Cinema No Contexto Da Guerra Fria

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  • Pages: 294
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ANTONIO CÍCERO CASSIANO SOUSA

Cinema e política: o anticomunismo nos filmes sobre a Guerra Fria (1948-1969)

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, como requisito à obtenção do Título de Doutor. Área de concentração: História Social

Orientadora: Profª Drª VIRGÍNIA FONTES

Universidade Federal Fluminense – Niterói –novembro de 2002

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ANTONIO CÍCERO CASSIANO SOUSA

CINEMA E POLÍTICA: O ANTICOMUNISMO NOS FILMES SOBRE A GUERRA FRIA (1948-1969)

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, como requisito à obtenção do Título de Doutor em História. Área de Concentração: História Social. Aprovada em novembro de 2002

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________ Profª Dr.ª Virgínia Maria Fontes Universidade Federal Fluminense ___________________________________________________ Prof. Dr. Ciro Flamarion Cardoso Universidade Federal Fluminense ___________________________________________________ Prof. Dr. Leandro Konder Pontifícia Universidade Católica – Rio de Janeiro ___________________________________________________ Prof. Dr. Sidnei Munhoz Universidade Estadual de Maringá – Paraná ___________________________________________________ Prof. Dr. Gelsom Rozentino de Almeida Universidade do Estado do Rio de Janeiro Niterói 2002

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Dedicatória: Para Gonçalo e Liduína, que me levaram à primeira sessão de cinema. Uma lembrança remota da emoção que cercou o primeiro encontro com o cinema. Era 1965 e eu tinha sete anos. Meu pai disse que só me levaria se eu dormisse à tarde. A expectava era tão grande que não conseguia adormecer. Atenta, minha mãe, de vez em quando vinha observar. Eu fingia que dormia para não perder por nada aquela oportunidade.

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Agradecimentos: Agradeço inicialmente à profª. Virgínia Fontes pela orientação profundamente generosa e carinhosa, aspectos que acompanharam outras tantas qualidades pertinentes ao rigor científico que pude usufruir no decorrer deste trabalho. Rigor, capacidade e estímulo se conjugam de forma que me sinto tremendamente beneficiado com a convivência. Agradeço também aos professores Ciro Flamarion Cardoso e João Luiz Vieira, que acompanharam o trabalho desde o exame de qualificação, fornecendo importantes sugestões que procurei, na medida do possível, incorporá-las ao texto final. Redobro o agradecimento a estes dois professores por terem aceito participar da banca de exame da tese, juntamente com os professores Leandro Konder (PUC/RJ), Sidnei Munhoz (Universidade Estadual de Maringá) e Ana Maria Mauad (UFF) e Gelsom Rozentino (UERJ). Aos professores Bernardo Kocher, André Laíno, Jorge Ferreira, cujas aulas foram momentos enriquecedores da etapa inicial do trabalho. Novamente agradeço ao prof. Ciro pela oportunidade que me ofereceu de estudar semiótica de análise fílmica, momento fundamental para o amadurecimento do projeto inicial. Ao professor Carlos Augusto Addor agradeço a acolhida sempre simpática em momentos importantes. Ao CNPq agradeço à concessão da bolsa de estudos que me permitiu a dedicação necessária à conclusão da pesquisa. Ao Programa de Pós-Graduação em História da UFF agradeço a atenção a que me foi dispensada em todas as ocasiões. Na pessoa do prof. Guilherme Pereira das Neves expresso este reconhecimento. Aos colegas do Programa de Pós-Graduação em História da UFF agradeço o clima de camaradagem e interesse nos rumos da pesquisa. Particularmente o Grupo de Trabalho de Orientação, coordenado pela profª Virgínia Fontes, pelos importantes comentários sobre um dos capítulos da tese. Aos colegas que leram capítulos da tese e fizeram sugestões: Anita Handfas, Marcelo Augusto, Marcela Pronko e Eurelino Coelho. Agradeço a Simone Dubeux, com quem apresentei uma comunicação sobre análise fílmica na Anpuh, onde pude ouvir sugestões sobre uma área nova de pesquisa para mim. De Gil Vicente tive oportunidade de conhecer uma generosidade imensa. Nos momentos iniciais, abriu sua biblioteca para um novato nos estudos fílmicos.

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A Eduardo Parga, Esther Kuperman, Kátia Saraiva, Solange Rodrigues, Solange Campos, Angélica de Oliveira Paula e Rubem de Carvalho Gaston, amigos que ouviram atentos e me ajudaram de diferentes formas. Aos meus companheiros do jornal Inverta agradeço o apoio e a oportunidade de compartilhar opiniões, especialmente Aluísio Beviláqua, editor do jornal, e Georgina Queiroz. A Teresa Cavalcanti um agradecimento muito especial pelas sugestões, apoio sempre solícito e pelo privilégio que tenho de compartilhar as angústias e alegrias do trabalho, além do estímulo constante. A Aparecida de Fátima Tiradentes dos Santos agradeço o estímulo para ingressar no doutorado e sugestões posteriores sempre oportunas. Aos colegas professores que acompanharam com perguntas e estímulos o cotidiano da pesquisa. Agradeço aos estudantes da Escola Adolpho Bloch pela oportunidade de discutir história e linguagem cinematográfica. Aos amigos e familiares que me encantam e me estimulam no dia-a-dia. E que souberam ser compreensivos com o fatigante ritmo de trabalho que às vezes tive que adotar. Durante o trabalho recebi acolhida sempre carinhosa nas instituições onde pesquisei. Agradeço ao pessoal da Cinemateca do Museu de Arte Moderna, do Rio de Janeiro, da Cinemateca Brasileira, em São Paulo, da Biblioteca Nacional, da Biblioteca Central do Gragoatá, da Sala de Leitura do Departamento de Cinema e Vídeo da UFF e do Centro Cultural do Banco do Brasil.

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Sumário

Introdução, p. 12

Capítulo 1: O tema , p. 33

Capítulo 2: Indivíduo e sociedade, p. 44 Introdução, p. 44 2.1. Indivíduo e modo de vida capitalista, p. 50 2.3. Indivíduo e coletivismo/socialismo/comunismo, p. 64 Conclusão, p. 70

Capitulo 3: Indivíduo e poder, p. 74 Introdução, p. 74 3.1. O complô comunista e o contra-complô anticomunista, p. 75 3.2. A corrupção do poder e o mito do herói positivo no capitalismo, p. 93 Conclusão, p. 101

Capítulo 4:A Guerra Fria em Hollywood, p. 105 Introdução; p. 106 4.1. As novas condições de produção de filmes, p. 106 4.2. A caça às bruxas e as formas de resistência, p. 107 4.3. O estigma da delação, p. 118 Conclusão, p. 128

Capítulo 5:A Guerra Fria no cinema, p. 129 Introdução, p. 129 5.1. a Áustria ocupada, p. 130 5.2. as duas ilhas: Berlim e Cuba, p. 133 5.2.1. complô e fuga em Berlim, p. 137 5.2.2. complô capitalista e crise dos mísseis em Cuba, p. 143 5.3. a Guerra da Coréia: A guerra no campo de batalha e a batalha no campo das idéias, p. 148

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Conclusão, p. 154 Capítulo 6: Os filmes e os diretores, p. 158 1. Cortina de ferro (1948), p. 160 2. O terceiro homem (1949), p. 167 3. Anjo do mal (1952), p. 177 4. Matar ou morrer (1952), p. 182 5. Viva Zapata! (1952), p. 189 6. Sindicato de ladrões (1954), p. 196 7. Vampiros de almas (1956), p. 201 8. Sob o domínio do mal (1962), p. 211 9. 007 contra o satânico dr. No (1963), p. 219 10. Dr. Fantástico (1964), p. 223 11. Cortina rasgada (1966), p. 229 12. Topázio (1969), p. 236 Conclusão, p. 255

Considerações finais, p. 257

Bibliografia, p. 263

Anexos , p. 272 1. Fichas técnicas de filmes comentados, p. 273 2. Ilustrações, p. 277 3. Quadro resumo dos filmes analisados, p. 293

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Lista de ilustrações 1. Igor Gouzenko (Dana Andrews) e um camarada (John Shay) em Cortina de ferro, p. 277 2. Holly Martins (Joseph Cotten) e Harry Lime (Orson Welles) na seqüência do parque de diversões em O terceiro homem (1949), p. 278 3. Skip McCoy (Richard Widmark) e o capitão Tiger em Anjo do mal (1952), p. 279 4. Will Kane (Gary Cooper) tenta convencer a assembléia a apoiá-lo em Matar ou morrer (1952), p. 280 5. Zapata (Marlon Brando) é conduzido prisioneiro em Viva Zapata! (1952), p. 281 6. Charley Malloy (Rod Steiger) procura convencer Terry Malloy (Marlon Brando) a aderir aos gângsters em Sindicato de ladrões (1954), p. 282 7. Becky (Dana Winter) e Miles (Kevin McCarthy) tentam escapar da transformação em “vagens” em Vampiros de almas (1956), p. 283 8. Sgt. Raymond (Lawrence Harvey) na sala onde as experiências com hipnose e “lavagem cerebral” são “comprovadas” em Sob o domínio do mal (1962), p. 284 9. Honey (Ursula Andrews) e James Bond (Sean Connery) em 007 contra o satânico dr. No (1963), p. 285 10. Reunião na sala de guerra do Pentágono em Dr. Fantástico (1964), p. 286 11. O prof. Lindt (Ludwig Donath) conversa com um atento prof. Armstrong (Paul Newman), p. 287 12. Cartaz do filme Topázio (1969), de Alfred Hitchcock, p. 288 13. As duas Alemanhas, com Berlim Oriental e Ocidental e Leipiz, a rota de fuga em Cortina rasgada (1966), p. 289

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Resumo O tema desta pesquisa é o anticomunismo nos filmes sobre a primeira Guerra Fria, produzidos no período de 1948 a 1969. Procuramos prosseguir na linha de abordagem do tema que prioriza o estudo a partir da crítica das ideologias a cerca da produção fílmica. A Guerra Fria nos filmes será vista em suas implicações na construção de estereótipos, ideologias e visões de mundo, tendo como pano de fundo, o confronto entre capitalismo e socialismo. As opções teórico-metodológicas situam-se no campo do materialismo histórico, retomando desde as contribuições iniciais de Marx e Engels, Lênin e Gramsci, a Escola de Frankfurt e as recentes abordagens do marxismo. As opções metodológicas mais específicas são aquelas derivadas da análise semiótica de filmes. A hipótese central afirma que a construção fílmica sobre o anticomunismo se dá em dois níveis: a) numa primeira abordagem, o nível de elaboração tende para a simplificação, num discurso claramente propagandístico, neste caso as críticas recaem no comunismo e nas experiências socialistas; b) num segundo nível a abordagem é complexa, sendo possível encontrar críticas tanto ao comunismo como ao capitalismo. Verificamos nossa hipótese observando a abordagem dos filmes sobre duas grandes redes temáticas “indivíduo e sociedade” e “indivíduo e poder”. Concluímos que o anticomunismo tende a considerar as sociedades e os indivíduos como abstrações, onde os últimos ou são fragmentados e/ou desumanizados e as sociedades são a-históricas e impermeáveis à ação coletiva. Por outro lado, a ação política dos comunistas é desqualificada pela via da sua associação com o crime e vistos essencialmente como membros de uma conspiração destinada a conquistar o poder e destruir a individualidade. No meio cinematográfico, o anticomunismo acirrou as tensões entre aqueles dispostos a se vincularem acriticamente ao status quo e uma tendência contra-hegemômica, que elaborou formas variadas de resistência. O anticomunismo dos filmes diretamente associados ao mccarthismo está identificado com a abordagem nitidamente propagandística. Presente no cinema desde o início do século, o anticomunismo ultrapassa esse período. Com a nova Guerra Fria dos anos 80, aspectos distintos se incorporariam ao novo ciclo.

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Abstract The theme of this research is the anticommunism on the films about the first Cold War between 1948 and 1969. We aim at focusing the idelogical critique of movie production, which has been developed before. The Cold War on films will be seen on its implications on the construction of stereotypes, ideologies and world views. The context which embraces these aspects is the conflict between capitalism and socialism. The theoretical and methodological options are on the horizon of the historical materialism, taken up since the contribuitions of Marx and Engels, Lenin and Gramsci, the Frankfurt School and the latest approaches of Marxism. The methodological options most particular are those which derive from the semiotic analysis of films. The central hypothesis is that the films construction about anticommunism happens in two levels: a) first, the level of elaboration preponderates in the simplification, on a clear speech of propaganda, and in this case the criticisms lie on communism and the socialist experiences; b) second, a complex approach is possible here in order to meet the criticism as regards communism and capitalism. Ours hypothesis is based on two great thematic nets: “individual and society” and “inidividual and power”. We then conclude that anticommunism mainly focuses society and subjects as abstrations, the latter being dehumanized or fragmented, and the former being de-historic and unchangeable under colletive actions. Further, the political action of the communist is disqualified through their association with crime, fundamentally seen as members of a conspiration to conquer power and destroy individuality. In the cinematographic community, anticommunism stimulated the tensions between those likely to join the status quo and a counter-hegemonic tendency, which put on various forms of resistance. The anticomunism of the films directly associated with Mccarthysm is identified with the propagandistic approach. It has been present on cinema since be beginning of the twentieth century, but it is surpassing this phase. With the new Cold War, began in the eighties, different aspects were incorporated to the new cycle.

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Résumé L’objet de cette recherche est l’anticommunisme lié à la première Guerre Froid, dans les films realisés entre 1948 et 1969. L’approche met en premier plan la critique des ideologies dans la prodution filmique. La Guerre Froide au cinema sera analysée dans ses implications pour la constrution des stéréotypes, ideologies et concepcions du monde, ayant comme toile de fond, la confrontation entre capitalisme et socialisme. Les options théoriques et méthodologiques se situent dans l’horizon du matérialime historique, d’aprés las contributions originelles de Marx et Engels, Lenin et Gramsci, de l’école de Frankfurt et le contribution plus récente du marxisme. Les options méthodologiques plus spécifiques sont celles dérivées de l’analyse sémiologique de films. L’hypothèse principale est que la constrution filmique sur l’anticommunisme agit sur deux niveaux: a) dans un premier, le niveau de l’elaboration s’incline à la simplification, predominant un discours nettement de propagande. Ici les critiques s’adressent directement au communisme et aux experiences socialistes; b) l’autre niveau est complexe, et l’on peut trouver des critiques au aussibien comunisme qu’au capitalisme. Cette hypothèse est vérifiée à partir de l’établissement de deux grands reseaux thématiques: “individu et société” e “individu et pouvoir”. La conclusion signalle que l’anticommunisme dans les films analysès, s’incline a considerer les societés et les individus comme abstractions. Dans le premier cas, nous trouvons des entités a-historiques et imperméables a l’action coletive. Dans le second cas, nous mettons en évidence la fragmentation et/ou désumanisation. L’action politique des communistes est disqualifiée par le biais de son association avec le crime, ceux-ci étant montrés fondamentalement comme membres d’une conspiration destinée a conquerir le pouvoir et à détruire l’individualité. Dans le milieu cinématographique, l’anticommunisme a provoqué des tensions entre ceux liés au status quo et une tendence contre-hégémonique, qui a élaboré formes divers de résistence. L’anticommunisme des films directement associés au mccarthysme est identifié avec l’approche de propagande. Présente au cinema des le debut du XXème

siécle,

l’anticommunisme dépasse cette période. Avec la nouvelle Guerre Froide des annés 80, d’autres aspects s’incorporeraient à ce nouveau cycle.

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Introdução “Anda um espectro pela Europa – o espectro do comunismo. Todos os poderes da velha Europa se aliaram para uma santa caçada a este espectro, o papa e o tsar, Metternich e Guizot, radicais franceses e polícias alemães.” Karl Marx e Friedrich Engels1 “Para vocês, o cinema é espetáculo. Para mim, é quase uma concepção do mundo. O cinema é o veículo do movimento. O cinema é o renovador da literatura. O cinema é o destruidor da estética. O cinema é intrepidez. O cinema é esportivo. O cinema é difusor de idéias. Mas o cinema está doente. O capitalismo atirou pó dourado em seus olhos. Hábeis empresários o conduzem pela mão nas ruas. Ganham dinheiro comovendo corações com intrigas chorosas. Isso precisa acabar. O comunismo tem que arrancar o cinema das mãos dos que o detém e exploram. (...) Caso contrário, ou teremos claquettes importadas da América, ou os eternos olhos chorosos de Mosjukine. Das duas coisas, a primeira aborrece. A segunda mais ainda.” Vladimir Maiakovski (Kino-Phot, agosto de 1922)

“De Stettin a Trieste desceu-se uma cortina de ferro que atravessa o continente...” Assim o ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill se referiu ao perigo do comunismo, no seu célebre discurso em 1946, em Fulton, Estados Unidos. O comunismo surgia, quase cem anos depois da frase de Marx e Engels, como algo mais que um espectro, era uma realidade inevitável e que exigia o combate dos anticomunistas em todas as dimensões. O cinema será uma delas. O tema da pesquisa é o anticomunismo no cinema, no contexto do conflito Estados Unidos/União Soviética na primeira Guerra Fria. Os filmes analisados compõem o modelo hegemônico da produção cinematográfica, tanto do ponto de vista narrativo, como na preocupação do alcance junto ao grande público. A Guerra Fria no cinema será vista em suas implicações na construção de estereótipos, ideologias e visões de mundo, tendo como pano de fundo, o confronto capitalismo/socialismo. 1

Manifesto do Partido Comunista, p. 33.

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Vale ressaltar as formas pelas quais estabelecemos os recortes do objeto. Em primeiro lugar, boa parte da filmografia ocidental do período do pós-guerra foi intensamente marcada pelos implicações trazidas pela Guerra Fria, mesmo em períodos posteriores ao arrefecimento dessa oposição. Essa abrangência, que evidencia a relevância do tema por si, exige entretanto uma definição sobre o universo fílmico a ser considerado. Duas ordens de razões nortearam os critérios de nossa seleção: em primeiro lugar, selecionamos filmes considerados na historiografia especializada como aqueles de importância fundamental sobre o tema. Não se trata de importância apenas no sentido da crítica de cinema enquanto “matrizes” de qualidade fílmica (isto é, de expressão artística), mas sobretudo filmes notadamente comerciais. Em segundo lugar, outros critérios foram arrolados no sentido de conferir maior precisão ao objeto: contemplar um arco amplo de gêneros cinematográficos, abrangendo da ficção científica ao western; e procurando ampliar para outras cinematografias, além da americana, foram analisados dois filmes britânicos – O terceiro homem e O satânico dr. No. Nenhum desses filmes está disponível nas cinematecas brasileiras, cuja prioridade tem sido a preservação do acervo nacional, por sinal, ainda a demandar recursos que a tornem, de fato, uma política de preservação da memória nacional. A principal forma de acesso às obras tem sido a gravação em videocassete quando da exibição na televisão. O advento da TV por assinatura torna disponível uma razoável quantidade de títulos, de um modo geral, e esta temática, em particular, parece continuar a despertar interesse. Restam ainda os festivais e mostras, onde filmes sobre o tema ou correlacionados foram assistidos; recorri ainda o acervo das locadoras, mais recentemente ampliado com a oferta de títulos em Digital Video Disc (DVD).

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Analisei, seguindo os procedimentos metodológicos completos, doze filme. Esta amostra abrange filmes com tendências propagandistas claras2, como Cortina de ferro, e filmes onde os aportes ideológicos estão diluídos na pretensão artística, como Dr. Fantástico. O recorte temporal tem como marcos 1948, com o lançamento do primeiro filme sobre o tema – Cortina de ferro, e 1969, quando é lançado Topázio – filme que expressa a decadência do modelo estabelecido vinte anos atrás. Paralelamente, trabalho com os dois marcos cronológicos do tema: o lançamento das duas bombas atômicas sobre o Japão e o célebre discurso, nos Estados Unidos, em 1946, de Winston Churchill, quando o exprimeiro-ministro britânico usou pela primeira vez a expressão “cortina de ferro”, e 1963, quando é criada a “linha quente” que colocava as duas potências em contato permanente. Em termos gerais, a periodização que adotamos estabelece dois períodos de distensão e dois picos do conflito. As fases de distensão são o desdobramento do liberalismo rooseveltiano de 1945 a 1947 e o período iniciado com a morte, em 1953, de Stalin até 1957, ano de lançamento pela União Soviética do Sputnik, do primeiro satélite artificial ao espaço, expressão de certa dianteira das economias socialistas frente ao capitalismo 3. Os pontos culminantes no conflito são a tomada do poder na Tchecoeslováquia pelos comunistas e a divisão da Alemanha em 1948, a Guerra da Coréia (1950-1953) e a crise dos mísseis em 1962, em Cuba, (antecedida pela construção do muro de Berlim no ano anterior. Como os filmes expressam muito das circunstâncias nas quais estão inseridos, o tom mais unilateral ou complexo variou de acordo com as oscilações na relação Estados Unidos/União Soviética. Cortina de ferro (1948) e Fui um comunista para o FBI (1951), ambos profundamente maniqueístas, são bem característicos de um período de acirramento 2

A partir da informação de Furhammar e Isaksson de que se fazia um filme por mês com estas características, pode-se estimar, para o período estabelecido, cerca de uma centena de filmes. Cf. Cinema e política, p. 64.

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nas relações entre os dois países. Já Dr. Fantástico (1964), comédia negra sobre os riscos da corrida nuclear Leste/Oeste, é típica da fase de distensão. A hipótese central é que a construção fílmica sobre o anticomunismo na Guerra Fria se dá em dois níveis: 1) no primeiro nível apresenta uma concepção de mundo de um maniqueísmo elementar: a imagem de amigo/inimigo, o “modo de vida americano”, a tensão individualidade/realidade social são apresentados sem mediações – o comunismo/comunista é mostrado como estereótipo do inescrupuloso, violento e racional (sem emoções), enquanto o “mundo livre” é moralmente correto, onde as emoções fluiriam saudavelmente e o pleno desenvolvimento individual estaria assegurado. As concepções ideológicas dos filmes sobre a Guerra Fria se cristalizam na defesa do anticomunismo. Mas, ao mesmo tempo, é preciso afirmar uma concepção de mundo, que será construída com base no modo de vida capitalista e no reconhecimento de virtudes no comunismo. O anticomunismo, portanto, vai se amparar numa visão de mundo híbrida, construindo um imaginário que abriga diferentes concepções filosóficas e ideológicas. Este processo de transformação do inimigo em estereótipo leva a violentos paradoxos, pois o cinema que se apresenta como defensor do chamado “mundo livre” precisa produzir a imagem do inimigo destruindo concepções teoricamente valorizadas no pensamento liberal, como individualidade e liberdade. Quero afirmar que este empreendimento de transformação do inimigo em estereótipo conduz a tal nível de transbordamento argumentativo que expõe acentuadas contradições no exame do discurso/construção fílmica. 2) no segundo nível, a construção fílmica é complexa, com lugar para a crítica de aspectos da sociedade capitalista, seja de forma metafórica ou direta. Neste conjunto de

3

Eric J. HOBSBAWM, Era dos extremos, p. 240.

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filmes, a origem da ameaça é dupla: pode vir do comunismo ou da própria sociedade capitalista. Acompanham estas concepções, variantes marcadas pelas oscilações de tensão ou distensão no conflito capitalismo/comunismo. Se confrontadas com a realidade social, estas variações apresentam algumas clivagens, sugeridas como hipóteses secundárias: a) a produção dos filmes anticomunistas é influenciada pela política do governo americano; esta relação altera a construção fílmica dos estereótipos; a imagem do inimigo muda no decorrer dos períodos de tensão e relaxamento entre os dois pólos; b) no plano interno ao meio cinematográfico, a questão se reproduz em bases semelhantes ao conflito externo: individualismo e/ou solidariedade ou ação coletiva estão mediados pelo problema da delação ou denúncia. A questão do patriotismo é traduzida em termos particulares ao meio cinematográfico, sem deixar de refletir o padrão dominante na sociedade americana; c) a história, no sentido de processo social, e o estilo realista, parecem, inicialmente, como instrumentos necessários à atribuição de credibilidade à narrativa propagandística, daí o recurso inicial ao thriller, um gênero de forte conexão com a realidade e o recurso a relatos verídicos. No entanto, a propaganda ideológica nos filmes recorreu, freqüentemente a gêneros menos realistas, como a ficção científica, até se consolidar numa mescla de ambos – a série James Bond. Apresento agora uma síntese das opções teóricas. Trabalho basicamente com o conceito de ideologia, situado no âmbito da teoria marxista do conhecimento, partindo do pressuposto de que é impossível pensar a influência do cinema sem refletir sobre o significado da ideologia e das idéias como força material.

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O problema do reflexo na arte se articula diretamente com a teoria do conhecimento sob o ponto de vista do materialismo histórico e dialético. Antes de mais nada, é preciso estabelecer o pressuposto fundamental do materialismo: o mundo exterior existe independentemente da consciência. A teoria marxista do conhecimento, por sua vez, parte de duas premissas: a primeira é que as categorias e esquemas lógicos existem fora e independentemente do pensamento, refletindo na consciência coletiva; a segunda afirma que o homem pensa segundo condições históricas socialmente determinadas. 4 Desde as contribuições iniciais, até os debates mais recentes, a teoria do reflexo tem sido alvo de grandes polêmicas. O materialismo histórico, na sua expressão mais próxima das idéias de Marx e Engels, tem afirmado que reflexo estético constituir-se-ia numa imagem aproximada da realidade, uma forma de desvendamento da realidade em seus níveis mais essenciais. Emilio Garroni tem criticado em Lukács uma certa abordagem dessa teoria, sugerindo que uma visão superficial do realismo e do racionalismo pode comprometer a elaboração de uma nova cultura crítica. Garroni relaciona a teoria do reflexo com o problema da mimese, entendida como a recriação da realidade na arte: “Seria incorreto e inadequado defender que neles [Lukács e Croce]o princípio da representação artística é explicitamente a mimese; e no entanto é suposto tal princípio; e é o que explica – como já se disse – a sua aversão pela arte de vanguarda, ou talvez simplesmente moderna, na medida em que ela põe em questão a capacidade mediadora e explicadora do esquema mimético (pelo menos na sua formulação degradada). Lukács (o chamado segundo Lukács) fala sim, explicitamente, de ‘espelhamento artístico’ da realidade social, mas também tem a preocupação de precisar continuamente que não se trata de modo nenhum de espelhamento puramente mecânico e imitativo, fotográfico. Explicitamente, portanto, está em jogo não tanto o espelhamento mimético da realidade como sobretudo a referência em geral à realidade, a capacidade – para a arte e a literatura – de interpretá-la, torná-la comunicável ou também de ter incidência sobre ela, o que é talvez o aspecto do espelhamento artístico mais desenvolvido na recente Aesthetik I. (...) E o ‘amor’ dedicado à ‘realidade’ é tão forte e ingénuo (ingénuo, porque não há de facto necessidade de amar a realidade, desde o momento que ela ‘existe’) que o espelhamento artístico torna-se de novo, mesmo explicitamente, puro e simples isomorfismo

4

Ciro Flamarion CARDOSO, Ensaios racionalistas, p. 4.

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e mimese imediata: isso comporta apenas um pequeno ajustamento, isto é, a projeção da lógica representativa sobre a própria realidade como sua lógica objectiva”.5

(...) O erro, portanto, não está tanto em adoptar um esquema mimético, mas antes em absolutilizá-lo como único esquema possível, como um paradigma implícito, óbvio (na realidade mágico) e como tal não merecedor de tratamento analítico: o que é o erro, a inadequada assunção, explícita ou implícita, que nos pareceu reconhecer num Lukács ou num Croce.6

V. I. Lênin discute a teoria do reflexo remetendo-a para o vínculo que o conhecimento tem com a prática, a partir da segunda tese de Marx sobre Feuerbach: a praxis como critério último da verdade. Nos Cadernos Filosóficos, esta tese será retomada na expressão “processo sem sujeito”: “A formulação ‘processo sem sujeito’ pretende sustentar a posição metodológica não subjetivista, no sentido de que o processo real do objeto do conhecimento é sempre interno e necessário, independentemente da concepção que tenhamos do mesmo”.7

Uma abordagem da teoria do conhecimento, que dê conta da determinação material e da possibilidade das idéias se constituírem também como força material, está presente em Lênin e outros autores, como Adam Schaff: “A consciência nem é totalmente autogênea (no sentido de que dependeria exclusivamente da vontade do sujeito), nem é autônoma (no sentido de uma simples filiação das idéias). É um reflexo, mas um reflexo considerado num sentido particular, filosófico, deste termo, e não se nega nem a autonomia relativa do seu desenvolvimento, nem a sua ação sobre o desenvolvimento da base”.8

Considero esta visão da questão importante na compreensão da complexidade do discurso fílmico anticomunista. Não é possível dar conta das nuances apresentadas nos filmes, se não se concebe as possibilidades de atuação das idéias como força capaz de produzir convencimento, ou seja, as idéias se constituírem como força material. O problema da ideologia também deve ser situado, no âmbito dessa discussão, como fenômeno consciente e inconsciente, cujas manifestações têm lugar na vida cotidiana. 5

Emilio GARRONI, Projecto de semiótica, pp. 45-46. Ibid., p. 49. 7 Tarso GENRO, Notas ao artigo Para uma leitura de ‘materialismo e emipirocriticismo’, de Dominique Lecourt, pp. 53. 6

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O conceito de ideologia pode ser visto a partir das mais diversas abordagens, mas fundamentalmente existem duas matrizes básicas: a ideologia como concepção de mundo e a ideologia como falsa consciência. Estas duas matrizes representam tensões que apontam para uma visão totalizante, necessariamente, da ideologia, supondo-se que o seu sentido pejorativo (limitado) pode desaparecer na medida em que as distinções de classe também desapareçam. Outro aspecto fundamental, na abordagem marxista do fenômeno ideológico, é o da determinação material da sua constituição, como já mencionamos acima: “A produção de idéias, de representações, da consciência, está, de início, diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material dos homens, como a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens, aparecem aqui como emanação direta de seu comportamento material.”

“Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência”.9

Ciro Flamarion Cardoso aponta três enfoques e três noções para o conceito. Há um enfoque genético (conexão entre um determinado grupo social e sua consciência coletiva), estrutural (ideologia como sistema coerente de idéias, concepções, representações ...) e funcional (a ideologia como instrumento na luta de classe). As noções daí advindas são a) a ideologia como sistema de crenças e idéias características de classes ou grupos, b) falsa consciência (burguesa), que leva a oposição entre ideologia e ciência c) e ideologia como processo de produção de significações e idéias na sociedade, esta última desenvolvida a partir dos estudos de semiótica.10 Antonio Gramsci vincula o problema da ideologia ao papel dos intelectuais. Além da identificação de intelectuais orgânicos e intelectuais tradicionais, distingue ideologias orgânicas e ideologias arbitrárias. A primeira forma se liga aos intelectuais orgânicos, con8 9

Adam SCHAFF, História e verdade, p.168. Karl MARX e Friedrich ENGELS, A ideologia alemã, pp. 36- 37.

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tribuindo para a formação da consciência crítica e mudança social, no segundo caso, as ideologias tendem a colaborar para a manutenção do status quo.11 Gramsci aponta também para a necessidade de superação da dicotomia estrutura/superestrutura: “A estrutura e a superestrutura formam um ‘bloco histórico’, isto é, o conjunto complexo – contraditório e discordante – das superestruturas é o reflexo do conjunto das relações sociais de produção. Disto decorre: só um sistema totalitário de ideologias reflete racionalmente a contradição da estrutura e representa a existência das condições objetivas para a inversão da praxis”12 (grifo de Gramsci).

O trabalho sobre a ideologia a partir de uma concepção semiótica pressupõe que ela seja uma dimensão do social, atravessando-o em toda sua extensão, não podendo assim ser considerada uma instância, um lugar, como é comum ao se estabelecer a dicotomia base/superestrutura.13A concepção semiótica de ideologia, de certa forma, se aproxima do conceito de bloco histórico, de Gramsci, à medida que aponta para a superação dessa dicotomia. Na abordagem da relação cinema/história, cinema/sociedade, retomo, inicialmente, as reflexões de Marc Ferro e Pierre Sorlin. Para o primeiro, o filme “vale por aquilo que testemunha”. O seu uso como fonte para história pressupõe que não seja abordado particularmente como obra de arte, atentando-se para aquilo que “não é filme”: o autor, a produção, o público, a crítica, o regime político no qual foi realizado.14 Das reflexões de Sorlin, me interessa, particularmente, sua idéia de que os modelos miméticos, aqueles que partem da sociedade para encontrar seu reflexo nos filmes, têm sido insuficientes “à medida que não fazem senão repetir o que já se sabe desde o princípio; seguiremos outro itinerário: dos

10

Ciro Flamarion CARDOSO, Narrativa, sentido, história, pp. 30-36. Antonio GRAMSCI, Concepção dialética da história, pp. 62-63. 12 Ibid., p. 52. 13 Ciro Flamarion CARDOSO, Narrativa, sentido, história, p. 36. 14 Marc FERRO, O filme. Uma contra-análise da sociedade?, p. 203. 11

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filmes para a sociedade”. O conceito de construção fílmica representa a tentativa de fugir desse risco: “(...) a construção fílmica é o processo pelo qual o cinema de uma época capta um fragmento do mundo exterior, o reorganiza, dá-lhe uma coerência e produz, a partir desse contínuo que é o universo sensível, um objeto determinado, fechado e descontínuo e transmissível; em outros termos, a construção funda a imagem cinematográfica da 15 sociedade, a sociedade tal como é mostrada no cinema que os viu nascer”.

Mesmo que o cinema, particularmente, na sua vertente hegemônica – o modelo narrativo que tem origem com David W. Griffith, ofereça confortáveis retratos da realidade, especial atenção deve ser dada ao seu caráter de reprodução do mundo social: “O historiador, ao interrogar um filme mediante a análise – ou de vários filmes, ou de partes de um ou mais filmes – deve tratá-lo como um conjunto de representações que remetem direta ou indiretamente ao período e à sociedade em que a obra cinematográfica surgiu. O postulado de base é, aqui, o seguinte: um filme fala sempre do presente, diz algo a respeito do momento e lugar que constituem o contexto de sua produção. Isto ocorre ainda no caso de filmes históricos ou de ficção científica: o passado e o futuro mostrados nos filmes, vistos depois de algumas décadas, são percebidos com a marca bastante clara e ineludível de momentos deste século.16

Mais adiante Ciro Flamarion, com base em Sorlin, retoma alguns elementos que podem orientar uma interpretação sócio-histórica de filmes: “1) o sistema de papeis ficcionais e papéis sociais: no cinema norte-americano, por exemplo, o ‘politicamente correto substituiu nos filmes o esquema branco bom/índio mau pelo esquema contrário; 2) os tipos de lutas e desafios que os roteiros descrevem, os papeis ou grupos sociais envolvidos na ação, cuja ênfase pode recair em indivíduos, grupos organizados, ou em idéias abstratas como nação; 3) o modo como os filmes representam a organização, as hierarquias e as relações sociais é muito pertinente: por exemplo, os modos de caracterizar os negros e as formas de tratar-lhes socialmente nos filmes de Shirley Temple são inaceitáveis atualmente, mesmo nos Estados Unidos, mas sua análise diz muito sobre a situação das décadas de 1930 e 1940; 4) o grau em que um filme sublinha ou, pelo contrário, procura ocultar elementos da sociedade, através de inclusões, exclusões e ênfase que adota necessariamente, é muito indicativo; 6) deve-se perguntar o que os filmes procuram obter de parte do espectador diante de situações, grupos ou relações sociais (identificação, simpatia, emoção, repúdio, etc.)17

15

Pierre SORLIN, Sociologia del cine, p. 230. Ciro Flamarion CARDOSO, Análisis semiótico de películas: um método para historiadores, p. 14. 17 Ibid., pp. 14-15. 16

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Sorlin, no seu livro Cines europeus, sociedades europeas: 1939-1990, identifica duas posições nos estudos que relacionam cinema e história: o cinema visto como janela para o mundo e o cinema como artefato, revelando seu caráter fictício, mesmo quando descreve situações retiradas da realidade. Sorlin fundamenta a segunda vertente recorrendo ao conceito de imagem: “A noção de ‘imagem’ nos ajuda a superar a oposição entre realidade e representação. Nossa relação com os fatos e as pessoas é mediada pelas imagens; algumas nós as produzimos mas a maioria nos oferece a sociedade em que vivemos e, portanto são comuns a todos os membros do grupo”.18

Stuart Samuels pensa que é possível conciliar os dois procedimentos: 1) os filmes refletem ideologias existentes, reproduzindo mitos, idéias, conceitos, imagens de um certo período histórico, tanto no conteúdo como na forma; 2) por outro lado, também produzem sua própria ideologia, podendo fortalecer determinada concepção ou questioná-la.19 Graeme Turner compartilha das preocupações de Sorlin quanto ao perigo de uma leitura apressadamente realista dos filmes. Turner, ao analisar o cinema australiano e especialmente o filme Metrópolis (1926), de Fritz Lang, desenvolve uma importante reflexão sobre o caráter histórico-social do cinema. Ela tende a enfatizar o segundo aspecto, usando como base a lingüística estrutural, a antropologia estrutural e uma certa interpretação das teorias marxistas. Turner chega a afirmar que “o cinema não reflete nem registra a realidade; como qualquer outro meio de representação, ele constrói e ‘re-apresenta’ seus quadros da realidade por meio de códigos, convenções, mitos e ideologias de sua cultura, bem como mediante práticas significadoras específicas desse meio de comunicação. Assim como o cinema atua sobre os sistemas de significação da cultura – para renová-los, reproduzi-los ou analisá-los -, também é produzido por esses sistemas de significado”.20 (grifos da autora).

A autora, preocupada como uma visão simplista da teoria do reflexo, percebe a presença insofismável da ideologia em todo o processo: “tanto a produção quanto a recep-

18

Pierre SORLIN, Cines europeus, sociedades europeas, p. 15. Stuart SAMUELS, The age of conspiracy and conformity: Invasion of the body snatchers (1956), p. 206. 20 Graeme TURNER, Cinema como prática social, pp. 127-128. 19

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ção do filme são envolvidos por interesses ideológicos, não importa quão insistentemente isso possa ser negado”.21 Já na década de vinte, um passo adiante fora dado pelos soviéticos. Além da percepção dos interesses ideológicos, debruçaram-se sobre as possibilidades de influência do cinema na formação das idéias. Desde as experiências de Lev Kuleshov, até a prática da montagem, em Serguei Eisenstein e Vselvold Pudovkin, como forma de direcionar a experiência da platéia, o cinema soviético viveu basicamente duas preocupações: a intensa ênfase da montagem, na primeira fase, e um certo retorno à narrativa realista, a partir de 1935. Eisenstein lembra, no artigo “Novos problemas da forma cinematográfica”22, de 1935, que o cinema da construção revolucionária (O prado de Bezhin, 1935) não poderia ser o mesmo do momento inicial da revolução (Outubro, 1927). Num primeiro momento, as experimentações precisam fluir da forma mais livre possível, num segundo momento, se faz necessária a síntese, para que os passos já percorridos sejam consolidados e novos sejam dados. A propaganda das idéias socialistas era preocupação central da escola, ratificando os contrastes como o principal recurso da argumentação. A propaganda, nesse sentido, não remetia a mercado, mas expressava o engajamento em valores coletivos e na produção compartida de visões de mundo e de uma nova estética. As confrontações entre bem e mal, beleza e feiura, pureza e sujeira, ordem e caos criariam condições para uma adesão inevitável e inequívoca, lembram Furhammar e Isaksson.23 Esses dois autores procuram levantar questões sobre a eficácia e limitações dos

21

Ibid., p. 143. Serguei EISENSTEIN, Novos problemas da forma cinematográficas, pp. 219-220. 23 Cinema e política, pp. 158-159. 22

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procedimentos da escola soviética, sugerindo como alternativa, o caminho apontado por André Bazin, de um cinema que sugira em vez de dirigir, questione em vez de afirmar.24 Furhammar e Isaksson concluem: “Na verdade pode-se dizer que os filmes de propaganda são em si mesmos figuras de retórica. Desde que o objetivo do gênero (filme de propaganda) é criar determinadas generalizações a partir dos incidentes isolados e exibidos, os acontecimentos e os personagens principais sempre representam mais do que a si mesmos. Invariavelmente representam conceitos coletivos mais amplos – uma coletividade, um movimento, uma ideologia, uma nação, um inimigo. Assim, cada filme de propaganda, bem como cada herói e cada vilão, é de per se uma sinédoque.”25 (grifos de Furhammar e Isaksson).

Como pudemos observar no artigo de Eisenstein, a sua visão da montagem tem mais nuances do que se costumar considerar. Quanto a relação estereótipo/representação ideológica, Tunico Amancio, no livro O Brasil dos gringos: imagens no cinema, que analisa a representação do Brasil e dos brasileiros nos filmes estrangeiros de ficção, produzidos na década de 80, se aproxima das formulações de Furhammar e Isaksson quanto ao uso desse conceito. Para estes, os comunistas têm traços e comportamentos estereotipados visando a identificação deles como desonestos.26 Amancio trabalha as imagens trazidas pelo visitante estrangeiro ao Brasil. As imagens do Brasil e dos brasileiros no cinema se alimentariam desses clichês já banalizados em outros meios.27 Jean-Patrick Lebel, em seu Cinema e ideologia, analisa como a ideologia é incorporada aos filmes e como o cinema opera o processo de significações. O filme A confissão (1970), de Costa-Gravas, é confrontado com este aporte teórico e Jean-Patrick Lebel enfrenta o mesmo dilema de Sorlin, e definindo, de forma semelhante, a realidade que o filme reproduz como imaginária, afirma:

24

Ibid., p. 145. Ibid., p. 157. 26 Ibid., p. 132. 27 Tunico AMANCIO, O Brasil dos gringos: imagens no cinema, p. 192. 25

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“Não se trata de julgar a maneira como um filme se refere ao real induzido por ele, visto que, de facto o filme não induz nenhuma realidade. O que interessa não é que um filme seja a imagem de qualquer coisa (que existiria realmente), mas que seja simplesmente uma imagem. O que está em discussão, não é esta realidade da qual o filme não é senão a imagem, visto que esta realidade não existe, ou melhor, visto que só existe no universo da ficção do filme, ou seja esta realidade não é literalmente outra coisa senão imaginária”.28(grifos de Lebel).

Entre as duas posições: o cinema como simples reflexo da realidade e o cinema como pura construção imaginária, vejo a possibilidade de se pensá-lo como vinculado à formação econômico-social no qual é produzido. Iniciar com os elementos próprios ao filme – a chamada construção fílmica, segundo Sorlin, certamente é recomendável, no entanto, faz-se necessário retornar às condições materiais de sua produção, para compreendêlo como produto de uma certa indústria e elemento de reprodução do modo de produção.

Passemos agora para algumas definições metodológicas. O método que adotamos baseia-se essencialmente nas contribuições de Emilio Garroni, desenvolvidas por Ciro Flamarion Cardoso. A proposta de Garroni se fundamenta nas relações entre imagem e palavra, definida em termos de uma semiótica heterogênea ou conotativa:

(...) a dimensão verbal não é estranha à imagem, mas é interior a ela como uma das condições da sua estrutura e da sua legibilidade. Neste caso, a palavra que ‘desabrocha’ nos lábios de uma personagem-imagem, embora imprevista ou inesperada, não chega como inserção imotivada de uma dimensão nova, até então totalmente estranha, mas não faz mais que produzir explicitamente o que já estava implicitamente presente como modelo formal no próprio plano da visualidade.”29

A concepção de semiótica conotativa é assim definida por Cardoso: “A semiótica conotativa é aquela em que o plano da expressão é uma semiótica completa e o plano do conteúdo, um ‘conotador’ – entenda-se , um conjunto de convenções e restrições”.30 Tomese como exemplos uma poesia e um filme pornográfico: o plano da expressão, no primeiro caso, é a semiótica da língua natural e o plano do conteúdo são as convenções e restrições 28

Jean Patrick LEBEL, Cinema e ideologia, p. 97

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formais; no segundo, o plano da expressão é a linguagem verbal, portanto um “conotador”, e o plano do conteúdo é a imagem, constituindo uma semiose-guia. Podem ocorrer três subcasos do modelo da semiótica conotativa: a) a linguagem verbal tem função distintiva em relação à imagem, ou seja, a linguagem verbal funciona como semiose-guia e a imagem como conotador; ex.: aulas filmadas, documentários; b) a imagem tem função distintiva em relação a linguagem verbal , ou seja, a imagem funciona como semiose-guia e a linguagem verbal como conotador, ex.: filmes publicitários, de propaganda política, pornográficos; c) não se pode estabelecer nem um plano da expressão nem plano do conteúdo, como é o caso dos filmes de maior complexidade artística.31 Reunindo as contribuições de Christian Metz e Emilio Garroni, no âmbito da semiótica do cinema, aos estudos de Claude Bremond e Tztevan Todorov sobre sintaxe narrativa e as concepções de Algirdas Greimas e Joseph Courtés sobre análise isotópica, Cardoso estabelece os seguintes parâmetros para análise de filmes: “Em primeiro lugar, decidimos trabalhar prioritariamente com os aspectos narrativos dos filmes, por ser a narratividade comum ao cinema, à literatura e à história em quadrinhos. Em segundo lugar, tratamos de adaptar ao cinema processos técnicosmetodológicos concebidos para aplicação a textos escritos [...] Ou seja, ‘cortamos’ os filmes a analisar em unidades que explicitassem sua sintaxe narrativa, de acordo , segundo os casos, com o método de Claude Bremond ou o de Tzvetan Todorov (descartando, porém, as complicações julgadas desnecessárias do método das ‘estruturas narrativas de superfície’ como o expõe Joseph Courtés); e procedemos ao estudo dos filmes assim divididos de acordo com o método da leitura isotópica ...” (grifos de Cardoso)32

No contexto de compreensão da narrativa, o chamado universo diegético ou diegese fundamenta-se na coerência entre a história e as formas da narrativa que a tornam convincente. A palavra diegese significa em Aristóteles e Platão uma certa técnica de narração. No sentido moderno ela compreende três aspectos: 1) é a história compreendida como um 29

Emilio GARRONI, Projecto de semiótica, p. 354 Ciro Flamarion CARDOSO, Narrativa, sentido, história, p. 217. 31 Ibid., pp. 217-218. 32 Ibid., pp. 219-220. 30

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mundo fictício, formado por elementos constitutivos de uma globalidade, significando tanto as ações, o contexto, “quanto o ambiente de sentimentos e de motivações nos quais elas surgem”; 2) o universo diegético como um estatuto ambíguo, gerando a história e também aquilo em que ela se apóia; 3) e por último, a diegese deve ser entendida como forma em que a história é apreendida pelo leitor/espectador.33 Na análise isotópica é necessário levar em conta dois aspectos: os níveis semânticos do discurso – figurativo, temático e axiológico, e a isotopia propriamente dita. Os níveis figurativo e temático formam uma oposição complementar: enquanto o primeiro diz respeito diretamente aos sentidos (olfato, visão, audição, tato e paladar), o segundo organiza os significados apreendidos. O nível axiológico tem a ver com o sistema de valores euforizados ou desforizados pela narrativa, enquanto o conceito de isotopia permite apreender os elementos recorrentes, agrupados em unidades idênticas a serem comparadas. As categorias semânticas isotópicas, organizadas nos níveis semânticos, configuram o método da leitura isotópica, que consiste primeiramente no exame comparativo das partes componentes do texto, definindo suas categorias de significação; em seguida, isolase as categorias isotópicas, isto é, elementos reiterativos que se expressam em redes temáticas, e por fim, distribui-se estas categorias pelos três níveis semânticos (figurativo, temático e axiológico).34 As adaptações ao método se situam no trabalho com as redes temáticas. No caso em estudo, as redes temáticas não se limitam somente a um único filme, como é mais recorrente. Estabeleci um corpus de doze filmes, cada um deles é recortado em redes temáticas de alcance mais específico e depois, agrupadas em duas redes temáticas maiores. Compõe-se assim, desde a sinopse da obra, passando pela sintaxe narrativa, até a leitura isotópica, um

33 34

Jacques AUMONT e outros, A estética do filme, pp. 113-116. Ciro F. S. CARDOSO, Narrativa, sentido, história, pp. 172-174.

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instrumento de pesquisa, a serviço da análise mais acurada das questões levantadas para a investigação. Cada filme é “cortado” em pequenas unidades que explicitem sua sintaxe narrativa (uma espécie de novo roteiro do filme), neste caso, trabalhando o filme inteiro (técnica preponderante); e a seleção de seqüências significativas, descartando outras passagens de determinado filme. Para manter-se vinculado às potencialidades da construção fílmica, é indispensável gravar as redes temáticas dos filmes, numa espécie de copião, para que possa ser visto e revisto com mais praticidade do que um filme isolado, e revelando, na colagem de seqüências de filmes distintos, a problematização numa ótica mais ampla. Mesmo analisando o filme fundamentalmente como documento histórico, portanto, deixando em segundo plano seus elementos estéticos, não se pode fazer análise de qualquer documento sem levar em conta as suas características. No caso de obras com pretensões artísticas, esta preocupação se redobra. Quanto aos elementos da linguagem cinematográfica procurei observar a sua presença mais significativa e as relações com a fundamentação do discurso. A escala de planos é um assunto dos mais escorregadios, preferimos falar de planos aproximados, planos intermediários e plano geral, que não supõe subdivisão. O primeirísmo plano ou close e o primeiro plano são os aproximados, os planos intermediários são o plano médio e o plano americano. No close e no primeiro plano, temos o enquadramento de maior proximidade com o objeto; o plano médio, definido como o enquadramento que dá conta do objeto na sua inteireza e o plano americano fazendo um corte de parte desse objeto; e por último, o plano geral, com sua definição de recorte amplo do ambiente onde a ação se desenvolve. A posição da câmera confere outro importante elemento na linguagem cinematográfica. A câmera baixa ou contra-plongée é quando o tema é fotografado de baixo para cima,

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ficando a câmera abaixo do nível normal do olhar. Esta posição tem sido associada ao efeito de superioridade, exaltação e triunfo dos objetos assim filmados. A câmera alta ou plongée (o tema é fotografado de cima para baixo) tende a esmagar o indivíduo, fazendo-o apequenar-se no ambiente em que se encontra. Os movimentos de câmera são o terceiro elemento dessa tipologia básica da linguagem cinematográfica. Podemos definir três tipos de movimentos de câmera: travelling, panorâmica e trajetória. O travelling consiste no deslocamento da câmera durante o qual o ângulo entre o objeto que está sendo fotografado e a câmera permanece constante. A panorâmica é a rotação da câmera em torno de seu próprio eixo vertical ou horizontal, sem deslocamento do aparelho. A trajetória é uma mistura de travelling e panorâmica, realizado com um equipamento chamado grua que eleva significativamente a câmera. Trata-se de um movimento raro e nos filmes analisados não identificamos nenhuma trajetória. Deve-se levar em conta que os três elementos acima, na prática, se interligam configurando situações mistas, onde particularmente, o travelling se presta a mudanças de enquadramentos, com primeiros planos virando planos gerais à medida que a câmera se afasta do objeto filmado.35 Outros elementos fílmicos não específicos estão presentes na linguagem cinematográfica, como cor, iluminação, vestuário, cenário e desempenho dos atores. Todos esses últimos elementos receberam um tratamento bastante pontual na presente pesquisa. Antes de apresentar a organização da tese, algumas breves considerações sobre o que nos projetos chamamos de relevância social e científica dos temas e interesse pessoal.

35

As definições dos elementos de linguagem acima tiveram como base Marcel MARTIN, A linguagem cinematográfica, pp. 31-74.

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Resisto a ver o cinema apenas como uma paixão. O trocadilho motion/emotion me parece muito restritivo. Prefiro pensar, como Vladimir Maiakovski, o cinema como concepção do mundo, onde intrepidez, luz, emoções, idéias são inseparáveis. As minhas primeiras aproximações com o mundo das imagens envolveram esses múltiplos aspectos. No final dos anos 70, participei de ações culturais onde os filmes estavam muito ligados à luta política travada naquele período: apresentávamos filmes sobre movimento operário de São Bernardo para contribuir com o fundo de greve, debater aqueles movimentos e organizar outras lutas. Era um cineclubismo colado ao calor dos acontecimentos, bem pouco parecido com o mais tradicional. Antes disso, os filmes hollywoodianos exibidos na TV iam formando percepções na dimensão mais emotiva. Viva Zapata!, Vampiros de almas foram ali vistos pela primeira vez. Ambos me impressionaram muito e confesso que, até bem pouco tempo, não pensava que um dia estariam sendo alvos de uma tese acadêmica, particularmente o segundo, com aquela exótica história de vagens gigantes que assumem a forma humana. Poder combinar este forte interesse pessoal com o desenvolvimento de um trabalho científico ocorreu graças a vários motivos. Entre outros, destacaria o ambiente propício a novas proposições que a Universidade Federal Fluminense, a qual estou vinculado como estudante, desenvolve. Estudar o anticomunismo no cinema cumpre um segundo critério. A batalha em torno das idéias assume muita importância num tempo onde freqüentemente o seu fim é decretado, seja como fim das ideologias ou fim da história. Assim, estudar as idéias onde elas parecem cercadas de limites aparentemente tão consolidados parece justificar o desafio. De fato, o cinema e o audiovisual de um modo geral, ainda são um universo pouco explorado pelos historiadores.

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A forma de apresentação da tese procura se aproximar de um hipertexto. O cinema como objeto de investigação bastante peculiar, certamente, contribuiu para este formato. O cinema ao falar da realidade através da realidade reproduz mundos e pensamento. Parece que necessariamente a exposição de uma investigação fílmica deve ter esta forma, parecida com o pensamento humano, que o hipertexto tenta reproduzir. A organização dos capítulos se orienta em dois níveis: o primeiro corresponde às duas grandes redes temáticas: 1) indivíduo e sociedade; 2) e indivíduo e poder, norteando a análise que é feita, respectivamente, nos capítulos 2 e 3; aqui, o fundamental é estabelecer relações entre a construção fílmica, expressa nas redes temáticas, e concepções filosóficas e políticas que os filmes apresentam. De certa forma, as questões ligadas aos conceitos de “homem e sociedade” e “indivíduo e poder” atravessam todos os capítulos como elementos que vão se desdobrando no decorrer da exposição. Também nestes dois capítulos, articulo a concepção de indivíduo com os estereótipos sobre o homem no modo vida capitalista e o homem comunista, estabelecendo duas tipologias: os comunistas são “gangsters truculentos” e os defensores do capitalismo são “mensageiros do bem”. No segundo nível, trabalho com os elementos estritamente históricos, sejam relativos ao meio cinematográfico (capítulo 4), sejam alusivos ao tratamento que os acontecimentos centrais da Guerra Fria receberam no cinema (capítulo 5). Nestes capítulos, veremos, as condições de produção de filmes contingenciadas pela Guerra Fria e a construção ideológica em torno dos episódios centrais do conflito. Presente em todos os capítulos, de forma secundária, a documentação não-fílmica (crítica e tratamento dispensado pela imprensa) tem destaque no capítulo 6, onde apresentamos as condições de produção e exibição dos filmes e os aspectos técnicosmetodológicos da análise realizada.

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Neste capítulo, cada filme é apresentado com a) uma ficha técnica com dados essenciais, uma resenha crítica com uma pequena sinopse e uma valorização crítica do filme; b)um contexto onde as condições de sua produção são associadas ao tema; c) uma sintaxe narrativa, reproduzindo a história em unidades pequenas, como seqüências ou bloco de seqüências; d) uma sucinta descrição do universo diegético, referenciado basicamente nos aspectos relacionados com o tema; e) e por último, a grade da leitura isotópica, com as redes temáticas assinaladas. Ainda consta, numa seção específica, o conjunto das redes temáticas dos doze filmes analisados.

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Capítulo 1: O tema [Ser anticomunista] “significa ... dividir categoricamente a humanidade em dois campos e considerar ... o dos comunistas ... como o campo daqueles que já não são homens, por haverem renegado e postergado os valores fundamentais da civilização moderna.” Palmiro Togliatti36

A União Soviética teve papel preponderante na vitória sobre o nazi-fascismo. O preço pago, no entanto, foi bastante alto: cerca de vinte milhões de vítimas humanas, mais de quinze grandes cidades destruídas, seis milhões de prédios arrasados, deixando vinte e cinco milhões de pessoas desabrigadas, trinta e um mil e oitocentos e cinqüenta empresas industriais desapareceram e as forças armadas foram reduzidas em 75 % em razão das baixas sofridas durante a guerra. Com o fim da guerra, para iniciar a reconstrução,

houve

uma desmobilização de oito milhões e meio de soldados, entre 1945 e 1947, quando o Exército Vermelho chegou a um contingente inferior a três milhões. Como fazer crer que esse país estava prestes a invadir a Europa e conquistar o resto do mundo? Os Estados Unidos saem da guerra numa situação bastante diferente. A produção industrial aumentou duas vezes e meia durante o conflito em razão das encomendas de guerra, sua produção industrial representava 60 % da produção mundial, para lá seguia a terça parte das exportações mundiais e 70 % das reservas de ouro dos países capitalistas. Além disso, tinham estabelecido o dólar como moeda internacional no mundo capitalista, fundado o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial na Conferência de Bretton Woods, em 1944. Não seria esse o país com mais chances de se constituir numa ameaça à soberania nacional dos demais? Como se sabe, a luta ideológica se trava em diversos níveis e prazos, as decisões políticas e econômicas, por sua vez, são mais imediatas. Algumas medidas urgentes fo-

36

Rinascitá, ano XI (8 e 9), 1954.

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ram tomadas pelos Estados Unidos logo após a guerra, entre outra, duas começam a ser articuladas em 1947: a chamada Doutrina Truman e o Plano Marshall. Motivado pelo pedido de ajuda que o governo britânico fez aos Estados Unidos, de que passassem a financiar os governos grego e turco, o presidente Harry Truman enviou mensagem ao Congresso americano justificando a intervenção americana onde houvesse conflitos sociais que ameaçassem o capitalismo: “os povos livres do mundo olham para nós esperando apoio na manutenção de sua liberdade”, dizia o presidente. A Doutrina Truman tinha como base a idéia da contenção do comunismo, defendida por George Kennan, responsável pelos negócios americanos em Moscou. Kennan apresentava a União Soviética como inimigo inconciliável e pregava a construção de “poderosos diques em torno da torrente russa”, traduzidos em programas de ajuda militar e não-militar a países que pudessem ser influenciados pela União Soviética e pelo socialismo. O Plano Marshal começou a ser articulado no mesmo ano pelo secretário de Estado americano George Marshall. Tinha como objetivo oferecer empréstimos em dólar aos países europeus (inclusive à União Soviética) e desta forma, integrá-los à órbita capitalista, abrindo espaço nestas economias para investimentos americanos. As condições impostas não são aceitas pela União Soviética. Na Tchecoeslováquia, a recusa do Plano provocou o afastamento dos liberais, levando os comunistas ao controle do poder, com o apoio de um proletariado bem armado e organizado. Além das definições nos planos político (Doutrina Truman) e econômico (Plano Marshal), a atuação no campo ideológico se intensifica. Como ainda havia uma forte opinião pública contra o fascismo e pela paz, era preciso combatê-la, brandindo as armas da “ameaça soviética” e da defesa do “mundo livre”. O anticomunismo é retomado como expressão desse embate e os comunistas e a União Soviética são definidos como a ameaça a tais valores. A partir dos Estados Unidos, inicia-se a “caça às bruxas”, visando eliminar a

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presença de comunistas ou esquerdistas em geral do campo da atuação política, artística e cultural. A Guerra Fria, considerando o seu início com o lançamento das bombas atômicas sobre o Japão, em 1945, ou com o discurso de Churchill, em 1946, passou por períodos de distensão e momentos de intensificação do conflito. De 1963 à década de 80, a primeira Guerra Fria viveu a sua fase de arrefecimento ou distensão por um período mais longo. Na década de 80, com a ascensão de Ronald Reagan ao governo americano e a prolongada estagnação da economia soviética, fala-se em uma “nova Guerra Fria”, que se encerra não mais numa situação de certo equilíbrio, como em 1963, mas com a desintegração da União Soviética e o fim do bloco socialista. A revisão historiográfica do tema cinema e Guerra Fria exige uma articulação de dois eixos temáticos: a) cinema e política e Guerra Fria; e b) propaganda política. Sobre a relação do cinema com a luta em torno das idéias, no período da Guerra Fria, comecemos com o trabalho de John Howard Lawson. Ainda no calor dos acontecimentos, escreveu em 1953, Film in the battle of ideas, onde analisa as relações do cinema americano com os problemas sociais e políticos, a questão da função social da arte e do anticomunismo no cinema. Vejamos agora, a matriz historiográfica voltada diretamente para o problema da Guerra Fria, no sentido amplo. Arthur Schlesinger Jr. apontou duas tendências na historiografia americana sobre o tema: a “ortodoxa”, que procura atribuir a responsabilidade pela Guerra Fria à União Soviética; a outra denominada “revisionista”, apresenta a Guerra Fria como resultado da política externa americana do pós-guerra, baseada na idéia do “cerco ao comunismo”.37

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Origins of the cold war. Foreign Affairs, nº XLVI (1967), p. 22.

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Schlesinger Jr. considera maniqueístas e ingênuas tais visões, pois depositam uma importância demasiada nos atores individuais do processo. Procura, então, voltar-se para a análise das duas concepções de ordem internacional que disputam a condução da política externa americana: a) a chamada abordagem “universalista”, filiada à tradição diplomática do governo Woodrow Wilson (1913-1920), que teve continuidade com o governo Franklin D. Roosevelt (1933-1945), caracterizada por um certo liberalismo e permeável ao discurso de manutenção da paz mundial; b) a outra posição tem nos conceitos de “esferas de influência” e “política de contenção” suas bases: a União Soviética se dispunha a difundir o comunismo pelo mundo, cabia aos americanos, portanto, conter sua expansão, pois este bloco não poderia ser considerado senão como adversário; representam esta corrente nomes como George F. Kennan, diplomata de carreira e especialista em assuntos soviéticos, e Henry L. Stimson, secretário da Guerra nos governos Taft e F. D. Roosevelt.38 Schlesinger Jr. considera a Guerra Fria um antagonismo mortal entre os dois blocos. Claude Delmas, em Armamentos nucleares e Guerra Fria, atenua esta visão dura do conflito, chamando atenção para o papel que as armas nucleares vão desempenhar, na medida que o seu uso traria um efeito catastrófico para o responsável pelo ataque inicial, sempre alvo da represália da vítima. Na abordagem da Guerra Fria, o fim do socialismo no Leste europeu tem motivado um retorno ao tema. Merecem destaque Richard Crockatt, em The fifty years war; the United States and the Soviet Union in the world politics, 1941-1991, estuda o assunto num recorte amplo e sintonizado com os acontecimentos de 1989-1991, e Bradley Lightbody, em The Cold War, que combina abordagem factual com discussão sobre questões funda-

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Ernest MAY, A Guerra Fria, pp. 339-340.

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mentais, como perigo nuclear e a crise dos mísseis.39 Sobre o papel desempenhado pelas duas Alemanhas na Guerra Fria há Interpretations of the two Germanies, 1945-1990, de Mary Fulbrook. A autora critica tanto o conceito de totalitarismo como de poliarquia, já que o primeiro não explicaria o colapso da Alemanha Oriental, num momento de extenso e sofisticado aparato repressivo, como também não vê utilidade no uso de poliarquia, pois o sistema na República Democrática da Alemanha era capaz de auto-reprodução e desenvolvimento, ao contrário de ser expansionista, destrutivo e auto-destrutivo, como era o Terceiro Reich. Eric J. Hobsbawm em Era dos extremos; o breve século XX: 1914-1991, oferece pistas para o estudo dos efeitos da Guerra Fria no mundo do final do século XX e propõe uma interessante periodização: haveria uma primeira Guerra Fria, cujo início se deu com o lançamento das bombas atômicas sobre o Japão, esta fase se encerraria em 1963, com a instalação da "linha quente" entre Washington e o Kremlin. A segunda Guerra Fria teria início com o governo Reagan em 1980 e terminaria com os acordos de paz de 1986/1987.40 O significado da Guerra Fria seria: a guerra acabara, mas a guerra contra o comunismo continuaria, com outros movimentos fazendo o papel do nazi-fascismo. Como afirmara D.F.Fleming, a Guerra Fria não foi apenas resultado da segunda guerra, suas origens estão na Revolução Russa de 1917 41. Hobsbawm estabelece ainda três aspectos do panorama internacional modificado pela Guerra Fria: em primeiro lugar, a eliminação ou atenuação dos conflitos e rivalidades anteriores à Segunda Guerra, em segundo lugar, a situação internacional se congelava, criando-se um estado de coisas não fixo e provisório, cujo melhor exemplo era a Alema39

Outras obras foram lançadas a partir de 1995: Origins of the Cold War: an international history, de Melvin LEFFLER e David PAINTER, de 1995, The culture of the Cold War, de Stephen J. Whitfield, de 1996 e America, Russia and the Cold War, 1945-1996, de Walter LaFEBER, de 1997, 40 Eric J. Hobsbawm, Era dos extremos, pp. 223-252.

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nha, reunificada em 1989, um exemplo de fixidez não permanente, com a derrocada do socialismo do Leste europeu, e por último, o mundo fora tomado por uma quantidade de armas que se custa a crer como real.42 As grandes potências não entraram em guerra aberta, mas tiveram atuação preponderante em conflitos como a Guerra da Coréia (1950-1953) e na crise dos mísseis em 1962, em Cuba. Os dois gigantes: história paralela dos Estados Unidos e da URSS, de André Maurois e Louis Aragon, por seu extenso material factual e pela abordagem comparativa inovadora, permite periodizar e relacionar os filmes analisados com os diferentes momentos vividos no panorama mundial e no cotidiano da política dos dois países. Maurois defende a posição americana frente ao conflito e Aragon, a União Soviética. Há duas obras que ajudam a compreender como o fenômeno do anticomunismo se instala nos Estados Unidos: A cruzada anticomunista, de Michael Parenti, e O antiintelectualismo nos Estados Unidos, de Richard Hofstadter. Parenti concebe o anticomunismo como um movimento reacionário que se constitui num verdadeiro modo de vida americano. As suas origens remontariam à idéia do “destino manifesto”, formulado no final do século XIX e que colocava os Estados Unidos como “polícia imperialista”, responsável pelo controle do mundo. Outra conclusão importante de Parenti diz respeito às contradições entre anticomunismo e liberalismo: “(...) devemos lembrar que alguns dos valores defendidos da boca para fora pelo anticomunismo, como a ‘dignidade humana’ e a ‘liberdade individual’, são valores preciosos e em grande parte derivados da ideologia da democracia clássica. Tomamos um caminho diferente do anticomunismo porque seu compromisso com a liberdade é uma hipocrisia, seu raciocínio é faccioso e inteiramente simplista e a política que inspira nos levou à tragédia e à vergonha”.43

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Citado por Nilo ODALIA, O Brasil nas Relações Internacionais: 1945-1964, in Carlos Guilherme MOTA, Brasil em perspectiva, p. 352. 42 Eric J. HOBSBAWM, Era dos extremos, pp. 248-251. 43 Michael PARENTI, A cruzada anticomunista, p. 311.

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Richard Hofstadter articula o problema dos intelectuais com o anticomunismo. Para o autor, os comunistas não eram o alvo, já que sua influência era pequena nos anos 50, mas sim arma para atingir todo um conjunto, desde liberais, passando pelos reformistas, adeptos do New Deal, até a administração republicana que não contivera a influência desses setores44 . Neste sentido é importante lembrar que o auge da caça às bruxas se dá no último ano do governo democrata de Truman (1952) e primeiros anos do governo republicano de Eisenhower (de 1953 a cerca de 1956). Hofstadter lembra também que na década de 50, os comunistas americanos estavam enfraquecidos, o que fazia do mccarthismo uma cortina de fumaça, mas ao mesmo tempo detecta o enraizamento remoto do anticomunismo: o Comitê de Atividades Antiamericanas começara a funcionar em 1938. Carl Schmitt45 conjuga suas preocupações com a Guerra Fria a uma importante reflexão sobre a centralidade da política e a valorização da distinção amigo/inimigo, assim sintetizada: “A distinção específica do político, da qual pode-se deduzir os atos e os móbiles políticos é a discriminação de amigo e de inimigo. Ela fornece um princípio de identificação que tem valor de critério e não uma definição exaustiva ou compreensiva”.46

Sua concepção de guerra está muito associada à definição de inimigo: “Nos nossos dias, o termo inimigo é, em relação à guerra, o conceito que antecede. (...) Se se aplica a distinção antiga e aparentemente inevitável de guerra-ação e guerra-estado (status), se percebe que a guerra-ação, em suas batalhas e suas operações militares, quer dizer, nas suas próprias ações, nas hostilidades, implica na presença imediata e visível de um inimigo como adversário (como antagonista), de modo que não necessário como um pressuposto. Não se dá o mesmo com a guerra-estado (status). Esta implica a existência de um inimigo sobrevivente depois da cessação das hostilidades imediatas e violentas”. (...)

