A Crítica Feminista da Ciência e o Desafio da Epistemologia Social – Kenneth J. Gergen p.48-67
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O Pensamento Feminista e a Estrutura do Conhecimento Mary Mc Canney Gergen- Ed. Cap. 3 Não podemos falar acerca de “mulheres e ciência” ou de “mulheres e conhecimento” sem explorar os diferentes significados e práticas acumuladas na vida de alguém que é uma mulher numa singular intersecção histórica de raça, classe e cultura. Sandra Harding
Prof.a Dra. Lelinana Santos de Sousa Marisa Oliveira- Aluna Especial Salvador-BA Set. 2008
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Objetivo do capítulo: Questionar e entender como é conduzida a ciência empírica através da análise da produção do conhecimento feminista contemporâneo Ponto de partida:
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“O conhecimento feminista cada vez mais provoca deslocamentos. Oferece um desafio radical para o sentido de identidade da pessoa, para a sua visão das relações humanas e concepção de sociedade e da relação desta com a natureza”.
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Exemplo: O Conhecimento Tradicional é visto pelas feministas como saturado de perspectivas e valores masculinos que serve a esses interesses e sustenta a dominação masculina. “Estas
críticas abrem a porta a um profundo questionamento dos próprios fundamentos da ciência empírica em si.¹” (Harding S. 1986)
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MANUAL Regras Metodológic as da Ciência Empírica •Especificar os fenômenos a serem observaveis; •Empregar procedimentos rigorosos de amostragem; •Desenvolver dispositivos padronizados de medição; •Controlar as variáveis relevantes; •Por a prova as hipóteses através de testes dedutivos; •Fornecer análises estatísticas
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1. As Feministas questionam as premissas que estruturam a prória lógica da investigação empiricista ¹(p. 50) Uma vez que um investigador adotou uma dada ontologia, esse sistema de orientação determina o que é considerado como relevante; os dados não podem corrigir ou falsificar a ontologia porque todos aqueles que foram coletados dentro dessa perspectiva só podem ser compreendidos em seus termos. Atacar o processo científico em função de sua préestrutura preconceituosa da compreensão não é meramente questionar o uso tradicional do método científico, mas a adequação básica do próprio método.
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Apesar das tentativas do empiricismo de separar nitidamente fatos e valores, parece ser impossível alcançar a neutralidade em relação aos últimos. Na medida em que qualquer conjunto de fenômenos observáveis está sujeito a interpretações múltiplas, as regras do método empírico não estabelecem uma barreira contra o livre jogo de valores na escolha de uma interpretação em detrimento de outra.
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Exemplo: A pesquisa psicológica já mostrou diversos casos em que grupo de mulheres expostas às opiniões de um grupo majoritário mudaram de opinião, em proporção maior que os homens, no sentido da opinião da maioria.
A conduta das mulheres podem ser descritas como conformismo, indecisão, integração, cooperação, etc. Porém, os próprios dados não indicam ao investigador qual dessas características é a “correta” ou “objetiva”.
A Crítica Feminista da Ciência e o Desafio da Epistemologia Social – Kenneth J. Gergen p.48-67 A crítica feminista mina a própria tese de neutralidade em relação a valores, tradicionalmente utilizada para validar o procedimento científico. (p.51) Para muitas feministas a concepção empiricista do conhecimento é em si mesma uma projeção da ideologia ou dos valores masculinos. Ao separar o sujeito do objeto, a razão da emoção, o conhecimento do contexto sócio-histórico, a orientação empiricista mostra-se incompatível com o bem-estar humano.
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2. A Problemática da Perspectiva Privilegiada
Ao expor a fragilidade das bases empiricistas, o criticismo feminista também se coloca numa posição vulnerável. Tal crítica implica a possibilidade de um conjunto alternativo de proposições “mistificadoras”. Em que bases poderiam as feministas estabelecer leituras corretas ou sem preconceito da natureza? (p52).
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Diversas linhas de raciocínio vêm sendo utilizadas para privilegiar a perspectiva feminina. Exemplo: As cientistas mulheres abandonaram os enganosos dualismos cartesianos de mente versus corpo, razão versus emoção, e substituíram a preocupação masculina com o reducionismo e a linearidade por visões que ressaltem o holismo e as interdependências complexas.
