COGNIÇÃO ESPACIAL e A NATUREZA DA LINGUAGEM Milton do Nascimento PUC Minas
Da cognição espacial à linguagem A linguagem e a cognição espacial
em três domínios: a) tipo de computações; recursiva e categorial b) tipo de informação produzida: descritiva e geométrica c) aspectos neuro-cognitivos
ESPACIALIZAÇÃO e LINGUAGEM NO MUNDO NATURAL a) capacidades cognitivas espaciais em todos os vertebrados: mesma natureza e complexidade; b) a cognição humana e a linguagem distinguem-se por: uso generalizado de capacidades computacionais similares; serialização das computações de domínios referenciais, descritivos e geométricos; construção de representações mentais por um grupo e não por um indivíduo. cognição espacial: presente no mundo animal desde muito tempo; recente, na linguagem; Objetivo do texto: refletir sobre um dos componentes da linguagem, mapas cognitivos; (projeções cognitivas).
MAPAS COGNITIVOS
ligações entre os aspectos funcional, representacional e neurológico de mapeamento cognitivo; Mapas cognitivos: representações do contexto espacial, pano de fundo para ações (auto-ecoorganizativas) dos animais: envolvem o processamento de informações descritivas e geométricas; As representações espaciais envolvem estruturas hierárquicas do tipo: [esconderijos [entre árvores [e rochas [ao longo do rio [atrás do monte]]]]]; Operações hierárquicas que envolvem o hipocampo, área do cérebro de diversas espécies de animais; O hipocampo tem um papel central na integração (recursão) sintática. “O que não quer dizer que ele esteja diretamente envolvido no processamento da estrutura sintática”. Tem um papel importante na configuração discursiva.
CRIATIVIDADE, ARTE E VIVÊNCIAS DE/EM ESPAÇOS “As muitas linguagens artísticas e não-artísticas,
verbais e não-verbais moldam-se numa matriz comum: nas vivências do espaço. Nesta experiência fundamental se desenvolvem a consciência, a percepção e autopercepção das pessoas, assim como seu senso de identidade. É o caminho primeiro, único e último, de cada um realizar sua capacidade de sentir e pensar, de sentir-se e pensar-se dentro do mundo em que vive”. [OSTROWER, Fayga. Acasos e criação artística. 1995, p.81.]
MAPAS COGNITIVOS e NICHOS AMBIENTES “Os ecologistas trabalham com o conceito de nicho.Diz-se de uma espécie de animal que ela ocupa um determinado nicho no ambiente. Nicho é diferente de habitat das espécies; nicho diz respeito mais ao como um animal vive do que ao onde ele vive”. (...) “O ambiente natural oferece várias maneiras de vida, e diferentes animais têm diferentes maneiras de viver. O conceito de nicho implica tipo de animal, e o de animal implica tipo de nicho”. (Gibbson, 1986: 128
Mapas Cognitivos e Sistemas abertos Os sistemas complexos são abertos e inseparáveis do contexto, mas interagem com fatores contextuais e mudam ao longo do tempo. Dessa forma, precisamos de uma visão corporificada da atividade mental,incluindo o uso e o processamento da linguagem. Nessa visão considera-se que a mente se desenvolve como parte de um corpo físico em constante interação com o ambiente físico e sociocultural, com essa interação contribuindo para a natureza emergente da mente (GIBBS, 2006, in:LARSEN-FREEMAN e CAMERON, 2008, p. 34
)
Mapas cognitivos, recursão, padrões de rede Os sistemas auto-organizadores, por se organizarem
pela recursão, caracterizam-se por serem sistemas não lineares, organizados em termos de um padrão de rede: Há um padrão comum de organização que pode ser
identificado em todos os seres vivos? [...] Sua propriedade mais importante é a de que é um padrão de rede. Onde quer que encontremos sistemas vivos – organismos, partes de organismos ou comunidades de organismos – podemos observar que seus componentes estão arranjados à maneira de rede. Sempre que olhamos para a vida, olhamos para redes. (CAPRA, 2006, p. 77-78)
