos d’água e irrigação; construção de estradas de ferro e construção, pavimentação e melhoramento de estradas de rodagem; construção de aeródromos e aeroportos e seus acessos; aterros e realizações de embelezamento em geral, inclusive desapropriações em desenvolvimento de plano de aspecto paisagístico. Mesmo tendo como limite para a cobrança da contribuição de melhoria o custo total da obra, conforme definição do art. 4º do decreto-lei que a regulamenta, não é de somenos importância ter como parâmetro para o seu lançamento a comprovação da valorização imobiliária que se viabiliza mediante a aferição do valor do imóvel antes e depois da obra, pois é deste plus que nasce a hipótese de incidência. Sem que a Municipalidade tenha aferido a real valorização do imóvel, fica impraticável a cobrança da contribuição, pois é certo que o referido
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tributo, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, tem como fato imponível a: [...] valorização imobiliária causada pela realização de uma obra pública. Nesse passo, sua exigibilidade está expressamente condicionada à existência de uma situação fática que promova a referida valorização. Este é o seu requisito ínsito, um fato específico do qual decorra incremento no sentido de valorizar o patrimônio imobiliário de quem, eventualmente, possa figurar no pólo passivo da obrigação tributária.17
Ainda na esteira de decisões oriundas do STJ18, restou assentado que a exigibilidade da contribuição de melhoria se encontra vinculada aos seguintes critérios: 1.
Que a exigibilidade da contribuição de melhoria decorra de despesas advindas de obra pública realizada;
2.
Que haja valorização imobiliária advinda da obra pública realizada;
3.
Que a base de cálculo seja a diferença compreendida entre o valor do imóvel antes da obra ser realizada e após sua conclusão.
Com isso, o que se verifica em regra é que, além de todas as formalidades legais previstas tanto no CTN quanto no Decreto-lei 195/67, é necessário que a Municipalidade cumpra com tais requisitos, situações que nem sempre se fazem presentes na exigência desta espécie tributária, ou seja, raramente se verifica uma avaliação imobiliária antes e depois da obra, sendo este um requisito que, constantemente, tem tornando inviável a exigibilidade da contribuição de melhoria.
5. DAS TAXAS A taxa, sendo um tributo vinculado, porque se encontra atrelada a alguma atividade estatal direcionada ao contribuinte, tem vincadas suas premissas de validade na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional, ou seja, arts. 145, II e 77, respectivamente. Sua exigibilidade aparece em razão de duas atividades distintas, quais sejam:
17 18
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a)
poder de polícia;
b)
prestação de serviço.
Recurso Especial 739342/RS. Recurso Especial 615495/RS.
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Poder de polícia é ato inerente ao Estado, que objetiva garantir o cumprimento da lei e da ordem, evitando que o uso indiscriminado da liberdade possa gerar o caos social. Para que isso não ocorra, o Poder Público regulamenta e limita diversas atividades que envolvem os particulares, indicando a forma que estes devem proceder quando da prática de diversos atos. Este poder de indicar a norma de conduta do particular, que no seu mister privado tenha ressonância pública, traz embutido o dever de fiscalizar que pode ser exercido tanto preventivamente quanto de forma repressiva, sempre que for necessário. Para o exercício deste mister, pode o Poder Público imiscuirse na vida privada dos particulares quando da prática de atos que possam ter reflexos no âmbito coletivo. Por isso, sempre que estiverem envolvidas questões inerentes à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais e coletivos, o Poder Público fiscalizará, bem como limitará e disciplinará, direitos, interesses ou liberdades, determinando ao particular o dever de fazer ou deixar de fazer alguma coisa que possa ir de encontro ao interesse coletivo (art. 78 CTN). Pode, ainda, o Poder Público, ao realizar essas atividades fiscalizatórias, exigir, por conta delas, uma retribuição pecuniária dos valores despendidos na sua execução, por exemplo, quando concede uma ordem de habitação em determinada moradia (Habite-se), quando fiscaliza uma empresa que objetiva se instalar em determinado local, quando regulamenta e fiscaliza a publicidade estampada nas ruas, seja mediante placas dispostas no próprio comércio, seja em outros locais de grande circulação. Com isso, a fiscalização, seja repressiva ou preventiva, oriunda do Poder de Polícia, gera para o Estado despesas que devem ser ressarcidas por quem criou a situação, evitando assim que o particular se beneficie de uma atividade pública que só a ele interessa. É desta lógica que faz surgir a taxa de Poder de Polícia, diferentemente da taxa de serviço que se encontra forjada em outras características, que não são as mesmas vinculadas à limitação ou disciplina de direito, interesses ou liberdades, mas, sim, presa a um serviço que o Poder Público deve prestar ao contribuinte. A exigência da taxa oriunda do poder de polícia nasce da verificação do comportamento do particular em face da norma, enquanto, a respeito da taxa oriunda da prestação de serviços, não há por parte do particular qualquer comportamento a ser fiscalizado, assumindo este a condição passiva de receber
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do Poder Público um serviço que o beneficie diretamente, como no caso da coleta de lixo. Entre o Poder Público e o particular nasce uma relação sinalagmática que, em alguns casos, é o particular que provoca e, em outros, o Pode Público coloca o serviço à sua disposição e cobra uma taxa independente do uso do serviço, pois certas atividades não podem ser recusadas pelo particular. Em outros termos, as atividades que envolvem as matérias descritas no art. 78, do CTN, são inerentes ao Poder Público e podem ser realizadas em razão de solicitação do próprio particular ou mediante ato discricionário do próprio Poder Público. Assim, quando o particular solicita uma licença, quando requer um alvará de construção, um Habite-se, uma aprovação de um loteamento ou qualquer outra intervenção com o fito de certificar-se ao atendimento de exigências legais, poderá o Poder Público, em contrapartida, exigir dele o pagamento de uma taxa. Pode, também, o Poder Público, dentro do seu poder discricionário, proceder a fiscalizações para averiguar o cumprimento das normas, o que pode acontecer sempre que ache necessário, até mesmo para certificar-se de que aquelas condições iniciais continuam na forma aprovada, bem como para resguardar a população de eventuais riscos decorrentes das condições do local ou de higiene, segurança etc. Nesses casos, mesmo não havendo uma solicitação por parte do particular, o Poder Público, por iniciativa própria, pode dirigir-se a qualquer local ou atividade e certificar-se da regularidade do funcionamento, podendo cobrar em razão disso uma taxa. Desse modo, para todos os itens descritos no art. 78, do CTN, a taxa poderá nascer por iniciativa do particular ou em razão do ato fiscalizatório inerente ao Poder Público, que assim age, discricionariamente ou mediante recebimento de alguma denúncia, consoante expressa disposição contida no § 1º, do artigo acima mencionado. O valor a ser cobrado decorre de um cálculo que pode envolver o custo da operação, ou seja, um valor aproximado despendido pelo Poder Público com a prática do ato, não se exigindo, evidentemente, que tenha consistência simétrica, mas, sim, um valor previamente definido que possa ser utilizado como parâmetro para as diversas situações que se apresentem. Cabe exemplificar que a taxa de sinistro exigida pelos Municípios se situa entre aquelas decorrentes do poder de polícia, na medida em que se destina ao exercício da fiscalização por parte do Poder Público para certificar-
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se de que os edifícios e prédios se encontram em segurança, não expondo a população a riscos por possuírem todos os equipamentos de segurança necessários, bem como aqueles aptos a possibilitar o uso, em caso de acidente, como mangueiras, portas corta-fogo, extintores etc. Por isso, é essa taxa inerente ao poder de polícia concernente à segurança, cuja atribuição é do Poder Público Municipal, que não se confunde com aquela exercida pelo Corpo de Bombeiros. As taxas oriundas do poder de polícia são passíveis de cobrança quando existe, por parte do Poder Público, a prática de algum ato que viabiliza a sua exigibilidade. Sobre este assunto, já se comentou em mais de uma oportunidade que o essencial da taxa é a retributividade, em correspondência com o exercício regular do poder de polícia, ou a sua utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível. De tal sorte, a taxa oriunda do poder de polícia pode ser exigida anualmente, mensalmente ou em qualquer período definido pela norma local, desde que ocorra o seu efetivo exercício. O fato gerador que permite a exigência da taxa é a fiscalização exercida pelo ente político. A cobrança de uma taxa desta natureza está adstrita ao efetivo exercício do poder de polícia, podendo a lei exigir que o particular, por exemplo, licencie seu estabelecimento anualmente e a Municipalidade, em contrapartida, exerça sobre ele fiscalização, verificando, in loco, suas condições, pois a concessão de licença gerará a cobrança de uma taxa que, sem o exercício do poder de polícia, pode vincular a Municipalidade, no âmbito da responsabilidade civil, caso autorize o funcionamento de estabelecimento sem condições de operar. Em um exercício de conjectura, imagine a concessão de licença a um hospital, hotel, restaurante, apenas levando-se em consideração as condições formais, ou seja, autorizar o funcionamento a distância, sem a devida verificação do estado em que se encontra o estabelecimento. Neste caso, o poder de polícia torna-se fundamental para que seja verificado se aquele ambiente se encontra apto a funcionar e, por via de consequência, em condições de ser frequentado pelos pacientes sem que possa gerar qualquer risco. A essência do poder de polícia tem por escopo exercer a fiscalização e, por conseguinte, evitar o dano, seja individual ou coletivo. Por isso que é ele caracterizado como um poder negativo, enquanto a prestação de serviço público é positiva, pois atua em prol do administrado. Sob esse enfoque, diz Celso Antonio Bandeira de Mello que a atividade de polícia teria que ser considerada positiva, na medida em que é por intermédio
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dela que a “Administração evita um dano, quanto que por intermédio ela constrói uma utilidade coletiva”19. O poder de polícia existe para proteger a sociedade contra os infratores das regras, em benefício da coletividade. É esta a sua premissa, de sorte que a sua função não é cobrar a taxa; esta é uma consequência de sua atuação, pois a proteção social não se resolve com o pagamento e, sim, com o exercício do poder de polícia. A vinculação do poder de polícia com a finalidade preventiva também é defendida pela doutrina alienígena, pois, na Itália, ainda em conformidade com Celso Antonio Bandeira de Mello, é destacada “a idéia de que o poder de polícia se destina a impedir um dano para a coletividade”, que, mesmo quando há uma aparente obrigação de fazer, por exemplo, colocar “equipamento contra incêndio nos prédios”, na verdade, não pretende o poder público este ato e, sim, “evitar que as atividades ou situações pretendidas pelos particulares sejam efetuadas de maneiras perigosas ou nocivas [...]” (MELLO, 2002, p. 670). Destaca o autor, ainda, que “a fiscalização das condições de higiene dos estabelecimentos e casas de pasto, a vistoria dos veículos automotores [...]” constituem “manifestações fiscalizadoras próprias da polícia administrativa”20, cujo objetivo é a prevenção de riscos para terceiros. Não destoa deste posicionamento Hely Lopes Meirelles (2006, p. 457) ao destacar que “onde houver interesse relevante da coletividade ou do próprio Estado haverá, corretamente, igual poder de polícia administrativa para a proteção desse direito. É a regra, sem exceção”. Mais adiante, acrescenta que a polícia administrativa atua de maneira preventiva fazendo-a mediante a expedição de medidas proibitivas e normas que visam limitar e condicionar atos que possam causar algum tipo de dano à coletividade, o que se denomina de “limitações administrativas”. Diz ainda que: Para tanto, o Poder Público edita leis e os órgãos executivos expedem regulamentos e instruções fixando as condições e requisitos para o uso da propriedade e o exercício das atividades que devam ser policiadas; e, após as verificações necessárias, é outorgado o respectivo alvará de licença ou de autorização, ao qual se segue a fiscalização competente.21
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Celso Antônio Bandeira de MELLO. Curso de Direito Administrativo, 12. ed, São Paulo: Malheiros. 2000, p. 668. Idem, ibidem, p. 674. Hely Lopes MEIRELLES. Direito Municipal Brasileiro. 14. ed., São Paulo: Malheiros, 2006. Atualizado por Márcio Schneider REIS e Edgard Neves da SILVA p. 457.
