TEXTO 1
São profissões que não quero ter. Não porque eu seja heróica mas porque cheiram a mofo, são chochas, minguadas. Por exemplo: o endireitador de bonecas: médico de bonecas que conserta braço e olho de boneca. E o que solda panelas e chaleiras? Deixo as minhas com buraco. E não vendo roupa usada: dou. Mas o pior é a cerzideira. E o alfaiate? Com os óculos na ponta do nariz, um gato ronronando ao lado, cosendo golas no escuro. Um personagem de Simenon.* Não quero ser agente funerário nem coveiro; é horrível. E quanto ao ascensorista, seu ideal é ter um banco para se sentar. Ninguém lhe diz obrigado. Eu uma vez disse e ele se assustou. O elevador cheio de gente, e ninguém olhando para ninguém, aquele silêncio entrecortado pela voz do corcunda-ascensorista dizendo o número dos andares. Dei a ele uma vez uma estrela-do-mar. Ele aceitou contente, o corcunda de Notre Dame. E o lixeiro? Não, pelo amor de Deus! E o burro-sem-rabo?** Também não. Não compro ferro velho, de jeito algum. Dá azar. Também não quero ser amolador de facas e nem quero ser fotógrafo de praça. É triste demais. Quero alegria! Quanto ao homem do realejo, que vende pirulitos, quero sim: é a alegria das crianças. (Clarice Lispector. Trecho de Profissões anti-heróicas) *George Simenon, francês, escritor de livros policiais. ** Burro-sem-rabo é o nome que se dá, no Rio de Janeiro, a catadores de lixo reciclável.
Itens para discussão em grupo: 1 – Principal tema do texto. 2 – Qual a opinião da autora sobre o tema? 3 – Qual a opinião do grupo? 4 – Fazer uma comparação sobre as profissões atuais e as profissões relacionadas no texto.