ESPECIFICIDADES DA LINGUAGEM
Seu caráter dialógico
Na computação espacial as informações podem ser realizadas individualmente. Na linguagem as representações são compartilhadas e atualizadas por grupos de indivíduos. Recursão: computação por “Phases”; Na linguagem, as descrições e propriedades geométricas são computadas como partes de uma, e mesma, unidade (expressões lingüísticas): os domínios mais encaixados (“lower”) são reservados para conteúdos descritivos; as mais altas envolvem informação relacionadas ao discurso: computação serializadas; Na linguagem, a referência não é determinada por entidades do “mundo real”: categorias e categorizações em aberto, independentes de “contexto”; A linguagem pode integrar recursivamente contextos espaciais (espaços referenciais)
RECURSÃO CIRCUITOS NEURAIS “...citando Gallistel: a tese essencial de que, em todos os animais, o aprendizado está baseado em mecanismos especializados, “instintos para aprender” de modos específicos; aquilo a que Tinbergen chamava “disposições inatas para aprender”. Esses “mecanismos de aprendizado” podem ser considerados “órgãos dentro do cérebro [que] são circuitos neurais cuja estrutura torna-os capazes de executar um tipo especial de computação”, o que fazem mais ou menos por reflexo, a não ser em “ambientes extremamente hostis”. Nesse sentido, a aquisição humana da linguagem é instintiva, tendo por base um “órgão da linguagem” especializado.”(Chomsky, 2006:102-103)
Faculdade da Linguagem: Sentido Amplo X Restrito [Hauser, Chomsky & Fitch, 2002]
LINGUAGEM: SENTIDO AMPLO e RESTRITO “A Linguagem em Sentido Amplo [FLB] inclui o sistema sensório-mortor e o sistema conceitual-intencional (que nós deixamos em aberto); a Linguagem em Sentido Restrito [FLN] inclui as computações gramaticais nucleares que nós sugerimos limitarem-se à recursão” (Hauser, Chomsky & Fitch, 2002)
A RECURSIVIDADE NA LINGUAGEM “A quarta premissa é a mais forte de todas: neste momento, num indivíduo, quando o léxico está suficientemente desenvolvido, o aparato conceitual pode recursivamente enfocar e classificar as várias produções de linguagem em si mesmas – morfemas, palavras, sentenças – como entidades a serem categorizadas e recombinadas sem uma remissão necessária a suas origens iniciais, ou a suas bases na percepção, na aprendizagem, na transmissão social.” (Edelman, 1989: 174)
ATRATORES NA PRODUÇÃO DE TEXTO/SENTIDO Ser (Sujeito) no Espaço (Tempo) Discursivo “As línguas não nos oferecem de fato senão
construções diversas do real” [Benveniste, 1995:70]; “Todo homem se coloca em sua individualidade enquanto eu por oposição a tu e ele. Este comportamento será julgado “instintivo”; para nós, ele parece refletir na realidade uma estrutura de oposições lingüísticas inerente ao discurso. [Benveniste, ibid.: 70] “Da enunciação procede a instauração da categoria do presente e da categoria do presente nasce a categoria do tempo. O presente é propriamente a fonte do tempo. Ele é esta presença no mundo que só o ato de enunciação torna possível pois, pensando bem, o homem só dispõe de um meio de viver o “agora” e de atualizá-lo: o de realizá-lo pela inserção do discurso no mundo”. [Benveniste, id., ibid.: 83] “
Intersubjetividade e a auto-eco-organização do ser humano •
“...o único tempo inerente à língua é o presente axial do discurso, e que este presente é implícito.”[ibid.:76] “O tempo do discurso nem se reduz às divisões do tempo crônico nem se fecha em uma subjetividade solipsista. Ele funciona como um fator de intersubjetividade, o que de unipessoal ele deveria ter o torna onipessoal. A condição de intersubjetividade é que torna possível a comunicação lingüística.” Id., ibid.: 78].