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Com isso, pode-se concluir que a cobrança da taxa sem a correspondente fiscalização faz desaparecer o exercício do poder de polícia, não protegendo a sociedade contra eventuais danos, objetivando apenas a mera arrecadação. Tem-se, como essência do poder de polícia, a atuação estatal, cuja finalidade é a proteção da sociedade, já que a cobrança da taxa, sem a correspondente fiscalização, não gera benefício à coletividade, não atingindo a finalidade pretendida pela lei. A taxa, inexoravelmente, tem seu fato gerador vinculado na atuação do Estado, exercida em relação a um particular. O fato gerador nasce com o exercício efetivo do poder de polícia. A simples concessão da licença, por exemplo, não preserva suficientemente o interesse público, não garantindo que o local licenciado esteja permanentemente em harmonia com as exigências legais, especialmente no que tange à higiene, à segurança, à ordem e aos costumes. A renovação automática de licenças mediante simples pagamento tem caráter arrecadatório e não fiscalizador, pois é o exercício dessa atividade que permite saber se o particular se encontra atuando nas mesmas condições iniciais. Renovar sem fiscalizar, além de não caracterizar fato gerador de taxa, distancia-se da definição do poder de polícia, pois exigir o tributo apenas como ato formal é o mesmo que transformar taxa em imposto, eis que o contribuinte paga independentemente de qualquer contraprestação da atividade estatal. Policiar é também agir, é verificar, in loco, de forma concreta, a conduta do administrado em consonância com a forma. O ato precisa ser gerado, para daí caracterizar a hipótese de incidência. Com isso, tendo sido expedida a licença com o consequente início da atividade, até o seu encerramento, estará ela adstrita à fiscalização, cuja taxa deve incidir de acordo com a periodicidade com que é efetuada, seja anual, semestral ou outro período que entender necessário o Poder Público, sendo certo que é o custo do exercício do poder de polícia que servirá de base para a fixação do valor da taxa. Isso acontece de forma que, consolidando o entendimento, a taxa oriunda do exercício do poder de polícia tem como fato gerador uma atividade estatal exercida em relação a um particular, vinculada a uma das atividades constantes no art. 78 do CTN, cuja base de cálculo é o custo estimado da atividade exercida. Além dessas, existem ainda mais duas modalidades de taxas tratadas pelo art. 79 do CTN. A primeira consiste na utilização de algum serviço público que não decorra do poder de polícia, mas, sim, de algum ato praticado pelo
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Poder Público em proveito do particular. Por exemplo, quando requer a tutela jurisdicional para proteção de algum direito, nasce a taxa judiciária que, no Estado de São Paulo, se encontra regulamentada pela Lei Estadual 11.608/03, cuja redação do art. 1º deixa estipulado que o fato gerador desta taxa é a prestação de serviços públicos de natureza forense, que deve ser suportada pelas partes ao Estado, nas ações de conhecimento, na execução, nas ações cautelares, nos procedimentos de jurisdição voluntária e nos recursos. Esta é tipicamente uma modalidade de taxa que somente é paga por iniciativa do sujeito passivo quando da solicitação por parte do Estado da prestação jurisdicional. A segunda espécie de taxa, diferente da primeira aqui tratada, tem sua exigibilidade vinculada à vontade estatal, restando ao particular a obrigação de pagar, querendo ou não, em razão de sua compulsoriedade. Exemplo é a taxa de coleta de lixo, cujo serviço prestado é de uso compulsório pelo particular, que por ela pagará, querendo ou não, já que tem o Poder Público interesse em prestar este serviço que beneficia toda a comunidade e evita o descarte do lixo em local indevido. Essa taxa, com todas as controvérsias existentes sobre ela, encontra-se arrimada em decisão do Supremo Tribunal Federal, que optou pela sua constitucionalidade. Vistos os diferentes motivos que norteiam o fato gerador das taxas, todas elas têm em comum a especificidade e a divisibilidade, pautando-se por isso de seu caráter uti singuli e não uti universi, porque sendo uti singuli somente pode ser exigida de quem, diretamente, do serviço se beneficia. O art. 145, II, da Constituição Federal, autorizou a possibilidade da cobrança da taxa, mas impôs como condição que seja ela divisível e específica, definindo o inciso II, do art. 79, que a especificidade consiste na possibilidade de haver destaque em unidades autônomas de intervenção de utilidade ou necessidade públicas, enquanto a divisibilidade, definida no inciso III, consiste na possibilidade de utilização de forma separada, ou seja, por parte de cada um dos usuários. Por este motivo é que os tribunais têm rechaçado as taxas de iluminação pública, varrição, limpeza de bueiros, dentre outras de idêntica natureza, porque não se destinam, especificamente, a um determinado usuário, na medida em que beneficiam toda a coletividade, por isso, seu caráter uti universi. Assim, a iluminação pública existente na rua, a varrição ou limpeza não beneficiam apenas ao morador do local, mas todos que por ali passam diariamente. Já o mesmo não pode ser dito da coleta de lixo, considerando que o lixo produzido em determinado imóvel e recolhido pelo Poder Público municipal beneficia
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diretamente aquele que produziu o lixo, sendo ele específico e divisível, pois é possível verificar quanto cada usuário produz de lixo. Por outro lado, sendo a taxa divisível, ou seja, podendo identificar exatamente o seu usuário, deve o cálculo guardar uma sintonia entre o valor gasto para a realização da tarefa e aquele cobrado do contribuinte, não havendo, entretanto, necessidade de que tenha uma exata correspondência para a formação do preço, tendo sido admitido, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, apenas uma aproximação ou uma fórmula que permita a identificação do critério adotado. Isto porque, para a formação da base de cálculo, deve existir ao menos uma equivalência razoável entre o custo efetivo do serviço e a importância que o contribuinte está compelido a pagar. Este tem sido, a propósito, o entendimento do Supremo Tribunal Federal, versado pelo Ministro Moreira Alves no RE nº 416-601-SC. Com efeito, não está o Poder Público Municipal jungido a formar o preço da taxa, milimetricamente, vinculado ao seu custo, exigência essa que, contrário sensu, implicaria negar vigência aos arts. 77, II, III, do CTN, e 145, II, da CF, pois tal tarefa é absolutamente impossível, na medida em que, como destaca Sacha Calmon, “isto implicaria que o lixeiro, tal como o ourives, passasse a pesar com balança de precisão os detritos produzidos dia-a-dia por cada domicílio, para que a taxa pudesse corresponder à totalidade de lixo produzido a cada mês pelo contribuinte”. A exigência de aferição precisa referente ao custo do serviço acaba por vilipendiar a realidade pela qual a norma deve incidir, tornando impossível a sua aplicabilidade, impondo, pois, a perda de sua eficácia, causando prejuízo ao Poder Público que prestará o serviço sem qualquer retribuição, sobrecarregando o orçamento advindo dos impostos para custearem uma atividade de caráter estritamente particular, em que pese a sua importância coletiva. O STF tem admitido critérios diversos para a formação da base de cálculo da taxa de lixo, tais como metragem do imóvel e metragem da área construída, afastando-se da exigência absoluta entre o preço do serviço e o valor a ser pago pelo contribuinte.
5.1. DA TAXA E PREÇO PÚBLICO A receita pública, como se sabe, tem origem em mais de uma fonte, dividindo-se em originárias, derivadas e transferidas, estando o preço público inserido nas receitas originárias por consubstanciar-se em uma atividade
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econômica realizada pelo Estado sob o manto do Direito Privado, pois os bens públicos são constituídos pelo patrimônio das pessoas jurídicas de direito público e se compõem de bens móveis e imóveis, empresas e outros, que podem ser explorados pelo Estado, cujos resultados devem ser incorporados no erário. A cobrança do preço público, longe de ser uma exação tributária, compõese, na verdade, de receita patrimonial da Administração Pública, decorrente do exercício de alguma atividade por parte do Poder Público ou pelo uso ou aquisição de um bem público, passível, desta forma, de ser pactuado com o particular, que não tem característica tributária. De tal forma, o preço público origina-se na relação contratual firmada com o particular de modo voluntário, cujas premissas se encontram vinculadas na teoria da vontade, não na vinculação compulsória de um determinado serviço prestado pelo Poder Público. A título exemplificativo, se uma empresa pretende utilizar um espaço público para o desenvolvimento de uma atividade privada, poderá pactuar com o ente público a locação do espaço, cujo valor do aluguel terá a forma de preço público que deve guiar-se, para fixação, pelas regras de mercado.
6. DA CONTRIBUIÇÃO
DE ILUMINAÇÃO
PÚBLICA (CIP)
A iluminação pública, em razão da inexistência dos pressupostos necessários à sua exigibilidade, ou seja, a especificidade e a divisibilidade constantes nos arts. 145, II, da CF, e 77 e 79, II e III, do CTN, foram extirpadas do ordenamento. Com isto, assentou-se na jurisprudência que a exigência dessa taxa não tinha caráter uti singuli, mas, sim, uti universi, não atendendo especificamente ao contribuinte-usuário, mas a toda a coletividade. O Supremo Tribunal Federal, ratificando o posicionamento advindo dos demais tribunais e da doutrina, também perfilhou o mesmo entendimento ao estabelecer que a iluminação pública, por ser uma atividade estatal, não pode ter sua remuneração dada mediante a instituição de taxa, devendo ser custeada por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais, consolidando tal entendimento por intermédio da Súmula 670. Feito isso, houve por parte dos Municípios uma grande movimentação para que fosse fixada uma nova forma de cobrir os gastos oriundos da iluminação pública, resultando na criação da contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública – CIP, cuja exigibilidade se encontra agora autorizada pelo art. 149-A, introduzido na ordem constitucional por meio da Emenda n° 39, de 19.12.2002.
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Com efeito, originariamente os Municípios que somente tinham autorização para instituírem contribuição para o custeio do regime previdenciário tiveram sua competência alargada, possibilitando que outra modalidade de contribuição se agregue à sua competência, qual seja: o custeio do serviço de iluminação pública. Em que pese encontrar-se referida contribuição sob o foco da doutrina com diversos questionamentos tramitando perante o Poder Judiciário, tenho, pela análise realizada à luz da Constituição Federal, que referida contribuição se amolda aos seus termos e princípios, não havendo ofensa à cláusula pétrea, não tendo defrontado, pelo menos por enquanto, com argumentos que, do ponto de vista jurídico, fossem suficientes a tornar inviável sua presença no ordenamento jurídico. É verdade que fortes são os argumentos expendidos pelo Desembargador Yoschiaki Ichiara para demonstrar seu inconformismo com referida contribuição, sustentando, de forma veemente, que “a contribuição somente poderá ser cobrada daqueles que terão um benefício específico em contrapartida ao seu pagamento”, sendo que referido “benefício não advém de uma prestação estatal”. Sustenta, ainda, que a “COSIP não guarda relação com o custo do serviço de iluminação pública, pois o aumento no número de ligações na rede elétrica não significa, necessariamente, que houve aumento na prestação do serviço”. Para demonstrar seu raciocínio, exemplifica-o utilizando como ponto de apoio a construção, em determinada rua, de um prédio residencial com vários andares, onde a construção: [...] não obriga o poder público a aumentar o número de lâmpadas na rua, no entanto, resulta em aumento na arrecadação da contribuição. Se o Município arrecada mais com a contribuição do que é necessário para cobrir o custo do serviço, ocorre seu enriquecimento em detrimento do contribuinte. Para cobrir os custos com o serviço de iluminação pública, sem dúvida sua cobrança deve refletir o custo do serviço prestado, e não é isso que se observa. O serviço de iluminação pública, não beneficia apenas o titular da ligação de energia elétrica, mas todos que dele se utilizam; portanto, trata-se de serviço uti universi, que deve ser custeado por todos, pois não é justo que apenas alguns arquem com os custos de um serviço que beneficia a todos os munícipes. Além disso, considerando que o valor é o mesmo dentro de cada categoria de contribuintes (residencial ou não residencial), sem dúvida os
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consumidores de energia elétrica mais humildes são penalizados com uma carga tributária muito maior se comparada com aqueles mais abastados, o que viola o princípio da capacidade contributiva.22
O posicionamento retrodemonstrado, sem dúvida, é sólido, pois está ancorado na natureza estrutural da contribuição que deve estar de alguma forma vinculada ao contribuinte pagante que recebe a contraprestação do serviço público, direcionada ao grupo social a que pertence. Não obstante isso, não se observa, na contribuição de iluminação pública, qualquer inconstitucionalidade; a atenção que se deve ter, entretanto, é a correta aplicação do dispositivo mediante a regulamentação da norma municipal, considerando que, tratando-se de contribuição, tem ela a finalidade precípua de reconstituir os gastos, sendo defeso ampliar a arrecadação para fazer frente a investimentos ou outras despesas que não sejam exatamente o custeio do valor despendido pelo Município com a iluminação pública. Mormente ter-se como constitucional o art. 149-A, o risco reside no fato de o legislador ter encontrado uma válvula para instituir nova modalidade de exação fiscal fora dos contornos tributários, como bem destaca Hugo de Brito Machado ao dizer que a instituição da CIP: [...] faz parte de um lamentável desmonte da Constituição Federal de 1988. Que é mais lamentável porque tem buscado o aumento das receitas públicas por vias oblíquas, mediante a distorção de conceitos, que conduz à degradação do próprio Direito como instrumento adequado para a regulação de condutas.23
Não obstante a afirmação, o fato é que a norma foi criada, exigindo, doravante, para a instituição da CIP, lei municipal que a justifique, não implicando, com isso, automática certeza de sua exigibilidade, posto que deverá o legislador municipal exercer sua competência dentro dos limites impostos pelo art. 149-A. Isso implica dizer que, confirmada a cobrança por meio de norma municipal, o administrador público somente poderá aplicar os recursos advindos da CIP, exatamente no objeto que deu causa à sua instituição, não tendo ele o poder discricionário de direcionar tais recursos para fins diversos que não sejam aqueles oriundos de sua gênese.
