Contos De Fadas E Psicopedagogia

  • November 2019
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CONTOS DE FADAS E PSICOPEDAGOGIA: uma proposta de utilização em sala de aula e nos atendimentos psicopedagógicos. Procuramos explicitar até agora, alguns dos motivos pelos quais as crianças devem ter acesso aos contos de fadas. Acreditamos que eles devem estar presentes nas salas de aula e também nas sessões de psicopedagogia. No entanto, sabemos também que a literatura não está tão presente nas salas quanto deveria. Isso porque para muitos professores a literatura é um conteúdo sem significado, pois não tem um objetivo técnico preciso de obter algum conhecimento (AMARILHA, 2001, p. 45). Ou seja, a literatura só tem valor quando acompanhada

de

algum

ensinamento,

quando

possui

explicitamente

cunho

pedagógico. Essa idéia já é antiga. Desde o início da história da Literatura Infantil essa idéia esteve presente, tendo sempre uma faceta utilitarista, especialmente de fundo moral. A idéia de literatura-prazer e das funções psicológicas são recentes, mas precisam ser conhecidas pelos educadores. Com o avanço de pesquisas de tantas áreas, a literatura não pode mais estar relegada a segundo plano como vem sendo até então. Precisa ser dado a ela o papel que lhe cabe. Segundo Amarilha (2001, p.17) a literatura é usada na sala de aula especialmente como um instrumento de controle sobre as crianças. Isso acontece porque uma história é sempre bem recebida por elas e diante do “caos” instalado na sala, muitos professores anunciam uma história, fazendo com que o silêncio volte a reinar.

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Portanto, essas situações são predominantemente improvisadas, sem outras intenções do professor em relação à literatura. Assim, Amarilha (2001, p.18) chama a atenção para o que denominou de “Síndrome de Sherazade”, a função simplesmente utilitarista que é dada à literatura infantil. No entanto, seria interessante que nos perguntássemos: que poder é esse que existe com a literatura que faz com que crianças tão dinâmicas se aquietem? No mínimo isso deveria fazer com que professores parassem para pensar sobre a sedução e importância da literatura em sua prática. Quando ouvimos uma história e nos envolvemos com ela, há um processo de identificação com alguns personagens. Isso faz com que o indivíduo viva um jogo ficcional, projetando-se na trama. O jogo que o texto proporciona é de natureza dramática. Ao entrar na trama de uma narrativa, o ouvinte ou leitor penetra no teatro. Mas, do lado do palco ele não só assiste ao desenrolar do enredo como pode encarnar um personagem, vestir sua máscara e viver suas emoções, seus dilemas. Dessa forma, ele se projeta no outro através desse jogo de espelho, ganha autonomia e ensaia atitudes e esquemas práticos necessários a vida adulta (AMARILHA, p.53).

Assim, a história proporciona ao indivíduo viver além de sua vida imediata, “vivenciar” outras experiências. Por isso seduz, encanta e embriaga. Mesmo sem tarefa, sem nota, sem prova, a literatura educa e, portanto e importante pedagogicamente (AMARILHA, 2001, p. 56). Diante dessas constatações, podemos afirmar que tudo isso se aplica aos contos de fadas, acrescentando-se ainda toda a importância psicológica de que já tratamos. No entanto, não basta incluir os contos de fadas na rotina da sala de aula, nos atendimentos psicopedagógicos ou mesmo em casa. Alguns cuidados devem ser tomados para que eles possam verdadeiramente ser significativos para as crianças.

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Alguns cuidados ao se trabalhar com os contos de fadas

Ao ouvir uma história desse tipo é preciso que se dê tempo às crianças, não ocupando-as logo em seguida com outra atividade ou outra história. É preciso que as crianças tenham a oportunidade de verdadeiramente “mergulhar” na atmosfera do conto, que possam falar sobre ele, sobre assuntos e sentimentos despertados. Só assim o conto terá desempenhado sua função emocional e intelectual. Quando um conto fala aos seus problemas e dificuldades interiores, a criança freqüentemente pede que lhe contem a história outra vez. Essa atitude poderá indicar que a história ouvida, de alguma forma está sendo importante e lhe trazendo respostas. Nesse caso, o adulto que lhe contou a história (seja pais ou professores) deve repetir a história tantas vezes quanto a criança solicitar. Isso acontece porque a criança precisa ouvir muitas vezes uma história para “acreditar” nela e fazer com que a visão otimista veiculada por ela seja parte de sua concepção de mundo. A criança “sente” qual dos contos de fadas é verdadeiro para sua situação interna no momento (com a qual é incapaz de lidar por conta própria) e também sente onde a história lhe fornece uma forma de poder enfrentar um problema difícil (BETTELHEIM, 2000, p.74).