A guerra dita total, para ser verdadeiramente, deve ser total também como ação e como estado.”47

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Richard HOFSTADTER, O antiintelectualismo nos Estados Unidos, p. 52. Carl Schmitt nasceu em 1888 em Sauerland, Alemanha, foi teórico e colaborador do regime nazista. 46 Carl SCHMITT, La notion de politique. La teorie du partisan, p. 64. 47 Ibid., p. 161. 45

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O pensamento de Schmitt é reacionário e belicista, elimina qualquer nexo com uma concepção abrangente de ideologia ou normas do direito. Acrescente-se a isso a ausência de qualquer reflexão sobre o papel das classes sociais. Da sua teoria, interessa-nos a articulação dos conceitos amigo/inimigo, Estado e guerra, particularmente útil na análise que farei do papel do Estado na designação do inimigo, no contexto novo que a Guerra Fria traz. Para Carl Schmitt, particularmente a Guerra Fria, torna o conceito mais explicativo: “A Guerra Fria ignora totalmente as distinções clássicas entre guerra, paz e neutralidade, entre política e economia, militares e civis, combatentes e nãocombatentes, à exceção da distinção entre amigo e inimigo, cuja lógica preside seu nascimento e determina sua natureza”.48

O trabalho de Katchaturov sublinha o papel da propaganda ideológica nas relações Estados Unidos/América Latina e tem como pressuposto a ligação entre ideologia e propaganda, como afirma: “A ideologia de classe é o núcleo da propaganda. A função desta última consiste na difusão de pontos de vista e idéias políticas, filosóficas, artísticas e de outro tipo através de meios escritos, orais e visuais de ação não apenas sobre a consciência individual e social, mas também sobre as emoções (e a propaganda burguesa age principalmente sobre os instintos).49.

A historiografia sobre público e crítica no cinema contemporâneo é bastante limitada, particularmente, nos seus aspectos sociológicos.50 Roger Manvell, em The film and the public, analisa questões como freqüência ao cinema e sua influência na formação de valores. No que diz respeito ao público, os teóricos e historiadores têm tomados posições apa-

48

Ibid., p. 53. Karen KATCHATUROV, A expansão ideológica dos EUA na América Latina, p. 10. 50 O capítulo 5 da obra coletiva A estética do filme traz artigos de Jacques Aumont, Michel Marie e Alain Bergala sobre o tema com enfoque de base psicológica. 49

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rentemente opostas. Eric Foner chega a afirmar que não se pode jamais prever como uma platéia vai reagir a um filme.51. Embora reconheçamos os limites da investigação sobre condições de recepção no momento atual, consideramos que é sempre necessário identificar aqui suas implicações ideológicas. Como já vimos, a escola soviética explicitava sua crença nas possibilidades do cinema como formador de opiniões e comportamentos. O espectador está sempre sujeito a condicionamentos a nível inconsciente52, pensamos ser fundamental a operação de tornar conscientes tais elementos, submetendo-os à visão crítica. O trabalho pioneiro sobre cinema e Guerra Fria é da jornalista Nora Sayre publicado em 1982, Running time: films of the Cold War. Preocupada, essencialmente, com a relação dos filmes com as mudanças de comportamento típicas do período, Sayre faz um amplo recorte, incluindo filmes sem uma ligação direta com o tema da Guerra Fria, como Vidas amargas (1955), de Elia Kazan e O selvagem (1953), de Laslo Benedek. A autora propõe situar os filmes no contexto em que foram realizados e, ao mesmo tempo, analisálos à luz de questões surgidas desde que foram produzidos. Na coletânea organizada por John O’Connor e Martin Jackson, em 1988, American history/american cinema: interpreting the Hollywood image, há três artigos sobre filmes do período da Guerra Fria: “The age of conspiracy and conformity”, de Stuart Samuels e “An american cold warrior”, de Paul J. Vanderwood, e “The Pentagon and Hollywood: Dr. Strangelove or How I learned to stop worrying and love the bomb (1964)”, de Lawrence Suid. O primeiro relaciona o filme Vampiros de almas (1956), de Don Siegel,

51

Eric FONER, Uma conversa com Eric Foner e John Sayles, pp. 27-28. Segundo Marcello Giacomantonio, em O ensino através dos audiovisuais, p. 40, o espectador de cinema percebe em média 15% do que vê e memoriza apenas 5%. Como o autor deve estar se referindo a uma realidade onde os filmes estrangeiros são dublados, é de se imaginar que o nível de apreensão em filmes legendados se reduz mais ainda.

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ao clima de paranóia53 e alienação vivido pela sociedade americana nos anos 50. Para Samuels, o filme traduziria a tensão entre a expectativa pessoal e a realidade social. Já Paul J. Vanderwood considera que Viva Zapata! mostra menos a Revolução Mexicana que aspectos da sociedade americana dos anos 50. O terceiro admite o papel importante de filmes, como Dr. Fantástico, na crítica à imagem de infalibilidade que os americanos fazem de suas forças armadas, no entanto, destaca o peso de derrotas militares, como a do Vietnã, na mudança dessa percepção. O fim do socialismo no Leste europeu provocou significativo interesse na historiografia americana sobre o significado da Guerra Fria, como já afirmamos. A introdução de Daniel J. Leab à coletânea sobre a Guerra Fria no cinema publicada pela Film history em 1998 comenta tanto as contribuições mais gerais sobre o tema, como se detém na abordagem dos artigos da coletânea, apresentados como pistas para futuras pesquisas. Os artigos dão conta de um vasto espectro, desde o anticomunismo na polícia montada canadense, até a produção de filmes do bloco socialista. O tema tem sido estudado com enfoques variados, desde as preocupações mais ligadas ao comportamento, como em Nora Sayre, passando pela abordagem voltada para as 53

Paranóia é um conceito derivado da psiquiatria, que nas ciêncas sociais aparece como paranóia coletiva. Na psiquiatria, o conceito define um tipo de doença mental caracterizado por delírios estruturados com base lógica. A paranóia é situada, por alguns, no limite da esquizofrenia, o que leva em alguns casos a diagnosticar-se o problema como esquizofrenia paranóide. Para Laplanche e Pontalis, a paranóia consiste numa “psicose crônica caracterizada por um delírio mais ou menos sistematizado, pela predominância da interpretação, pela ausência do cansaço intelectual e que em geral não evolui para a deterioração. Freud classifica como paranóia não apenas o delírio de perseguição mas também a erotomania, o delírio de ciúmes e o delírio de grandeza” (p. 299). No recente filme Uma mente brilhante (2001), de Ron Howard, a doença de John Nash é diagnosticada como esquizofrenia. É importante notar neste filme a combinação, do clima paranóico da sociedade americana com a doença mental desenvolvida pelo cientista, confirmando a tendência das ideologias políticas entrarem, com freqüência, no sistema delirante. Nas ciências sociais, a paranóia tem sido estudada como resposta coletiva ao conformismo e como base para as teorias conspirativas. Nos anos 50, o medo do comunismo e das bombas atômicas gerou esta reação que se expressava no temor de que na escola de seu filho, um professor lhe estivesse inculcando ideologias indesejáveis ou nos ridículos treinamentos a que os alunos eram submetidos, conduzidos pela propaganda da defesa civil americana, onde uma tartaruga ensinava a “se abaixar e se proteger”. Ver Harold S. ZAMINSKY, verbete Reaciones paranoides, Enciclopedia internacional de las ciencias sociales, pp. 564-568 e verbete Paranoia, Encyclopedia of Psychology, pp. 3539, LA PLANCHE et PONTALIS, verbete Paranoia, Vocabulaire de la psyhanayse, pp-299-300. O documentário The atomic café (1982), de Kevin Rafferty, Jayne Loader e Pierce Rafferty, oferece um bom retrato do clima paranóico vivido pela sociedade americana nos anos 50.

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implicações ideológicas, como em Pierre Sorlin, Stuart Samuels e Paul Vanderwood. O nosso recorte pretende contribuir na ampliação dessa segunda abordagem, observando os elementos da construção fílmica voltados para a fundamentação de visões de mundo que respaldem o discurso anticomunista. No capítulo seguinte, observaremos como os conceitos de indivíduo e sociedade contribuem para esta construção.

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Capítulo 2: Indivíduo e sociedade “Se observarmos bem, veremos que – ao colocarmos a pergunta ‘o que é o homem’ – queremos dizer: o que o homem pode se tornar, isto é, se o homem pode controlar seu próprio destino, se ele pode ‘se fazer’, se ele pode criar sua própria vida. Digamos, portanto, que o homem é um processo, precisamente o processo de seus atos.” Antonio Gramsci54 “Stalingrado... Depois de Madrid e de Londres, ainda há grandes cidades! O mundo não acabou, pois que entre as ruínas outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora, e o hálito selvagem da liberdade dilata os seus peitos, Stalingrado, seus peitos que estalam e caem enquanto outros, vingadores, se elevam.” Carlos Drummond de Andrade55

Neste capítulo procuraremos identificar a construção fílmica relativa ao tema “homem e sociedade” e como esses elementos se articulam no modo de vida capitalista. Dois modelos de homem estarão em conflito, de um lado, o homem racional, que corresponderia ao mundo comunista e, de outro, o homem emocional, do mundo capitalista. A nossa análise se deterá nos componentes filosóficos que fundamentam as duas concepções, observando como a relação indivíduo/sociedade é apresentada, dando lugar às formas ideológicas rivais: capitalismo e comunismo. Introdução A tensão indivíduo/sociedade é uma constante na cinematografia sobre a Guerra Fria. O comunismo é apresentado como intrinsecamente ligado à perda da individualidade e à desumanização, como tem sido comum nas distopias sobre a sociedade comunista, como A revolução dos bichos, de George Orwell. Por outro lado, o modo de vida capitalista, particularmente, na sua expressão mais acabada – o modo de vida americano ou american way of life, ganha status de paraíso na terra.

54 55

Concepção dialética da história, p. 38. Carta a Stalingrado, A rosa do povo, p. 163.

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Vejamos inicialmente o conceito de homem nas duas concepções filosóficas – liberalismo e materialismo histórico, observando sinteticamente a evolução do conceito e os principais marcos teóricos. Dos três princípios constitutivos do liberalismo: a teoria dos direitos humanos, o constitucionalismo e a economia clássica, o primeiro influencia diretamente a concepção de homem defendida pelo pensamento liberal e valorizada no cinema sobre a guerra fria. O homem é visto como natureza imutável e não-transitiva e a sociedade, numa visão muito cara a Thomas Hobbes, se resumiria a uma coleção de indivíduos. Nesta situação, o homem estaria livre para realizar seus interesses. Como tal busca de realização pessoal forçosamente levaria ao choque com os interesses de outros homens, estamos frente a um problema moral novo. A solução vem através do mito da harmonia natural, onde os interesses individuais confluiriam sempre para uma realização positiva com a coletividade, harmonização realizada pela idéia de mão invisível reguladora do mercado, desenvolvida por Adam Smith e pela escola de Manchester. A busca do interesse pelo indivíduo, sendo orientada por esta força estranha, divina, redundava em resultado não originalmente previsto nos planos do empreendedor. A sociedade e o indivíduo estavam, assim, resguardados pela ação da mão invisível. 56 O mito da harmonia natural vai reafirmar as possibilidades da articulação da concepção de indivíduo e ideologia, onde as teorias liberais e conservadoras identificarão elementos da natureza humana que deveriam ser contidos para impedir a manifestação do homem lobo do homem.

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Esta elaboração nasce na vertente chamada utilitarista do liberalismo, representada principalmente por Hobbes, Jeremy Bentham , James Mill e Voltaire. Apoiavam-se em motivos utilitários, como a produção de empregos, para justificar o luxo: argumentavam que a riqueza era fruto não intencional de atos egoístas, a própria busca de interesse pessoal levava à prosperidade geral e à harmonia social. Note-se aqui a forma harmonia social, mais um dos paradoxos liberais, ao naturalizar também a sociedade. Cf. Nicola MATEUCCI, O liberalismo, pp. 685-705 e José Guilherme MERQUIOR, O liberalismo antigo e moderno, pp. 54-55. Ver também Paulo SANDRONI, Novíssimo dicionário de economia, pp. 365-366.

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O mito da harmonia natural do indivíduo frente à sociedade vincula-se obviamente ao surgimento do modo de produção capitalista, guardando em relação a ele um paradoxo: exalta-se o individualismo no momento mesmo em que o ser humano sofre duas transformações aparentemente contraditórias. Por um lado, perde individualidade, na medida em que aliena sua força de trabalho, por outro, ganha, na medida em que se desvincula dos círculos comunitários típicos do feudalismo, passando a situar-se no mercado como um vendedor de força de trabalho. Nota-se um isolamento sem criação de solidariedade efetiva, como lembra Herbert Marcuse: “O indivíduo [na tradição liberal] é considerado uma mônada independente e auto-suficiente. Sua relação com o mundo (humano e extra-humano) é, ou abstrata e imediata – o indivíduo constitui o mundo já em si mesmo (como um eu dotado de conhecimento, sentidos e vontade) – ou abstrata e mediata – é determinada pelas leis cegas da produção de mercadorias e do mercado. Em ambos os casos o isolamento do indivíduo enquanto mônada não seria superado. Sua superação representaria a produção de uma solidariedade efetiva; ela pressupõe a superação da sociedade individualista em uma forma superior de existência social”57.

John Locke afirma ser a existência do indivíduo anterior ao surgimento da sociedade e do Estado. A inexistência de sociedade caracterizaria o estado de natureza, onde a propriedade desempenha papel determinante na definição do indivíduo, que a estabelece como um direito natural. O conceito de indivíduo em Locke tem um forte componente econômico e é refratário à interação com a sociedade. A concepção liberal de indivíduo, na sua matriz mais pertinente à nossa análise, apresenta o paradoxo de “uma natureza humana sobre a qual a sociedade não atua ou cuja atuação, como em Locke, diz respeito unicamente a seu aspecto econômico, diretamente imbricado ao próprio indivíduo”58, como afirma Virgínia Fontes. A concepção de homem e indivíduo na teoria marxista vai oferecer outra possibilidade de interpretação, na medida que enfatiza a anterioridade da sociedade frente ao indi-

57 58

Herbert MARCUSE, Sobre o caráter afirmativo da cultura, p. 110. Virgínia FONTES, A questão nacional: alguns desafios para a reflexão histórica, p.10.

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víduo, e reconhece limites à ação humana, determinados pela ideologia e circunstâncias sociais dessa ação59. Marx pensa o conceito de homem com base em dois aspectos. Criticando Jeremias Bentham a respeito do princípio de utilidade, afirma: “Se queremos, por exemplo, saber o que é útil a um cão, temos de conhecer antes sua natureza. Essa natureza não pode ser inferida do princípio de utilidade. Do mesmo modo, para julgar todas as ações, movimentos, relações etc. do homem pelo princípio de utilidade, temos de nos ocupar, antes, com a natureza humana em geral e a e ainda com a natureza humana historicamente modificada em cada época”60.

Podemos falar de uma natureza humana em geral e uma natureza historicamente condicionada. No plano dos valores, onde também há elementos mais gerais e outros historicamente determinados, a questão é apresentada nos termos da superação da necessidade pela liberdade, onde prevalece a preocupação com a defesa do conteúdo moral da nova sociedade. A célebre passagem de A sagrada família ilustra bem esta fase: “Se o homem é formado através das circunstâncias, é preciso formar as circunstâncias de modo humano”.61 Da mesma forma, o também não menos célebre comentário de O manifesto do partido comunista, retoma a questão: “No lugar da velha sociedade burguesa com as suas classes e antagonismos de classe surge uma associação em que o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos”.62 Ao apresentar uma definição, Marx insiste na unidade do geral e do particular: “Deve-se evitar antes de tudo fixar a ‘sociedade’ como outra abstração frente ao indivíduo. O indivíduo é o ser social. A exteriorização da sua vida – ainda que não apareça na forma imediata de uma exteriorização da sua vida coletiva, cumprida em união e ao mesmo tempo com outros – é, pois, uma exteriorização e confirmação da vida social. A vida individual e a vida genérica do homem não são distintas, por mais que necessariamente, o modo de existência da vida individual seja um modo mais particular

59

Idem, História e verdade, p. 113. Neste artigo, Virgínia Fontes reconhece como igualmente importante a contribuição de Sigmund Freud no sentido de romper com a visão do sujeito-plena-consciência. 60 Karl MARX, O capital, vol. 1, p. 708. 61 Karl MARX e Friedrich ENGELS, A sagrada família, p. 129. 62 Idem, O manifesto do partido comunista, p. 54.

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ou mais geral da vida genérica, ou quanto mais a vida genérica seja uma vida individual mais particular ou geral “(grifos de Marx).63

Marx não se restringe ao que se poderia chamar de alienação pessoal, articulando conceitos como natureza humana e trabalho como processo de autocriação do homem, pensa o problema da alienação sob quatro enfoques: o trabalho alienado aliena a natureza do homem, portanto, aliena o homem de si mesmo, como o aliena da espécie; o trabalho alienado converte a vida-espécie do homem em um ente estranho e em meio para sua existência individual; por último, Marx frisa que o homem é alienado por outros homens e que este fenômeno, por sua vez, os aliena da vida humana: “Tal como o trabalho alienado: 1) aliena a natureza do homem e 2) aliena o homem de si mesmo, de sua própria função ativa, de sua atividade vital, assim também o aliena da espécie. Ele transforma a vida da espécie em um forma de vida individual. Em primeiro lugar, ele aliena a vida da espécie e a vida individual, e posteriormente transforma a segunda, como uma abstração, em finalidade da primeira, também em sua forma abstrata e alienada. 3) Então o trabalho alienado converte a vida-espécie do homem, e também como propriedade mental da espécie dele, em um ente estranho e em um meio para sua existência individual. Ele aliena o homem de seu próprio corpo, a natureza extrínseca, de sua vida mental e de sua vida humana 4) Uma conseqüência direta da alienação do homem com relação ao produto de seu trabalho, à sua atividade vital e à sua vida-espécie é que o homem é alienado por outros homens. Quando o homem se defronta consigo mesmo, também se está defrontando com outros homens. O que é verdadeiro quanto à relação do homem com seu trabalho, com o produto desse trabalho e consigo mesmo também o é quanto à sua relação com outros homens, com o trabalho deles e com os objetos desse trabalho. De maneira geral, a declaração de que o homem é alienado em sua vida espécie significa que cada homem é alienado por outros, e cada um dos outros é igualmente alienado da vida humana. A alienação humana, e acima de tudo a relação do homem consigo próprio, é pela primeira vez concretizada e manifestada na relação entre cada homem e os demais homens. Assim, na relação do trabalho alienado cada homem encara os demais de acordo com os padrões e relações em que se encontra situado como trabalhador” (grifos de 64 Marx).

Em obras posteriores, o conceito de alienação deixa de ter uma presença explícita, mas o seu aspecto central de cisão entre o homem e o resultado do seu trabalho é mantido,

63

Karl MARX, Manuscritos econômico-filosóficos, p.10.

64

Ibid., pp.95-97.

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acrescido nos trabalhos seguintes da teoria do valor e seus desdobramentos na forma mercadoria e na mais-valia: “A mercadoria é misteriosa simplesmente por encobrir as características sociais do próprio trabalho dos homens, apresentando-as como características materiais e propriedades sociais inerentes aos produtos do trabalho; por ocultar, portanto, a relação social entre os trabalhos individuais dos produtores e o trabalho total, ao refleti-la com relação social existente, à margem deles, entre os produtos do seu próprio trabalho. Através dessa dissimulação, os produtos do trabalho se tornam mercadorias, coisas sociais, com propriedades perceptíveis e imperceptíveis aos sentidos”. (...) Mas, a forma mercadoria e a relação de valor entre os produtos do trabalho, a qual caracteriza essa forma, nada têm a ver com a natureza física desses produtos nem com as relações materiais dela decorrentes. Uma relação social definida, estabelecida entre homens, assume a 65 forma fantasmagórica de uma relação entre coisas”.

Antonio Gramsci retoma o conceito de homem como ser social, mas prefere se perguntar, em vez de o que é o homem, o que poderia vir a ser o homem: “A afirmação de que a ‘natureza humana’ é o ‘conjunto das relações sociais’ é a resposta mais satisfatória porque inclui a idéia do devenir: o homem ‘devém’, transforma-se continuamente com as transformações das relações sociais; e, também, porque nega o ‘homem em geral’: de fato, as relações sociais são expressas por diversos grupos de homens que se pressupõem uns aos outros, cuja unidade é dialética e não formal”.66

O homem, portanto, se faz homem pela sua atividade e em associação com outros homens. Gramsci afirma que a humanidade que se reflete em cada individualidade é composta de alguns elementos essenciais: o indivíduo, a sociedade e a natureza. Chama a atenção para a complexidade dos dois últimos, em particular da relação orgânica do indivíduo com os outros homens e do papel do trabalho e da técnica na relação do homem com a natureza.67 O par homem e sociedade exigiria ser pensado como totalidade, para tanto Gramsci recorre ao conceito de bloco histórico:

65

Karl MARX, O Capital, vol. 1, p. 81. Antonio GRAMSCI, Concepção dialética da história, p. 43. 67 Ibid., pp. 39-40. 66

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“O homem deve ser concebido como um bloco histórico de elementos puramente subjetivos e individuais e de elementos de massa – objetivos ou materiais – com os quais o indivíduo está em relação ativa”.68

Adam Schaff, de forma semelhante, afirma que o conceito de homem em Marx está ancorado em três aspectos: “o indivíduo como parte da natureza, como objeto; o indivíduo como parte da sociedade, no sentido da explicação das suas concepções, opiniões e juízos de valor; e finalmente, o indivíduo como fruto da autocriação”. 69 Como já vimos, a matriz liberal procurou estabelecer fronteiras entre indivíduo e sociedade, enfatizando especialmente o primeiro termo, de forma que assistimos o surgimento de concepções filosóficas calcadas nesta apreensão. O individualismo é uma delas. Para Alexis de Tocqueville, o individualismo e o associativismo são duas marcas importantes da sociedade americana e perfeitamente compatíveis. O indivíduo se isolaria da sociedade ampla, mas construiria para si uma outra sociedade em torno da família e dos amigos. Tocqueville vê, com muita admiração, esses dois elementos se desenvolvendo na sociedade americana da primeira metade do século XIX. Ele observa como os americanos se associavam para realizar desde as atividades mais prosaicas até as mais sofisticadas. A conjugação do associativismo com um impreciso processo de equalização das condições sociais, vistos como fenômenos distintos, seria o caminho para a preservação do progresso.70 2.1. Indivíduo e modo de vida capitalista O chamado modo de vida americano, na qualidade de modelo oferecido a outros povos, baseado em elementos como “democracia americana”, “país mais poderoso e mais

68

Ibid., p. 47. Adam SCHAFF, O marxismo e o indivíduo, pp. 78-79. 70 Alexis de TOCQUEVILLE, A democracia na América, pp. 285-287. 69

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próspero do mundo”, representa uma importante peça na estratégia do anticomunismo.

71

No plano dos valores, este modo de vida se expressaria no individualismo e no patriotismo. Trabalhamos com a categoria modo de vida cientes de sua imprecisão, configurando uma extensa malha de idéias: fundamentos morais, caráter nacional, em suma, os elementos que configuram outro vago conceito – ethos. Procuraremos articular tal conceitual com a concepção de homem definida acima e contextualizando mais precisamente este ethos como um modo de vida capitalista. Vejamos agora como aparece o modo de vida capitalista e como se dá o seu uso na propaganda anticomunista nos filmes. Desde já, antecipamos a ausência quase completa nos filmes de manifestações de associativismo, saudável contraponto ao individualismo, segundo Tocqueville. Este aspecto parece estar sendo substituído, na segunda metade do século XX, pela exacerbação do individualismo na forma de heroísmo simplório, a ser visto mais adiante. Em Cortina de Ferro (1948), história da montagem de uma rede de espionagem no Canadá por soviéticos, visando obter informações sobre a bomba atômica, o modo de vida capitalista exerce grande atração sobre o casal de soviéticos Igor e Anna Gouzenko. As novas condições de vida impressionam significativamente Anna, vinda de um país com imenso deficit habitacional, arrasado pela guerra, com um saldo de seis milhões de prédios destruídos e vinte e cinco milhões de pessoas desabrigadas, ao fim da II Guerra Mundial. O bem-estar físico propiciado pelas boas instalações habitacionais é freqüentemente associado a boas notícias. A panorâmica72 pela mobília do apartamento de três quartos antecede

71

O. REINHOLD e F. RYZHENKO, El anticomunismo moderno. Política. Ideologia, p. 331. Tomada na qual a câmera realiza um movimento em torno de seu eixo, sem deslocamento do aparelho, enquadrando uma área a ser descrita [caso em consideração] ou objeto em movimento. 72

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à revelação de Anna de que está grávida (4.2)73. Gouzenko está no quarto do bebê, quando diz a Anna que não voltará mais à Rússia (6.9). Os passeios que Igor e Anna Gouzenko fazem pelos arredores são muito reveladores do processo em marcha de conversão ao modo de vida capitalista. Ficamos sabendo, pela narração, que trata-se, na verdade, de um hábito do casal fazer caminhadas, onde um “mundo estranho, às vezes perturbador, às vezes intrigante” vai seduzindo-os. No passeio que o filme nos mostra, a música religiosa parece exercer forte atração sobre Anna, a ponto de Igor precisar levá-la pelo braço (4.3). Mais adiante, o casal passa por um comitê de solidariedade ao esforço de guerra russo, onde consta em destaque uma página de jornal com a manchete “Comunistas atacam governo”, sugerindo que as atividades do comitê são mais uma fachada para a prática agressiva dos comunistas. Este maravilhoso mundo será ameaçado pelos comunistas, primeiramente quando descobrem que Gouzenko os atraiçoara, roubando os documentos secretos. A residência do casal é invadida e o desertor é alvo de pressão psicológica (7.12). No entanto, mesmo derrotados, com os participantes presos, a ameaça comunista perdura e o casal não pode mais levar uma vida tranqüila, “com todos os direitos, liberdades e privilégios dos canadenses”. Continuam sob ameaça e protegidos pela polícia (7.17). Anjo do mal (1952), thriller sobre o roubo de um microfilme com importantes segredos americanos, onde o ladrão prefere, inicialmente, negociar com os comunistas do que entregá-lo ao FBI, apresenta o outro lado do modo de vida capitalista.74 A rede temática indivíduo/coletividade/patriotismo, neste filme, tem uma dupla sinalização: o batedor de carteira Skip McCoy (Richard Widmark) é totalmente refratário aos apelos patrióticos do agente do FBI. Não se comove ao ser comparado àqueles que entregaram a bomba a Sta-

73

Os números entre parênteses correspondem a seções da sintaxe narrativa reproduzidas no capitulo 6, referentes à cada filme analisado. 74 Federal Bureau of Investigation, a polícia federal americana.

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lin, como diz o agente. Skip fora preso três vezes e segundo a lei americana, seria condenado à prisão perpétua se preso uma quarta vez. Fizeram dele um perdedor, que não viessem agora com essa “tolice de patriotismo” (2.7). Notamos que o individualismo se sobrepõe ao patriotismo, ser um vencedor é um valor acima dos demais para o americano médio. O envolvimento de Candy (Jean Peters), a namorada de McCoy, no complô patriótico se dará por razões puramente afetivas, da mesma forma que McCoy não se engaja em nenhuma manifestação coletiva. Apaixonada, desejava preservar a vida do namorado e fazêlo deixar o crime (5.4 e 5.7). Matar ou morrer (1952) é um western sobre o dilema do xerife Will Kane (Gary Cooper), que se vê abandonado por sua cidade ao decidir enfrentar um pistoleiro em busca de vingança. Kane havia pacificado a cidade anos atrás, com o casamento, se demitira do cargo. Sua partida e o casamento simbolizavam a transformação da cidade: os tempos heróicos ficavam para trás, substituídos pelo mundo formalmente pacato do mercado, do pragmatismo e do individualismo. O pistoleiro derrotado por Kane tinha sido libertado e retornava à cidade em busca de vingança contra o agora ex-xerife. Will Kane volta para enfrentar os pistoleiros porque aquela é a sua cidade, lá estão seus amigos – amigos que o abandonarão na hora mais aflitiva (3.2). Para Kane, a lealdade assume o caráter de imperativo categórico, as argumentações de Amy sempre esbarram nesta posição inarredável na qual ele se encastela, não importa o que pensem os outros sobre sua atitude. A extensa peregrinação de Kane sugere que ele também pensa que os outros deveriam agir como ele: não fugir e enfrentar os foras-da-lei. O movimento de Kane em direção aos seus vínculos afetivos e sociais esbarra numa cidade comprometida com outros valores: “Mas a tentativa que ele faz de inverter a corrente é infrutífera. Quando ele insiste em voltar à cidade e a seu posto, Amy é forçada a ver nisto a dissolução do seu casamento; a gente da cidade, por sua vez, não pode por várias razões aceitar a reintegra-

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ção de Kane numa identidade que lança a recém-encontrada harmonia e estabilidade do grupo em outra crise. A tarefa de Kane ao longo do filme é seguir um caminho solitário após ter sido abandonado por Amy e pelos moradores da cidade. Apenas um lado da equação pode ser reconstituído quando Amy é conquistada pela leitura do testamento que encontra no escritório de Kane. O filme conclui com uma simetria técnica ao repetir a partida de Kane e Amy da cidade, mas a partida deles nesta ocasião significa um rom75 pimento real com os valores da cidade e seus moradores”.

No confronto com os pistoleiros, Kane contará com a ajuda de Amy, que também como ele retornara por lealdade (4.10 e 4.13). Amy, apesar do preconceito contra Helen Ramirez, mulher forte e discriminada pela cidade por sua independência afetiva, ouve seus conselhos de não deixar um homem como Kane sozinho (3.31). Amy e Helen têm a atitude mais efetiva de solidariedade que o xerife recebe. Há outras manifestações, mas menos importantes no desfecho do filme, como o oferecimento do jovem que tenta localizar as pessoas e que reaparece na seqüência final trazendo a charrete para que o casal finalmente possa partir em lua de mel. Note-se o gesto de agradecimento de Kane para com o menino, enquanto olha com desprezo para as outras pessoas que se juntam a ele para vê-lo jogar a estrela de xerife no chão (4.14). O filme tem duas manifestações bastante antiamericanas: a fuga do juiz no início do filme, enrolando a bandeira e partindo, e o gesto final de Kane. John Wayne e companhia não perdoariam o roteirista Carl Foreman por tão violentos atentados à simbologia americana da pátria e da ordem. O pedido de apoio de Kane aos cidadãos de Hadleyville presentes ao culto de domingo na igreja é, certamente, o momento máximo da tensão entre o ponto de vista representado por Kane e a posição política da cidade. A situação parece, num primeiro momento, se apresentar muito favorável a seu pedido de ajuda, com vários voluntários se apresentando e opiniões contestando aqueles que se negam a colaborar. É particularmente destacável a opinião de uma mulher que diz: “Não se lembram de quando nossas ruas não eram seguras?”

75

Phillip DRUMMOND, op. cit., p. 62.

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Todos, na verdade, consideram Kane um ótimo xerife, o problema é que ele não é mais oficialmente o responsável pela segurança da cidade, pois entregara o cargo (2.2) e era o objeto da vingança de Frank Miller, elementos capazes de provocar o retorno à época de violência superada. A argumentação do conselheiro Jonas Henderson completa a retórica da inoportunidade da presença de Kane: “as pessoas do Norte estão pensando nesta cidade. (...) O que pensarão se souberem que houve violência aqui?” (3.24 e 3.26). Esta é a principal derrota de Kane porque ali está a mais importante instância decisória da cidade, em seguida recebe a recusa do ex-xerife e é tentado a fugir (3.30). A busca de solidariedade de Kane esboça uma ética que procura romper os limites do indivíduo: não se dispõe a interferir para que Harvey seja nomeado xerife em troca de seu apoio. Neste outro embate com um representante institucional – no caso o único ainda presente na cidade, já que o juiz Mettrick partira no início do filme (3.3), Kane repudia qualquer desvio dos princípios adotados pelo grupo: a escolha do novo xerife deve passar pela decisão da Junta simplesmente. Philip Drummond observa que nesses embates, Kane assume uma clara passividade e sua postura é ditada pela ação do outro: “Sua oportunidade de heroísmo auto-expressivo é assim adiada, e nesse ínterim sua possibilidade de ação está reduzida à busca de expressões de apoio e ajuda (que não se concretizam). Ele é um ‘herói buscador’ cuja recompensa é apenas uma espécie de compreensão social deformada, bem diferente da solidariedade material que ele efetivamente necessita”.76

Esta solidão do herói se intensifica na medida que ele não tem ninguém com quem compartilhar sua experiência: “Em vez de nos identificarmos com as ações do nosso herói, nos identificamos com a cadeia de olhares mudos que marcam sua aceitação da recusa e da negação. O olhar do herói em Matar ou morrer nem sempre, portanto, contém a carga ativa associada ao simbolismo de gênero do texto hollywoodiano. Ao contrário, é o rosto de Gary Cooper como índice de sua passividade e também de sua perspicácia que é o domínio-chave para o espectador em Matar ou morrer”.77

76 77

Phillip DRUMMOND, op. cit., p.68. Ibid., p.68.

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O auge do isolamento acontece na parte final do filme. Kane se descobre completamente sozinho quando na rua deserta vê as duas mulheres passando rumo à estação (4.4). São três elementos da narrativa que compõem o clímax do processo de isolamento do herói. O primeiro é a seqüência que sintetiza a carga dramática do filme (4.3), onde temos uma criativa junção de imagens figurativas, espaciais e de sons. O som dos relógios e do o apito do trem, se tornam índices do tempo-horário. O segundo é a seqüência da passagem das duas mulheres por Kane. Aqui a solidão e a angústia do personagem se intensificam porque ele está imóvel, enquanto partem, o plano ponto de vista das mulheres assumido pela câmera, num movimento de travelling para trás, produz o esmagamento de sua figura na paisagem da rua deserta (4.5). Na terceira seqüência, um primeiro plano seguido de novo travelling para trás, agora com grua, repete o esmagamento, mas o movimento de Kane em direção à estação dilui a angústia predominante no primeiro(4.7). São três seqüências tão bem construídas e carregadas de profunda dramaticidade, que sua leitura isolada pode reforçar a idéia de “glorificação do individualismo”, como classificou o Pravda78. O confronto dessas três seqüências com a da assembléia na igreja (3.24 e 3.26) mostram os passos em direção ao diálogo frustrado com os cidadãos reunidos em assembléia na igreja. Como já vimos, somente Helen Ramirez e Amy Fowling se solidarizam com Kane. A busca de solidariedade empreendida por Kane junto à instância decisória da cidade é mal-sucedida, a cidade se curva às “autoridades do Norte”, mas com a repentina manifestação de apoio de Amy, o herói torna-se vitorioso. Tal desfecho é uma incisiva crítica ao modelo do federalismo centrado, expresso pelo que os moradores chamam de autoridades do Norte:

78

Nora SAYRE, Running time: films of the Cold War, p. 176.

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“Matar ou morrer é um dos muitos filmes que modelam uma visão específica de opções políticas da época em relação a idéias de ‘consenso e comunidade’, pois o filme critica os dois modelos de federalismo: o federalmente centrado, defendido pelos liberais corporativos e o modelo mais populista, preconizado pelos conservadores.79

“Matar ou morrer recorta um nicho entre os pólos gêmeos do liberalismo corporativo e do conservadorismo, e complica mais ainda essas oposições binárias. Biskind argumenta que ‘o repúdio dos chamados valores civilizados do leste associados ao liberalismo corporativo é muito mais forte em Matar ou morrer do que é em filmes conservadores, Paixões dos fortes [1946, de John Ford] ou O homem que matou o facínora ‘”[1962, do mesmo diretor].80

Nos dois aspectos centrais do modo de vida americano – individualismo e patriotismo, Matar ou morrer reafirma uma posição típica dos filmes que estamos analisando. É crítico quanto ao patriotismo (o gesto de Kane, jogando no chão a estrela de xerife é muito semelhante ao desdém de McCoy, o batedor de carteira de Anjo do mal, pela pregação patriótica do agente do FBI). O individualismo, no entanto, é significativamente reforçado. Trata-se de uma ostensiva valorização do gesto e da coragem do indivíduo, se opondo a interesses hegemônicos. O filme Vampiros de almas (1956) conta a história da invasão de uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos por estranhas vagens que assumem a forma humana, desprovida de emoções e sentimentos. A rede temática indivíduo/emoção/razão (1.1, 1.5, 4.2, 4.3, 5.1, 6.2) em Vampiros de almas (1956) é particularmente ilustrativa das tensões em torno das duas concepções de indivíduo – as tradições liberal e marxista. O processo de invasão em Santa Mira provoca uma profunda cisão entre, de um lado, os novos seres – réplicas humanas sem “amor, desejo, ambição e fé”, como define o seu porta-voz, o Dr. Kaufman ( Larry Gates), e de outro, os que se recusam a ser “os últimos homens” – Dr. Miles (Kevin McCarthy) e Becky (Dana Winter). Os homens-vagem procuram argumentar sobre o bem-estar que a ausência de emoções traria e Kaufman insiste que os homens da ciência deveriam compreender isso. Por outro lado, a emoção, a intui79

Peter BISKIND, Seeing is believing: how America taught us to stop worring and love the fifties, apud Phil-

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ção e a coragem são euforizados como elementos fundamentais na constituição do homem autêntico. É importante notar que esta cisão emoção/razão vai provocar outra dicotomia – aquela que incompatibiliza igualdade e liberdade. A primeira necessariamente deve ser evitada, pois sacrificaria a essência humana – o terreno das emoções e da intuição. A liberdade, por sua vez, não poderia estabelecer vínculos com a perigosa luta pela sobrevivência (Miles afirma que os homens-vagem só teriam preservado o instinto de sobrevivência) (5.1). Vampiros de almas tem sido interpretado tanto como uma crítica tanto ao comunismo, na destruição da individualidade, quanto ao capitalismo na sua expressão alienadora. Os dois sistemas produziriam a desumanização assustadora que o filme condena81. Se a crítica ao capitalismo parece pertinente, quais os problemas quanto ao comunismo ou socialismo? Eric Fromm, embora não analise a abordagem do filme, identifica duas grandes incompreensões sobre o materialismo de Marx que considero pertinente associar à análise do filme. A primeira seria que o desejo de vantagem monetária e conforto constituiria o principal incentivo ao ser humano; a outra, afirma que Marx teria negligenciado o valor do indivíduo, atribui-se a ele “não ter respeito nem compreensão das necessidades espirituais do homem, e de ter sido seu ‘ideal’ a pessoa bem nutrida e bem vestida, porém ‘sem alma’.82 Na verdade, a caricatura de socialismo que sugerem tais metáforas se assemelha bastante com o capitalismo, como afirma Fromm, em outra passagem: “(...) quero ressaltar a ironia existente no fato de a descrição feita da meta de Marx e a do conteúdo de sua visão do socialismo ajustarem-se quase exatamente à realidade da sociedade capitalista ocidental dos dias de hoje. A maioria das pessoas é motilip DRUMMOND, op. cit., pp. 90-91. Ibid., p. 92. 81 Stuart SAMUELS, The age of conspiracy and conformity: The invasion of the body snatchers, p. 212. 82 Eric Fromm, O conceito marxista de homem, p. 14. 80

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vada por um desejo de maiores ganhos materiais, conforto e aparelhos de toda a sorte, e esse desejo só é restringido pelo desejo de segurança e de evitar os riscos. Elas ficam cada vez mais satisfeitas com uma vida regulamentada e dirigida, tanto na esfera da produção quando na do consumo, pelo Estado e grandes empresas e pelas respectivas máquinas burocráticas; elas chegaram a um grau de conformismo que eliminou o individualismo em grande parte. Elas são, para empregar a expressão de Marx, impotentes ‘homens-mercadoria’ que servem a máquina viris. O próprio retrato do capitalismo de meados do século XX é difícil de ser distinguido da caricatura do socialismo marxista desenhada por seus opositores”.83

Stuart Samuels, analisando diretamente o filme, confirma uma tensão entre expectativa individual e realidade social na sociedade americana dos anos 50, que Vampiros de alma enfatizaria. O pós-guerra trouxera a vitória contra o nazi-fascismo, o domínio do átomo, mas havia coisas fora de controle, como o conflito entre o desejo de autonomia pessoal e as pressões do grupo: “Atos individuais de heroísmo eram suspeitos. Trabalho de grupo e pensamento grupal eram tidos como ideais. O sucesso era medido pela capacidade dos indivíduos submeterem-se no interior de uma massa mais ampla (sociedade, burocracia) da qual eles tinham pouco controle individual. A obtenção de status, popularidade e aceitação viria com a submissão ao grupo. Nos filmes do período, gente que não sacrifica seus desejos individuais por necessidades sociais gerais está fadada a morrer, cometer suicídio, ser rejeitada ou simplesmente enlouquecer”.84

A crença na harmonia natural entre indivíduo e sociedade, tão típica do liberalismo americano, fora abalada pela Segunda Guerra. Desta forma, Samuels a define: “um harmonioso relacionamento entre os desejos do indivíduo e as demandas sociais, indivíduos que buscam satisfazer seu interesse pessoal estarão automaticamente direcionando a sociedade no caminho da natural perfeição”.85

Esta crença estava sendo abalada pela necessidade de intervenção do Estado em amplos setores da vida social, fortalecendo convicções sobre a importância da ação coletiva. Desde a Revolução Russa de 1917, com sua prolongada experiência de planejamento estatal econômico e outras formas de intervenção coletiva e a valorização de aspectos dessa prática na economia capitalista via keynesianismo, o Estado vinha acumulando papel significativo em vários setores da vida social. Por outro lado, importantes movimentos e 83 84

Ibid., p. 15. Stuart SAMUELS , The age of conspiracy and conformity, p. 211.

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tecnologias vinham alterando significativamente os costumes em meados do século XX, como a presença crescente da mulher no mercado de trabalho e como participante de lutas sociais e da juventude, incorporada na ampliação do consumo e como nova expressão política.86 Conformismo era a resposta a uma insegurança crescente, ao mesmo tempo, as teorias da conspiração ajudavam a construir um inimigo contra o qual todos se uniam. Segundo Samuels, tem-se, assim os ingredientes para uma era de alienação pessoal. Eric Fromm, retomando a idéia de que a alienação aliena os alienadores, diz que, uma sociedade inteira também pode estar alienada, o homem não adaptado a ela pode ser considerado o núcleo saudável. 87 Vampiros de almas apresenta uma sociedade (uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos) que, neste sentido, progressivamente se aliena. O Dr. Milles Bennel, o médico que resiste ao processo instaurado pelos alienígenas, apresenta traços fortes de humanidade: brinca, ri, se apaixona, mesmo no momento em que precisa destruir as réplicas vegetais ele esboça pesar e reluta em perpetrar o ato, pois tratava-se de formas humanas (4.2).88 Os homens-vagens de Santa Mira não possuem natureza humana, concebida no filme como núcleo emocional, desta forma, são antípodas do homem autêntico – o homem emocional da construção fílmica. A representação dos homens-vagens, quando associada à uma sociedade socialista, cumpre papel de denúncia das experiências socialistas. Ora, a concepção marxista que vê o homem como produto do trabalho, este elemento de perma-

85

Ibid., p. 210. Para um balanço das transformações sociais, políticas e culturais do período 1945-90, ver Eric J. HOBSBAWM, Eric, Era dos extremos, capítulos 10, A revolução social: 1945-90, e 11, Revolução cultural, 87 Eric Fromm, Psicanálise da sociedade contemporânea, pp. 26-34. 88 Bill WARREN, Keep watching the skies!, p. 289. 86

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nência, que no entanto muda no decurso da história, instaurando um grau de generalidade na visão dialética do problema: o homem fazendo história e sendo seu produto.89 A hierarquia entre emoção e razão é expressa na concepção de natureza humana apresentada no filme, sintetizada na fórmula “amor, ambição, desejo, fé”: os novos seres não possuem nenhum desses sentimentos: “O ‘vegetatismo’ de Vampiros de almas é descrito como algo pernicioso, como estado de espírito onde não existe sentimento, desejo, escolha moral, angústia, lágrimas, paixão, emoção. A sensibilidade humana se extingue. O único instinto que resta é o instinto de sobrevivência. ‘Vegetatismo’ significa um ser ‘renascido num mundo sem problemas, onde todos são iguais’. ‘Não existe necessidade de amar ou emoção. Amor, ambição, desejo, fé – sem eles, a vida é tão simples’. Uma metáfora do comunismo? Talvez! Mas, mais diretamente, ‘vegetatismo’ fala de uma sociedade que se torna mais massificada, mais tecnológica, mais padronizada”.90

Note-se que na concepção de homem que o filme defende, a essência humana – o trabalho, desaparece, dando lugar a um homem fragmentado, como os homens-vagens, incapacitado de superar o processo de alienação. Podemos dizer que a heróica resistência de Miles foi inglória, pois incapaz de incorporar os elementos de ação coletiva e autoconsciência, livrou-se da perseguição alienígena para cair nas malhas do FBI. Além da referência crítica ao comunismo e à massificação, pode-se ver alguma condenação ao macarthismo, ainda que bastante diluída na versão definitiva. Don Siegel foi convencido pelos produtores a acrescentar as cenas iniciais e finais (que chamamos de primeiro prólogo e segundo epílogo) que esmaecem bastante o caráter de paranóia que a obra procura construir. E neste sentido a advertência de Miles, na cena final: “Vocês serão os próximos!” se prestaria muito mais a crítica ao macarthismo. Crítica com maior poder de convencimento, já que, obviamente, os responsáveis pela paranóia (anticomunista) eram a direita americana e não os comunistas. Na década de 50, os comunistas americanos estavam longe do prestígio adquirido nos anos 30, apenas aproveitavam o vento favorável da 89

Eric FROMM, Conceito marxista de homem, pp. 35-36.

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expansão econômica soviética e os resultados favoráveis das lutas de libertação nacional, elementos, por sinal, logo revertidos, consideravelmente, em favor do capitalismo na década seguinte. Embora empenhe-se em dar conta de um fenômeno da alienação que se manifestaria tanto no mundo capitalista como no socialismo, Vampiros de almas acaba defendendo os valores americanos, em especial, um conceito de ser humano integrado ao modo de vida capitalista. Individualismo e submissão cega aos aparelhos repressivos são as grandes marcas finais do filme. Todo movimento de busca de apoio à resistência se frustra. No caso de Vampiros de almas, esta situação é terrivelmente mais dramática que Matar ou morrer, pois até a namorada de Miles se passa para o lado dos não-humanos. Resta apenas a ação salvadora do FBI. Sob o domínio do mal (1962) conta a história de um complô comunista/anticomunista para assassinar o candidato a presidente dos Estados Unidos. O filme apresenta uma visão dualista do problema da individualidade. Raymond Shaw (Lawrence Harvey) representa o indivíduo que sucumbe ao peso das forças destrutivas, desde a complicada relação com a mãe, até o processo de hipnose e “lavagem cerebral”. Já Ben Marco corresponde ao homem que consegue se articular com os seus pares, estabelecendo algum nível de solidariedade com eles e com outras pessoas próximas, como a mulher, condições que o ajudarão a destruir a conspiração. Em Dr. Fantástico, o modo de vida capitalista seduz ambos os lados. Alguns dos itens do equipamento de sobrevivência da tripulação do bombardeiro Alabama Angel, como goma de mascar, meias de náilon e batom, são mais típicos de um consumismo que necessariamente itens indispensáveis (2.7). Aliás muito parecidos com aqueles que o agente americano (Jô Soares) em O homem do sputinik (1959) oferece para barganhar o satélite 90

Stuart SAMUELS, op. cit., p. 212.

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perdido. Em outra seqüência (2.11), o embaixador soviético coloca a questão nos seguintes termos: “nossa incapacidade de acompanhar os americanos e a pressão do nosso povo pelas meias de náilon e máquina de lavar nos impuseram a construção da máquina do juízo final”. O plano de recuperação, após a destruição final promete dentro de aproximadamente 20 anos chegar o PIB (Produto Interno Bruto) aos níveis da época da destruição. A fria lógica da acumulação e do consumo é repudiada no cinismo do plano do Dr. Fantástico, ao mesmo tempo, esta lógica é apresentada como inevitável para a sociedade soviética. O embaixador soviético aplaude o plano neo-nazista e a população anseia por meias de náilon e máquinas de lavar. As duas sociedades parecem enredadas na teia do mercado. Há uma crítica vigorosa à concepção de homem que o capitalismo, na sua fase imperialista, defende. Pierre Giuliani se referiu ao Dr. Fantástico como um Prometeu invertido, em razão de sua proposta pós-hecatombe: entrega-se o fogo aos deuses da técnica [e do capital], realizando o sonho de Zeus de substituir os homens por outra raça, escolhida com base em critérios que possam assegurar o retorno aos índices do PIB em vinte anos.91 O doutor Fantástico pode ser este Prometeu invertido ou mesmo um Minotauro, capaz de enredar Teseu/humanidade num novo labirinto: “O labirinto circular domina o movimento ou a agitação da personagem kubrickiana, tanto no plano moral como no ‘geográfico’ e social, contribuindo tudo para uma antologia da imobilidade, da fatalidade e da impotência”. [...] “Dr. Strangelove sai literalmente da sombra, dos recantos obscuros da sala de guerra do Pentágono para surgir em plena luz e autenticar os arcanos do filme como dédalo em que a humanidade se irá perder”.92

O indivíduo nos filmes analisados vive duas tensões essenciais: de um lado, está em constante risco de se desumanizar, embora o processo de humanização permaneça como um mistério, pois apontaria possibilidades contra-hegemônicas, ao apresentar o trabalho como motor desse processo; do outro, as relações com a coletividade estão marcadas por

91 92

Pierre GIULIANI, op. cit., p. 27-28. Ibid., pp. 37-38.

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uma forte dose de frustração. Os homens estão sempre prestes a se transformarem em máquinas, autômatos, em razão de um novo Prometeu, agora cego pela acumulação, que escraviza os homens à máquina ou ao consumo (Cortina de ferro e Dr. Fantástico). Outros terminam isolados e partem sozinhos (no máximo com a mulher, como em Matar ou morrer). Por último, podem ainda, o que é mais grave, terminar apelando para a segurança que o aparelho repressivo possa dar (dr. Miles recorrendo ao FBI, em Vampiros de almas). 2.2. Indivíduo e coletivismo/socialismo/comunismo93 O problema da individualidade no comunismo recebe bastante atenção em Cortina de ferro. O líder comunista John Grubb, personagem inspirado em um protagonista do caso verídico de espionagem soviética no Canadá, durante a Segunda Guerra, age com uma desenvoltura que beira à invasão de privacidade. Na visita ao Dr. Harold Norman, mexe em papéis, liga aparelhos domésticos (5.6), apontando para um claro desrespeito à propriedade dos meios individuais de consumo. Este comportamento amoral dos comunistas vai atingir seu clímax com a invasão do apartamento de Igor Gouzenko. Note-se que Igor se recusa a atender à porta, apesar dos apelos dos camaradas, até que eles a arrombam (7.12). Os comunistas têm uma boa justificativa para a polícia: estavam ali em busca de documentos roubados. Mas este legítimo direito só pode agora ser reivindicado à própria polícia. O Dr. Norman, por sua vez, depois de usado, é deixado solitário, para ser lembrado quando for útil novamente (5.8). 93

A expressão “comunismo” tem uma origem remotíssima. Já estava presente na República de Platão, como privilégio das classes dominantes. O movimento dos “niveladores” e “cavadores” da Revolução Inglesa de 1640 seriam os primeiros representantes do comunismo utópico. A partir do Manifesto do Partido Comunista de 1848, começa-se a falar em socialismo crítico em oposição ao utópico. O socialismo crítico ou o comunismo seria um horizonte revolucionário baseado em princípios teóricos a serem praticados à luz da luta de classes e não da atenuação dos antagonismos sociais. Cf. Carla Luciana SILVA, Anticomunismo brasileiro: conceitos e historiografia, pp. 195-197 e Karl MARX e Friedrich ENGELS, Manifesto do Partido Comunista, pp. 64-67. Trabalhamos, portanto, com uma definição ampla, sem pretensões de análise maior das experiências do chamado socialismo real, conjunto de experiências que se desenvolveram a partir da Revolução

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Além da atração exercida pelo modo de vida capitalista, a conversão de Gouzenko ao capitalismo é bastante estimulada pelo comportamento de Kulin. Ele está decepcionado com o que está acontecendo na URSS: o pai, que fora um marxista revolucionário, hoje é um pau-mandado do regime. Os ideais autênticos foram traídos e a verdade torna-se impossível de ser alcançada. A origem destas angústias é o drama vivido por Kulin, durante a II Guerra, quando em Karkov matou friamente soldados russos para que outros se apresentassem como voluntários a uma certa missão. Os realizadores de Cortina de ferro escolheram uma questão chave. A participação dos soldados soviéticos na guerra trouxera uma situação inteiramente nova para os comunistas. Em particular, a superação das imensas adversidades na Batalha de Stalingrado94, como observara Alcir Lenharo, parafraseando o comentário de Harold Laski: “O problema para Laski, é que depois de Stalingrado, o ‘espetáculo do heroísmo da Rússia’ convencera o homem comum de que na experiência comunista existiam ‘virtudes estranhas’ que, de algum modo, mantinham ‘analogia com o segredo do Cristianismo’. O comunismo dera fim a uma ordem social regida por poucos, cuja riqueza lhes facultava os meios de exercer a autoridade sobre muitos. A certeza do que fora colocado abaixo, somava-se a fé em que o êxito individual do cidadão redundava necessariamente no bem-estar da comunidade. Dignificada a contribuição individual, o indivíduo não se sentia ameaçado pelos avanços coletivos; ‘o sistema russo prescreveu a ‘priori’ a frustração tecnológica que se tornou endêmica em qualquer sistema baseado, como, na propriedade privada dos meios de produção”.95

Harold Laski reconhece nos combatentes anti-nazistas – situando os soviéticos no esforço coletivo que contou com a participação de tantos outros povos – altivez e coragem que revelam “uma imperecível tradição do esforço do homem pela emancipação da dupla

Russa de 1917 e da formação das democracias populares no Leste europeu, após a derrota do nazi-fascismo em 1945. 94 A batalha de Stalingrado ocorreu entre 23 de agosto de 1942 e 2 de fevereiro de 1943 e representou um ponto de ruptura na II Guerra Mundial, assinalando uma importante derrota do nazismo. Nesta batalha, desenvolveu-se uma prática de atiradores de tocaia, semelhante ao movimento stakanovista da década de 30, de quebra dos recordes na extração de carvão. Os atiradores procuravam quebrar recordes do número de oficiais nazistas acertados. O filme Circulo de fogo (2001), de Jean-Jacques Annaud, aborda especialmente este aspecto, contando a história de Vassili Zaitsev, que matou 149 oficiais alemães. 95 Alcir LENHARO, Sacralização da política, p. 179, citando Harold LASKI, Fé, razão e civilização, pp. 6364.

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tirania da Natureza e da autoridade” 96. O destaque conferido à União Soviética se daria pela improbalidade de uma convicção como a que unificava o povo soviético pudesse ter origem no capitalismo. 97 Os feitos soviéticos na Batalha de Stalingrado foram impressionantes, gerando, entre outros fenômenos, uma espécie de stakanovismo guerrilheiro: uma competição em torno do maior número de oficiais nazistas acertados. Apresentar oficiais soviéticos amargurados com possíveis atrocidades cometidas era fundamental para ganhar a batalha em torno das concepções sobre a guerra e sobre o papel das diferentes nações no seu desfecho. O comportamento amargurado do Major Kulin pode ser factível, mas qual a sua representatividade entre os militares soviéticos vitoriosos no conflito mundial, depois de tantas provas da capacidade de combate?, como observa Laski: “Revelou-se, também, através do gigantesco combate da União Soviética, uma tal capacidade de resistência como de organização, que granjeou para os seus povos um novo conceito na humanidade”98.

Como o major Kulim, um semelhante sentimento de tristeza e melancolia parece tomar conta dos Gouzenko após a palestra de Kanev, chefe da representação diplomática soviética no Canadá. Na sua fala, Kanev adota uma posição classista (“os objetivos do capitalismo e do comunismo são distintos”), marchando contra a tendência de muitos partidos comunistas, que prosseguiram após o fim da guerra, com a política de aliança com as burguesias locais (Brasil) ou mesmo se dissolveram (EUA). Este posicionamento faz Anna atingir o ponto de virada, abandonando as antigas convicções, pois acha que desta forma os comunistas estavam artificialmente fazendo dos antigos aliados seus inimigos (6.5).

96

Harold LASKI, Razão, fé e civilização, pp. 18. Ibid., pp. 99. 98 Ibid., p. 19. 97

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Como já vimos, a principal crítica de Vampiros de almas ao homem comunista seria o seu racionalismo exacerbado e uma abstrata igualdade. A igualdade é vista como incompatível com a individualidade, como notamos na resposta de Miles às vantagens do “mundo novo”: “onde todos são iguais” (4.1). Assim, notamos que, em Vampiros de almas, a preservação da identidade está associada à afetividade, à intuição e à diferença. O conceito de homem é o homem emocional, o racionalismo dos alienígenas é apresentado como mais danoso que a própria morte, pois produziria uma sociedade de autômatos, característica que muitos cientistas sociais viam estar se desenvolvendo tanto no capitalismo como no comunismo dos anos 5099. Em Vampiros de almas, o núcleo constitutivo do indivíduo se dá nas relações afetivas que ele estabelece. O envolvimento entre Miles e Becky, dois divorciados, em Vampiros de almas, constitui, além de um elemento progressista para os anos 50, uma forma de reconhecimento da afetividade madura como elemento valorativo. Mesmo apaixonado por Becky, Miles segue em frente quando descobre sua incorporação aos novos seres. As metáforas identificadas por Bill Warren em Vampiros de almas também apontam para este mundo onde a emoção é um valor absoluto. Primeiro, a duplicação aponta para vida sem emoção: “Na linguagem usual, o termo para alguém que é claramente insensível , incapaz de qualquer reação ou emoção é ‘vegetal’ . Em Vampiros de almas, pessoas se tornam literalmente ‘vegetais’. A coisa mais deprimente para muitas pessoas é uma vida desprovida de conteúdo emocional, ainda que todos em volta de nós vejam esse tipo de gente, pessoas que seguem pela vida sem sentir, nem desejar nada”.100

A segunda metáfora é a citação de Shakespeare , em MacBeth, feita em torno da idéia de que dormir é morrer. Como as vagens agem mais desenvoltamente quando se dorme (para se apoderarem da mente é preciso que a pessoa esteja dormindo), Vampiros de

100

Bill WARREN, Keep watching the skies! American sicence fiction movies of the fifties, pp. 287.

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almas joga com a idéia do medo da morte para defender uma postura de permanente vigília frente às ameaças de um mundo inseguro, de ideologias destruidoras da individualidade.101 Notamos que a concepção de homem em Vampiros de alma circunscreve-se ao plano dos sentimentos, trabalho e história estão completamente ausentes. Os dois únicos vínculos de Santa Mira com o mundo são a estrada de ferro, de onde chega o Dr. Bennel de sua conferência, e a rodovia por onde ele escapa para alertar ao mundo da ameaça. Mas inegavelmente há uma concepção humana, da qual Dr. Bennel é a síntese e o guardião. De certa forma, ele detecta um problema no sistema, ou seja, a massificação e perda da identidade, e inicia uma cruzada contra tais anomalias. Mas, se permanece nos limites do liberalismo clássico, na medida que repudia um mundo sem “emoção, desejo, ambição e fé”, e teme a igualdade que poderá pôr em risco tais valores, há um outro tipo de vida, também simples, que ele aspira: chegar cedo em casa para o jantar, amar, ter filhos ... Em Vampiros de almas (1956), de Don Siegel, há uma clara divisão: a verdadeira natureza humana está no âmbito das emoções. Os alienígenas reproduzem uma cópia humana idêntica, só lhe faltam sentimentos. Desde o início do filme, os aspectos afetivos são apresentados como fatores de identificação: Becky pergunta a Miles como ele saberia que ela é ainda a mesma dos tempos de colégio e Miles responde beijando-a (3.5). Da mesma forma, é ao beijá-la, de volta ao túnel onde se esconde dos alienígenas, que descobre que ela não é mais humana (5.2). Para os homens-vagens, as emoções complicam a vida. Kaufman, o psiquiatra porta-voz do grupo, tenta convencer Miles que eliminar amor, desejo, ambição e fé torna a vida muito mais simples (4.1). Além da afetividade, a intuição é valorizada em duas seqüências: quando Miles pensa retrospectivamente sobre a cena do garoto fugindo da mãe, acha que já deveria ter desconfiado de alguma coisa (3.1), ao terminar a visita a Wilma, prima de Becky, diz que seu sexto sentido o alertava para os estra101

Ibid., pp. 287-290.

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nhos comportamentos, mas não dera ouvidos (3.4.). A figura humana, depositária desses sentimentos, é euforizada na seqüência em que Miles reluta em destruir as réplicas porque já possuem uma forma quase humana (3.7). Em Cortina rasgada (1966), temos a história de um cientista americano que simula desertar para a Alemanha Oriental em busca de um importante segredo. No filme a problemática do indivíduo está vinculada aos dois modos de vida, fazendo com que definamos apenas uma rede temática indivíduo/modo de vida capitalista/indivíduo/socialismo (3.2, 3.4, 3.5, 5.7, 5.8). Não há valores do modo de vida capitalista explicitamente enunciados. Apresenta pessoas que, em diferentes níveis, estão insatisfeitas com o socialismo. Gromek,agente da Stasi (Serviço de Segurança Estatal) tem profunda nostalgia do tempo em que viveu em Nova York. Gromek é apresentado a Armstrong, pelo chefe da Stasi, sr. Heinrich Gerard, como não-confiável: “se ele causar algum problema, avise-me”. A Condessa Kuchinska, por sua vez, deseja desesperadamente emigrar para os Estados Unidos, mas esbarra no problema de não ter um patrocinador americano que a receba. Gromek é pretensioso, viveu em Nova York, estudou em uma escola noturna que lhe permite discutir noções básicas de matemática, mas é um desastroso agente de segurança, é imobilizado por duas pessoas desarmadas e assassinado com facadas e intoxicação por gás (3.11). O filme constrói um estereótipo que nada deixa a desejar aos produzidos no início do ciclo de filmes sobre a Guerra Fria, curiosamente, a passagem de Gromek por Nova York e o seu casaco de couro preto remeteriam para o modelo do comunista gângster a serviço da elite comunista refinada apresentada na história do roubo do microfilme em Anjo do mal A estupidez de Gromek e o nervosismo de Joey, um mercenário contratado pelos comunistas para reaver o microfilme roubado, são elementos importantes na formação do estereótipo do comunista/gângster.

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Alfred Hitchcock fez dois filmes abertamente anticomunistas. O segundo foi Topázio (1969), que enfoca a crise dos mísseis de Cuba (1962) como parte de um complô de espionagem soviética. Neste segundo filme, o tratamento é reiteradamente estereotipado. Deve-se ter em conta que no bloco comunista, há agora diferenças a considerar. Os comunistas cubanos são situados, no quadro do estereótipo, entre a truculência dos gângsters e as tendências fascistizantes, já seus companheiros europeus, também comunistas, nada ficam a dever aos requintes do modo capitalista de vida. Os cubanos têm cabelo e barba, inevitavelmente, por fazer. A sujeira e o caos imperam no ambiente de trabalho, a ponto de documentos importantes serem encontrados engordurados por sanduíches. Cospem e jogam cascas de frutas no chão, bebem em copos empoeirados e circulam com prostitutas pelos corredores do hotel (2.11.14 e 2.11.15). Já o ambiente onde trabalha o contra-complô capitalista é limpo, ordenado e conta com uma tranqüilizadora peça musical tocada pela filha do ex-diplomata soviético (2.7 e 2.9). Para completar a construção do estereótipo, em ambos os filmes, associa-se comunismo e nazismo: os militares da Alemanha Oriental usam uniformes que lembram os uniformes nazistas e Rico Parra, ao se dirigir à multidão, em frente ao Hotel Theresa, usa a saudação nazista da mão estendida em ângulo reto (2.11.9). Conclusão No cinema anticomunista, inspirado na Guerra Fria, a temática do conceito de homem aparece, na maioria da vezes, de forma invertida. No caso da ficção científica, o nãohomem é produzido pelo contato com os seres extraterrestres. Os seres alienígenas materializam pavores coletivos típicos dos anos 50: a paranóia anticomunista da Guerra Fria e

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a crescente desumanização produzida pela massificação, criando uma profunda defasagem entre expectativa pessoal e realidade social.102 O homem comunista, por sua vez, é apresentado como constituído fundamentalmente de racionalidade. Do ponto de vista ético, este homem defende que o fim justifica os meios, sendo capaz de mudar de lado pela recompensa material, matar e torturar para atingir seus objetivos; como espaço de ação, escolhe o ambiente sujo e promíscuo e sua forma de atuação é a guerra subterrânea (o complô), saindo das trevas para a conquista do mundo. Neste aspecto, deve-se lembrar que os métodos e práticas nazistas são sugeridas como base para sua orientação política. Assim, a associação comunismo/nazismo completa o processo de desqualificação no plano do indivíduo e fundamenta o mesmo procedimento no campo da política. Paralelamente ao processo de desumanização, apresentado para o contexto comunista, os filmes desenvolvem um modelo de indivíduo que corresponde, em larga medida, ao mito do herói isolado e auto-suficiente. O homem do modo de vida capitalista da construção fílmica pode ser sintetizado num modelo onde o elemento constitutivo fundamental é a emoção, atuando do ponto de vista ético em torno da busca da realização pela via do esforço pessoal, condição para ter acesso a bens de consumo, à propriedade ou ao pequeno negócio. Este último aspecto adquire importância fundamental na estabilidade da cidadania, ratificando a máxima do liberalismo clássico, “sem propriedade não há cidadania estável”. O patriotismo é outro elemento fundamental na constituição desse modelo de ser humano. É valorizado socialmente, certamente, tanto quanto o modo democrático de vida (democracia representativa burguesa). A forma de atuação desse indivíduo, fora dos caminhos institucionais, é a ação heróica, superadora dos conflitos sociais. 102

Cf. Ciro F. S. CARDOSO, A ficção científica, imaginário do século XX, pp. 67-68, e Stuart SAMUELS,

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O dr. Milles Bennel, em Vampiros de almas, e o major Benneth Marco, em Sob o domínio do mal, representam bem tal perfil. Realizam a proeza de resistir às piores pressões do meio, como as investidas dos alienígenas para que durma e a dolorosa identificação de que sua amada fora contaminada pela doença, no caso do Dr. Bennel; e a procura de cura e o questionamento sobre os estranhos sonhos feitos pelo Major Marco – como o Édipo da tragédia, desconfia do que vê à sua volta e lança-se a fazer perguntas sobre a situação. O sargento Shaw, por sua vez, é um misto de Édipo e Orestes, derrotado e submisso aos desígnios da mãe e sem um pai para vingar-se. Ambos os filmes, precisam desenvolver exaustivamente o modelo do homem não-humano, para erigir no seu lugar não um homem com suas múltiplas faces, mas um super-homem, um herói, seja no sentido positivo, de Bennel, seja o herói-martir na figura de Shaw. A harmonia entre interesses individuais e sociedade aparece de forma evidente nas situações alusivas ao chamado modo de vida americano: os apartamentos amplos – forte elemento de convencimento em Cortina de ferro, as espaçosas cozinhas, em Vampiros de alma, a preciosa lista de equipamentos de sobrevivência e as meias de seda em Dr. Fantástico. A harmonia destas sociedades é quase sempre quebrada por elementos externos: os alienígenas e os espiões. Dr. Fantástico é uma exceção, à medida que os elementos perturbadores estão instalados em ambas as sociedades: há consumismo na União Soviética, que atrapalha sua corrida armamentista, e existem setores, nos Estados Unidos, dispostos a dar o primeiro passo em direção à guerra nuclear. O universo harmonioso do modo de vida capitalista, onde transitam os nossos personagens, sem dúvida é um aspecto convincente, na lógica da acumulação e do consumo capitalistas, apresentados nas construções fílmicas que analisamos. No entanto, maiores limitações são visíveis quanto aos indivíduos, deles se extrai o seu caráter de ser social, a op. cit., p. 216.