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Yoschiaki Ichihara. Apelação nº 618.071-572-000 TJ/SP. Indicação: e disponível em: .
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A contribuição e as taxas possuem fundamentos distintos, posto que a primeira está ancorada no custeio de uma determinada atividade empreendida pelo Estado, enquanto a segunda tem sua missão presa a uma prestação de serviço, específico e divisível. Com isso, mesmo tendo se revestido de constitucionalidade o ressarcimento dos valores pagos pelos Municípios a título de iluminação pública para as concessionárias de energia elétrica, a regulamentação do disposto na Emenda Constitucional n° 39/02 é de difícil concretização, já que depende de definição do legislador municipal, que não raro acaba por esbarrar em princípios consagrados pela ordem tributária. Muitas das leis que foram objeto de análise pelo órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não passaram pelo crivo da constitucionalidade, posto que tem se destacado o uso da base de cálculo como sendo o consumo mensal de energia elétrica constante na fatura emitida ao consumidor, situação que, de plano, foge do desiderato da contribuição, na medida em que o critério definido pelo legislador constitucional e estampado no art. 149-A admite apenas o custeio do serviço de iluminação pública suportada pelo Município e não no consumo mensal de energia. Em decisão relatada pelo eminente Desembargador Luiz Elias Tâmbara, ficou consignado que gastar mais energia é dos “fatores que não guardam relação direta com o custo da iluminação pública. [...] O ‘quantum’ consumido pelo contribuinte, qualquer que seja a sua atividade, em nada afeta o custeio da iluminação pública”, constituindo com isto “tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente [...]”24. Outra questão com a qual, com frequência, tem-se deparado é o fato de que o valor advindo da arrecadação deve ter relação exata com o gasto para o custeio da iluminação, não podendo haver excedente que sirva para investimentos com o aumento da rede. O dispositivo constante no art. 149-A da Constituição Federal encontra sua finalidade amparada no custeio do serviço de iluminação pública, não podendo existir excesso apto a ser utilizado em atividades diversas. Com isso, certamente os Municípios terão dificuldade em demonstrar a equivalência entre o valor arrecadado com o valor despendido no custeio da iluminação, prova que, em havendo questionamento, deverá a Administração Pública dela desincumbir-se satisfatoriamente.
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Agravo Regimental nº 109.813.0/7-01.
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7. DO SERVIÇO
DE
ÁGUA
E DE
ESGOTO
O serviço de água e esgoto, embora não seja uma espécie tributária propriamente dita, tem, no entanto, suscitado dúvidas quanto ao caráter de sua cobrança. Isto porque muitos Municípios, quando se responsabilizam por esta atividade, fazem-no por intermédio de uma concessionária de serviço púbico ou indiretamente por meio de entidades criadas, especificamente, para este fim, que não raro fazem a cobrança mediante taxa e daí surgem as contestações quanto à natureza da atividade. O Supremo Tribunal Federal já se posicionou, dizendo que tais serviços devem ser cobrados mediante preço público ou tarifa e, por isso, têm a contraprestação de caráter não tributário. Não obstante, existe entendimento do Superior Tribunal de Justiça em sentido diverso, vazado nos seguintes termos: O serviço de fornecimento de água e coleta de esgoto é cobrado do usuário pela entidade fornecedora como sendo taxa, quando há compulsoriedade. Tem-se, in casu, serviço público concedido, de natureza compulsória, visando atender necessidades coletivas ou públicas. Não há amparo jurídico a tese de que a diferença entre taxa e preço público decorre da natureza da relação estabelecida entre o consumidor ou usuário e a entidade prestadora ou fornecedora do bem ou do serviço, pelo que, se a entidade que presta o serviço é de direito público, o valor cobrado caracterizar-se-ia como taxa, por ser a relação entre eles de direito público; ao contrário, sendo o prestador do serviço público pessoa jurídica de direito privado, o valor cobrado é preço público/tarifa. Prevalência no ordenamento jurídico das conclusões do X Simpósio Nacional de Direito Tributário, no sentido de que “a natureza jurídica da remuneração decorre da essência da atividade realizadora, não sendo afetada pela existência da concessão. O concessionário recebe remuneração da mesma natureza daquela que o Poder Concedente receberia, se prestasse diretamente o serviço.25
O art. 11 da Lei nº 2.312/94 (Código Nacional de Saúde) determina:
25
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RF, julho a setembro, 1987, ano 1987, v. 299, p. 40.
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É obrigatória a ligação de toda construção considerada habitável à rede de canalização de esgoto, cujo afluente terá destino fixado pela autoridade competente. A remuneração dos serviços de água e esgoto normalmente é feita por taxa, em face da obrigatoriedade da ligação domiciliar à rede pública.26 Se a ordem jurídica obriga a utilização de determinado serviço, não permitindo o atendimento da respectiva necessidade por outro meio, então é justo que a remuneração correspondente, cobrada pelo Poder Público, sofra as limitações próprias de tributo.27 Obrigatoriedade do serviço de água e esgoto. Atividade pública (serviço) essencial posta à disposição da coletividade para o seu bem-estar e proteção à saúde. Adoção da tese, na situação específica examinada, de que a contribuição pelo fornecimento de água e coleta de esgoto é taxa. Precedentes das egrégias 1ª e 2ª Turmas desta Corte Superior. Recurso especial não-provido.28
A despeito do entendimento do STJ, o Ministro Carlos Veloso definiu, no Recurso Extraordinário 447536/SC, que: “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que não se trata de tributo, mas de preço público, a cobrança a título de água e esgoto”. Com efeito, no próprio STJ há definição no sentido de que: [...] os serviços públicos de fornecimento de água e esgoto, essenciais à cidadania, se caracterizam pela facultatividade e não pela compulsoriedade, prestado diretamente pelo Estado ou por terceiro, mediante concessão, submetendo-se à fiscalização, princípios e regras condicionadores impostos pelo ente público, e por isso remunerados por tarifas ou preços públicos, regendo-se pelas normas de direito privado.29
Por isso, melhor se ajusta à hipótese o entendimento de que os serviços de água e esgoto têm natureza jurídica de preço público ou tarifa, dadas as suas características, pois, embora o Poder Público coloque à disposição do
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Helly Lopes MEIRELLES. Direito Municipal Brasileiro, 3. ed., São Paulo: RT, 1977, p. 492. Hugo de Brito MACHADO. Regime Tributário da Venda de Água, Rev. Juríd. da ProcuradoriaGeral da Fazenda Estadual/Minas Gerais, nº 05, p.11. Recurso Especial 848287/RS. Recurso Especial 149654/SP.
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particular este serviço, nada impede a captação da água por outros meios e, da mesma forma, a utilização de sistema diverso para despejar o esgoto que não seja aquele disponibilizado pela concessionária. A obrigatoriedade constante no Código Nacional de Saúde carece de efetividade, na medida em que o próprio Estado não tem condições de disponibilizar este serviço para toda a população. Com efeito, existem ainda comunidades inteiras desprovidas de saneamento básico adequado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Agravo Regimental nºs 109.813.0; 7-01; 1 09.813.0/7-01;717187 / DF. BARRETO, Aires F. Curso de Iniciação em Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2004. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e Tributário. São Paulo: Ed. Saraiva, 1991. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 5. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 1991. DECOMAIN, Pedro Roberto. Anotações ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2000. FREITAS, Vladimir Passos de (coord.). Código Tributário Nacional Comentado. 3. ed., rev. e atualizada. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. HARADA, Kiyoshi. Direito Tributário Municipal. 3. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2007. ______. Direito Financeiro e Tributário. 16. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2007. ICHIHARA, Yoschiaki. Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 1990. ______. Apelação nº 618.071-572-000 TJ/SP. MACHADO, Hugo de Brito et al. Comentários ao Código Tributário Nacional. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. Disponível em: . MACHADO, Hugo de Brito. Regime Tributário da Venda de Água. In: Revista Jurídica da Procuradoria-Geral da Fazenda Estadual/Minas Gerais, n. 5, Minas Gerais. MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1998. MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de Direito Tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 3. ed. São Paulo: RT, 1977. p. 492. ______. Direito Municipal Brasileiro. 14. ed. Atualizado por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva. São Paulo: Malheiros, 2006. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo:MALHEIROS, 2000. OLIVEIRA, Regis Fernandes. Taxa de Polícia. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. Recurso Especial – nºs: 2002/0077971-7; 615495/RS; Recurso Especial 132430/CE;149654/ SP;1997/0034569-6; 2005/0168292-0; 2005/0202919-7; 227033/SP; 234.105; 443965/TO; 739342/RS; 787353/MG; 802437/MS; 848287/RS; 2.525/PR;863893/PR;713752/PB.
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Responsabilidade do Estado por Dano Tributário
Gabriel Lacerda Troianelli Doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Mestre em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes – UCAM, Diretor da Associação Brasileira de Direito Financeiro – ABDF e Advogado no Rio de Janeiro e em São Paulo.
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1. INTRODUÇÃO: RESPONSABILIDADE OBJETIVA
DO
ESTADO
Muito embora o Chief Justice Marshall, histórico Presidente da Suprema Corte Norte-americana, tenha repudiado a afirmação segundo a qual o poder de tributar implica o poder de destruir, é inegável o potencial lesivo da atividade tributária exercida pelo Estado, pelo menos na visão de suas vítimas. Tanto que, depois de Benjamin Franklin ter dito que nada de inevitável havia no mundo, exceto a morte e os tributos, um anônimo espirituoso logo estabeleceu nota distintiva entre os dois eventos necessários, ao afirmar que frequentemente a morte é menos dolorosa. Com efeito, os tributos sempre atingem, diretamente, o patrimônio dos contribuintes e, não raramente, podem gerar lesão indenizável pelo poder público quando a atividade tributária extrapolar os limites da licitude. Assim, conquanto a atividade tributária sempre gere, em sentido lato, um “dano” ao contribuinte, na medida em que lhe diminui o patrimônio, é evidente que não pode o Estado ser obrigado a indenizar o contribuinte pelo “dano” causado pelo pagamento de tributo devido exigido com o emprego de meios legítimos e sem a imposição de qualquer outro “dano colateral”, ilegítimo e diverso daquele representado pelo decréscimo patrimonial do contribuinte. Caso contrário, todo tributo devidamente pago daria ao contribuinte o direito, pelo menos, à sua restituição, o que inviabilizaria a atividade tributária. Como ocorre em relação a todo e qualquer dano causado pelo Estado, a responsabilidade pelos danos tributários é objetiva, ou seja, independe da existência de culpa ou dolo por parte do agente estatal, o que se dá por força do artigo 37, § 6º da Constituição Federal, segundo o qual: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Disposição essencialmente idêntica é encontrada no artigo 43 do Código Civil, segundo o qual: As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos de seus agentes que nesta qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito de regresso contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa o dolo.