Por isso é importante que a criança possa além de ouvir o conto quantas vezes desejar, poder também se demorar nele, falar sobre ele, sobre o que sente, só assim aproveitará profundamente tudo o que o conto tem a oferecer. Só a partir daí é que poderá fazer associações pessoais, gerando um significado totalmente próprio dela. Isso é que a auxiliará a lidar com os problemas que a angustia. Até que um dia ela dispensará a história, isso quando já tiver se apropriado de todos os conteúdos que ela trouxe, trazendo respostas às suas angústias. A criança também perde o interesse por uma história quando os problemas

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trabalhados por ela já não existem mais, foram substituídos por outros. Por isso, o melhor a fazer é estar atento às orientações dadas pela própria criança. Até mesmo quando a criança não pede que um conto seja repetido, mas o adulto perceber que ela de alguma forma ficou encantada, poderá repeti-lo em outra ocasião. Isso porque quando o contato entre o conto e a criança se dá apenas uma vez, elementos importantes para ela podem se perder, elementos esses que requerem tempo para serem apreendidos e elaborados. No entanto, mesmo que o adulto consiga entender porque um determinado conto está encantando uma criança, não deve tentar explicar os motivos a ela. Explicar a uma criança por que um conto de fadas é tão cativante para ela, destrói, acima de tudo, o encantamento da história, que depende, em grau considerável, da criança não saber absolutamente por que está maravilhada (BETTELHEIM, 2000, p.27).

Além disso, por mais certo que o adulto esteja de suas interpretações, dizê-las à criança seria como privá-la da oportunidade de entender e enfrentar por ela mesma seus problemas, de sentir que é capaz de, de alguma forma, amenizar seus anseios. Nós crescemos, encontramos sentido na vida e segurança em nós mesmos por termos entendido e resolvido problemas pessoais por nossa conta, e não por eles terem sido explicados por outros (BETTELHEIM, 2000, p.27). Dessa forma as crianças teriam a oportunidade também de se apropriarem da história, de transformarem essa história em algo seu. Isso se dá através das associações pessoais que ela faz. Por esse motivo as ilustrações das histórias podem desviar a criança desse caminho, fazendo com que dificulte justamente essas associações pessoais, pois ali estarão as visões e associações do ilustrador e não dela. As ilustrações distraem em vez de contribuir. Por melhor que sejam as ilustrações, contribuem bem pouco para os contos de fadas...Se uma história diz que ‘ele subiu numa montanha e viu um rio no vale abaixo’, o ilustrador pode

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apreender, ou quase apreender sua própria visão da cena, mas cada ouvinte formará seu próprio quadro que será constituído de todas as montanhas e vales que já viu, mas especialmente do Vale, da Montanha e do Rio que formaram para ele a primeira personificação do mundo (Tolkien, apud BETTELHEM, 2000, p.76).

Sem dúvida as crianças preferem os volumes ilustrados (e também os adultos), pois assim se poupam do “trabalho” de ter que imaginar a cena descrita, no entanto, se deixarmos um ilustrador determinar nossa imaginação, ela se torna menos nossa e a história perde muito de sua significação pessoal (BETTELHEIM, 2000, p.76). As imagens formadas em nossa mente através de um relato, não são ao acaso. São fruto de impressões e experiências pessoais, que têm enorme significado para a pessoa. Quando apenas contemplamos uma ilustração, não nos apoderamos desse processo, não tendo nenhum significado profundo. Como sabemos, os contos de fadas, como nenhuma outra literatura leva a criança ao encontro da descoberta de sua individualidade, de sua identidade única. Para isso, é importante que se apresente à criança sempre as versões originais ou clássicas dos contos de fadas, atentando para as edições que encontramos por aí que são versões amesquinhadas e simplificadas, que amortecem os significados e roubam-nas de todo o significado mais profundo, onde os contos de fadas são transformados em diversão vazia (BETTELHEIM, 2000, p.32). A eliminação de detalhes, por mais insignificantes que possam parecer, pode fazer com que o conto perca seu mais profundo significado. Ainda para atingir esses objetivos e ser realmente significativo, o conto de fadas deveria ser contado em vez de lido. Isso porque ao contar é permitido uma maior flexibilidade, um maior envolvimento emocional entre quem conta, quem ouve e o próprio conto. Portanto, não servirá de nada aproximar-se da narrativa dos contos de fadas com intenções didáticas