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relação que estabelecem com a sociedade é sempre parcial, fragmentada. Elevam-se mais à categoria de deuses ou super-homens que seres essencialmente humanos. Tanto os seres desgraçadamente racionais, como os formidavelmente sobre-humanos, são imagens distantes do homem enquanto ser social.

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Capítulo 3: Indivíduo e poder

“Na fase superior da sociedade comunista, quando houver desaparecido a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, o contraste entre o trabalho intelectual e o trabalho manual; quando o trabalho não for somente um meio de vida, mas a primeira necessidade vital; quando, com o desenvolvimento dos indivíduos em todos os seus aspectos, crescerem também as forças produtivas e jorrarem em caudais os mananciais da riqueza coletiva, só então será possível ultrapassar-se totalmente o estreito horizonte do direito burguês e a sociedade poderá inscrever em suas bandeiras: De cada qual, segundo sua capacidade, a cada qual, segundo suas necessidades.”103 Karl Marx

Neste capítulo, procuraremos observar o processo de ideologização presente na construção fílmica da imagem do inimigo, examinando as abordagens sobre a conspiração e os conspiradores. Como vimos, no capítulo anterior, a fragmentação do indivíduo permite uma extensão do uso da ideologia, tornando possível a própria desumanização do adversário. Este mecanismo de ampliação do uso ideológico, agora mais voltado para o problema da ação política, será observado no que chamamos construção do mito do herói positivo no capitalismo, um misto de herói trágico e herói dramático.104 Introdução Em qualquer guerra a definição de quem seja o inimigo é passo fundamental. Esta definição antecede necessariamente ao início do conflito. Na movimentação dos adversários, a preparação para o combate é também de importância tremenda, ou melhor dito, ganha uma guerra quem se prepara melhor para ela. É na fase de preparação para a guerra que a conspiração tem seu relevo acentuado, se situando no âmbito das manifestações que compõem a guerra subterrânea. 105

103

Crítica ao Programa de Gotha, pp. 216-217. O herói trágico concentra em torno de si elementos que lhe serão fatais. O herói dramático concilia suas paixões e a necessidade imposta pelo mundo exterior, evitando, desta forma, a destruição. Ver Herói, In Patrice PAVIS, Dicionário de teatro, pp. 193-194. Acreditamos que o cinema costuma incorporar aspectos de ambos: Zapata é um herói trágico, já Terry Malloy é um herói dramático. 105 Antonio Gramsci define três conceitos para guerra: guerra de posição, caracterizada pelas ações de resistência passiva, boicotes, etc., guerra de movimento, como as greves e insurreições e a guerra subterrânea, 104

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No imaginário político, sua origem é remota, desde o complô de Bruto e Cássio para assassinar César, na Roma antiga, passando pela Conspiração dos Iguais, de Babeuf, na França revolucionária, até os movimentos da época contemporânea, como a articulação dos judeus para conquista do mundo, definida nos Protocolos dos sábios do Sião106 e dos jesuítas, via Sociedade de Jesus. Nota-se no conjunto dos movimentos conspirativos duas tendências: a preservação do status quo como objetivo das conspirações, e as intenções de estabelecimento de uma ordem de justiça e fraternidade, como a Conspiração dos Iguais tipifica. A incorporação da participação coletiva, alarga sua compreensão, permitindo que seja pensada no âmbito da revolução, constituindo a conspiração momento de criação das condições subjetivas. No sentido negativo, ela vincula-se a constituição da ação do inimigo e cria uma rede de variantes: restrição da circulação de informação, estabelecendo segredos conhecidos somente pelos iniciados, manipulação psicológica e da informação, com os conseqüentes resultados disso, sendo o mais freqüente a criação de ambiente favorável à paranóia, ou seja, ao medo coletivo das ações do inimigo. Para que a conspiração se desenvolva são necessários homens, mulheres, símbolos, rituais que a tornarão uma força material, é a organização, o elemento crucial para desenvolvimento da ação.107 3.1. O complô comunista e o contra-complô anticomunista Nos filmes relacionados com a Guerra Fria, o tema da conspiração está presente em duas formas muito próximas: a paranóia108 anticomunista da ficção científica e nos enredos em torno do complô comunista desenvolvido nos thrillers políticos e de espionagem.

caracterizada pela preparação clandestina. Gramsci chama atenção para a possibilidade freqüente de se passar de uma forma à outra. Cf. Maquiavel, a política e o Estado moderno, pp. 67-81. 106 Os protocolos dos sábios do Sião é uma falsificação, elaborada pela polícia czarista, nos últimos anos do século XIX, que atribui aos judeus a participação num movimento conspirativo voltado para o domínio mundial. Antes da Primeira Guerra Mundial e sobretudo, no entreguerras, mereceu grande difusão, chegando a tiragens próximas da Bíblia. Cf. Raoul Girardet, op. cit., p. 32. 107 Raoul GIRARDET, Mitos e mitologias políticas, passim. 108 Ver nota 52.

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O complô comunista em Cortina de ferro (1948) é especialmente importante. O primeiro filme do ciclo desenvolve uma abordagem da organização comunista que será abandonada nos filmes seguintes. Nele os comunistas são politizados, o cotidiano das organizações é reconstituído através de reuniões e grupos de estudos, onde são lidos textos de Marx e feitas citações de Lênin. A conspiração comunista não é confundida com gangsterismo, fundamentalmente. Deve-se registrar, no entanto, que na parte final, os comunistas são apresentados arrombando portas e ameaçando ex-camaradas. O complô tem início quando os comunistas, no final da II Guerra, precisam obter o segredo da construção da bomba atômica. A conspiração conta com Ranev, segundosecretário da embaixada soviética no Canadá, Coronel Alexander Trigorin, adido militar, e John Grubb, fundador e membro do Partido Comunista do Canadá, que se encontram num carro, em Ottawa, e decidem montar uma rede de espionagem, a pedido de Moscou (3.1). O plano encontra base nas organizações do Partido, como a Associação dos Amigos da Rússia Soviética, movimento de solidariedade e fachada para o trabalho de espionagem (3.3 e 6.2). Os “grupos de estudo” são outra forma de atuação dos comunistas apresentada com bastante fidelidade: numa residência de classe média, um grupo ouve a leitura em voz alta de um texto de Karl Marx, enquanto um oficial da aeronáutica canadense é cooptado para a espionagem (3.4). Outro espaço de propagação do complô é a residência de um dos envolvidos, o Dr. Harold Norman, cientista participante do projeto de construção da bomba atômica (5.4). O objetivo da conspiração é alcançado quando o Dr. Normam entrega o segredo da fabricação da bomba atômica, resumido em dez páginas, e uma amostra de urânio enriquecido (5.5).

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O contra-complô tem início quando Igor Gouzenko, funcionário da embaixada responsável pela codificação, começa a duvidar dos ideais comunistas e decide permanecer no Canadá, apesar da decisão dos superiores de mandá-lo de volta à União Soviética, depois de alcançado o segredo da bomba. Começa a selecionar documentos a serem desviados oportunamente (7.1.). Quando percebe que seu retorno à URSS era iminente, reúne os papéis e se dirige ao Ministério da Justiça. O contra-complô de Gouzenko parece não estar dando certo, pois não é recebido pelas autoridades canadenses (7.3). A imprensa canadense também não tem interesse pelo roubo dos papéis e o editor recomenda que procure a polícia (7.9). É a esposa de Gouzenko, Anna, que realiza a ação decisiva, enquanto Gouzenko permanece no apartamento, esperando a chegada dos camaradas, ela se esconde no apartamento da vizinha. Quando os comunistas arrombam a porta, Anna

chama a polícia. Os

policiais canadenses dizem aos russos que reclamem a posse dos papéis oficialmente e passam a proteger os Gouzenko (7.12). Em Anjo do mal (1952) o complô comunista está em andamento e aparecerá com relevo à medida que o contra-complô anticomunista se desenvolva. Como já vimos, o ladrão do microfilme não tem nenhuma veleidade patriótica, pelo contrário, está inconformado com a polícia por tê-lo transformado num perdedor, prendendo-o três vezes. A polícia consegue que a namorada de McCoy colabore com eles por razões sentimentais. McCoy, por sua vez, não tem nenhuma simpatia pelos comunistas, chegando a tratar Candy asperamente e não depositar-lhe a menor confiança enquanto pensa que é subversiva. Os participantes do complô comunista parecem chefões da Máfia, bem vestidos, fumam charutos e dão ordens a um homem (Joey) que pagam para dar conta do microfilme. Não há política, nem ideologia, tanto que foi exibida na França uma cópia dublada onde se substi-

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tuía a palavra microfilme por entorpecente e comunistas por traficantes sem prejuízo do entendimento da trama.109 Vejamos agora como a conspiração se apresenta em Vampiros de alma. A primeira aparição dos “vampiros” como grupo articulado aconteceu após o encontro de Miles, médico de uma pequena cidade dos Estados Unidos, com Wilma Lentz, sua paciente. Miles a encontra na rua e ela afirma que está bem e que não precisa mais de ajuda psiquiátrica. Wilma entra na loja e avisa a alguém que Becky, namorada de Miles, dormira na casa do médico (4.2). Música tenebrosa, mudança do aviso na porta da loja para “fechado” e gestos rígidos de Wilma criam o clima conspirativo. Quando percebe que a invasão das vagens é real, Miles procura ligar para outras cidades e para o FBI, mas é tarde demais, “eles” já controlam as ligações telefônicas (4.2). Os conspiradores vão mostrando-se organizados e tratam de disseminar o contágio. Na casa da enfermeira Sally, há uma reunião onde a duplicação de uma criança está acontecendo, acompanhada atentamente por amigos da família. Miles tenta descobrir a origem das vagens. Considera duas hipóteses: radiação atômica ou seres alienígenas e conclui: “Seja qual for a inteligência que controla a formação de carne e sangue humanos, é poderosa e incompreensível” (4.2). Mais adiante, o líder dos alienígenas, o Dr. Kaufman, afirma que a origem das sementes é o espaço (5.1). Um ponto de partida da conspiração muito pouco preciso. Stuart Samuels, como já vimos no primeiro capítulo, vincula teorias conspirativas e paranóia, conformismo e alienação e considera que estes três conceitos são dominantes na década de 50, funcionando como respostas à falta de sentido para a vida e às ameaças de aniquilamento da humanidade motivadas pela bomba.110

109

Antoine de BAECQUE, A moral é uma questão de travellings, p. 254. Este curioso artifício visava proteger o filme das reações de um público, onde um em cada quatro votava comunista. 110 Stuart SAMUELS, The age of conspiracy and conformity, p.207.

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As teorias conspirativas fundamentam-se na idéia de que sob a aparência enganosa de pessoas normais, oculta-se um perigoso inimigo. Dessa forma, torna-se impossível distinguir, por exemplo, entre alienígenas e seres humanos.111 O medo e o pânico coletivo, induzidos pelo cinema, exacerbam procedimentos de controle que já estavam em curso na esfera da vida individual. Os seres robotizados oferecem a possibilidade de imunizar os seres humanos das aflições geradas numa área permeada por grande insegurança, que é a das relações afetivas. A paranóia coletiva funciona como uma contrapartida ao indivíduo isolado: é a obsessão contra tudo e contra todos se cristalizando em crenças coletivas. Em alguns filmes, como Dr. Fantástico, essa paranóia é claramente ironizada no pretenso complô comunista para minar a essência humana pela fluoretação da água e outros produtos. Em Vampiros de almas, todas as formas de normalidade estão invertidas. Wilma Lentz acha que há um impostor no lugar do tio (3.3), filhos não reconhecem a mãe, como o pequeno Jimmy, levado ao consultório do Dr. Miles pela avó porque acha que sua mãe é uma estranha (3.3). De volta à casa, num descontraído churrasco, Miles encontra vagens se transformando em seres humanos na estufa do jardim (4.2). No final, quando Miles e Becky fogem da cidade, ouvem música romântica ao longe, pensam que este pode ser um sinal da presença de seres humanos. Ao se aproximar, Miles verifica tratar-se de um grupo de “vampiros” carregando um caminhão com sementes (6.2). Desta forma, Samuels comenta o quadro: 111

Stuart Samuels associa conspiração (conspiracy) e paranóia, reconhecendo que a primeira se baseia na clara distinção entre eles e nós, distinção difícil de ser feita nos 50, quando a subversão estava em todo lugar, enquanto a segunda é vista como uma resposta ao conformismo, na medida em que o indivíduo pressionado a assegurar um lugar no sistema, encontra na paranóia coletiva uma justificativa para sua inadequação. Em certos casos, a conspiração pode deixar de ter existência real e assumir formas fantasiosas, constituindo-se uma paranóia, na sua forma de delírio persecutório Sabemos que no caso em estudo – a chamada ameaça comunista, a paranóia tem bases reais na medida em que há um sistema que rivaliza com o capitalismo e de alguma forma se apresenta como alternativa – as experiências socialistas que então vigoravam. Sabe-se ainda que os comunistas não deixavam de prosseguir conspirando para ampliar o alcance do socialismo. Não de-

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“O cotidiano está cheio de perigo. Não é de admirar que ele [Miles] esteja à beira da loucura, não é de se admirar que ele trate as pessoas com uma suspeita paranóica. A paranóia torna-se a alternativa lógica ao conformismo dos “autômatos”.

Para Samuels, a reação paranóica era motivada pelo “... conformismo [que] se alimenta de uma necessidade de fugir da confusão, do medo, das preocupações, da tensão, e de uma crescente sensação de insegurança. Isto foi acentuado por uma sensação de desenraizamento e crescente mobilidade . Mentalidade consensual oferecia um refúgio a um mundo ansioso e confuso”.112

O clímax da paranóia acontece na seqüência da auto-estrada, onde Miles, em pânico, procura avisar a motoristas indiferentes que “eles estão aqui”. Na decupagem que fizemos, chamei esta seqüência de primeiro epílogo, porque Don Siegel pensava em terminar o filme aqui. Pressões do estúdio no sentido de “incluir uma clarificação”, levaram Siegel a elaborar um prólogo e um novo epílogo.113 Examinemos a rede temática “conspiração” no filme Sob domínio do mal (1962). A sua origem, em conformidade com o imaginário das conspirações contemporâneas, está fundamentada numa pretensa base científica, ou seja, a possibilidade do uso da lavagem cerebral e da hipnose114 na imposição de ações contrárias à vontade do indivíduo. Na seqüência de apresentação dos resultados da lavagem cerebral, antes de ordenar que o sgt.

Raymond mate um dos seus companheiros, o psiquiatra Yen Lo, responsável

pela operação, apresenta uma extensa bibliografia que respalda sua experiência (4.2). Nesta seqüência, somos informados sobre as condições de realização da lavagem cerebral, savemos esquecer, no entanto, que o perigo comunista era significativamente exagerado, havendo sem dúvida um aspecto doentio no problema. Op. cit. pp. 205-211. 112 Stuart SAMUELS, op. cit. , pp. 207-208. 113 Peter BOGDANOVICH, Afinal, quem faz os filmes, pp. 850-852. 114 Lavagem cerebral é um método de persuasão constituído por um conjunto de condições e procedimentos bem específicos, incluindo mecanismos psicológicos como diminuição da capacidade intelectual, sugestão, conduta condicionada e medidas como prisão, cansaço e tortura, além de uso de agentes químicos, visando a inculcação de determinadas crenças, notadamente políticas. Depois da Guerra da Coréia, o governo dos Estados Unidos encomendou estudos sobre o problema, provocado por declarações de ex-prisioneiros americanos de que o governo do seu país teria usado armas bacteriológicas no conflito. Em 1956, a CIA conduziu um estudo secreto sobre o tema. Cf. verbete Brainwashing, Encyclopedia of Pscycology, vol. 1, pp. 463-464 e Lavado de cerebro, Enciclopedia Internacional de las Ciências Sociales, vol. 6, pp. 491-495. A hipnose é

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bemos depois que o local é Tunghwa, (10.2), talvez uma cidade da Manchúria115. A organização que está por trás da conspiração, como é próprio dos movimentos conspirativos, espraia tentáculos onde sua atuação se faça necessária. Em Washington, no momento em que é preciso checar as conexões, novas instalações são requeridas, agora disfarçadas sob a fachada de uma discreta clínica para alcoólicos milionários (6.2). Para a que a conspiração se ponha em movimento, além da atuação direta de seus membros – senador Iselin e a sra. Iselin, Yen Lo e os outros comunistas – , é necessário contar com os manipuláveis, como a

patrulha americana submetida à lavagem cerebral.

Os membros da patrulha que sobreviveram e atuam no complô são o Sgt.

Raymond

Shaw, o major Benneth Marco e o cabo Melvin. Melvin e Marco, de um lado, e Raymond, de outro, representam pólos opostos de comportamento. Melvin se divertia no bordel e é um dos que recriminam o sgt. Raymond, quando ele vem tirá-los da farra para uma missão. No carro, Marco, por sua vez, balançara a cabeça, como se desaprovasse a atitude do sargento. Melvin, de volta à vida civil, está casado e parece levar uma vida estável, mas é torturado por horríveis pesadelos. Marco vive sozinho e está desvinculado de qualquer estrutura familiar. Raymond, por sua vez, vive às voltas com uma mãe controladora e invasiva. Constantemente sob pressão da mãe, Raymond obedece ou esboça uma tímida reação, tapando os ouvidos, numa atitude tipicamente infantil (3.1). O major Marco, depois de solicitar ajuda de seus superiores para os estranhos pesadelos que tem, onde Raymond aparece assassinando companheiros,

decidiu procurar o

colega em Nova York. Reaproximam-se e depois de um jantar, já visivelmente embriaga-

um método de investigação da memória inconsciente e de sugestão. A experiência descrita no filme conjuga os dois métodos (lavagem cerebral e hipnose), de forma bastante livre. 115 Manchúria é antigo nome da região nordeste da China, de lá vieram os manchus, povo de origem nômade que dominou o império chinês de 1644 até 1911.

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do, Raymond confidencia ao amigo ter escrito uma carta repudiando a mulher amada, porque a mãe exigira. Diz que ela “sempre vence e ele não merece ser amado” (8.4.). Sabemos que a manipulação encontra um terreno fértil nas personalidades menos estruturadas. A escolha de Raymond para ser transformado numa máquina assassina levou em conta traços de sua personalidade, como fixação em autoridade, deduzida por Yen Lo pelo fato de ter respondido que era o Capitão Marco quem desejava matar em primeiro lugar naquela sala (onde a apresentação dos resultados da experiência acontecia). Também pesou nesta escolha a complicada relação de Raymond com a mãe, onde o padrão de comportamento era a submissão às suas ordens. As cartas de baralho (uma dama de ouros) são o elemento desencadeador do comando. Na sessão de demonstração, o sgt. Raymond manipula um baralho imaginário. E sempre que deve executar alguma tarefa, é necessário que tenha a dama de ouro à frente, o elemento que desencadeia o processo. A dama de ouros também cristaliza os problemas da sexualidade, expressos nas dificuldades do relacionamento com a namorada e no amor/ódio à mãe (8.5). Na cama do sanatório, onde Raymond se interna para que as conexões sejam checadas, vê-se uma dama de ouros (6.2). Raoul Girardet, comentando a importância da organização na estruturação do mito da conspiração, enfatiza a necessidade da abolição da vontade individual e cita passagem do romance Le juif errant, de Eugène Sue: “Então, nesses corpos privados de alma, mudos, sombrios, frios, insuflamos [afirma um dos mestres jesuítas do romance] o espírito de nossa ordem; imediatamente os cadáveres andam, vêem, agem, executam maquinalmente a vontade, da qual ignoram os desígnios, assim como a mão executa os mais difíceis trabalhos sem conhecer, sem compreender o pensamento que a dirige”.116

Ainda sobre a manipulação psicológica, é importante lembrar que ela depende essencialmente de dois fatores: os impulsos emotivos inconscientes, expressos no filme na forma

116

Raoul GIRARDET, op. cit., pp. 34-36.

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de complexo de Édipo117, e os elementos externos, ou seja, símbolos e imagens que possam estimular esses impulsos: “A tarefa do manipulador é, por isso, a de associar o conveniente símbolochave e/ou a imagem-chave ao objeto social para que se quer canalizar o impulso emotivo [...] e a de repetir de forma incisiva e continuada essa associação, até que a ligação entre objeto social e a emoção se torne automático nos indivíduos manipulados como um reflexo condicionado”.118

Dr. Fantástico (1964), de Stanley Kubrick, opta por ironizar o medo coletivo do comunismo. A paranóia em torno do perigo comunista aparece essencialmente em dois personagens: os generais Jack D. Ripper (Sterling Hayden) e “Buck” Turgidson (George C. Scott). O general Ripper acredita que há um complô internacional dos comunistas para envenenar “nossos líquidos corpóreos”(2.5). Este envenenamento estaria se dando via fluoretação da água (2.10), que começara no pós-guerra, em 1946 (2.12). O general chegou a esta conclusão ao fazer amor. De alguma forma, o flúor estaria drenando a essência humana e o esperma a eliminaria. A sensação de cansaço pós-coito confirmava a sua descoberta (2.12). Nesta modalidade de conspiração comunista, os corpos humanos nãocomunistas estariam sendo enfraquecidos para permitir a dominação. O general Ripper conta esta história para um coronel Mandrake impaciente e apreensivo com o destino dos bombardeiros, enviados para despejar bombas nucleares sobre a União Soviética. Uma perspicácia vaga é valorizada positivamente, pois foi ela que permitiu ao general descobrir a conspiração. A semiose-guia é a palavra, o tempo todo temos o relato

117

“Conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança experimenta frente a seus pais. Sob a forma considerada positiva, o complexo se apresenta como na história de Édipo-Rei: desejo da morte do rival, personagem do mesmo sexo, e desejo sexual pelo personagem de sexo oposto. Sob sua forma negativa, ele se apresenta contrariamente: amor pelo genitor de mesmo sexo e raiva enciumada do genitor de sexo oposto. (...) O complexo de Édipo desempenha papel fundamental na estruturação da personalidade e na orientação do desejo humano. Os psicanalistas consideram-no o eixo de referência principal da psicopatologia, procurando determinar para cada tipo patológico os modos de sua posição e sua resolução”. Verbete Complexe de Oedipe, Vocabulaire de la psichanalyse, pp. 79-84 118 Mario STOPPINO, Manipulação, p. 731.

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feito pelo general, o tipo de enquadramento predominante é o contra-plongée , de forma a ressaltar-lhe a figura, o que exige também a predominância do primeiro plano. Por mais mirabolante que isto pareça, Stanley Kubrick e Peter George não são os autores desta fantasia: a Sociedade John Birch, grupo de direita americano, fez circular uma carta em 1957, onde constam, entre outras acusações mais usuais aos comunistas, como traição à pátria e interferência nos assuntos da vida privada, a fluoretação da água. Sabe-se que o uso do flúor foi alvo de questionamento quanto à eficácia na prevenção da cárie dentária, o que leva ainda hoje a discutir-se sobre a pertinência de sua utilização. Esta organização, coerente com os postulados que constituem os elementos conspirativos, elegeu o flúor como materialização da estratégia comunista de dominação, da mesma forma que os Protocolos dos Sábios do Sião foram usados contra os judeus. Derrotado, o general Ripper teme que não resista à tortura para revelar o código que permita trazer de volta os bombardeiros. Decide suicidar-se e o próprio gesto está marcado por uma preocupação de se descontaminar: dá a entender que vai lavar-se, dirige-se ao banheiro e lá se mata (2.13). Os banheiros são lugares especiais da ficção de Kubrick, “lugares onde existem espelhos e que se tornarão lugares da morte”119 Nota-se que o general Ripper, um homem que luta contra uma conspiração que contamina a água, com a morte foge da tortura e também se purifica, na medida que livra o corpo dos fluidos impuros definitivamente. O general Turgidson também acredita que os comunistas são uma ameaça permanente. Logo ao ver o embaixador soviético chegando à Sala de Guerra, o agarra, acusandoo de estar fotografando o painel com as posições americanas (2.7). Depois da primeira explosão, ainda está preocupado com o expansionismo dos comunistas, afirmando ser necessário levar bombas para os subterrâneos, pois “os russos podem aproveitar qualquer des119

Pierre GIULIANI, Stanley Kubrick, p. 59.

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vantagem” (4.1.). Neste momento, Dr. Fantástico, o cientista orientador da estratégia nuclear americana, está apresentando seu plano de manter uma amostra de seres humanos em abrigos subterrâneos, o embaixador soviético o elogia e sai, ao passar pelo painel, fotografa-o, confirmando a apreensão de Turgidson (4.1). Neste bloco de seqüências temos confirmação, segundo Kubrick, da ameaça comunista. Além de estarem sempre aproveitando oportunidades para se apoderar de informações que lhes interessem, estão também prontos para apoiar planos nazistas de preservação de “seres humanos superiores”. A semiose-guia transita da palavra para a imagem: embaixador fotografando o painel e Dr. Fantástico se levantando. O braço defeituoso do cientista parece se impor e a personalidade adquire plenamente o perfil nazista. Em Sob o domínio do mal, o contra-complô é mais consistente, embora só aconteça na sétima parte. Depois que o major Ben Marco passa a suspeitar dos seus estranhos pesadelos, forma-se uma comissão mista inteligência militar/CIA120/FBI, da qual Ben faz parte (7.9). Na descoberta do mecanismo acionador, a dama de ouros, colabora o psiquiatra, fazendo observações sobre os traumas produzidos no relacionamento entre pais e filhos (8.5). No desfecho dos acontecimentos os participantes do contra-complô têm um papel pífio, limitam-se a acompanhar a convenção pela TV, lamentar a escolha de Iselin, e chegar atrasado ao local da convenção política, não conseguindo evitar os disparos que matam Iselin e Eleanor (10.2. e 10.7). O final da trama reforça a figura de Raymond como herói que se sacrifica pela coletividade. Frankenheimer, ao contrário de Siegel (de Vampiros de almas), sintonizado com o contexto de contestação dos anos 60, não deposita todas as fichas nos agentes da CIA e do FBI, preferindo a saída do herói-mártir, um claro reforço de um determinado tipo de individualismo.

120

Agência Central de Inteligência.

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A rede temática complô anticomunista em Cortina rasgada (1966) circunscreve uma poderosa organização com ramificações no campo e na cidade, na administração pública, no meio artístico, com a finalidade de facilitar a fuga de alemães orientais para o Ocidente. A drª Koska (Gisela Fisher) frisa que não se trata de uma organização política, o objetivo deles é simplesmente “ajudar pessoas que desejam passar longas férias longe desse lugar” (4.2). A rede temática “onipresença do Estado comunista” funciona como o contracomplô que vimos em outros filmes. Neste filme e em Topázio, ele adquire conotação especial porque os comunistas estão no poder, ou melhor, o complô comunista foi vitorioso e age com as facilidades que o aparato estatal permite. Em todo lugar, há sempre policiais atentos. O pronunciamento do prof. Armstrong (Paul Newman) é acompanhado por vários policiais, que o protegem, em seguida, do assédio dos jornalistas (3.3). Na universidade, rapidamente, estudantes são mobilizados para localizar o professor e sua assistente (5.1). No correio, logo um guarda suspeita dos movimentos dos dois, agora acompanhados da condessa Kuchinska (5.8). No teatro, o casal é descoberto pela bailarina, no meio de uma pirueta, depois de tê-los visto na chegada do vôo à Berlim Oriental (5.10). De certa forma, complô anticomunista e Estado comunista adquirem uma equivalência: a organização Pi parece uma forma estatal, dado o seu espraiamento na sociedade e, por sua vez, o tratamento reservado ao Estado, como sua onipresença e incompetência, talvez queira nos dizer que os Estados comunistas já não sejam mais os mesmos depois da política de distensão iniciada em 1963, mas os comunistas continuariam representando uma ameaça. Estamos frente a um curioso paradoxo: Estado um tanto quanto inofensivo, mas indivíduos potencialmente ameaçadores.

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Em Topázio (1969), o complô anticomunista e o complô comunista estão articulados pela deserção de um diplomata soviético, Boris Kusenov (Per-Axel Arosenius). Dele partem as informações sobre os mísseis em Cuba (2.9) e sobre Topázio, a organização de funcionários franceses que trabalham para a União Soviética (4.2). Em Cuba, o agente francês André Deveriaux (Frederick Stafor) se articula com a amante, Juanita de Córdoba (Karin Dor), que lidera uma organização secreta em luta contra o governo cubano. O contra-complô comunista tem seu ponto de articulação com a rede de espionagem através de Rico Parra (John Vernon), líder do governo cubano e amigo de Juanita. O complô anticomunista é apresentado como tendo sólidas bases na sociedade cubana, a própria Juanita é viúva de um grande líder da revolução, os negativos reveladores da presença de mísseis soviéticos em Cuba são recuperados por um pacato camponês, montado em seu cavalo, que passa pelo local onde o casal de espiões fora preso pela polícia cubana (3.1.7). Complô e contra-complô se aproximam em diversas narrativas, mostrando as relações mútuas que estabelecem. As formas de atuação e a simbologia dos movimentos conspirativos têm origem comuns, como afirma Girardet: “O importante, contudo, continua sendo o mecanismo quase irrevogável pelo qual o modelo de uma organização maléfica encontra-se substituído pela imagem de uma outra organização, réplica da primeira, mas consagrada ao serviço do Bem. O postulado inicial é simples: o único meio de combater o Mal é voltar contra ele as próprias armas de que se serve”.121

Mais adiante prossegue: “No limite, nesse jogo desconcertante e praticamente infinito de espelhos invertidos, todo Complô, todo empreendimento de manipulação clandestina tende a assegurar sua legitimidade apresentando-se como um contra-complô, um contraempreendimento de manipulação clandestina”.122

Os dois principais modelos de conspiração presentes na filmografia dizem respeito à caracterização do comunismo como uma atividade criminosa e o comunismo como uma 121

Raoul GIRARDET, op. cit., p. 59.

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posição política de status equiparável ao capitalismo. Na primeira vertente, a política tem pouco relevância e pode até ser substituída por um outra atividade criminosa (tráfico de drogas, por exemplo, como a versão dublada francesa de Anjo do mal). Na segunda abordagem, a conspiração se cerca de elementos claramente políticos, neste caso a atividade política não é descaracterizada em si, mas os conteúdos ideológicos expressos no modelo de homem fragmentado que a realiza. Nas duas abordagens, a noção de estereótipo é fundamental para compreendermos o processo de desqualificação da política. O conceito pode ser visto em três significados essenciais: o primeiro diz respeito ao seu sentido lingüístico e estilístico de expressões fixas, o segundo se liga ao problema da inclusão do indivíduo no grupo, e o terceiro remete à tipologia das representações coletivas. Dos três aspectos, o que nos interessa, particularmente, é o das representações coletivas. Aqui, os elementos ideológicos, no sentido de falsa consciência, fornecem a base para visões preconceituosas de determinados grupos ou classes sociais. Tunico Amancio assim sintetiza as idéias de Sigfried Kracauer sobre o tema: “A representação social desses grupos seria construída a partir de um conjunto de opiniões que o estereótipo cristalizaria em um único elemento: pela generalização que atribui os mesmos traços a todos aqueles que forem designados pela mesma palavra e pela simplificação extrema desses traços”.123

Num sentido mais amplo, o estereótipo estaria presente em qualquer tipo de transmissão ou massificação da cultura. Como lembra Van Tïlburg, os estereótipos são “elementos mediante os quais a sociedade transmite seu produto cultural”.124

122

Ibid., p. 60. Tunico AMANCIO, op. cit. p. 139. Para um histórico do uso do conceito nas ciências sociais e análise do problema no cinema referente à imagem do Brasil, ver a obra citada, especialmente o capítulo Clichês. nas páginas 137 e 138. 124 João Luís VAN TILBURG, Texto e contexto: o estereótipo na telenovela, p. 6. 123

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Frisamos que o uso que fazemos é do sentido mais restrito, do estereótipo como “uma atitude, firmemente arraigada na psicologia social ante alguns fenômenos, fatos e indivíduos iguais ou similares (“um inglês é sempre impertubável”).125 Antes de passarmos para a análise dos filmes, devemos mencionar que o bloco temático conspiradores está incluído na rede temática conspiração . A sua separação formal visa apenas nos ajudar no processo de investigação. Os conspiradores, com bastante freqüência, são tratados de forma estereotipada. Em Anjo do mal (1952), de Samuel Fuller, os comunistas aparecem primeiramente de forma defensiva. Joey, o amigo de Candy, responsável pelo envio do microfilme à pessoa que o levaria para fora do país, ao perceber a insinuação de roubo reage: “nós não somos criminosos” (2.4).Quando Candy diz para os comunistas que McCoy só entregaria o microfilme por 25 mil dólares, um dos camaradas de Joey afirma que a responsabilidade é dele porque foi pago para isso. O filme mostra comunistas que se movem por razões unicamente financeiras, não há nenhuma motivação ideológica em jogo. Na fase em que Skip McCoy pensa que Candy é comunista, não vê o menor motivo para acreditar nela, todos os comunistas são mentirosos: “negocio com uma comunista, mas não sou obrigado a acreditar nela” (3.7).A Sra. Moe, uma informante e vendedora de gravatas, põe os comunistas numa escala inferior aos criminosos comuns. Repreende McCoy por estar fazendo negócios com este tipo de gente (4.3). Um estereótipo recorrente é apresentado pelo agente federal Zara, na conversa com Candy, a namorada do batedor de carteira: os comunistas são traidores da pátria. Candy trouxera o microfilme tão procurado pela polícia, mas o agente não sabe que Candy está mentindo, ela conseguira o microfilme depois de dar uma pancada no namorado. Zara reconhece que um batedor de carteira pode até dar problemas, mas não cometeria tal he125

O. REINHOLD e F. RYZHENKO, El anticomunismo moderno. Política. Ideologia, p. 320.

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resia (5.2). Esta conclusão parece tranqüilizar o agente, pois anteriormente McCoy repudiara qualquer tipo de patriotismo (2.7). Punguistas não sensíveis ao discurso patriótico representariam, sem dúvida, uma ameaça à segurança do Estado, particularmente se esta demonstração de ousadia fosse vista por milhões.126 Em Anjo do mal, o comunista mais diretamente envolvido na trama está sempre inquieto, barba por fazer e à medida que seus objetivos não são alcançados, parte para a violência mais indiscriminada. Candy é espancada e alvejada ao fugir, depois que ele dá por falta de um negativo. Candy acabara de terminar com Joey quando conhece McCoy, por quem vai se apaixonar perdidamente. O novo namorado é violento, mas as agressões do batedor de carteira parecem pequenas rusgas frente à violência de Joey. As mulheres comunistas, que não mudam de lado, também são caracterizadas por um comportamento rígido, sendo interpretadas por atrizes que fogem aos padrões de beleza usuais. No encontro com os maridos, em Cortina de ferro, a capitã do Exército Vermelho, é completamente desprovida de emoção, limita-se a um gélido aperto de mão, enquanto as outras abraçam efusivamente seus maridos (4.1). Por sua vez, a escolha de dois astros, Dana Andrews e Gene Tierney, para interpretar o casal comunista desertor não é uma escolha aleatória – a beleza e o bem devem se conjugar. No homem comunista, representado por Gouzenko, não há nenhum sinal dos avanços relativos à participação da mulher na vida social soviética. Ele é o cabeça do casal, sempre a conduzindo, num misto de paternalismo e autoritarismo. Recrimina o contato da 126

Samuel Fuller afirma que J. Edgar Hoover, diretor do FBI, não gostou da frase de Skip McCoy: “Não venha com essa droga de patriotismo”. Reclamou com Zannuck [Darryl F. Zannuck, diretor da Twentieth Century-Fox] numa reunião onde Fuller estava presente. Hoover não gostou que no auge da Guerra Fria, um americano dissesse isso. Zanuck propôs tirar “droga”. Hoover reagiu furioso e disse: “Você sabe muito bem o que quero dizer”. Zanuck retrucou: “É o personagem quem fala e esse personagem não liga a mínima para a pátria. Pátria não significa nada para ele. Tem que haver esse personagem, senão vira um filme de propaganda, e não fizemos esse tipo de filme”. Cf. Martin SCORSESE, Uma viagem pessoal através do cinema americano, parte 3.

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mulher com a vizinha e pensa que é melhor ter um filho do sexo masculino porque o futuro dos homens é melhor (4.4). No interior do campo comunista, diferenciações começam a ficar mais visíveis, na virada dos anos 50 para 60. Os chineses e os cubanos passam a encarnar o estereótipo de comunistas perigosos e os russos assumem o perfil de tolos e inofensivos burocratas. Em Sob o domínio do mal, o líder do complô tem traços orientais e a operação teria ocorrido na Manchúria, território chinês. Embora seja uma ação conjunta do bloco socialista, a rivalidade sino-soviética já está declarada na tentativa dos russos desmoralizarem os chineses. Na seqüência da apresentação dos resultados da experiência de lavagem cerebral, um dos assistentes, depois identificado como Borozovo, membro do comitê central do Partido Comunista da União Soviética, propõe que se aumente o peso da derrota chinesa de uma companhia para um batalhão, na fictícia história da ação heróica do sgt. Raymond, para humilhar “os bravos aliados chineses”(5.2). Na visita à Raymond, para checar se este continua sob o comando hipnótico dos comunistas, Yen Lo graceja do russo, o qual se orgulha da clínica estar dando lucro. Ao lado dessa tentativa de caracterização predominante nos filmes do período final, aparece novamente a imprecisão, na visão da Sra. Iselin. Comunista, para ela, é algo tremendamente vago, o Senador Thomas Jordan, um liberal, defensor das liberdades civis, é profundamente comunista porque se opõe ao seu desejo de ver o marido candidato a vicepresidente (8.2). O jornalista Holborn Gaines, porque fez denúncias contra seu marido, também é comunista (3.3). A construção dos personagens em Dr. Fantástico não deixa de ter algum nível de lugar-comum. Ao procurar o premier soviético, o presidente americano o encontra bêbado, é o russo bêbado cuja imagem será recorrente no imaginário ocidental. Kubrick reapresenta uma versão divulgada, por ocasião da crise dos mísseis de 1962, mas pouco sus-

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tentável, de que Krushev estaria louco ou bêbado, quando enviara a Kennedy uma carta contraditória, ofensiva e medrosa. Tal carta nunca existiu, a mensagem enviada na sextafeira, dia 27 de outubro, embora extensa, promete retirar os mísseis soviéticos de Cuba se os Estados Unidos garantissem que não invadiriam a ilha. Na opinião de Schlesinger “a carta não era, como se disse posteriormente, histérica. Embora pulsasse com uma paixão de evitar a guerra nuclear e desse a impressão de ter sido escrita com profunda emoção, por que não poderia ser assim? De um modo geral, evidenciava uma perfeita compreensão da crise”.127

A contradição que se estabeleceu foi entre esta carta e outra, divulgada na manhã de sábado pela rádio de Moscou, onde se acrescentava a exigência da retirada de foguetes americanos da Turquia. O Krushev/Dimitri de Kubrick está muito longe da realidade. O diretor constrói em torno dos dois personagens, o embaixador soviético e o premier Dimitri, mais um estereótipo do comunista sem princípios e tonto. O uso de estereótipos para caracterizar os comunistas não vai sofrer alteração nos dois filmes de Hitchcock analisados. Em Cortina rasgada (1966), temos na figura de Gromek, o agente da STASI, truculento e saudoso de Nova York, muito parecido com os comunistas/gângsters de Anjo do mal. É importante notar que sua simpatia por Nova York não o impede de ser um fiel funcionário do regime comunista, assassinado quando descobre as verdadeiras intenções de Armstrong (3.2 e 3.4). A Condessa Kuchinska representa o oposto, o indivíduo completamente incompatibilizado com o modo de vida socialista: não suporta mais aquele café desprezível servido nas cafeterias de Berlim Oriental, nem os cigarros russos cuja metade é papel (5.7 e 5.8). O personagem do líder cubano Rico Parra em Topázio (1969) cristaliza uma construção marcada por clichês: violento, a ponto de atirar contra uma multidão, que instantes atrás o saudava, matar a própria amante para que ela não seja torturada (neste caso uma

127

Arthur SCHLESINGER, Mil dias, John Fitzgerald na Casa Branca, p. 828.

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atitude individual aparentemente com alguma justificativa corrobora a violência do Estado); também é desleixado e sujo (um documento importante é recolhido engordurado pois estava embaixo de um sanduíche). Acrescente-se a isso o ambiente promíscuo onde transita a comitiva cubana em visita a Nova York: os rebeldes cospem e jogam lixo no chão e andam pelos corredores abraçados com prostitutas (2.11.4, 2.11.14 e 2.11.15). Por outro lado, os indivíduos integrados ao modo de vida capitalista vivem num ambiente de ordem e equilíbrio. Enquanto Kusenov é submetido ao interrogatório pelos agentes americanos, sua filha Tâmara toca piano (2.7). No quarto, há mesas com objetos bem arrumados e flores nos jarros. No primeiro caso, a desordem é euforizada, no segundo, é a ordem que recebe este tratamento. A imagem do inimigo construída nos filmes é de um homem fragmentado, sempre apresentado como parcialmente constituído, podendo faltar-lhe emoção, como nas metáforas dos extraterrestres ou dos seres transformados em autômatos, ou ainda ser um profissional da violência, um gângster sem nenhum tipo de ideologia ou compromisso ético. 3.2. A corrupção do poder e o mito do herói positivo no capitalismo Viva Zapata! , uma pretensa biografia do líder camponês mexicano Emiliano Zapata, foi lançado no ano de 1952, quando os Estados Unidos bombardeavam a Coréia, ajudavam na repressão aos movimentos camponeses na Indochina e Malásia, sustentavam regimes antidemocráticos em todas as partes do mundo e impunham pesados ônus aos povos da América Latina. No cinema, Hollywood exaltava os direitos dos camponeses à terra e à liberdade e a luta dos povos oprimidos.128 A rede temática “indivíduo/propriedade/política/estabilidade/instabilidade da cidadania” poderia ser traduzida, de outra forma como “o poder corrompe e as revoluções devoram seus filhos”, tese central do filme. Se compreendermos indivíduo como um “con128

John Howard LAWSON, op. cit., 39.

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junto de relações sociais”, as manifestações individuais ligadas à luta pelo poder necessariamente situam-se num universo onde as mediações entre indivíduo e sociedade devem se fazer presentes.129 Esta concepção se opõe à visão liberal que vê o indivíduo, como “mônada isolada e auto-suficiente”, não-permeável às pressões e influências da sociedade. Do ponto de vista da ação política, os indivíduos em Viva Zapata! estão sendo confrontados como o modelo da democracia americana. O conceito de democracia presente no manifesto que Fernando, emissário de Francisco Madero,130 lê para Zapata procura claramente associá-la à liberdade de escolher os presidentes, o que não acontecia no México (2.3). Após esta leitura, Zapata conversa com o seu companheiro Pablo Gomez e ordena que este procure Francisco Madero, com a seguinte recomendação “se gostar da cara dele, fale de nossos problemas aqui e diga-lhe que o reconhecemos como líder da luta contra Diaz”. É surpreendente que logo, nos primeiros momentos, Elia Kazan apresente Zapata como um líder absolutamente incapaz de tomar uma decisão sobre qual caminho deveria tomar. A desqualificação da racionalidade no plano dos revolucionários é feita de forma sofisticada. A defesa que Fernando faz dos valores da democracia americana (proteção aos refugiados políticos e consulta eleitoral regular) não convence Zapata a se integrar ao exército de Madero (2.7). Esta decisão é tomada quando um camponês é vítima de mais uma injustiça do Estado: trata-se da seqüência onde o homem conduzido por policiais é solto por Zapata e seus companheiros (2.8). Parece que os próprios realizadores não estavam assim tão confiantes na capacidade de convencimento do modelo americano. Se o convencimento não opera pela via da palavra, o filme o conduz no sentido da experiência emocional. 129

Cf. Karl MARX, Para a crítica da economia política, p. 104, Antonio GRAMSCI, Concepção dialética da história, p. 43 e pp. 47-49 e Norbert ELIAS, A sociedade dos indivíduos, pp. 52-54

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Na seqüência do julgamento de Pablo Gomez, como traidor (3.7), a questão da terra é o elemento valorativo central. Gomez não se considera de forma alguma traidor por ter conversado com Madero, deixando claro que o ideal pelo qual lutara não era uma “idéia”, “mas a terra”, e o presidente estava empenhado nisso, na sua opinião. Notamos, nas aspirações de Pablo Gomez, a importância da propriedade da terra como condição para preservar a liberdade, situação típica do ideário do liberalismo americano. Os liberais clássicos americanos, como Alexandre Hamilton e Thomas Jefferson, acreditavam que “homens sem propriedade (...) não tinham interesse pela manutenção da ordem social e, portanto, não podiam constituir cidadãos estáveis”.131 Na seqüência da conversa de Dom Nacio com Zapata, a propriedade é valorizada como sinal de ascensão social. Zapata precisa abandonar a violência (reagira contra a agressão a uma criança), pois é “inteligente e capaz”, elementos favoráveis a que obtenha “dinheiro e propriedade”. Cabe aqui registrar que, na mescla promovida pelo diretor Elia Kazan e pelo roteirista John Steinbeck entre as biografias de Zapata e Villa, o primeiro é apresentado como um “rancheiro sem rancho”, como o define o pai de Josefa. Qual o sentido desse intercâmbio de características pessoais e posições políticas? Emiliano Zapata – a figura histórica, era, de fato, um pequeno proprietário de terras em Anenecuilco e a sua motivação central sempre foi o retorno das propriedades comunais aos camponeses ocupadas pelas haciendas (grandes propriedades rurais) que se expandiam com o crescimento econômico promovido por Porfírio Diaz, no poder de 1877 a 1911. Por sua vez, Francisco Pancho Villa fora peão numa hacienda. Ao envolver-se no assassinato do proprietário, foge para as montanhas, tornando-se tropeiro e bandido132. À

130

Francisco Madero era um rico proprietário rural que, em 1908, iniciou a luta contra o ditador Porfirio Diaz, no poder desde 1877. 131 Bolivar LAMOUNIER, Jefferson, Paine e Federalistas. Vida e obra, p. XII 132 No Que viva México!, (1931-1932), de Serguei Eisenstein, a situação que levou Pancho Villa ingressar na luta contra Porfirio Diaz é dramatizada no episódio Maguey.

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luta contra Diaz logo se incorporou. Preso, conheceu na cadeia o intelectual zapatista Gildardo Magaña, que o ensinou a ler e escrever e o introduziu ao programa agrário de Zapata.133 Villa era, portanto, o camponês sem terra e não Zapata, como também foi o principal comandante militar da revolução, rivalizando com Huerta134. No filme, há três referências diretas a Villa. A primeira acontece quando o pai de Josefa o compara com Zapata e diz que aquele sim sabe agir como um general, mostrando um jornal onde Villa aparece em uniforme de gala, sugerindo que o general sabia aproveitar as benesses do poder (3.8). A segunda se dá no inusitado encontro de Fernando, Villa e Zapata para decidir o destino do México, após a vitória da Revolução. Villa é apresentado segundo o estereótipo hollywoodiano: mais preocupado com o estômago do que com o poder, depois de dizer que nada tem a discutir, nomeia Zapata presidente (3.10). A terceira aparição de Villa é na célebre fotografia do seu encontro com Zapata na Cidade do México em 1914, no apogeu da luta revolucionária, momento que antecede à Convenção Revolucionária, ridicularizada na seqüência anteriormente comentada. Kazan aqui reproduz nos mínimos detalhes a fotografia, num grande esforço em dar credibilidade ao filme (3.9). Esta ardilosa confusão entre os dois líderes será também muito útil na tese central do filme: “o poder corrompe”, como veremos a seguir. Arnaldo Córdova comentando as diferenças entre as duas principais correntes da Revolução Mexicana, o villismo e o zapatismo, afirma que a luta dos camponeses de Morelos (sul) de retomada das terras comunais teria um caráter regressista, já o villismo (norte) teria aspectos mais inovadores e radicais ao defender a divisão dos latifúndios. Na Lei

133

Eric WOLF, Guerras camponesas do século XX, pp. 56-57. Huerta era governador de Morelos, lutou contra Diaz e assumiu o poder com o assassinato de Madero em 1913 até ser derrotado por Villa em 1914.

134

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Agrária Geral, expedida por Villa na cidade de León, em 1915, afirma-se que a grande propriedade é incompatível com a prosperidade da República.135 Se o liberalismo de Kazan recusa-se a ver o indivíduo como conjunto de relações sociais, o poder como exercício coletivo escapa aos fins do movimento revolucionário, sendo a sua corrupção o corolário natural, só restando a renúncia como atitude digna. Já vimos que a motivação para Zapata ingressar na luta tem um forte componente emocional, não teve origens em simpatias pelo modelo americano nem qualquer outro. É o indivíduo, no filme, que toma sozinho suas decisões, sem influências externas. Apenas as situações que vivencia embasariam suas opções. Toda a trama e, conseqüentemente, o retrato da revolução mexicana que o filme expressa, repousa sobre o caráter dos personagens. A narrativa opõe Villa a Zapata, apresenta o primeiro como mais propenso aos jogos da política e eventual detentor do poder. Na seqüência do bosque, Villa, cansado de lutar, escolhe Zapata como presidente. No poder, Zapata tende a repetir o mesmo ciclo vicioso de descaso com as reivindicações populares (3.11). Ao perceber em que estava se enredando, Zapata renuncia. A tentativa de Fernando para demovê-lo serve de oportunidade para o líder dos camponeses execrar o “poder destrutivo e oportunista” do companheiro. Zapata acrescenta que a ausência de vínculos afetivos facilitará a passagem de Fernando para o outro lado: “Nem campo, nem lar, nem esposa, nem mulher, nem amigo e nem amor. Você só destrói, esta é a sua grande paixão. Eu vou lhe dizer o que vai fazer agora, vai procurar Obregon ou Carranza.136. E nunca vai mudar” (3.11)

O tratamento dedicado ao personagem Fernando é uma tentativa arrojada de Kazan reunir diferentes elementos simbólicos. A sua inserção na narrativa é apresentada como um emissário de Madero, daí em diante adquire uma incrível autonomia, aparecendo sempre 135

Arnaldo CÓRDOVA, La ideologia de la revolución mexicana, pp. 158-167. Venustiano Carranza, governador do Estado de Coahuila, no Norte do país, primeiro líder a declarar a guerra a Huerta, em 1913; foi presidente de 1914 a 1920. Álvaro Obregón comandou a luta contra Huerta no estado de Sonora e sucedeu Carranza, em 1920, governando até 1924.

136

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que é necessário mostrar a ausência de princípios que cercaria os movimentos revolucionários. Respondendo a críticas sobre a falsificação histórica de seu filme, Kazan afirma que o personagem caracterizaria a mentalidade comunista de manipulação das injustiças sociais para obtenção de seus fins.137 Inicialmente, o personagem é enigmático, mas ao longo do filme assume todos os estereótipos do “comunista”: frieza, cálculo, falta de escrúpulos. Como toda revolução, a revolução mexicana contou com um forte movimento intelectual, capaz de coesionar aspirações dispersas e organizá-las como uma força material. Permeando concepções bem variadas, é visível uma influência anarco-comunista, representada por intelectuais como Ricardo Flores Magón e Antonio Diaz Soto y Gama. No filme, a relação intelectuais/camponeses é campo para o desenvolvimento de um profundo antiintelectualismo, conjugado ao recorrente anticomunismo do diretor. O “homem de preto” (Fernando) limita-se a apregoar a importância da democracia americana e da lógica para líderes camponeses completamente incapazes de com ele dialogarem e tomar uma decisão autônoma (2.3, 2.4 e 3.10). Kazan, sorrateiramente, mistura anarquismo e comunismo, merecendo que seu filme seja considerado também antianarquista e sintonizado como o antiintelectualismo característico da sociedade americana nos anos 50. A despedida de Zapata de seu grupo de camponeses-soldados na última parte do filme também pode ser vista como mais uma renúncia: agora a renúncia à liderança. Desde a conversa com Josefa, a ênfase se dá em torno da não-necessidade do líder: “os povos fortes não precisam de homens fortes” (4.4). Duas seqüências depois, esta apregoada tese vai ser contestada: Zapata morto torna-se um mito a habitar no alto das montanhas, pronto a descer com seu cavalo branco para ajudar os pobres camponeses (4.7). John Smith no artigo Three liberal films retoma a discussão aberta em 1955 por Lindsay Anderson sobre o caráter anticomunista de Viva Zapata! Procurando identificar 137

John H. LAWSON, op. cit., pp. 14-15.

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os elementos contraditórios na abordagem da figura do herói em bases distintas, avalia que a interpretação de Marlon Brando contribui especialmente nesta formação do mito: “Há também uma tentativa de responder as forças de despersonalização com a figura de um homem concreto misturado com um mito arturiano [o autor se refere à mitologia em torno do lendário Rei Arthur, da Inglaterra medieval](e, é claro, ele é tal figura durante sua vida, ‘o homem do cavalo branco’). (...) Kazan claramente quer nos apresentar Zapata como homem, mas ao mesmo tempo a expressividade do ator reforça, e mesmo justifica, o tema arturiano”.138

Quando a questão do poder ou da justiça impõe a violência, assistiremos a defesa de sua ineficácia e a apologia do pacifismo. O filme organiza-se de forma recorrente. As exigências da justiça ou da manutenção do poder impõem o recurso à violência; que aparece inicialmente como natural ou necessária. Em seguida, o filme desqualifica tal violência, apresentando-a como ineficaz e recorrendo à apologia do pacifismo. Na seqüência da defesa do menino índio, acrescenta-se o apelo ao oportunismo como forma de ascensão social (2.6), na medida em que Dom Nacio recomenda que Zapata abandone esta atitude rebelde e preocupe-se com seus interesses pessoais. Pablo Gomez na seqüência do julgamento por traição diz a Zapata “que nada de bom pode sair de tanta violência” (3.7). Há algumas seqüências, fomos confrontados exatamente com o contrário: Zapata responde ao apelo de Madero para que entregue as armas apontando seu fuzil para o presidente, tomando seu relógio e em seguida entregando a arma para que a tome de volta (3.1). Nesta seqüência, a força da armas estabelece o direito. O método de Kazan é justapor uma mentira a cada verdade, gerando confusão e simpatias à primeira leitura. Para Smith as limitações do primeiro filme seriam superadas em Sindicatos de ladrões, em Viva Zapata! ainda teríamos um filme: “Sem tema digno desse nome que seja trabalhado por completo, exceto na questão da não-significação em termos humanos do poder político e sua inevitável tirania. Política, vê-se, tem sido assimilada por Kazan e Steinbeck como fatalidade que ope138

John SMITH, Three liberal films, pp. 19-20.

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ra em círculos sem consideração para as vivas complexidades das situações humanas individuais”.139

Completando este quadro, também o sofrimento é apresentado como fatalidade. Os camponeses e as mulheres, naturalmente, são protagonistas desta via crucis. A mulher de Pablo Gomez acompanha resignada o julgamento e fuzilamento do marido (3.7). Os camponeses de Morelos, que sentam-se em torno de Zapata, como os ouvintes de Jesus Cristo nas versões pictóricas do sermão da montanha, são avisados pelo líder da carga de dores e flagelos de que serão vítimas (4.1). A luta de Kazan contra o comunismo o empurra para os clichês de variadas origens: liberalismo, catolicismo conservador....140 Harold Laski reconhece, na afirmação do catolicismo de que cada ser humano pode realizar sua individualidade, uma contribuição importante no combate ao sentimento de insegurança que vai se instalar no mundo, no final da II Guerra. Por outro lado, Laski admite que agora essa valorização da realização individual não era mais monopólio do catolicismo, depois de Stalingrado, era visível virtudes na experiência comunista, particularmente na dignificação da contribuição individual. 141 O anticomunismo de Kazan vai encontrar na concepção cristã de homem, bases para uma argumentação que substitui a valorização do homem pela mitificação do herói. Ao final, o seu Zapata-Villa não está muito longe de um salvador, pronto a retornar para instaurar um mundo de justiça. Smith liga esta questão ao que chama de romantização dos camponeses: “A romantização essencial dos camponeses (ainda que sem sutilezas) fornece completamente, a base para o ecletismo dos estilos e o método generalizante. O filme ataca um insensível modo de generalização opondo-o um outro modo de generalização 139

Ibid., p. 19 Rogrigo Pato Sá Motta afirma que as três bases do anticomunismo são o liberalismo, o catolicismo tradicional e o fascismo. Cf. verbete Anticomunismo, in Dicionário do pensamento de direita, p. 42. 141 Harold LASKI, Fé, Razão e Civilização, pp. 53-64, citado por Alcir LENHARO, Sacralização da política, pp. 178-180. 140

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(romantismo) como causa superior porque nasce e serve ao ‘povo’. (...) A prevalência no filme do método elíptico provoca uma incapacidade de realizar as conexões essenciais, e assim, facilita a evasão e qualquer questionamento dos conceitos de pureza e inocência. Se ‘um homem forte faz um povo fraco’, como o povo torna-se forte com Zapata? Se o povo está forte, porque eles precisam do mito de Zapata?”142

Se há uma romantização dos camponeses, vistos como puros e bons, próximos da verdadeira natureza humana e não contaminados pela ambição, em contrapartida eles são todo o tempo mostrados como incapazes de se defender. A pureza seria, portanto, instauradora de fragilidade. No meio dessa fraqueza generalizada e submissa, não há uma saída proposta enquanto organização e, portanto, politização. A saída apresentada é a da emergência de um líder forte e não corruptível dentre eles. Viva Zapata! trata do malogro a que está fadada toda revolução, representada pelo retorno ao círculo vicioso de favorecimento das classes dominantes a que Zapata se vê na contingência de perpetuar, na conseqüente renúncia ao poder; na morte, o líder é cercado de ingênuo significado místico. A ascensão do frio “homem de preto”, estereótipo do indivíduo sem alma, disposto a romper com todos os princípios e laços afetivos para atingir seus objetivos, reafirma o anticomunismo essencial. Conclusão Retomando as diferentes formas de tradução da idéia de conspiração, podemos dizer que temos três níveis distintos. No primeiro caso, a atuação dos comunistas é vista como um simples complô criminoso, é o caso de Anjo do mal. Antoine de Baecque já identificara este aspecto: “Pickup on South Street [Anjo do mal] é também ‘antivermelho’, mais explicitamente ainda, uma vez que os agentes comunistas são mostrados como manipuladores, espiões, escroques e assassinos. Mas as relações que os ligam aos outros personagens do filme (Skip, o carteirista, Candy, a mulher roubada e violada, Moe, a informadora, e até os polícias ou os agentes do FBI) não são ideológicos. São profissionais (os polícias consideram os comunistas como gângsters, uma máfia paralela), mercantis (pode sempre tentar-se fazê-los pagar certas informações mais caro que aos outros) e sentimentais (não são bons americanos porque não são nem fiéis, nem constantes, nem mesmo atra142

John SMITH, op. cit., pp. 19-20.

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entes no amor). Fuller não confronta portanto os sistemas ideológicos, põe em oposição os comportamentos e os afectos. Mas o dinheiro que circula por todo o lado, assim como os gestos da violência, os suores e os abraços, aproximam todas estas personagens, ligam-nos íntima e fisicamente, a tal ponto que é terrível dizer, não obstante um happy end convencional, quem é ‘bom’ e quem não o é, e sobretudo em nome de que motivo cada um pode agir (não sendo seguramente esta a linha política)”.143

No segundo caso, Cortina de ferro apresenta a conspiração de uma forma claramente política. As referências diretas ao comunismo são muito vagas em Anjo do mal. O problema não é só os comunistas serem inescrupulosos, o grave é que para alcançar seus objetivos, esmaguem todas as aspirações individuais. Em Anjo do mal, elimina-se da atuação dos comunistas qualquer conteúdo político. Joey não é um militante, é um profissional pago para recuperar o microfilme. Trata-se, portanto, da despolitização da política e da sua politização tendenciosa. A concepção de indivíduo fragmentado é uma base firme para esta dupla articulação, pois permite manobrá-lo em qualquer direção, seja na conversão a novos ideais, seja na ausência de qualquer um deles – como já dissemos, McCoy chega a desdenhar até o apelo patriótico do agente do FBI. No terceiro nível, embaralham-se os termos da equação. Sob domínio do mal e Vampiros de almas ilustram este caso. No primeiro filme, comunistas e anticomunistas estão do mesmo lado, ambos conspirando juntos. Se os comunistas querem uma base de apoio nos Estados Unidos, com um candidato que eles possam manipular, a sra. Iselin, por sua vez, numa conversa com Raymond, deixa claro que não é comunista, o que deseja é apenas chegar ao poder. Quando isto acontecer, transformará os comunistas em pó. O inimigo passa a ser a democracia americana, com suas instituições e heróis ameaçados pela inusitada conspiração comunoanticomunista. O desfecho da conspiração será o golpe, desencadeado com o assassinato do candidato a presidente. Pela televisão, o candidato a vice-presidente Johnny Iselin mobilizará 143

Antoine de BAECQUE, A moral é uma questão de travellings, p. 250.

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milhões de telespectadores para levá-lo à Casa Branca. Consumado o golpe144, os novos governantes terão poderes imensos, sugerindo um poder que faria “a Lei Marcial parecer anarquia” (10.3). Em Sob o domínio do mal, o esforço de apresentação da questão da conspiração de maneira não usual, sobrecarrega-o de pretensas teorias científicas. Falsificações em torno da psicologia comportamental e simplificações da psicanálise são manuseadas de forma muito livre, comprometendo a credibilidade do que é apresentado como fruto de “lavagem cerebral” e de hipnose. No segundo filme, Vampiros de almas, conspiração e a paranóia se conjugam. Neste caso, as razões do medo não estão exatamente na conspiração ou nos conspiradores. A conspiração é praticamente invisível (eles vieram do espaço e adotam a forma humana sem emoções) e os conspiradores têm a aparência mais inofensiva (a mãe preocupada com a escola do filho ou o tio aparando grama no jardim). O que leva Miles quase à loucura é que este universo familiar se voltou contra os valores que ele tem mais apego: amor, desejo, ambição e fé. Samuels afirma: “Direta ou indiretamente, Vampiros de almas lida com o medo do aniquilamento trazido pela existência da bomba A, o difundido sentimento de paranóia engendrado pela crescente sensação de que alguma coisa estava errada, um crescente medo de desumanização oriundo da ampliação da massificação da vida americana, uma profunda expressão de frustração política, sexual e social resultante de um abismo entre expectativa pessoal e realidade, e uma tendência larga para o conformismo como uma estratégia aceitável para enfrentar a confusão e a insegurança crescente do período”.

A fragmentação do indivíduo é recurso fundamental para dotar os movimentos conspirativos de ilegitimidade. Como já vimos, três formas são estabelecidas nos filmes: a conspiração criminosa, com poucos ou nenhum elemento político explicitados, a conspiração política, acompanhada do extenso esforço de desqualificação dos argumentos, e a

144

Sete dias de maio, do mesmo diretor, realizado em 1963, retoma o tema do golpe de Estado, agora patrocinado por setores das forças armadas americanas inconformados com os acordos de redução das armas nucleares entre Estados Unidos e União Soviética.

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conspiração situada num terreno que beira o non-sense. No primeiro, o debate se desloca para o universo da criminalidade, no segundo a batalha em torno das idéias adquire algum significado, no terceiro, a discussão sobre os significados se amplia. Esta fragmentação do indivíduo não significa necessariamente fragilidade, pelo contrário, constrói-se um tipo de herói dramático que atravessa todas as narrativas, acumulando crescente força, até se estruturar como o super-homem da série James Bond. 145 Nos dois filmes de Elia Kazan analisados, esta defesa do herói, repudiando qualquer possibilidade de ação independente das classes sociais, é feita recorrendo a um conjunto de significações de forte conotação religiosa. Zapata fala para camponeses que o ouvem como a um deus, Terry é o próprio filho de deus, sacrificando-se pelos pobres operários. O clima conspirativo vai adquirir aspectos específicos no interior da “comunidade cinematográfica”, o exame do seu posicionamento frente ao problema da Guerra Fria revela como os seus membros elaboraram estratégias que respaldaram ou questionaram a cruzada anticomunista.

145

Violette MORIN, James Bond Connery: um Móbil, p. 15.

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Capítulo 4: A Guerra Fria em Hollywood “Não acho que este Comitê seja estúpido. Ao contrário, acho que é um mal. Não é o comunismo que amedronta o Comitê de Atividades Antiamericanas, mas sim a mente humana, a própria razão. O que o Comitê investiga não é a força e a violência, mas sim a seriedade, a permanente cidadania. Este Comitê não tem o propósito de destruir Karl Marx, mas sim o caminho constitucional da vida americana.”

Herbert Biberman

O cinema do período não somente se manifestou sobre o conflito mundial. As divisões internas à “comunidade cinematográfica” foram alvo de preocupações ainda no calor dos acontecimentos.146 Filmes como Viva Zapata!, a história da revolução mexicana sob o olhar de Elia Kazan, Sindicato de ladrões, do mesmo diretor, aparentemente sobre conflitos nas docas de Nova York, e Matar ou morrer, de Fred Zinnemann, western sobre o conflito entre um xerife e um bando de criminosos, mediado pela indiferença da comunidade, falam, entre outros aspectos, de problemas como o papel da propaganda comunista e solidariedade ou indiferença frente a questões éticas fundamentais. A questão central neste capítulo é vislumbrar como ocorreram a adesão à caça às bruxas e as formas de resistência a ela esboçadas. No plano interno ao meio cinematográfico, a Guerra Fria se reproduz em bases semelhantes àquelas do conflito externo 146

Já em 1950, John Berry dirigiu o documentário Os dez de Hollywood (The Hollywood Ten) sobre os acontecimentos ligados à atuação do Comitê contra Atividades Antiamericanas. Em 1957, exilado na GrãBretanha, Charlie Chaplin realiza Um rei em Nova York, onde ridiculariza o american way of life e os inquisidores de Hollywood. Quase duas décadas depois, em 1973, Hollywood volta ao tema, com o lançamento de O nosso amor de ontem (The way we were, 1973), de Sidney Pollack; o filme trata da trajetória de um roteirista, desde os anos 30 até a cruzada anticomunista de 50. Em 1976, o tema já é abordado de forma direta em Testa de ferro por acaso (The front), de Martin Ritt), trata-se de um bem-humorado acerto de contas com o macarthismo. Além do diretor, vários atores incluídos na lista negra participam do filme. No ano seguinte, Fred Zinnemann dirige Júlia (Julia), inspirado nas memórias de Lillian Hellman. Com um enfoque centrado no problema do perigo atômico, é lançado em 1982, o documentário The atomic café, de Kevin Rafferty, Jayne Loader e Pierce Rafferty. Em 1983, Sidney Lumet em Daniel conta a história dos Rosemberg a partir da trajetória dos filhos do casal. Em 1991, Irwin Winkler realiza Culpado por suspeita (Guilty by suspicion), enfocando as repercussões da lista negra na trajetória de um diretor. No ano seguinte, temos Cidadão Cohn

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(EUA/URSS): individualismo e coletivismo são mediados pelo problema da delação ou denúncia, sempre tendo como parâmetro este peculiar componente ideológico que é o americanismo 147. Os comunistas não são apresentados como defensores de um outro modo de produção, não combatem o capitalismo simplesmente, eles são contra os Estados Unidos, são antiamericanos. Marx em O manifesto do partido comunista já lembrava que os comunistas sempre foram acusados de querer destruir a pátria. Mas, logo em seguida, lembra que tal acusação carece de fundamento, pois os proletários ainda não têm uma pátria, devem ainda se constituir como classe nacional, de forma própria. Conjugar patriotismo e comunismo, num país onde ser patriota tem um nome – americanismo, é um grande desafio para as idéias de internacionalismo. No auge da Guerra Fria, o Partido Comunista dos Estados Unidos tenta resolver a questão numa aparente conversão ao nacionalismo: o comunismo é o americanismo do século XX. A pátria como coletividade e seus distintos desdobramentos será outra questão presente nas tensões que cercam o meio cinematográfico no período da caça às bruxas. 4.1 As novas condições de produção de filmes No final dos anos 40 dois golpes atingem a indústria cinematográfica americana: o primeiro foi dado, em 1948, quando a Corte Suprema decretou a ilegalidade do sistema de integração vertical. Este sistema tinha sido montado com o aparecimento do som em 1927, a incorporação de novos grupos econômicos confirmara o caráter oligopólico do setor, com um grupo limitado de empresas controlando todo o mercado. As major companies Warner,

(Citizen Cohn), de Frank Pierson, sobre os vínculos entre o senador McCarthy e Roy Cohn, promotor que foi peça importante na cruzada de McCarthy. 147 Antonio Gramsci atribui à ausência de classes parasitárias o que distinguiria os Estados Unidos da conflituosa convivência da herança feudal com o modo de produção capitalista na Europa. Americanismo, para o autor, se associa ao caráter dinâmico da sociedade americana. Cf. Maquiavel, a política e o Estado moderno, pp. 377-378. Desde o início do século XIX, com a elaboração da Doutrina Monroe, tem sido fortalecida a idéia de que os Estados Unidos deveriam exercer uma posição de supremacia sobre os demais países, o chamado destino manifesto.