Conquanto não se afirme expressamente, nesses artigos, que a responsabilidade do Estado é objetiva, esta conclusão é colhida indiretamente,
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na medida em que a ressalva do direito de regresso conta os agentes estatais, no caso de dolo ou culpa, só tem sentido lógico se o Estado também for responsável pelo dano causado por seus agentes quando estes não agirem com culpa ou dolo. Hoje, a Jurisprudência e a Doutrina são pacíficas no sentido de admitir, como regra geral, a responsabilidade objetiva do Estado, inclusive em matéria tributária. Em razão do caráter objetivo da responsabilidade do Estado, para que ela se faça presente, basta que a parte prejudicada demonstre a existência do dano e o nexo causal entre o dano e o ato estatal lesivo.
2. RESPONSABILIDADE
POR
ATO COMISSIVO
DA
ADMINISTRAÇÃO
Dentre os diversos tipos de dano que o Estado pode impor ao contribuinte no exercício da sua atividade tributária, o mais comum, sem dúvida, é o pagamento indevido de tributo, seja em decorrência da sua exigência formal por meio do lançamento, seja em virtude da mera previsão, na lei ou na legislação tributária, de hipótese de incidência que conflite com a Constituição ou a lei. Com efeito, por ser o tributo uma prestação compulsória e cujo pagamento, cada vez mais, é feito pelo próprio contribuinte, sem a necessidade de atividade prévia por parte da administração tributária – tributos lançados por homologação –, o recolhimento aparentemente “espontâneo” na verdade não o é, razão pela qual, mesmo neste caso, o pagamento indevido gera a responsabilidade do Estado. Como no Brasil o dever do Estado de restituir tributo indevidamente pago, acompanhado de juros de mora e, se for o caso, de atualização monetária, está expressamente previsto no Código Tributário Nacional, existem vias administrativas e judiciais próprias para que tal direito seja satisfeito. Mesmo assim, há hipóteses em que os danos causados pela exigência de tributo indevido só poderão ser reparados por ação indenizatória própria. É o caso, por exemplo, em que o contribuinte, para tentar fugir à indesejável situação de pagar o tributo indevidamente exigido para depois solicitar a restituição – especialmente nefasta quando a legislação não previr a possibilidade de compensação, remetendo ao pedido de repetição de indébito –, se vê forçado a gastar rios de dinheiro para manter a exigibilidade do crédito suspensa. É o que ocorre, por exemplo, quando a complexidade da matéria exige que sejam contratados serviços jurídicos, contábeis ou de perícia técnica prestados ao longo de processos administrativos, ao fim dos quais os custos do contribuinte não são a ele reembolsados por falta de previsão legal, devendo o sujeito passivo, nesse caso, pedir o ressarcimento em ação indenizatória própria.
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Além disso, frequentemente a Administração tributária adota medidas que consistem em verdadeira forma de cobrança indireta de tributo e recebem, por parte da doutrina, o nome de “sanções políticas”, medidas estas as quais, ao longo dos anos, vêm sendo desautorizadas pelo Poder Judiciário. Entre essas sanções podemos destacar: a interdição do estabelecimento ou o impedimento da atividade do contribuinte; a apreensão injustificada de mercadorias; a inviabilização do cumprimento das obrigações principais ou acessórias – por exemplo, a proibição de emissão de talonário fiscal –; os “regimes especiais” de fiscalização e arrecadação tributária; a inserção em cadastro de contribuintes inadimplentes, que impede a contratação com o Estado; a manutenção deliberada de créditos do contribuinte “em aberto”, como forma de impedir a suspensão da exigibilidade do tributo; a imposição, mediante declaração por meio eletrônico, de limites e procedimentos indevidos. No que se refere à indenização por essas sanções: interditado um estabelecimento ou impedido o contribuinte de exercer suas atividades, deverá o Estado prestar indenização pelos lucros cessantes; apreendidas mercadorias, deverá o Estado responder pelos eventuais danos causados pelo perecimento destas ou pela impossibilidade de concretizar negócio anteriormente celebrado que envolvesse a entrega daquelas mercadorias; embaraçado o contribuinte no exercício da sua atividade profissional ou empresarial, deverão ser reembolsados pelo Estado os custos resultantes desse embaraço; imposto “regime especial”, terá o Estado que indenizar o contribuinte pelos danos decorrentes de cada um dos componentes do mencionado regime; inscrito o nome em algum cadastro de contribuintes inadimplentes, deverá o Estado arcar pelos danos decorrentes da impossibilidade da contratação com o Estado, como os lucros cessantes pela perda de um contrato por impossibilidade de participar de licitação ou os danos gerados pela impossibilidade de tomar dinheiro com a incidência dos juros cobrados pelo Estado, em geral inferiores aos praticados pelo mercado; vítima o contribuinte do “débito em aberto”, deverá ser indenizado pelos danos que a falta de certidão lhe causar; pego o contribuinte pela armadilha do software elaborado pelo fisco de modo a impor limites indevidos que gerem maior incidência tributária, terá o contribuinte direito à indenização própria dos danos gerados pelo pagamento indevido; e, por fim, deverão ser indenizados, seja qual for a sansão política aplicada, os gastos que tiverem sido necessários para afastar as sanções, seja com advogados, seja com outras categorias profissionais que se tenham revelado necessárias, como contadores ou peritos técnicos.
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3. RESPONSABILIDADE
POR
ATO OMISSIVO
DA
ADMINISTRAÇÃO
Situação peculiar é a do dano causado por ato omissivo do Estado. Tradicionalmente, tanto a Doutrina quanto a Jurisprudência dominante entendem que a responsabilidade do Estado por danos decorrentes de omissões é subjetiva, o que torna necessária a presença da culpa ou dolo por parte dos agentes estatais para que a responsabilidade exista. Assim, por exemplo, um roubo ocorrido durante o dia exatamente em frente a uma delegacia de polícia em plena atividade daria ensejo à reparação, dada a flagrante negligência da Polícia. Pelo contrário, roubo ocorrido de noite e em lugar ermo não faria surgir a responsabilidade do Estado, uma vez que não teria havido dolo nem culpa por parte das autoridades policiais. A tese dominante pode ser aplicada sem problemas a situações como segurança pública ou saúde, sob pena de o Estado ter que se transformar em um segurador universal do patrimônio e da saúde dos cidadãos. Criminosos e doenças existem independentemente da ação do Estado, e mesmo, a rigor, contra a sua vontade. Quando o Estado não bloqueia a ação de criminosos ou doenças, ele simplesmente deixa de impedir que se produzam danos que decorrem, principalmente, de causas alheias à atuação estatal. Nesses casos, a omissão do Estado não é a única causa do dano; há causas externas e autônomas. Todavia, há situações em que a omissão do agente estatal é a única causa do dano, não havendo causa externa autônoma que, por si, fosse capaz de produzir o dano; e isso se dá especialmente no âmbito da atividade tributária. Diferentemente dos ladrões e das doenças, os tributos não andam soltos no mundo, independentes da vontade do Estado. Não são como leões ou lobos, que, pelo menos em alguns lugares, ainda andam soltos na natureza; são criações do Estado e para o Estado. Nessas circunstâncias, a não ser que o contribuinte tenha, de alguma forma, concorrido para a produção do dano tributário do qual for vítima, o Estado terá sido o único responsável pela sua ocorrência, haja ou não culpa ou dolo do seu agente. Desse modo, parece-me que a visão tradicional segundo a qual a responsabilidade do Estado pelos atos omissivos de seus agentes depende da prova de dolo ou culpa por parte destes deva ser substituída por outra, pela qual, se a causa única e imediata do dano for o ato omissivo do agente estatal, a responsabilidade do Estado é objetiva; se, por outro lado, a causa primeira do dano for ato praticado por pessoa estranha ao Estado, a omissão do agente estatal em evitar a produção do dano estará sujeita à responsabilidade subjetiva, devendo ser, assim, comprovado o dolo ou a culpa por parte do agente estatal omisso. Há, no âmbito da atividade tributária, muitas situações em que a causa única e imediata do dano é a omissão do agente estatal. Muitas vezes um contribuinte
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precisa de uma certidão para participar, por exemplo, de uma licitação e, embora tenha protocolado seu pedido em prazo hábil, não consegue recebê-la a tempo em virtude da demora na sua emissão. Outras vezes, o pedido de cadastramento de um estabelecimento ou mesmo do registro de uma pessoa jurídica demora mais do que o prazo legalmente estabelecido para a prática do ato, gerando graves danos em função do atraso nas operações do estabelecimento ou da empresa. Em ocasiões como essas, em que o contribuinte, em tempo hábil e cumprindo todos os requisitos, pede à Administração que pratique determinado ato, a eventual omissão por parte da autoridade administrativa será a causa única e imediata do dano gerado, o que acarretará a responsabilidade objetiva do Estado. Portanto, se o contribuinte, nessas condições, sofrer dano por causa da demora ou omissão administrativa, pouco importarão os motivos, se há poucos funcionários, grande concentração de pedidos ou qualquer outro fato que pudesse justificar a demora; tal dano deverá ser reparado mediante indenização. E, mesmo em hipóteses que poderiam, em tese, configurar força maior excludente de responsabilidade, por exemplo, a doença do único funcionário qualificado naquela repartição para decidir sobre o pedido do contribuinte, a exclusão da responsabilidade deverá ser aplicada com extrema parcimônia, já que nada impediria, no caso, que, dada a doença do funcionário, o pedido do contribuinte fosse despachado por funcionário de outra repartição, que acumulasse extraordinariamente duas jurisdições. Em suma, sempre que, mesmo em situações difíceis para a administração, houver algum indício, por menor que seja, de que a administração pudesse ter solucionado o problema do contribuinte, deverá o Estado ser responsabilizado pelo dano, sob pena de se generalizarem as excludentes de responsabilidade a tal ponto que praticamente termine com a sua responsabilidade objetiva. Dessa forma, a falta de recursos, a pouca quantidade de funcionários, a ausência de pessoa capacitada ou o inesperado volume de trabalho jamais poderão servir como causas de exclusão de responsabilidade do Estado, que, em razão do caráter objetivo da sua responsabilidade, deverá indenizar o contribuinte pelo dano contra ele imposto.
4. A RESPONSABILIDADE
POR
DANOS MORAIS
O potencial lesivo da atividade tributária no campo dos danos morais é bastante grande, tanto para o contribuinte pessoa natural quanto para a pessoa jurídica.
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Quanto às pessoas naturais, é notória a agonia de quem tem problemas com a Administração Tributária, pela exigência descabida de tributos, a não obtenção de certidões para vender imóveis, a demora na restituição dos impostos e situações outras que dos mais diversos modos infernizam a vida dos contribuintes. Muito embora a condenação à indenização pelos danos morais tenha surgido, historicamente, em função da dor, do sofrimento, da humilhação sofridos pela pessoa natural, hoje tanto a Doutrina quanto a Jurisprudência admitem, de forma pacífica, a possibilidade de que a pessoa jurídica também sofra danos morais, não, evidentemente, em virtude de dor, sofrimento ou humilhação, mas pelo dano à imagem da empresa. Hoje em dia, mais do que nunca, a boa imagem da empresa é fundamental para o seu sucesso. Esse fato é comprovado, por exemplo, pela proliferação e multiplicação dos certificados e selos de qualidade, concedidos por entidades às quais se reconhece a competência para aferir se determinada empresa se encontra dentro de determinados padrões de excelência na atividade a que se dedica. É, também, cada vez mais comum, sobretudo nos países desenvolvidos, que os consumidores optem por comprar produtos de empresas que utilizem tecnologia ecologicamente corretas ou que não tenham suas fábricas em países que permitam a utilização de mão-de-obra infantil ou submetida a regime de trabalho análogo ao da escravidão. Nesse contexto de quase obsessão pelo politicamente correto, em que a imagem cada vez conta mais, é fácil compreender os danos que a pecha de sonegador pode infligir a uma pessoa jurídica, sobretudo quando a própria atividade requer a necessidade da confiança popular, o que ocorre, por exemplo, com as seguradoras ou as instituições financeiras, que têm na solidez e na confiabilidade um dos mais importantes, se não o mais importante, ativo. O que pode acontecer, por exemplo, com um banco sobre o qual se divulgue que as dívidas tributárias superam o patrimônio líquido? Os correntistas terão a mesma tranquilidade de antes em deixar lá o seu dinheiro? E o que se dirá, então, de uma empresa sobre a qual se alardeie aos quatro ventos o seu gigantesco passivo tributário? As instituições financeiras continuarão a lhe dar os mesmos créditos mediante as mesmas garantias? E os seus fornecedores, continuarão entregando suas mercadorias sem exigir o pagamento antecipado ou, pelo menos, no ato da entrega? As respostas são fáceis, mas o pior é que, muitas vezes, o verdadeiro passivo tributário pode ser significativamente menor do que o que se alega ser, bastando,
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por exemplo, que vários dos tributos que o Estado reputa devidos não o sejam de fato, situação bastante comum no País, onde, até hoje, proliferam leis inconstitucionais, atos normativos ilegais e exigências absolutamente descabidas. O dano moral à imagem, no caso, não será causado pela exigência do tributo, devido ou indevido, mas pela divulgação de informações relativas à situação fiscal da empresa que denigram a sua imagem. E, como tal, deve ser indenizado pelo Estado, muito embora seja frequentemente de difícil quantificação, aliás, como os danos morais geralmente são. O que, entretanto, não deve impedir que o Poder Judiciário leve a termo as condenações que entender cabíveis, de acordo com critérios razoáveis, ponderados caso a caso.