Tempo A maioria das pessoas percebe a passagem
do tempo como o movimento de um ponto ou de uma cena do passado para o presente, para o futuro. Entretanto, em sentido físico restrito, apenas o presente existe. (Edelman, G. In – Second Nature, p. 93)
Recursão e Integração de Espaços Referenciais As
pessoas fingem, imitam, mentem, fantasiam, iludem, enganam, consideram alternativas, simulam, constroem modelos, e propõem hipóteses. Nossa espécie tem uma extraordinária habilidade para operar mentalmente sobre o irreal, e esta habilidade depende de nossa capacidade de efetuar integrações conceituais.” [Fauconnier & Turner, 2002: pg. 217]
RECURSÃO: ‘ um (...) corolário básico da Teoria da
Integração Conceitual: ..um espaço integrado a partir de uma rede pode frequentemente ser utilizado como input para a integração em outra rede” [Fauconnier & Turner, 2002: 334]
AMBIGUIDADE: BASE PARA CONSTRUÇÕES DIVERSAS DO REAL “Portanto, uma definição de ambiguidade neurobiologicamente fundamentada é o oposto da definição do dicionário; não é incerteza, mas certeza – a certeza de várias, igualmente plausíveis interpretações, cada uma delas soberana quando ocupa o estado de consciência”. [ZEKI, Semir, in: Turner, 2006: 245]
Ambiguidade,criatividade, recursão ...
Projeção de espaços e Processamento Metafórico - I
“Peguei o pedaço bom do abacate, joguei fora o pedaço podre da cenoura, tirei o bagaço da laranja, juntei tudo que havia de bom no liquidificador e deu esse suco que está aqui.” [Cavalcante, Sandra, 2002:118ss, citando: VENTURA, Mauro. Texto original: “Miséria, Mordomia e Trabalho”. Jornal do Brasil, Caderno B, 21/04/2001.
Projeção de espaços e Processamento Metafórico - II “Fui jogado no lixo e me encontrei em meio a muita coisa ruim. Peguei o pedaço bom do abacate, joguei fora o pedaço podre da cenoura, tirei o bagaço da laranja, juntei tudo que havia de bom no liqüidificador e deu esse suco que está aqui.”
Projeção de espaços e Processamento Metafórico - III “Ele resume assim sua vida: “Fui jogado no lixo e me encontrei em meio a muita coisa ruim. Peguei o pedaço bom do abacate, joguei fora o pedaço podre da cenoura, tirei o bagaço da laranja, juntei tudo que havia de bom no liquidificador e deu esse suco que está aqui"
Projeção de espaços IV Charge – Amarildo
http://oglobo.globo.com/pais/noblat/ 11/03/2009
Projeção de espaços V
Projeção de espaços VI
RECURSÃO E REDE DE ESPAÇOS REFERENCIAIS
L
En
Ea
A
T E
(Eu) (Aqui) (Agora)
R(Referência)
(Tu) (Aqui) (Agora)
Discursivização (D): criação, numa, e única, instância enunciativa, de um espaço de referenciação X, que integre, recursivamente, numa rede, todos os espaços de referenciação instituídos no processo discursivo. D ≡ XEB ⊇ {X (Υ) , Xn (Υn)} [Nascimento e Oliveira (2004: 290)
Linguagem (SAC): “atividade constitutiva” do ser humano Linguagem, objeto do mundo natural: sistema adaptativo complexo; b) A linguagem na auto-eco-organização identitária do ser humano; c) A recursividade na configuração da Linguagem em redes hierárquicas recursivamente construídas; d) A recursividade em várias escalas autosemelhantes (fractais): sílaba, palavra, enunciado, enunciação/discurso, e outros tipos de redes... a)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHOMSKY, Noam. Sobre Natureza e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2006. CHOMSKY, Noam. Biolinguistics and the Human Capacity - Lecture at MTA, Budapest, May 17, 2004 FAUCONNIER, Gilles & TURNER, Mark. The way we think – conceptual blending and the mind´s hidden complexities. NewYork: Basic Books, 2002. GIBSON, James J. The Ecological approach to Visual Perception. London: Lawrence Erlbaum Associates, Publishers, 1986. HAUSER, Marc D., CHOMSKY, Noam & FITCH, W. Tecumseh .The faculty of language: what is it, who has it, and how did it evolve? www.sciencemag.org SCIENCE VOL 298, NOVEMBER 2002. JACKENDOFF, Ray. Foundations of Language - Brain, Meaning, Grammar,Evolution. Oxford University Press, 2002. LARSEN-FREEMAN, D., CAMERON, Lynne. Complex Systems and Applied Linguistics. Oxford University Press, 2008. PAIVA, V.L.M.O; NASCIMENTO, M. Texto, hipertexto e a (re)configuração de (con)textos. In: LARA, G. M. P. (Org.) Língua(gem), texto, discurso; entre a reflexão e a prática. v. 1, Rio de Janeiro: Lucerna; Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2006. p.155-179