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Columbia, MGM, Paramout, RKO, 20th Century Fox, Universal e United Artists, com exceção dessa última, que não possuía estruturas produtivas próprias, constituíam um sistema com “integração vertical”, onde as companhias individualmente controlavam os três setores em que se articula a indústria cinematográfica: produção, distribuição e exibição. 148 As grandes corporações são obrigadas a se desfazerem de suas salas de exibição, restringindose as duas primeiras atividades. A partir de então, empresas menores entram no mercado oferecendo filmes mais modestos economicamente mas de superior interesse artístico. O cinema independente passa funcionar como pólo de renovação do cinema hollywoodiano.149 O segundo golpe foi a popularização da televisão. Em 1950, o número de televisores instalados chegara a 5 milhões e o número de freqüentadores das salas de cinema continuava a declinar, depois do pico registrado em 1946, com o registro de 4 bilhões e meio de espectadores. A ascensão da televisão como importante meio de entretenimento instaurara uma tensão no meio agora ampliado pela nova mídia. O excessivo grau de monopolização da indústria cinematográfica criava problemas para os novos investidores. O melhor exemplo deste conflito é o processo “Estados Unidos versus Paramount”. Este estúdio mais outros quatro (Warner , MGM, RKO e 20th Century Fox) exerciam controle direto sobre três mil salas de cinema, conseguindo deter 70% das vendas nas bilheterias. Em 1948, a Suprema Corte decretou ilegal este sistema. A destruição da concentração produção-distribuição-exibição apontava para o fim do sistema de estúdio, que estruturava o cinema americano.150

148

Antonio COSTA, Compreender o cinema, pp. 65 e 90-91. BARBÁCHANO, Carlos. O cinema, arte e indústria, pp. 102-117. 150 C. BOSSENO e J. GERSTENKORN, Hollywood: l’usines à reves, p. 104. 149

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O terceiro golpe não se voltou contra a indústria de um modo geral, mas visou atingir internamente setores que poderiam representar uma visão crítica frente à investida ideológica que estava em curso. 4.2. A caça às bruxas e as formas de resistência Os problemas começam a atingir o meio cinematográfico quando em 1947, o Comitê da Câmara contra Atividades Antiamericanas (doravante CCAA) é reativado. O Comitê fora fundado em 1938 e visava combater o chamado radicalismo subversivo em Hollywood. Com o início da guerra, suas atividades foram suspensas. É preciso dizer, inicialmente, que juntamente com o CCAA, presidido pelo deputado republicano J. Parnel Thomas, e que se voltou para a investigação da suposta infiltração comunista no meio cinematográfico, havia o Comitê McCarthy, do Senado, presidido por Joseph McCarthy, voltado para investigações sobre a infiltração comunista na administração pública, de um modo geral. É importante registrar que McCarthy não participou diretamente das investigações sobre Hollywood, sua influência se deu, ao lado de muitos outros, na criação do clima de desconfiança e delação, que atingiu boa parte da sociedade americana no período. O que representou a “caça às bruxas” em Hollywood? Sabemos que se tratou de uma parcela da ofensiva mais geral do anticomunismo americano no pós-guerra, que atingiu outras áreas até com maior violência, como os trabalhadores ligados à investigação científica. O caso dos Rosemberg, dois membros do Partido Comunista dos Estados Unidos, acusados de passarem segredos atômicos para a União Soviética, é emblemático: foram presos em 1950 e após rápido e polêmico processo foram executados na cadeira elétrica em 1953; sabe-se que as evidências usadas para condená-los foram tão frágeis que ainda hoje se cogita a reabertura do caso.

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J. Parnell Thomas iniciou sua investigação sobre Hollywood, em maio de 1947, e as primeiras dezenove testemunhas convocadas foram: Dalton Trumbo, John Howard Lawson, Lester Cole, Alvah Bessie, Richard Collins, Gordon Kahn, Howard Koch, Ring Lardner Jr., Albert Maltz, Samuel Ornitz, Waldo Salt e Bertolt Brecht (roteiristas), Edward Dmytryk, Irving Pichel, Adrian Scott, Robert Rossen, Herbert Biberman (diretores ou produtores) e Larry Parks (ator).151 Das dezenove, apenas onze foram chamadas na primeira fase de investigações, sendo que Bertolt Brecht preferiu adotar estratégia distinta (não apelar para a Primeira Emenda, alegando não ser cidadão americano); os que se apresentaram ficaram conhecidos como Os Dez de Hollywood. A maioria tinha se aproximado do Partido Comunista na década de 30, no auge da sua influência na sociedade americana. Com a crise provocada pelos julgamentos de parte dos membros da velha guarda bolchevique em 1938, muitos já tinham se afastado do partido. Após as primeiras investigações, John Huston, William Wyler e o escritor Philip Dunne decidiram formar um Comitê pela Primeira Emenda. A Primeira Emenda proclama que o Congresso não tem o direito de criar nenhuma lei que restrinja a liberdade de expressão ou reunião pacífica. Faziam parte do Comitê: Humphrey Bogart, Rita Hayworth, Katherine Hepburn, Mirna Loy, Groucho Marx, Judy Garland, Frank Sinatra, Gene Kelly, Paulette Goddard, Frederic March, George S. Kaufman, Archibald MacLeish, Walter Wanger, Willian Goetz, Jerry Waltz e outros152. As audiências começaram e a estratégia aprovada foi recorrer à Primeira Emenda, o que significava negar qualquer autoridade ao Comitê de investigar a filiação política ou partidária dos incriminados.

151 152

Otto FRIEDRICH, A cidade das redes, p. 302. Ibid., p. 305.

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Como a Quinta Emenda se refere ao direito do depoente se recusar a responder perguntas que possam incriminá-lo, estava descartada. A maioria das testemunhas não pretendia admitir que tivesse cometido qualquer crime. A primeira fase das audiências se encerrou, inesperadamente, no final de 1947. Foi o período marcado pela posição digna daqueles que se recusaram a colaborar com o Comitê: John Howard Lawson153, a mais importante liderança comunista no meio cinematográfico, se destacou pela veemência com que enfrentou o interrogatório. A estratégia ofensiva de Lawson e dos demais provocou divisões entre aqueles que os apoiavam e violenta reação do Comitê, condenando-os por desacato ao Congresso. Os Dez de Hollywood ainda confiavam que a Corte Suprema anulasse a condenação. No entanto, se no início das audiências, a opinião pública estava dividida, como demonstra pesquisa realizada logo depois do primeiro relatório, onde 37% apoiavam o Congresso e 36% condenavam154, em 1949 a situação se alterara: “Ao atribuir tanta importância ao pessoal da Corte, os sentenciados pareciam ignorar o clima da opinião geral nos Estados Unidos. O país estava nervoso e amedrontado, receoso dos testes da primeira bomba atômica soviética no verão anterior, da conquista da China pelos comunistas naquele outono”.155

Em 1949, os Dez de Hollywood são presos, a maioria cumpriu pena de um ano de prisão e multa de mil dólares. As listas negras começam a surgir logo depois dos inquéritos, em 1951. A conseqüência imediata de estar na lista era a perda do emprego e dificuldades para implementar projetos fora do sistema. Os estúdios resistiram, num primeiro momento, mas após as primeiras pressões, se engajaram na cruzada. De onde vieram as pressões não se pode definir 153

John Howard Lawson nasceu em Nova York, em 1894, foi autor de peças para o teatro e roteiros de filmes, escreveu, entre outros, o roteiro de Bloqueio (Blockade, 1938), sobre a Guerra Civil Espanhola, dirigido por William Dieterle, foi o primeiro presidente do Screen Writers’ Guild (Sindicato dos Escritores Cinematográficos), tendo ingressado no Partido Comunista em 1934. 153 John Howard LAWSON, op. cit., p.13. 154 Argemiro FERREIRA, A caça às bruxas, pp. 128-129.

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exatamente: dos capitalistas de Nova York associados aos estúdios? É importante registrar que a cruzada anticomunista assume caráter amplo. O presidente Harry Truman (19451952), a Câmara e o Senado e diversas organizações da sociedade civil estavam empenhados em ações que a respaldassem. O Comitê incluiu no relatório anual de 1952 uma lista de 324 pessoas denunciadas como comunistas. A Legião Americana, uma organização de ex-combatentes notória por seu anticomunismo, organizou outra lista com trezentos nomes e a enviou para os oito maiores estúdios. Outras organizações e periódicos aderiram, como Aware, Inc., Counterattack e Alert. 156 Uma importante organização de direitos civis, a American Civil Liberties Union (ACLU) se alinhou à cruzada entre 1953 e 1959, não só se recusando a defender supostos comunistas ameaçados pelo macarthismo, como fornecendo informações sobre seus afiliados ao FBI.157 Para cumprir o papel negligenciado pela ACLU foi criada a Emergency Civil Liberties Committee (ECLC). A segunda fase foi iniciada em 1951, com o depoimento de Edward Dmytryk, um dos Dez que agora resolvia ser uma “testemunha amistosa”. Elia Kazan foi o seguinte, prestando dois depoimentos ao Comitê: o primeiro a 14-01-1952, quando reconheceu ter sido membro do Partido Comunista, mas se negou a fornecer nomes. No segundo depoimento, a 10-04-1952 revelou o nome de 18 colegas (8 pertenciam ao Group Theater e 10 ao Partido Comunista). Além disso, publicou no New York Times, de 11/04/52, matéria paga reiterando seu depoimento e exortando outros a seguirem seu exemplo. Embora tenha feito uma autocrítica parcial ao se reaproximar de Arthur Miller em 1964, quando dirige a peça Depois da queda, que enfoca precisamente a indignidade da delação, Kazan prosseguiu argumentando contra o comunismo sempre que a questão era retomada nas entrevis-

155

Otto FRIEDRICH, op. cit., p. 412. Otto FRIEDRICH, op. cit., pp. 372-373. 157 Nora SAYRING, op. cit., p. 12. 156

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tas. Da mesma forma, seu gesto não foi esquecido: quando foi receber em 1999 o Oscar honorário pelo conjunto da obra, parte significativa dos convidados presentes protestou contra o prêmio. A produção de filmes foi afetada pela perseguição política. John Howard Lawson158, no livro Film in battle of ideas, adverte que não se deve simplificar as relações entre o CCAA e a indústria cinematográfica: os estúdios endossaram as ações do Comitê, mas ao mesmo tempo sofreram reveses, pois foram obrigados a dispensar os serviços de talentosos e reconhecidos artistas.159 Mais adiante afirma que as audiências do pós-guerra constituíram um marco na história do cinema americano, filmes como The desert fox (A raposa do deserto, 1951), de Henry Hathaway , que faz apologia do comandante nazista Rommel e One minute to zero (Um minuto para zero, 1952), de Tay Garnett, sobre a Guerra da Coréia, virulentamente anticomunista, seriam inimagináveis antes de 1947. Como demonstrou Dorothy Jones, no estudo que comparou os roteiros elaborados pelos escritores da lista negra com a linha do Partido Comunista, concluindo não haver qualquer relação, o alvo não era os comunistas160. Na realidade, a caça às bruxas afetaria o que Adrian Scott chama de cinematografia liberal, que vinha se desenvolvendo desde 1935, expressa em obras de diretores como Orson Welles, John Ford, William Dieterle e William Wyler. 161 Escolhemos três filmes produzidos no início dos anos 50 para analisar como o meio cinematográfico vivenciou internamente os dilemas da Guerra Fria. As redes temáticas estabelecidas nas obras nos remetem para argumentações claramente distintas: de um lado, a justificativa da delação e a incriminação do comunismo nos dois filmes de Elia Kazan –

159

John Howard LAWSON, op. cit., p.13. Argemiro FERREIRA, Caça às bruxas, p. 30 161 Adrian SCOTT, Historique de la liste noire, pp. 45-47. 160

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Viva Zapata! (1952) e Sindicato de ladrões (1954), por outro lado, os apelos parcialmente bem-sucedidos de solidariedade em Matar ou morrer (1952), de Fred Zinnemann. Convém mencionar que outros filmes foram feitos, abordando de forma crítica a cruzada anticomunista, como O menino dos cabelos verdes (The boy with the green hair, 1948), de Joseph Losey, e Storm center (1956), de Daniel Taradash, e outros. O western Silver Lode (1954), dirigido por Allan Dwan conta a história de uma falsa acusação que consegue colocar parte de uma cidade contra um inocente. O líder da fraude se chama McCarthy. Um rei em Nova York (1956), de Charles Chaplin, conta a história dos problemas de um rei estrangeiro que se vê às voltas com o Comitê por ter sido solidário com um menino, cujos pais estão na “lista negra”. Storm center (1956), dirigido por Daniel Taradash é uma crítica aberta às táticas do Comitê. Uma bibliotecária (Betty Davis) começa a ser perseguida porque se recusa a remover da biblioteca um volume intitulado O sonho comunista. O filme O panorama visto da ponte (The view from the bridge, 1962), de Sidney Lumet, é uma adaptação da peça de mesmo nome de Arthur Miller, que condena o comportamento ético e moral de um delator. De que forma Matar ou morrer é um filme “sobre” a “lista negra”? Para confrontarmos sua leitura com aquela apresentada em Viva Zapata! e Sindicato de ladrões, partimos do pressuposto de que esta é uma questão secundária na obra. Em Matar ou morrer, além de outras questões abordadas, procuraremos localizar a possibilidade de construção de laços de solidariedade efetiva, superando os limites do conceito de indivíduo da tradição liberal. A rede temática que analisaremos é “lealdade como imperativo categórico”. Há uma primeira manifestação de lealdade expressa pelo ex-xerife Will Kane (Gary Cooper) ao dizer para Amy Fowling (Grace Kelly), sua esposa, que fica na cidade porque ali estão os seus amigos, deixando claro que não tem nenhuma pretensão de ser herói. Acrescenta

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ainda que é melhor enfrentar os adversários ali, onde tem melhores condições, pois tem certeza de que eles irão persegui-lo de qualquer modo. Trata-se, como se vê, de um raciocínio bastante lógico e sensato, pelo menos, num primeiro momento (3.2). Esta, no entanto, não é a lógica da cidade, agora, preocupada fundamentalmente em romper com a violência que a caracterizava cinco anos atrás. Amy Fowling, enquanto espera o trem para deixar a cidade, conhece Helen Ramirez (Katy Jurado), que procura mostrar-lhe como lutaria por Kane se estivesse no lugar dela. Partem juntas rumo à estação e, no momento, em que Amy ouve o primeiro tiro, retorna em direção à cidade, dando início à uma ruptura bastante significativa. Depois de ler o testamento de Kane, atira num dos pistoleiros, tornando-se efetivamente solidária com a luta do marido (4.10 e 4.13). Estamos diante de um pálido núcleo de solidariedade, se acrescentarmos ainda o gesto do jovem que se dispõe a lutar ao lado de Kane. A atitude de Amy se reveste de importância tendo em vista que rompe com as suas convicções de quacre, de prescrição do uso das armas. Peter Biskind acha difícil distinguir Matar ou morrer de um filme de direita, pois repudia o liberalismo corporativo do Leste – embora o progresso industrial oriundo de lá seja bem vindo e se constitua no motivo central do rompimento com o xerife. Will Kane representaria um federalismo descentralizado e uma moral individualista representativos da velha ordem. Os tempos heróicos deviam dar lugar à segurança, indispensável ao mundo dos negócios. Na nossa análise, ressaltamos os elementos à esquerda, sem, no entanto, desconhecer que eles são bem incipientes. Nesse seu movimento à esquerda, Matar ou morrer incorpora um elemento estranho ao liberalismo: o reforço da solidariedade efetiva, expresso no engajamento de Amy Fowling e do jovem voluntário. Podemos afirmar com Drum-

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mond que, ao se afastar da matriz liberal corporativa, o filme não se vincula diretamente ao conservadorismo, na verdade, cria um amálgama de várias concepções políticas. Se há críticas ao liberalismo no filme, Drummond vê também ampla defesa do mundo dos negócios como fator de estabilidade. Os cidadãos mais antigos são mostrados presos aos interesses pessoais e à covardia moral. Helen Ramirez, “a pessoa mais compreensiva e mais bem-sucedida nos negócios da cidade”, desempenha papel relevante na trama. Um pequeno negócio, a gerência de um armazém, é o que Amy almeja para o marido, reforçando a segurança que este tipo de atividade pode representar .162 Como a pequena propriedade rural em Viva Zapata! representa o fator de estabilidade, em Matar ou morrer, trata-se do pequeno negócio. Drummond, comentando Biskind a respeito da ambigüidade ideológica dos filmes de esquerda, afirma: “Ele tem razão, porém, ao dizer que os filmes de direita e de esquerda da época quase sempre mostravam estranha semelhança entre si. Filmes radicais, sustenta ele, ‘em geral obscureciam a diferença entre direita e esquerda a fim de criar uma ampla coalizão contra o centro. Apresentavam-se como acima da política, nem direita nem esquerda, mas apenas ‘moral’ e procediam assim por motivos não só ideológicos mas também comerciais. O medo da clareza ideológica era especialmente verdadeiro no caso de filmes de esquerda”163.

As ambigüidades de Matar ou morrer permitem que se faça uma segunda leitura: metáfora da política externa americana, como vê Harry Schein: “A ‘mensagem política urgente’ de Matar ou morrer podia ser uma forma de alegoria, em que a comunidade tomava o lugar das Nações Unidas, medrosas diante da União Soviética, da China e da Coréia do Norte, sendo a coragem moral a prerrogativa exclusiva do ‘americaníssimo’ xerife. Neste contexto, embora pacifismo seja uma coisa boa, deve ele aprender os princípios da guerra justa. Matar ou morrer, com sua vigorosa maestria artística, é assim também para Schein ‘certamente a explicação mais honesta da política externa americana’”.164

Embora Matar ou morrer seja metafórico e ambíguo, foi diretamente atingido pelas circunstâncias do CCAA: no meio das filmagens de Matar ou morrer, em setembro de 162 163

DRUMMOND, Phillip, Matar ou morrer (High noon), pp. 93-94. Ibid., p. 94.

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1951, o roteirista Carl Foreman compareceu ao Comitê na condição de testemunha “hostil” e recusou-se a confirmar ou negar filiação ao Partido Comunista, ao qual tinha pertencido de 1938 a 1942. O produtor Stanley Kramer imediatamente rompeu com ele, o que o obrigou a renunciar a seu crédito de Produtor Associado em Matar ou morrer.165 Matar ou morrer incorpora uma tímida discussão sobre solidariedade e sentido ético, o que o faz representar, de certa forma, a causa dos Dez de Hollywood. A campanha que a MPAPAI166 fez contra o filme é insuficiente para credenciá-lo como contrário ao mccarthismo. Membros da associação ameaçaram com telefonemas Foreman e colegas e John Wayne prosseguiu com as hostilidades até os anos 70, quando revelou que tinha satisfação em ter ajudado a expulsar Foreman dos Estados Unidos. No entanto, isso convive com a exaltação do individualismo e repúdio ao liberalismo corporativo, aproximando-o da direita. A sua consagração com quatro Oscars em 1953, no auge da caça às bruxas, indica uma adesão dos controladores da produção cinematográfica que ratifica esta característica fundamental do filme – timidez quanto ao debate ético e ambigüidade entre individualismo e solidariedade. As tensões que cercaram a produção de Matar ou morrer se assemelham muito àquelas de O terceiro homem. Neste caso, o produtor David O. Selznick queria um filme mais anticomunista do que o diretor Carol Reed e o roteirista Graham Greene pareciam dispostos a aceitar. Além das já famosas, mas um tanto exageradas intervenções de Orson Welles para dar vida própria ao seu personagem, esta batalha entre os realizadores condicionou o produto final. Em Matar ou morrer, certamente, Carl Foreman gostaria que o filme denunciasse as condições em que os trabalhadores da indústria cinematográfica esta164 165

Ibid., p. 94. Ibid., p. 25.

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vam submetidos nos anos cinqüenta. No entanto, não era esta a intenção nem de Fred Zinnemann nem de Stanley Krammer, embora ambos tivessem posição distinta. Zinnemann sempre afirmou que a história de metáfora do macarthismo, no filme, era uma idéia de Foreman e que não concordava com ela, no entanto, mostrou-se solidário quando o colega foi intimado pelo CCAA. Já Krammer imediatamente rompeu a sociedade após as audiências: uma testemunha hostil não podia continuar trabalhando com ele, num gesto classificado por Foreman como “suprema traição”. Isto certamente resultou num filme muito mais voltado para discutir os dilemas do liberalismo, do que o repúdio ao anticomunismo. Sal da terra (Salt of the earth, 1954), dirigido por Herbert Biberman e produzido por Paul Jarrico, com uma história sobre uma greve de mineiros de zinco no Novo México, ocorrida em 1950, talvez seja mais representativo da atitude que Foreman procurou expressar em Matar ou morrer. Michael Wilson escreveu o roteiro de Sal da terra com os operários e, além da denúncia das condições de trabalho, é impressionante o tom feminista que a obra assumiu. Diretor, roteirista e produtor já estavam incluído na “lista negra” quando começaram a realizá-lo, o que fez com que o filme fosse produzido em condições bastante adversas. A atriz principal, Rosaura Revueltas foi expulsa dos Estados Unidos, antes da conclusão do filme. O produtor Paul Jarrico teve que ir ao México para rodar a cena final, onde Esperanza (Rosaura Revueltas) aparece em tomadas sem os outros personagens. As ameaças foram tantas, que a montagem teve que ser feita, às escondidas, no banheiro de um cinema. A sua distribuição foi praticamente impedida nos Estados Unidos, apenas exibido em poucos cinemas, em sindicatos e associações civis. Os projecionistas que aceitassem exibir o filme eram ameaçados de serem excluídos do sindicato, o que significava es-

166

A Motion Picture Alliance for Preservation of American Ideals foi fundada em 1944 por Sam Wood e tinha como finalidade combater as idéias de esquerda no meio cinematográfico; foram seus membros destacados: Walt Disney, John Wayne, Cecil B. de Mille, King Vidor e outros.

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tar desempregado, tendo em vista a exigência de sindicalização para o exercício profissional. O filme foi exibido no Festival de Cannes de 1954 e recebeu críticas elogiosas, como a de Willy Acher, no Cahiers du cinèma, de abril de 1955. Somente a partir de 1965, ele começou a ser distribuído comercialmente, ainda que de forma limitada, fora dos Estados Unidos. Em resposta a uma certa má consciência das críticas a Sal da terra, Tavernier e Coursodon afirmam que talvez este seja um dos únicos filmes não-criticáveis da história do cinema (uma resposta também um pouco exagerada, reconhecida pelos próprios autores ao lembrarem do peso formal de algumas seqüências), dado os esforços que precisaram ser feitos para provar que era possível fazer filmes apesar da “lista negra”.167 4.3. O estigma da delação Sindicato de ladrões retoma algumas redes temáticas desenvolvidas em Viva Zapata!, como violência/pacifismo e indivíduo/coletividade, e centra sua argumentação na defesa da delação. Neste segundo filme, Kazan se esforça para fundamentar a traição como atitude defensável, procurando dar-lhe estatuto ético. A história do estivador Terry Malloy, inegavelmente, se encaixa no comportamento que o diretor adotou em seu segundo depoimento à Comissão do Crime Portuário. Se o homem é o conjunto das relações sociais, a ética não pode ser compreendida como uma dimensão puramente individual. Embora ela se expresse de forma “individual”, “não se realiza e desenvolve sem uma atividade para o exterior, atividade transformadora das relações externas (...)”.168

167

Bertrand TAVERNIER e J.-P. COURSODOM, 50 ans de cinéma américain, p. 291. Sobre Sal da terra, ver ainda Fernando PEIXOTO, Hollywood: episódios da histeria anticomunista, pp. 146-147, Nora SAYRE, Running times: films of the cold war, pp. 173-175 e Willy ACHER, Un dynasmisme clair et réaliste, Cahiers du cinèma, VII (46), abril de 1955, pp. 41-44. 168 Antonio GRAMSCI, Concepção dialética da história, p. 48.

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Kazan em Sindicato de ladrões procura apresentar uma definição ambígua de delação: ela será delação ou denúncia (atitude louvável) dependendo dos interesses aos quais esteja associada. No entanto, tal definição é conduzida a permanecer nos marcos de um liberalismo que vê o homem restrito aos limites do indivíduo e a sociedade como mais uma abstração, daí sua fragilidade e a imperiosa necessidade de religiosidade para legitimar sua conduta. Terry é um ex-boxeador que agora trabalha para o líder do sindicato dos estivadores. Joey, um amigo de Terry está causando problemas para o sindicato, à medida que está decidido a depor na Comissão do Crime Portuário, que investiga as ações de um bando que controla o sindicato dos estivadores. Terry conduz Joey à uma armadilha para ser intimidado, mas o que o bando faz é assassiná-lo (2.2 e 2.4). Quando é chamado para espionar o padre e a irmã de Joey, que tinham começado a organizar um movimento de oposição à diretoria do sindicato, o seu irmão Charley argumenta que fazer um favor ao chefe não é trair(2.7). O padre Barry vai mais longe, usando a mesma linha argumentativa para outro fim, ao dizer que “delatar é falar a verdade”, por isso os operários não devem temer depor na comissão. (2.8). No marxismo, a tensão entre interesse pessoal ou de grupo e o interesse coletivo vai apontar para uma moralidade não-prescritiva, determinada pelas circunstâncias, como também, pelos elementos resultantes do desenvolvimento de padrões de moralidade. Rejeita, assim princípios morais não-históricos, como o imperativo categórico de Kant, mas reconhece que há elementos que vão se impondo como moralidade elevada:169 “Se o interesse pessoal esclarecido é o princípio de toda moral, é necessário que o interesse privado de cada pessoa coincida como o interesse geral da humanidade. (...) Se o homem é formado pelas circunstâncias, estas devem ser formadas humanamente”.170 169

Friedrich ENGELS, Anti-Dühring, pp. 103-105, 107 apud Howard SELSAM & Harry MARTEL, Reader in Marxist philosophy, pp. 252-253. 170 Karl MARX e Friedrich Engels, A Sagrada Família, cap. V, p. 129.

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A coincidência do interesse privado com o interesse geral se efetiva no decurso de um processo de luta de classes e de disputa em torno de concepções e interesses. Para Kazan, estas mediações necessariamente são eliminadas, para dar lugar a uma ética a serviço da justificação de uma atitude pessoal. Ver-se em situação em que a delação se impõe é uma recorrência no filme, adquirindo diferentes conotações: quando Johnny Friendly ordena que Charley convença Terry a desistir de depor, temos Charley na condição de possível traidor, o que acaba não acontecendo. Charley livra o irmão da armadilha e se entrega ao sacrifício, sendo assassinado pelo bando (3.7 e 3.8). Assim Kazan retoma uma temática já desenvolvida em Viva Zapata!: o sofrimento como fatalidade. Neste caso, o sacrifício é antecedido pela incorporação do sentimento de culpa, pois podemos observar que a mudança em Charley ocorre depois que o irmão o responsabiliza pelo fracasso como boxeador (3.8). Assim Nora Sayre descreve esta cena: “A angústia compartilhada pelos dois irmãos depois que Rod Steiger aponta a arma para Brando, e ambos são forçados a compartilhar a mútua traição, resulta numa das mais pungentes cenas entre dois homens já filmadas”.171 Nora Sayre lembra que o dilema de Terry se torna mais angustiante na medida que se trata de denunciar o próprio irmão. A ligação de Charley com os mafiosos do sindicato o faz entrar na rota de colisão com a nova posição de Terry.172 Consumado o depoimento na Comissão do Crime Portuário(4.2), Terry passa a ser repudiado pelos amigos que o consideravam delator(4.3), neste ponto Kazan completa o ciclo da delação: a metáfora está completa – o fato, a angústia, a coragem e o repúdio. Sayre identifica a metáfora do “pau-mandado”, neste filme, como fortemente ligada ao clima que cercava as audiências sobre os comunistas em Hollywood. Quando Edie acusa Terry Malloy de “pertencer” ao chefe do bando (2.13), somos lembrados que os comu171

Nora SAYRE, Running time: films of the Cold War, p. 159.

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nistas americanos eram considerados “propriedade” de Moscou. O roteiro usa com freqüência termos que a esquerda destinou às testemunhas amistosas (termos que também são empregados nas docas): “pombo” [stool pigeon corresponderia a dedo-duro], “comedor de queijo”, “canário que canta” etc. Sayre afirma que até hoje não se pode deixar de ver este filme como “uma fria defesa do informante, e um apelo de simpatia para com a dor dos que são atingidos pela ira dos amigos de oposição”.173 Kazan está preocupado em denunciar os comunistas como inimigos da liberdade. No entanto, os homens e a sociedade que constrói no seu filme são muito pouco livres no seu conjunto, embora precise fazer caras concessões, como naquele diálogo entre Edie e Terry, onde ela diz que cada um é parte do outro. Os operários não se dispõem decididamente a apoiar Terry, assistindo-o passivamente ser massacrado, só se dispondo à uma ação efetiva quando Johnny é empurrado na água por “Pop” Doyle e depois da chegada do padre Barry. Os operários (como os camponeses em Viva Zapata!) têm pouca iniciativa, o padre assegura a sanção moral e social, sendo responsável pela junção dos dois elementos – os interesses pessoais e coletivos, como lembra Smith. Observando as imagens tão ostensivamente fixadas por Kazan nestas últimas seqüências (4.5 e 4.6), identificamos o herói dramático na sua via crucis parcial, conciliando as pressões do meio com suas aspirações individuais. Os operários são imagens muito fiéis dos acompanhantes de Cristo ao calvário, não faltando Simão Cirineu (padre Barry e Edie para ajudá-lo a conduzir a cruz). Smith detecta este medo da autonomia operária na cena da comemoração da queda de Johnny na água (4.5): segundo o autor, Kazan não transmitiria ali nenhuma empolgação.174

172

Ibid., p. 163. Ibid., p. 163. 174 John SMITH, op. cit., p. 20. 173

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Certamente, Kazan reserva a carga emocional fundamental para o elogio do informante, que passa por um processo de purificação, tornando-se capaz de ser apresentado como modelo de sacrifício e esforço, com a ajuda providencial do padre. O discurso do padre Barry junto ao cadáver do operário morto pelos capangas de Friendly (3.3) volta-se para a condenação do mal e da conivência com ele. Esta seqüência, juntamente com a seqüência final (4.6), é reveladora do perfeccionismo de Kazan nos enquadramentos. Com a câmera quase imóvel, acompanhamos o movimento de elevação da prancha, mostrando a ascensão dos oprimidos-Cristo se impondo momentaneamente sobre os gângsters, numa clara predominância da imagem sobre as outras formas de expressão. O esforço de Terry, na seqüência final, completa a via crucis.175 Novamente Kazan abandona a palavra como semiose-guia e nos faz partícipes da caminhada de Terry rumo à crucificação/libertação. O sentido desta seqüência é claramente ambivalente: os operários ingressam no local de trabalho, sob o comando do capitalista: “Muito bem, ao trabalho!”, não há muito a se comemorar, já que retornam à rotina de exploração de sua força de trabalho. Por outro lado, há uma pequena vitória, pois se livraram do líder sindical mafioso. As classes subalternas têm limites muito demarcados nesta visão, não conseguem esboçar nenhuma autonomia frente aos patrões ou aos líderes, sejam os mafiosos sejam os salvadores. Se estrutura social e desenvolvimento individual estão completamente dissociados em Viva Zapata, já em Sindicato de ladrões “o desenvolvimento do personagem Terry é o centro da dinâmica do filme”, embora a conexão com as relações sociais esteja nas mãos do padre Barry.176 Em quase dois terços do filme, presenciamos as demonstrações de pesar de Terry por não ter estudado (2.9), pela vida dura que levou no orfanato (2.12), e do início da carreira de boxeador, quando Johnny comprara uma “parte” dele (2.12). Para um fun175

A via crucis e o sermão da montanha são dois ícones religiosos retomados por Kazan. O conceito de ícone é aqui visto como aquilo que exibe a mesma qualidade ou a mesma configuração de qualidades do objeto denotado. Cf. Oswald DUCROT e Tzvetan TODOROV, Dicionário das ciências da linguagem, p.113.

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cionário da Comissão Contra o Crime Portuário, Terry diz como foi obrigado a perder uma luta crucial por causa da aposta do irmão (3.6). Na conversa que tem com o irmão no táxi, culpa-o, novamente, por tê-lo feito fracassar como boxeador(3.8). Esta fixação em torno da auto-piedade só termina com a morte do irmão (3.9). Terry é abundante ao se lastimar e responsabilizar outros por seu fracasso. Edie diz na conversa depois da fuga da igreja: “o que torna as pessoas ruins é não cuidarem delas”(2.9), sugerindo que a superação dos problemas se dará simplesmente com “pessoas cuidando de outras pessoas”, como ela se propõe a fazer com Terry. Novamente, corta-se os liames do indivíduo com o mundo social. O problema não estaria na forma de organização social, mas nas pessoas. As diferentes oportunidades que se colocam frente aos indivíduos de classes sociais distintas nada contam, porque bem-estar coletivo se realiza com base no esforço pessoal. Em Viva Zapata! Kazan-Steinbeck deixam claro no diálogo de Zapata com Josefa (4.4) que as coisas mudam como as pessoas, lentamente. Em ambos os filmes, um não-dito explícito: as revoluções ou os movimentos sociais só trazem violência e luta pelo poder. J. L. Egea avalia que o problema vai além da retratação por ter delatado companheiros: “Em todos os terrenos – políticos, morais, sentimentais, etc. – Kazan vem a desejar vagamente ‘algo melhor’, mas imediatamente reconhece e defende a fatalidade da permanência dos males que assinala. Por outro lado, diz: assim é o mundo, só são possíveis progressos individuais. E incluso nestes casos não convém enganarmo-nos, porque os que melhor se comportam podem ser os piores. Seria demasiada aventura afirmar que Kazan se retrata em cada um dos seus personagens, que cada um deles e as histórias que o rodeiam são produto da desonestidade de base do autor? Creio que não. Porque para além de que as ideias expressas sejam mais ou menos correctas, é indubitável que em toda a obra de Kazan há uma má consciência geral que não pode pelo menos deixar de acusar a falsificação total das situações, a busca constante de um tom sentimental, que apague os remoques e as mentiras dando-lhes uma vibração plástica que sirva de apoio e disfarce”.177

O tom sentimental recorrente se conjuga com a condenação da razão, como se fosse possível efetivar a cisão emoção/razão nos seres humanos concretos. Neste terreno a pró176

John SMITH, op. cit., p. 20.

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pria ideologia imuniza o sujeito de sentimentos desconfortáveis e o resultado final, especialmente, em Sindicato de ladrões é de grande beleza plástica. Estamos frente, mais uma vez, à um belo filme reacionário. Não há salvação sem confissão. Kazan procura legitimar sua delação através do martírio de Terry Malloy. O filme vira confessionário e tribunal onde o artista espera a absolvição do público. O caminho de ambos é tortuoso, Terry procura o padre Barry, mas este se recusa a ouvi-lo, pois não deseja ficar preso ao segredo da confissão. Com a sua insistência, acaba ouvindo-o e, por fim, recomenda que ele conte tudo a Edie. Terry relata sua participação no assassinato de Joey, tendo ao fundo os ruídos do porto, Edie fica horrorizada e foge. Nesta seqüência, a semiose-guia evolui de algum registro da palavra para o predomínio da imagem e do som. É outra seqüência onde o talento de Kazan se afirma, como o crítico Cyro Siqueira comenta: “(...) magistral seqüência da confissão feita pelo jovem a Edie, enquanto os ruídos do porto abafam sua voz: a angústia interior do personagem, gerando um conflito de fundamento moral, choca-se com a agressividade do registro sonoro, com a acumulação dos sons suplantada afinal pela música estridente que coroa a cena num achado simbólico”.178

O problema do diretor permanece insolúvel, à medida que seu gesto continua “sem salvação”, pois esteve sempre procurando se justificar. Se é possível dizer, como Marx, referindo-se a Balzac, que podemos ter obra revolucionária e autor conservador. Também deve-se pensar que há limites para o reacionarismo e esse limite deve ser procurado nas relações que a conduta ética individual estabelece com a ética, vista do ponto de vista de uma sociedade dividida em classes sociais. Kazan poderia continuar sendo um diretor brilhante e anticomunista, no entanto, a busca obsessiva de justificar a delação nos filmes seguintes ao depoimento trunca sua obra e reduz suas possibilidades como artista.

177 178

J. L. Egea, Elia Kazan, p.3. Cyro Siqueira, Sindicato de ladrões, p. 2.

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O testemunho de Terry na Comissão é importante para a afirmação de Edie: sua missão começa a se concretizar quando os assassinos do irmão estão sendo punidos. Por outro lado, o exemplo de Terry é fundamental para que os operários enfrentem Friendly. Como afirma Smith, de forma muito benevolente, deixando de lado, o problema da justificação da delação: “A força real do final do filme está no fim da auto-piedade e na afirmação da importância fundamental do esforço”.179 Como em Viva Zapata!, o tema da ineficácia da violência das classes subalternas retorna, dessa vez visando manter a luta de classes nos limites institucionais: depois do assassinato de Charley, o padre Barry convence Terry a não usar violência contra Friendly, mas a prestar depoimento junto à Comissão (4.1). O esboço dos operários em socorrer Terry é muito tímido: uma multidão se detém frente à meia dúzia de gângsters, simplesmente deixam que ele seja massacrado pelo bando (4.5). Ao voltar para casa, após o depoimento, Terry encontra o repúdio dos amigos (4.3). É importante notar que Kazan procura tornar patética tal atitude. Soa bastante fora de tom o ódio do menino para com Terry: mata seus pombos e choroso joga um na direção dele: “um pombo para outro”180, como, para Kazan, também seriam exageradas as manifestações contra seu depoimento no CCAA (Comitê Contra Atividades Antiamericanas, do Senado americano). Mas o processo de superação da auto-piedade está no fim: Terry pega seu gancho e vai ao porto “lutar pelos seus direitos”. Como Kazan, Terry “alegra-se pelo que fez”. Segundo Marco Antônio Lacerda, a importância do depoimento de Kazan não esteve em apresentação de nomes, pois todos os nomes citados já eram do conhecimento do Comitê. Citando Victor Navasky181, rejeita também a possibilidade do diretor se mover

179

Ibid., p. 21. Pidgeon corresponderia, na gíria, ao nosso dedo-duro. 181 Autor de Naming names, New York, Viking Press, 1980, sobre a cruzada anticomunista em Hollywood. 180

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por vantagens em dinheiro ou ambição de qualquer tipo. Somos levados a crer que Kazan foi movido por uma profunda convicção ideológica: o comunismo é um mal: “Minha experiência no Partido Comunista me deixou a convicção de que é preciso impedir a todo custo que a esquerda prossiga vendendo idéias libertárias pelo mundo, enquanto, em sua própria casa, ela assassina os que defendem os mesmos ideais. Estou me referindo ao direito de expressão, à liberdade de imprensa, ao direito à proprie182 dade, ao trabalho, à igualdade racial e, acima de tudo aos direitos individuais.”

Este discurso está bem representado em Sindicato de ladrões, o conceito de moral de Kazan não pode se afastar dos fundamentos do capitalismo, as suas atitudes visam não apenas justificá-lo, mas torná-lo defensável. Portanto, denunciar companheiros, colaborar para o desespero, ou até mesmo para a morte de alguns, é plenamente justificável, pois há valores, não explicitados, como o direito à propriedade privada, que estão em jogo. O crítico José Egea ressalta esta habilidade na defesa dos valores do capitalismo: “É simplesmente admirável o poder de ‘segurar’ as descomunhais mentiras de ‘Zapata’ e ‘Há lodo no cais’ [Sindicato de ladrões em Portugal] durante a hora e meia de projecção, mas é mais assombroso tê-lo feito de maneira que um espectador com perspectivas realistas e críticas, tenha que fazer um esforço constante de presença ideológica para se não deixar ‘levar’ pelo vendaval de imagens que Kazan lança, que atingem os seus mais ocultos pensamentos de épica decadente, apoios fáceis para ir acabar no fim que o autor propõe”.183

A adesão de um dos mais importantes cineastas americanos à caça às bruxas se deu em duas etapas: um primeiro ensaio é tentado em Viva Zapata!, de 1952, onde o clima que envolvia os intelectuais e os liberais, já reafirmando um anticomunismo marcado por um forte antiintelectualismo, era retratado via metáfora da revolução mexicana de 1911. Em Sindicato de ladrões temos uma segunda abordagem, realizada depois do depoimento de Kazan, onde se discute a própria atitude do diretor, procurando elevá-la à categoria de comportamento ético defensável. Nestes dois filmes o problema do indivíduo adquire expressões novas ao se conjugar com elementos do cristianismo, particularmente o destino e a salvação.

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Do ponto de vista da linguagem cinematográfica, o segundo filme revela uma maturidade que tornava seus instrumentos ideológicos, certamente, mais eficazes. Conclusão Matar ou morrer não é abertamente representativo do pensamento de esquerda, como os dois filmes de Kazan são do pensamento de direita.184 Enquanto Matar ou morrer situa-se no campo terrivelmente ambíguo dos chamados filmes de esquerda, Kazan trabalha no anticomunismo com impressionante desenvoltura: “Hábil entre os hábeis, Elia Kazan sabe que até a abjeção se pode fazer sedutora, que a mentira e o ódio podem ganhar adesão e alimentar entusiasmo, que os arranjos são possíveis, especialmente os piores. A sua inteligência de homem de cinema é tão profunda que da sua confusão moral nada escapa ao encantamento de sua encenação, como se tudo aquilo que ele não pudesse ocultar servisse de matéria a um lirismo salvador. Cada um dos seus filmes leva um pouco mais adiante a pergunta: até onde pode o artista trair?”185

Acrescentaríamos que a visão de mundo de Kazan apresenta um profundo abismo entre o indivíduo e a sociedade. O desenvolvimento individual ou é incompatível com o mundo – o poder corrompe os indivíduos, só restando optar entre a renúncia a ele ou a morte, ou contraditoriamente, defende-se a naturalização das relações sociais, “as sociedades mudam como mudam as pessoas”, muito presente em Viva Zapata!. Quando este desenvolvimento ocorre, como é o caso da passagem da auto-piedade para o gesto corajoso de Terry na seqüência final de Sindicato de Ladrões, ele é obrigado a sustentar-se em elementos da ideologia religiosa, expressos nos ícones religiosos muito expressivos na parte final do filme. Estes dois caminhos tornam as mensagens de Kazan carregadas de uma

182

Marco Antonio de LACERDA, Elia Kazan, O estado de São Paulo, 11-01-1981. José EGEA, Elia Kazan, p. 3. 184 Certamente Storm Center (1956), de Daniel Taradash sobre uma bibliotecária que se recusa a retirar, a pedido do conselho local, um volume chamado The comunist dream, e O menino dos cabelos verdes (The boy with the green hair, 1948), de Joseph Losey, serão mais representativos da visão de esquerda no meio cinematográfico do período. 185 Olivier-René VEILLON, Dicionário de cinema americano: os anos cinquenta, p.125. 183

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sofrível ingenuidade: é o mito do cavalo branco em Viva Zapata! e a via crucis de Terry Malloy em Sindicato de ladrões. As estratégias de resistência à caça às bruxas incluíram formas diversificadas de atuação. Para alguns, a única alternativa foi o exílio; aqueles que ficaram e se recusaram a colaborar com o Comitê, a prisão foi também uma forma de denúncia. Uma parte dos que foram presos, saiu da cadeia insistindo que era possível fazer filmes apesar da lista negra. O caso do roteirista Carl Foreman de Matar ou morrer ilustra a possibilidade de atuação ainda no interior do sistema. A epopéia dos realizadores de Sal da terra assinala o ponto máximo de exploração de todas as possibilidades, apesar de todas as adversidades. Ao mesmo tempo que as novas condições de produção incorporavam um clima de terror político ainda não visto na sociedade americana, se confirma, de forma secundária, a vitalidade do cinema americano em contestar a trilha principal que o caracteriza. Considero importante lembrar que Sal da terra apresenta na sua produção formas coletivas de trabalho e sugere também uma forma coletiva de abordagem do problema ético. Não se trata do discurso da culpabilização nem da justificativa da delação, afirma-se que é possível coletivamente fazer filmes apesar da lista negra. Os filmes que vamos analisar no próximo capítulo se afastam de qualquer preocupação como o meta-discurso, caminham pelo terreno mais plano do convencimento e mesmo da propaganda, explorando mais diretamente o poder persuasivo da história, o que não significa abandonar completamente o problema das condições de produção dos filmes e as contingências políticas que analisamos neste capítulo.

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Capítulo 5: A Guerra Fria no cinema “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos.”186

Karl Marx

Neste capítulo trataremos da história da Guerra Fria no cinema, em filmes inteiros, seqüências ou conjunto de seqüências. Relacionaremos a construção fílmica com os elementos históricos stricto sensu, procurando observar que recursos os filmes usam para fundamentar o seu discurso sobre o acontecimento histórico. Mesmo sabendo que, a rigor, inexiste filme histórico, estando os filmes a testemunhar fundamentalmente a sua época187, examinaremos aqui esta relação tensa entre a encenação e o fato histórico, que alcances e limites na elaboração do discurso sobre a Guerra Fria. Qual o historiador que ainda não se perguntou sobre a exatidão histórica de certos filmes ou de seqüências deles? Introdução A confluência do cinema com a história é simultânea à sua constituição como algo mais do que um divertimento passageiro, com o aparecimento, em 1914, de Nascimento de uma nação, de D. W. Griffith. Neste filme, certas cenas são concebidas como cópias de fotografias ou pinturas contemporâneas aos acontecimentos. A capitulação do General Robert E. Lee é descrita num letreiro como um fac-símile da cena real. 188 A prática inaugurada por Griffith estará presente em diversos momentos na história do cinema: Elia Kazan 186

O 18 Brumário de Luís Bonaparte, p. 329. Ciro F. S. CARDOSO, Análisis semiótico de películas: un método para historiadores, p. 14, Francis VANOYE e Anne GOLIOT-LETÉ, Ensaio sobre a análise fílmica, pp. 58-59 e Marc FERRO, O filme: uma contra-análise da sociedade? P. 203. 187

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em Viva Zapata! vai reconstituir o célebre encontro de 1914, entre Emiliano Zapata e Pancho Villa, no palácio presidencial, na Cidade do México, onde pousam para a fotografia que vai se tornar um ícone da Revolução Mexicana. Em 1972, no Brasil, Carlos Coimbra vai encenar meticulosamente o quadro Grito do Ipiranga, de Vítor Meireles em Independência ou morte. A narração talvez seja o segundo recurso em importância na criação do “efeito do real”. Além do fenômeno da “impressão de realidade”189,inerente ao espetáculo cinematográfico, uma série de recursos, como montagem mais entrecortada, enquadramentos aproximativos, movimentos de câmera mais perceptíveis, tomadas frontais, olhares para a câmera, são postos em ação em determinados filmes para construir o chamado “efeito do real”. A narração não pode obviamente ser inserida nesta lista, embora muito recorrente nos documentários. Ela se presta ao papel de realizar as conclusões que o espectador médio não conseguiria fazer, cumprindo a função de “voz do poder e do saber”190. Às vezes, substituindo a voz, está presente o texto sobreposto em trechos de documentários, como em Topázio, onde este artifício cumpre o papel de ligação entre a realidade documental e a realidade criada que o espectador começará a assistir a partir dali. A voz off é a voz do saber e do poder no cinema. Ela domina as imagens, proporcionando-lhes um sentido, mas indo além do que a imagem mostra.191 No documentário, a narração elabora as generalizações que o espectador médio raramente realiza, dominando

188

Leif FURHAMMAR e Folk ISAKSSON, Cinema e política, p. 188. Impressão de realidade é a sensação ou crença de quase-realidade que as imagens e sons provocam. Na impressão de realidade se manifesta uma divisão, a partir do momento em que o espectador começa a assistir o filme: uma parte se identifica com os acontecimentos representados, como se estivesse mesmo ao lado deles, outra, se mantém vigilante, consciente de estar nada mais que frente a um filme. Cf. verbete Impressión de realidade, Eduardo RUSSO, Dicionário de cine, pp. 135-136. 190 Francis VANOYE e Anne GOLIOT-LETÉ, op. cit., p. 109. 191 Francis VANOIE e Anne GOLIOT-LETÉ, Ensaio sobre a análise fílmica, p. 109. 189

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e ultrapassando as imagens, assim garantindo que “as ambivalências da realidade não desviarão a platéia para uma confusão política”.192 Se todo filme é um documento histórico sobre o presente, tornando o chamado gênero histórico, no mínimo, ambivalente tanto no seu discurso sobre o período histórico que aborda, como também nos referenciais do momento histórico em que é realizado, qual a relação que se estabelece, então, quando o cinema procura referenciar-se basicamente naquilo que já é considerado histórico, num sentido mais restrito do termo, significando conhecimento do passado? No caso da Guerra Fria, os primeiros filmes voltados para a discussão dos seus acontecimentos são quase contemporâneos ao seu desenrolar. Considerando que o conflito tenha começado com o discurso do ex-primeiro-ministro inglês Winston Churchill em Fulton, Estados Unidos, em 1946, dois anos depois surge Cortina de ferro, o primeiro filme do ciclo. A Guerra da Coréia (1950-1953) vai provocar o aparecimento de filmes a seu respeito, já em 1950, com The steel helmet (O inferno da Coréia), de Samuel Fuller. Em 1952, surge One minute for Zero (Muralhas de sangue), de Tay Garnett. Outros episódios, como a crise dos mísseis em Cuba de 1962, só tardiamente vão aparecer no cinema.193 A reflexão tardia sobre o acontecimento, certamente, se deve às poucas conexões diretas com a sociedade americana. No caso da Coréia, milhares de jovens estavam morrendo numa guerra envolvendo questões mais complexas do que a II Guerra. Os filmes analisados neste capítulo (O terceiro homem, Cortina rasgada, Cortina de ferro, Topázio e Sob o domínio do mal) possuem elementos históricos referentes ao tema que permite uma análise histórica strictu sensu. Alguns mais, como Cortina rasgada, 192

Leif FURHAMMAR e Folk ISAKSSON, op. cit. , p. 154. Sobre o mccarthismo e a caça às bruxas em Hollywood já apresentamos filmografia à pagina 89, sobre outros episódios da Guerra Fria, além dos analisados neste capítulos, há Mísseis de outubro (The missiles of october, EUA, 1974), de Anthony Page, U-2 – vôo clandestino (Francis Gary Powers: the true story of the

193

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Cortina de ferro e Topázio, que têm como base históricas verídicas, outros menos, com pequenas referências, como a Guerra da Coréia em Sob o domínio do mal ou a ocupação da Áustria, em O terceiro homem, todos realizam algum tipo de reconstituição histórica. 5.1. A Áustria ocupada Observamos em O terceiro homem (The third man, Grã-Bretanha, 1949) duas seqüências e dois planos que compõem um núcleo temático194 que chamamos “Viena ocupada e a decadência da zona russa”. A primeira seqüência é um pequeno documentário de 1 minuto e 5 segundos apresentado logo após os créditos, com a narração em off feita na terceira pessoa. Os problemas centrais abordados são o mercado negro e a ocupação da cidade pelas tropas aliadas. O plano 23 desta seqüência apresenta um quadro desolador: escombros e destruição, já mostrados anteriormente, mas, dessa vez, acrescenta-se homens recolhendo coisas no chão e identifica-se claramente aquela área como zona russa, pois vemos a roda gigante ao fundo. Saberemos mais adiante que este é o cenário do encontro de Holly Martins (Joseph Cotten) e Harry Lime (Orson Welles), que se refugiara na zona russa. No plano isolado “Holly Martins chega à zona russa”, que introduz a famosa seqüência que chamamos aqui de “encontro de Holly Martins e Harry Lime na roda gigante” vemos o mesmo quadro se repetir: a decadência da zona russa é como uma pintura querida na parede, está sempre lá. Mesmo que o narrador diga ser aquela a situação de toda a cidade, e que Viena “não estava pior que as demais capitais européias”, há uma recorrência em associar zona russa à decadência. O terceiro homem se constitui num filme ímpar no contexto da Guerra Fria, em boa parte por suas qualidades como obra de arte e também pela realidade particular que ele

U-2 spy incident, EUA, 1976), de Delbert Mann, JFK – a pergunta que não quer calar (JFK, EUA, 1991), de Oliver Stone e o recente 13 dias que abalaram o mundo (Thirteen days, EUA, 2001), de Roger Donaldson. 194 Não é possível falar em redes temáticas se não há um conjunto expressivo de temas recorrentes.

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aborda. A Áustria é o contra-exemplo da Guerra Fria, ocupada pelas quatro potências aliadas contra o nazismo, recupera, em 1955, sua independência com o compromisso de se manter neutra. Como parte dos acordos de paz, a União Soviética, neste mesmo ano, retira suas tropas do país. 5.2. As duas ilhas: Berlim e Cuba; O caso da Alemanha se revelará muito mais complexo. No local em que se encontraram as tropas aliadas, conflitos extremamente agudos impediriam a concretização de acordos efetivos até o fim da Alemanha Oriental em 1990. Certamente não foi apenas a opinião de um produtor polonês que levou Alfred Hitchcock a situar a história de Cortina rasgada na Alemanha Oriental. Berlim, situada no interior da zona oriental permaneceria dividida, o que significava um enclave ocidental na República Democrática Alemã. Desde 1948, com a reforma monetária capitalista patrocinada pelas administrações americana, britânica e francesa, se convertera no principal campo de batalha da Guerra Fria. No dia 18 de junho, sem a adesão do representante soviético no Conselho de Controle Aliado, Estados Unidos, Grã-Bretanha e França decidiram, juntamente com seus parceiros alemães, pela introdução de uma nova moeda, o Deustche Mark. A partir de então, todo o dinheiro em circulação na Alemanha Ocidental perdia o valor e economias, assim como depósitos bancários foram convertidos a DM 6,50 para cada 100,00 RM (Reich Mark) anteriores.195 A tensão aumentava entre Estados Unidos e União Soviética quanto ao futuro da Alemanha. À reforma monetária e aos passos no sentido de criação de um Estado na parte ocidental, o que significava uma crescente integração da Alemanha Ocidental ao bloco político militar capitalista, a URSS respondeu com o imposição de registro de todo o trans195

H. W. KOCH, As duas Alemanhas, p. 2552.

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porte terrestre procedente da Alemanha Ocidental, o chamado bloqueio de Berlim, além da criação da República Democrática Alemã em 1949. A reforma monetária, ao criar o Deutsche Mark, que passara a circular na área oriental, criou um mercado negro da moeda nessa área, com uma taxa de câmbio bastante desvantajosa. O bloqueio provocou o acirramento das relações entre as duas potências e uma primeira ameaça de conflito direto. No início de julho começaria a “ponte aérea”, assegurada pelos americanos, entre a zona ocidental e Berlim, voltada, a princípio, para o transporte de carvão. O marechal Sokolovski, comandante na área soviética, assim se referiu à ponte aérea: “uma medida dispendiosa, inútil e puramente publicitária que sobrecarrega a Alemanha com um fardo de despesas supérfluas...”196 Na historiografia simpática aos Estados Unidos, como é o caso de André Maurois, não há referências ao problema do câmbio. O autor procura justificar a reorganização do Estado alemão ocidental como uma necessidade para colocar em ordem sua economia e apresenta a “ponte aérea” como “um verdadeiro milagre de logística. Ao todo, os aviões americanos e ingleses fizeram 277.000 vôos e transportaram 2.500.000 toneladas de abastecimentos”.197 Para Moniz Bandeira, na mesma linha argumentativa de Maurois, a reforma monetária tornara-se necessária para evitar que a inflação, deliberadamente alimentada pela Administração Soviética, com a emissão do velho Reich Mark, atrapalhasse o Plano Marshall. 198 Em maio de 1949, o registro de transporte é suspenso tão logo o Deutsche Mark deixara de circular na zona oriental de Berlim, a seguir, os dois lados começam a tomar medidas visando a criação de Estados independentes. Ainda em maio é fundada a República Federal da Alemanha e em outubro, a República Democrática Alemã.

196

Louis ARAGON, Os dois gigantes, p. 198. Ibid. p. 47. 198 Luiz Alberto MONIZ BANDEIRA, A reunificação da Alemanha, p. 63. 197

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Berlim, desde o acordo de Potsdam, de 1945, à semelhança de Viena, estava teoricamente administrada pelas quatro potências. Com a crise de 1948/49, esta administração forçosamente se dividiu em dois blocos rivais, de um lado a administração capitalista, de outro, Berlim Oriental, capital da República Democrática Alemã. A difícil situação de uma cidade e dois sistemas rivais, vai permanecer instável até a crise de 1962. No que diz respeito ao problema alemão, a União Soviética vinha insistindo no cumprimento dos acordos de Potsdam. Neles, a Alemanha era obrigada a conceder reparações e estava impossibilitada de novo rearmamento, entre outros pontos. Para os soviéticos, era fundamental não permitir o retorno à situação anterior, onde o país permanecera cercado de inúmeras nações hostis. Os Estados Unidos, por sua vez, não tinham interesse em fazer valer tais pontos, pois não precisavam de reparações e um retorno à situação anterior era o que lhes interessava. Para o governo americano, o acordo de Potsdam dava a “impressão de que a queda do III Reich anunciava uma punição” para o povo alemão, o que contrariava sua política de aproximação com o setor ocidental. 199 Paralelamente à crise, avançava a ofensiva americana no plano econômico através do Plano Marshall. A União Soviética e a Tchecoeslováquia recusaram a ajuda econômica prometida depois que perceberam os termos contrários à uma política econômica independente ali contidos.200 Se o Plano fracassou na sua tentativa de obter a adesão dos países socialistas, na Europa Ocidental e na Alemanha Ocidental, em particular, ele foi vitorioso no sentido de conter a expansão do socialismo. Em Berlim Ocidental, os Estados Unidos investiram cerca de 600 bilhões de dólares e o governo de Bonn, outra quantia semelhante. No conjunto da economia alemã ocidental, o Plano promoveu sensível recuperação, a ponto de, em 1960, apresentar para apenas 100.000 pretendentes, cerca de 600.000 vagas de

199 200

Claude DELMAS, Armamentos nucleares e guerra fria, p. 55. A. Z. MANFRED, Historia Universal, tomo II, pp. 341-342.

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emprego, impondo a aguda necessidade de importar mão-de-obra de outros países. E a RDA, por várias razões, era um excelente fornecedor.201 Com toda esta importância no contexto da Guerra Fria, Berlim Ocidental se transformou num grande centro de espionagem e de emissão de estações de rádio para Berlim Oriental, atividade também desenvolvida, em menor proporção, pelo Serviço de Segurança do Estado (Stasi), ao procurar infiltrar agentes no setor ocidental. 202 Além da contextualização de Berlim como um centro no qual os dois blocos se enfrentam, há um outro elemento histórico que permite compreender a organização Pi , apresentada no filme de Hitchcock como voltada para a realização de fugas, - trata-se do interesse de parte da população da Alemanha Oriental em emigrar para o Ocidente. A situação da Alemanha Oriental era grave por duas razões essenciais: o desejo das potências capitalistas de não promoverem a construção de uma Alemanha neutra e unificada, como aspirava a União Soviética, e os problemas internos gerados pela guerra e o atraso industrial. A fuga de trabalhadores para o lado ocidental era uma conseqüência dessa situação de crise e mais uma causa de problemas econômicos, pois a esvaziava de mão-deobra qualificada. As potências capitalistas promoveram todas as medidas que afastassem os soviéticos do processo decisório, como a reforma monetária deixara claro. Isto conduzira a União Soviética ao processo de construção de uma república soberana na sua zona de ocupação, o que representava um grande desafio, pois além das dificuldades próprias do pós-guerra, a área oriental alemã, como já vimos, era a mais pobre em recursos industriais. A sangria de mão-de-obra da parte oriental prosseguia, estimulada pela grande disponibilidade de recursos na Alemanha capitalista. Entre setembro de 1945 e fins de de-

201 202

Luiz Alberto MONIZ BANDEIRA, op. cit. , p. 82. Ibid., p. 83.

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zembro de 1965, a RDA perdeu mais de 2 milhões de cidadãos. Os fugitivos eram trabalhadores altamente qualificados e treinados, comprometendo seriamente a economia alemã oriental. A política educacional da RDA contribuía para a formação desse trabalhador qualificado, pois oferecia maior igualdade de oportunidades aos seus jovens que a RFA: mais de 50% dos alunos da escola secundária eram filhos de camponeses e operários. A revolta contrária ao governo socialista, ocorrida em 1953, em Berlim Oriental permitiu a unificação do Partido Socialista Operário Unificado em torno de posições mais ortodoxas, mantendo os estreitos vínculos com a União Soviética. Em novembro de 1958, Nikita Krushev se pronunciou contra a permanência das potências ocidentais em Berlim. Reclamava a retirada das tropas e defendia a normalização do status da cidade como capital da Alemanha Oriental. Bonn e seus aliados reagem afirmando que Berlim é parte da questão germânica como um todo. Na noite de 12 para 13 de agosto de 1961, o exército e a polícia da República Democrática Alemã fecharam o tradicional caminho de fuga, erguendo o “muro de Berlim”.203 O estabelecimento de controle na fronteira com Berlim Ocidental, permitiu a consolidação do processo de reconstrução. Desde 1956, na Alemanha Oriental, a economia vinha crescendo: no início dos anos 70 já era o segundo lugar quanto ao nível de vida no bloco socialista, a maior renda per capita e experimentava intensa industrialização no setor de petróleo e estaleiros, além das tradicionais indústrias químicas e óticas. 204 5.2.1. Complô e fuga em Berlim Segundo Hitchcock, o tema de Cortina rasgada (1966) foi inspirado no caso Burguess e Maclean, diplomatas ingleses que abandonaram seu país, depois do governo inglês descobrir que espionavam para União Soviética, onde passaram a viver. A partir daí, pre-

203 204

H. W. Koch, As duas Alemanhas, p. 2562 Ibid., p. 2558.

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tende desenvolver a idéia de que a espionagem é sempre uma atividade desprezível: um espião é sempre um herói no seu país, mas um vilão no país inimigo.205 A história de Cortina rasgada se localiza, portanto, em ponto nevrálgico. Os personagens Michael Armstrong (Paul Newman), diplomata americano que pede asilo a República Democrática Alemã, e a organização Pi, com sua rede de agentes infiltrados em amplos setores da sociedade alemã oriental pisam num chão histórico de grande credibilidade: havia muitos espiões atuando nos dois lados de Berlim e as organizações voltadas para fuga eram inúmeras. Uma dessas organizações fora colocada na ilegalidade no final dos anos 50. A operação ideológica realizada por Hitchcock é uma batalha que exige o sacrifício de uma parte substancial do exército: a espionagem tradicional precisa ser desforizada, ou seja, o “bom” americano é ao mesmo tempo o ‘mau espião”, isto acontece em duas seqüências especialmente capazes de produzir não-identificação. O assassinato de Gromek, o agente de segurança responsável por acompanhar o prof. Armstrong, aparentemente, por discordar da política externa de seu país (3.11), além de cumprir a função que Hitchcock atribuía, mostrar como é difícil matar alguém, revela o lado repugnante da atividade, nada que se assemelhe ao glamour posterior de James Bond. A ação do assassinato dura quase sete minutos e é encenada sem música, reforçando sua crueza. Nesta seqüência, a personagem da mulher tem uma ação afirmativa, toma a iniciativa do ataque jogando o pote em direção a Gromek, acerta o primeiro golpe e o final, ao empurrar sua cabeça no fogão. A ação dos membros da organização começa a ser euforizada nesta passagem. A mulher assume o controle da situação, enquanto Armstrong parece totalmente aturdido. A outra seqüência onde a espionagem tradicional é desforizada ocorre na competição entre Armstrong e Lindt sobre o conhecimento de ambos (4.12). Armstrong procura 205

Peter BOGDANOVICH, Afinal quem faz os filmes, p. 626.

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fazer crer que conhece a invenção do cientista alemão para, na verdade, roubá-la, recorrendo à fraude, à exploração da curiosidade e da vaidade. A identificação fica claramente do lado do espirituoso professor enganado. Outra rede temática que colabora com o processo de não-identificação em torno de Armstrong é a da traição ou passagem para o bloco socialista. Quando a noiva e assistente do professor, Sarah Sherman (Julie Andrews) ouve os elogios dos representantes do governo alemão oriental, fica estarrecida. Diversas tomadas em primeiro plano de Sarah alternam-se com o plano geral da recepção de Armstrong. Sarah veste um sobretudo laranja e os representantes do governo estão de preto. Furhammar e Isaksson identificam nesta cena o intencional uso da cor: “Eles [os representantes do governo] estão em pé numa roda, todos vestidos de preto: fica claro que Michael Armstrong passará maus momentos, quer esteja sacrificando seu país ou a si mesmo numa missão extremamente arriscada para a CIA. Nessa altura ainda não conhecemos todos os fatos, mas a composição e o colorido sugerem que o professor Armstrong age por ideal e individualismo, enquanto os homens que o 206 cercam representam o aparelho do governo”.

Na seqüência do diálogo de Sarah e Armstrong (3.5), com uma longa tomada com os dois enquadrados em plano geral, refletindo o quão estão distanciados existencialmente, a traição é verbalizada na acusação de Sarah, mas Armstrong se defende dizendo que seus sentimentos vão além de simples patriotismo. Aqui de certa forma, o problema da traição é neutralizado pela defesa do professor, mas certamente, para Sarah a situação é angustiante. Armstrong traíra os seus valores mais caros ao passar a colaborar com o bloco socialista. O conflito vivido por amar um traidor, produz sensíveis marcas no seu comportamento, notadamente depressivo, desde a chegada à Alemanha Oriental. Sarah supera esta caracterização comportamental quando é chamada para responder sobre o Gama 5, já que Armstrong está sob suspeição (4.5). Reage indignada: “Prof. Armstrong, você que se vendeu a eles, responda!”