5. O DANO DECORRENTE
DE
ATO JUDICIAL
No Brasil, a quase totalidade dos danos impostos ao contribuinte pelo Estado-juiz encontra-se no âmbito da tutela de urgência, seja pela denegação de medida liminar objetivamente devida e necessária, seja pela simples demora na apreciação de pedidos urgentes, que torna sua posterior concessão inútil. É certo que, mesmo quando não havia, no Brasil, efeito vinculante para as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, instituto ainda novo e pouco usado, os juízes de primeiro grau de jurisdição e os tribunais inferiores tendem a seguir a orientação do Supremo Tribunal Federal, ou mesmo do Superior Tribunal de Justiça, quando no âmbito de sua competência para proferir julgamentos a título definitivo. Há situações, contudo, em que, mesmo quando existe decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal em que se julga inconstitucional um tributo, o juiz, seja por discordar do precedente do precedente, seja para evitar um imaginário “periculum in mora reverso” para o erário público, simplesmente indefere a medida liminar pleiteada pelo contribuinte para suspender a exigibilidade do tributo inconstitucional ou para fazer com que a autoridade não negue certidão negativa em virtude do não pagamento desse tributo inconstitucional. E muito pior do que negar a medida liminar pleiteada pelo contribuinte, situação que lhe abre, pelo menos, a possibilidade de interpor recurso, é demora da decisão, seja pela pura e simples abstenção de despachar qualquer coisa, seja pela prolação de despachos do tipo “à autoridade coatora” em situações nas quais a urgência é tamanha que não há tempo para que a autoridade seja ouvida, o que faz com que o despacho do juiz equivalha, na prática, ao indeferimento da medida liminar.
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Lamentavelmente, tanto a Doutrina quanto a Jurisprudência rejeitam a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados por atos judiciais, sendo que as objeções à responsabilidade objetiva do Estado-juiz se baseiam fundamentalmente em três argumentos: o da necessidade da preservação da independência do Poder Judiciário, o do obstáculo da coisa julgada e o da existência de recursos próprios para que o dano seja evitado. Primeiramente, entendem alguns que, caso se aceitasse a responsabilidade objetiva do Estado por danos decorrentes do ato judicial, tal fato geraria uma ameaça para o juiz, o qual, temeroso de praticar os atos que lhe são próprios, teria a sua independência cerceada, situação esta que demandaria a prevalência da irresponsabilidade não só do juiz como também do próprio Estado. Há que se distinguir, todavia, duas coisas: a responsabilidade objetiva do Estado por atos praticados pelo juiz e a responsabilidade do próprio juiz por atos praticados mediante dolo ou culpa. É justamente a confusão entre essas duas coisas que conduz à teoria de que a responsabilidade objetiva do Estado constituiria uma ameaça para o juiz, na medida em que tal ameaça só existira, de fato, caso se pretendesse atribuir não ao Estado, mas ao juiz, a responsabilidade pelos atos lesivos que este praticasse sem culpa alguma. Na verdade, a responsabilidade objetiva do Estado pelo dano decorrente do ato judicial serviria, justamente, para preservar a independência do juiz, uma vez que, sendo o Estado-juiz responsável pelos danos praticados em decorrência da atividade judicial de forma objetiva, ou seja, independentemente da demonstração de dolo ou culpa por parte do juiz, o lesado sempre demandaria contra o Estado procurando demonstrar apenas a existência do dano injusto e do nexo causal existente entre o dano e a atividade judicial, sem se preocupar em demonstrar a culpa do juiz, demonstração essa que se faria necessária em um sistema de responsabilidade subjetiva, necessidade que obrigaria o lesado a se empenhar em demonstrar a culpa do juiz. Além disso, a responsabilização do Estado por danos decorrentes de situações em que o juiz não tivesse agido com culpa alguma poderia, inclusive, contribuir para o aumento de sua independência e para o livre exercício de suas funções, na medida em que terminaria por obrigar o Estado a prover os juízes dos meios necessários e adequados para o bom exercício da função jurisdicional. Assim, por exemplo, em uma situação em que o Estado fosse repetidamente condenado por danos decorrentes da demora na prestação jurisdicional e essa demora decorresse não de culpa do juiz, mas de um volume de processos que tornaria humanamente impossível o cumprimento dos prazos,
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o Estado seria obrigado a providenciar os meios – abertura de novas vagas para juízes, redistribuição dos processos, divisão por competência em razão da matéria, mutirões – para remover a fonte da demora, o que terminaria por beneficiar o magistrado que, nos casos em que o dano não decorre de sua culpa ou dolo, é, no mais das vezes, uma vítima do funcionamento precário do aparelho judiciário. Outro argumento contrário à responsabilidade objetiva do Estado por dano decorrente de ato judicial seria o da autoridade da coisa julgada, argumento esse que consiste em dizer que, tendo a coisa julgada uma presunção de verdade, a indenização que tivesse por objeto o dano decorrente de uma decisão transitada em julgado estaria atentando contra a imutabilidade da coisa julgada. Há que se considerar, entretanto, que a grande maioria dos danos gerados pelos atos judiciais, pelo menos no Direito Tributário, não decorre de sentença transitada em julgado, mas de outras causas de enorme potencial lesivo, como o indeferimento de tutela de urgência ou a demora na prestação jurisdicional. Mas, mesmo nas situações em que o dano decorre de decisão transitada em julgado, devemos ter em mente que o pedido de indenização não altera, em absoluto, a coisa julgada. Uma coisa é a verdade de direito material fixada pela sentença e tornada imutável pela coisa julgada. Outra é a pretensão da parte lesada pela decisão judicial de querer a indenização em decorrência do dano causado pelo juiz no julgamento da lide, pretensão que se dirige contra o Estado e não contra a parte vencedora, que continuará protegida pela coisa julgada. São duas relações jurídicas absolutamente distintas, e a procedência da ação indenizatória contra o Estado em nada influirá sobre a relação jurídica objeto da coisa julgada. Por fim, argumentam alguns que os graus de jurisdição e os recursos existentes são o meio destinado a fazer com que eventual dano injusto seja reparado. Há que se considerar, contudo, que os recursos, mesmo quando habilmente manejados pela parte, muitas vezes são insuficientes para suprimir ou reparar o dano. Convém alertar, todavia, que, conquanto a existência de recursos aptos, em tese, para suprimir o dano causado por uma decisão judicial não seja um argumento suficiente para excluir a responsabilidade objetiva do Estado por dano decorrente de ato judicial, a existência desses recursos poderá, em cada caso concreto, reduzir ou mesmo suprimir a responsabilidade do Estado se o lesado não lograr êxito em demonstrar claramente que lançou mão de todos os
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recursos possíveis e de forma hábil, ou seja, que, apesar de ter feito todo o possível, ainda assim seus recursos não serviram para afastar o dano. Dessa forma, não poderá o lesado alegar a demora na prestação jurisdicional se não provar que diligenciou adequadamente para mover o processo. Do mesmo modo, aquele que se sentir lesado pela não concessão de uma medida liminar a tempo para evitar o dano deverá demonstrar que ajuizou a medida com toda a celeridade requerida pela gravidade da situação, não sendo cabível, portanto, por exemplo, indenização nas situações em que o lesado, com o intuito de forçar a existência do periculum in mora, deixa, sem qualquer outra justificativa, o ajuizamento da ação para os dias imediatamente anteriores àquele em que se produziria o dano. Infelizmente, nem a Doutrina majoritária nem a Jurisprudência hoje existente acolhem a responsabilidade do Estado pelo dano causado pelos atos judiciais. É de se desejar, no entanto, que algum dia venha a cair este último bastião da antiquada doutrina da irresponsabilidade do Estado.
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Administração Tributária
Maurício Pereira Faro Advogado no Rio de Janeiro, Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho/RJ, Conselheiro Titular da Primeira Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF. Professor dos cursos de Pós-Graduação em Direito Tributário da FGV/RJ, Universidade Cândido Mendes – UCAM e Universidade Federal Fluminense – UFF.
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O direito brasileiro reconhece a existência de poderes conferidos ao fisco para que controle e fiscalize as atividades, documentos e negócios de contribuintes e terceiros com o objetivo de assegurar o adequado cumprimento das obrigações tributárias, sendo facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade ao caráter pessoal dos impostos e à sua gradação segundo a capacidade econômica do contribuinte, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, conforme dispõe o § 1º do artigo 145 da Constituição Federal. Administração tributária é a parte da administração pública referente à atividade financeira do Estado que trata da exigência, fiscalização, constituição do crédito tributário e arrecadação da receita tributária. A competência e os poderes de fiscalização das autoridades administrativas, em matéria tributária, é assunto que, observadas as prescrições do CTN, deve ser regulado pela legislação pertinente, que pode estabelecer disciplina geral para diferentes tributos ou impor regramento específico atento à natureza de certo tributo1, conforme dispõe o artigo 1942 do CTN. Da leitura do artigo 194 do CTN, podemos concluir que a definição das competências pode ser genérica, para cada unidade da federação ou em relação a cada um dos tributos dessa entidade federativa. A relevância da atuação da administração tributaria reside no fato de que a receita decorrente do pagamento de tributos por parte dos contribuintes vincula-se, em grande parte, à eficiência e rapidez da administração tributária. Isso porque, dentre outras atividades, incumbe à administração tributária o lançamento do tributo devido pelo contribuinte, bem como a atividade de fiscalização e combate à sonegação fiscal. Acrescente-se, ainda que, na lição de Luiz Emygdio F. da Rosa Jr.3 “estão abrangidas no conceito de administração tributária as tarefas de orientação ao
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AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 479. Artigo 194. A legislação tributária, observado o disposto nesta Lei, regulará, em caráter geral, ou especificamente em função da natureza do tributo de que se tratar, a competência e os poderes das autoridades administrativas em matéria de fiscalização da sua aplicação. O limite da atuação estatal ao exercer a atividade de fiscalização já foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal que sedimentou a seguinte ementa “A circunstância de a administração estatal achar-se investida de poderes excepcionais que lhe permitem exercer a fiscalização em sede tributária não a exonera do dever de observar, para efeito do legítimo desempenho de tais prerrogativas, os limites impostos pela Constituição e pelas leis da República, sob pena de os órgãos governamentais incidirem em frontal desrespeito às garantias constitucionalmente asseguradas aos cidadãos em geral e aos contribuintes em particular. (STF. HC 82788 / RJ. Rel.: Min. Celso de Mello. 2ª Turma. Decisão: 12/04/05. DJ de 02/06/06, p. 43.)