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(BETTELHEIM, 2000). Querer trabalhar “didaticamente” com os contos seria transformá-los em um tipo de literatura que fala apenas ao consciente da criança, sendo que o maior mérito deles é justamente atingir diretamente o inconsciente da criança. Além disso, o professor deve ter intimidade com o conto, conhecê-lo previamente para poder contá-lo de forma agradável e convincente. Muitos adultos de hoje não passaram pela experiência do prazer de ouvir de seus pais um conto de fadas. Não conhecem o encantamento e a importância desse tipo de literatura na infância. Assim, fica difícil mostrar empatia e desenvoltura para contá-los as crianças. Nesse caso, diz Bettelheim (2000, p. 149) que apenas uma compreensão intelectual da importância dos contos é que pode (em partes) substituir essa falta. Se ainda assim um adulto pensa que estes contos são apenas um monte de mentiras, é melhor não contá-los, pois não será capaz de relatá-los de forma a enriquecer a vida da criança. Ainda em relação ao adulto, é importante lembrar que ele deve ser sempre a ponte entre a criança e o conto. Isso porque, quando ela lê sozinha e encontra ali relações com suas fantasias (especialmente as indesejáveis) pode acreditar que tudo aquilo não é aprovado pelos adultos, que ela é quem está errada. Ao contrário, se os pais contam a história, acredita que eles aprovam as soluções que ali estão e, ainda, passarão a mensagem de que consideram seus conflitos internos dignos de valor e realmente existentes. Por conseqüência a criança sente que ela mesma é importante. Alem disso, quando pais contam a seus filhos uma história, sem dúvidas estamos diante de um momento único de interação e ternura, que por si só já valeria a pena. Vale lembrar ainda que Lewis Carrol, o autor de “Alice no País das Maravilhas” chamou os contos de fadas de “presentes de amor”, de forma muito sábia. Presente esse que deveria ser sempre oferecido às crianças por seus pais e professores.

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Contos De Fadas e Psicopedagogia

A psicopedagogia tem como objeto de estudo e trabalho a problemática da aprendizagem e todos os processos envolvidos nessa questão, por isso não se pode deixar de olhar o que está acontecendo entre a inteligência e os desejos inconscientes do sujeito. As histórias infantis como referências simbólicas a essas questões inconscientes constituem um importante instrumento psicopedagógico, uma vez que remetem ao sonho, à fantasia e iluminam o ser humano no que lhe é próprio: a capacidade de sonhar e simbolizar. (LIMA, 2003).

Por isso, incorporar na prática psicopedagógica os milenares e sábios contos de fadas pode tornar os atendimentos mais criativos, sérios e incisivos quanto ao resgate das dificuldades de aprendizagem. A linguagem do simbólico, o universo das metáforas e a interpretação e a leitura que se faz desses conteúdos, contribuem imensamente tanto para o diagnóstico como para o tratamento psicopedagógico, já que o conceito de aprendizagem com o qual trabalha a psicopedagogia remete a uma visão de homem como sujeito ativo num processo de interação constante com o meio físico e social, interferindo nesse processo o seu equipamento biológico, suas condições afetivoemocionais e intelectuais. Os contos de fadas desenvolvem a capacidade de fantasia infantil, são para as crianças, o que há de mais real dentro delas. Enquanto diverte a criança, os contos a esclarecem sobre si mesma e favorecem o desenvolvimento da sua personalidade. Por isso, um conto trabalha o aspecto afetivo, psicológico e cognitivo. Muitas vezes, uma criança chega ao atendimento psicopedagógico com sua auto-estima abalada, com uma auto-percepção negativa, sendo papel do psicopedagogo tentar auxiliá-la a reestabelecer confiança em si mesma, em acreditar nas suas capacidades.