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A espionagem euforizada é aquela realizada pela organização Pi, apresentada como não-política, voltada apenas para a preparação de fugas para a Alemanha capitalista. Esta despolitização da atuação da Pi é o contra-argumento que procura dar sustentação à idéia de que um determinado tipo de espionagem é desprezível. Observa-se que é a atuação em particular de Armstrong que possui esta característica e mesmo ela acaba sendo resgatada pela atuação humanitária da organização, na medida em que estão atuando juntos. Outro aspecto da organização apresentado de forma positiva é o seu funcionamento como contraponto à onipresença do Estado, aparecendo onde menos se espera e da forma mais inusitada: um pé no meio do caminho (4.1), ônibus falsos (5.3), na administração pública (5.8), nas companhias de balé (5.10). Paralelamente a isto, procura-se apresentar o Estado alemão oriental como ostensivamente repressivo. A imprensa, na entrevista, está cercada de policiais e o ônibus Leipzig-Berlim é metralhado pelos policiais sem a menor advertência (5.6). Como afirmam Furhammar e Isaksson, é confortador que a crueldade do inimigo seja contrabalançada por sua incompetência.207 A incorporação do cidadão comum às ações repressivas do Estado, configurando o que alguns chamaram de Estado totalitário 208, aparece na seqüência dos estudantes juntando-se à polícia para perseguir Armstrong e Sarah na Universidade (5.1). A identificação de Armstrong pela bailarina (5.10) é outro indício desse enraizamento da repressão no interior da sociedade. As fissuras, neste aparato repressivo, aparecem na 206

Leif FURHAMMAR e Folke ISAKSSON, op. cit., p. 132. Ibid., p. 133. 208 Mario Stopino reconhece dois aspectos fundamentais no chamado fenômeno do totalitarismo ou Estado totalitário. O primeiro ele denomina de natureza específica do totalitarismo: “ a penetração e a mobilização total do corpo social com a destruição de toda linha estável de distinção entre o aparelho político e a sociedade”. O segundo aspecto diz respeito as condições que o tornaram possível: a formação de uma sociedade industrial de massa, a persistência de uma arena mundial dividida e o desenvolvimento da tecnologia moderna. O autor admite que o conceito não pode ser aplicado a todos os regimes comunistas e que o seu desenvolvimento, em regimes fascistas e comunistas, não autoriza a concluir na similaridade fundamente entre fascismo e comunismo. Além de reconhecer que o conceito está intrinsecamente ligado à tentativa de legitimar a política americana durante a Guerra Fria, penso que a discussão do caráter autoritário do Estado não pode prescindir da análise das instituições estatais como representativas de determinados interesses de classe e que 207

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presença de desertores do exército soviético assaltando passageiros na estrada para Berlim (5.4). Certamente, as cisões no interior do sistema socialista buscam credibilidade nos movimentos de oposição ao governo alemão oriental, especialmente o levante de 1953. Em Cortina de ferro, Willian Wellman fizera o oposto de Hitchcock, ao realizar um grande esforço para politizar a decisão do espião Igor Gouzenko (Dana Andrews), para o qual, passar-se para a contra-espionagem é fruto de um lento processo de desilusão com os antigos ideais e adesão aos novos. Primeiramente, este processo ocorre com a mulher (4.2, 4.3), o que provoca imediata reação de Gouzenko, recriminando-a por estar adotando costumes inadequados às normas estabelecidas. (4.3,4.4, 6.3). Gouzenko vai ser bastante influenciado pelo episódio que caracteriza a desilusão do major Kulin com a revolução russa e com o pai. A revolução degenerara e o pai virara um “pau-mandado” do regime (6.5). O coroamento do processo é a sentimental cena de Gouzenko junto ao filho. Como um dia terá que prestar contas a ele, como agora cobrava o Major Kulin de seu pai, terá que dizer ao filho como é o mundo no qual vive, o que significa admitir que as bases de sua existência até ali eram falsas. Os realizadores de Cortina de ferro estavam cientes quanto à importância da II Guerra para a situação de prestígio que os comunistas gozavam a seguir. Procuraram apresentar duas questões para abalar esta posição. Primeiro, o lançamento das bombas sobre o Japão, apresentado em assépticas manchetes de jornal, desconsiderando o extermínio de mais de 200.000 mil japoneses, para atender a objetivos claramente expansionistas.209 São estas manchetes que antecedem as cenas documentais de celebração do fim da guerra (6.1).

lhe dão um caráter coercitivo em qualquer sociedade marcada por esta característica. Cf. Mario STOPINO, Totalitarismo, pp. 1247-1259. 209 Sabe-se que o lançamento das bombas atômicas era um objetivo militar completamente nulo. Antes do uso da bomba, todos os membros do Estado-Maior Conjunto admitiam que o Japão se renderia incondicional-

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Nesta seqüência não há nenhuma referência à participação soviética e dos comunistas na derrota do nazismo. Em segundo lugar, o comentário sobre a atuação dos comunistas na guerra aparece para mostrá-los como seres abomináveis. O major Kulin se sente assim, ele é um homem torturado pelo remorso de ter matado soldados para obter voluntários numa missão perigosa. Ele se considera um sádico, mas se referindo ao governo soviético, pergunta: e os governos que justificam o assassinato? A contribuição dos soviéticos à derrota do nazismo é uma herança apresentada como doentia, enquanto as bombas sobre o Japão redundam em esfuziantes comemorações. Na seqüência seguinte, Kulin argumenta sobre a inevitabilidade da guerra para os comunistas, o que só amplia sua decepção. Recita uma frase que parece ser de Lênin, sobre a guerra como desdobramento para o comunismo mundial. Da mesma forma, não crê mais que exista verdade, diz que esta palavra não tem mais sentido naqueles tempos. Se Wellman é de uma cuidadosa coerência na abordagem da trajetória pessoal de Gouzenko, não tem a mesma preocupação na contextualização da construção da bomba atômica pelos soviéticos, na medida em que sobrevaloriza o roubo de segredos atômicos. Julius R. Oppenheimer, cientista nuclear americano que se opôs à construção da bomba de hidrogênio, identificado como de “lealdade suspeita” pelo governo americano, considerava improvável que qualquer tipo de espionagem pudesse desempenhar papel determinante na fabricação da bomba atômica. Segundo ele, o seu desenvolvimento era apenas uma questão de tempo para os soviéticos e outras nações.210

mente. O General Dwight Eisenhower em suas memórias afirma: “não era necessário ameaçar o Japão com aquela coisa pavorosa”. Cf. Argemiro FERREIRA, A caça às bruxas, p. 40. 210 Newton CARLOS, A conspiração, pp. 119-129.

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5.2.2. complô capitalista e crise dos mísseis em Cuba Em janeiro de 1959, em Cuba, tinha sido vitoriosa uma revolução de libertação que até o ano seguinte se mantinha fora de um enfrentamento direto com o imperialismo americano. Nos primeiros meses de 1959, a revolução cubana era mesmo vista com simpatia em certos círculos nos Estados Unidos, tanto que na primavera, Fidel Castro visitara Nova Iorque, hospedando-se no Hotel Theresa, no Harlem, propriedade de um negro que ofereceu hospedagem gratuita para a delegação cubana, depois que o Hotel Shelburne, incomodado com a presença do líder revolucionário, pediria que ele se retirasse. Lá, Fidel recebe a visita de representantes estrangeiros como Nasser e Krushev e do líder negro americano Malcon X. Em 1958, o governo americano suspendera o envio de armas ao governo de Fulgêncio Batista, sinalizando pouco interesse na manutenção do ditador. Vitorioso o movimento revolucionário, de imediato o governo é reconhecido, com o envio de embaixador e oferta de ajuda econômica. O diálogo vai se deteriorando à medida que ocorrem as nacionalizações de empresas americanas e outras medidas, antecedendo à declaração do caráter socialista da revolução, em 1961, após a tentativa de invasão na Baía dos Porcos. Ainda no governo de Eisenhower, em agosto de 1960, fora aprovado um orçamento de 13 milhões de dólares para a organização da intervenção em Cuba. Esta perspectiva era facilitada pela existência de contra-revolucionários atuando nas montanhas de Escambray e pela reorganização de um movimento nas cidades, chefiado por Manuel Ray, que lutara pela derrubada de Batista e chegara a participar do governo revolucionário, se afastando quando ocorre a definição pelo socialismo.211 Mesmo antes de sua posse, John Kennedy, tomara conhecimento do plano e o encorajara. A 3 de janeiro de 1961, o governo dos Estados Unidos rompe relações diplomáticas com Cuba e a 20 de janeiro, Kennedy tomava posse. 211

Arthur SCHLESINGER, Mil dias, pp. 231-232.

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Em princípios de março de 1961, aumentava a pressão para que a invasão acontecesse. Os líderes da invasão argumentavam que, dentro em breve, Cuba receberia jatos da União Soviética, o que tornaria a operação mais arriscada. A Agência Central de Informação (CIA) informava que a resistência interna ao governo revolucionário possuía cerca de 2.500 membros e 20.000 simpatizantes. Os contra-revolucionários que treinavam na Guatemala pressionavam para colocarse em ação, incentivados por largas promessas de apoio americano feitas pela CIA. A invasão, iniciada em 16 de abril de 1961, se revelaria um completo fracasso. A destruição da força aérea cubana por ataques provenientes de bases nicaragüenses não aconteceu, poucos aviões foram atingidos e a participação da força aérea americana terminou num grande fiasco Na ONU, o embaixador americano Adlai Stevenson passou pelo constrangimento de apresentar fotos de pretensos desertores cubanos, responsáveis pelos ataques aéreos, que depois revelar-se-iam como membros da tropa invasora. As forças armadas cubanas, lideradas pessoalmente por Fidel Castro, logo derrotaram as tropas invasores. De uma força de intervenção de cerca de 2500 membros, o governo cubano chegou a prender cerca de duas mil pessoas.212 A origem da crise dos mísseis em Cuba ainda é nebulosa. Entrevistas e memórias apontam para versões distintas. Nas suas entrevistas, Fidel Castro enfatiza a solicitação soviética para a instalação dos armamentos, enquanto Kruschev ressalta apelos de Cuba, preocupada com sua segurança, depois do episódio da Baía dos Porcos.213

212 213

Ibid., pp. 275—276. Claude DELMAS, Armamentos nucleares e Guerra Fria, pp. 140-144.

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Segundo Arthur Schlesinger, há meses Washington recebia informações de refugiados cubanos sobres instalações nucleares. De fato, desde agosto, começara a instalação de 42 foguetes nucleares de alcance médio, envio de bombardeiros medianos IL-28 e um contingente de 43 mil soldados soviéticos. 214 Para justificar sua ação o governo americano procurava obter comprovação da presença de mísseis ofensivos. A partir de setembro de 1962, os aviões U-2 realizaram diversos vôos sobre o território cubano. Em face desses preparativos bélicos contra Cuba, a 11 de setembro, o governo soviético dirigiu apelo ao governo americano para que desistisse da ofensiva.215 A 14 de outubro provas da instalação dos mísseis são obtidas – fotografias aéreas tiradas pelos U-2, respaldando o enfrentamento. Dia 21 de outubro, Kennedy, em tom grave, fala na TV sobre a descoberta dos mísseis. Assim o porta-voz do presidente traduzia a posição americana: “(...) declarou (o presidente) que qualquer ataque com mísseis, que partisse de Cuba, a qualquer nação do hemisfério ocidental seria considerado como um ataque aos Estados Unidos pela União Soviética, e motivaria uma retaliação com um ataque à União Soviética; solicitou à Organização dos Estados Americanos que apoiasse nossas providências contra a ameaça à segurança do Hemisfério Ocidental e à ONU que agisse contra a ameaça soviética à paz mundial; e exigiu de Krushchev que ordenasse o desmantelamento dos locais de mísseis e assim retirasse o mundo da beira da destruição atômica”.216

214

José Cantón NAVARRO, Historia de Cuba, pp.230-232. Anatoli GROMIKO, Os 1036 dias do presidente Kennedy, p.218. 216 Harold C. SIRRETT (org.). Documentos históricos dos Estados Unidos, p. 336. 215

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Como bloqueio naval no Direito Internacional significa declaração de guerra, Kennedy substituiu-o por “quarentena” e posicionou navios visando impedir a chegada de armamentos à ilha. Navios soviéticos transportando aviões a jato retornaram e dois navios sujeitaram-se à inspeção americana. Em Cuba, baterias de mísseis antiaéreos derrubaram um avião U-2 que violara seu espaço aéreo. Procurando conter a ala mais à direita de seu governo, representada por Dean Acheson e Curtis LeMay217, que defendiam o bombardeio dos mísseis e de suas bases, Kennedy obtém de Kruschev a aceitação da maior parte das exigências americanas e a crise se encerra. A crise dos mísseis colocou os dois maiores países socialistas em posições opostas. Desde 1959/60, China e União Soviética tinham começado a tomar posições distintas na política internacional. Os chineses repudiaram o recuo de Kruschev como “capitulação”, no entanto, também criticaram o “aventureirismo” dos soviéticos por terem enviado os mísseis para Cuba. Mao afirmaria em 1965: “Um país socialista não deve, absolutamente, ser o primeiro a usar armas nucleares, nem deve, em qualquer circunstância, brincar com elas ou engajar-se na chantagem ou no jogo nuclear”.218 No filme Topázio, de Hitchcock, as redes temáticas diretamente ligadas à crise dos mísseis identificadas são: “espionagem no Hotel Theresa” (2.11), quando Dubois fotografa os documentos na pasta de Parra, “espionagem dos mísseis” (3.1) e “tortura de prisioneiros” (3.4 e 3.5), quando o casal Medoza aparece com sinais de tortura, na analogia com a Pietá de Micheangelo (3.4) e na seqüência da morte de Juanita, contato cubano do agente secreto francês. Nesta seqüência Parra mata Juanita para que ela não seja “torturada como os Mendoza foram” (3.5).

217

Curtis LeMay foi chefe do Comando Aéreo Estratégico nos anos 50, conselheiro de Kennedy, em 1962, e inspirador do personagem do general, que por iniciativa própria, resolve atacar a União Soviética no filme Dr. Fantástico. 218 Michael PARENTI, A cruzada anticomunista, pp. 172-173 e 325.

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A seqüência do Hotel Theresa inicia a série de confusões entre ficção e realidade, tão útil à elaboração de versões interessadas. Como já mencionamos, Fidel esteve, de fato, hospedado neste hotel. Na narrativa de Topázio, existe uma personagem chamada Rico Parra (John Vernon), que poderíamos chamar de um alter-ego de Fidel219. É apresentado como o líder do governo cubano e, naquele momento, chefiava a delegação do país na ONU. Rico Parra está hospedado no mesmo Hotel Theresa, age com truculência e trabalha num ambiente caótico e sujo. Não falta sequer a clássica cena do tiroteio na multidão (2.11.16). Quando Parra descobre que os documentos de sua pasta foram fotografados, atira contra o falso jornalista que fugia entre as pessoas que se encontravam à entrada do hotel. Esta costura de elementos ficcionais e realidade prossegue, na seqüência do comício (3.2), onde cenas documentais dos líderes cubanos Fidel Castro, Che Guevara e Raul Castro se misturam com as personagens da narrativa. A esta altura, a carga de historicidade em torno de Parra é suficiente para cercar de pretensa credibilidade a construção ideológica da tortura de prisioneiros. No entanto, é necessário caracterizar também como intrinsecamente violento o Estado cubano. Hitchcock apresenta o Estado capitalista como protetor e cauteloso, como vemos na seqüência em que agentes americanos impedem que os soviéticos atirem na família Kusenov, enquanto o Estado socialista prima pela violência, como a mesma seqüência atesta, mostrando agentes da embaixada soviética atirando em direção à multidão (2.11). O caráter repressivo e violento do regime cubano é afirmado na forma como os prisioneiros da rede de espionagem cubana são tratados: barbaramente torturados.

219

A expressão alter-ego (outra identidade) parece apropriada pois ele também não é Fidel Castro, aparecendo junto do líder cubano, no comício, onde o complô anticomunista é descoberto.

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Não há registro de tortura a presos políticos em Cuba, houve fuzilamentos no período imediatamente posterior à guerra contra Batista, longos períodos de encarceramento e extradição. Juanita de Cordoba justifica a ação de espionagem pelo fato dos revolucionários terem transformado seu país numa grande prisão. De fato, houve prisões de opositores do regime desde a vitória da revolução, no episódio da Baía dos Porcos, foram presos, cerca de 2.000 invasores. Esses prisioneiros, no entanto, foram mantidos em condições humanitárias e sua libertação aconteceu depois de negociações com o governo americano. 5.3. A Guerra da Coréia: a guerra no campo de batalha e a batalha no campo das idéias A Coréia foi ocupada pelo Japão de 1911 a 1945, sendo sua liberação diretamente ligada à luta dos coreanos contra a ocupação japonesa, sem envolvimento de outros países. A Guerra Fria transferiu para a região os interesses da nova potência imperialista – os Estados Unidos, acrescentando-se à secular rivalidade entre Japão e China. Neste conflito, onde, segundo Hale, citado por Crockatt, a Coréia desempenhou o papel de “ponto estratégico de grande sensibilidade” 220. A Guerra da Coréia está, portanto, estreitamente ligada aos problemas da rendição japonesa e das primeiras tensões entre Estados Unidos e União Soviética no pós-guerra. Desrespeitando os acordos do Cairo, de 1943, no qual a soberania coreana era assegurada, os Estados Unidos vinham pressionando pela realização de eleições nos moldes da democracia burguesa representativa. Os soviéticos e os comunistas coreanos resistiam a esta proposta, temendo manipulações no processo eleitoral. Como na Alemanha, os Estados Unidos não estavam interessados numa Coréia unificada, estimularam a realização de eleições no sul coreano em agosto de 1948, o que levou à formação da República da Coréia. Em setembro foi criada a República Popular De220

Richard CROCATT, op. cit., pp. 107-108.

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mocrática da Coréia em Pyiong-Yang, capital do Norte, tendo como primeiro-ministro o líder guerrilheiro coreano Kim Il Sung. Antes do início do conflito, eram constantes os choques e escaramuças entre tropas comunistas e forças anticomunistas. Em junho de 1950, Kim Il Sung acusa o governo do sul de agressão e ordena uma ofensiva geral.221 Até setembro de 1950, as tropas norte-coreanas, comandadas por Kim Il Sung realizam uma rápida ocupação da parte sul da península, fazendo as tropas adversárias recuarem até uma estreita faixa próxima ao litoral. No mesmo mês, o governo americano resolve intervir e com o apoio da ONU desembarca tropas em Inchon, sob o comando do General MacArthur. A ofensiva americana foi vitoriosa e penetrou até a fronteira chinesa. Até a vitória da Revolução Chinesa e o início da Guerra da Coréia, o sudeste asiático tinha pouca importância para a política de segurança nacional dos Estados Unidos. A partir de então, a situação na Coréia começara a alimentar a percepção “de que a guerra contra o comunismo não necessariamente começaria do teatro da Europa central e se espalharia para a periferia, mas começaria na periferia”.222 O apoio da União Soviética à ofensiva norte-coreana teria origem na avaliação de que os Estados Unidos não interviriam no conflito, como também na esperança de que o fato de mascarar a intervenção com a bandeira das Nações Unidas, teria repúdio internacional, já que os Estados Unidos aproveitaram a ausência do representante soviético para aprovar o apoio das Nações Unidas à intervenção. É provável que a União Soviética não tivesse um plano definido e agisse ao sabor das decisões americanas. Cinco meses antes do início da Guerra, o Secretário de Estado

221 222

Edgar Luiz de BARROS, A Guerra Fria, pp. 50-51. Richard CROCKATT op. cit., p. 92.

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Dean Acheson havia afirmado que a Coréia não era considerada uma área de vital interesse, o que parece ter levado a URSS a crer que os Estados Unidos não interviriam. 223 A República Popular da China teria entrado na guerra pelas seguintes razões: a unificação da Coréia sob os auspícios capitalistas colocava o problema da segurança nas suas fronteiras; voluntários norte-coreanos lutaram ao lado das forças de Mao na guerra civil; e a China via na guerra uma oportunidade de ampliar sua influência na região.224 Uma formidável contra-ofensiva chinesa fez as tropas americanas recuarem até o paralelo 38. Em abril de 1951, a estratégia de MacArthur de “esmagamento” dos chineses, com a perspectiva de uso de armas atômicas, é desaprovada e o general demitido. A partir daí a guerra assumiu uma estratégia de posições e têm início as negociações, diminuindo bastante a intensidade dos combates. A 27 de julho de 1953 é assinado o armistício.225 O saldo de perdas humanas no sangrento conflito é imenso: China e Coréia do Norte, de 1,5 a 2 milhões de combatentes, Coréia do Sul, 300 mil, americanos,142 mil, GrãBretanha, 7 mil, outros aliados da ONU, 17 mil. A Guerra da Coréia, além de reforçar a concepção bipolar em todo o mundo, como já estabelecida na Europa, aprofundava as ansiedades americanas sobre o caráter do comunismo. A guerra coincidia com o auge do mccarthismo. A batalha para conquista da opinião pública se revelaria, portanto, uma violenta disputa no âmbito das idéias e sentimentos. Novelas e filmes foram feitos para apresentar a imagem do inimigo como verdadeiramente condenável. A revista popular Collier’s publicou histórias imaginárias sobre uma provável vitória dos Estados Unidos, com cenários de uma Moscou invadida pelos americanos. Filmes como O inferno da Coréia (The steel helmet, 1950), de Samuel Fuller, The bamboo

223

Ibid., pp. 90 e 101-102. Ibid., p. 103. 225 Ibid., p. 52. 224

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prison (1954), Prisioner of war (1954), The rack (1956), Time limit (1957), Sob o domínio do mal (1962)226, ampliavam a metáfora dos comunistas como vampiros de almas e corpos, à medida que passam a atuar nesta outra esfera, submetendo o corpo a constrangimentos, incluindo a tortura física. O tema histórico especialmente abordado nesses filmes é o problema dos prisioneiros de guerra. Os casos de deserção no exército americano foram explicados recorrendo à noção de “lavagem cerebral”227. As denúncias de casos de prisioneiros americanos que teriam sofrido “lavagem cerebral” provocaram dois tipos de reação. Por um lado, reforçaram pavores em torno da maldade e desumanidade, particularmente, dos comunistas asiáticos. Por outro lado, provocaram inquietações sobre a fragilidade da adesão dos jovens americanos aos valores do próprio sistema. Os americanos pareciam não dispor de firmeza suficiente que os tornasse capazes de resistir às pressões de um interrogatório. Dessa forma, a opção foi ampliar o grau de fervor ideológico. Foi sobre a administração Eisenhower (1953-1960) que expressões como “com a ajuda de Deus” foram acrescentadas à saudação à bandeira americana.228 Acrescente-se as denúncias feitas por soldados americanos do uso por parte dos Estados Unidos de armas bacteriológicas na guerra para destruir-se as clássicas noções de vitória militar. Nem o retorno dos veteranos produziu entre os seus compatriotas interesse pela experiência da guerra. “A guerra produziu uma insatisfatória, inglória e má-acolhida memória”, escreve Max Hastings, citado por Crockatt229.

226

MASH (EUA, 1970), de Robert Altman e a popular série dos anos 70, dirigida por Alan Alda,de mesmo título retomam a Guerra da Coréia com poucas referências históricas ao acontecimento, estão mais influenciadas pela conjuntura da Guerra do Vietnã (1964-1975). 227 Ver nota sobre o tema no capítulo 3. 228 Richard CROCATT, op. cit., p. 106. 229 Ibid., p. 106.

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Diversos filmes sobre a Guerra da Coréia enfocam o problema da lavagem cerebral. Em Sob o domínio do mal a questão é apresentada de uma forma muito pouco crível. Os comunistas aprisionam soldados americanos e os submetem a um processo de hipnose e lavagem cerebral, transformando um deles – o sgt. Shaw em instrumento dos seus planos de chegar a presidência dos Estados Unidos. Tais ações dos comunistas são apresentadas através dos pesadelos do major Marco e o do cabo Melvin, o que atenua as exigências de verossimilhança, mas as ações de Raymond Shaw são simplesmente inacreditáveis. A seqüência que apresenta os resultados da experiência de lavagem cerebral (4.2) conjuga diversos pontos de vistas, dando uma conotação fantasiosa e multifacetada dos fatos. A pretensa base científica do relato são as contribuições da psicologia comportamental pavloviana, que não oferece absolutamente fundamentos para o caso. Enfim, além das bases falsas, o resultado é inacreditável: o soldado Raymond Shaw se tornou um autômato capaz de ser dirigido a partir de comandos com base no jogo de paciência (6.1, 8.5, 10.1, 10.2). Susan L. Carruthers afirma que, se há três explicações importantes para a colaboração – coerção, oportunismo e “reeducação” (lavagem cerebral), Sob o domínio do mal apresenta uma quarta alternativa: “Raymond Shaw representa o indivíduo cujas ‘ações politicamente significantes’ não estão sincronizadas com suas crenças pessoais. Exceto no momento de clímax quando a lavagem cerebral foi desfeita (e ele atira na própria mãe - seu controlador comunista – e no padrasto, assim contrariando os insidiosos objetivos para os quais ele tinha sido dirigido), não há qualquer nexo entre suas crenças e suas ações. (..) Os comunistas que submeteram Shaw parecem completamente despreocupados com sua conversão ideológica, assim suas ações seriam melhor explicadas por uma exótica psicologia que por convicções políticas. A visão de lavagem cerebral de Sob o domínio do mal elimina um importante aspecto da experiência real dos prisioneiros de guerra na Coréia – a doutrinação política”.230

230

Susan L. Carruthers, Redeeming the captives, pp. 278-279.

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Esta quarta razão para a colaboração – a inexistência de conexão entre crenças e ações, se aproxima do modelo que temos observado em outros filmes do indivíduo cindido entre emoção e razão. A autora recusa a idéia de que os prisioneiros americanos na Coréia tenham tido um comportamento padrão distinto das demais situações em que os Estados Unidos se viram envolvidos e afirma que “os filmes que dramatizaram as condições dos prisioneiros contam-nos muito sobre reações confusas da América contemporânea, e sobre a tendência da sociedade de examinar seus intercâmbios culturais mais como reveladores de si própria do que do outro”. Segundo Carruthers, os filmes procuram redimir os prisioneiros americanos de qualquer parcela de responsabilidade sobre suas próprias ações – no caso a colaboração com o inimigo. Esta, somente era considerada como admissível, caso resultasse de algum tipo de coerção. Os filmes negam a sinceridade da colaboração (The bamboo prison e Prisioner of war), atribuem a colaboração à uma inacreditável lavagem cerebral (Sob o domínio do mal), ou acentuam os limites da resistência humana (The rack e Time limit). Outra rede temática estritamente histórica é a que chamamos de “mccarthismo”, subordinada à rede temática “conspiração”, já estudada no capítulo 3. A atuação do senador Iselin na entrevista coletiva do Secretário de Defesa (5.1) guarda muitas semelhanças com fatos ligados ao senador McCarthy: a sra. Iselin acompanha pelo monitor de TV a denúncia de infiltração comunista no governo e os gestos de Iselin mostram que ele está levando em conta o meio de comunicação que veicula sua mensagem. Sabemos a importância da televisão na transmissão das audiências tanto do Comitê McCarthy quanto do CCAA, da Câmara. No segundo caso, a atração se revestia de especial interesse porque eram astros e estrelas de Hollywood prestando depoimentos. O incerto número de comunistas infiltrados no Departamento de Defesa é outra referência a McCarthy, que apresentou, de fato, vários números em seus discursos(7.4). As denúncias indiscriminadas de liga-

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ção com o comunismo são expressas pelas palavras do senador Jordan quando diz que “um dos maiores encantos da sra. Iselin é chamar de comunista quem discorde dela” (8.2). Conclusão A análise dos elementos estritamente históricos nos filmes sobre a Guerra Fria confirma o uso da história para fundamentar o discurso ideológico. A história emprestaria uma credibilidade para além do uso instrumental, que veria o conhecimento histórico como útil apenas no sentido orientar o uniforme correto a ser usado na filmagem da batalha x da guerra y. Na abordagem dos fatos históricos, o cinema sobre a Guerra Fria recorreu a uma série de elementos constituintes do chamado “efeito do real”: reprodução fac-similar de cenas históricas, inserção de documentários e a construção de personagens com base em figuras reais. O uso desses recursos permite afirmações audaciosas, como em Topázio, onde Cuba é apresentada como uma enorme prisão, os dirigentes são sujos e violentos. Os dirigentes são associados ao nazismo, tanto simbolicamente, na adoção de uma gestualidade semelhante ao nazismo, como na prática de torturas e outras formas de violências. O uso de imagens de Raul Castro e Che Guevara, juntos com as do alter-ego de Fidel Castro no mesmo comício, tem o efeito de reforçar “o efeito do real”, associando os primeiros ao último, de forma a atribuir os atos de Parra aos líderes reais do governo cubano. Do ponto de vista da relação com os elementos históricos, Cortina rasgada e Cortina de ferro invertem os sinais no intercâmbio espionagem/ideologia ao tratar da conversão de um comunista aos valores do capitalismo. A categoria história é trabalhada, no sentido de trajetória pessoal, como se vê nas vicissitudes de Gouzenko e no cotidiano do conspiradores. Já a espionagem realizada em Berlim procura se desvencilhar desse fardo, na tentativa de desforizar a espionagem realizada por Armstrong e destituir a ação dos e-

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lementos da Pi de componentes ideológicos e políticos. Trata-se de uma ação entre amigos para garantir longas férias longe da Alemanha Oriental, como diz uma das personagens. No entanto, o diálogo entre os espiões de Berlim e o casal de americanos, acaba revelando a conexão com os países imperialistas: de forma singela, Sarah Sherman tranqüiliza-os quanto ao ônibus perdido, prometendo se empenhar em suprir a perda quando chegar em casa, ou seja, acena para uma ajuda americana à organização ameaçada Topázio e Cortina de ferro, com sua preocupação de construção gradual que se completa com as generalizações vistas acima: “Cuba é uma prisão” ou a desforização da participação soviética na II Guerra, se caracterizam como típicos filmes de propaganda, como conceituam Furhammar e Isaksson: “Na verdade pode-se dizer que os filmes de propaganda são em si mesmos figuras de retórica. Desde que o objetivo do gênero é criar determinadas generalizações a partir dos incidentes isolados e exibidos, os acontecimentos e os personagens principais sempre representam mais do que a si mesmos. Invariavelmente representam conceitos coletivos mais amplos – uma coletividade, um movimento, uma ideologia, uma nação, um inimigo. Assim, cada filme de propaganda, bem com cada herói e cada vilão, é de per si uma sinédoque”.231

Já Sob o domínio do mal inova na paródia do senador McCarthy e apresenta uma truncada discussão sobre os prisioneiros de guerra na Coréia. O seu núcleo central é mais um documento sobre as ansiedades da classe média americana frente aos desafios e pressões do final da primeira Guerra Fria, do que algum relato sobre Coréia , 1952, como o prólogo insinua. Influenciada pelas mais distintas contribuições, desde D. W Griffith, assim como pelas experiências da escola soviética, pelos falsos documentários, como o prólogo de Cidadão Kane, ou ainda, os noticiários reconstituídos dos anos 10, a tradição valorizada pelo cinema sobre a Guerra Fria oscila entre o realismo próprio dos thrillers e o imaginário popular da ficção científica, para se afirmar numa mescla dos dois na série James Bond.

231

Leif FURHAMMAR e Folke ISAKSSON, Cinema e política, p. 157.

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A relação que os filmes sobre a Guerra Fria estabelecem com a história tem como base a busca de credibilidade. Neste exercício de construção de autenticidade, os realizadores recorrem a um arsenal vasto de recursos legitimadores da verdade. As características do documentário são muito utilizadas, à medida que, tradicionalmente, este gênero está associado à função de “testemunha do real”. A narração e a própria inserção de trechos documentais são dois elementos usados com o objetivo de investir os filmes de credibilidade.232 No caso de Topázio, este esforço cria uma grande fraude. As imagens documentais dos líderes cubanos inseridas na narrativa visam comprometê-los fundamentalmente com uma das teses do filme: a tortura era uma prática daquele governo – fato que a análise histórica descredencia. Nos filmes sobre a Guerra Fria diversos recursos de linguagem cinematográfica que reforçam a veracidade são utilizados: narração, fac-símile de imagens célebres, inserção de documentários, sobreposição de imagens, construção de personagens com bases em pessoas reais, filmagem em locais onde teriam ocorridos os acontecimentos, enfim, não faltam elementos para revestir a narrativa dos aparatos típicos do chamado “cinema do real”.233 Enganosas mas indispensáveis, assim Pierre Sorlin se referia às imagens como fonte para o historiador. Esse duplo caráter impõe que aceitemos o desafio de investigá-las, como fonte sócio-histórica, e ao mesmo tempo, questionar seu uso como recurso legitimador de verdades e/ou fraudes nos filmes. A tortura de prisioneiros em Cuba e na Coréia, como a renúncia de Zapata, são dois exemplos do uso da contextualização histórica para construir fantasias. Os cineastas, desde cedo, perceberam o poder de convencimento que a história possui, e logo conjugaram a novidade com o antigo conhecimento. Nos filmes sobre a Guerra

232 233

Francis VANOYE e Anne GOLIOT-LETÉ, Ensaio sobre a análise fílmica, pp. 58-59. Francis VANOIE e Anne GOLIOT-LETÉ, op. cit., pp. 58-59.

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Fria, essa prática se mantém como importante elemento de construção da pretensa credibilidade de seus discursos.

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Capítulo 6: Os filmes “O cinema expressa a realidade mediante a realidade. É uma espécie de ideologia pessoal, de vitalismo, do amor de viver dentro das coisas, dentro da vida, dentro da realidade. Expressando-me com o cinema não saio nunca da realidade, estou sempre entre as coisas, entre os homens, entre o que mais me interessa na vida: a própria vida”. Pier Paolo Pasolini

Este capítulo pode ser lido de forma corrente ou funcionar como um hipertexto, a ser consultado no decorrer da leitura da tese, fornecendo informações relativas às obras e seus autores. O roteiro seguido para sua redação é este: 1, ficha técnica; 2, resenha crítica; 3, contexto histórico-temático relativo ao filme e breve comentário sobre a obra e os autores (particularmente diretor, produtor e roteirista); 4, sintaxe narrativa; 5, universo diegético; e 6, leitura isotópica. O capítulo fornece desde as informações elementares, como ficha técnica, até comentários sobre o contexto histórico e de produção nos quais os filmes foram realizados. Estas informações permitem relacionar as redes temáticas, trabalhadas no corpo da tese, aos filmes como unidades artísticas a serem consideradas na sua inteireza. A análise sóciohistórica de filmes, com base na metodologia adotada, secciona as obras em unidades que só têm sentido para os pesquisadores. O filme é sempre um discurso completo e deve ser considerado assim, mesmo que a principalidade tenha sido o estabelecimento de cortes, num primeiro momento. O aparato metodológico propriamente dito está presente nos tópicos “sintaxe narrativa”, “universo diegético” e “leitura isotópica”. Como já definimos, na introdução, a sintaxe narrativa é este seccionamento do filme em unidades menores, seqüências, planos e blocos de seqüências, que permitem depois o estabelecimento de redes temáticas com base em registros precisos no corpo da narrativa. Convém lembrar que usamos a definição de plano como unidade fílmica situada entre duas transições, sendo portanto um resultado da

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montagem. A seqüência consiste numa sucessão de planos cuja característica principal é a unidade de ação e o lugar que ocupa na montagem. Quando ocorre o caso de apenas uma seqüência se prestar à análise, ela é submetida a cortes menores, reproduzindo-a plano por plano. Isto acontece com as seqüências “Viena ocupada”, “Encontro de Holly Martins e Harry Lime na zona soviética” de O terceiro homem. Deste filme, também recortamos para análise, o plano isolado “Chegada de Holly Martins à zona russa”. O universo diegético é o universo que o filme nos oferece quando começa a contar uma história, construindo um espaço imaginário onde a narrativa se desenvolve. O tópico “leitura isotópica” reproduz as redes temáticas identificadas em cada filme, acrescidas do conjunto das redes temáticas, agora atravessando o total de filmes analisados.

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Cortina de ferro Gênero: thriller (suspense) de espionagem 1. Ficha técnica: Título: The iron courtain (em português Cortina de ferro) Ano: 1948 Estúdio: Twentieth Century-Fox Duração: 87 min Diretor: William A . Wellman Produtor: Darryl F. Zanuck Produtor executivo: Sol C. Siegel Roteiro: Milton Krins, baseado na história pessoal de Igor Gouzenko, ex-técnico em codificações da Embaixada da União Soviética em Ottawa, Canadá Diretor de fotografia: Charles G. Clarke; Montagem: Louis Loeffler Música: seleção de obras dos compositores soviéticos D. Shostakovich, S. Prokofieff, A Khachaturian e N. Miaskovsky, orquestrada por Alfred Newman; Direção de arte: Lyle Wheeler e Mark Lee Kirk; Vestuário: Bonnie Cashin; Som: Bernard Freedricks e Harry M. Leonard; Distribuição: Twentieth Century-Fox (Darryl F. Zanuck). Personagens e atores principais: Igor Gouzenko (Dana Andrews), Anna Gouzenko (Gene Tierney), June Havoc (Karanova), Berry Kroeger (Grubb), Edna Best (Sra. Foster), Stefan Schnabel (Ranev), Nicholas Joy (Dr. Norman), Eduard Franz (Major Kulin), Frederic Tozère; Preto e branco; Cópia analisada: gravação a partir da exibição na televisão

2. Resenha crítica: Os soviéticos montam uma rede de espionagem no Canadá com o objetivo de alcançar o segredo da fabricação da bomba atômica. Um jovem técnico em codificação chega acompanhado de militares veteranos para participar da operação. A crise ideológica de um deles, os apelos do modo de vida canadense e a persistência da guerra contra o capitalismo fazem Igor Gouzenko denunciar a rede de espionagem ao governo canadense. A produção do primeiro filme da série anticomunista, no pós-guerra, foi cercada de cuidados especiais. O projeto foi mantido em sigilo durante toda sua realização. Cortina de ferro se destaca por apresentar o comunismo como uma filosofia política. Apresenta comunistas realizando grupos de estudos para ler Marx, personagens citando frases de Lênin e discursos políticos com razoável reprodução de teses comunistas, como uma defesa intransigente da luta de classes. Não deixam, no entanto de reproduzir alguns comportamentos típicos dos gângsters, como na invasão do apartamento dos Gouzenko. Esta abordagem é logo abandonada, na maioria dos filmes que se seguiram, os comunistas estão identificados fundamentalmente como golpistas, gângsters e assassinos. Baseado num história verídica, o filme tem pretensões documentaristas, com locações onde ocorreram os acontecimentos e uma narração bem pouco discreta. Cortina de ferro é um thriller com características de filme negro234. Igor Gouzenko (Dana Andrews) representa o detetive, oscilando entre vítima e herói, os comunistas, meio gângsters, meio militantes políticos, e obviamente, o universo do crime, representado pela espionagem comunista. 234

Filme negro ou filme noir define um conjunto de filmes no qual predomina o universo marginal: em torno de atos criminosos cria-se acentuado clima de suspense. Pode-se falar em sub-gêneros, como a história de detetive, o filme de gângster e o thriller.

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O resultado final é um filme bem realizado, nas suas ambições propagandísticas, com fortes estereótipos do comunista desprovido de ética e movimentando-se em áreas sombrias, mas de ritmo pesado e possivelmente de limitada aceitação pelo público. 3. Contexto histórico-narrativo Cortina de ferro (1948) é um filme de um diretor já veterano. Wellman nasceu em 1886 e morreu em 1975, em 1948 já tinha realizado dezenas de filmes e era um diretor consagrado. Com Inimigo público (Scarface, 1931), garantira seu lugar entre os grandes realizadores de Hollywood. Na Primeira Guerra Mundial serviu como piloto. Bertrand Tavernier e Jean-Paul Coursodon consideram a visão de mundo de Wellman democrática, embora também afirmem que se trata de um anarquista com idéias muito conservadoras. Quanto a opções de linguagem, afirmam que Wellman se recusa a privilegiar os heróis românticos. Os heróis nos seus filmes nunca parecem verdadeiramente livres: “o destino, o contexto social ou histórico é sempre muito forte, talvez mais que eles próprios”. Em Heroes for sale (Fome por glória, 1933), Wellman mostra um marxista sendo integrado ao sistema capitalista e a brutal repressão a uma greve, como também denuncia sem concessões a situação das vítimas da crise de 1929.235 A partir desse primeiro piloto no gênero thriller, outros títulos foram se somando, como Nuvens na tempestade (1950), Fui um comunista para o FBI (1951), Não desonres o teu sangue (1952), Anjo do mal (1952) e outros 4. Sintaxe narrativa 1.Créditos: 1.1.Sobre uma mesa um relatório recebe na capa o carimbo The iron courtain, as páginas vão se abrindo, com créditos e um texto sobre a base verídica da história. O texto informa: “História baseada no relatório de 27 de junho de 1946 e nas provas apresentadas em tribunais canadenses, que levaram à prisão de dez agentes secretos da URSS. As mensagens e documentos mostrados são exatamente os mesmos que foram usados como provas durante os julgamentos dos agentes acusados. Todos foram autenticados pela Polícia Federal Canadense. Todas as externas foram filmadas no Canadá, in loco”. Até 1min44s. 2.Primeira parte: A chegada. 2.1. Tomada de avião e seu interior com a seguinte narração: “No início de 1943, um avião comercial comum chegava do oeste trazendo três passageiros russos. Partiram de Moscou uma semana antes. Passaram por Fairbanks, no Alasca, e estavam a caminho de Ottawa, a capital do Canadá. Eram eles o Coronel Alexander Trigorin, em primeiro plano, novo adido militar da Embaixada da URSS, o Maj. Semyon Kulin, seu auxiliar e secretário, em outro primeiro plano, e Igor Gouzenko, especialista em decodificação, que deixara a União Soviética, pela primeira vez”. Até 2min22s. 2.2.Tomada da embaixada soviética. Narração: Lá são entrevistados por Ilya Ranev, segundo-secretário da embaixada e chefe da NKVD, a polícia secreta soviética. Primeiro plano da placa da embaixada e do Sr. Ranev. Até 2min35s. 2.3.Gouzenko se apresenta na embaixada. É duramente repreendido porque responde com informações verdadeiras sobre sua vida pessoal e não as respostas preparadas para esconder sua função de decodificador do Adido Militar. Afirma, entre outras coisas, ser do Exército Vermelho. Após a entrevista, sai para ser levado à seção de decodificação. O Sr. Kanev chama a sua secretária para apresentá-la aos outros dois recém-chegados. O major Kulin logo a convida para jantar, mas a Sta. Karanova mostra-se indiferente. Até 5min27s. 235

Bertrand TAVERNIER e Jean Paul COURSODON, 50 ans de cinéma americain, pp. 969-970.

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2.4.Gouzenko é levado à sala de decodificação, um compartimento secreto na embaixada; como na sala vista anteriormente, há um retrato de Stalin na parede. Para evitar que as informações vazem, toca-se música o tempo todo e o responsável odeia música. Até 7min54s. 2.5.Karanova se mostra simpática com Gouzenko, ajuda-o a procurar apartamento e leva-o a um alegre restaurante, onde o soviético descobre que os canadenses se divertem mesmo em tempos de guerra; terminam a noite no apartamento dela. Até 8min39s. 2.6.Karanova tenta se aproximar de Gouzenko, mas é repelida. Até 13min24s. 2.7.Gouzenko recebe a primeira mensagem: Trigorin e Kanev devem procurar John Grubb, cidadão canadense, “cuja biografia está disponível na Central do Comintern”, avisa o narrador, enquanto Gouzenko pega uma ficha com a fotografia de Grubb. A foto se transforma num plano e vemos Grubb no interior de um carro, acompanhado de outros comunistas. Até 13min52s. 3.Segunda parte: A montagem da rede 3.1. Trigorin, Ranev e John Grubb conversam num carro: Grubb, um dos fundadores do Partido Comunista do Canadá, deixa claro a sua importância, recebe ordens diretamente de Moscou, não da embaixada, mas está disposto a colaborar. Até 16min1s. 3.2. John Grubb visita o gabinete do deputado Leonardo Leitz, da Câmara Baixa. Ate 16min33s. 3.3. Numa reunião da Associação dos Amigos da Rússia Soviética, apresentada pelo narrador como fachada para recrutamento de agentes policiais, John Grubb defende a abertura da segunda frente. A seqüência termina com o capitão Donald Class, da Força Aérea Canadense, fazendo um brinde “aos nossos amigos soviéticos”. Até 17min27s. 3.4. A narração apresenta os “grupos de estudo” das obras de Marx, Engels e Lênin, de um deles participam o deputado Leitz e o capitão. Class que, convidado a espionar para o Partido, aceita prontamente. Até 20min8s. 3.5. A narração descreve o avanço da rede de espionagem: nomes são citados e fichas com fotos e dados aparecem, a seqüência termina com uma agente fotografando documentos. Até 20min58s. 3.6. Gouzenko procura Kulin para avisá-lo da chegada de suas esposas. Kulin está bêbado e previne Gouzenko contra Kanev: “burocratas sempre perseguem soldados”. Até 22min33s. 4.Terceira parte: O modo de vida capitalista 4.1. As três mulheres chegam, os casais se abraçam e beijam-se efusivamente, à exceção de Kulin e a mulher, ela é capitã do Exército Vermelho e age com frieza e distanciamento, além de usar um estranho chapéu de abas retas. Está chegando, também, o Dr. Norman, recebido por Leonard Leitz, que lhe traz boas vindas por vir somar-se ao trabalho. Até 24min4s. 4.2. Gouzenko e Anna chegam ao apartamento onde vão morar: é um apartamento de três quartos no segundo andar. Uma panorâmica mostra a mobília e Anna diz estar encantada e revela ao marido que está grávida. A música é romântica e apaziguadora. Até 25min44s. 4.3. A narração diz que em seus momentos de folga, o casal faz caminhadas, conhecendo um “mundo estranho. Às vezes perturbador, às vezes intrigante”. Ouve-se música religiosa e o casal pára: Anna parece sensibilizada e fita Gouzenko nos olhos, ele baixa o olhar e depois ambos olham em direção ao templo, de onde vem a música. Gouzenko, abruptamente, a toma pelo braço e seguem. Passam por uma casa onde se lê Give to Russi-

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an War Relief [Contribua com o esforço de guerra russo, a tradução da fita analisada é Contribua para amenizar o sofrimento dos russos, trocando guerra por sofrimento]. Até 26min52s. 4.4. Numa conversa trivial, em casa, Gouzenko recrimina a educação política dos canadenses, “não pensam corretamente porque não têm líderes”. Anna quer saber se ele gostaria de um menino ou uma menina e não está interessada em política. Embora insista em discutir política, admite que deseja um filho homem, pois “tem um futuro melhor”. São interrompidos por uma vizinha que traz um pedaço de torta. Gouzenko repreende duramente a mulher, “não quer relação com amigos canadenses”. Até 28min48s. 4.5. Gouzenko dorme, quando recebe chamado para comparecer urgente ao escritório. Até 30min24s. 5.Quarta parte: O projeto mais sigiloso da história 5.1.O serviço secreto recebera a informação de que uma usina começaria a produzir urânio para ser usado em bombas atômicas. Até30min55s. 5.2.No gabinete secreto, Gouzenko passa a informação codificada para ser transmitida a Moscou; depois de concluída a tarefa, é avisado que a mulher deu à luz a um menino, não se contém e sai correndo. Até 32min5s. 5.3.A narração comenta o vivo interesse de Moscou pela nova bomba. Trigorin e Grubb se encontram e este recebe a missão de procurar o cientista Alec. Até 33min15s. 5.4.Grubb vai à casa do Dr. Normam, o cientista que a mensagem apresentara com o nome em código Alec. O Dr. Normam trabalha na pesquisa do urânio. Grubb age com muita desenvoltura na casa do cientista, mexe em papéis, liga a eletrola, pondo para tocar Shostakovitch, definido como “a primeira flor de uma cultura proletária”. Fecha a cortina e inicia a conversa. O Dr. Norman acredita que ingleses, americanos e russos agora estão juntos: “é o povo contra o fascismo”. Grubb replica: “o capitalismo e o comunismo não têm interesses em comum”. O Dr. Normam parece muito assustado e considera muito difícil conseguir amostras do urânio. Diz tratar-se do “projeto mais sigiloso da história”. Grubb enfatiza que uma arma tão perigosa deve estar disponível a todos para que a paz seja possível. Até 37min17s. 5.5.A narração apresenta os resultados do trabalho do Dr. Norman: o segredo da fabricação da bomba atômica resumido em dez páginas e uma amostra de urânio enriquecido, levada em mãos até Moscou. Primeiro plano de um oficial soviético, plano de detalhe de sua mão algemada numa pasta, no interior de um avião militar. Até 38min27s. 5.6.John Grubb encontra-se com Dr. Norman e o avisa que será transferido para a Inglaterra. Grubb insiste para que ele continue fornecendo informações onde quer que esteja. O pesquisador diz que esta é uma situação dolorosa e ele já fez o que podia. Grubb o deixa e vemos um plano geral com sua figura solitária em meio à paisagem de inverno. Até 40min35s. 6. Quinta parte: O fim da guerra e o começo de outra 6.1.Manchetes de jornais com o lançamento da bomba sobre o Japão e paz; plano geral de comemoração pelo fim da guerra. Até 40min57s. 6.2.O embaixador Kanev pronuncia palestra onde alerta para os objetivos distintos entre capitalismo e comunismo: “A luta de classes continuará até que essa democracia decadente e plutocrática esteja dizimada”. Até 42min13s. 6.3.Chegando em casa, Gouzenko repreende novamente Anna, pois a vizinha ficara tomando conta do bebê. Anna, junto ao berço onde a criança dorme, revela que não acredita mais que “eles” sejam inimigos. “Nós é que os estamos tratando como inimigos”. Con-

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fuso, Gouzenko sai do quarto. Na sala, liga o rádio e ouve as comemorações pela vitória dos aliados. Ele, no entanto, está triste. Corte e primeiro plano do bebê com a voz do narrador em off: “A paz não é maravilhosa?” Até 45min57s. 6.4.Trigorin, Kulin e Gouzenko, na embaixada. O diretor da operação, em Moscou, envia mensagem exigindo mais informações sobre a bomba. A explosão da primeira bomba atômica deixa o Coronel Trigorin impressionado. Kulin, embriagado, não vê nenhuma novidade e lembra da guerra em Karkov [guerra contra os nazistas], onde diz que fora obrigado a atirar em dez soldados para o décimo-primeiro se apresentar como voluntário. Ele é considerado um sádico. E quanto aos governos que matam e justificam o assassinato? O que Gouzenko acha deles? Pede que ele abra os olhos para esta situação. Trigorin o ameaça de retorno à Rússia, como não o contém, dá-lhe um tapa no rosto e depois o prende. Até 50min27s. 6.5.Gouzenko conversa com Kulin. Quer saber porque o filho de um herói da revolução (também amigo íntimo de Lênin) aceita se submeter a um pelotão de fuzilamento. Kulin não acredita mais na verdade e está decepcionado com o pai, que, hoje, é um paumandado do regime. Gouzenko pergunta sobre uma nova guerra e Kulin responde: “A guerra é parte do processo que leva a uma revolta geral mundial, que resultará no estabelecimento do comunismo mundial”. Até 53min25s. 6.6. Gouzenko sai da embaixada ouvindo todas aquelas frases contraditórias: fidelidade aos ideais ou as advertências de Kulin e da mulher? As frases são ouvidas em off enquanto ele caminha, de repente, ele se volta para trás, marcando o ponto de ruptura. Até 54min18s. 6.7.Gouzenko chega em casa e fala que Kulin será mandado de volta. Diz à mulher que o motivo da sua doença é estar decepcionado com o pai, e ele, Gouzenko, não pode fazer o mesmo que o pai de Kulin: “Devo dizer a ele [ao filho] como é o mundo em que deve viver e o homem que quero que seja. Um dia terei que prestar contas a ele e quero poder encará-lo sem medo, nem vergonha”. Aproxima-se de Anna e diz que não deverão voltar à Rússia; ela o abraça, emocionada. Até 56min6s. 7. Sexta parte: Gouzenko contra Moscou 7.1. Gouzenko começa a pôr em prática seu plano: seleciona documentos do arquivo. Até 56min42s. 7.2. Chamado ao gabinete do Coronel Trigorin, Gouzenko fica sabendo que deverá retornar a Moscou até passar o trabalho para o colega que vai substituí-lo; na saída, encontram-se com Karanova, que imediatamente impressiona o recém-chegado. Até 57min45s. 7.3. Gouzenko se apodera dos documentos marcados e deixa a embaixada em direção ao Ministério da Justiça. Até 1h2min20s. 7.4. Gouzenko chega em casa com os papéis da história dos agentes secretos comunistas no Canadá. Só encontraram um guarda no Ministério; diz à mulher que, pela manhã, irão todos lá. 7.5.Com a esposa e o filho, Gouzenko peregrina em busca do ministro. Até 1h5min32s. 7.6. Na embaixada, a ausência de Gouzenko é denunciada. Até 1h5min53s. 7.7.O ministro não pode atender Gouzenko. Até lh6min18s. 7.8.Na embaixada, dão por falta dos documentos. Até 1h6min41s. 7.9.Gouzenko decide procurar a imprensa canadense, apresentada como “livre e independente”, pelo narrador. Na redação do jornal, Gouzenko é dado como louco, não acreditam na história: o editor diz que se o governo se recusou a recebê-lo, eles não ousariam, e recomenda que procure a polícia federal. Até 1h10min16s.

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7.10.Crubb, Trigorin e Kanev discutem o que fazer. Crubb sugere que procuremnos no apartamento. Até 1h11min33s. 7.11.Gouzenko, de fato, voltara ao apartamento. Pede à mulher que o aguarde na casa da Sra. Foster com os documentos, avisando-a que se algo acontecesse a ele, deveriam ser entregues à polícia. Sozinho, aguarda seus camaradas chegarem. Até 1h15min50s. 7.12.Os russos, tendo Kanev à frente, arrombam a porta e iniciam um interrogatório. Kanev assume atitude paternal: diagnostica que Gouzenko está doente e contém as ameaças de Trigorin. Como Gouzenko se recusa a falar, Kanev chantageia com os parentes na Rússia. De repente, a polícia canadense chega, avisada por Anna, depois do barulho do arrombamento. Anna entrega os documentos à polícia. Os russos reclamam-nos da polícia, pois teriam sido roubados. Os policiais dizem aos russos que eles devem encaminhar a reclamação à Central de Polícia e que os Gouzenko estão, a partir de então, sob proteção da polícia. Até 1h23min50s. 7.13.Crubb traça com Leitz um plano de defesa: o deputado pode ser preso. Até 1h24min25s. 7.15.Kanev lê mensagem ordenando o retorno dos russos envolvidos na operação. Até 1h24min51s. 7.16.O narrador apresenta os presos e o resultado do julgamento. Até 1h25min34s. 8.Epílogo: 8.1.Seqüência iniciada com um plano geral mostrando os Gouzenko saindo de casa de campo para um piquenique, acompanhados de duas pessoas. A narração afirma, inicialmente, que levam uma vida tranqüila, corte para outra voz que diz “com todos os direitos, liberdades e privilégios dos canadenses”, depois a voz da narração principal retoma e replica: “Na verdade, não podem. Ameaçados, vivem escondidos, sob constante proteção da Polícia Federal Canadense, mas não perderam a esperança. Sabem que a segurança deles e dos filhos depende da sobrevivência da democracia”. Plano geral dos Gouzenko caminhado por uma estrada com dois agentes de segurança atrás. Até 1h26min18s. 5. Universo diegético: Cortina de ferro é um exercício rigoroso de pretensa credibilidade. Desde o estilo documentário, presente no carimbo do título em páginas de um relatório que será logo apresentado pelo texto inicial como verídico. A narração e tomadas com manchetes de jornais são dois outros recursos usados para reforçar o aspecto documental. Numa das reuniões dos comunistas (3.4), ouve-se trechos de texto que parece ser de Karl Marx. O movimento de solidariedade à União Soviética também é apresentado com pretensões de inspirar credibilidade (4.3) como também as intervenções do representante diplomático soviético enfatizando a permanência da luta de classe (6.2). A tentativa de caracterizar um mal estar entre os militares soviéticos pelos pretensos abusos cometidos na luta contra os nazistas se materializa no comportamento amargurado do oficial Kulin. Como o pai do oficial teria sido um companheiro devotado de Lenin, usa-se uma frase deste para caracterizar a violência gratuita dos comunistas (6.5). 6. Leitura isotópica: As duas principais redes temáticas em Cortina de ferro são conspiração/conspiradores (2.8, 3.1, 3.3, 3.4, 5.4, 5.5, 6.1) e sua inversão contra-complô/membros do contra-complô (7.1, 7.9, 7.12) e indivíduo/modo de vida capitalista (4.2, 4.3, 6.7, 7.12 e 7.13) e sua inversão indivíduo/socialismo (4.1, 4.4, 5.6, 6.4). Observa-se que o filme concebe os dois mundos, pretendendo criar um contraponto entre as duas alternativas. A ênfa-

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se nos aspectos positivos (capitalismo) e negativos (socialismo) inaugura uma visão maniqueísta que vai se desdobrar mais adiante.

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O terceiro homem Gênero: thriller 1. Ficha técnica: Título : The third man, Grã- Bretanha (em português O terceiro homem) Ano: 1949 Estúdio: London Film Productions Ltd. Gênero: Suspense Duração: 104 min. Diretor: Carol Reed Diretor assistente: Guy Hamilton Produção: Carol Reed, David O Selznick e Alexander Korda Roteiro: Graham Greene Fotografia: Robert Krasker Montagem: Oswald Haffenricher Música: Anton Karas Diretor de arte: Vicent Korda Som: John Cox Distribuição: Selznick Realing Organization, Inc. Cor: Preto e branco Cópia analisada: fita de vídeo VHS distribuída por Continental Home Video Personagens e intérpretes principais: Holly Martins (Joseph Cotten), Anna Schmidt (Alida Valli), Harry Lime (Orson Welles), Calloway (Trevor Howard), Sargento Paine (Bernard Lee), Barão Kurz (Ernst Deutsch), porteiro de Harry (Paul Hoebiger), Popescu (Siegfried Breur) e outros.

2. Resenha crítica Holly Martins, escritor de novelas do Oeste americano, vai à Viena do pós-guerra, ocupada por britânicos, americanos, franceses e russos, para encontrar-se com um velho amigo. Ao chegar, fica sabendo que o amigo morreu em um acidente. Desconfiado das circunstâncias em que o fato teria ocorrido, a partir de informações colhidas com amigos de Lime e sua namorada, Anna Schmidt, começa a investigar e descobre que o amigo estava envolvido no contrabando de penicilina falsificada. Martins é levado a entregar o amigo à polícia inglesa, enquanto Anna permanece fiel ao amante. O mais destacável em O terceiro homem é a sutileza do anticomunismo. E talvez o anticomunismo mais eficaz, pois o fenômeno da ocultação da política insere este problema num conjunto de questões universais, como a fidelidade ao ente querido, mesmo criminoso, o que faz Anna lembrar uma Antígona moderna a enterrar duas vezes Polinices/Lime. Se Anna se torna o herói positivo, representando uma busca da liberdade sem concessões (se recusa a aceitar a liberdade sob o preço da traição, já que Martins conseguira sua liberação em troca da colaboração para prender Lime), Martins torna-se o traidor que entrega o amigo e Calloway, a autoridade que mantém a ordem sem sujar as mãos. Anna representa bem as constantes mudanças de direção que sofrem os personagens, surge como uma atriz, apegada aos detalhes do cotidiano e ao sucesso e torna-se no desenrolar da narrativa uma mulher coerente e obstinada em manter-se fiel aquele que ama. No livro e no roteiro, Anna é húngara, no filme ela torna-se uma tcheca que foge do regime comunista. Temos aqui a premência das questões do momento influenciando no filme: esta mudança está claramente motivada pela tomado do poder pelos comunistas e social-democratas em 1948, ano em que o filme foi rodado. No seu artigo, Marc Ferro chama atenção para outras modificações, como a mudança de nacionalidade de Holly Martins de inglês para americano, o que colabora para dar ao filme um certo teor de crítica aos americanos.

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Ao contrário do que já foi publicado, a parceria entre Grahan Greene e Carol Reed é uma experiência valorizada pelo escritor inglês. Greene chegou a dizer: “o filme, na verdade, saiu melhor que o livro porque é, no caso, a forma final da história."236 A seqüência final, onde Anna, saindo do segundo enterro de Harry Lime, caminha pela alameda e passa, sem um olhar, por Holly, mostra que mantém sua dignidade, se recusa a pactuar com a traição, mesmo que sua fidelidade seja a um traidor/criminoso.237 Nesse ponto, há uma alteração significativa, feita por Carol Reed, no roteiro final do filme, na novela, Greene põe os dois caminhando de braços dados. Um retrato rigoroso de Antígona tem um papel importante na ocultação da política em O terceiro homem. Afinal, há um herói positivo, que é Anna. Como fica, então a afirmação de Harry Lime no plano 18 de que “não há mais heróis no mundo”, a que ela se dirige? Em primeiro lugar, ela busca justificar os crimes de Lime, num ambiente de terra arrasada, todos os meios valem. Por outro lado, amplia a ofensiva contra os comunistas e social-democratas, que saem da segunda guerra prestigiados pela resistência ao nazismo. Como vimos na Tchecoeslováquia, em 1948, estão juntos contra os conservadores, e na própria Áustria, o governo no pós-guerra é chefiado pelo socialdemocrata Karl Renner. Na verdade, há valores, pessoas, partidos que saem da guerra bastante fortalecidos, “há lugar para tais coisas”. O discurso de Harry Lime se assemelha muito à pregação nazista de uma violência purificadora. O outro argumento anticomunista se manifesta na associação decadência física da zona russa à decadência moral da administração russa na Áustria. No primeiro aspecto a imagem é a semiose-guia, sem nenhum aporte verbal, no segundo a semiose-guia é o texto da fala de Harry Lime, onde parece que a imagem da decadência urbana tornara-se o terreno para a semeadura das palavras. Aqui também, a caracterização da zona russa como decadente é feita com sutileza, ela aparece no contexto de cidade, como um todo devastada pela guerra, o que assinala uma diferença é a sua recorrência, a zona russa só aparece assim: nas outras áreas, há bares, teatros, aglomerações. Ter construído obra com tais sutilezas custou algum atrito com o produtor David O. Selznick, que em telegrama a Betty Goldsmith, sua coordenadora para o estrangeiro, expressa sua insatisfação por Reed e Greene não estarem seguindo sua opinião, isto é, convertendo “explicitamente os russos em vilões”.238 Reed e Greene, como diretor e roteirista, respectivamente, e o co-produtor americano, Selznick, sustentaram um certo enfrentamento que reflete os problemas da guerra fria e situa a Grã-Bretanha como um pólo menos expressivo no conflito, mas capaz de apresentar seus pontos de vistas. O terceiro homem ilustra um tratamento ideologicamente reacionário da presença soviética na Europa do pós-guerra, mas faz isso com uma certa dose de crítica ao oportunismo dos americanos. 3. Contexto histórico-temático: O estudo das duas seqüências e dos dois planos, o plano 23 da seqüência “Viena ocupada” e o plano isolado “Holly Martins chega à zona russa”, fornece alguns elementos para compreender o anticomunismo sofisticado de O terceiro homem. Ao contrário da maioria dos filmes anticomunistas, este foi um grande sucesso de público e crítica. Não há, contudo, unanimidade quanto às suas qualidades: “Direção grandiloqüente e empolada”, segundo o historiador de cinema Georges Sadoul, “filme sem rea236

Graham GREENE, O terceiro homem, p. 8. O livro foi a forma inicial da história. Solicitado pelo produtor inglês Alexander Korda a escrever um roteiro para Carol Reed, Greene escreveu a novela, pois considerava impossível caracterizar personagens e ambiente no formato conciso do roteiro cinematográfico. 237 Marc FERRO, op. cit., pp. 54-57. 238 Glen K. S. MAN, El tercero hombre, p. 345.

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lidade social nem significação; uma intriga sobre o mercado negro não tem o menor interesse”239, na opinião de Bosley Crowther, crítico americano, filme cheio de “propaganda anti-russa e de filosofia dos gângsters modernos”240, escreveu um periódico comunista vienense. É importante lembrar que o filme foi rodado logo após o chamado “golpe de Praga”, em 1948. Com a recusa pelo governo tcheco-eslovaco do Plano Marshall, os partidos conservadores da coalizão ficaram numa situação difícil, por outro lado, comunistas e social-democratas contavam com o apoio de operários armados. O desfecho foi a renúncia dos conservadores e a formação de um governo hegemonizado pelos comunistas.241 Rapidamente o filme recebeu inúmeros prêmios: primeiro prêmio em Cannes (1949) e em Veneza, indicado para o Oscar de melhor direção e fotografia, foi vitorioso nesta última indicação e recebeu o prêmio da crítica nova-iorquina de melhor direção. Foi o clímax da carreira do diretor britânico Carol Reed, marcado por um notável sentimento de nacionalidade em suas obras. 4. Descrição e análise de duas seqüências e um plano: Hipótese: na Europa devastada pela segunda guerra não há mais lugar para heróis e aqueles que se apresentam como revolucionários (os comunistas) protegem traficantes de penicilina. Seqüência 1: “Viena ocupada”, 55s Duração: 52 seg. Resumo: Cenas documentais da situação da capital austríaca no pós-guerra. O foco se dirige para o problema da ocupação pelas forças aliadas (Grã-Bretanha, França, Estados Unidos e União Soviética242) e do mercado negro.

Trilha da imagem

Trilha sonora

Plano 1: 4 seg. PG de Viena

Música de cítara que se prolonga dos créditos e pontua toda a seqüência. Narrador em off: Não conheci a velha Viena com sua música e charme.

Plano 2: 2 seg. Estátuas de um músico em primeiro plano e imagens mitológicas ao fundo. Plano 3: 2 seg. Estátua em contra-plongée Plano 4: 1 seg. Primeiro plano de dois homens que parecem negociar.

239

Narrador: Vim conhecê-la no período clássico do mercado negro.

Marc FERRO, Um combate no filme O terceiro homem, p. 53. J. ADAMSON, e P. STRATFORD, En busca del tercero hombre, p. 348. 241 Paulo Vizentini, A guerra fria, pp. 202-203. 242 No filme usa-se zona russa e russos, consideramos mais adequado falar de União Soviética e soviéticos, já que a união de diversas repúblicas em torno do socialismo era, de fato, uma realidade desde 1922. 240

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Trilha da imagem

Trilha sonora

Plano 5: 2 seg. Plano de detalhe dos objetos que estão sendo negociados. Plano 6: 2 seg. Plano de detalhe dos objetos sendo manipulados.

Narrador: Havia de tudo para quem podia pagar.

Plano 7: 2 seg. Pessoas manipulando dinheiro Plano 8: 2 seg. Um braço com diversos relógios os expõe.

Narrador: Uma situação assim tentava amadores.

Plano 9: 6 Seg. Um corpo bóia sobre o Danúbio

Narrador: Mas [mesmo] profissionais não resistiam muito.

Plano 10: 2 seg. Plano assinalando a entrada na zona americana. Plano 11: 1 seg. Plano assinalando a zona britânica.

Narrador: A cidade dividida em quatro setores ... ... americano, britânico, russo e francês.

Plano 12: 1 seg. Placa assinala o início da zona russa. Plano 13: 1 Seg. Placa assinala o início da zona francesa . Plano 14: 3 seg. Plano mostra os brasões nacionais.

Narrador: O centro, internacionalizado, tinha polícia internacional.

Plano 15: 2 seg. Plano geral das viaturas . Plano 16: 5 seg. Um carro de patrulha com a bandeira americana ...

Os quatro países se revezavam.

Plano 17: 4 seg. Soldados na praça batem continência.

Narrador: Que chance! A praça cheia de estrangeiros e ninguém falava o idioma do outro, a não ser um pouco do alemão.

Plano 18: 2 seg. Pelotão de soldados perfilados.

Narrador: Pessoas andavam por toda a parte.

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Trilha da imagem

Trilha sonora

Plano 19: 2 seg. Oficiais acompanham a troca de guarda. Plano 20: 1 seg. PG da cidade

Narrador: Não estava pior que as demais capitais européias.

Plano 21: 1 seg. Outro PG da cidade. Plano 22: 1 seg. Plano geral da cidade: escombros, neve ... Plano 23: 2 seg. PG da cidade: novamente escombros, neve e pessoas recolhendo coisas no chão, ao fundo uma roda gigante (saberemos depois que se trata da zona russa).

Plano isolado: “Chegada de Holly Martins à zona russa”, 1h10min45s Duração: 3 seg. Trilha de imagem Trilha sonora Martins chega ao prédio onde mora o Barão Kurz. Há homens recolhendo coisas nos escombros e trabalhadores na via férrea.

Seqüência 2: “Encontro de Holly Martins e Harry Lime na zona soviética”, 1h11min38s Duração: 6 min e 42 seg. Resumo da seqüência: Martins vai até o setor russo e se encontra com Lime. Martins avisa que o denunciou à polícia, Lime parece não dar conta do que isto significa e procura justificar suas ações ao amigo. Trilha de imagem Trilha sonora Plano 1: 18 seg. Holly junto à roda gigante aguarda Harry.

Acordes do tema de Harry.

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Trilha de imagem

Trilha sonora

Plano 2: 8 seg. PG243 de Harry dirigindo-se ao encontro de Holly Plano 3: 7 seg. Holly vê o amigo e se movimenta em sua direção. Plano 4: 7 seg. Novo PG da trajetória de Harry. Plano 5: 2 seg. PA de Holly em contra-plongée. Plano 6: 3 seg. Harry atravessa o campo (a câmera está fixa) . Plano 7: 13 seg. Harry se aproxima afetuoso, tira a luva como se fosse estender a mão para Holly, mas se detém, pois este se esquiva.