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contribuinte e de treinamento do próprio pessoal administrativo, porque a legislação tributária deve ser observada tanto pelo contribuinte quanto pelo poder público4”. Por seu turno, a sujeição ao poder da fiscalização se consubstancia na obrigação do contribuinte em tolerar a fiscalização, sendo certo que a mesma se revela como uma obrigação acessória, que independe da existência de obrigação principal. Dessa forma, então o indivíduo pode ser imune, pode ser isento, pode não ter praticado o fato gerador, pode ser pessoa física ou jurídica, que vai estar submetido à fiscalização5. O artigo 195 6 do CTN excepciona a proteção dada pela legislação comercial aos livros e registros do comerciante, na medida em que estabelece que não tenha aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos e etc. É evidente que a análise e o exame outorgados à Administração Tributária compreende não somente os livros obrigatórios, como também
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ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio F. da. “Manual de Direito Financeiro e Tributário. 19. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 579. Sobre o tema, registre-se o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça: ADMINISTRADORA DE SHOPPING CENTER – EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS LABORADOS COM BASE NOS RELATÓRIOS DE VENDAS DAS LOJAS ADMINISTRADAS -OBRIGATORIEDADE – ARTIGOS 195, CAPUT E 197, INCISO III DO CTN. O dever de prestar informações à autoridade fiscal não se restringe ao sujeito passivo das obrigações tributárias, ou seja, o contribuinte ou responsável tributário, alcançando também a terceiros, na forma prevista em lei. Dispõe o artigo 195, caput do CTN que, “para efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais dos comerciantes, industriais, ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los”. Impõe o artigo 197 do mesmo Codex, por seu turno, obrigação a terceiros de fornecer dados que auxiliem a atuação dos auditores fiscais, inserindo-se, dentre as pessoas jurídicas elencadas, empresas da modalidade da recorrente, administradora das lojas do Shopping Conjunto Nacional, situado nesta capital. Forçoso concluir, dessarte, que não merece censura o v. acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Como bem ponderou o ilustre revisor da apelação, “a apelante dispõe de documentos comerciais que permitem ao fisco verificar possíveis irregularidades e mesmo evasão fiscal. A sua recusa não é legítima. Pouco importa não seja contribuinte do ICMS. Há obrigação dela em fornecer os documentos. É o que estabelece o artigo 197 do CTN, segundo o qual as administradoras de bens – caso da impetrante – estão obrigadas a prestar, à autoridade administrativa, todas as informações que dispõe quanto aos bens, negócios ou atividades de terceiros”. Recurso especial não provido. (REsp nº 201459 / DF, Relator Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 03.09.2007) Artigo 195. Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais, dos comerciantes industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los.
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aqueles livros e documentos que não sejam obrigatórios, independente de autorização judicial7. Todavia, como adverte Hugo de Brito Machado8 “se um agente fiscal encontra um livro caixa, por exemplo, no escritório de uma empresa, tem o direito e examiná-lo mesmo se tratando de livro não obrigatório. Entretanto, se o contribuinte afirma não possuir livro caixa, ou razão, ou qualquer outro, não obrigatório, evidentemente que não estará sujeito a sanção alguma. Não sendo legalmente obrigado a possuir determinado livro, ou documento, obviamente não pode ser obrigado a exibi-lo. Entretanto, se o de fato o possui, tanto que o fiscal o viu, não pode impedir seu exame”. Sobre o tema, é importante esclarecer que, não obstante a liberdade de análise de documentos pela Administração Tributária, todas as diligências e exames de documentos praticados devem guardar relação estreita com o escopo da fiscalização, sob pena de violação do que dispõe a súmula 4399 do Supremo Tribunal Federal. O parágrafo único do artigo 19510 do CTN estabelece ainda que o contribuinte deve guardar os livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados até que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes das operações a que se refiram11.
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Criminal. HC. sonegação fiscal. nulidade de processos, fundados em livros contábeis e notas fiscais apreendidos pelos agentes de fiscalização fazendária, sem mandado judicial. documentos não acobertados por sigilo e de apresentação obrigatória. poder de fiscalização dos agentes fazendários. ilegalidade não evidenciada. precedente. ordem denegada. I. Os documentos e livros que se relacionam com a contabilidade da empresa não estão protegidos por nenhum tipo de sigilo e são, inclusive, de apresentação obrigatória por ocasião das atividades fiscais. II. Tendo em vista o poder de fiscalização assegurado aos agentes fazendários e o caráter público dos livros contábeis e notas fiscais, sua apreensão, durante a fiscalização, não representa nenhuma ilegalidade. Precedente. III. Ordem denegada. (HC nº 18612 / RJ, Relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma do STJ, DJ: 17/03/2003) MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28. ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2007, p. 271. Súmula 439 – estão sujeitos à fiscalização tributária ou previdenciária quaisquer livros comerciais, limitado o exame aos pontos objeto da investigação. Artigo 195 – (...) Parágrafo único. Os livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados serão conservados até que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes das operações a que se refiram. Até a edição da Medida Provisória nº 449/2009, posteriormente convertida na Lei nº 11.941/ 09 o artigo 31, §11º da Lei nº 8.212/91 estabelecia que o contribuinte deveria arquivar os documentos comprobatórios do cumprimento das obrigações durante dez anos, à disposição da fiscalização. Com a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal dos artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/91 que estabelecia, respectivamente, o prazo de dez anos para o lançamento e dez anos para a cobrança das contribuições previdenciárias a manutenção do prazo de dez anos para o arquivamento de documentos perdeu o sentido.
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Não obstante o texto do CTN somente se refira à prescrição, omitindose com relação à decadência, é de natural obviedade que os documentos referentes ao crédito tributário somente devem ser arquivados pelo contribuinte nas hipóteses onde o crédito tributário ainda possa ser exigido, seja pela constituição definitiva por meio do lançamento, ou pela cobrança utilizandose de execução fiscal12. As autoridades administrativas federais poderão requisitar o auxilio de força pública federal, estadual ou municipal, e reciprocamente, na hipótese de sofrerem embaraço ou desacato no exercício de suas funções, ou quando necessária a efetivação de medida prevista na legislação tributária, ainda que não se configure fato definido em lei como crime ou contravenção13. Á utilização da mencionada força policial não exclui a possibilidade de multa pela legislação tributária pela recusa do contribuinte em apresentar documentos solicitados pela administração tributária, tampouco exclui a possibilidade de que o ente público, não obstante a prerrogativa do artigo 200 do CTN, maneje ação de exibição de documentos contra o contribuinte com o objetivo de ter acesso a determinado documento14.
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Conforme narra o aresto recorrido, os fatos geradores dos tributos relativos ao IRPJ e à CSLL ocorreram no ano-base de 1995, tendo a recorrente recebido o Termo de Solicitação para a exibição do Livro de Apuração do Lucro Real no ano de 1999, portanto, antes de consumado o prazo decadencial. Desse modo, persiste o dever do contribuinte de preservar e exibir o referido livro, consoante prevê o art. 195 do CTN, eis que os créditos tributários decorrentes das operações a que se refere ainda não foram alcançados pela decadência. (REsp 643329 / PR. Rel.: Min. José Delgado. Primeira Turma do STJ. Decisão: 21/09/04. DJ de 18/10/04, p. 195) Artigo 200. As autoridades administrativas federais poderão requisitar o auxílio da força pública federal, estadual ou municipal, e reciprocamente, quando vítimas de embaraço ou desacato no exercício de suas funções, ou quando necessário à efetivação dê medida prevista na legislação tributária, ainda que não se configure fato definido em lei como crime ou contravenção. TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS.RESISTÊNCIA DO CONTRIBUINTE. INTERESSE DE AGIR DO MUNICÍPIO. RECURSOESPECIAL PELA LETRA ‘C” CONHECIDO E PROVIDO. 1. Cuida-se de recurso especial pela alínea “c” da permissão constitucional contra acórdão que extinguiu ação de exibição de documentos proposta pela municipalidade sob o fundamento de ausência de interesse para agir em face do que dispõe o artigo 195 combinado com o artigo 200, ambos do CTN, os quais garantem ao Fisco o direito de ampla investigação sobre livros e demais documentos comerciais e fiscais do contribuinte. Sem contra-razões. 2. A faculdade conferida à Fazenda Pública para determinar a exibição da documentação que julgar necessária no exercício de sua função de fiscalização tributária, não lhe retira o interesse de propor ação judicial caso encontre resistência do contribuinte em a fornecer. Inexiste no ordenamento jurídico disposição que impeça, ao contrário, contempla a legislação pátria a possibilidade do manejo da ação exibitória de documentos, uma vez que, como assinalado anteriormente, a faculdade conferida pelos dispositivos legais insertos nos artigos 195 e 200 do Código Tributário Nacional não pode ser utilizada como fator de obstáculo ao exercício do múnus público do Estado; pois, quem pode o mais, pode o menos. 3. O interesse de agir evidencia-se na necessidade de o município ter acesso à documentação da empresa para obter os esclarecimentos necessários à elucidação de vários procedimentos adotados pela recorrida na escrituração de suas contas.
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Por outro lado, é necessário que a administração tributária aja com parcimônia, sob pena de configurar abusos de autoridade, conforme assentou Miguel João Ferreira de Quadros15 “é compreensível que a autoridade requisite força policial para a efetivação de certos atos (por exemplo, bloqueio de estrada para verificação de mercadorias em trânsito), ou em casos de desacato, mas isso não tem sentido quando se trate de puro e simples embaraço à fiscalização, através da sonegação de livros e documentos”. Acerca do abuso de autoridade por parte dos agentes fiscais Leandro Paulsen16 esclarece que “o STF tem entendido que, inobstante a prerrogativa do Fisco de solicitar e analisar documentos, os agentes fiscais só podem ingressar em escritório de empresa quando autorizados (pelo proprietário, gerente ou preposto). Em caso de recusa, não podem os agentes simplesmente requerer auxílio de força policial, eis que, forte na garantia de inviolabilidade do domicílio, oponível também ao Fisco, a medida dependerá de autorização judicial”. Conforme dispõe o artigo 19617 do CTN, o agente da administração tributária que proceder qualquer diligência de fiscalização tem o dever de lavrar os respectivos termos para registrar o início da fiscalização, estabelecendo, ainda, o prazo para sua conclusão. A definição de um prazo razoável para a duração da fiscalização observa o princípio constitucional da razoabilidade na medida em que a atuação da administração tributária não podem causar transtornos desnecessários aos contribuintes18, sendo certo, ainda que eventuais prorrogações devem ser devidamente fundamentadas, sob pena de nulidade do auto de infração, por
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4. Recurso especial provido para reconhecer o interesse de agir do município devendo os autos retornarem ao Tribunal a quo para que seja julgado o mérito da apelação. (REsp nº 1010920 / RS, Relator Ministro José Delgado, Primeira Turma do STJ, DJ: 23/06/2008) QUADROS, Miguel João Ferreira de. Administração Tributária. In: Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Bushatsky, 1976. v. 4. p. 282. PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 1352. Artigo 196. A autoridade administrativa que proceder ou presidir a quaisquer diligências de fiscalização lavrará os termos necessários para que se documente o início do procedimento, na forma da legislação aplicável, que fixará prazo máximo para a conclusão daquelas. O Código Tributário Nacional, em seu art. 196, indica, de forma indireta, que não pode ficar ao arbítrio da autoridade estatal a decisão de concluir ou não a diligência fiscalizatória, sob pena de turbar-se o direito ao livre exercício de atividade profissional conferido aos seus administrados. Todo poder discricionário conferido ao agente governamental encontrase limitado pelos preceitos contidos na lei, de modo que a conveniência e a oportunidade de proceder a qualquer fiscalização, bem como as suas prorrogações, também deverão encontrar-se subsumidas aos ditames traçados pela legislação tributária.” (TRF-2ª Região. AG 2001.02.01.032138-0/RJ. Rel.: Des. Federal Ricardo Regueira. 1ª Turma. Decisão: 25/ 02/02. DJ de 02/05/02.)
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violar a parte final do artigo 3º do CTN, quando prescreve que a prestação tributária corresponde a atividade administrativa vinculada19. A administração pública deve obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (artigo 37 20 da Constituição Federal), não havendo margem de dúvida de que não basta serem observados os requisitos formais e materiais dos atos administrativos para que possam ser providos de eficácia, pois, necessariamente, requer-se observância a um plus constitucional, qual seja, obediência às normas morais que regem o ato público21. Registre-se que o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou nesse sentido, no julgamento do MS nº 10092-DF22 , 1ª Seção, Rel. Ministro Franciulli Netto, DJ 22.6.2005. De acordo com James Marins23, “disciplinar a relação jurídica subjacente à atividade de fiscalização implica determinar as prerrogativas e limites da ação investigatória estatal em relação ao indivíduo. A atividade de fiscalização insere-se no conjunto das atividades que dizem respeito à Administração Tributária que necessariamente deve contar com mecanismos e instrumentos aptos a otimizar a arrecadação, mas, sem que haja – jamais – o sacrifício das garantias individuais que alicerçam o ordenamento constitucional e tributário”. O artigo 19724 do CTN indica as pessoas que, mediante intimação escrita, devem prestar à autoridade fiscal todas as informações que se refiram a bens, negócios ou atividades de terceiros.