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Nessa questão, os contos de fadas podem auxiliar o profissional. Já citamos a importância e o impacto psicológico que eles causam a partir de sua estrutura fixa e, especialmente, com o final feliz que apresentam. Isso porque ao ouvir os relatos de personagens (com os quais a criança se identificou) que passaram por dificuldades e venceram, e mais fácil acreditar na sua própria vitória. Sabemos que quanto mais infelizes e desesperados estamos, tanto mais necessitamos de ser capazes de nos envolvermo-nos em fantasias otimistas. Embora a fantasia seja “irreal”, os bons sentimentos que ela nos dá sobre nós mesmos e nosso futuro são “reais”, e estes bons sentimentos reais são o que necessitamos para sustentar-nos (BETTELHEIM, 2000, p. 157).

O final feliz pode realmente contribuir para a formação de uma crença positiva na vida. No entanto, é preciso ressaltar a palavra contribuir, ou seja, nenhum conto fará isso sozinho. É salutar deixar claro a importância do papel dos pais, professores e psicopedagogos mostrando confiança na criança e verdadeiramente ensinando-a a ter esperança no futuro. Isso será possível se a criança realmente se sentir acolhida, com olhares de encorajamento e aprovação. No início da idade escolar, a criança está entrando na fase de latência. Nessa fase, toda a energia da criança, que antes estava no aspecto sexual, envolvida nas questões edípicas, agora é sublimada e se volta com força para as coisas da escola, para a aprendizagem. Assim, o objeto de desejo é substituído pela busca do conhecimento. A criança entra na fase de latência utilizando o mecanismo de sublimação, e a aprendizagem escolar pode vir a ser muito gratificante por ser compreendida por ela como forma de brincar e de reparar objetos internos (TINOCO, 1999, p. 25).

Portanto, a aprendizagem ocorre quando sublimamos, ou seja, quando transferimos um objeto de desejo para outro, no caso, o conhecimento.

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Dessa forma, agora a aprendizagem escolar representa a oportunidade de resolver temores internos, o que fazia antes através da brincadeira. Melanie Klein in TINOCO (1999, p.26) observou que diversas atividades escolares representavam para as meninas, formas de restaurar seu próprio corpo. E muitas vezes, ter um caderno bonito e em ordem pode representar, de forma simbólica, ter um corpo saudável e intacto. Nos meninos, o sentimento de competição nessa fase é muito grande, pois fantasiam que superando seus colegas na sala, poderão superar também seu pai. No entanto, isso acontece com uma criança que viveu de forma satisfatória a fase fálica e elaborou ou está elaborando de forma tranqüila o complexo de Édipo (como já citamos essa fase e seus acontecimentos são decisivos na vida da maioria das pessoas, segundo a psicanálise). Por outro lado, quando uma criança está em uma situação psíquica difícil, não pode focar sua energia para as coisas da escola, pois ela estará voltada para a resolução desses problemas. Muitas crianças, mesmo sem déficit algum de inteligência, nenhum comprometimento neurológico podem apresentar dificuldades na escola quando passam, por exemplo, por conflitos familiares, que consomem sua energia ou a faz regredir ou se fixar em uma fase anterior de desenvolvimento. Tinoco (1999, p.28) ressalta que a alfabetização pode ser bloqueada por conflitos internos da criança, relacionados com a não elaboração da situação Edípica. Isso porque algumas habilidades importantes para a leitura e escrita estão relacionadas aos seus desejos edípicos, que ela quer sufocar, não sabendo como lidar com eles. Assim, se fecha também para as novas aprendizagens, o que também a tornaria mais forte, despertando o medo de ser igual ou superior ao pai (no caso dos meninos) ou à mãe (no caso das meninas). Por isto a aprendizagem escolar se dá por

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volta dos sete anos, com uma maturação neurofuncional própria desta idade e com a resolução do complexo de Édipo. Portanto, quando não está com o ego bem estruturado e fortalecido, as pressões exercidas sobre a psique são quase insustentáveis por ele. É claro que em casos específicos, onde o psicopedagogo diagnosticar que problemas de ordem emocional atingem a criança é preciso encaminhá-la para atendimento com profissionais capacitados para tal. Mas até mesmo para essa percepção, para esse encaminhamento é preciso que o psicopedagogo conheça essa dinâmica, conheça o poder dos desejos inconscientes. É preciso uma escuta atenta e sensível, para perceber o que realmente está ocasionando a dificuldade apresentada. De acordo com a psicanálise todos os aspectos da vida de um indivíduo não podem ser analisados separadamente, portanto, todos os acontecimentos de sua vida (desde mesmo durante a vida intra-uterina) influenciam direta ou indiretamente sua vida, o que estende à dinâmica escolar, na relação do sujeito com o conhecimento e tudo o que ele pressupõe. Para que a aprendizagem escolar aconteça de forma satisfatória, o indivíduo precisa abrir mão de uma fase da vida, para entrar em outra. Isso pressupõe crescimento, e crescimento pressupõe separações e perdas dolorosas, como a quebra da relação simbiótica com a mãe, elaborações de questões edípicas e angústia de castração. Simbolizar é sentir a perda. É olhar e substituir o objeto perdido por outro. Daí a importância do estudo da função simbólica na psicopedagogia, uma vez que, para que ocorra a aprendizagem é necessário perder um objeto para então ganhar e apropriar-se de outro. A vida também é uma troca. Quando substituímos, simbolizamos e então amadurecemos (LIMA, 2003).