Harry Lime: Como vai? Holly Martins: Olá, Harry. M.: Quero falar com você. L.: Falar comigo? Mas claro ... Fale!

Plano 9: 5 seg. Os dois entram na cabine. Harry comenta:

Antes as crianças brincavam aqui. Agora não tem dinheiro.

Plano 10: 5 seg. Os dois instalados no interior da cabine.

M.: Eu não acreditei. L.: Que bom ver você!

Plano 11: 1 seg. Holly em primeiro plano.

Foi bem feito, não?

Plano 12: 11 seg. Harry em PP.

L.: O velho problema do estômago. Isto é o único alívio. Os últimos... não há mais destes na Europa.

Plano 13: 1 seg. Holly em PP.

M.: Sabe o que houve com sua garota?

Plano 14: 4 seg. Harry, com o rosto expressando tensão:

H.: Foi presa ... Não vão machucá-la.

243

Usaremos a partir de agora as abreviaturas PG (plano geral), posição distanciada da câmera, valorizando a paisagem como espaço físico, PM (plano médio), posição da câmera que permite distinguir o indivíduo no espaço, estabelecendo um equilíbrio entre ação e cenário, PA (plano americano), posição da câmera que destaca o personagem, registrando a imagem, no caso de figuras humanas, geralmente, dos joelhos para cima, PP (primeiro plano), posição da câmera que evidencia um elemento da ação. Cf. Marcel Martin, A linguagem cinematográfica, p. 263.

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Trilha de imagem

Trilha sonora

Plano 15: 1 seg. Holly em PP.

M.: Vão entregá-la aos russos.

Plano 16: 5 seg. Harry, rindo, dirige-se a Holly:

L.: Que posso fazer? Estou morto.

Plano 17: 4 seg. Harry e Holly em PP; a câmera se afasta.

L.: A quem falou a meu respeito? M.: Contei à polícia. L.: Tolice, Harry ... M.: E a Anna? L.: A polícia acreditou? M.: Não se importa com Anna? L.: Já tenho muitas preocupações. M.: Não fará coisa alguma. L.: O que quer que eu faça? Que me entregue? M.: Por que não? L.: Há coisa melhor a fazer. Não há ... M.: Tem muitos contatos... L.: Esqueça suas histórias ...

Plano 19: 6 seg. Harry dirige-se à janela.

L.: Os russos me protegem, enquanto me usam. M.: Enquanto usam você? L.: Queria me livrar disto.

Plano 20: 3 seg. Holly em PP.

M.: Foi como souberam sobre Anna? Você contou ...

Plano 21: 13 seg. PA de ambos. Holly atravessa o campo e retorna.

L.: Desde que não interfira, tenho planos para você. M.: Nos apertos, sempre tinha uma saída. M.: Para você, não para mim.

Plano 22: 1 seg. Plano 24: 3 seg. Harry abrindo uma janela.

L.: Não seja melodramático.

Plano 25: 6 seg. PG em plongée do parque. Harry aponta:

L.: Teria pena de um daqueles pontinhos ali?

Plano 26: 11 seg. Harry em PP.

L.: Se lhe dessem 20 libras por cada um deles, sinceramente, rejeitaria o dinheiro ou calcularia quanto poderia

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Trilha de imagem

Trilha sonora ganhar?

Plano 27 2 seg. Holly em PP.

L.: Livre de impostos, meu velho.

Plano 28: 3 seg. Harry em PP.

Livre de impostos, meu velho.

Plano 29: 1 seg. Holly em PP dirigindo-se a Harry:

M.: [Se se ganha assim, acaba-se na prisão.]

Plano 30: 9 seg. Holly e Harry em PP.

L. Não há provas contra mim ... além de você.

Plano 31: 4 seg. Holly se apoia numa viga e olha para Harry. Plano 32: 2 seg. Harry olha para Holly. Plano 33: 2 seg. Holly em PP diz:

M.: Que sou fácil de eliminar.

Plano 34: 4 seg. Holly e Harry em PP

L.: Bem fácil.

Plano 35: 2 seg. Holly em PP.

M.: Tem certeza?

Plano 36: 6 seg. Harry em PP.

L. Porto arma. Não creio que tivesse chance.

Plano 37: 10 seg. Holly e Harry em PP. Harry fica visivelmente desconcertado com a notícia.

M.: Reabriram a sepultura. L.: E acharam o Harbin?

Plano 38: 9 seg. Harry e Holly em PP.

L.: É pena. Que tolice esta nossa conversa. Como se fôssemos um contra o outro. [Você] está só confuso quanto a certas coisas.

Plano 39: 3 seg. Holly senta e Harry procura convencêlo.

L.: Ninguém pensa em termos de seres humanos... Os governos falam em proletariado...

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Trilha de imagem

Trilha sonora

Plano 40: 14 seg. Harry se aproxima do amigo e em PP prossegue:

L.: Falo em bandidos e ladrões. É a mesma coisa. Eles têm planos qüinqüenais e eu também.

Plano 41: 1 seg. Harry desolado ...

M.: Você acreditava em Deus.

Plano 42: 13 seg. Harry se volta para Holly e escreve algo na vidraça.

L.: Acredito em Deus, na misericórdia e tudo o mais.

Plano 43: 3 seg. PP do nome Anna e o desenho de um coração flechado.

L.: Mas os mortos estão mais felizes mortos. Não estão perdendo nada.

Plano 44: 1 seg. Harry olha para Harry Plano 45: 3 seg. Harry olha novamente para o amigo e se volta para fora do campo.

L.: No que acredita?

Plano 46: 6 seg. Os dois em PA.

L.: Se tirar Anna disto, cuide dela. Ela merece. Deveria Ter pedido que me trouxesse mais destes.

Plano 47: 46 seg. Os dois saem da cabine. Harry procura acercar-se do amigo para concluir a conversa e em tom jocoso continua (A câmera se desloca e toma-o em PA).

L.: É que não há mais ninguém em Viena em quem eu confie. E fomos amigos. Gostaria que se decidisse. É você que eu quero. E não a polícia. Lembre-se disso. Não fique assim. Afinal não é tão mau assim. A Itália passou trinta anos sobe os Bórgia. Houve guerra, banhos de sangue e terror. Mas houve também Micheangelo, Da Vinci e a Renascença. A Suiça tem o seu amor fraternal. Século de democracia e paz. O resultado? O relógio de cuco. Adeus Holly.

Plano 48: 1 seg. Holly olha o amigo que se afasta.

Acordes do tema de Harry.

Plano 49: 7 seg. Harry se afasta.

Os acordes acompanham todo o plano.

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5. Universo diegético: O terceiro homem começa num estilo claramente documental, narração em terceira pessoa e cenas de ruas, enfatizando o problema do mercado negro que será o contexto para situar a falsificação de penicilina (elemento central de seu anticomunismo). O plano “Chegada de Holly Martins à zona russa” apresenta o problema da decadência do setor russo como elemento central na caracterização. A outra seqüência analisada (“Encontro de Holly Martins e Harry Lime na zona soviética”) segue-se ao plano e reforça este elemento apresentado anteriormente, na medida em que apresenta a roda gigante vazia: “antes as crianças brincavam, agora não têm mais dinheiro”, diz Harry Lime. 6. Leitura isotópica: A análise de O terceiro homem se limitou a recortar duas seqüências e um plano diretamente ligados ao tema. A Guerra Fria é um elemento secundário ao problema central da obra, que é a fidelidade circunstanciada por imperativos éticos. As duas seqüências e o plano recortados podem ser lidos como uma rede temática: “Viena ocupada e a decadência da zona russa”, no entanto, neste caso, não definimos propriamente redes temáticas, mas a visão do anticomunismo que o filme expressa nestas passagens.

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Anjo do mal Gênero: thriller de espionagem 1.Ficha técnica: Título: Pick-up on south street, Estados Unidos (em português Anjo do mal) Ano: 1952 Estúdio: Twentieth Century-Fox Duração: 80 min Direção: Samuel Fuller Produtor: Jules Shermer Roteiro: Samuel Fuller, baseado numa história de Dwight Taylor Diretor de fotografia: Joe MacDonald Montagem: Nick De Maggio Música: Leigh Harline Direção musical: Lionel Newman Direção de arte: Lyle Wheeler e George Patrick Vestuário: Travila; Som: Winston H. Leverett e Harry M. Leonard; Distribuição: Twentieth Century-Fox; Cópia analisada: gravação em VHS a partir de exibição na televisão; Personagens e intérpretes principais: Skip McCoy (Richard Widmark), Candy (Jean Peters), Moe (Thelma Ritter), Murvyn Vye, Joey (Richard Kiley), Willis B. Bouchey e Milburn Stone.

2. Resenha crítica: Microfilme a ser desviado para fora dos Estados Unidos é roubado no metrô por batedor de carteira. A jovem que faria a entrega é uma prostituta que namora um dos comunistas envolvidos na operação. A polícia e o FBI, que já acompanhava o caso, tentam convencer o batedor de carteira a devolvê-lo, mas ele está interessado em negociar com os comunistas. Apaixonada pelo ladrão, a jovem recupera o microfilme e colabora na caça ao comunista. A principal marca de Anjo do mal é sua posição ambivalente. É terrivelmente duro com os comunistas, da mesma forma que revela dissenções no âmbito do sentimento patriótico. Os comunistas são gângsters, mas a personagem principal, o batedor de carteira Skip McCoy (Richard Widmark) desdenha o apelo patriótico do agente do FBI. A despolitização da atividade política é visível no tratamento reservado aos comunistas, são executivos do crime, bem vestidos, fumando charutos e dando ordens para um alucinado Joey (Richard Killey), que eles contratam para fazer o trabalho sujo. O anticomunismo é naturalizado na expressão dos personagens oriundos das classes subalternas. Candy (Jean Peters) decide “ajudar a combater o comunismo”, sem saber absolutamente do que se trata, quer apenas salvar o namorado (Richard Widmark), da mesma forma Moe (Thelma Ritter) rejeita os comunistas, dizendo que mesmo marginais, como ela e Skip devem ter limites e não se envolver com esse tipo de gente e mesmo sob a ameaça de Joey não negocia com “nojentos como ele”. Fuller não é um ingênuo, certamente tem apelo o anticomunismo vindo das classes populares. A narrativa tem um ritmo atraente e mantém a carga emocional característica do diretor Samuel Fuller.

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3. Contexto histórico-temático Este é o sexto filme de Samuel Fuller, diretor americano que realizou outros quatro filmes com temática anticomunista: The steel helmet (Capacete de Aço244,1950), Fixed bayonets (Baionetas caladas, 1950), Hell and High Water (Tormenta sob os mares, 1953) e China Gate (No umbral da China, 1957). Fuller nasceu em 1911 e morreu em 1997. Foi jornaleiro, repórter policial, roteirista de cinema e diretor. Durante os anos 30, percorreu os Estados Unidos, desempregado. Em 1942, se alistou no Exército, participou do desembarque na Normandia, sendo condecorado por bravura. Dirigiu 23 filmes com seu nome e outros cinco não atribuídos a ele e escreveu 33 roteiros. Esteve no Brasil, em 1954, para pesquisar locações para um filme que jamais realizou, Trigrero. Trechos filmados no Brasil foram usados em Shock corridor (Paixões que alucinam, 1960). Em 1982, foi morar na França, depois que seu filme White dog foi considerado racista. Apareceu interpretando a si mesmo em Pierrot le fou, de Jean-Luc Godard, é neste filme que ele afirma que “cinema é um campo de batalha. O cinema é ação, sexo, violência ... em uma palavra, emoção em movimento. Cinema é emoção”. O seu anticomunismo lhe trouxe duras críticas de Georges Sadoul: “Samuel Fuller é o McCarthy do cinema. Além do papel eminente que teve na caça às bruxas, tornou-se realizador depois de 1950 com uma série de filmes exclusivamente consagrados à guerra da Coréia e à cruzada antivermelha. Vi vários desses filmes (entre os quais o ignóbil Pickup on south street, apresentado em Veneza em 1953. O seu nível artístico é muito inferior ao do Jude Süss [filme anti-semita de Veit Harlan, de 1940, entre vários produzidos pelo governo nazista alemão]. Nenhuma, absolutamente nenhuma qualidade formal o poderia recomendar à atenção de algum crítico”.245

Alguns críticos dos Cahiers du cinèma vão insistir exatamente neste ponto: abstrair o conteúdo fascista dos filmes de Fuller e identificar neles a riqueza formal, como é o caso de Antoine de Baecque, que chega a dizer que o anticomunismo de Anjo do mal é insignificante porque está apenas na história, “nem os enquadramentos, nem a mistura, nem a montagem são moscovofóbicos ...”246 Nos Estados Unidos, Fuller tem admiradores em Martin Scorsese e Andrew Sarris, que assim comentam sua obra, respectivamente: “Samuel Fuller era um forte antídoto contra a complacência dos Estados Unidos durante a Guerra Fria. Nenhuma ideologia escapou de sua ironia mordaz. A hipocrisia americana foi seu alvo constante”.247 “Fuller é um autêntico primitivo do cinema americano, cujas obras têm de ser vistas para serem compreendidas; vistas, não ouvidas ou resumidas”.248 Fuller, ao contrário de Kazan, nunca assumiu uma postura claramente anticomunista. Dizia que Sadoul não compreendera seus filmes sobre a Coréia nem Anjo do mal. A sua posição se aproxima mais de Don Siegel: tanto o patriotismo tolo como os comunistas são duramente retratados na sua obra. 4.Sintaxe narrativa: 1. Créditos. Até 1min9s; 2. 244

Primeira parte: O roubo do microfilme

Já encontrei referência ao título em português como sendo Eu vivi o inferno da Coréia ou O inferno da Coréia. 245 Antoine de BAECQUE, op. cit., pp. 259-260. 246 Ibid., p. 301. 247 Martin SCORSESE, Uma viagem pessoal através do cinema americano, parte 3. 248 Diário da Tarde, 20-3-1983.

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2.1. Punguista rouba carteira de jovem no metrô, observado por dois homens. Até 3min40s. 2.2. Quando chega à estação, a jovem percebe que foi roubada, e nervosa, liga para alguém perguntando se deve ir ao encontro mesmo assim. O homem que atende ordena que volte imediatamente. Um dos homens continua seguindo-a . Ate 5min16s. 2.3. O outro, o agente Zara do FBI, vai à delegacia e pede ajuda para encontrar o ladrão. Os comunistas estão envolvidos, e o agente Zara diz que esta moça passa informações para eles. Todos os envolvidos já são conhecidos, menos o que receberia as informações, que deve ser o chefe e encarregado de “fazê-las atravessar o oceano”. Até 6 min. 2.4. Candy (a moça do metrô) explica a Joey, seu ex-namorado, o que aconteceu. Joey insiste para que ela o ajude a encontrar o ladrão da carteira, pois lá se encontra um microfilme contendo uma fórmula química importante. Candy conclui que a fórmula fora roubada e Joey reage dizendo que eles não são criminosos. Até 8 min2s. 2.5. Na delegacia, o Capitão Tiger decide procurar uma informante, Sra. Moe, para ajudar na localização do batedor de carteira. Moe vende gravatas e informações para comprar uma sepultura digna. Depois de acertarem o preço, chegam a Skip McCoy. Até 14min25s. 2.6. Enquanto McCoy guarda os objetos roubados, entre eles o filme, dois policiais chegam. Um deles revista o local de moradia (um posto de venda de material de pesca no porto), o outro leva-o à delegacia. Até 17min26s. 2.7. Na delegacia, McCoy é pressionado por Tiger a colaborar. O agente Zara confirma que o viu roubando a moça do metrô, mas McCoy diz que precisam encontrar os objetos roubados para incriminá-lo. Zara revela a importância do filme e da operação. Apela para seu patriotismo e o ameaça de puni-lo por traição. Se não entregasse o microfilme estaria agindo como aqueles que entregaram o segredo da bomba a Stalin. McCoy desdenha o apelo e a ameaça. O Capitão Tiger o fizera um perdedor, portanto que não viessem agora como essa “droga de patriotismo”. Até 20min57s. 3. Segunda Parte: O segredo do microfilme 3.1. McCoy pega o filme e sai, ao perceber que é seguido, faz o policial perder sua pista e dirige-se à biblioteca pública. Até 22min13s. 3.2. Na seção de microfilmes, vê a fórmula na máquina de leitura. Até 23min48s. 3.3. Candy consegue o endereço de Moe. Até 25min13s. 3.4. Candy encontra Moe, que lhe dá o endereço de McCoy por 50 dólares. Até 27min6s. 3.5. Candy vai à casa de McCoy e tenta encontrar o filme; ao surpreendê-la no escuro, McCoy dá-lhe um soco; quando Candy acorda tem início um jogo de sedução que termina com McCoy despachando-a rudemente e fazendo-a entender que há mais alguém interessado no filme. A pontuação jazzística e os poucos planos dão à seqüência grande dinamismo. A polícia e o FBI acompanham o encontro e, em seguida, Tiger tenta convencer McCoy a colaborar em troca da retirada das queixas contra ele, assim deixaria de ser um perdedor. McCoy desdenha novamente as ofertas, insistindo em não dar nenhum crédito às promessas de Tiger Até 34min58s. 3.6. Joey convence Candy a voltar a McCoy com dinheiro para reaver o filme. Joey não pode se arriscar indo lá. Até 37min27s. 3.7. De volta à casa de McCoy, Candy sugere estar apaixonada por ele, beijamse; quando diz que tem 500 dólares, ele a empurra e diz saber o valor do filme. Não acredita que ela não saiba do que se trata, ele “negocia como uma comunista, mas não acredita

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nela”. Candy dá um tapa em McCoy, que a expulsa, dizendo que só terá o filme se volta com 25000 dólares. Até 42min43s. 4.Terceira Parte: Os comunistas em ação 4.1. Candy expõe a situação para Joey e mais dois homens que o pagam para cuidar de McCoy. O homem que parece ser o chefe diz que Joey tem um prazo até o dia seguinte à noite para resolver o problema. Ao sair, deixa-lhe uma arma. Até 45min36s. 4.2. Candy procura Moe e fala de suas apreensões. Dera a Joey um endereço falso, mas teme que acabe encontrando McCoy. 46min58s. 4.3. Moe encontra McCoy e o repreende por estar fazendo negócios com vermelhos: “mesmo no nosso tipo de negócios, temos de ter limites”. Até 49min20s. 4.4.Cansada, Moe chega em casa, coloca um disco na vitrola e deita-se; percebe que ao seu lado se encontra Joey. Moe diz que sabe que os comunistas querem um filme que não é deles e, decididamente, não está disposta a colaborar: “mesmo um enterro bonito não a espera, se tiver de negociar com nojentos como você”. Conclui dizendo que está tão cansada que ele faria um favor se explodisse sua cabeça. Uma panorâmica se desloca da cama para o toca-discos, de onde se ouve os últimos acordes da música e o tiro. Até 54min37s. 4.5. A polícia chega à casa de McCoy e o prende como suspeito pelo assassinato de Moe. Um agente do FBI chega ao local e diz que McCoy deve ser solto. 4.6.McCoy evita que Moe seja enterrada como indigente. Até 57min45s. 5.Quarta parte: Em busca dos comunistas 5.1. McCoy encontra Candy em sua casa. Ela se sente culpada pela morte de Moe e deixa claro que não é comunista, como ele pensava. McCoy pede o endereço de Joey e pega o filme. Quando Candy percebe que ele continua querendo vendê-lo, o atinge pelas costas, pega o filme e sai. Até 1h1min24s. 5.2. Candy leva o filme à delegacia, dizendo que foi McCoy que mandou entregar. O agente Zara e o Capitão Tiger a convencem a ajudá-los a “combater o comunismo”. Candy deve levar parte do microfilme para Joey; Zara fica com a outra. A jovem liga para Joey e Zara diz, aliviado, que sempre soube a diferença entre um traidor e um batedor de carteira. Até 1h3min45s. 5.3. Candy vai à casa de Joey com o filme. A polícia já cercou a casa. Joey dá por falta de um negativo. Como Candy não se dispõe a dar o endereço de McCoy, Joey a agride e quando ela tenta fugir, atinge-a com um tiro. A polícia invade o apartamento, mas Joey consegue fugir. Até 1h9min33s. 5.4. McCoy vai ao hospital onde está Candy. Ela diz que Joey deu pela falta de um negativo e quis saber onde ele morava. McCoy parece consternado. Candy pede que ele se livre de Joey, pois agora ele está “limpo” e ela prefere “um ladrão vivo que um traidor morto”. Até 1h12min35s. 5.5. Joey e outro homem vão à casa de McCoy, que observa escondido. Joey vai entregar parte do microfilme, conforme a exigência do chefe comunista. McCoy segue-o .Até 1h14min49s. 5.6. No metrô, McCoy rouba a arma de Joey. Na estação, McCoy surpreende Joey passando o microfilme para outro comunista. McCoy atinge um, Joey foge pela estação, sendo perseguido por McCoy. Os dois lutam violentamente, até Joey ser nocauteado. Até 1h18min47s.

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5.7. McCoy volta a delegacia, pega seus papéis de soltura e sai com Candy. Tiger acha que em trinta dias será preso “com a mão no bolso de alguém”, Candy duvida. Até 1h20min13s. 5. Universo diegético: Quando Candy argumenta junto a McCoy a sua necessidade em obter o filme, afirma tratar-se de fotos do irmão que luta na Guerra da Coréia, sugerindo que a narrativa é contemporânea ao evento. O agente do FBI compara a resistência de McCoy em colaborar com aqueles que “entregaram o segredo da bomba a Stalin”, numa referência ao casal Rosemberg e a outros que teriam colaborado com os comunistas, como o personagem dr. Norman de Cortina de ferro. 6. Leitura isotópica: As duas redes temáticas centrais em Anjo do mal são complô e contra-complô e seu desdobramento na caracterização dos conspiradores e contra-conspiradores (2.3, 3.7, 4.1,4.4, 5.5) e o indivíduo/coletividade/patriotismo (2.7, 5.2, 5.4 e 5.7). Enquanto o batedor de carteira, Skip McCoy (Richard Widmark) está interessado em apenas ganhar dinheiro negociando o microfilme, sem nenhuma preocupação com qualquer interesse coletivo, sua amante Candy, motivada pelo desejo de preservar a vida do namorado, se engaja ao lado do contra-complô.

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Matar ou morrer Gênero: western 1.Ficha técnica: Título: High noon, Estados Unidos, (em português, Matar ou morrer) Ano: 1952 Estúdio: United Artists Corporation Duração: 85 min Direção: Fred Zinnemann Produção: Stanley Kramer (Stanley Kramer Productions) Supervisor de produção: Clem Beauchamp Roteiro: Carl Foreman, baseado no conto The tin star, de John W. [sic, i.e., M] Cunningham Direção de fotografia: Floyd Crosby Supervisor de edição: Harry Gerstad Edição: Elmo Williams Desenhista de produção: Rudolph Sternad Música: Dimitri Tiomkin Canção: High noon, de Dimitri Tiomkin (música), Ned Washington (letra), executada por Tex Ritter Direção de arte: Ben Hayne Cenografia: Murray Waite Cópia analisada: fita em VHS distribuída por Herbert Richers Personagens principais e intérpretes: Will Kane (Gary Cooper), Jonas Henderson (Thomas Mitchell), Harvey Pell (Lloyd Bridges), Helen Ramirez (Katy Jurado), Amy Fowler Kane (Grace Kelly), Juiz Percy Mettrick, Martin Howe (Lon Chaney Jr.), Sam Fuller (Henry Morgan), Frank Miller (Ian McDonald), Mildred Fuller (Eve McVeagh), Pastor (Morgan Farley), Cooper (Harry Shannon), Jack Colby (Lee Van Cleef), James Pierce (Robert Wilke), Ben Miller (Sheb Wooley) e outros.

2. Resenha crítica: O xerife Will Kane, recém-casado e disposto a tornar-se pequeno comerciante, se vê obrigado a abandonar seus planos para enfrentar criminoso que prendera há cinco anos e fora agora libertado pelas “autoridades do Norte”. Abandonado pela comunidade e pela mulher, Kane está sozinho contra um desafio aparentemente além de suas forças. Situado no interior do sistema hollywoodiano, este filme consegue elaborar uma crítica ao medo coletivo de uma cidade do oeste americano frente às pressões das “autoridades do norte”. Tem sido visto como uma metáfora do medo que atingiu a sociedade americana na caça às bruxas. Abandonado por todos (a mulher recua no final dessa posição e apenas um jovem permanece disposto a ajudá-lo até o fim), a saída é uma ênfase significativa no esforço individual. Kane, praticamente sozinho, apenas com a ajuda, no último momento, da mulher, consegue eliminar os quatro pistoleiros que o desafiavam. A narrativa se desenvolve em tempo real e mantém um sensível equilíbrio entre a preparação e o desfecho dramático da última parte. O isolamento do herói é caracterizado por expressivos travellings para trás, na parte final do filme. O primeiro travelling enfatiza uma solidão irremediável e ainda marcada pela imobilidade; o segundo travelling, realizado com grua, mostra o herói sozinho, num plano americano, mas à medida que a tomada se transforma num imenso plano geral, a figura de Kane se dilui na paisagem da cidade, que o abandonara, e caminha resolutamente em direção à estação.

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Neste momento a semiose-guia é a imagem, revelando um esforço de elaboração de linguagem que situa o filme entre aquelas obras com possibilidade de permanência, para além de simples produto cultural. Matar ou morrer está situado na fase que André Bazin chamou de superwestern. Após o período clássico, que teve seu auge na década de 40, o pós-guerra viu surgir um estilo novo de fazer filmes do gênero. Elementos além do modelo vigente até então eram incorporados, de ordem sociológica, moral, psicológica, etc., para supostamente enriquecêlo.249 Matar ou morrer é um exemplo típico dessa fase, com seu mergulho na psicologia angustiada de Will Kane, nos conflitos de Amy Fowling sobre a ética quacre e o desejo de ajudar o marido, além da metáfora da caça às bruxas e o debate sobre os limites do liberalismo. 1. Contexto histórico-temático e universo diegético: Matar ou morrer começou a ser rodado no outono de 1951. No entanto, desde 1948 Carl Foreman e Stanley Kramer pensavam em trabalhar em algo semelhante. Tinham sido procurados por um representante da Nações Unidas que sondara a possibilidade de se fazer um filme sobre a ONU. Foreman pensava em dar um enfoque indireto ao tema usando o western, começou a escrever o roteiro e como estivesse muito semelhante ao conto de John Cunnigham, comprou os direitos. As locações são definidas e Zinnemann acerta com o fotógrafo Floyd Crosby o tipo de fotografia que deseja: o estilo de “cinejornal” que já havia adotado em outros filmes. Para isso, Crosby baseia-se nas fotografias de Matthew Brady da Guerra da Secessão. O orçamento foi calculado em US$ 794.000 e contou com a participação substancial de um plantador de alface da Califórnia; tratava-se de um orçamento abaixo do custo médio, que estava por volta de US$ 900.000. A filmagem durou vinte e oito dias e correu eficiente embora tensa: Gary Cooper saíra de uma cirurgia e um casamento desfeito, sofria de artrite, dor lombar e úlcera, o que tornava fácil seguir a recomendação de Zinnemann de parecer “cansado”. A tensão vivida por Grace Kelly pode ser atribuído ao fato de representar seu primeiro papel importante. Além da abordagem inovadora do diretor, criando perplexidades e resistências, acrescentese a presença de um esquerdista no comando, já que o roteirista Foreman também era produtor associado. A 24 de setembro de 1951, no meio das filmagens de Matar ou morrer, Carl Foreman é intimado a depor no Comitê, na audiência recusa-se responder as perguntas. Gary Cooper se solidariza, mas Stanley Krammer rompe com o sócio. Têm início as negociações para o acordo em razão do afastamento de Foreman. Críticas entusiásticas após a pré-estréia faziam prever boa receptividade de público. Em 18 semanas, apurou US$ 2,5 milhões de dólares, sendo o filme que mais depressa se pagou na história da United Artists. Pode-se dizer que situa-se de médio a alto porte no que se refere a bilheteria. Em 1953 ganhou quatro Oscars: melhor montagem, partitura, canção e ator e Zinnemann foi escolhido o diretor do ano pelos críticos de Nova York. Zinnemann (1897-1997) realizava com Matar ou morrer seu décimo-primeiro filme, um dos mais bem sucedidos de sua carreira, juntamente com A um passo da eternidade (1953) e O homem que não vendeu sua alma (1966). Foi bastante influenciado por Robert Flaherty (1884-1951), conceituado diretor americano de filmes documentários. Sempre que possível o estilo do cinejornal estava presente em suas obras, como em Matar ou morrer. Olivier-René Veillon assim o definiu: “Zinnemann desempenha o papel ambíguo daquele que, radicalizando as contradições das quais a época é portadora, lhes dá também a forma 249

André BAZIN, O que é cinema?, p 245.

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que as torna suportáveis”. 250 “Nós o homenageamos por seus filmes e seu caráter, coragem, integridade e dedicação a estes princípios”, assim George Stevens falou ao entregar-lhe , em 1970, o Prêmio D. W. Griffith, do Directors Guild of America. 2. Sintaxe narrativa: 1. Prólogo e créditos iniciais: 1.1. Ao som da canção High noon, vemos três homens se encontrarem e seguirem juntos. Até 2min43s. 1.2. Os três homens chegam à cidade no momento em que se ouve os sinos da igreja que convidam para o culto de domingo; por onde passam causam temor e curiosidade. Alguém comenta que o dia promete ser agitado. Um dos cavaleiros se posiciona de forma ameaçadora em frente à delegacia. Até 4min8s. 1.3. Os cavaleiros passam em frente a um cartório, onde Will Kane e Amy estão se casando. Até 4min32s. 1.4. Os três passam em frente à barbearia, onde um relógio marca 10h35min e se dirigem à estação, que possui uma placa com o nome da cidade – Hadleyville. O chefe da estação lê um telegrama que o deixa preocupado. Os cavaleiros se instalam na estação e o telegrafista, amedrontado, sai para entregar a mensagem. Até 6min15s. 2. Primeira parte: O casamento e a entrega do cargo 2.1. O casamento é realizado e os convidados confraternizam-se com os noivos. Até 7min2s. 2.2. A confraternização prossegue e uma outra cerimônia começa: a entrega do cargo de xerife, pois Kane agora vai gerenciar uma pequena loja, como deseja Amy. Após Kane entregar a estrela à Junta de Escolha da comunidade, o telegrafista chega: a mensagem diz que Frank Miller, criminoso preso por Kane e condenado à prisão perpétua há cinco anos, fora solto. O relógio marca 10 h e 40 min. Relutante, mas convencido pelos amigos, Kane parte com Amy. Até 10min12s. 2.2.1.Na sacada de um prédio, um homem com distintivo vê os dois se afastarem com muita pressa e comenta com uma mulher. Esta intrigada pede que um empregado investigue. Até 11min7s. 3. Segunda parte: O retorno e a busca de apoio 3.1. Kane decide voltar, diz para Amy que nunca fugira de ninguém. Ela não compreende e ele diz que não adiantaria explicar. Até12min35s. 3.2. Kane procura convencer Amy que ele deve ficar e enfrentar os pistoleiros. Não poderia deixar a cidade nas mãos de um louco porque ali estavam os amigos. E fugindo ele não conseguiria a loja que tanto queriam. Amy implora para que fujam e diz que ele “não precisa ser um herói para ela”. Kane, irritado replica: “Não quero ser herói. Esta é a minha cidade. Tenho amigos aqui”. Amy é quacre251 e não vê sentido nos argumentos do marido; diz que sairá da cidade no primeiro trem: “Não vou esperar para saber se serei ou não viúva”. Até 16min14s. 3.3. Amy se dirige à estação e o juiz chega para arrumar suas coisas. Retira a bandeira americana que estava pendurada na parede, uma balança, do tipo símbolo da Justiça e alguns livros. Está pronto para partir, diz que “não há tempo para lições de civismo”. 250

251

Olivier-René VEILLON, O cinema americano dos anos cinqüenta, p. 287.

Seita religiosa fundada na Inglaterra, no século XVII, muito difundida nos Estados Unidos; entre outros aspectos, os quacres rejeitam o uso de armas.

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Compara a situação de Hadleyville à Atenas do século V, que foi condescendente com o tirano que retorna, depois de expulso, e conclui dizendo que algo assim acontecera em Indian Falls. Por último, diz que não tem mais um anel para comprar sua vida, como fizera há tempos atrás. Termina lembrando a ameaça de Frank Miller a Kane: “Nunca irá me enforcar! Juro que voltarei e matarei você!” Aqui ouvimos a voz de Miller em flash-back e a cadeira vazia onde fora julgado. Até 18min3s. 3.4. Amy compra o bilhete do trem para St. Louis e Ben Miller demonstra interesse ao vê-la. Até 18min41s. 3.5. São 10 h e 50 min, Helen Ramirez e Harvey Pell conversam. Ambos acham que Kane irá procurá-lo. Harvey tem raiva de Kane. De repente, parece ter uma idéia e sai do hotel. Até 19min31s. 3.6. O juiz se despede dizendo: “Estamos numa cidadezinha no meio do nada. Nada é importante aqui. Saia!” Até 20min3s. 3.7. Harvey chega à delegacia (no relógio já passam das onze horas) e oferece sua ajuda em troca da nomeação para delegado. Kane diz que não irá comprar sua ajuda e que ele terá que decidir. Harvey devolve a estrela, pendura as armas na parede e vai embora. Até 22min36s. 3.8. Na estação, os três pistoleiros esperam com ansiedade, um deles bebe. Até 23min12s. 3.9. Helen e Harvey se desentendem. Ela não aprova que ele tenha contado a Kane que estão juntos e o põe para fora do quarto. Harvey diz que Frank Miller também acabará com ela. Até 24min43s. 3.10. Helen olha o relógio do quarto: 11h e 05 min, o empregado bate à porta e ela diz que está tudo bem. Ele pergunta se deve ajudar Kane e ela responde não. Até 25min19s. 3.11. Amy chega ao hotel, onde vai aguardar a chegada do trem. Até 25min7s. 3.12. O empregado de Helen chega à igreja e faz um sinal para um dos presentes – o Sr. Weaver, que sai imediatamente. Até 26min50s. 3.13. Kane na delegacia recebe um voluntário que estranha ele ainda não ter mais ninguém para ajudá-lo. Até 27min58s. 3.14. Helen recebe o Sr. Weaver e acerta com ele a venda da loja. Até 29min26s. 3.15. Kane procura Helen para avisá-la que Frank Miller está de volta. No saguão do hotel, Kane e Amy se surpreendem, pensando que ambos teriam mudado de idéia, mas logo se decepcionam. No quarto, Kane e Helen, têm um breve momento de nostalgia do romance que viveram (trocam duas frases em espanhol), por fim, ele recomenda que ela vá embora. Até 32min9s. 3.16. Amy pergunta ao dono do hotel quem é Helen Ramirez. Até 33min5s. 3.17. Na estação, Ben Miller diz que vai beber alguma coisa. Um dos pistoleiros diz para que não se meta com Kane e sua mulher. Até 33min47s. 3.18. Harvey entra no saloon, seguido de Ben, que é recebido com alegria pelos demais. Acham que a cidade vai “esquentar naquele dia”. Até 35min11s. 3.19. No saloon Kane não tem nenhum sucesso, mesmo entre aqueles que o ajudaram outrora há desconfianças: hoje ele não tem mais os seis ajudantes fixos daquele tempo. Até 38min11s. 3.20. Kane sai desolado do saloon, olha para a delegacia, que continua com o mesmo aviso na porta. O rosto está contraído e ele continua a caminhar pelas ruas da cidade. Até 38min43s. 3.21. Kane procura Fuller que, contrariando a mulher ordena que ela diga que não está em casa. Até 40min27s.

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3.22. Um bêbado chama por Kane e diz que está disposto a lutar ao seu lado. Kane não pode levá-lo à sério e lhe dar alguns trocados para a bebida. Até 40min58s. 3.23. Harvey procura Helen e tenta convencê-la a ficar. No entanto, ela acha que Frank Miller vai matar Kane e a cidade morrerá com ele. Harvey se aproxima para beijá-la à força, ela diz que só gosta que a toquem quando quer, como ele insiste, ela o esbofeteiao. Até 42min58s. 3.24. Kane chega à igreja e pede ajuda. Um grupo de voluntários se dispõe a colaborar. No entanto, alguém questiona o fato de Kane não ser mais delegado e haver problemas entre ele e Miller. O culto é interrompido, com as crianças sendo retiradas e tem início a “assembléia”. Até 45min27s. 3.25. Na estação, os pistoleiros aguardam impacientes. Até 45min53s. 3.26. Várias opiniões vão sendo dadas de apoio a Kane. Alguém lembra que se Frank Miller está de volta a culpa é das autoridades do Norte, que não o enforcaram. Um mulher se levanta e repreende aqueles que se negam a apoiar o xerife: “Não se lembram de quando nossas ruas não eram seguras?” Por fim Jonas Henderson, conselheiro da cidade e amigo de Kane, convence o público que a presença do delegado vai trazer de volta a violência e a cidade perderá o apoio dos capitalistas do Norte. Conclui: “Will, é melhor ir embora enquanto há tempo. É melhor para você e pra nós”. Kane agradece e vai embora. Até 50min47s. 3.27. Kane prossegue sua peregrinação pela cidade. Até 51min47s. 3.28. Kane vai à casa de Martin Howe, o antigo xerife, e o encontra doente. Além disso, Mart está descrente com a função que exerceram: eles prendem os assassinos e o júri liberta. Olhando para o relógio que marca 11h e 45 min afirma: “É tudo em vão, Will. É tudo em vão”. Até 54min26s. 3.29. Kane caminha sozinho pela cidade. Até 57min36s. 3.30. Kane dirige-se ao estábulo. Harvey, que bebe no saloon o vê e o acompanha. Lá , Kane revela que pensou em fugir, pois estava cansado. Harvey sela o cavalo e pretende fazê-lo montar. Kane não quer mais fugir e reage quando Harvey o força, lutam e Kane deixa Harvey desacordado. Até 1h2min33s. 3.31.Amy, enquanto espera no hotel, visita Helen, que diz-lhe como odeia a cidade por ter sido discriminada como mexicana. Amy diz compreendê-la, Helen não, pois “lutaria até a morte por um homem como Kane”. Até 1h3min3s. 3.32. Kane vai à barbearia para lavar os ferimentos da briga e ouve o barulho do marceneiro fazendo caixões. 4. Terceira parte: O confronto 4.1.Na estação, os pistoleiros preparam-se para o grande momento: tiram as esporas. Até 1h4min12s. 4.2.Kane sai da barbearia e prossegue sua jornada pelas ruas, põe a mão no bolso, mas um relógio fora da tela já lhe diz as horas. De volta à delegacia, encontra Herb Baker, que não se dispõe mais a enfrentar o bando em tão clara desvantagem. Kane chega ao clímax da angústia, joga a estrela , deixada por Herb, no chão e curva-se sobre a mesa. O menino que tentara localizar as pessoas se aproxima e se oferece para ajudá-lo, Kane recusa e olha para o relógio: são 5 para o meio-dia. Começa a se preparar para a batalha. Até 1h7min31s. 4.3.Kane começa a escrever seu testamento. Ouvimos apenas o tic-tac do relógio. Junto com o retorno da música, assistimos a uma seqüência que resume a carga dramática do filme com a aparição de todos os personagens marcantes na trama, situações espaciais e figurativas relevantes, como a cidade vazia, a cadeira vazia e os diversos relógios que pon-

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tuaram o desenvolvimento do drama. A música termina com o primeiro apito do trem (o trem irá apitar três vezes252). Até 1h10min52s. 4.4.Amy e Helen partem para a estação. Até 1h11min. 4.5.Kane sai à rua e olha. A câmera adota o plano ponto de vista do personagem e vemos uma panorâmica da rua deserta e virando-se para outro lado, Kane vê as duas mulheres passarem num coche. A câmera alterna primeiros planos e planos americanos de Kane com o plano ponto de vista de Kane sobre as mulheres. Primeiro Amy olha, Helen chega a virar-se para ver Kane. Um travelling para trás faz a imagem de Kane misturar-se ao espaço da rua. Até 1h11min55s. 4.6.Frank Miller chega. As mulheres tomam o trem. Os quatro homens partem em direção à cidade. Até 1h13min30s. 4.7.Primeiro plano de Kane na rua deserta. Plano americano, acompanhado de travelling para trás realizado com grua enfatizando a solidão do personagem; agora a posição contra-plongée intensifica o mergulho no vazio já visto na seqüência 4.5. Até 1h11min53s. 4.8. Montagem paralela dos dois movimentos: os quatro caminham em direção à delegacia e o xerife em direção à estação. Ben Miller quebra uma vitrine para pegar um chapéu (uma referência ao desejo sexual por Amy), com isso Kane se põe alerta. Até 1h15min16s. 4.9. Kane dá o primeiro tiro e atinge um dos quatro. Veremos depois que trata-se de Ben Miller. Até 1h16min6s. 4.10. Amy ouve o tiro, salta do trem e corre em direção ao disparo, percebe que o morto não é Kane e dirige-se à delegacia. Até 1h17min1s. 4.11. Kane , refugiado no celeiro, atinge outro pistoleiro. Miller incendeia o local e Kane escapa em meio aos cavalos em fuga. Até 1h20min25s. 4.12. Kane cai na fuga e se esconde numa casa. Até 1h20min48s. 4.13.Amy, na delegacia, depois de ler o testamento de Kane, observa dois pistoleiros. Enquanto um deles recarrega a arma, Amy o atinge. Até 1h22min. 4.14. Miller percebe de onde veio o tiro, invade a delegacia e faz Amy de refém. Kane sai da casa e Amy volta-se contra Miller, atingindo-o no rosto. Kane atira e o mata. Kane e Amy se abraçam, a população se aproxima, o xerife joga a estrela no chão e parte com a mulher. Até 1h24min18s. 5. Universo diegético: O tempo indicado no roteiro de Carl Foreman é início de 1870, Hadleyville estaria localizada em algum lugar do Oeste e a sua história estaria marcada por um passado de desordem e violência e o presente de tranqüilidade e alguma perspectiva de crescimento econômico. Na igreja, o conselheiro Jonas Henderson argumenta em favor do não apoio ao xerife tendo em vista recursos econômicos oriundos do Norte. As referências ao que está fora são vagas: Frank Miller esteve em Abilene, Amy Fowler Kane está prestes a voltar para St. Louis e Will Kane e Amy estão partindo de Hadleyville, mas não se sabe para onde. Há dois registros visuais que nos oferecem informações sobre o final do século XIX: no trajeto da estação à delegacia, o bando de Miller passa por um cartaz que anuncia Mazzepa, melodrama popular no início da década de 1860 e na sala do xerife outro cartaz informa sobre a convocação de tropas adicionais, apontando para a Guerra da Secessão (1861-1865). Como a referência a 1870 está apenas no roteiro e no desenvolvimento da narrativa são nulas as referências históricas mais precisas, os dois únicos problemas na caracterização do universo diegético são a data de 1888 estampada num prédio no início do 252

Em Portugal, o filme recebeu o singelo título de O comboio apitou três vezes.

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filme e o letreiro “Sierra Railroad”, referindo-se a uma empresa só passou a existir em 1890.253 6. Leitura isotópica: As redes temáticas em Matar ou morrer são indivíduo e coletividade (2.2, 3.24, 3.26, 4.5, 4.6 e 4.7), indivíduo/propriedade/estabilidade da cidadania (2.2 e 3.2) e a amizade/lealdade como imperativo categórico (3.2, 4.10 e 4.13). Preferimos não incorporar à leitura do filme a alegoria da política externa americana por não encontrarmos elementos muito consistentes para justificá-la.254

253

Phillip DRUMMOND, Matar ou morrer, p. 75. Harry Shein, em The Olympian Cowboy, desenvolve esta abordagem. Cf. Phillip Drummond, op. cit., pp. 94-95

254

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Viva Zapata! Gênero: drama histórico 1.Ficha técnica: Título: Viva Zapata! (em português Viva Zapata!) Ano: 1952 Estúdio: Twentieth Century-Fox Duração: 113 min Direção: Elia Kazan Produção: Darryl F. Zannuck Roteiro: John Steinbeck, baseado no romance Zapata, the unconquerable, de Edgcumb Pinchon Direção de fotografia: Joe Mac Donald Edição: Barbara McLean Música: Alex North Direção de arte: Lyle Wheeler e Leland Fuller Efeitos fotográficos especiais: Fred Sersen Som: W. D. Flick e Roger Herman Cor: Preto e branco Cópia analisada: fita em VHS a partir de exibição na televisão Personagens principais e atores: Zapata (Marlon Brando), Josefa (Jean Peters), Eufemio (Anthony Quinn), Fernando (Joseph Wiseman), Don Nacio (Arnold Moss), Pancho Villa (Allan Reed), Margo (Soldadera), Madero (Harold Gordon), Pablo (Lou Gilbert), Mildred Dunnock (Senhora Espejo), Huerta (Frank Silvera), a tia (Nina Varela), Senhor Espejo (Florenz Ames), zapatista (Bernie Gozier), Coronel Guajardo (Frank De Kova), General Fuentes (Joseph Granby), Inocente (Pedro Regas), Diaz (Fay Roope), Don Garcia (Harry Kingston), Oficial (Ross Bagdasarian) e outros.

2. Resenha crítica: História pretensamente inspirada na trajetória de Emiliano Zapata e Pancho Villa, líderes da Revolução Mexicana de 1910. Particularmente o primeiro é enfatizado no seu romantismo revolucionário e na rejeição ao poder. Zapata participa da luta pela terra e do movimento que leva à queda de Porfírio Diaz em 1911, casa-se com a filha de um comerciante, depõe as armas e volta à luta quando Madero é assassinado. Viva Zapata! tem dois níveis de leitura muito claros. O primeiro procura construir um discurso simpático ao heroísmo e à passividade das massas. Num segundo nível, mais subliminar, fundamenta um discurso anticomunista calcado nos estereótipos já em circulação em 1951, quando o filme foi produzido. Foi realizado, portanto, antes do depoimento de Elia Kazan no Comitê, e pôde ser apresentado pelo diretor como um “filme anticomunista”. Como filme histórico, estabelece uma relação perniciosa com a veracidade dos fatos. Segundo Carlton Beals, especialista em revolução mexicana, “a história épica de Zapata (...) não pode servir como propaganda nem contra nem a favor do comunismo, ou sua dura trajetória pode ser mistificada num discurso ginasiano sobre Gandhi e a democracia, envolto num simbolismo adolescente de um cavalo branco”.255 Howard Lawson listou três afirmações facilmente contestáveis no filme: 1. Zapata nunca renunciou ao poder, pois não chegara efetivamente ocupá-lo; 2. Fernando não corresponde à imagem dos intelectuais mexicanos; a participação dos intelectuais na revolução é considerada bastante madura, havendo troca de opiniões, adesões a palavras de ordem, elaboração de programas, como o Plano de Ayala de 1911, 255

Paul J. VANDERWOOD, An american warrior Cold War, p. 197.

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centrado na reforma agrária e a Convenção Revolucionária de 1914; Eric Wolf considera esta participação de intelectuais o principal ingrediente da revolução, ao lado, de camponeses autônomos capazes de se envolverem em ações políticas próprias. 256 3. Zapata nunca depôs armas, como o filme sugere estar acontecendo na seqüência da visita de Madero a Morelos (3.3), fato interrompido pelo ataque do General Huerta. Poderíamos ampliar bastante a lista de Beals: Zapata não era analfabeto, como também não era um “rancheiro sem rancho”, mas um pequeno proprietário de uma família há muito estabelecida em Morelos. Na verdade, o que Steinbeck-Kazan fazem é juntar aspectos da biografia de Zapata e Villa no personagem Zapata. Villa, de fato, foi analfabeto até ser preso e era um vaqueiro sem terra. Lawson lembra que como o tema central do filme é o “poder corrompe”, Kazan e Steinbeck precisam de um herói que atenda aos seus propósitos políticos, os fatos históricos não lhes interessam. Eles precisam de um líder que se renda pois não há possibilidade do uso racional do poder para fins democráticos e sociais.257 Contestado pelo historiador Carleton Beals, Kazan diz ter realizado “extensa pesquisa” e “nunca ouviu a versão contada pelo Sr. Beals”258. Neste filme Kazan revela um manejo da linguagem cinematográfica que vai tornar seus filmes peças importantes na batalha contra o comunismo. Não se trata de um realizador mediano, mas alguém com domínio e segurança, acumulados desde sua experiência como diretor de teatro. Dessa forma, Viva Zapata! permanece o filme a exigir confrontação com os elementos históricos usados tão ardilosamente. 3.Contexto histórico-temático O diretor Elia Kazan nasceu na Turquia, em 1909, e aos 4 anos vai morar nos Estados Unidos, com a família. Começa a trabalha como ator no teatro ainda bem jovem, passando em seguida para a direção. Nos anos 40, já é um diretor consagrado, sendo responsável pela montagem de peças como Um bonde chamado desejo, de Tennensee Willians, e Morte de um caixeiro viajante, de Arthur Miller. Em 1947, Kazan e Cheryl Crawford criam o Actor’ Studio, responsável por métodos inovadores de interpretação. No cinema, também começa trabalhando como ator. Em 1945 realiza seu primeiro filme, A tree grows in Brooklin (Laços humanos). Quando começa a “caça às bruxas”, Kazan já é um cineasta consagrado. Até 1963 dirige, em média, um filme por ano, a partir de então a carreira de cineasta entra em declínio, dando início ao trabalho de romancista. Em 1969, retoma a atuação no cinema, sem, no entanto, o mesmo brilho da primeira fase. Os dois filmes que analisamos (Viva Zapata!, 1952, e Sindicato de ladrões, 1954) estão situados na primeira fase da produção cinematográfica. Viva Zapata! foi lançado em 1952; é seu oitavo filme e se insere na fase de grande produtividade que vai até 1963. John Steinbeck e Kazan começam a colaborar no roteiro em 1949, tendo como base o romance Zapata, the unconquerable, de Edcomb Pinchon . Paul Vanderwood descreve os passos da confusão ideológica em que se viram metidos e o produtor Darryl Zanuck, na produção de Viva Zapata!. Este achava que o público podia ver no filme defesa da guerra civil como meio para se chegar a paz.259 Steinbeck viajou ao México para fazer entrevistas que deram forma à trama central. As filmagens não puderam ser feitas no México porque o governo atendeu as pressões da indústria cinematográfica mexicana, que não via com bons olhos o ambivalente 256

Eric WOLF, Guerras camponesas do século XX, pp. 51-52. John Howard LAWSON, op. cit., p. 42. 258 John Howard LAWSON, Film in the battle of ideas, p. 42. 259 Paul VANDERWOOD, op. cit., p. 191. 257

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Zapata de Kazan e Steinbeck.260 Para exibição no México, diversas alterações tiveram que ser feitas, entre outras, retirar a referência depreciativa sobre a forma de governo local. Foi um fracasso de bilheteira, permanecendo apenas uma semana em cartaz. Em Nova York foi lançado em 7 de fevereiro de 1952. Depois de uma primeira semana de sucesso, foi prejudicado por uma ineficiente campanha de promoção. Kazan avalia que Zanuck perdera o interesse no filme como fonte de dinheiro e temia repercussões negativas no CCAA. Kazan também acredita que o empenho de Zanuck em alterar a história tenha sido motivado por emissários do governo. 4.Sintaxe narrativa 1.Créditos: os créditos são apresentados como pichações em muros. Até 56s. 2.Primeira parte: A luta pela terra e revolução 2.1. Uma delegação de camponeses é recebida pelo presidente Porfírio Diaz. Reclamam a perda de suas terras para grandes proprietários. O presidente recomenda que comparem seus documentos com os marcos para que possam reivindicar a partir de fatos. Um dos camponeses se destaca do grupo e diz que isto é impossível, pois os marcos já “estão cercados e guardados por homens armados”, portanto, para fazer o que o presidente aconselha terão que cruzar a cerca. Diaz vê com desconfiança o rebelde e faz um círculo em torno de seu nome: Emiliano Zapata. Até 7min8s. 2.2.Camponeses cortam a cerca de uma propriedade e começam a ocupá-la. Forças policiais chegam e os atacam. Zapata e o irmão defendem os camponeses numa ação audaciosa e inacreditável (são dois homens armados contra um bando), tomam-lhes a metralhadora e a tropa bate em retirada. Até 8min57s. 2.3. Um estranho se aproxima do acampamento de Zapata e se apresenta como emissário de Madero. No momento, Madero prepara sua ofensiva contra Diaz e procura líderes, como Zapata. Fernando Aguirre, o emissário, lê um manifesto de Madero, onde enfatiza a conexão da luta pela democracia com a liberdade. Até 13min58. 2.4. Zapata conversa com Gomez e envia-o para conhecer Madero e “se gostar da cara dele, fale de nossos problemas aqui e diga-lhe que o reconhecemos como líder da luta contra Diaz”. Até 16min8s. 2.5. Zapata encontra-se com Josefa, uma jovem da vila, com quem deseja casar-se. Procura assegurá-la que agora tem um emprego, oferecido por Don Nacio de la Torre. Josefa não parece animar-se: “Don Nacio de la Torre não emprega fugitivos nem foras-dalei”. Mais adiante diz: ‘... quero ter uma vida segura, tranqüila e sem surpresas. E de preferência com um homem rico”. Apesar de tudo isso, Josefa diz para a tia que gosta de Zapata, considerado por esta como terrível, fugitivo e criminoso). Até 21min23. 2.6. Zapata trabalha como zelador dos cavalos de Don Nacio. Um menino é espancado por estar comendo a comida dos cavalos. O capataz vê e o agride. Zapata reage com violência, mas é contido. Don Nacio adverte-o que violência não adianta. Considera Zapata inteligente e capaz, podendo chegar a ser importante, ter dinheiro e propriedade. Acha que Zapata precisa de uma esposa ... Nesse momento chegam Gomes, Epifânio e Fernando. Até 25min7s. 260

Ironicamente o destino de outro filme sobre a Revolução Mexicana teve trajetória oposta, trata-se de Que Viva México!, de Serguei Eisenstein, as filmagens começaram a ser realizadas em 1932 e contaram com o apoio da população local e do governo mexicano, interrompido quando Eisenstein filmava o episódio “La soldadera”, sobre o processo revolucionário. O material é revelado nos Estados Unidos, enquando o diretor e sua equipe (Eduard Tissé e Grigori Alexandrov) retornam à União Soviética. Este material é utilizado em diversos filmes sem nenhuma ligação com o projeto original de Eisenstein. Somente em 1979, os negativos foram recuperados e Grigori Alexandrov realiza um filme fiel ao plano inicial.

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2.7. Fernando explica como funciona a democracia americana: os refugiados políticos são protegidos e os presidentes são eleitos pelo povo, mesmo assim, Zapata rejeita a participação na luta liderada por Madero: já tem os seus problemas, não quer “ser a consciência do mundo, não quer ser a consciência de ninguém”. Até 26min22s. 2.8. Zapata e seus companheiros vêem um homem sendo conduzido preso a uma corda. Eufêmio dá-lhe água, os policiais puxam a corda, arrastando-o pelo chão, Zapata avança contra os policiais e corta a corda. O homem rola por uma ribanceira e cai morto. Quando os camponeses se aproximam, ficamos sabendo que fora preso ao ultrapassar as cercas para plantar milho. Fernando comenta que deveriam ter cortado a corda antes. Até 28min48s. 2.9. Zapata vai pedir Josefa em casamento, mas o pai da jovem nega dizendo que não pode ligar o destino de sua filha a um rancheiro sem terra. Até 30min30s. 2.10. Zapata ao sair é preso. Epifânio percebe e esboça reação, no mesmo momento, um corpo está sendo conduzido. O cortejo pára e vemos a mão do morto ainda com sangue e ao fundo (numa tomada por baixo do corpo do morto) Zapata ter o paletó arrancado e uma corda sendo posta no pescoço. Eufêmio começa a bater uma pedra contra a outra, sendo seguido por todos da praça. O cortejo do prisioneiro substitui o cortejo do morto . Até 32min42s. 2.11. Zapata é conduzido prisioneiro, como que brotando da terra, camponeses vão acompanhando-o. Em dado momento, os companheiros de Zapata, armados, impedem o caminho. Das montanhas, também surgem camponeses armados, o oficial não vê outra saída senão libertar o prisioneiro. Por fim, Fernando sugere que sejam cortados os fios do telégrafo, sob o alerta do oficial de que tratava-se de um gesto de rebelião. Até 37min13s. 2.12. Um trem com pólvora e dinamite é atacado, com as armas os rebeldes preparam nova uma ação. Até 38min52s. 2.13. Uma fortaleza das tropas oficiais é atacada com dinamite. Mulheres participam ativamente da operação. Até 40min30s. 2.14. Zapata vive o apogeu como líder revolucionário: recebe presentes do povo, abençoa crianças, premia combatentes (dá o seu cavalo branco a um menino que tomara uma metralhadora do inimigo) e recebe a visita do Sr. Espejo, pai de Josefa, e de Fernando, este traz um comunicado de Madero nomeando Zapata general. Até 44min34s. 2.15. Zapata namora Josefa, com a permissão do pai e a presença atenta da mãe e da tia. Gomes interrompe dizendo que Diaz fugira do país. Zapata abraça o amigo, voltando-se para Josefa diz que a luta acabara e beija-a. Todos se confraternizam. Até 50min23s. 2.16. Zapata e Josefa casam-se. Na noite de núpcias, Zapata encontra-se angustiado por não saber ler: seu cavalo e seu rifle não teriam mais utilidade agora. Josefa começa a alfabetizá-lo. Até 57min13s. Segunda Parte: No poder 3.1. Zapata e seus companheiros conversam com Madero, este insiste que a reforma agrária não pode ser feita sem estudo prévio. Zapata deixa claro que o tempo dos fazendeiros é diferente do tempo da lei. Fernando Aguirre vê com desconfiança Madero: “Não sou amigo de ninguém ou de nada, com exceção da lógica”. Ao apelo de Madero de que deponha as armas, Zapata responde apontando o fuzil para ele e ordenando que entregue o seu relógio, depois entrega a arma a Madero e diz: “Agora pode pegar o seu relógio, sem isso nunca”. Promete a Madero que vai esperar, mas não por muito tempo”. Até 1h2min59s. 3.2. Huerta entra na sala e defende que Zapata seja morto logo. Pablo Gomez volta e afirma a Madero que ele e Zapata precisam um do outro. Aponta como uma das fragilidades de Zapata o fato de mal saber ler. Sugere que Madero visite Morelos. Huerta, após a

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saída de Madero, lamenta suas manifestações de bondade. Sabe que ambos são perigosos porque lutam por aquilo que acreditam, com a diferença que Madero é um rato que pode ser manipulado e Zapata um tigre que deve ser morto. Até 1h5min52s. 3.3. Na visita a Morelos, Zapata parece estar sendo convencido a depor as armas quando é surpreendido com o ataque do General Huerta. Zapata e seus companheiro se posicionam para conter o ataque. Pablo Gomez procura demovê-lo, pois acredita na sinceridade do presidente. Chega a beijar a mão de um atônito Madero. Até 1h10min35s. 3.4. As tropas de Zapata surpreendem as forças de Huerta. Até 1h12min40s. 3.5. Por sua vez, Madero é conduzido a uma emboscada, tramada por Huerta, sendo assassinado. Até 1h15min17s. 3.6. Num acampamento, Eufêmio julga um soldado como traidor, responsabiliza-o pela morte de 244 companheiros numa emboscada. No entanto, a guerra está sendo ganha pelas forças rebeldes. Até 1h17min31s. 3.7. Há um outro caso de traição: Pablo Gomez está sendo acusado de traição por Fernando, pois se encontrara com Madero. Gomez retruca que não traíra seu ideal, pois ele “era a terra e não uma idéia” e Madero estava empenhado nisso. Diz a Zapata que nada de bom pode sair de tanta violência. Fernando insiste: “244 dos nossos foram mortos hoje de manhã, planejamos surpreender o inimigo e ele nos surpreendeu”. Enquanto o julgamento prossegue, ouve-se os tiros do fuzilamento, que parecem sensibilizar Zapata. Condenado, Gomez pede que seja Zapata mesmo quem o fuzile. Neste momento chega a mensagem de Pancho Villa. Até 1h21min58s. 3.8. O pai de Josefa reclama do fato de Zapata ser um general que nada tem, diz que ele poderia ser dono de metade do país, mas não aceita. Aponta para um jornal (plano de detalhe de foto de Villa em uniforme de gala: “Villa, sim, sabe agir como um general. Veja como se veste”.Um torturado Zapata chega em casa após a vitória contra Huerta e os fuzilamentos. Até 1h23min44s. 3.9. Zapata e Pancho Villa se encontram na cidade do México e são fotografados juntos aos símbolos da república mexicana. Até 1h24min30s. 3.10. Numa prosaica cena, num bosque, comendo e bebendo, com o povo à distância, Zapata, Villa e Fernando decidem o destino do México. Villa, cansado, vai voltar para seu rancho e nomeia Zapata presidente. Até 1h26min20s. 3.11. Zapata, no poder, despacha com Fernando, quando recebe uma delegação de Morelos acusando Eufêmio de ter tomado suas terras. Zapata, repetindo o comportamento de Diaz, responde aos camponeses dizendo que quando puder cuidará disso. Um dos camponeses toma atitude idêntica a de Zapata, na audiência com Diaz. Zapata vai escrever o seu nome quando se detém e decide “renunciar ao poder”. Fernando procura demovê-lo, mas Zapata revela que finalmente sabe quem ele é: “Nem campo, nem lar, nem esposa, nem mulher, nem amigos e nem amor. Você só destrói, esta é a sua grande paixão. Eu vou lhe dizer o que vai fazer agora, vai procurar Obregon ou Carranza. E nunca vai mudar”. Até 1h30min35s. Terceira parte: De volta a Morelos e a morte 4.1. Zapata vai para a fazenda onde está Eufêmio. Lá este revela sua mágoa de não ter ganho nada com a luta, lamenta ter que viver naquelas condições indignas para um general e diz que vai continuar agindo como um general, tomando para si o que desejar e sai. Zapata senta-se e os camponeses vão aproximando-se. Um primeiro ajoelha-se junto a ele, um segundo lhe oferece um cigarro, outro, uma laranja. Zapata discursa: “Esta terra é de vocês, devem protegê-la. Não será de vocês por muito tempo, se não a protegerem, se necessário com suas próprias vidas e seus filhos com as deles. Não esmoreçam com os inimi-

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gos, eles vão voltar. Se sua casa for queimada, construa outra vez, se o seu milho for destruído, plantem de novo, se seus filhos morrerem, gerem outros, se os expulsarem desse vale, fujam para as montanhas, mas vivam. Procuraram sempre por líderes, homens fortes e sem defeito, mas não há nenhum. Só existem homens como vocês. Eles mudam! (Aponta para a direção em que Eufêmio seguiu). Eles desertam, eles morrem! Não há líderes, só vocês. E um povo forte é a única coisa invencível e duradoura. Certo?” Um dos camponeses, do grupo próximo a Zapata, atira em Eufêmio pelas costas. Zapata corre, se inclina e chora a morte do irmão. Até 1h36min4s. 4.2. No palácio do governo, discutem como acabar com Zapata e seus seguidores. Alguém argumenta que isso é difícil porque se trata de idéias e não é fácil exterminar com elas. Fernando, saindo por trás da águia que decora a parede, vestido com uniforme militar, sugere que se mate Zapata, pois cortando a cabeça da cobra, o corpo morrera. Até 1h37min1s. 4.3. Zapata é informado que um coronel federal quer passar-se para o seu lado com um regimento e armas. Josefa suspeita que é uma cilada e pede para que não vá, Zapata diz que ainda não decidira o que fazer. Até 1h41min2s. 4.4. Zapata e Josefa, à distancia, conversam. Ela quer saber se ele já decidira e diz que agora não está pensando só nela, mas nos camponeses. Como ficarão sem ele. Zapata responde que eles contarão com sua própria força. Josefa pergunta o que realmente mudou depois de tanta luta. Zapata diz que os camponeses mudaram: “As coisas mudam lentamente, como as pessoas. Serão guiados um pelo outro. Um homem forte é para um povo fraco. Os povos fortes não precisam de homens fortes”. Zapata pergunta ao grupo como seria se algo lhe acontecesse, os camponeses dizem que se arranjam e um dia voltarão para o seu vale. Outro diz: “E até lá, a gente vai ter que sobreviver”. Até 1h44min40s. 4.5.Zapata toca no lenço que Josefa traz à cabeça, acaricia o cachorro que ela tem no colo e parte. Josefa, desesperada, segura-se nos arreios do cavalo e é arrastada até cair no chão, quase sob as patas do cavalo. Até 1h45min41s. 4.6. Zapata chega ao local, cumprimenta o coronel que o beija no rosto. Ao centro do forte se encontra seu cavalo. Zapata caminha até ele e o acaricia. O animal está inquieto. O oficial se afasta e ordena o fuzilamento: atiradores situados no alto da fortaleza estraçalham o corpo de Zapata. Fernando, saindo novamente, da penumbra, grita para que atinjam também o cavalo. Até 1h4958s. 4.7. O corpo é estendido na praça, as mulheres o acolhem, primeiramente, a seguir velhos combatentes se aproximam e um deles diz que aquele não é Zapata. O líder continua nas montanhas e voltará quando dele precisarem. Os camponeses olham em direção às montanhas e vê-se um cavalo branco no alto de um delas. Até 1h52min20s. 5. Universo diegético: Para escrever o roteiro, John Steinbeck viajou ao México, onde fez entrevistas que contribuíram para dar forma à trama central do filme. Joe MacDonald, o cinegrafista, se baseou em fotos de Zapata em meio aos aldeões, procurando reproduzir com fidelidade seus traços e as situações. O filme reproduz a famosa fotografia de Villa sentado na cadeira presidencial, com Zapata ao lado e cercado de companheiros com bastante fidelidade(3.9). Uma das ações mais freqüentes dos rebeldes, o descarrilamento de trens, é outro quadro da iconografia revolucionária reproduzido (2.12). Alfred Newman e Alex North usaram antigas canções mexicanas como base para a partitura musical.

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6. Leitura isotópica: Em Viva Zapata! identificamos as seguintes redes temáticas: indivíduo/propriedade/cidadania estável (2.3 e 2.7), retomando a idéia da propriedade como fator de estabilidade da cidadania e da liberdade, violência/não-violência (2.6, 3.1 e 3.7), a corrupção intrínseca do poder (2.7, 3.10, 3.11, 4.4 e 4.7) e indivíduo/destino/sofrimento (4.1 e 4.5). Uma rede temática particularmente importante é a do comunista como ser desprovido de humanidade (3.1, 3.11 e 4.2), muito recorrente na filmografia sobre a Guerra Fria e aqui também desenvolvida.

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Sindicato de ladrões Gênero: drama 1.Ficha técnica: Título: On the waterfront, Estados Unidos (em português Sindicato de ladrões) Ano: 1954 Estúdio: Columbia Pictures Corporation Duração: 108 min Direção: Elia Kazan Produção: Elia Kazan e Sam Spiegel Diretor de produção: George Justin Companhia produtora: Elia Kazan Production Roteiro: Budd Schulberg, baseado em história original de Budd Schulberg inspirada em artigos de Malcom Johnson Direção de fotografia: Boris Kaufman Edição: Gene Milford Música: Leonard Bernstein Direção de arte: Richard Pay Personagens principais e atores: Terry Malloy (Marlon Brando), Padre Barry (Karl Malden), Johnny Friendly (Lee J. Cobb), Charley Malloy (Rod Steiger), “Kayo” Dungan (Pat Henning), Edie Doyle (Eva Marie Saint), Glover (Leif Erickson), Bic Mac (James Westerfield), Truck (Tony Galento), Tilio (Tami Maurello), “Pop” Doyle (John Hamilton), Mott (John Heldabrand), Moose (Rudy Bond), Luke (Don Blackman), Jimmy (Arthur Keegan), Barney (Abe Simon), J.P. (Barry Macollum), Specs (Mike O’Dowd), Gillette (Marty Balsam), Slim (Fred Gwynne), Tommy (Thomas Hanley), Mrs. Collins (Anne Hegira).