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MACHADO, Hugo de Brito. Ob citada. p. 213. Artigo 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. São Paulo. Dialética. 2003, p. 283. (...) “ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA. ATRASO NA CONCESSÃO. INDENIZAÇÃO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. ART. 45 DA LEI nº 9.784/99. Ao processo administrativo devem ser aplicados os princípios constitucionais insculpidos no artigo 37 da Carta Magna. É dever da Administração Pública pautar seus atos dentro dos princípios constitucionais, notadamente pelo princípio da eficiência, que se concretiza também pelo cumprimento dos prazos legalmente determinados. Não demonstrado óbices que justifiquem a demora na concessão da aposentadoria requerida pela servidora, restam feridos os princípios constitucionais elencados no artigo 37 da Carta Magna. Legítimo o pagamento de indenização, em razão de injustificada demora na concessão da aposentadoria. Recurso especial provido.” MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética, 2005. p. 255. Artigo 197. Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros: I – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício; II – os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras; III – as empresas de administração de bens;
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É evidente que o dever de informar previsto no referido artigo é limitado pelo sigilo profissional25, razão pela qual não se estende aos fatos sobre os quais pese a observância legal de sigilo profissional26, sob pena, inclusive, de sanções penais ao profissional que revelá-las27. A precitada restrição se aplica aos advogados28 que possuem o direito e o dever de não depor sobre fatos dos quais tenham tomado conhecimento no exercício da advocacia. Dessa forma, podemos concluir que o dever ou obrigação “não pode ingressar no secreto vínculo que se estabelece no exercício de certas profissões, em que a própria lei que as regula veda terminantemente a quebra do sigilo. (...) O psicólogo, o médico, o advogado, o sacerdote e tantas outras pessoas que, em virtude de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão tornam-se depositárias de confidências, muitas vezes relevantíssimas para o interesse do fisco, não estão cometidas do dever prestar informações previstas no artigo 197 do CTN”29.
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IV – os corretores, leiloeiros e despachantes oficiais; V – os inventariantes; VI – os síndicos, comissários e liquidatários; VII – quaisquer outras entidades ou pessoas que a lei designe, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão. Parágrafo único. A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações quanto a fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão. A prestação de informações, assim como a apreensão de documentos e equipamentos, constituem instrumentos indispensáveis à atividade fiscalizatória do Estado, nos termos do art. 197 do CTN e dos arts. 34 a 36 da Lei 9.430. O poder de investigação do Poder Público é dirigido a coibir atividades violadoras à ordem jurídica, e a garantia de privacidade e o sigilo não se estendem às atividades ilícitas. Todavia, a própria lei ressalva o sigilo profissional, eximindo aqueles que estejam legalmente obrigados a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão de prestar informações quanto aos respectivos fatos. (TRF-4ª Região. REO 2001.04.01.036392-4/RS. Rel.: Des. Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha. 1ª Turma. Decisão: 28/06/06. DJ de 16/08/06, p. 375.) Artigo 154 do Código Penal – Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa. Parágrafo único – Somente se procede mediante representação. Artigo 325 do Código Penal – Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave. Lei nº 8.906/94 Artigo 7. são direitos do advogado: (...) XIX – recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional; CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 14. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002, p. 531/532.
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Em contrapartida às garantias de sigilo profissional do contribuinte, está a vedação à divulgação por parte da administração tributária ou de seus funcionários, das informações obtidas em razão do ofício, isto é, obtida em razão da atividade de fiscalização e administração tributária acerca da situação econômica ou financeira dos contribuintes30, terceiros e sobre a natureza ou estado de seus negócios ou atividades, conforme estabelece o artigo 19831 do CTN. A exemplo do que ocorre com o sigilo profissional, a inobservância do sigilo funcional pelo agente pública é passível de sanção penal prevista no Código Penal32, sendo certo tal ato legitima o contribuinte a buscar o ressarcimento em razão dos danos que lhe forem causados33. Todavia, a referida regra comporta exceções34, relativas à requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça35 e solicitação de autoridade
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A teor do disposto no art. 198 do CTN, a impossibilidade de fornecimento de informações pela Fazenda Pública restringe-se àquelas que digam respeito à situação econômica ou financeira da empresa requerente. (STJ. REsp 584958/PE. Rel.: Min. João Otávio de Noronha. 2ª Turma. Decisão: 27/02/07. DJ de 16/03/07, p. 332.) Artigo 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. (Redação dada pela Lcp nº 104, de 10.1.2001). Artigo 325 do Código Penal – Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave. O artigo 37, § 6° da Constituição Federal de 1988 estabeleceu que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. O referido dispositivo constitucional estabelece a chamada responsabilidade objetiva pelo risco administrativo que, na lição do saudoso Prof. Hely Lopes Meireles “faz surgir a obrigação de indenizar o dano do ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige qualquer falta do serviço público, nem a culpa de seus agentes.” A responsabilidade, registre-se, será da pessoa jurídica de direito público (União, Estados, Municípios, Distrito Federal ou suas autarquias) cujo órgão ou agente tenha, porventura, causado danos a terceiros. (MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. Editora Malheiros. p. 619/620) Artigo 198 – (...) § 1º Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no artigo 199, os seguintes:(Redação dada pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça; (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) § 2º O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001). Prevê o art. 198 do Código Tributário Nacional que o juiz poderá, excepcionalmente, e desde que ocorrente interesse da justiça, requisitar informações de caráter sigiloso junto à
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administrativa desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere à informação, por prática de infração administrativa. De igual modo, conforme estabelece o parágrafo terceiro36 do artigo 198 do CTN, não são vedadas divulgação de informações referentes a representações fiscais para fins penais, inscrições em dívida ativa e parcelamentos. O sigilo funcional também não proíbe a transferência e o intercâmbio de informações entre a União, Estados e Municípios, estando a prestação de assistência mútua e a troca de informações garantidas pelo artigo 19937 do CTN, que prevê a necessidade de edição de Lei ou convênio38 entre os órgãos. Não obstante a previsão que autoriza a troca de informações entre as fazendas públicas, não se admite, conforme leciona Paulo de Barros Carvalho39 “que uma Fazenda Pública se utilize os dados levantados e a ela informados por uma outra Fazenda para fins de autuação de contribuintes, como se fosse uma prova emprestada. Haja vista que a informação recebida não possui valor probatório, a Fazenda, baseada em tais dados, deve proceder à fiscalização própria e instaurar o devido processo administrativo”40.
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Administração Fazendária. (TRF-1ª Região. AG 2000.01.00.123555-8/MG. Rel. Juíza Daniele Maranhão Costa (convocada). 7ª Turma. Decisão: 05/06/06. DJ de 21/07/06, p. 68.) § 3º Não é vedada a divulgação de informações relativas a: (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) I – representações fiscais para fins penais; (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) III – parcelamento ou moratória. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) Artigo 199. A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio. I – A capacidade tributária ativa permite delegação quanto às atividades administrativas, com a troca de informações e aproveitamento de atos de fiscalização entre as entidades estatais (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).II. Atribuição cooperativa que só se perfaz por lei ou convênio. (STJ. REsp 310210/MG. Rel.: Min. Eliana Calmon. 2ª Turma. Decisão: 20/08/ 02. DJ de 04/11/02, p. 179.) CARVALHO, Paulo de Barros. Ob citada. p. 533. Sobre a questão, transcrevemos ementa de acórdão proferido pelo Ministra Eliana Calmon, da Segunda Turma do STJ: TRIBUTÁRIO – PROVA EMPRESTADA – FISCO ESTADUAL X FISCO FEDERAL (ARTS. 7º E 199 DO CTN).1. A capacidade tributária ativa permite delegação quanto às atividades administrativas, com a troca de informações e aproveitamento de atos de fiscalização entre as entidades estatais (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). 2. Atribuição cooperativa que só se perfaz por lei ou convênio. 3. Prova emprestada do Fisco Estadual pela Receita Federal que se mostra inservível para comprovar omissão de receita. 4. Recurso especial improvido. (REsp nº 310210 / MG, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma do STJ, DJ: DJ 04/11/2002)
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Depois de encerrado o prazo para o contribuinte adimplir o tributo devido41, incumbe à Fazenda Pública a inscrição do referido crédito em dívida ativa, conforme estabelece o artigo 20142 do CTN. A inscrição do crédito em dívida ativa é um requisito da dívida tributária, na medida em que, a partir desse momento, torna-se possível promover, por meio do ajuizamento de execução fiscal43, a cobrança do referido crédito tributário, nos termos da Lei nº 6.830/80. Conforme leciona Paulo de Barros Carvalho44 “a inscrição em dívida ativa tem por escopo a constituição unilateral do título executivo que servirá de base para a cobrança judicial dos créditos não pagos à Fazenda Pública. Disso resulta que a certidão de dívida ativa é o único dos títulos executivos extrajudiciais em que não há a necessidade da assinatura do devedor, existindo a partir de ato unilateral do credor”. Registre-se, ainda, que a fluência de juros de mora não prejudica a liquidez do título inscrito em dívida ativa, conforme estabelece o parágrafo único do artigo 201 do CTN45. O termo de inscrição da dívida ativa, conforme previsto no artigo 20246 do CTN, deve ser autenticado pela autoridade competente, e indicará
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Dispõe o art. 201 do Código Tributário Nacional que a dívida tributária só pode ser inscrita depois de esgotado o prazo fixado para pagamento, por lei ou por decisão final proferida em processo regular. II. Verifica-se a nulidade do lançamento fiscal pela inobservância do regular procedimento administrativo tributário, que inobservou o direito à ampla defesa da embargante. (TRF-1ª Região. REO 2002.01.99.024217-1/RO. Rel.: Des. Federal Carlos Fernando Mathias. 8ª Turma. Decisão: 24/04/07. DJ de 18/05/07, p. 148.) Artigo 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular. O termo de inscrição da dívida ativa (CDA) tem função precípua de materializar a dívida ativa tributária regularmente inscrita na repartição administrativa, nos termos do art. 201 do CTN, instrumentalizando pertinente ação executória fiscal pela Fazenda Pública. (TRF-2ª Região. AC 2001.02.01.009237-7/RJ. Rel.: Des. Federal Sérgio Schwaitzer. 6ª Turma. Decisão: 20/06/01. DJ de 18/02/03, p. 431.) CARVALHO, Paulo de Barros. Ob citada. p. 534. Artigo 201 – (...) Parágrafo único. A fluência de juros de mora não exclui, para os efeitos deste artigo, a liquidez do crédito. Artigo 202. O termo de inscrição da dívida ativa, autenticado pela autoridade competente, indicará obrigatoriamente: I – o nome do devedor e, sendo caso, o dos co-responsáveis, bem como, sempre que possível, o domicílio ou a residência de um e de outros; II – a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora acrescidos; III – a origem e natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da lei em que seja fundado; IV – a data em que foi inscrita;
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obrigatoriamente: a) o nome do devedor e, sendo caso, o dos co-responsáveis, bem como, sempre que possível, o domicílio ou a residência de um e de outros; b) a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora acrescidos; c) a origem e a natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da lei em que seja fundado, d) a data em que foi inscrita; e) sendo caso, o número do processo administrativo de que se originar o crédito. A certidão de inscrição da dívida ativa, além de conter os requisitos citados nas letras “a” a “e” anteriores47, deverá indicar o livro e a folha da inscrição. Releva assinalar que a omissão de quaisquer desses requisitos ou o erro a eles relativo são causas de nulidade da inscrição e do processo de cobrança dela decorrente, sendo certo que a nulidade poderá ser sanada até a decisão de primeira instância48, mediante substituição da certidão nula, devolvido ao sujeito passivo, acusado ou interessado, o prazo para defesa, que somente poderá versar sobre a parte modificada, nos termos do artigo 20349 do CTN. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída. Essa presunção é relativa (juris tantum)
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V – sendo caso, o número do processo administrativo de que se originar o crédito. Parágrafo único. A certidão conterá, além dos requisitos deste artigo, a indicação do livro e da folha da inscrição. I. Conforme preconizam os arts. 202 do CTN e 2º, § 5º, da Lei 6.830/80, a inscrição da dívida ativa somente gera presunção de liquidez e certeza na medida que contenha todas as exigências legais, inclusive a indicação da natureza do débito e sua fundamentação legal, bem como forma de cálculo de juros e de correção monetária. II. A finalidade desta regra de constituição do título é atribuir à CDA a certeza e liquidez inerentes aos títulos de crédito, o que confere ao executado elementos para opor embargos, obstando execuções arbitrárias. (STJ. AGA 485548/RJ. Rel.: Min. Luiz Fux. 1ª Turma. Decisão: 06/05/03. DJ de 19/05/03, p. 145.) PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. NULIDADE DA CDA. IRREGULARIDADE QUE PODE SER SANADA ATÉ A SENTENÇA. PRECLUSÃO. FUNDAMENTO NÃO INFIRMADO NO AGRAVO REGIMENTAL INTERPOSTO CONTRA A DECISÃO QUE NEGA SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. I – O agravante interpôs recurso especial contra acórdão que julga extinta a execução embasada em CDA nula. Negou-se seguimento ao recurso, porquanto a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, amparada na Lei de Execuções Fiscais, é no sentido de que a correção de eventual irregularidade do título só pode ser efetuada até a decisão de primeiro grau. No caso, todavia, a sentença já havia sido prolatada e, por isso, estava preclusa a faculdade de se postular a emenda. II – O fundamento da preclusão não foi especificamente atacado no agravo, o que atrai a incidência da Súmula nº 182 deste Tribunal. III – Agravo regimental não conhecido. (AgRg no REsp 831938 / RS, Relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma do STJ, DJ: 24/08/06) Artigo – 203. A omissão de quaisquer dos requisitos previstos no artigo anterior, ou o erro a eles relativo, são causas de nulidade da inscrição e do processo de cobrança dela decorrente, mas a nulidade poderá ser sanada até a decisão de primeira instância, mediante substituição da certidão nula, devolvido ao sujeito passivo, acusado ou interessado o prazo para defesa, que somente poderá versar sobre a parte modificada.