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Gergen cita Harding que cujo argumento parte desse contexto de perplexidade que as epistemologias do ponto de vista feminino se desenvolveram. Ela manifesta preocupação na demonstração da superioridade da perspectiva feminina em relação à masculina. (p.52)
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3. Pluralidade de Pontos de Vista Feministas Harding raciocina que existem outros grupos cujos direitos às vantagens epistemológicas, pelos mesmos critérios empregados por essas teóricas podem exceder os das feministas que parece se beneficiar das referidas análises.
Exemplo:
Mulheres ocidentais instruídas, de recursos econômicos substanciais que participaram sistematicamente das práticas de colonização que subjugaram grandes setores do mundo africano- de homens e mulheres.(p.53)
A Crítica Feminista da Ciência e o Desafio da Epistemologia Social – Kenneth J. Gergen p.48-67 Harding discute ainda o fracionamento do âmbito feminista: - socialistas, humanistas seculares, radicais, lésbicas, negras, existencialistas, marxistas. A autora questiona: Deve algum desses grupos receber privilégios epistemológicos especiais?(p.53). Gergen se mostra inclinada a concordar com Harding quanto as razões pragmáticas e traz a citação dessa autora: Uma “única história verdadeira” não pode ser contada a partir da perspectiva feminista, mas muitas histórias parciais são necessárias para se alcançar a transformação social.
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4. Matriz Iluminista do Conceito de Ciência Moderna Gergen ressalta que não há grande desafio aos pressupostos empiricistas tradicionais: O conhecimento é a expressão de uma mente individual, implicando a representação acurada do mundo, de que as pessoas variam conforme o grau em que dominam essa expressão e de que devem ser garantidos privilégios especiais àqueles que a exercem. Todas essas hipótese fazem parte da matriz iluminista, dentro da qual se moldou o conceito de ciência moderna. Serviram também de justificativa para as elaboradas hierarquias de poder e privilégio que tão efetivamente suprimiram a voz feminina até aqui. (p.54)
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A autora formula algumas questões intrigantes (p.54):
1. As tentativas feministas de ciência sucessora¹ não ameaçam recapitular em boa medida a mesma forma de justificativa e com isso favorece o estabelecimento de hierarquias alternativas? 2. O que irá impedir essas hierarquias alternativas de se engajarem nas mesmas táticas excludentes que diminuirão a voz de todos aqueles que não tiverem acesso ao novo conceito favorecido de conhecimento? ¹ Termo cunhado por Sandra Harding como sinônimo de um projeto crítico e feminista para a ciência.
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3. Em que sentido essas hipóteses não se prestam exatamente àquele tipo de estratégias alienadoras e defensivas que foram consideradas tipicamente masculinas? (p.54) 4. Keller não estava certo quando traçou um paralelo entre o conceito de conhecimento, poder social e dominação? Garantir o primeiro é fazer um convite ao segundo e à terceira. Segundo Harding a objetividade é maximizada não com a exclusão de fatores sociais, da produção do conhecimento, mas com o “começar” o processo de pesquisa a partir de uma explícita localização social: a experiência vivida daquelas pessoas que têm sido tradicionalmente excluídas da produção do conhecimento.
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5. Articulação preliminar de um ponto de vista epistemológico social. Gergen considera que há certas linhas de concordância em torno do qual um acordo significativo possa ser alcançado através do domínio pós-moderno, tanto feminista como de outras ordens. Destaca 4 suposições: (p.57) 1) As reivindicações da ciência poderiam ser consideradas forma de discurso. Como argumentou uma série de pensadores feministas, as distinções cartesianas tradicionais entre mente e corpo, sujeito e objeto, são problemáticas. Apesar dos pontos de partida diferentes, chegaram a conclusões semelhantes diversos filósofos e analistas literários. Nenhuma classe de pessoas, inclusive os cientistas, armados de sofisticada tecnologia e procedimentos estatísticos, podem reivindicar o direito a percepções superiores do mundo. (p.58)
A Crítica Feminista da Ciência e o Desafio da Epistemologia Social – Kenneth J. Gergen p.48-67 2) O que existe por si mesmo não dita as propriedades do discurso através das quais dar-se-á a inteligibilidade (p.58). Quando se invoca fatos para apoiar uma determinada proposição, invariavelmente estes não são eventos (ou coisas) em si mesmos, mas interpretações descritivas de eventos. Pelo fato dos próprios eventos não colocarem demandas essenciais em relação às interpretações, eles não provêem apoio objetivo, porém retórico, para a proposição teórica relevante (p.59).