2. Resenha crítica Terry Malloy é estivador e ex-boxeador envolvido com um bando de criminosos que controla o sindicato dos trabalhadores do cais de Nova York. Ao se infiltrar no movimento dos trabalhadores, conhece um padre e a irmã de um amigo que conduzira à morte, ainda que involuntariamente. Terry vive frustrado por ter sido levado a perder uma luta crucial para favorecer o irmão. A morte do irmão, que se recusa a entregá-lo aos criminosos, leva-o a depor na Comissão do Crime Portuário. Disposto a continuar lutando pelo direito de trabalhar, enfrenta o líder do bando. Derrotado o líder criminoso, Terry conduz os operários à nova relação com os capitalistas, sem intermediação do crime organizado nem da organização sindical. Se Viva Zapata! ficava a meio caminho, com paradoxos que fazem dele um filme ambíguo em alguns momentos, Sindicato de ladrões é uma detestável peça de propaganda. O talento de Kazan não desapareceu, talvez esteja até mais refinado. A defesa da delação é que parece pouco sustentável. O autor vai longe demais para justificar que pessoas devam ser presas por pensarem diferente de outras. Como algum tipo de ética que tivesse por base coletividades faria ruir seu argumento, a saída é a retomada do mito do herói dramático: o estivador Terry Malloy (Marlon Brando) catalisa para si todas as dores e esperanças dos operários e quase se sacrifica por eles. Terry Malloy parece um pouco um Cristo que ressuscita da derrota física, renascendo para a exploração sob o capital. Estamos novamente no pior dos mundos, os operários livram-se dos gângsters para cair diretamente nas malhas dos patrões. O resultado político é tão melancólico que os belos enquadramentos, como o final do discurso do padre Barry (Karl Malden), junto ao corpo de Dungan (Pat Henning), onde a câmera acompanha, quase fixa, a subida da prancha com o padre e o corpo do operário

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morto, parecem deslocados. Da mesma forma, permanecem como peças isoladas as belas seqüências da revelação de Terry a Edie (Eva Maria Saint), junto ao cais e a tensa conversa entre o estivador e seu irmão (Rod Steiger), no taxi que leva o último para a morte. A parte final da seqüência do discurso do padre e a revelação de Terry a Edie são dois exemplos onde a semiose-guia é a imagem. Depois de longo discurso, a imagem conduz a narrativa, mostrando a altivez do padre frente aos gângsters. Na seqüência da revelação, a fala de Terry é emudecida pelos apitos dos navios. Toda a dramaticidade da cena se expressa nos gestos de Terry e na fuga de Edie. 3.Contexto histórico-narrativo: Arthur Miller escreveu um primeiro roteiro sobre o tema intitulado The hook, onde tratava da infiltração de mafiosos no sindicato dos portuários de Nova York, baseando-se no caso de Pete Panto, estivador assassinado pelos gângsters. Roy Brewer, presidente do Conselho de Cinema da American Federation of Labor e opinião influente junto a Harry Cohn, presidente da Columbia Pictures, veta o roteiro, pois, segundo ele, não havia mafiosos no sindicato dos portuários, mas sim comunistas. Recomendava, assim que Miller reescrevesse a história. Miller replicou que os comunistas que conhecia no porto eram pessoas confiáveis e se recusava a continuar com o projeto. Depois do segundo depoimento de Kazan no CCAA (10/4/52), Miller rompe com o amigo e escreve O panorama visto da ponte, onde condenava a delação. Kazan solicita então a Budd Schulberg, uma testemunha amistosa , que escrevesse outro roteiro, dessa vez baseado em reportagens de Malcon Johnson, escritas em 1949. O filme foi lançado em 1954, quando o sindicato dos estivadores de Nova York não estava controlado pelo crime e combatia a política macarthista. Sindicato de ladrões foi um grande êxito de bilheteria e ganhou oito Oscars em 1954: melhor filme, melhor ator, melhor atriz coadjuvante, melhor direção, melhor história e roteiro, melhor montagem, melhor direção de arte e melhor fotografia. Elia Kazan nasceu em Constantinopla, no ano de 1909. Os pais eram gregos e se estabeleceram nos Estados Unidos quando ele tinha quatro anos. Jovem começa a trabalhar no teatro, como ator e diretor. Nos anos 40 já é um nome consagrado no teatro americano, dirigindo peças como Uma rua chamada pecado, de Tennesee Williams e Morte de um caixeiro viajante, de Arthur Miller. 4.Sintaxe narrativa: 1. Créditos. Até 1min22s. 2. Primeira Parte: Os criminosos controlam o sindicato 2.1. Docas de Nova York: homens saem de uma pequena casa. Um deles diz para o outro que faça conforme o combinado. Até 1min59s. 2.2. Este homem chega até um prédio de apartamentos e grita por Joey Doyle. Quando Joey aparece, o homem avisa-o que encontrou o pombo perdido e marca encontro no terraço. Lá dois homens aguardam Joey, embaixo outros observam, inclusive aquele que o chamou. De repente, um corpo cai. O homem que atraiu o amigo para a armadilha se surpreende com o assassinato. Os outros dizem que aquele não falará mais na Comissão. Até 4min21s. 2.3. Os vizinhos observam o corpo. A irmã está inconformada e o padre procura consolá-la. O homem que chamara o amigo, permanece no local por alguns instantes, depois se dirige ao bar. Até 5min55s.

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2.4. No bar, Johnny Friendly, o presidente do sindicato, bebe com outros homens e acerta contas. Terry, ex-boxeador e agora trabalhador nas docas, está inconformado por ter colaborado com a morte do amigo. Johnny faz um discurso justificando sua atitude: não poderia largar o sindicato por causa de um vagabundo. Friendly enfia uma nota na roupa de Terry e dá-lhe uma boa posição no trabalho do dia seguinte. Até 10min58s. 2.5. Terry, pela manhã, já está cuidando dos pombos no terraço. Até 12min1s. 2.6. No porto, o sindicato distribui as senhas para quem vai trabalhar. O representante do sindicato joga as senhas que restam para o alto e começa a confusão. O padre presencia a cena e exorta os operários a se unirem contra aquilo e oferece a igreja para reuniões. Até 19min57s. 2.7. Charley procura o irmão para que ele se infiltre na reunião que o padre e a irmã de Joey estão organizando. Terry reage dizendo que já dedurara alguém para eles. Charley expõe uma peculiar noção de delação: “Dedurar é quando você apronta com seus amigos. Quando Johnny quer um favor, não pense, faça. Una-se aos fiéis”. Até 21min6s. 2.8. Pouco operários vão à reunião e mesmo assim, não se dispõem a falar sobre os crimes dos líderes sindicais. Quando a reunião está para terminar, membros do bando cercam a igreja e espancam os participantes. Um dos operários, Dungan, tem a cabeça quebrada e sela um acordo com o padre para colaborar. O padre faz uma distinção: o que eles chamam delatar é falar a verdade. Até 25min59s. 2.9. Terry, presente à reunião, protege Edie e ambos escapam da pancadaria. No caminho para casa, conversam e mostram interesse um pelo outro. Terry lamenta a sua situação: tem admiração por pessoas que estudaram. Ele não foi bem sucedido porque estava sempre aprontando alguma e as irmãs queriam educá-lo a pancadas. Edie diz que o trataria com paciência e bondade: “O que torna as pessoas ruins é não cuidarem delas”. Até 30min49s. 2.10. Ao chegar em casa, o pai está com as passagens e as malas prontas, observara-a de braços dados com Terry e a previne sobre quem ele é: irmão de Charley Malloy, braço direito de Johnny Friendly, “um carniceiro de roupas elegantes”. O pai fala do esforço que ele e a mulher fizeram para ela estudar. Pede que não o desaponte. Ela, no entanto, diz que não pode voltar aos livros, vai ficar e descobrir que matou o irmão. Até 33min8s. 2.11. Edie vai observar Terry cuidar dos pombos no terraço. Ele cuida também dos pombos que foram de Joey. Terry a convida para tomarem uma cerveja. Até 37min27s. 2.12. Terry e Edie conversam no bar. Terry fala de sua infância num orfanato e da sua carreira como boxeador, como Johnny “comprou” uma parte dele. Edie acredita que as pessoas são parte uma das outras (uma fraternidade), estranhando que alguém compre uma parte de outro. Edie quer ajuda, mas ele diz que nada pode fazer. Triste, ela se levanta e sai, Terry, amargurado, permanece sentado. Até 42min39s. 2.13. Na parte da frente do bar, acontece uma festa de casamento. Edie não consegue sair. Por sua vez, Terry está indo em sua direção e a encontra. Saem juntos por outra porta. No salão, dançam até um capanga de Johnny chegar, com o recado de que o chefe quer vê-lo. Ainda no salão de dança, Terry é abordado por dois funcionários da justiça, com uma intimação, Terry se irrita e pergunta se eles sabem o que estão querendo dele. Um funcionário responde que só a verdade. Edie quer saber mais sobre o envolvimento de Johnny e Charley no assassinato de Joey. Terry recomenda que ela não se preocupe com “verdades”, mas consigo mesma. Edie desabafa: “Eu deveria saber que não me diria. Johnny é o seu dono. Ainda é.” Terry diz que não pode fazer mais nada além de protegê-la Edie diz querer que ele faça muito mais e sai. Terry fica sozinho, novamente amargurado, como na seqüência anterior. Até 47min51s.

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3. Segunda parte: A resistência ao bando 3.1. Johnny e Charley ameaçam Terry por ele não ter-lhes fornecido informações sobre a reunião na igreja: Dungan tinha deposto na Comissão sobre o crime portuário e revelara detalhes da operação. Terry é intimado a deixar Edie e volta a trabalhar no serviço pesado. A seqüência se encerra com Terry em primeiro plano com a mesma expressão das duas seqüências anteriores. Até 50min20s. 3.2. Uma carga de uísque está sendo descarregada (como Dungan esperava há muito tempo), os capangas de Johnny simulam um acidente e o operário morre sobre os caixotes. Até 52min12s. 3.3. O Padre Barry faz um discurso junto ao cadáver do operário, comparando o acontecimento com a crucificação de Jesus Cristo: “o que Cristo acha daqueles que só exploram? O que acha daqueles de roupas caras e anéis preciosos [comprados] com o dinheiro que tiram de vocês?” E dirigindo-se aos operários: “E o que Ele que falou sem temor contra todo o mal acha do seu silêncio?” Terry dá um soco no capanga de Johnny que procurava calar o padre e permanece observando o sermão (o seu rosto aparece em primeiro plano quatro vezes ao longo da seqüência). O corpo de Dungan é içado junto com o Padre Barry e “Pop” Doyle. A câmera os toma em plongée, o guindaste iça a prancha e como a câmera permanece quase imóvel, a posição passa para contra-plongée, sinalizando a queda e a ascensão dos oprimidos-Cristo. Até 57min15s. 3.4. Edie leva a jaqueta de Joey para Terry e se beijam no terraço. Até 58min43s. 3.5. Terry vai à igreja e procura falar com o Padre Barry que esquiva-se. Quando Terry diz que colaborou com o assassinato de Joey, ele o ouve e diz para fazer o que sua consciência mandasse. Neste momento, Edie se aproxima e Barry sugere que conte a ela, sem rodeios. Tendo ao fundo, o apito dos navios, Terry revela a Edie sua participação no crime. Ela ouve estarrecida e sai correndo. Até 1h3min23s. 3.6. Terry fala para um representante da Comissão contra o crime portuário como foi obrigado a perder a luta por causa da aposta do irmão: “se os caras querem ganhar uma aposta nada os detém”. Até 1h7min12s. 3.7. Johnny Friendly ordena que Charley convença Terry a desistir de depor, caso não concorde, deve levá-lo a um ponto onde será morto. Charley resiste, pois trata-se do irmão caçula. Mas Johnny aponta apenas dois caminhos: ou ele ou o irmão. Charley sai da casa nas docas. Até 1h10min10s. 3.8. Charley procura convencer Terry a aceitar um emprego nas docas em troca do silêncio na Comissão. Terry diz que não sabe o que vai fazer e insiste em responsabilizar o irmão pelo seu fracasso. Charley ameaça-o com o revólver, mas acaba desistindo, depois que, mais uma vez, Terry o responsabiliza pelo fracasso no boxe. Deixa Terry e pede que o motorista o leve para o Madison. O motorista, no entanto, o leva a uma garagem no bar de Friendly. Até 1h15min58s. 3.9. Terry vai ao encontro de Edie, em sua casa. Ela se recusa a recebê-lo, ele arromba a porta e depois de ríspido diálogo onde se diz cansado de ouvir a palavra consciência, beija-a . A seguir, da rua, chamam por Terry, dizendo que o irmão precisa dele. Terry desce, seguido por Edie. Um caminhão tenta atropelá-los na rua escura. À frente, Terry vê o corpo do irmão pendurado num gancho. Junto ao corpo Terry promete vingança. Edie apela para que fujam. Até 1h21min47s. 4. Terceira parte: A derrota do bando 4.1. Terry chega ao bar e espera Johnny Friendly armado. O Padre Barry vem ao seu encontro e convence-o a não usar violência, mas sim prestar depoimento na Comissão. Até 1h26min28s.

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4.2. Terry depõe na Comissão e incrimina Johnny. Corte para o homem em frente à televisão que acompanha o depoimento. Este instrui ao empregado para que ele diga que não está, caso Johnny Friendly ligue. Até 1h30min21s. 4.3. Terry ao chegar em casa, acompanhado de dois policiais, é repudiado por um velho amigo. Edie procura consolá-lo dizendo que talvez eles não sejam, de fato, seus amigos. No terraço, Terry encontra os pombos mortos. O menino Tommy não perdoara ele ter deposto contra Johnny, isto é, ter se tornado um delator. Edie insiste para que eles partam para algum lugar, no interior, no Oeste. Terry pega seu gancho e segue para as docas “lutar por seus direitos”.Até 1h34min21s. 4.4. Nas docas, todos vão trabalhar, menos Terry. Na sede do sindicato, Johnny diz esperar sair das manchetes para cuidar do traidor. Até 1h37min24s. 4.5. Terry, acompanhado de longe pelos operários, dirige-se à sede do sindicato. Johnny acusa-o de tê-lo delatado. Terry revida acusando de criminoso e desafia-o. Diz que sem ameaças, pressões e pistoleiros, ele não é nada: “Você é um bandido, pobre, barato. Fico feliz pelo que fiz a você! E virando-se para os operários: “Ouviram isso? Alegro-me pelo que fiz! E vou continuar. Terry e Johnny lutam com a assistência dos operários, que não se dispõem a enfrentar o bando, mesmo Terry sendo covardemente massacrado. O Padre Barry e Edie chegam e socorrem Terry, que está inerte no chão. O transportador exige que Johnny ponha os doqueiros para trabalhar, estes se recusam se Terry não for incluído na turma. Ao ser empurrado para trabalhar, “Pop” Doyle revida e joga Johnny na água. Os operários comemoram. Até 1h44min23s. 4.6. Terry é convencido pelo padre Barry de que pode ganhar a guerra se se dispuser a entrar no trabalho, já que os operários agora condicionam seu ingresso à participação dele – assim os transportadores verão que não aceitam mais ordens de Johnny e retomarão o controle do sindicato. Amparado pelo padre e Edie, Terry se levanta e sobe as escadas cabaleante em direção à entrada. Primeiro plano de Terry caminhando. Plano geral do transportado que está pé junto à entrada, este enquadramento assume o ponto de vista de Terry. Plano médio de Terry, ao fundo, os operários. Plano de detalhe das pernas cambaleantes. Primeiro plano de Terry. O efeito distorsivo do plano ponto de vista se intensifica. Primeiro plano de Terry ... Pernas cambaleantes... Operários ... A câmera desce e parece passar por cima de Terry (imagem indefinida). Pernas ... Plano médio do transportador. Plano médio de Terry, ao fundo, os operários. Plano médio do transportador: “Muito bem, ao trabalho”. Os operários seguem Terry: Johnny esbraveja. Barry e Edie sorriem. O portão se fecha. Até 1h47min10s. Fim. 5.Universo diegético: Os diálogos estão marcados pela presença da gíria dos trabalhadores das docas, como “pombo”, “canário que canta”, “rato” etc. O uso dessa linguagem cumpre duas funções: dá coerência ao modo de vida daqueles trabalhadores e liga tais expressões à crítica que a esquerda faz dos delatores. 6.Leitura isotópica: Se todo poder leva à corrupção, portanto toda revolução está fadada ao desvio de suas metas originais, em Viva Zapata!, em Sindicato de ladrões, a salvação está na expiação pelo sofrimento e no culto ao herói. Em torno deste núcleo estão as seguintes redes temáticas: a alienação do indivíduo e a superação pelo martírio/heroísmo(2.9,2.12,3.3,3.8e 4.6), indivíduo/fatalidade/sofrimento/violência/não-violência (4.1 e 4.5 ) e a defesa da delação (2.7, 2.8, 3.7 e 4.3).

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Vampiros de alma Gênero: ficção científica 1. Ficha técnica: Título: The invasion of the body snatchers, Estados Unidos (em português Vampiros de almas) Ano: 1956 Gênero: Ficção científica (modalidade paranóia) Estúdio: Allied Artists Duração: 80 minutos Diretor: Don Siegel Produtor: Walter Wanger Roteirista: Daniel Mainwaring 261, adaptação do livro de mesmo título de Jack Finney) Fotografia: Ellsworth Fredericks Editor: Robert Eisen Diretor de arte: Edward (Ted) Haworth Efeitos especiais: Milt Rice Cenografista: Joseph Kish Maquiagem: Emile LaVigne Música: Carmem Dragon Cor: preto e branco Cópia analisada: fita de vídeo VHS distribuída por Herbert Richers e vídeo digital (DVD) distribuído por Continental Home Video Personagens e intérpretes principais: Dr. Miles Bennel (Kevin McCarthy), Becky Driscoll (Dana Winter), Jack Belicec (King Donovan), Theodora (Teddy) Belicec (Carolyn Jones), Dr. Daniel Kaufman (Larry Gates), o xerife Nick Grivet (Ralph Dumke), enfermeira Sally Withers (Jean Willes), Wilma Lentz (Virginia Christine), Tio Ira (Tom Fadden), Sr. Driscoll (Kenneth Patterson), Sam Janzek (Gay Way), Charlie Buckhotz (Sam Peckinpah) e outros.

2. Resenha crítica: Uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos começa a sofrer o que parece ser uma histeria coletiva, alguns habitantes não identificam mais os seus parentes como tais, são seres estranhos, racionais e sem sentimentos. O médico do local começa a suspeitar que a origem está em vagens gigantes que replicam os corpos humanos, transformandose em cópias idênticas. Descobre que a duplicação se completa com a quebra da vigilância (o sono). O médico e uma amiga tentam fugir para avisar ao mundo do grande perigo que todos correm. Vampiros de almas é uma ficção científica modalidade paranóia, representante de um modelo largamente desenvolvido nos anos 50. O gênero ficção científica é de difícil caracterização em razão de suas ligações com a realidade mesmo que seja em termos de projeção para o futuro (o uso de elementos da investigação científica para intuir sobre uma outra sociedade, seja no passado ou no futuro) e ao mesmo tempo com o fantástico, à medida que estas projeções ou retornos ao passado são desenvolvidos com bastante especulação. A modalidade paranóia se constitui junto com a consolidação do gênero cinematográfico, no início dos anos 50, e está ligada ao início da Guerra Fria. O medo de uma invasão soviética e da bomba atômica, ao lado das questões ligadas ao avanço soviético na tecnologia espacial, criaram um ambiente propício para este tipo de produção cinematográfica.

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Segundo Bill Warren, Sam Peckinpah teria colaborado no roteiro, fato negado por Don Siegel, op. cit., p. 286.

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Vampiros de almas ainda pode ser enquadrado na vertente soft da ficção científica, aquela que enfatizam especulações de base psicológica e sociológica, ao contrário da modalidade hard, que se estrutura em torno das inovações tecnológicas. Vampiros de almas se constitui um desses filmes clássicos do gênero, já tendo sido refilmado duas vezes. A primeira em 1978 sob o mesmo título (em português, Invasores de corpos), dirigido por Philip Kaufman, e a segunda em 1993, agora intitulado apenas Body snatchers (em português, Invasores de corpos – a invasão continua), dirigido por Abel Ferrara. A narrativa de Don Siegel é correta e garantiu um bom ritmo ao filme. Não há grandes sofisticações na linguagem, exceto, a mudança na fotografia na seqüência onde os dois fugitivos se escondem na caverna. O estilo neo-realista que predominara até então é substituído por uma fotografia altamente estilizada e de um claro-escuro carregado.262 As suas ambigüidades na crítica aos dois sistemas (capitalismo e socialismo) e as medianas qualidades artísticas o fazem situar-se numa fronteira entre a massa dos produtos do gênero e obras primas, como O dia em que a terra parou, marcante pela inversão de papel dos extraterrestres e pelo apuro de linguagem. 3. Contexto: Quais as marcas essenciais da sociedade americana e do mundo na década de 50? Nos Estados Unidos talvez o elemento mais notável seja o antiintelectualismo, que se manifesta na rejeição de Adlai Stevenson, candidato do Partido Democrata e identificado com um perfil intelectual e popular. Eisenhower, candidato do Partido Republicano e vitorioso, representa o pragmatismo e a virilidade. Esse antiintelectualismo também será oportuno no caça às bruxas iniciado em 1947 e intensificado com a atuação do senador McCarthy e outros nos anos 50. Como afirma Hofstadter, não há expressiva reação dos intelectuais a esta investida: “... nem mesmo o macarthismo conseguiu detê-los [os intelectuais defensores dos chamados valores americanos]: o próprio temor de que o senador e sua turba pudessem destruir alguns valores até ali tidos como sagrados foi uma demonstração de que havia algo de verdadeiramente precioso com relação aos valores americanos do passado”.263

Entre os profissionais ligados a Hollywood, que desde 1947 eram alvo do Comitê de Atividades Antiamericanas, se esboça resistência na atuação dos chamados Dez de Hollywood, que sofreram penas de prisão por não renunciarem às suas convicções, entre esses, se encontravam John Howard Lawson, Dalton Trumbo, Christopher Plummer e outros. A busca de possíveis traidores leva a investigação a Ager Hiss, membro do governo Roosevelt, acusado de ter pertencido ao Partido Comunista e fornecido documentos sigilosos aos soviéticos. O casal Rosemberg, também acusado de fornecer segredos militares à União Soviética, é executado em 1953. Ethel e Julius Rosemberg eram filiados ao Partido Comunista e até hoje são insuficientes ou improváveis (já que o físico Openheimer argumentara que não havia segredo na bomba A ) os indícios de sua “traição”. Em 1949, a União Soviética explodira sua primeira bomba atômica e, certamente, o fizera por contar com recursos e cientistas capacitados. O clima de obscurantismo se amplia em diversas direções, atingindo o psiquiatra austríaco Wilhelm Reich, preso em 1957, acusado de prática de medicina ilegal. A perseguição a intelectuais de esquerda vai além das prisões: são co262 263

Bill WARREN, Keep watching the skies, p. 285. Richard Hofstadter, Antiintelectualismo nos Estados Unidos, p. 494.

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nhecidas as “listas negras”, em que profissionais são vetados, tendo por base suas posições ideológicas. No plano mundial dois elementos devem ser destacados: primeiro o maior crescimento das economias comunistas nesta década e a retração na economia americana no período de 1953-54, ameaçando esquentar a guerra fria. Um sinal do avanço comunista era visto no lançamento do primeiro satélite artificial, em 1957. Acrescente-se a isso o desenvolvimento de novas armas atômicas, como a bomba de hidrogênio, em 1952 e 1953, nos Estados Unidos e União Soviética, respectivamente. O momento mais dramático foi a guerra da Coréia (1950-1953), primeiro conflito aberto envolvendo as duas grandes potências e agora, um terceiro fator, a China, transformada em país socialista desde 1949. Neste, também, pela primeira vez, desde o fim da Segunda Guerra, houve risco de uso de armas atômicas. Em segundo lugar, as lutas de libertação nacional atingem graus elevados no combate ao imperialismo com a vitória da guerra de independência do Vietnã em 1953, a independência de Marrocos e Tunísia, em 1956, e a Batalha de Argel, marco da independência da Argélia, e libertação de Gana em 1957. Na América Latina, a década se fecha com a vitória da Revolução Cubana em 1959. Recordando uma fala do psiquiatra Daniel Kaufman, personagem do filme Vampiros de almas, de que a histeria coletiva (sua explicação para a situação em Santa Mira) poderia ser provocada pelas preocupações com os problemas do mundo contemporâneo, podemos dizer que, sem dúvida, eles deveriam preocupar. De fato, preocupação e conformismo pareciam ser as marcas da sociedade americana nos anos 50. O livro de Jack Finney, The invasion of the body snatchers, foi publicado em 1954 (há uma tradução brasileira com o título Os invasores de corpos, publicada em 1987), sendo adaptado, pela primeira vez, para o cinema em 1956. Pode ser classificado como ficção científica soft pois seus desenvolvimentos partem de certa leitura da psicanálise e da sociologia, ao contrário da ficção científica hard que se estrutura em torno das inovações tecnológicas. Mas, o que é a ficção científica? A definição de ficção científica gira em torno da relação conhecimentos científicos e não-científicos (aqui entendidos como situados no campo do terror ou do fantástico, do insólito ou ainda dos aspectos míticos). A relação com o fantástico parece fornecer uma definição mais precisa: “Em outras palavras, a relação entre fantástico e ficção científica seria análoga à relação, no passado, entre magia e religião. O fantástico acede ao sentido que ultrapassa o do quotidiano mediante a transgressão da norma. A ficção científica, porém, não é ‘mágica’, é ‘mítica’: ela se instala num aspecto da norma socialmente aceita – a ciência ou a aparência dela – e, a partir desse lugar, finge responder às questões que a ciência da época em que a obra é realizada não sabe resolver. No interior das obras de ficção científica o que se tem é uma ficção da ciência, uma ciência virtual ou imaginária, mesmo se às vezes misturada com elementos científicos autênticos.

Assim, em conclusão, para Goimard ‘... a ficção científica é um gênero que comporta um deslocamento da verossimilhança e cumpre um função mítica’”.264

264

11.

Ciro Flamarion CARDOSO, A ficção científica, imaginário do século XX. Uma introdução ao gênero, p.

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A adaptação para o cinema que vamos analisar situa-se naquela modalidade dos filmes de ficção científica típica dos anos 50 – a paranóia em torno da invasão de seres alienígenas. 3. Resumo da sintaxe narrativa: 1. Primeiro prólogo: Médico psiquiatra atende chamado de urgência em hospital onde se encontra o Dr. Miles Bennel , considerado louco por contar uma estranha história de invasão extraterrestre. O médico consente que Miles conte sua história. Até 2 min e 43 seg.... 2. Segundo prólogo: Atendendo a chamado de urgência, o Dr. Bennel deixa uma convenção e chega a sua cidade, onde tudo parece normal. Sua enfermeira o aguarda na estação e diz que sua agenda está cheia: todos o aguardam. Até 4 min e 10 seg. 3. Primeira parte: A doença se propaga A) Primeiro grupo de seqüências: 1.1. Primeiros sinais de anormalidade: Na estrada, dirigindo-se ao consultório, os primeiros sinais de anormalidade aparecem. Um menino atravessa em frente ao carro, fugindo de sua mãe. Miles pára e observa que há uma loja fechada. Neste ponto, o narrador comenta: “Devia ter desconfiado do Jimmy (o menino que foge da mãe). E da mercearia fechada também. Há menos de um mês, ela estava aberta e movimentada”. Até 5 min e 48 seg. B) Segundo grupo de seqüências: 1.2. Não há mais atendimentos de urgência: No consultório, o Dr. Bennel observa a maioria das consultas serem desmarcadas e vê, pela janela, os antigos doentes andando normalmente pela rua. Até 6 min e 37 seg. 1.3. Reencontro de Becky e Miles: Ao decidir sair para almoçar recebe a visita de Becky Driscoll, sua namorada no colégio. Miles revela seu tom espirituoso e vai logo perguntando se o caso é apendicite. Becky sorri, mas sua preocupação é com a prima, Wilma Lentz, que tem fantasias do tipo achar que há um impostor no lugar do tio. Miles diz não poder fazer atendimento domiciliar, pois está com a agenda cheia e pede que ela a procure. Becky diz estar separada do marido e Miles também, que ao acompanhá-la, na saída, convida-a para almoçar. Como Becky já tem compromisso, fica para outra ocasião. Até 9 min e 13 seg. C) Terceiro grupo de seqüências: 1.4. Jimmy não reconhece sua mãe: De volta ao consultório, Dr. Bennel recebe outra visita. Trata-se agora da Sra. Grimaldi (avó do menino que fugia da mãe na estrada) acompanhada de Jimmy, que histérico se recusa a permanecer com a mãe, pois “ela não é sua mãe”. Bennel o atende e recomenda que a avó fique com o menino alguns dias. Diante da nova situação, o doutor resolve visitar Wilma Lentz. A Sta. Lentz diz haver uma única diferença entre seu tio e o impostor: esse não possui nenhum sentimento, “o olhar que ele a dirigia, desde criança, desapareceu.” O doutor recomenda ajuda psiquiátrica e fica de marcar consulta para ela com o Dr. Kaufman. Na saída da casa dos Lentz, Bennel, novamente como narrador da a história, diz que o seu sexto sentido lhe alertara para aquelas estranhas situações. Até 16 min e 15 seg. D) Quarto grupo de seqüências: 1.5. Um jantar interrompido pelo terror

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Na volta da casa dos Lentz, Miles convida Becky para jantar. No estacionamento do restaurante, encontram o Dr. Kaufman, o psiquiatra da cidade, que acredita numa histeria coletiva como causa do comportamento estranho dos habitantes de Santa Mira, provocada, talvez, pelas preocupações com o mundo. Miles e Becky entram no restaurante . Becky pergunta como ele saberia se ela ainda é a mesma dos tempos do colégio. Miles diz que é assim ... e a beija (O afeto como forma de reconhecimento estará presente em outra cena mais adiante). O casal está dançando e Miles recebe um chamado de urgência de Jack e Theodora Belicec. Interrompem o jantar e partem para a residência dos Belicec. Lá encontram um corpo de feições indistintas, “a primeira impressão numa moeda”, como diz Jack. Decidem não chamar a polícia e aguardar. Miles leva Becky em casa e aproveita para fazer mais uma de suas investidas em direção a jovem (como a luz da sala estava apagada, sugere que ela estava arrastando-o para o escuro). Neste momento, vêem a sombra do pai de Becky subir ameaçadoramente do porão para a sala. Ele estava trabalhando no porão... Miles se despede e vai para casa. Na casa dos Belicec, o corpo continua a se transformar e quando Theodora acorda percebe que ele é idêntico ao marido, e apavorada foge com Jack para a casa de Miles. Este chama o Dr. Kaufman e procura confortar os amigos fazendo café. Caminhando em direção à cozinha ouve Jack perguntar por Becky, ao mesmo tempo vê sua sombra refletida na parede e, num estalo, lembra da sombra do pai de Becky no porão e, imediatamente, corre para a casa dos Driscoll, porque sente que a jovem está em perigo. No porão, encontra uma réplica de Becky, sobe ao seu quarto, em vão, tenta acordá-la. Toma-a nos braços e leva-a para sua casa. Com a chegada do Dr. Kaufman, Miles, Jack e o psiquiatra partem para a casa dos Belicec, com o objetivo de examinar os corpos. Quando lá chegam, a réplica de Jack havia desaparecido. No porão dos Driscoll, dá-se o mesmo. Kaufman procura convencê-lo de que estão tendo pesadelos. O barulho acorda o Sr. Driscoll, a polícia chega e os dois são pressionados pelo xerife a irem para casa ou serão presos. Até 38 min e 51 seg. 4.Segunda parte: Como se tudo continuasse como antes ... E) Quinto grupo de seqüências: 4.1.Um pouco de american way of life: Amanhece na casa de Miles. Becky, na cozinha, prepara o café. A música romântica da trilha sonora e a tranqüilidade dos diálogos parecem indicar que nada aconteceu. Becky faz ovos cozidos e quer saber se a ex-esposa de Miles também fazia isso. Miles diz que ela era ótima na cozinha, mas ele nunca chegava na hora do jantar, daí terem se separado ... E alerta-a para que não se envolva com médicos. Becky revela já estar se envolvendo com um ... O romantismo da cena é quebrado pelo barulho do empregado da companhia de gás no térreo (que faz Miles lembrar da noite mal dormida) e pelo pedido de Jack para que fiquem mais alguns dias, pois Teddy ainda não se restabelecera. Até 40 min e 57 seg. 4.2.Miles precisa estar seguro de que tudo vai bem Dirigindo-se para o consultório, Miles encontra a Sta. Lentz que diz estar bem e não precisa mais de ajuda psiquiátrica (note-se como sinal de anormalidade o fato da Sta. Lentz mudar o aviso na porta para “fechado”, ao entrar. Na loja avisa a alguém que Becky dormira na casa de Miles. No consultório, Jimmy Grimaldi e sua mãe vêm mostrar que não há mais problemas entre eles.

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Miles está desconfiado. Se as pessoas ficaram boas sem sua ajuda, por que fazem questão de mostrar isso para ele? Por que fazê-lo pensar que tudo vai bem? De volta à casa, tudo parece ir muito bem até o momento em que vai buscar “algo melhor que martini” para acender o fogo na estufa do jardim. Miles depara-se com as vagens gigantes que se transformam em cópias de seres humanos. Tentando explicar a Becky o que está acontecendo, Miles levanta a hipótese de radiação atômica, seres alienígenas ... Conclui: “Seja qual for a inteligência que controla a formação de carne e sangue humanos, é poderosa e incompreensível”. Alarmados, procuram ligar para outras cidades e para o FBI. Mas “eles” já controlam as ligações telefônicas. Miles pede que Jack e Teddy saiam para pedir ajuda e ele e Becky ficam para atender ao telefone. Depois de destruir as réplicas (as vagens sintetizam com rapidez os corpos humanos) Miles e Becky fogem. Até 50 min e l1 seg. 4.3.Não há mais em quem confiar Miles decide procurar Sally, sua enfermeira. Pensa que poderia confiar nela. No posto de gasolina, onde param, duas vagens são colocadas no porta-malas. Miles percebe e as queima na estrada. Ao chegar na casa de Sally, encontra uma reunião dos novos seres que, naquele momento, iniciariam a duplicação de uma criança. A mãe, que parece orientar o processo de duplicação, comenta: “logo não haverá mais lágrimas” (Li referências a um som de choro de criança que acompanharia esta cena, o que daria um tom realmente engraçado ao comentário. Na versão em videocassete que analisei não há nada audível neste sentido). Abordado por um guarda, Miles reage com um soco e foge. Todos os carros de polícia são alertados para que não permitam que eles deixem Santa Mira. Os dois se escondem no consultório, onde miraculosamente, não são encontrados. Até 57 min e 02 seg. Miles e Beck tomam comprimidos para não dormir e conversam sobre o problema que têm pela frente (Neste momento o problema é identificado como sendo a desumanização, normalmente, lenta, no caso em que vivem, abrupta e acelerada). A cena termina com os dois em primeiro plano, com Miles frisando que a sua humanidade (dele) é tão querida como ela (Becky). Até 58 min e 10 seg. 5. Terceira parte: Um mundo novo é oferecido F) Sexto grupo de seqüências: 5.1. O contágio Miles e Becky assistem, da janela do consultório, o xerife organizar, na praça, a distribuição das leguminosas entre os moradores com parentes em outras cidades, para que lá iniciem a duplicação. Os dois ainda aguardam a chegada de ajuda. O telefone toca insistentemente, mas não atendem. A maçaneta gira e Miles identifica a voz de Jack e abre a porta. Mas Jack já é um deles e está acompanhado do Dr. Kaufman. Dá-se um significativo diálogo entre este e Miles, onde o psiquiatra explica a origem das sementes (vieram do espaço) e procura convencê-lo das vantagens de “ser como eles”: os problemas desapareceriam, sem amor, desejo, ambição, fé, a vida seria muito mais simples. Jack e Kaufman põem duas vagens no consultório e dizem que mais cedo ou mais tarde, eles dormirão e a duplicação se completará. Até 1 h, 04 min e 24 seg. Quando a sós com Miles, Becky reafirma seu desejo de um mundo com amor, dor, beleza e ... filhos (Será que os novos seres têm filhos?) Até 1 h, 04 min e 55 seg. 6. Quarta parte: A fuga final G) Sétimo grupo de seqüências: 6.1.A ciência contra o mal

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Miles decide enfrentá-los, com a ajuda de Becky e de drogas paralisantes que possui no seu consultório. Prepara as injeções e os seres são dominados. Fogem para a autoestrada. Até 1 h, 08 min e 14 seg. 6.2. Do consultório ao túnel: Saindo do consultório, fingem ser um “deles”, no entanto, Becky não se controla ao ver um cãozinho atravessar em frente de um caminhão e grita, expressando emoção. O guarda desconfia, corre ao consultório e percebe a fuga. Aciona um assustador alarme que soa durante todo este grupo de seqüências, onde os dois perseguidos pelos habitantes da cidades sobem uma escada e colinas até chegarem ao túnel, onde se escondem num buraco sobre tábuas e despistam os perseguidores. Até 1 h, 15 min e 52 seg. Ainda no túnel, exaustos, ouvem música e Becky reconforta-se de não serem os únicos a conhecerem o amor. Miles decide investigar e deixa Becky no túnel. A música vem do rádio de um caminhão, provavelmente deixado ligado pelos antigos usuários. Naquele momento, está sendo carregado de mais sementes. Até 1 h, 19 min e 01 seg. Miles retorna ao túnel e encontra Becky adormecida, toma-a nos braços e dirige-se para a auto-estrada. Ao tropeçar, caem abraçados e Becky diz que precisam dormir um pouco e ele insiste: vão conseguir e a beija. A música é aterradora e sinaliza a horrível transformação: Becky é um deles. Estupefato, Miles não vacila e recusa-se, mais uma vez, agora, ao seu amor, a se converter num daqueles seres. 1 h, 19 min e 12 seg. 7. Primeiro epílogo: Miles corre para a auto-estrada, perseguido novamente, pois Becky o denunciara. No meio da pista, aborda motoristas que passam e não param: “eles estão atrás de vocês! De sua família! De todo mundo! Eles estão aqui! Você são os próximos!” (Em primeiríssimo plano). Miles continua a gritar entre os carros que passam (plano médio). Até 1 h, 20 min e 18 seg. 8. Segundo epílogo: A narrativa retorna ao hospital e Miles apela para que acreditem em sua história. Chega um acidentado, vítima de atropelamento por um ônibus e que ficara soterrado sob sementes gigantes. O psiquiatra percebe que isto indica a veracidade da história de Miles e pede a telefonista que ligue para o FBI. O filme termina com Miles recostando-se na parede um pouco aliviado e o seu rosto, em close-up , é emoldurado (na versão em DVD não há moldura) numa tela: não se assustem, trata-se apenas de um filme... Até 1 h, 22 min e 10 seg. 4.Universo diegético: O filme se passa numa típica cidade do interior dos Estados Unidos, Santa Mira, Califórnia. A identificação pela polícia, por ocasião do alerta geral do carro do Dr. Miles Bennel, com um Ford Sedan, 1955, (4.3), indica o ano em ocorrem os acontecimentos. Os elementos urbanísticos estão bem sintonizados com o padrão da típica cidade interiorana. As externas foram filmadas em locações próximas de Los Angeles, na cidade de Sierra Madre (a praça triangular da cidade), e as cenas da fuga final foram feitas num bairro da própria Hollywood. A loja de presentes da Sta. Lentz (4.2), a loja de cachorro-quente onde policiais ouvem o alerta geral (4.3) e as cenas onde as ruas da cidade aparecem com mais destaque criam o clima de normalidade que Don Siegel procura construir para nele instaurar a progressiva anormalidade/paranóia.

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5. Leitura isotópica: A crítica à vida moderna (o diretor diz que identifica esse problema tanto no capitalismo, como no socialismo) na sua expressão de vegetatismo se traduz numa rede temática particularmente expressiva: indivíduo/coletividade/emoção/racionalidade (1.5, 4.1, 4.2, 5.1 e 6.2). É interessante notar que esta racionalidade extrema, da qual são dotados os “vampiros”, tem origem externa, não sendo fruto de desenvolvimento reflexivo, a própria mente é vista como limitada na compreensão de si própria (1.5). Outra rede temática analisada é a conspiração/paranóia (1.3, 1.4, 1.5, 4.2, 4.3, 5.1, 7 e 8). A conspiração em Vampiros de alma tem peculiaridades, como a origem extremamente vaga, pois vieram, simplesmente, do espaço, e o contágio como se fosse, de fato, uma doença; na verdade, o diagnóstico inicial, feito pelo psiquiatra dr. Kaufman, é de que se trataria de uma histeria coletiva.

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Rede temática

Elementos Axiologia figurativos Indivíduo/coletiviA afetividade 3.5. Becky dade/emoção/racio- pergunta como Mi- como elemento de nalidade les saberia se ela identificação. ainda é a mesma dos tempos do colégio e este a beija. 6.2. De volta ao túnel (na fuga da cidade para a autoestrada), Miles beija Becky e descobre que ela não é mais humana. 5.1. Cena anterior: Kaufman argumenta que o processo de transformação é indolor: quando os seres humanos dormem, as vagens absorvem as mentes e se renasce num “mundo novo”, Miles completa, com pesar, “onde todos são iguais”. 4.1. Cena em que Kaufman procura convencer Miles a se tornar um deles.

A expressão “admirável mundo novo” era utilizada pela imprensa burguesa estadunidense para caracterizar o comunismo, na época, e o tom da expressão de Miles é pesaroso quanto à igualdade, vista como antítese de identidade individual. Homens da ciência devem compreender que ao se eliminar amor, desejo, ambição, fé, torna-se a vida mais simples.

Matérias significantes Palavra e imagens compõem um equilíbrio por oposição (ele responde com um gesto, uma imagem, portanto). No segundo caso, o beijo é acompanhado de música aterrorizadora e a expressão de pânico de Miles.

Predomínio da expressão verbal

Imagens e palavras; nesta cena a semiose-guia é a palavra; os diálogos são curtos e procuram sintetizar a temática básica.

3.1.1. Miles As imagens Estamos pensa retrospecti- frente à valorização da criança fugitiva e vamente sobre a da intuição. a loja abandonada. cena do garoto fugindo da mãe e a mercearia fechada. Já naquele momento deveria ter desconfiado que alguma coisa estava errada A semioseNovamente

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Rede temática

Elementos Axiologia Matérias sigfigurativos nificantes [Como, se os indí- a intuição é valori- guia é palavra. cios não eram assim zada, retrospectivatão indicativos de mente. anormalidade?]. 3.4. Ao terminar a visita a Sta.. Lentz, Miles, como narrador diegético, diz que seu sexto sentido o alertava para os estranhos comportamentos, mas não deu ouvidos. A figura hu4.2. Miles encontra as réplicas mana é considerada, naqueles e reluta em destruí- mesmo seres que não são las humanos.

Ciência segurança

Ciência não-ciência

e

3.4 Na visita a Sta. Lentz, Miles procura assegurá-la que ninguém incorporaria seu tio, sem que ela ou sua tia notassem a diferença. e 3.5.Kaufman procura estabelecer os limites da ciência. Quer convencer Miles de que os médicos também podem ter pesadelos e que a mente nunca irá entender a si própria.

A semioseguia é a imagem (cópias humanas e a expressão de dor no rosto de Miles)

A ciência é Os dois convalorizada na análise versam a sós em que o médico faz da primeiro plano: isituação. dentificação plena de imagem e palavra.

A ciência (expressão da racionalidade extirpada de sensibilidade afetividade) é apresentada agora nos seus limites, pois interessa fazê-los pensar que estão tendo fantasias.

A palavra

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Sob o domínio do mal Gênero: thriller político Ficha técnica: Título: The manchurian candidate, Estados Unidos (em português Sob o domínio do mal) Ano: 1962 Distribuição e estúdio: United Artists Duração: 126 min Diretor: John Frankenheimer Produtores: George Axelrod e John Frankenheimer Produtor executivo: Howard W. Koch Diretor de produção: Richard Sylbert Produção: M.C. Roteiro: George Axelrod, baseado na novela de Richard Condon Diretor de fotografia: Lionel Lindon Montagem: Ferris Webster Música: David Amram Direção de arte: George Nelson Vestuário: Moss Mabry Penteados de Janeth Leigh: Gene Shacove Jóias: Ruser, Beverly Hills Cópia analisada: fita em VHS distribuída por Warner Home Video Personagens principais e intérpretes: Benneth Marco (Frank Sinatra), Raymond Shaw (Laurence Harvey), Rosie (Janeth Leigh), Eleanor Iselin (Angela Lansburry), Chunjin (Henry Silva), Senador John Iselin (James Gregory), Jocie Jordan (Leslie Parrish), Senador Thomas Jordan (John McGiver), Yen Lo (Khigh Dhiegh), Cabo Melvin (James Edwards), Albet Paulsen (Zilkov) e Douglas Henderson, Barry Kelly, Lloyd Corrigan e Madame Spvy.

1. Resenha: Pelotão americano sofre lavagem cerebral durante a Guerra da Coréia. Ao retornarem aos Estados Unidos, dois desses soldados – o Sargento Raymond Shaw (Lawrence Harvey) e o Major Benneth Marco (Frank Sinatra) se vêem envolvidos num complô para assassinar um candidato à presidência, beneficiando o candidato a vice, Senador Iselin (James Gregory), líder da campanha anticomunista e passivo instrumento dos planos da Sra. Iselin (Angela Lansburry). Raymond é filho da Sra. Iselin, com quem tem uma relação bastante problemática. Marco e o Cabo Melvin (James Edwards) têm pesadelos onde o Sargento Shaw aparece assassinando friamente dois dos companheiros da patrulha dados como mortos. Marco e Melvin repetem, como se estivessem em transe, que o Sargento Shaw é “o mais gentil, corajoso, cordial e maravilhoso ser humano” que já conheceram. Marco procura ajuda dos seus superiores e começa a investigar, aliado à CIA e ao FBI, os estranhos pesadelos. Descobre que o Sargento Shaw se transformara numa máquina de matar a serviço dos comunistas e do operador americano, a Sra. Eleanor Iselin. O Major Marco descobre o mecanismo em que Shaw está enredado e tenta impedir a concretização da trama comunista. Sob o domínio do mal é um thriller político dotado de um componente pouco usual no gênero – o non-sense. Embora muito realista, por um lado, fazendo uso da narração, de cenas documentais (a convenção partidária), recursos fortalecedores do “efeito do real”, incorpora um tratamento surrealista na abordagem da lavagem cerebral e em outras seqüências, como o encontro de Ben Marco (Frank Sinatra) e Rosie (Janeth Leigh). Pauline Kael, crítica de cinema americana, o classificou como a “sátira política mais sofisticada jamais feita em Hollywood”.

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O enredo é mirabolante. A conspiração que visa tomar o poder nos Estados Unidos é simplesmente uma coligação de comunistas e anticomunistas. Há uma área da ideologia que permanece intocada. O patriotismo é preservado de qualquer crítica, ao lado da defesa do herói individual trágico, que se sacrifica para o bem da pátria. A linguagem tem pontos altos, como a panorâmica de 360º na apresentação dos resultados da lavagem cerebral, com seus múltiplos pontos de vista, proporcionados pelo de cenários giratórios; e a muito dinâmica seqüência do enfrentamento do senador Iselin (James Gregory) com o secretário de Defesa, onde os vários pontos de vista são agora criados pelas imagens de televisão ali localizadas. Nesta seqüência foram usadas cinco câmeras de televisão e quatro cinematográficas. Em Sob domínio do mal o anticomunismo se conjuga com o senso de humor, encontro que se repetiria dois anos mais tarde com Dr. Fantástico. Indica que o perigo agora deve vir dos comunistas chineses e dá sinais das divergências perceptíveis no bloco socialista, desde 1960. 3. Contexto histórico-temático: Sob o domínio do mal (1962) é o quinto filme do diretor John Frankenheimer, nascido em 1930, nos Estados Unidos. Estudou na Academia Militar de La Salle, foi assistente de Sidney Lumet e dirigiu peças para a televisão. A sua inovadora experiência na televisão está presente em Sob o domínio do mal, onde a montagem muito rápida, o uso de planos gerais e várias câmeras em determinadas seqüências, como na entrevista coletiva do Secretário de Defesa, no Pentágono, onde foram usadas cinco câmeras de televisão e quatro cinematográficas, nada lembram os procedimentos técnicos usuais da televisão. Nos anos 60, exerceu militância política, como membro da American Civil Liberties Union e participando da campanha de Robert Kennedy. Em 5 de junho de 1968, a realidade imitava a ficção: em campanha para ser escolhido candidato a presidente dos Estados Unidos, Robert Kennedy era assassinado, lembrando com sinais ideológicos invertidos o assassinato do personagem Johnny Iselin em Sob o domínio do mal. Frankenheimer representa o interesse freqüente de uma geração pela ficção política, que ele explicava assim: “Saía-se de um período abominável, na América, o macarthismo. Nós tínhamos passado por oito anos de Eisenhower e nós todos sentíamos que era necessário fazer alguma coisa e tudo explodia durante algum tempo. Isso tudo produzirá algo novo, eu creio, a despeito dessa nossa submissão atualmente aos Estados Unidos de Nixon, que ultrapassa toda imaginação. Na época, nós éramos muito conscientes dos numerosos problemas e o fato de emergirmos de um período de opressão nos permite cristalizar nossos esforços: nós fomos todos muito marcados por MacCarthy, pelo problema atômico ...265

Frankenheimer fala de intelectuais (cineastas, escritores, roteiristas) que refletem em suas obras uma concepção de mundo que organiza o senso comum e reflete angústias, cuidadosamente mantidas longe de qualquer “radicalismo”. Sob o domínio do mal é um exemplo dessa busca do meio termo: o diretor costumava afirmar que a extrema esquerda e a extrema esquerda chegam sempre ao mesmo resultado. Mais recentemente, Frankenheimer fez Against the wall (Ática, a solução final, 1993), filme para a televisão que ganhou o Emmy de melhor diretor e Amazônia em cha-

265

Michel CIMENT et Bertrand TAVERNIER, Entretien avec John Frankenheimer.1., p. 65.

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mas (The burning season, 1994), sobre a vida de Chico Mendes, líder dos seringueiros no Brasil. Sob o domínio do mal foi lançado em 1962 e acolhido friamente, tanto pela crítica quanto pelo público. Quando do assassinato de John Kennedy, em novembro de 1963, o filme já estava fora de cartaz. E permanecerá fora das telas até ser relançado no Festival de Nova Iorque em 1987. Um processo entre Frank Sinatra, um dos produtores do filme, e a United Artists impedia sua exibição. O segundo lançamento consolidou a posição do filme como um clássico do gênero thriller político. Pauline Kael, crítica do New Yorker, considera-o “a sátira política mais sofisticada jamais feita em Hollywood”. Sintaxe narrativa 1. Prólogo: 1.1. Coréia, 1952: dois militares chegam de carro, o que está na direção desce, o outro parece desaprovar sua atitude. Trata-se de um bordel, onde soldados se divertem. O ambiente está repleto de sinais dos Estados Unidos: jazz, retrato do gen. McArthur na parede, algumas mulheres lêem revistas americanas, frases em inglês na parede e a cafetina fala algo em inglês; o sgt. Raymond apita, convocando seus soldados, que reclamam de sua aparente reprovação por estarem se divertindo. Até 1min42s. 1.2. Uma patrulha americana, da qual faz parte o sgt. Raymond, se encontra numa área pantanosa, orientados por um guia coreano, seguem em fila indiana para uma armadilha: são nocauteados e postos em helicópteros com a estrela vermelha, sob o comando de um oficial que parece ser soviético. Até 4min6s. 2. Créditos. Até 5min43s. 3. Primeira parte: A chegada do herói 3.1.Um narrador em off apresenta a chegada do sgt. Raymond Shaw a Washington para ser condecorado por bravura; além de oficiais, o aguardam uma multidão de repórteres. A mãe de Raymond pretende fazer da ocasião um ato de promoção do Senador Iselin, seu marido. Aborrecido, Raymond recrimina o oportunismo. A mãe, fazendo-se de vítima, discursa sobre o seu altruísmo; como uma criança, Raymond tapa os ouvidos. Até 8min22s. 3.2. A narração sobre a imagem do avião militar que o trouxera, informa que o sargento salvara a patrulha e capturara um ninho de metralhadoras do inimigo, numa atitude de “bravura maior do que lhe requeria o dever”. Até 9min1s. 3.3. No avião de campanha do Senador Iselin, Raymond diz que não seguirá com os pais, vai ficar em Nova Iorque, trabalhando no jornal de Holborn Gaines, adversário de sua mãe e de Iselin. Questionado por estar indo trabalhar com “aquele comunista”, Raymond diz que ambos têm muita coisa em comum: “desprezamos você e Johnny” [Iselin]. 4. Segunda parte: O pesadelo 4.1. A narração apresenta a nova situação do agora Major Bennet Marco, foi designado para a inteligência militar: uma panorâmica parte de seu casaco, passando por uma série de livros, até à cama, onde o major tem seu pesadelo recorrente. A música torna-se, aos poucos, minimalista e tenebrosa. Até 11min20s. 4.2. Num agradável saguão de hotel, uma senhora conferencia sobre o cultivo de hortênsias para uma platéia formada pelos membros da patrulha e mulheres brancas; a partir da senhora inicia-se uma panorâmica que termina num homem de feições orientais, que discursa para uma platéia de líderes comunistas sobre as possibilidades da lavagem cerebral e da hipnose. Depois de apresentar uma bibliografia que respalda a tese de que é possível sob hipnose realizar atos contra a vontade, o psiquiatra Yen Lo ordena que o Sgt. Raymond mate um de seus companheiros. A narrativa alterna vários pontos de vista: o dos

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soldados que pensam estar participando de uma conferência sobre hortênsias, o de Yen, que faz uma demonstração de sua técnica a representantes comunistas, entre os quais, soviéticos e chineses, e várias combinações do ponto de vista dos soldados. Note-se que as imensas fotos de Stalin, Mao e outros líderes comunistas decoram os dois ambientes, com destaque para os dois primeiros. Até 17min1s. 4.3. O major Marco relata seu pesadelo a um grupo de oficiais. O major acha intrigante que seja Ed Mavole quem seja estrangulado no seu pesadelo: foi um dos dois homens da patrulha mortos na Coréia; um oficial diz que não há razões para se suspeitar de Raymond Shaw. O próprio Marco afirma sobre o colega: “é o mais gentil, corajoso, cordial e maravilhoso ser humano que já conheci”, opinião compartilhada por todos. O major é removido para um setor menos estressante: o serviço de relações públicas. Até 18min56s. 5. Terceira parte: Quantos comunistas? 5.1. Numa coletiva à imprensa, o Secretário de Defesa explica a redução dos investimentos na Marinha; antes do encerramento, o Senador Iselin pede a palavra e denuncia a existência de 204 comunistas no Departamento de Defesa; o secretário repudia a intromissão e termina a entrevista. O assessor, Major Marco, sai à procura do Senador para saber quantos comunistas de fato são. O senador fala em 104, depois 275. Até 21min58s. 5.2. A câmera focaliza, em primeiro plano, uma foto da patrulha, depois um casal de negros na cama, o homem debate-se com um pesadelo. Vemos o saguão do hotel, uma senhora negra, assistida por outras mulheres negras, prossegue com a exposição. Interrogado por Yen Lo sobre o que faria ao voltar ao seu país, o Capitão Marco repete mecanicamente que vai recomendar a condecoração de Raymond por bravura. Um dos russos estranha que a patrulha tenha que destruir uma companhia inteira, mas se tem que ser assim, que seja uma companhia chinesa, pois assim estariam “humilhando os bravos aliados chineses”. Encerrando a demonstração, o Sgt. Raymond mata um jovem com um tiro na fronte, o sangue respinga sobre a foto de Stalin. O soldado acorda em pânico e aceita a recomendação da mulher para que escreva ao Sgt. Raymond, que ele considera “a pessoa mais corajosa, gentil e maravilhosa que conheci”. Até 25min39s. 6. Quarta parte: Checando as conexões 6.1. Raymond chega em casa e encontra a carta do colega pedindo ajuda, enquanto a lê, recebe telefonema que ordena que passe o tempo jogando paciência, quando surge a dama de ouro, o telefone toca novamente e a voz avisa que se prepare para um check-up dali a uma semana. Até 29min34s. 6.2. Chega ao jornal a informação de que Raymond fora atropelado; na casa onde está hospitalizado recebe a visita do Sr. Yen, que admira as instalações de seu colega russo Zilkov e chega a gracejar de sua possível contaminação pelo vírus capitalista, já que o seu era o único negócio russo, nos Estados Unidos, a dar lucro. Na cama, à frente de Raymond, uma carta da dama de ouro. Yen procura checar as conexões para passar Raymond para o operador americano. Yen diz que o soviético tem uma preciosa arma nas mãos, um soldado sem culpa ou temor, os dois sintomas americanos, que poderiam fazer com que se denunciasse. Se despede, dizendo que vai passar a tarde no Macy’s, pois a Sra. Yen entregara-lhe uma lista imensa. Até 34min28s. 6.3. Yen e Zilkov discutem se Raymond está em condições de passar para o operador americano. Zilkov quer que o sargento mate alguém para certificar-se de continua ativo. Yen propõe Holborn Gaines, o dono do jornal onde Raymond trabalha. Até 35min30s.

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6.4. Raymond chega à casa de Gaines para matá-lo, este se encontra vestido com o penhoar da mulher, morta há seis anos. Raymond se aproxima da cama e a câmera fecha no paletó escuro. Até 37min38s. 7. Quinta parte: Primeiras revelações: 7.1. Cercado de livros, Marco recebe a visita de um oficial que traz uma licença médica por tempo indefinido. Ben Marco acha que há algo de muito errado com Raymond e o grupo que lutou na Coréia. Diz ao colega que não acredita absolutamente no que respondeu ao psiquiatra: “ele [Raymond] é, de fato, um dos seres humanos mais repulsivos que já encontrei na vida!” Até 41min44s. 7.2. Ben tem um curioso encontro com uma assistente de produção num trem para Nova Iorque. Os dois fazem perguntas banais e sem sentido, num típico jogo de aproximação. Ben dá sinais de um certo desequilíbrio, a sua amiga, não menos. Até 47min42s. 7.3. Raymond, já à frente do jornal, recebe a visita de Chunjin, intérprete da patrulha americana na Coréia. Chunjin passa a trabalhar para Raymond. Até 50min23s. 7.4. Em casa, o Senador Iselin reclama de Babe [Eleanor Iselin] ter que falar sempre números diferentes de comunistas no Departamento de Defesa; Babe Iselin observa o número 57 no frasco de molho; no plenário, visivelmente embriagado, o Senador Iselin diz ser 57 o número de comunistas infiltrados no Departamento. Até 52min12s. 7.5. Ben chega a casa de Raymond e encontra Chunjin. Os dois lutam violentamente. Ben faz duas perguntas: o que Raymond fazia com as mãos e como as velhas senhoras se passaram para o lado dos russos. Até 54min1s. 7.6. Rosie vai à delegacia onde está Ben e o ajuda a sair. Até 55min2s. 7.7. Ben e Rosie dirigem-se para a casa dela e têm novo diálogo surrealista: após o encontro no trem ela terminara com o noivo e no mesmo instante recebera o telefonema do Departamento de Polícia. Acha que Washington é o General Washington e afirma ser ela quem conhece Ben, de fato, embora seja apenas a segunda vez que o vê. Até 57min4s. 7.8. Ben encontra-se com Raymond. Fala do pesadelo, que este já conhecia por meio do relato de Melvin. Ben pede que Raymond ligue para Rosie e diga que vai a Washington e depois entrará em contato. Até 1h10s. 7.9. Em Washington, Ben, já levado à sério, identifica dois participantes da demonstração: o homem que usava óculos e uniforme militar e o que estava à paisana; o primeiro é na verdade, Borozovo, membro do Comitê Central. O coronel Milt recomenda a criação de uma comissão mista Inteligência militar-CIA-FBI, da qual faz parte Ben. Até 1h2min23s. 8. Sexta parte: Édipo ou Orestes?266 8.1. Raymond e Ben jantam juntos. Ben, depois de ter bebido um pouco, revela como é duro ter que odiar a própria mãe. Fala, pela primeira vez de Jocie Jordan. De como se conheceram, depois dele ter sido mordido por uma cobra. Até 1h6min39s. 8.2.A sta. Jordan socorre Raymond e o leva a sua casa, lá está o pai, que é o “comunista” senador Thomas Jordan, adversário da mãe de Raymond. O senador diz que um dos maiores encantos da Sra. Iselin é chamar de comunista quem discorde dela. Mas acredita que lamenta mais o fato de que a indenização por difamação tenha sido doada a União Americana pelas Liberdades Civis. Raymond passa a freqüentar a casa dos Jordan e a namorar Jocie. A imagem de Raymond se funde com breves seqüências do idílio dos dois. Até 1h11min33s. 266

Nesta seqüência, o major Marco compara a história de Raymond ao mito de Orestes e Clitemnestra. Na tragédia grega, Orestes mata Clitemnestra, sua mãe, para vingar-se do assassinato do pai, Agamémnon.

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8.3.A sra. Iselin chama Raymond para uma conversa: quer saber porque ele anda com “aquela canalha comunista”. Diz que os americanos vivem uma guerra, uma guerra fria, “que ficará cada vez pior até que cada homem e mulher deste país se erga e diga se está do lado do direito e da liberdade ...” Raymond põe as mãos nos ouvidos, como fizera na recepção do aeroporto. Esta cena se funde com a cena da conversa com Ben. Até 1h13min10s. 8.4.Ben diz que fora levado pela mãe a escrever uma carta a Jocie, repudiando-a . Lamenta, mas sabe que sua mãe sempre vence e ele não merece ser amado. Chora e o amigo o conduz para a cama. Até 1h14min24s. 8.5.Raymond entra em um bar, onde vai se encontrar com Ben. O dono do bar fala sobre jogo de cartas e o cunhado inconveniente. Quando Raymond ouve a expressão “por que não joga paciência?”, pede o baralho e inicia um jogo, ao ver a dama de ouro, ouve o dono do bar dizer que mandara, aborrecido, o cunhado tomar um táxi e pular no lago do Central Park, e é o que Raymond faz. Ben o segue e ao perguntar porque o amigo fizera aquilo, lembra que no sonho, Raymond sempre joga cartas. Com o consultor psiquiátrico tenta identificar o mecanismo acionador e acaba lembrando da associação que o chinês fizera: “Posso ver aquele chinês, rindo como Fu Manchu e dizendo: ‘a dama de ouro lembra de várias formas a amada de Raymond e sua mãe odiada É a segunda chave para liberar o mecanismo para qualquer outra tarefa’”. Até 1h19min38s. 9. Sétima parte: A festa 9.1. Babe diz ao Senador Iselin que está na hora de Raymond casar-se e a moça ideal é Jocelyn Jordan. Até 1h21min12s. 9.2.Babe visita Raymond e convida-o para uma festa à fantasia na casa de Long Island, onde os Jordam estarão presentes, “considerando como a tratou mal no último verão”, comparecer a festa seria um gesto gentil. Até 1h2251. 9.3.Na festa, Babe fica a sós com Raymond, pois parece ter algo de importante a dizer-lhe, inicia o jogo de paciência, mas interrompe para tentar convencer o Senador Jordan a não vetar o nome de Johnny para vice na convenção. Jordan que não acredita que Johnny seja apenas um palhaço, afirma que vai impedi-lo de se vitorioso na convenção com todas as suas forças. Diz que mesmo que Iselin fosse um agente soviético, não seria tão perigoso. Enquanto isso, Jocely entra no quarto fantasiada de dama de ouro e Raymond e ela se abraçam. Até 1h29min15s. 9.4.Ben e Rosie têm mais uma conversa surrealista: ele a pede em casamento, ela diz querer tanto casar como comer comida italiana ... 9.5.Ben vai ao apartamento de Raymond com a intenção de fazer com que ele se entregue para interrogatório. Raymond e Jocelyn chegam e dizem que acabaram de casar. Ben dá 48 horas para que possam ficar juntos na lua de mel. Até 1h34min51. 9.6.Raymond e Jocelyn vêem pela televisão o Senador Iselin recrudescer com as acusações a Thomas Jordan. Raymond diz a Jocelyn que vai fazer o que já deveria ter feito a muito tempo: “acabar com aquele canalha...” Até 1h36min48s. 10.Oitava parte: Orestes mata Clitemnestra 10.1. Raymond chega à casa da mãe, ela retira um baralho da gaveta e diz que ele tem algo a fazer. Raymond, como um autômato, vai à residência do Senador Jordan, matao e em seguida, Jocelyn. Até 1h39min34s. 10.2.Na comissão de investigação, acompanha-se a convenção pela TV. Ben recebe um telefonema de Raymond, que está num hotel próximo ao Garden [Madison Square Garden], onde se realiza a convenção. Ben dirige-se ao hotel e desfaz a conexão de Ray-

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mond com o operador. Raymond diz que a patrulha fora levada por uma unidade aérea russa pela fronteira da Manchúria até Tunghwa, [Manchúria é antiga região do nordeste da China, de onde vieram os manchus, povo nômade que domina o império chinês de 1644 a 1911, Tunghwa pode ser uma cidade da Rússia] lá foram submetidos por cientistas do Instituto Pavlov a uma técnica para atingir o consciente. Falou das mortes, mas não pôde responder qual o objetivo de tudo isso. A mãe de Raymond telefona e diz que há um carro pronto para levá-lo à convenção. Raymond acha que é melhor ir, Ben lhe dá um número para que ele ligue quando souber qual o objetivo da operação. Até 1h49min24s. 10.3. Babe prepara Raymond para o ato final: o assassinato do candidato a presidente. Johnny erguerá o corpo do candidato nos braços e começará o discurso. A seguir “atacará câmeras e microfones ... todo sujo de sangue, afastando quem tentar ajudá-lo ... defendendo a América até a morte, se preciso. Levada à histeria, a multidão de telespectadores nos levará a Casa Branca com poderes que farão a Lei Marcial parecer anarquia”. A Sra. Iselin diz que os comunistas a subestimaram, no poder, se livrará deles, pelo que fizeram a seu filho. Toma o rosto de Raymond e o beija de forma sensual. Até 1h53min12s. 10.4. Raymond chega ao local da convenção e se instala na cabine. Na comissão de investigação, Ben e o tenente Milt aguardam com apreensão o telefonema; depois de muito esperar, decidem ir ao local. Até 1h57min14s. 10.5. Os convencionais chegam, Ben e Milt procuram Raymond. Até 1h58min26s. 10.6. Canta-se o hino nacional americano e planos do ginásio e da cabine se alternam; enquanto canta-se o hino, Raymond prepara o rifle. Até 2h40s. 10.7. O candidato a presidente começa o seu discurso. Temos três níveis de planos: o do candidato, de Raymond apontando a mira (curiosamente aponta sempre para o candidato, estaria ainda sob o comando dos conspiradores?) e de Ben, que localizara uma luz, e corre em sua direção. Raymond muda a mira e atira em John Iselin e em seguida na mãe. Quando Ben chega à cabine, ele atira em si próprio. Até 2h4min7s. 10.8. Chove como na seqüência na Manchúria. Ben está com Rosie e lamenta a perda do amigo. Abre um livro e lê uma citação de bravura, fecha e diz a que seria de Raymond: “Feito para atos impossíveis de serem citados por um inimigo que capturou sua mente e sua alma, ele se libertou finalmente. E com heroísmo, e sem hesitação, deu sua vida para salvar este país”. Até 2h5min56s. 5. Universo diegético: A seqüência dos resultados da lavagem cerebral e do novo uso da hipnose (4.2) mistura as mais arbitrárias fantasias com elementos estritamente históricos. A sala onde o psiquiatra Yen Lo apresenta os resultados de sua experiência está repleta de fotografias de líderes comunistas, como Stalin, Mao Tse-tung e outros. Nota-se a ausência de Krushev e Tito, líderes que os liberais americanos não desejariam estigmatizar naquele momento prédétente. A águia americana estampada no bumbo da banda que recebe o sgt. Raymond é a localização simbólica do lugar onde a narrativa passa a desenvolver-se, depois do situado no território coreano. Nestas cenas iniciais, o bordel é um local apresentado como repleto de referências americanas: jazz, revistas americanas, retrato do gen. MacArthur na parede e outros. Por outro lado a presença dos comunistas é identificada no helicóptero que recolhe a patrulha americana, pois tem uma estrela vermelha e o oficial que comanda a operação parece ser soviético.