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e pode ser ilidida por prova inequívoca50, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite, conforme dispõe o artigo 20451 do CTN. A presunção de legitimidade dos atos administrativos, conforme assevera José Eduardo de Melo 52 , “insere-e no regime jurídico do direito administrativo, mas, de nenhuma forma, pode constituir-se em presunção absoluta. Para tanto, ao sujeito passivo são concedidos todos os meios de defesa (pela via de embargos à execução53), em que poderá demonstrar a ilegitimidade (parcial ou total) da cobrança tributária, mediante o oferecimento de quaisquer meios de prova (documental, testemunhal, etc.). Para tanto, tem direito a requisitar o processo administrativo correspondente à inscrição em dívida ativa bem como apresentar elementos complementares, que pode redundar na injuridicidade dos atos administrativos concernentes ao lançamento, inscrição e créditos tributários”. Conforme explicita o artigo 20554 do CTN a lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feito por meio de certidão negativa, expedida em razão de requerimento do interessado. O CTN estabeleceu três hipóteses para a exigência de certidão negativa: a) nos casos de extinção das obrigações do falido e a concessão de recuperação
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AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. CDA. DESCONSTITUIÇÃO. ÔNUS DA PROVA DO EXECUTADO. PRESUNÇÃO DE CERTEZA E LIQÜIDEZ DA CDA. A certidão da dívida ativa, sabem-no todos, goza de presunção juris tantum de liqüidez e certeza. “A certeza diz com os sujeitos da relação jurídica (credor e devedor), bem como com a natureza do direito (direito de crédito) e o objeto devido (pecúnia)” (in Código Tributário Nacional comentado. São Paulo: RT, 1999, p. 786), podendo ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou de terceiro a que aproveite, nos termos do parágrafo único do artigo 204 do CTN, reproduzido no artigo 3º da Lei n. 6.830/80, e não deve o magistrado impor ao exeqüente gravame não-contemplado pela legislação de regência. Agravo regimental a que se dá provimento, para, de igual modo, dar provimento ao recurso especial. (AgRg no Ag 482046 / RS, Relator Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma do STJ, DJ: DJ 06/02/2006) Artigo 204. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída. Parágrafo único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite. MELO, José Eduardo Soares de. Ob. Citada. p. 293. Nas hipóteses em que a matéria de defesa seja somente de direito prescindindo de dilação probatória o contribuinte pode manejar exceção de pré-executividade. Artigo 205. A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido. Parágrafo único. A certidão negativa será sempre expedida nos termos em que tenha sido requerida e será fornecida dentro de 10 (dez) dias da data da entrada do requerimento na repartição.
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judicial55; para a prolação de sentença de julgamento de partilha e adjudicação56 e c) para a participação em concorrências públicas57. A referida certidão negativa conterá todas as informações necessárias à identificação do contribuinte, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade, informando, ainda, o período a que se refere o pedido, sendo certo que a certidão deverá ser expedida após o prazo de dez dias úteis do requerimento do contribuinte. Na hipótese de que a certidão não seja expedida no prazo de dez dias o contribuinte poderá buscar o cumprimento do referido prazo por meio da impetração de mandado de segurança, haja vista a garantia constitucional contida no artigo 5º, XXXIV, “b” da Constituição Federal. Releva assinalar que a impetração de mandado de segurança somente se justifica na hipótese em que a Administração Tributária não expeça nenhuma resposta em face do requerimento formulado pelo contribuinte, ou seja, na situação em que a Autoridade Fazendária indeferira o pedido de certidão. Por seu turno, a expedição de certidão positiva pela Autoridade Fazendária no prazo de dez dias do requerimento formulado, indicando a existência de débitos exigíveis em face do contribuinte não justifica, por si, só, a impetração de mandado de segurança. Em muitas hipóteses, muito embora o contribuinte possua débitos exigíveis, que impeçam a expedição de certidão negativa, a suspensão da exigibilidade de tais débitos nos termos do artigo 151 do CTN ou o oferecimento de penhora em execução fiscal possibilitam ao contribuinte a obtenção de certidão positiva com efeitos de negativa58, nos termos do artigo 20659 do CTN.
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Artigo. 191. A extinção das obrigações do falido requer prova de quitação de todos os tributos. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005) Artigo. 191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) Artigo. 192. Nenhuma sentença de julgamento de partilha ou adjudicação será proferida sem prova da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio, ou às suas rendas. Artigo. 193. Salvo quando expressamente autorizado por lei, nenhum departamento da administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, ou dos Municípios, ou sua autarquia, celebrará contrato ou aceitará proposta em concorrência pública sem que o contratante ou proponente faça prova da quitação de todos os tributos devidos à Fazenda Pública interessada, relativos à atividade em cujo exercício contrata ou concorre. I. Contribuinte tem direito à certidão negativa de débito (CND – art. 205 do CTN), quando em seu nome não constar nenhum débito tributário inscrito para com o Fisco e tem direito a obter a certidão positiva com efeito de negativa (art. 206 do CTN), quando, mesmo havendo o débito tributário, este estiver com a sua exigibilidade suspensa, em decorrência de alguma das hipóteses previstas no art. 151 do CTN. (TRF-1ª Região. REO 1999.01.00.122459-2/BA. Rel.: Juíza Gilda Sigmaringa Seixas (convocada). 2ª Turma Suplementar. Decisão: 05/08/03. DJ de 04/09/03, p. 97.). Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.
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Por seu turno, em alguns casos, não obstante não existam débitos constituídos contra o contribuinte, a administração tributária se recusa a emitir a certidão negativa sob o fundamento do não cumprimento de obrigações acessórias, como DCTF, DIPJ ou GFIPs. Da análise do texto contido no artigo 205 do CTN podemos concluir que somente os débitos efetivamente exigíveis, isto é, definitivamente constituídos contra o contribuinte podem impedir a expedição da certidão negativa, não havendo razões para que o mero inadimplemento de dever instrumental, concernente à entrega de declaração, possa impedir a expedição de certidão negativa60. O artigo 20761 do CTN estabelece que, independente de disposição legal permissiva, ante situações onde exista risco de caducidade de direito será dispensada a comprovação da quitação de tributos, respondendo os participantes no ato pelo tributo porventura devido, juros de mora e penalidades cabíveis, exceto as relativas a infrações cuja responsabilidade seja pessoal ao infrator. Conforme leciona Hugo de Brito Machado, “a expressão “todos os participantes do ato” deve ser entendida em termos. Nela não se incluem, por exemplo, numa venda de imóvel, os oficiais de registros públicos, nem os eventuais procuradores das partes. Todos os participantes do ato, para os fins do artigo 207 do Código, são todos os que nesse ato tenham interesse e que com sua prática tenham aumentado sua capacidade contributiva, obtenham algum
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PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. DISPOSITIVO LEGAL NÃOPREQUESTIONADO. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. INEXISTÊNCIA DE LANÇAMENTO. DIREITO À CND. 1. Ausência de prequestionamento do art. 32, § 10, da Lei n. 8.212/91. Aplicação das Súmulas 282/STF e 211/STJ. 2. O STJ firmou a orientação no sentido de que se o lançamento se efetivar pela DCTF, GFIP ou documento equivalente constituirá diretamente o crédito tributário. Precedentes. 3. A mera alegação de descumprimento de obrigação acessória consistente na entrega de Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social (GFIP) não legitima, por si só, a recusa do fornecimento de certidão de regularidade fiscal (Certidão Negativa de Débitos – CND), porquanto faz-se necessário verter o fato jurídico tributário em linguagem jurídica competente (vale dizer, auto de infração jurisdicizando o inadimplemento do dever instrumental, constituindo o contribuinte em mora com o Fisco) apta a produzir efeitos obstativos ao deferimento de prova de inexistência de débito tributário. 4. No caso dos autos não houve apresentação da DCTF. Caberia ao Fisco, neste caso, promover o lançamento de ofício ante a omissão do contribuinte, nos termos do art. 149, II, do CTN. Logo, não tendo sido constituído devidamente o crédito, legítimo o direito à certidão negativa de débito. 5. Recurso especial não-provido. (REsp 1074307/RS, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma do STJ, DJ: 17/02/2009. Artigo. 207. Independentemente de disposição legal permissiva, será dispensada a prova de quitação de tributos, ou o seu suprimento, quando se tratar de prática de ato indispensável para evitar a caducidade de direito, respondendo, porém, todos os participantes no ato pelo tributo porventura devido, juros de mora e penalidades cabíveis, exceto as relativas a infrações cuja responsabilidade seja pessoal ao infrator.
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acréscimo patrimonial. Ressalte-se, outrossim, que essa responsabilidade é subsidiária, supletiva da responsabilidade do contribuinte, que não desaparece62”. Por fim, o artigo 208 63 do CTN estabelece a perspectiva de responsabilidade do agente público nos casos em que a certidão negativa for expedida com dolo ou fraude64, respondendo aquele pelo crédito tributário atualizado, sem prejuízo de posterior responsabilidade na esfera criminal.
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MACHADO, Hugo de Brito. Ob citada. p. 282. Artigo 208. A certidão negativa expedida com dolo ou fraude, que contenha erro contra a Fazenda Pública, responsabiliza pessoalmente o funcionário que a expedir, pelo crédito tributário e juros de mora acrescidos. Parágrafo único. O disposto neste artigo não exclui a responsabilidade criminal e funcional que no caso couber. .... Embora seja assegurado constitucionalmente o direito à obtenção de certidão junto às repartições públicas, o seu conteúdo dependerá da situação fática apresentada, pois o funcionário pode ser responsabilizado pessoalmente caso a expeça com dolo ou fraude, apontando erro contra a Fazenda Pública ou até mesmo omitindo fato relevante de que tenha conhecimento, a teor do disposto no art. 208 do CTN. (TRF-3ª Região. AMS 2005.61.00.017856-0/SP. Rel.: Des. Federal Miguel Di Pierro. 6ª Turma. Decisão: 28/03/07. DJ de 30/07/07, p. 476.)
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ESTE LIVRO FOI COMPOSTO EM FONTE ACASLON REGULAR 11/14 E IMPRESSO EM PAPEL PÓLEN 70 G/M2 NAS OFICINAS DA GRÁFICA PAYM
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