Conclui que os eventos reais só servem enquanto evidência para se optar por uma determinada prática discursiva. Assim o que conta como fato é determinado não pelo que está alí, mas pela linha particular de discurso interpretativo com o qual a pessoa está comprometida. (p.60)
A Crítica Feminista da Ciência e o Desafio da Epistemologia Social – Kenneth J. Gergen p.48-67 3) Pelo fato do discurso ser inerentemente social, podemos olhar para o processo social em busca de uma compreensão de como se justificam as reivindicações do conhecimento (p.61). O discurso não é propriedade de indivíduos únicos átomos sociais isolados – mas uma propriedade do intercambio social. As minhas palavras não fazem sentido algum enquanto você não lhes atribuir um status de significação (p.62). A geração do conhecimento é, portanto, fruto da conexão social ao invés da separação. É através da harmonia na associação humana que a realidade, enquanto interpretação lingüística, passa a existir, a partir do nada. A ciência se torna um empreendimento inerentemente social, onde a valorização das reivindicações de conhecimento depende dos processos comunitários mais que a verossimilhança.
A Crítica Feminista da Ciência e o Desafio da Epistemologia Social – Kenneth J. Gergen p.48-67 4) Porque as reivindicações da ciência são constitutivas da vida social, deviam ser adequadamente abertas à avaliação de todo o espectro de comunidades discursivas (p.63). Criado no interior das comunidades acadêmicas, o discurso acadêmico raramente permanece em casa. Ou seja, tal discurso é injetado na cultura ambiente. Os cientistas não funcionam como autômatos desapaixonados, mergulhados nos rigores dos espelhos que seguram para refletir a realidade. Ao contrário, na própria formulação dos problemas, na opção por possíveis soluções e na tentativa de avaliar uma solução em detrimento de outra, já estão penetrando na vida da cultura (p.64).
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Na medida em que os frutos da academia vêm a ser saboreados por números cada vez maiores de pessoas, aumenta também o potencial de transformação cultural. A preocupação feminista com a distância entre trabalho conceitual abstrato e a práxis social recebe, assim, uma resposta; pois enquanto esse trabalho teórico puder ser significativamente comunicado, ele constitui uma forma de práxis (p.64).
A Crítica Feminista da Ciência e o Desafio da Epistemologia Social – Kenneth J. Gergen p.48-67 Simone de Beauvoir O Segundo Sexo (1949), livro da feminista francesa bagunçou os alicerces da sociedade machista.
A mulher sempre se coloca numa posição de vítima. Isso não era para mim. Cheguei à conclusão de que, vá para onde for, o resto do mundo desloca-se comigo. É essa idéia que evita que eu sinta qualquer pena de mim. Horroriza-me encarar o mundo como uma simples mulher. Odeio a pureza. Sou de carne e osso. Assim, escrevendo uma obra tirada de minha história, eu me criaria a mim mesma de novo e justificaria minha existência.[...]Interessava-me, portanto, por mim e pelos outros; não queria renunciar ao universal: tornei-me humana.
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¹Epistemologias Feministas Investigar é uma das maneiras de conhecer ou entender o mundo. O modo de olhar o mundo – paradigma – é composto por assunções filosóficas que guiam e direcionam o pensamento e a ação. Três questões ajudam a definir paradigma: (1) a questão ontológica- qual é a natureza da realidade?, (2) a questão epistemológica- qual é a natureza do conhecimento e qual a relação entre investigador e o que há a conhecer?, e (3) a questão metodológicacomo o investigador pretende obter o conhecimento desejado. Silva, P. et ali. Acerca do debate metodológico da investigação feminina. Rev. Porto Cien Desp. V.3 p.358-370.