Além desse aspecto, podemos citar também a importância das conversas que são estabelecidas após cada conto. Ao se falar sobre o herói, seus problemas, suas dificuldades, a criança consegue entender e visualizar melhor seus

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próprios problemas. Isso porque é muito mais fácil e menos perigoso falar de problemas alheios. Desta maneira, acontece um encontro com sentimentos dolorosos ou ameaçadores, mas de forma indireta e alternativa (FELDMAN, 1996, p.37). Ela pode falar de sentimentos que são seus, projetando-os no personagem em questão. Também é muito reconfortante para a criança saber que alguém (no caso o personagem) tem os mesmos problemas que ela e mais, que foi possível superá-los. Segundo Bettelheim (2000), o conto de fadas é um espelho onde podemos nos reconhecer com problemas e propostas de soluções que só podem ser elaborados na imaginação. Dessa forma, os contos podem: ...esclarecer inconscientemente os processos e conflitos internos de forma simbólica e impessoal, para que a criança tenha a oportunidade de visualizar seus conflitos como um observador, auxiliando dessa forma, nas resoluções e promovendo o amadurecimento emocional e cognitivo (LIMA, 2003).

Portanto, é preciso que o professor ou o psicopedagogo esteja atento às necessidades das crianças que estão sob sua responsabilidade, dirigindo de modo eficiente as propostas de discussões após um conto, permitindo que cada um fale de seus sentimentos de forma espontânea, respeitando sempre a individualidade, o desejo e o direito de cada um de falar ou não sobre o que sente. Todo educador deve conhecer muito bem a criança com quem trabalha. Conhecer seu estágio de desenvolvimento, suas necessidades, seu nível de pensamento. Essa necessidade é ainda maior para o psicopedagogo. Ele precisa estar verdadeiramente interagindo com as crianças que atende. Por isso, deve conhecer sua necessidade de mágica, de fantasia para assegurar-lhe esse direito. É preciso nunca perder de vista a complexidade e totalidade do ser humano, lembrando-se sempre que a criança que ali está é corpo, mente, emoção, que é resultado de influências sociais, é alguém que tem desejos, preferências, medos, angústias, alegrias, como qualquer outro ser humano.

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O que vemos em muitas escolas é na verdade, a criança sendo muitas vezes, subjugada e subestimada pelos adultos, não tendo suas reais necessidades atendidas. Segundo Bettelheim (1988, p. 355) isso faz com que seja oferecido à criança, ...um mundo insípido, um mundo que não reconhece os seus e os nossos medos mais profundos, assim como os desejos mais satisfatórios. O que é igualmente desastroso é que, ao tornarmos o mundo insípido para eles, estamos contribuindo para também tornar insípido o sentimento deles por nós, algo que faz sofrer tanto a eles como a nós. Se, por outro lado, pudéssemos devolver a magia ao mundo de nossos filhos, ela também seria devolvida a nossas relações, que se enriquecem enormemente com isso.

Portanto, acreditamos que os contos de fadas podem ser aliados no diagnóstico bem como no acompanhamento psicopedagógico, auxiliando o profissional a conhecer a criança com a qual trabalha. Além disso, acreditamos também na possibilidade dos contos serem usados pela psicopedagogia de forma preventiva. Se os contos atingem o seu ápice quando a criança tem por volta de cinco anos, estando no auge dos conflitos edípicos, seria interessante eles estarem presentes na vida da criança desde a educação infantil, auxiliando-a na elaboração desses conflitos. Elaboração essa que poderia prevenir problemas futuros que acabam desencadeando dificuldades de aprendizagem, já que essa é uma fase de grande importância na vida do ser humano.

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