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6. Leitura isotópica: Há duas redes temáticas fundamentais em Sob o domínio do mal: a conspiração comunista e a abordagem do indivíduo numa dupla caracterização, como suscetível de profunda manipulação e capaz de superar situações adversas. Na rede temática conspiração (4.2, 6.1, 6.2), é importante registrar que um dos conspiradores, a sra. Eleanor Iselin, se distingue dos demais ao se dizer não-comunista, e revela ter interesse, simplesmente, em chegar ao poder a qualquer preço. Nesta situação, livrar-se-á dos próprios comunistas, que a fizeram sacrificar seu filho (10.3). A rede temática indivíduo/manipulação/independência/heroísmo apresenta dois personagens com personalidades bem distintas: Raymond Shaw com sua frustrada tentativa de se livrar da manipulação, desde aquela que se origina na relação com a mãe, até a resultante da hipnose e lavagem cerebral. Shaw só supera completamente tal situação com o sacrifício (3.1, 6.2, 8.3, 8.4 e 10.7) e a escalada de independência e heroísmo de Ben Marco (4.3, 7.2, 7.9 e 10.8).

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007 contra o satânico dr. No Gênero: thriller de espionagem 1.Ficha técnica: Título: Dr. No, Grã-Bretanha (em português, 007 contra o satânico Dr. No) Ano: 1962 Estúdio: United Artists Duração: 111 min Direção: Terence Young Produtores: Albert R. Broccoli e Harry Saltzman Roteiro: Richard Maibun, Johanna Harwood e Berkley Mather, baseado no romance de Ian Fleming Direção de fotografia: Ted Moore Edição: Peter Hunt Música: Monty Norman Direção de arte: Dyd Cain e Ken Adam Cor: colorido (Technicolor) Cópia analisada: fita em VHS Personagens e atores principais: James Bond (Sean Connery), Honey Ryder (Ursula Andrews), dr. No (Joseph Wiseman), Felix Leiter (Jack Lord), prof. Dent (Anthony Dawson), Quarrell (John Kitzmuller, Miss Taro (Zena Marshall), M (Bernard Lee) e outros.

2. Resenha crítica: O agente James Bond (Sean Connery) vai à Jamaica para investigar o assassinato de um agente britânico e sua secretária. Auxiliado por um agente da CIA, Felix Leiter (Jack Lord), Bond escapa de vários atentados e descobre que as mortes estão ligadas a visitas feitas a Crab Key, distante ponto da costa. Ali vive o misterioso cientista de origem chinesa, dr. No (Joseph Wiseman). Bond parte para investigar a suspeita fortaleza do dr. No. Ao desembarcar na praia, encontra Honey (Ursula Andrews), que o alerta sobre um dragão. Bond descobre que o dragão, na verdade, é um tanque de guerra, equipado com lança-chamas e que o local é uma base para interceptar os foguetes americanos lançados em Cabo Canaveral. O filme retoma alguns clichês de antigos seriados e beneficia-se do arsenal que a série de filmes anticomunistas havia produzido, atualizando-os segundo os princípios da distensão entre os blocos capitalista e socialista, iniciada a partir de 1963. O aspecto novo está na construção do herói. James Bond é um herói robotizado, ao contrário dos heróis da série anticomunista que entravam em choque com o processo de desumanização em desenvolvimento na sociedade. Bond é um frio assassino, que em pelo menos uma ocasião, extrapola sua “licença para matar”. Isto ocorre na seqüência em que ele se confronta com o prof. Dent. 2. Contexto histórico-narrativo: As novelas de Ian Fleming com o personagem James Bond já faziam algum sucesso antes do lançamento da primeira adaptação para o cinema em 1963. No início dos anos 60, os produtores ingleses Harry Saltzman e Albert R. Broccoli compraram os direitos autorais das novelas e iniciaram a série de longo sucesso, como demonstra a recente Terence Young foi o diretor de três dos quatro primeiros episódios (007 contra o satânico dr. No (1962), Moscou contra 007 (1963) e 007 contra a chantagem atômica (1965) – o terceiro, 007 contra Goldfinger (1964) foi dirigido por Guy Hamilton. Young

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nasceu em Xangai e estudou história em Cambridge. Estreou na direção em 1947 com o filme Escravo do passado, deixando boa impressão na crítica. Depois da série 007, seus trabalhos não causaram impacto maior. 3.Sintaxe narrativa: 1. Créditos. Até 1min57s. 2. Primeira parte: Problemas no Caribe preocupam Londres 2.1. Três cegos caminham pelas ruas de uma cidade. Param quando chegam a um aristocrático clube. Até 2min24s. 2.2. Quatro senhores jogam cartas no clube e um deles levanta-se para atender a um compromisso. Quando está entrando no carro, os três “cegos” o atingem. Um carro se aproxima e o corpo é transportado no veículo que parte em alta velocidade. Até 3min21s. 2.3. Uma jovem começa a enviar uma mensagem pelo rádio transmissor. De repente, é surpreendida por homens que invadem a casa e a matam. O objetivo deles é ter acesso a pastas de um arquivo com os nomes “Crab Key” e “Doctor No”. Até 4min33s. 2.4. Em Londres, na estação de recepção, investiga-se a interrupção da transmissão. Até 5min40s. 2.5. Num clube londrino, James Bond joga cartas com uma bela mulher. É interrompido por um mensageiro que diz trazer uma notícia urgente. Até 8min43s. 2.6. No gabinete do serviço secreto britânico, Bond toma conhecimento do problema. O homem assassinado no clube é Strangways, agente que investigava, junto com a CIA, interferências nos foguetes americanos. A suspeita é que a origem esteja na Jamaica. O agente Bond deve partir imediatamente para lá. Até 13min55s. 2.7. No apartamento, a bela mulher aguarda James Bond. Até 15min24s. 3. Segunda parte: Começa a investigação na Jamaica 3.1. No aeroporto, James Bond é recepcionado por um estranho motorista que se diz enviado pelo governo local. Saindo do aeroporto, Bond percebe que outro carro o segue. Já sabendo que o governo não enviara nenhum motorista, imobiliza o estranho e procura saber para quem ele trabalha. O motorista ingere uma cápsula e morre imediatamente. Até 20min51s. 3.2. James Bond vai até um escritório do governo e relata o incidente, deixando claro que alguém sabia de sua chegada e preparara a emboscada. Fala ao representante do governo que precisa encontrar as últimas pessoas com quem Strangways estivera. Até 22min10s. 3.3. James Bond vai à casa de Strangways e encontra um recibo de uma análise de minérios feita pelo laboratório do prof. Dent, um dos últimos a estarem com o agente britânico desaparecido. Há também uma foto onde Strangways aparece com o homem que dirigia o carro da perseguição. Até 23min37s. 3.4. No quarto do hotel, Bond suspeita da bebida que lhe servem e previne-se contra a presença de estranhos no seu apartamento. Até 25min9s. 3.5. No clube, Bond obtém informações sobre o desaparecimento de Strangways. Sabe que pescava muito e que alugava regularmente um barco. Até 25min49s. 3.6. No porto, Bond encontra Quarrell, o homem que alugava o barco e que fora fotografado ao lado de Strangways. Quarrell desconfia de Bond, pois o vira com o estranho motorista. Depois que Bond enfrenta Quarrell e o dono do bar, chega Felix Leiter (Jack Lord), agente da CIA. Até 30min26s.

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3.7. Bond, Quarrell e o agente da CIA conversam sobre as interferências. Bond fica sabendo que o único local ainda não suficientemente investigado é uma ilha chamada Crab Key, pertencente a um chinês conhecido como dr. No. Até 34min26s. 3.8. Bond vai até o escritório do prof. Dent, o geólogo com quem Strangsways jogava cartas, para saber sobre as pedras que o agente teria trazido de Crab Key. Dent afirma que as jogara fora por não terem nenhum valor. Até 36min45s. 3.9. O prof. Dent vai até Crab Key e relata a uma voz misteriosa o problema da presença de Bond e a possibilidade de que ele chegue até Crab Key. O prof. Dent sai com uma aranha para assassinar Bond. Até 40min23s. 3.10. À noite, Bond é vítima de mais uma tentativa de assassinato: uma aranha venenosa fora colocada no seu quarto. Até 43min43s. 3.11. Na representação diplomática britânica, Bond fica sabendo que o dr. No administra a ilha como um campo de concentração. Recebe uma encomenda de Londres e suspeita que a secretária, Miss Taro, ouvira a conversa atrás da porta. Até 45min49s. 3.12. Bond descobre que as pedras que Strangways trouxera da ilha são radioativas e prepara-se para ir até la. Até 47min23s. 3.13. Bond é convidado pela secretária a visitá-la. No caminho, é perseguido por um carro que acaba caindo num precipício e incendiando-se. Até 50min29s. 3.14. Bond dorme com a secretária. Em seguida, a entrega à polícia. Aguarda a chegada do assassino e descobre que trata-se do prof. Dent. Ao tentar matá-lo, Dent atira com uma arma descarregada. Bond friamente o assassina. Até 50min29s. 4. Terceira parte: Bond em Crab Key 4.1. Bond encontra Honey Ryder (Ursula Andrews), uma jovem que caça conchas no litoral da ilha. Os dois e Quarrell conseguem escapar dos agentes do dr. No. Até 1h11min3s. 4.2. Bond e Quarrel enfrentam o “dragão”, na verdade, um tanque com lançachamas. Quarrell é morto e Bond e Honey são presos. Até 1h17min. 4.3. Honey e Bond são recebidos na fortaleza do dr. No. São avisados que o cientista os aguarda e dormem sob a ação de soníferos. Até 1h22min54s. 4.4. No dia seguinte, o dr. No apresenta a Bond seu plano de domínio mundial. Conta que é filho de um missionário alemão com uma chinesa e que depois de participar de uma organização criminosa na China, fogira com milhões em ouro. Propõe a Bond que ingresse na sua organização. Bond argumenta que o seu descaso pela vida o faria ser aceito no “Oriente”. No diz que apresentara seu plano de uso da energia nuclear ao “Oriente” e aos americanos, sendo rejeitado por ambos. E pensara que poderia cooptar Bond para sua organização. No acha que “Oriente” e “Ocidente” são apenas pontos. Ambos estúpidos. Até 1h32min59s. 4.5. Bond é aprisionado, mas escapa pelas tubulações e chega até a sala de comando. Lá sabota as instalações, frustrando os planos do dr. No de embaralhar a rota do foguete americano. Bond e No lutam até o cientista cair nas águas escaldantes da sala de comando. Bond e Honey fogem numa lancha enquanto a fortaleza explode. Até 1h46min32s. 5. Epílogo Bond e Honey namoram enquanto aguardam a chegada do agente da CIA para resgatá-los. Até 1h48min33s.

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5. Universo diegético: Há três elementos do universo diegético ligados à nossa preocupação analítica: os problemas com os lançamentos de foguetes, a origem da interferência se localizar numa ilha do Caribe e a responsabilidade de um cientista chinês pelos problemas causados ao projeto espacial americano. O primeiro problema era naquele momento um fator de constrangimento para o governo dos Estados Unidos. Desde o lançamento do primeiro satélite artificial (Sputnik), os soviéticos ocupavam a dianteira na corrida espacial. Os sucessivos fracassos provocavam apreensão nos americanos e até piada, como é o caso de O homem do sputnik (1959), de Carlos Manga. Neste filme, um desanimado funcionário americano (interpretado pelo cômico Tutuca) relata, de forma hilária, as tentativas fracassadas de chegar à lua. Em 1962, Cuba vencera as tropas contra-revolucionárias na invasão da Baía dos Porcos e declara ser socialista o caráter de sua revolução. Talvez não seja exagero associar a misteriosa ilha do dr. No à “perigosa” ilha. Quanto ao último aspecto, o início do conflito sino-soviético, com a União Soviética revendo o período Stalin e defendendo a coexistência pacífica e a China não ratificando tais críticas e defendendo as justas guerras de libertação nacional como forma de debilitar o imperialismo, impunha a revisão dos estereótipos. No início dos anos 60, a China representava uma política de maior confronto com os países capitalistas, era de se esperar que os comunistas chineses passassem a incorporar os traços do estereótipo construído: violentos, movendo-se no terreno da conspiração internacional e dispostos a ameaçar o mundo com a bomba nuclear. 6. Leitura isotópica: A rede temática definida em 007 contra o satânico dr. No é o “complô para conquistar o mundo” (3.1, 3.3, 3.9, 4.4). Trata-se de uma típica conspiração liderada por um gênio do mal, execrado tanto pelo “Oriente” (bloco socialista), como pelo “Ocidente” (bloco capitalista). O teor da conspiração se revela no diálogo entre dr. No e James Bond. Nesta seqüência, inicialmente o agente britânico insinua que “o descaso pela vida” que o cientista teria, seria bem aceito no “Oriente”. Dr. No explica que os dois blocos já o haviam rejeitado e ele sonha com a adesão de Bond ao seu projeto.

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Dr. Fantástico Gênero: Comédia 1.Ficha técnica: Título: Dr. Strangelove or How I learned to stop worryng and love the bomb, Grã-Bretanha (em português, Dr. Fantástico ou Como aprendi a parar de me preocupar e amar a bomba ) Ano: 1964) Estúdio: Columbia Duração: 94 min Direção: Stanley Kubrick Diretor Assistente: Eric Rattray Produção: Stanley Kubrick, Hawk Films Co-produção: Victor Lyndon Diretor de produção: Clifton Brandon Roteiro: Stanley Kubrick, Terry Southern, Peter George, segundo o romance de Peter George, Red Alert Diretor de fotografia: Gilbert Taylor Montagem: Anthony Harvey Câmara: Kelvin Pike Música: Laurie Johnson Diretor de cenografia: Peter Murton Cenários: Ken Adam Canções: We’ll meet again, cantada por Vera Lynn, Try a little tenderness, When Johnny comes marching home Som: John Cox Efeitos especiais: Wally Veevers Guarda-roupa: Bridget Sellers Penteados: Barbara Ritchie Continuidade: Pamela Carlton Conselheiro aeronáutico: Captain John Crewdson Cor: Preto e branco Cópia analisada: fita VHS distribuída por Tocantins Personagens e intérpretes principais: Capitão Lionel Mandrake (Peter Sellers), presidente Mufley (idem), Dr. Fantástico (idem), general “Buck” Turgidson (George C. Scott), general Jack D. Ripper (Sterling Hayden), coronel “Bat” Guano (Keenan Wyn), major T. J. “King” Kong (Slim Pickens), embaixador da União Soviética (Peter Bull), Sta. Scott (Tracy Reed), tenente Lothar Zogg (James Earl Jones), M. Staines (Jack Creley), tenente H. R. Dietrich (Frank Berry), tenente W. D. Krivel (Glenn Bleck),. capitão G. A . “Ace” Owens (Shane Rimmer), tenente Goldberg (Paul Tamarin), general Faceman (Gordon Tanner), almirante Randolph (Robert O’Neil), Frank (Roy Stephens) soldados da Base de Burpleson (Laurence Herder, John McCarthy e Hal Galili).

3. Resenha crítica: General da “linha dura” lança mísseis nucleares em direção à União Soviética. Perplexos, o governo americano e o embaixador soviético tentam reverter a apocalíptica situação, pois ao atingir o território soviético, os mísseis farão disparar a Máquina do Juízo Final, destruindo toda a Terra. O governo dos Estados Unidos derrota o general rebelde e faz retornar todos os mísseis, menos um que atinge o alvo e dispara o mecanismo. O Dr. Fantástico entra em cena, assegura que parte da humanidade poderá sobreviver em subterrâneos profundos e rende homenagens a Hitler e ao fascismo. Como quase todos os filmes de Stanley Kubrick, Dr. Fantástico foi alvo de uma intensa preparação e cuidadosa realização. Kubrick afirmou ter consultado setenta ou oitenta livros sobre estratégia nuclear e que procurou retratar sua inquietação sobre o assunto no filme.

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Kubrick crítica tanto o absurdo da orientação agressiva americana, quanto à insensatez soviética. Os velhos estereótipos sobre os comunistas estão mais uma vez presentes. O governante soviético acompanha a crise bêbado e mais ocupado com uma companhia feminina do que com a guerra nuclear. O embaixador soviético aplaude a proposta de preservação de uma parcela da humanidade, elevada à posição de nova raça, feita pelo nazista Dr. Fantástico. E a máquina do juízo final foi apenas uma forma do governo comunista atender aos apelos de meias de nylon e máquinas de lavar da sociedade soviética. O fim da União Soviética em 1991 desfaria esta previsão. A corrida nuclear não permitiu atender aos apelos consumistas nem levou à destruição nuclear, pelo contrário o regime comunista soviético acabou comprometendo sua própria existência ao manter o enfrentamento com o imperialismo. Na crítica à política de agressão americana, Lewis Mumford chama a atenção para o fato de que esta “estratégia de exterminação total [...] tem sido conduzida exatamente por bem equilibrados e responsáveis homens ... O que os loucos personagens de Dr. Fantástico estão dizendo é precisamente o que se precisa dizer: a eventualidade deste pesadelo com que preparamos nossas crianças é nada mais que uma fantasia louca, como a própria natureza terrivelmente aleijada e desumanizada do Dr. Fantástico”.267

Pode-se dizer que em Dr. Fantástico o anticomunismo é secundário. Embora não consiga distinguir entre comunismo e capitalismo, essencialmente, a insanidade do segundo, em sua promiscuidade com o nazismo, é mais patente, como demonstra a seqüência final do cientista voltando a andar e dizendo que têm um plano. 3. Contexto histórico-narrativo: O lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki com suas 200.000 vítimas foi, para alguns autores, não o ato final da II Guerra Mundial, mas o primeiro passo da Guerra Fria. Todo o período está sensivelmente marcado pela corrida nuclear, desde este primeiro momento, passando pela fabricação da bomba soviética em 1949, a ampliação da capacidade de destruição atômica, com a construção das bombas de hidrogênio, em 1951, pelos americanos e em 1953, pelos soviéticos. Após a consolidação dessa capacidade destrutiva, as duas potências iniciam a corrida dos mísseis. A União Soviética, em particular, empenha-se no desenvolvimento de tecnologia que possibilite o lançamento de armas atômicas. A corrida espacial integra-se neste esforço dos soviéticos em superar a vantagem que os americanos têm com as bases militares localizadas na Europa, que permitiam fácil acesso ao território soviético. Em agosto de 1957, Krushev anuncia que a URSS possui mísseis balísticos capazes de transportar cargas nucleares ou termonucleares. A proteção dos dois oceanos com que contavam os Estados Unidos desmorona com o desenvolvimento da tecnologia dos satélites. Em 4 de outubro de 1957, a União Soviética lança ao espaço o primeiro satélite artificial. O sputnik cruzou o território americano quatro vezes, criando a possibilidade de um ataque de mísseis balísticos intercontinentais contra cidades americanas. Além do medo já associado ao controle de armas atômicas pelos soviéticos, acrescente-se agora o perigo do bombardeio do território americano. No cinema, a temática do “perigo que vem do espaço” encontra terreno fértil para se desenvolver, e na sociedade americana, inicia-se a preparação para a guerra atômica: nas escolas, os estudantes são treinados para a eventualidade de bombardeios e tem início a construção de abrigos subterrâneos. Em novembro desse mesmo ano, a CIA acusa Eisenhower de complacência e denuncia a defasagem de mísseis americanos em relação à União Soviética. A sensação de 267

Lewis MUNFORD, apud Lawrence SUID, The Pentagon and Hollywood ... , p. 231.

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vulnerabilidade americana aumentou com o fracasso do foguete Vanguarda, que explodiu após ser lançado em 7 de dezembro de 1957. A supremacia soviética no setor foi usada por Krushev para exigir novo tratamento: “ o poder dos mísseis pode fazer com que o Ocidente trate a URSS com respeito”.268 Segundo Louis Aragon foi “no céu, mais que no Próximo Oriente ou na Alemanha, que se pôs fim à hegemonia que se baseava nas posições de força e nos armamentos, clássicos ou não”.269 Houve quatro momentos onde a possibilidade do uso de armas nucleares foi colocada: no decorrer da Guerra da Coréia (1950-1953), quando militares americanos recomendaram o bombardeio do “santuário manchuriano”, área fundamental na estratégia chinesa de guerra, na batalha de Dien Bien Phu, no Vietnã, em 1954, quando os dirigentes franceses solicitaram intervenção aérea dos Estados Unidos, na intervenção francobritânica no Canal de Suez, em 1956, quando se especulou sobre uma possível utilização de armas atômicas pelos soviéticos, e em 1962, na crise dos mísseis, em Cuba. De que forma se desenvolveu o pensamento militar soviético e americano frente a tais acontecimentos? O pensamento militar soviético apontava dois aspectos centrais: a vitória do comunismo no conflito e destacava a importância da fase inicial do conflito, a rapidez dos armamentos modernos conferia aos primeiros movimentos relevância crucial. 270 O sentido das doutrinas nucleares soviéticas só se tornou mais visível a partir de janeiro de 1960, quando Krushev anuncia a existência de um poderoso arsenal de armas estratégicas na URSS.271 Os Estados Unidos viveram (até 1984) três fases do seu pensamento sobre a estratégia nuclear: a fase da política de contenção pura (de 1945 a 1954), a fase da represália maciça (de 1954 a 1961) e a doutrina da réplica flexível (de 1961 à era Reagan).272 Um elemento que ganha importância a partir do final da década de 50, é a idéia da guerra atômica limitada, “Kissinger advertia que o estreitamento das opções de negociação diplomática imposto pela retaliação maciça punha em perigo a estabilidade do sistema mundial e tendia a favorecer o aventureirismo soviético...”273 A década de 60 não tendia a ser tão favorável aos soviéticos. A economia entrava em estagnação e a superioridade americana em armamentos estava assegurada. Já economia capitalista prosseguia no seu mais longo ciclo de crescimento, só interrompido com a crise de 1973. Esta expansão permitiu que, de 1958 a 1962, o orçamento militar americano quintuplicasse, aumentando de 10 bilhões para 52 bilhões de dólares.274 Não restava à URSS outra coisa senão a assinatura dos acordos de paz que deram início ao que se chamou de détente. Em maio de 1963 foi assinado o acordo americano/soviético de cooperação para o uso pacífico da energia nuclear e no mês seguinte, inaugurava-se a o “telefone vermelho”. Em 5 de agosto de 1963, União Soviética, Grã-Bretanha e Estados Unidos assinavam o tratado de proibição de provas nucleares; a corrida armamentista era contida, celebrando-se o primeiro acordo entre Leste e Oeste, desde o tratado da soberania austríaca em 1955.

268

Bradley LIGHTBODY, The cod war, pp. 54-55. Louis ARAGON, História da URSS, vol. 9, p. 158. 270 Claude DELMAS, Armamentos nucleares e guerra fria, pp. 77-79. 271 Antônio Celso Alves PEREIRA, Os impérios nucleares e seus reféns, p. 90. 272 Ibid., pp. 89-90. 273 Paulo KRAMER e Alexandre BARROS, As origens da guerra fria, p. 177. 274 Newton CARLOS, A conspiração, p. 13. 269

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4. Resumo da sintaxe narrativa: 1. Prólogo: Narrador em off apresenta as suspeitas de que a URSS teria desenvolvido uma arma de destruição final, “abaixo dos picos das Ilhas Zokaf”. Até 46min. 2. Créditos: Créditos sob aviões B-52 sendo abastecidos no ar; música romântica acompanha a seqüência. Até 2min41s. 3.Primeira parte: O ataque 3.1. Na base aérea de Bufferson, o general Ripper ordena que inicie imediato bombardeio da União Soviética. Até 5min23s. 3.2.O narrador em off mostra a frota de bombardeiros B-52 que os Estados Unidos mantêm no ar 24 horas por dia, “para se proteger de um ataque nuclear inesperado”. Até 6min4s. 3.3.O comando da frota recebe a ordem de ataque nuclear. O major King Kong, depois de se certificar da exatidão da mensagem, põe seu chapéu de caubói texano e dirige-se para o alvo. Até 11min4s. 3.4. A notícia do ataque é divulgada, chega até o general “Buck” Turgidson, que se encontra na cama com a namorada. Na base aérea, o general Ripper discursa para seus comandados, alerta “os comunistas não respeitam a vida humana, nem a sua própria”. Até 15min52s. 3.5. Parafraseando Clemenceau, o general Ripper, em contra-plongée, diz que a guerra hoje é muito importante para ser decidida pelos políticos. Além das usuais acusações aos comunistas, o General diz que há “uma intriga internacional comunista para sugar e envenenar os nossos preciosos fluidos corporacionais (sic)275. Até 23min36s. 3.6. Na Sala de Guerra, o presidente americano, o alto-comando e secretários de Estado discutem a situação. O general Turgidson sugere a ampliação do ataque e o presidente parece estupefato. Até 34min52s. 3.7. No bombardeiro, o major King Kong vistoria os itens de sobrevivência (bem típico do modo de vida americano, incluindo uma Bíblia, chicletes, meias de nylon e batons). O embaixador soviético chega à Sala de Guerra para desespero do general Turgidson. Ambos se desentendem e começam a brigar. O presidente os repreende: “como podem brigar na Sala de Guerra”. Até 37min41s. 3.8. Na base aérea começa o confronto entre as tropas comandadas pelo general Ripper e as tropas do governo. Até 39min24s. 3.9. Na Sala de Guerra, o presidente americano tem uma conversa ao telefone com o premier soviético, que diz-se estar bêbado e acompanhado de uma mulher. Trocam longas gentilezas, como se estivessem frente à mais banal das situações. Ao final, o embaixador soviético informa sobre a máquina do juízo final, a ser acionado num ataque nuclear à União Soviética. Até 44min57s. 3.10. Na base aérea, o general Ripper fala sobre as táticas comunistas ao capitão Mandrake. Para o general, “a fluoretação da água é a coisa mais terrível e perigosa concebida pelos comunistas que tivemos de enfrentar. A água fresca e pura reabastece os preciosos líquidos dos corpos”. Até 48min8s. 3.11. Na Sala de Guerra, o embaixador soviético justifica a construção da máquina do juízo final como forma econômica de alcançar capacidade destrutiva, já que não podiam competir na corrida espacial, na corrida pela paz e seu povo exigia meias de nylon e má275

É claro que trata-se de erro de tradução, o general está falando de “fluidos corpóreos”, particularmente esperma.

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quinas de lavar. O dr. Fantástico, cientista alemão naturalizado americano, saindo da penumbra, intervém para explicar o significado da nova tecnologia. Até 52min54s. 3.12. O conflito se intensifica na base aérea. (Kubrick filma as cenas de combate num estilo jornalístico: a câmera balança, move-se rapidamente na direção lateral para colher flagrante importante etc.) No interior da sala, o general Ripper e o capitão Mandrake conversam: o primeiro fala que a “fluoretação começou em 1946, portanto, bate com a conspiração comunista pós-guerra. Sem possibilidade de escolha, uma substância estranha é colocada nos preciosos fluidos corporais. Assim é que o comunista dedicado trabalha”. O general Ripper percebeu tudo isso ao fazer amor, ele associa a sensação de cansaço e vazio pós-coito à “perda de essência”, desde então “nega a elas [as mulheres] sua essência”. Derrotada a base se rende e o general Ripper se suicida para não entregar o código sob tortura”. Até 1h15s. 3. Segunda-parte: O contra-ataque 4.1. O bombardeiro é atingido por um míssil. Até 1h4min22s. 4.2. O coronel Bat Guano chega à sala do general Ripper, completamente alheio ao significado da batalha que acaba de vencer. Até 1h6min8s. 4.3. Na base aérea, o coronel Bat Guano resiste em atirar contra uma máquina de Coca-Cola. O capitão Mandrake precisa de moedas para telefonar, na tentativa de evitar a catástrofe nuclear, mas o respeito à propriedade privada pode impedi-lo. Até 1h12min10s. 4.4.O bombardeiro que escapou da defesa soviética prossegue em direção ao alvo. Quando o major King Kong percebe que há um problema no dispositivo que solta a bomba, provocado pelo ataque soviético e ele mesmo vai até lá para consertá-lo. Enquanto isso, o bombardeiro avança em direção ao alvo, quando o atinge, o major ainda está em cima dela, sendo lançado junto com a bomba, como se fosse um caubói. Até 1h26min30s. 5. Terceira parte: Após o juízo final 5.1.Depois da primeira explosão, discute-se na Sala de Guerra o que fazer. dr. Fantástico diz que é possível manter uma amostra de seres humanos nas minas [abrigos subterrâneos] para dentro de 100 anos retornarem à superfície. Um computador selecionaria as pessoas com base em fatores como juventude, saúde, fertilidade e inteligência. Nestas condições, o dr. Fantástico assegura que em 20 anos, o PIB chegaria aos níveis da época da destruição. O embaixador soviético elogia o plano do Dr. Fantástico e sai para fotografar o grande painel com uma pequena câmera camuflada como relógio, enquanto isso, os generais americanos discutem que é preciso tomar iniciativa, pois “os novos fatos não deteriam a política de expansão dos russos. dr. Fantástico, que durante todo este conjunto de seqüências luta contra seu braço nazista, diz que tem um plano e se levanta. Até 1h31min52s. 5.2.As sucessivas explosões atômicas são vistas ao som de música romântica. Até 1h35min25s. 5. Universo diegético: São duas as frentes de construção diegética em Dr. Fantástico. A primeira é a combinação de personagens reais num personagem fictício – o Dr. Fantástico seria a fusão do então estrategista nuclear Henry Kissinger, do físico defensor da corrida nuclear Edward Teller e do cientista nazista Werner von Braun, ou a criação de personagens claramente inspirados em pessoas reais, como o general Jack D. Ripper (gen. Curtis LeMay), o presidente americano (Kennedy) e o premier soviético (Krushev). A segunda é o uso de informações precisas sobre o arsenal nuclear americano e a capacidade dos bombardeiros B-52. Na época, a aeronáutica dos Estados Unidos refutou a idéia de que uma ordem de

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ataque não poderia receber uma contra-ordem. Mais recentemente, afirmou-se que a União Soviética teria chegado a projetar um engenho de resposta automática à ataque nuclear.276 6. Leitura isotópica: As duas redes temáticas centrais em Dr. Fantástico são conspiração/conspiradores (3.5, 3.12 e 5.1) e indivíduo/modo de vida capitalista (3.7, 3.11 e 5.1). Na primeira, além do recorrente clichê do comunista inescrupuloso (disposto a apoiar até planos nazifascistas como os do dr. Fantástico), temos um tipo inusitado de conspiração, materializado na disseminação do flúor pelos comunistas. A ingestão de flúor estaria drenando a essência vital dos seres humanos (habitantes do mundo capitalista). É ainda mais estranho a forma final da perda da essência (pelo menos no que diz respeito aos homens), ela aconteceria no ato de fazer amor. Na rede temática indivíduo/modo de vida capitalista, é importante notar a ampliação de sua abrangência para o mundo socialista, mostrando as ansiedades provocadas pelo consumismo na União Soviética.

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Paul BOYER, Doutor Fantástico/Dr. Strangelove, pp. 266-269.

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Cortina rasgada Gênero: Suspense 1. Ficha técnica Título: Torn courtain, Estados Unidos (em português Cortina rasgada) Ano: 1966 Estúdio: Universal Pictures Distribuição: Cinema International Corporation Duração: 129 min Direção: Alfred Hitchcock Produção: Alfred Hitchcock Desenho de produção: Hein Heckroth Produtor executivo: Jack Corrick Roteiro: Brian Moore, baseado na história do casal de diplomatas ingleses Burguess e Maclean Direção de fotografia: John F. Warrren, ASC Edição: Bud Hoffman Música: John Addison Som: Waldon O. Watson e Willian Russell Cenografia: Frank Arigo Decoração de cenários: George Milo Maquilagem: Jack Barron Cor: Colorido (Technicolor) Cópia analisada: fita VHS a partir de exibição na TV Personagens e intérpretes principais: Michael Armstrong (Paul Newman), Sarah Sherman (Julie Andrews), Condessa Kuchinska (Lila Kedrova), Heinrich Gerhard (Hansjoeg Felmy), Herman Gromek (Wofgang Kieling), Bailarina (Tamara Toumanova), Karl Manfred (Gunther Strack), Gustav Lindt (Ludwig Donath), Jacobi (David Opatoshu), Koska (Gisela Fisher), Fazendeiro (Mort Mills), esposa do fazendeiro (Carolyn Conwell), Freddy (Arthur Gould-Porter), Fraulein Mann (Gloria Gorvin).

2. Resenha crítica: Cientista nuclear americano decide passar-se para o bloco socialista, pedindo asilo ao governo da Alemanha Oriental. O seu governo teria interrompido importante projeto, destinado a criar um míssil anti-míssil, capaz de tornar inócua toda a corrida armamentista. Na verdade, pretende descobrir um importante segredo nuclear dominado pelos alemães orientais. Para atingir seu objetivo entra em contato com uma rede de espionagem voltada para a promoção de fugas para a Alemanha Ocidental. Depois de alguns incidentes, como o assassinato de um agente da Stasi (Serviço de Segurança do Estado) e da perplexidade de sua noiva, que não fora avisada das suas reais intenções, obtém a fórmula e foge para Suécia. Em Cortina rasgada temos oportunidade de observar um indisfarçável filme de propaganda nas mãos de um diretor reconhecidamente rigoroso quanto às exigências formais. Ao final, temos um resultado muito aquém do talento do diretor. As intenções políticas que orientam o filme fizeram o artista sucumbir aos estereótipo e clichês, notadamente do meio ao fim do filme. O uso das cores é um dos pontos altos. Após Copenhagem o colorido perde a intensidade, predominando os tons escuros e cinza. Na recepção ao prof. Armstrong, os alemães orientais estão de preto, o corredor do hotel onde o casal se hospeda é cinza, com um extintor vermelho. O vermelho, de símbolo do socialismo, passa a significar fuga: o fogo vermelho do palco e a porta vermelha por onde escapam. Uma questão importante, ainda na primeira parte do filme, é a preocupação em captar as angústias da personagem Sarah Sherman (Julie Andrews), cujo noivo resolve passarse para o outro lado da “cortina de ferro”. O diálogo dos dois no hotel é tenso e Sarah pro-

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cura situar a questão no âmbito dos sentimentos pessoais, se ele, de fato, a ama, abandone aquela aventura louca. Armstrong (Paul Newman) continua representando seu papel de novo comunista com perfeição. O seu projeto está acima de qualquer tipo de sentimentalismo, desde aquele referido por Sarah até o patriotismo. O anticomunismo de Cortina rasgada não é tolo. A insatisfação com o regime motiva todo o empenho da organização de espionagem que apóia o prof. Armstrong no seu plano de roubar a informação do colega alemão, significando uma base social inegável. Mas, ao mesmo tempo, ele procura ridicularizar as intenções de uma das candidatas à fuga, a condessa Kuchinska (Lila Kedrova). A condessa não suporta mais o café e os cigarros russos e se empenha arduamente em conseguir um patrocinador, nos Estados Unidos, para que possa partir. O governo comunista não se importaria se alguém como ela partisse. O resultado final é um filme pouco convincente. O esforço de desqualificação da política, travestido da tentativa de tornar a espionagem uma atividade desprezível, não é suficiente para nos fazer crer da neutralidade da organização. Hitchcock além de assustarnos com um inimigo truculento, mas incompetente, já que seus tiros não atingem ninguém, quer nos fazer a todos de tolos. 3. Contexto histórico-narrativo: Em meados de 1962, outra crise semelhante a de 1948 (bloqueio de Berlim) começava a se manifestar na Alemanha. Nas reuniões de 3 e 4 de junho, em Viena, há um novo impasse. Quando Krushev se dispôs a assinar um tratado de paz em separado com a RDA (República Democrática Alemã), os Estados Unidos reagiram. No permanente debate sobre o destino de Berlim, o presidente da Comissão para Negócios Estrangeiros do Senado, William Fulbright, sugerira que os alemães do Leste teriam o direito de fechar suas fronteiras. O governo socialista aproveita tal declaração para fechar os 43 quilômetros de limite com o setor ocidental. Desde que a URSS declarara sua intenção de assinar um acordo de paz em separado com a RDA, milhares de alemães do Leste tinham se refugiado na RFA (República Federal da Alemanha) (cerca de 15 mil entre 1º e 10 de agosto). Em seguida, Estados Unidos e Reino Unido transportam novos contingentes militares para Berlim ocidental pela estrada que atravessa o território da RDA. A crise atingiu seu ponto culminante em setembro, com o final do prazo dado por Krushev para que os Estados Unidos proibissem a utilização de seus aviões pelos alemães ocidentais. O resultado da crise é o reinício, por parte do governo americano, de testes nucleares subterrâneos. Cortina rasgada (1966) aborda o problema crucial da Alemanha dividida. Trata-se do qüinquagésimo filme de Alfred Hitchcock. Antes de começar as filmagens, Hitchcock visitou o Departamento de Estado, para saber o que achavam de situar a história do filme num país socialista, pensava, neste momento na Polônia. O Departamento disse que não havia nenhuma restrição, mas gostariam que conhecesse um produtor polonês que visitava os Estados Unidos. Este produtor pediu que não colocasse na história o seu país se contrapondo aos Estados Unidos e sugeriu a Alemanha Oriental.277 Como em outros filmes da fase colorida, o uso das cores recebeu especial atenção. Hitchcock usou luz projetada sobre grandes superfícies brancas e gaze sobre a lente para obter uma luz a mais natural possível. 278 O filme custou 6 milhões de dólares, portanto muito acima do custo médio de um filme americano em 1966. Segundo Furhammar e Isaksson, um filme com este custo não 277 278

Peter BOGDANOVICH, Afinal quem faz os filmes, p. 627. Alfred HITCHCOCK e François TRUFFAUT, Hitchcock/Truffaut: entrevistas, p. 185.

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poderia se dar ao luxo de ter o final inicialmente pensado por Hitchcock: depois de chegar à Suécia, Armstrong joga o papel com a fórmula no fogo. O diretor ainda diria mais: “O futuro de algumas pessoas dependia desse filme. O que eu devia fazer?”279 4. Sintaxe narrativa: 1. Créditos: créditos iniciais com imagens, ao fundo, de rostos em momentos essenciais do filme; música-tema. Até 1min53s. 2. Primeira parte: Mudança de rota 2.1. Um navio se aproxima da costa da Noruega; nele se realiza um congresso internacional de físicos. Um professor procura por alguém no restaurante e vê que a mesa onde deveria estar se encontra vazia. Até 3min12s. 2.2. O prof. Armstrong e a drª Sherman, do Comitê Americano Aeroespacial, como somos informados pelos crachás pendurados nos casacos que os cobrem, estão na cama. A drª Sarah reclama dos freqüentes adiamentos do casamento e o prof. Michael Armstrong, diz estar invertendo o procedimento típico da carreira acadêmica: começou em Washington e vai acabar lecionando. Sarah lembra do acordo que fizeram: ele não falaria em Washington e ela não perguntaria mais porque ele não queria que ela viesse. Chega um radiograma com um aviso de uma livraria dizendo que o livro encomendado pelo professor chegara. Armstrong diz que trata-se de engano e despacha o funcionário. Até 6min41s. 2.3. Armstrong desce ao posto telegráfico e pede para ver a mensagem. Encontra-se com o professor do restaurante, que lhe pergunta pela sta. Sherman. Armstrong responde a mensagem dizendo o horário de chegada e o hotel em que ficará em Copenhagen. Até 8min2s. 2.4. No hotel, Sarah e Armstrong têm quartos compartilhados e ela atende um telefonema para o professor fornecendo o endereço da livraria. Enquanto ele se barbeia, Sarah sai para pegar o livro. Até 10min13s. 2.5. No saguão do hotel, Sarah encontra o professor que a procura, ela não pode, novamente, almoçar com ele. Convida-o para o jantar. Na rua, Sarah pede informações sobre o endereço. De repente, o misterioso professor, toma-lhe o endereço e se prontifica a levá-la até lá. Até 11min21s. 2.6. Sarah e o professor chegam à livraria. No caminho, o professor se surpreende ao saber que Sarah e Armstrong são noivos. Na livraria, há flores amarelas e azuis numa mesa. O livreiro entrega o livro sob o olhar persecutório do professor. Diz que é uma primeira edição e responde à pergunta da funcionária sobre quem era Armstrong dizendo que deve rezar por ele. Até 13min18s. 2.7. Chegando ao hotel, Sarah entrega o livro a Armstrong, que está na companhia do prof. Hengstrom, da Academia Suiça [Sueca] de Ciências. Despacha o insistente professor que a acompanhara e ao acompanhar com o olhar Armstrong, nota que ele está recebendo uma passagem no guichê. Ele retorna e diz que vai guarda o livro na recepção. Até 14min20s. 2.8. No banheiro, Armstrong decodifica mensagem contida no livro: escreve num papel “Contate Pi em caso ...” Até 15min28s. 2.9. No restaurante, o casal discute. Armstrong diz que vai à Suécia porque o governo sueco prometera dar prosseguimento ao projeto do míssil no qual ele tem muito interesse e não quer que Sarah o acompanhe. Ela constrangida, levanta-se. Até 18min18s. 2.10. Sarah ao tentar comprar passagem de volta, descobre que a viagem de Armstrong é para Berlim Oriental, atrás da Cortina de Ferro. Até 19min25s. 279

Leif FURHAMMAR e Folke ISAKSSON, Cinema e política, p. 134.

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2.11. Armstrong, no avião para Berlim Oriental, vê Sarah e avisa-a, de forma rude, que se afaste dele. Deve tomar outro avião e voltar para casa. Sarah abaixa a cabeça e sua imagem se dissolve. Até 20min50s. 3. Segunda parte: Os passos em Berlim 3.1. O professor é recebido por representantes do governo da República Democrática Alemã. Sarah ouve estarrecida os elogios à decisão de Armstrong de “viver e trabalhar pela paz”. O misterioso professor, acompanha Armstrong e agora conduz a Sta. Sherman para providenciar o visto. Até 23min56s. 3.2. O problema da presença da sta. Sherman é discutido com o sr. Heinrich Gerhard, do Serviço de Segurança Estatal (Stasi), já referida como “infame segurança estatal”, pelo próprio Gerhard. Da janela, se vê um muro. Gromek é apresentado como o guia pessoal de Armstrong. Gerhard alerta que se ele causar algum problema, avise-o. Gromek veste um sobretudo de couro preto, masca chicletes o tempo todo e diz ter morado muito tempo em Nova York. A sta. Sherman quer conversar a sós com o noivo antes de decidir se permanece ou não “atrás da cortina de ferro”. Armstrong segue para a entrevista com a imprensa. Até 28min35s. 3.3. Armstrong faz seu pronunciamento aos jornalistas, ostensivamente, vigiados por policiais. Diz que decidiu colaborar com a Universidade de Leipzig, trabalhando com o prof. Lindt. O seu objetivo é produzir, com o professor, “uma arma de defesa que tornará todas as armas nucleares de ataque obsoletas, dessa maneira abolindo o terror de um ataque nuclear”. Até 31min7s. 3.4. No caminho para o Hotel Berlim, Gromek faz perguntas nostálgicas sobre Nova York, respondidas friamente por Armstrong. Até 32min51s. 3.5. Sarah e Armstrong conversam no quarto. O diálogo é quase todo em plano geral: Sarah acha que ele enlouqueceu, não consegue acreditar no que está acontecendo, mas o seguiu “por instinto, para protegê-lo”. Armstrong insiste que não pode explicar sua atitude. O professor Karl – que é pela primeira vez chamado pelo nome nesta seqüência – bate à porta e os dois saem par comer, deixando Sarah, sozinha. Até 35min37s. 3.6. Karl procura Sarah, que o recebe vestida numa camisola vermelha, contrastando com o cinza do quarto. Karl entrega-lhe um bilhete de Armstrong, onde se lê: “Fui caminhar, volte para casa”. Até 36min54s. 3.7. Armstrong sai do hotel, seguido por Gromek. Pensa em despistá-lo entrando no Museu de Berlim. Até 38min21s. 3.8. Armstrong anda pelo museu e pensa ter despistado Gromek. À saída, toma um taxi e sai da cidade. Até 40min44s. 3.9. Numa fazenda, Armstrong procura um agente americano, conversam sobre a operação, na qual está envolvido professor. Washington não sabe, trata-se de uma decisão pessoal de Armstrong. O agente fornece-lhe o nome de um contato em Leipzig. Quando chega à sede da fazenda, Gromek o espera. Até 44min38s. 3.10. Gromek desmascara Armstrong: aponta para a letra Pi desenhada no chão, junto à porta. Desenho que fizera para se identificar junto à organização. A mulher do fazendeiro joga um pote em direção a Gromek que atinge o telefone. Até 48min20s. 3.11. Armstrong imobiliza Gromek e a mulher atinge-o com uma faca. Não usa o revólver porque o motorista de taxi ouviria. A faca quebra-se ao perfurar Gromek, que luta obstinadamente contra os dois. A mulher abre o gás do fogão e empurra a cabeça do agente alemão no interior. Aos poucos, Gromek vai soltando as mãos do pescoço de Armstrong e morre. Aturdido, o professor deixa o local. Até 55min3s.

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3.12. Armstrong é levado à presença de Gerhard: a sta. Sherman decidira ficar na Alemanha Oriental. Comemoram a nova vida no país. Imediatamente seguirão para Leipzig. Antes de partirem, chega a notícia do desaparecimento de Gromek. Até 57min53s. 3.13. Armstrong e Sarah são recebidos na Universidade Karl Marx. Karl Manfred, ao saber do desaparecimento de Gromek, parece ficar preocupado. Até 58min55s. 4. Terceira parte: Um segredo no cérebro 4.1. Ao ser conduzido ao seu quarto, Armstrong é derrubado por um pé feminino que se põe no seu caminho. Até 59min19s. 4.2. Armstrong é tratado das contusões com a drª. Koska, o contato da organização em Leipzig. A doutora diz que “não somos uma organização política. Apenas ajudamos a quem quer fugir desse paraíso”. Ela alerta-o para a urgência de sua missão, já que, em breve, o prof. Lindt irá para Leningrado. Armstrong fala-lhe do seu plano de simular conhecer a descoberta de Lindt para que ele forneça-lhe as informações de que precisa sobre a arma. Até 1h2min56s. 4.3. O motorista de taxi vê a notícia do desaparecimento de Gromek no jornal e conta o episódio da fazendo a Gerhard. Na mesa do chefe do Serviço de Segurança do Estado, há duas fotos, simetricamente postas uma a cada lado: de Leonid Brejnev, primeiroministro da União Soviética e Walter Ulbricht, primeiro-ministro da Alemanha Oriental; ao fundo da parede, duas fotos, em tamanho maior, semelhantemente posicionadas, que parecem ser as mesmas. Até 1h3min58s. 4.4. No momento em que Armstrong começaria a falar sobre o míssil Gama 5, chega um funcionário do Serviço de Segurança do Estado para interrogá-lo sobre Gromek. Como já há desconfiança sobre a lealdade de Armstrong, o interrogatório científico é suspenso. Sentado nas cadeiras de trás da sala, há uma pessoa que se identifica como prof. Lindt e como tem urgência para obter informações sobre o míssil, ordena que chamem a sta. Sherman. Até 1h7min50s. 4.5. Na sala, a sta. Sherman se recusa a responder qualquer pergunta. Diz que somente Armstrong “que se vendeu a eles”, pode responder e deixa a sala indignada. O prof. Karl diz que vai tentar convencê-la a colaborar. Até 1h10min17s. 4.6. Como Karl nada obtém de Sarah, Armstrong pede para ficar a sós com ela. Os dois se afastam para um ponto elevado do jardim da Universidade: um plano geral mostra os dois conversando. À principio, Sarah mostra grande irritação com Armstrong; música suave aponta para possíveis mudanças. Um travelling circular em Sarah, mostra-a em primeiro plano, emocionada, com lágrimas nos olhos. Armstrong contara-lhe toda a história. Diz-lhe que tipo de informação ela pode fornecer para o comitê e se beijam apaixonadamente. A música intensifica o efeito melodramático da cena. Até 1h12min35s. 4.7. Na fazenda, a Stasi começa a investigar o local. Até 1h13min10s. 4.8. Numa festa, Karl, Armstrong e Sarah conversam sobre o interesse do prof. Lindt por ela. Chega a drª Koska, Armstrong a chama para dançar. Relata o episódio da suspensão do interrogatório, Koska insiste que devem partir para Berlim o mais rápido possível, pois a Stasi está desconfiada deles. Combina encontrá-lo à 10 horas do dia seguinte para a fuga. Até 1h16min19s. 4.9. Armstrong se dirige para a mesa onde está o prof. Lindt e procura fazer com que ele fale sobre o Gama 5. Lindt está vivamente interessado e marcam um encontro para o dia seguinte à 9 e 30 horas. Até 1h19min32s. 4.10. Na fazenda, a polícia descobre a motocicleta de Gromek. Até 1h19min53s. 4.11. No gabinete da drª Koska, chega a notícia de que o corpo de Gromek fora encontrado, pela janela vêem forças policiais chegando à universidade. Até 1h20min33s.

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4.12. Lindt e Armstrong desafiam-se mutuamente, no quadro negro, sobre as experiências com o Gama 5. Ao fim, Armstrong obtém o queria: Lindt pulara uma etapa, tornando sua descoberta genial. Pelo serviço de alto-falante, Lindt ouve que Sarah e Armstrong estão sendo procurados. Enquanto este liga para o vice-reitor, Armstrong sai da sala. Até 1h27min49s. 5. Quarta parte: A fuga 5.1. Os estudantes e a polícia começam a procurar por Armstrong. Até 1h28min28s. 5.2. Guiados por Koska, os dois chegam de bicicleta até o centro de Leipzig, onde um ônibus os espera para Berlim. Até 1h30min8s. 5.3. Armstrong e Sarah vão para Berlim num ônibus que leva membros da organização para ajudar pessoas a fugirem da Alemanha Oriental. São detidos num primeiro bloqueio por policiais. Até 1h35min10s. 5.4. Outro bloqueio acontece, agora de desertores do exército soviético. Os soldados roubam os passageiros. Isto parece ser uma prática comum naquela estrada: Jacobi, o chefe da expedição, já sabe que eles só querem dinheiro. Mais adiante, uma milícia alemã aborda o ônibus e passa a escoltá-lo, já que têm acontecidos freqüentes assaltos daquele tipo. Até 1h37min17s. 5.5. Uma mulher, membro da organização, há muito inconformada com o risco que a presença dos americanos está trazendo, decide descer do ônibus. Jacobi passa o contato de Armstrong em Berlim. Até 1h.39min21s. 5.6. Próximo a Berlim, a polícia percebe o ônibus normal logo atrás. Armstrong e Sarah descem. Os outros passageiros também e a polícia alemã metralha o ônibus vazio. Até 1h42min2s. 5.7. Em Berlim Oriental, procurando pelo correio Friedrichstrasse, conhecem a condessa Kuchinska, polonesa à procura de patrocinador para emigrar para os Estados Unidos. A condessa não suporta mais o café de baixa qualidade e os cigarros russos, “metade papel”. O casal se dispõe a ajudá-la, em troca, ela os levará ao correio. Até 1h48min46s. 5.8. No correio, esperam pelo contato. Um guarda desconfia dos três. No momento em que recebem a informação que precisam, chega a polícia. Armstrong e Sarah fogem, a condessa tenta impedir a ação de um dos policiais e ambos caem. Desolada, lamenta a perda de seu patrocinador para os Estados Unidos. Até 1h52min33s. 5.9. Na agência de turismo, ficam sabendo que ninguém ficou ferido na ação policial contra o ônibus, mas o perderam. A drª Sarah logo promete, se conseguirem fugir, se empenhar para ajudá-los a suprir a perda, o agente agradece. São informados que devem fugir num navio da Alemanha Oriental para a Suécia. Para isso, devem ir a um teatro, onde uma companhia tcheca de balé se apresenta, para saírem nas cestas de trajes. Até 1h55min15s. 5.10. No teatro, Armstrong e Sarah são identificados pela bailarina, que os vira no vôo Copenhagen-Berlim Oriental. A polícia é chamada. Até 1h57min05s. 5.11. A polícia se posiciona no teatro e Armstrong só vê uma saída: aproveita que chamas aparecem no cenário e grita fogo. A confusão se estabelece: centenas de pessoas querendo fugir. Com muito esforço, conseguem chegar ao acesso do palco e são escondidos pelo coordenador de bagagens da companhia. Até 2h2min35s. 5.12. No navio para a Suécia está a bailarina, que acha provável que os americanos estejam nas cestas de roupa. O coordenador de bagagens deseja boa sorte em direção a dois cestos que estão sendo içados. A bailarina alerta os alemães. Um tripulante atira nos cestos, mas não há nada neles além de roupas. Os americanos estão nadando para o porto. A bailarina se decepciona duplamente: de novo a imprensa a descarta pelos americanos. O coor-

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denador de bagagens enxuga o dinheiro e o casal se aquece, novamente, como no inicio do filme, debaixo dos cobertores. Até 2h7min15s. 5. Universo diegético: Embora não se refira a nenhum episódio em particular da Guerra Fria, Cortina rasgada procura construir um universo diegético bastante referenciado a elementos pertinentes à Alemanha Oriental ou ao bloco socialista de um modo geral. No gabinete de Gerhard, há fotos de Brejnev e Walter Ulbricht (4.3). No local da festa onde estão Karl, Armstrong, Sarah e Lindt há fotos de Karl Marx (4.8) e de um líder alemão, talvez Walter Ulbricht (4.9). Fuma-se charutos cubanos (3.2) e Armstrong tenta despistar Gromek no Museu de Berlim (3.7), nada estranho já que a maioria dos museus e monumentos ficaram na Berlim Oriental. Como sinalização do universo comunista, há um busto de Karl Marx na Universidade (3.13). São principalmente estas imagens que compõe o referencial diegético de um filme cujos exteriores foram rodados nas vizinhanças dos estúdios Universal. Para enfatizar a localização geográfica, uma legenda aponta o local onde a ação transcorre: Noruega, Leipzig. O letreiro Hotel Berlim é outro fator de identificação espacial que aparece em várias tomadas. 6. Leitura isotópica: A rede temática indivíduo/modo de vida capitalista e indivíduo/socialismo (3.2, 3.4, 5.7, 5.8) apresenta pessoas que, em diferentes níveis estão insatisfeitas com o socialismo. Gromek tem profunda nostalgia do tempo em que viveu em Nova York, enquanto a Condessa Kuchinska deseja desesperadamente emigrar para os Estados Unidos. Para discutir o papel representado pela Alemanha na Guerra Fria, as redes temáticas escolhidas foram o caráter ostensivamente repressor do Estado alemão oriental e a organização de fuga no âmbito da espionagem. A primeira rede temática se apresenta desde o pronunciamento de Armstrong aos jornalistas (3.3). Os policiais acompanham o desenrolar da entrevista e depois protegem o americano na saída. O aparelho repressivo conta com a colaboração do cidadão comum. Na universidade, rapidamente, os estudantes são mobilizados para caçar o professor e sua assistente (5.1). Como também, no correio, logo um guarda suspeita dos três e avisa a polícia (5.8). No teatro, o casal é descoberto pela bailarina no momento que termina sua pirueta (5.10). Para combater este Estado onipresente, uma poderosa organização com agentes no campo (3.9), nas cidades (4.1, 5.2, 5.3, 5.9), na administração publica (5.8), no meio artístico (5.11). As fissuras no aparelho repressivo aparecem na seqüência dos desertores do exército soviético (5.4). Há outras redes temáticas como, “A espionagem como atividade desprezível”, importante no processo de identificação/distanciamento em torno da personagem Armstrong (3.1, 3.5, 3.11, 4.5 e 4.12), incorpora o conflito entre ele e Sarah, apenas desfeito no final da terceira parte do filme (4.6).

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Topázio Gênero: Suspense 1. Ficha técnica: Título: Topaz, Estados Unidos (em português Topázio) Ano: 1969 Estúdio: Universal Duração: 129 min Diretor: Alfred Hitchcock Produtor: Alfred Hitchcock Produtor associado: Herbert Coleman Roteiro: Samuel Taylor, baseado na novela de Leon Uris Diretor de fotografia: Jack Hildyard Montagem: Willian Ziegler Cenógrafo: John Austin Música: Maurice Jarre Planejador de produção: Henry Bumstead Guarda-roupa: Edith Head Som: Waldon Watson e Robert Bertrand. Distribuição: Cinema International Corporation Cópia analisada: fita de vídeo VHS Personagens e intérpretes principais: André Deveriaux (Frederik Staford), Nicole Deveriaux (Danny Robin), Rico Parra (John Vernon), Juanita de Córdoba (Karin Dor), Henry Jarré (Philippe Noiret), Jacques Granville (Michel Picolli), Claude Jade (Michelle Piccard), Micheli Subor (Françoise Picard), Phillippe Dubois (Roscoe Lee Browne), Boris Kusenov (Per-Axel Arosenius), e Michael Nordstrom (John Forsythe).

2. Resenha crítica: A partir da deserção de diplomata soviético, o serviço secreto americano, auxiliado pelo agente francês André Deveriaux, descobre os mísseis soviéticos em Cuba e a presença de membros do governo francês envolvidos no fornecimento de informações aos soviéticos. Em Cuba, o agente francês é auxiliado por grupo de oposicionistas ao governo de Fidel Castro. O anticomunismo de Topázio é coerente com o novo contexto internacional. Os russos aparecem como desastrados e truculentos agentes de espionagem. O verdadeiro alvo dos estereótipos é agora o regime e os comunistas cubanos. Estes são propensos a mudar de lado em troca de recompensa material, são capazes de torturar ou matar, a pretensão descamba com freqüência para a estupidez, vivem num ambiente sujo e promíscuo e têm tendências fascistizantes. O filme de Hitchcock só não incorpora a lógica ou racionalidade como elemento constitutivo do ser comunista, como também a atuação em movimentos subterrâneos. A frieza e alguma racionalidade é reservada para os comunistas franceses e, no poder, não haveria sentido em falar em conspiração comunista. A manipulação dos fatos históricos é especialmente notável. A principal fraude fílmica é a tentativa de associar o regime cubano com a prática de tortura. Os personagens fictícios adotam a tortura e o assassinato como prática corrente e são apresentados numa seqüência de cenas documentais onde aparecem líderes cubanos, como Che Guevara, Fidel Castro e Raul Castro. O documento histórico está a serviço da construção de um discurso unilateral e sem autenticidade. No caso dos comunistas franceses, a principal via da desqualificação é o rompimento com tradições patrióticas. A participação na resistência, onde estiveram juntos o agente francês André Deveriaux, sua mulher Nicole e o chefe da organização de espionagem co-

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munista Jacques Graville é vista como um movimento em defesa da França. O casal fica sensivelmente chocado quando ficam sabendo que Jacques Granville é um traidor: uma tomada mostra Nicole Deveriaux chorando, outra enquadra André, estarrecido, tendo ao fundo flores amarelas e, por fim, outro plano, agora da foto dos três como membros da resistência. Topázio não tem qualidades que atenuem a falsificação histórica do episódio cubano. Trata-se de tentativa de reproduzir o sucesso da novela que o originou, revestindo de complexidade uma história de espionagem com clichês já consolidados na série James Bond desde 1962. 3.Contexto histórico-narrativo: O período Kennedy pode ser caracterizado como ambivalente nas questões da guerra e da paz. Tomou medidas claramente ofensivas como a invasão da Baía dos Porcos e o início da escalada militar no sudeste asiático (Laos e Vietnã do Sul); ao mesmo tempo acenava com medidas de guerra de posição, como a Aliança para o Progresso e a idéia da Nova Fronteira. Esta situação o colocava numa posição não exatamente cômoda junto aos “falcões”280, como Dean Acheson e o general Curtis LeMay e ao chamado complexo militar, aspecto que deve ser considerado para entender o desfecho dramático de seu governo. A crise dos mísseis de 1962, pano de fundo para a história de Topázio, foi um dos momentos cruciais do governo, naquele momento Kennedy resistiu às pressões do setor mais belicista que defendia o bombardeio de Cuba. 4.Resumo da sintaxe narrativa: 1. Prólogo: Créditos sobre filme documentário apresentando uma parada militar na União Soviética, que se encerra com legendas sobre um funcionário russo que não aprova tais exibições de poderio militar. Até 1 min e 51 seg. 2. Primeira parte: O triângulo 2.1. A deserção: O alto funcionário soviético, Boris Kusenov, e sua família deixam a embaixada soviética, identificada pela bandeira, em Copenhague, e procuram entrar em contato com o representante do governo americano para pedir asilo. Na loja Den Permanente, a família Kusenov aguarda o momento em que será resgatada. A operação é bem sucedida, conquanto houve momentos de tensão, pois um agente soviético tenta atirar em direção aos Kusenov. Até 10 min e 55 seg. 2.2.O vôo em direção à liberdade: Acompanhados de Michael Nordstrom, o agente americano, os Kusenov entram no avião que os levara até Wiesbaden, depois Washington. O avião alça vôo num pôr do sol avermelhado; a. música pontua em tom eufórico a cena. Até 12 min e 18 seg. 2.3. A chegada em Washington: Acompanhados por Nordstrom, os Kusenov chegam ao aeroporto, onde são recebidos pelo Sr. McKittrick, chefe da espionagem americana. Até 13 min e 20 seg. 2.4.A visão da Casa Branca:

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Costuma-se dividir a orientação americana, quanto à política externa, em “falcões” e “pombas”. Os primeiros favoráveis ao enfrentamento direto com os adversários e os segundos voltados para uma estratégia de diálogo.

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Os Kusenov são conduzidos a uma residência, localizada segundo a ficha técnica oficial do filme, em Maryland. No caminho, passam pelo Capitólio e pela Casa Branca, que deixa a filha dos Kusenov, extasiada. Até 13 min e 51 seg. 2.5. O primeiro interrogatório: O grupo chega à casa onde deverão permanecer os Kusenov. O Sr. Nordstrom cumprimenta um empregado que o aguarda à entrada. Logo ao chegarem, o Sr. McKittrick os encaminha ao interrogatório (vê-se por uma porta entreaberta, gravadores e câmera fotográficas). O Sr. Kusenov estranha que sua mulher e filha também sejam interrogadas. Até 15 min e 37 seg. 2.6. O vértice francês O agente André Devereaux dirige-se à embaixada francesa, indicada pela bandeira nacional. Ele é esperado por um general e o diretor do serviço de espionagem francês, René D’arcy. Ambos não gostam do comportamento “pouco respeitoso” [vamos observar que se trata de desrespeito às orientações oficiais do serviço de espionagem] de Devereaux, mas reconhecem seus méritos na organização do “melhor serviço ocidental de inteligência”. Na conversa, Devereaux deixa entender que estranha a rapidez com que os franceses souberam da deserção de Kusenov e insinua que o interesse francês em saber da localização de Kusenov pode representar risco à vida do ex-agente soviético. Até 18 min e 6 seg. 2.7. O interrogatório de Kusenov: Tomada em plano geral de Tâmara tocando piano. No aposento há mesas com objetos bem alinhados, flores nos jarros e cama arrumada. Em outro quarto, o interrogatório começa, o grupo está sentado em torno de uma mesa onde podemos ver papéis arrumados e microfones posicionados. O Sr. Kusenov é interrogado sobre sua trajetória como subchefe da KGB e sobre a palavra código topázio. Diz conhecer apenas a pedra preciosa. Neste momento, Nordstrom recebe telefonema de Devereaux, que deseja encontrá-lo. Até 20 min e 58 seg. 2.8.O pacto Nordstrom/Devereaux: Devereaux e esposa conversam sobre o repentino convite a Nordstrom para que venha jantar. Nicole diz: “André, você é francês. Não devia meter-se nessa guerra fria entre russos e americanos. Você é neutro”. Ao que André responde: “Ninguém é neutro”. Sozinhos, Devereaux e Nordstrom reafirmam o pacto de colaboração, o americano confirma a deserção de Kusenov e pede que ele não passe esta informação ao governo francês. Neste momento fica claro que ambos suspeitam do serviço secreto francês. Até 24 min e 46 seg. 2.9. O interrogatório de Kusenov prossegue: A primeira tomada apresenta um agente americano lendo um jornal com a manchete “Congresso investiga atividades russas em Cuba, provavelmente de 22 ou 23 de outubro de 1962 (O discurso de Kennedy denunciando a presença dos mísseis foi em 21 de outubro). O alvo das perguntas agora é Cuba. Kusenov informa sobre a presença de 5000 russos na ilha, entre civis e militares, há turmas de construção e peritos eletrônicos. Perguntado sobre os objetivos de tal presença, diz desconhecê-los, o que irrita Nordstrom e lembra a Kusenov do acordo que têm, este assente: “Sim, eu sei. Vendi minha alma ao diabo”. E promete dar informações que os façam chegar aos fatos. Diz que há um acordo entre URSS e Cuba e o texto desse acordo está com Rico Parra, representante cubano nas Nações Unidas. Além de Parra, outro funcionário cubano conhece o documento, Luís Uribe. Kusenov sugere que é possível negociar com este último, desde que não seja um americano que o faça. [Ficamos sabendo depois que Uribe teve um filho morto na invasão da Baía dos Porcos, daí seu “antiamericanismo”]. Até 27 min e 47 seg. 2.10. As “férias” dos Devereaux:

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Como havia planejado, o casal Devereaux viaja a Nova Iorque para encontrar-se com a filha, Michele, e François, o genro, que é jornalista e cobrirá a abertura da assembléia das Nações Unidas. Vão recebê-los no aeroporto [neste ponto vemos uma pessoa, interpretada por Hitchcock, levantando-se de uma cadeira de rodas para cumprimentar um amigo.] No hotel encontram Nordstrom que trouxera flores amarelas [cor de topázio] para Nicole; esta fica desapontada com a visita, Nordstrom procura se desculpar e diz esperar não ser inoportuno: veio verificar se as flores chegaram ... Nordstrom procura convencer Devereaux que ele deve tentar ter acesso ao documento através de Uribe, depois de alguma relutância, este assente (a música marca esta inflexão com os acordes que apresentaram o agente francês pela primeira vez). Devereaux chama o genro e este apresenta um álbum com desenhos da delegação cubana, e lá está Uribe, ao lado de Che Guevara. Devereaux destaca o desenho e parte com o dinheiro para o suborno. Até 32 min e 51 seg. 2.11. Espionagem no Harlem; 2.11.1.Devereaux procura Philippe Dubois, florista martinicano que está a seu serviço. Devereaux explica-lhe que ele deve procurar Uribe, pois este odeia os americanos, pois teve um filho morto na Baía dos Porcos. Até 35 min e 45 seg. 2.11.2. Devereaux e Dubois chegam ao Hotel Theresa, no Harlem. Dubois se apresenta no Hotel e pede para falar com Uribe. No primeiro contato, Uribe não se dispõe a colaborar e quando já ia tomar o elevador, Dubois o detém e aponta para o bolso onde está o dinheiro. Uribe se inclina, Dubois mostra o envelope e, enfim, parece que se entendem [Esta seqüência foi filmada com teleobjetiva, do ponto de vista de Devereaux, que permanecera do outro lado da rua]. Dubois acena para Devereaux e mostra o relógio: deve aguardá-lo. Devereaux olha o relógio e lembra que está atrasado para o jantar com a família. Até 39 min e 10 seg. 2.11.3. Corte para a família Devereaux que espera num restaurante. Até 39 min e 19 seg. 2.11.4. Retorno ao Harlem. Dubois chega ao andar em que está hospedado Rico Parra, o ambiente é caótico, a maioria dos revolucionários está uniformizada e usa barba, há pessoas sentadas no corredor, um homem uniformizado joga cascas de frutas no chão. Dois amigos de Parra querem vê-lo, mas seu segurança, de forma truculenta os impede. Como a porta está entreaberta, gritam seus nomes e são recebidos. Até 40 min e 35 seg. 2.11.5. No banheiro, Dubois e Uribe acertam uma forma de atrair Parra para uma entrevista, assim o funcionário cubano poderá trazer a pasta para fotografarem os documentos. Até 41 min e 8 seg. 2.11.6. Dubois e Uribe voltam ao corredor e se aproximam do quarto de Parra, ao chegarem vêem este por para fora os dois amigos que pretendiam, simplesmente, dinamitar a Estátua da Liberdade. Até 41 min e 28 seg. 2.11.7. Dubois convence Parra a dar a entrevista e o leva para a sacada, dali acena para o grupo que responde com vivas para o líder cubano. Na tomada do interior do quarto já aparecem muitas garrafas de bebida. Até 43 min e 8 seg. 2.11.8. No interior do quarto, aparece Uribe e ao fundo uma grande quantidade de garrafas. Até 43 min e 10 seg. 2.11.9.Na sacada, Dubois tira fotos de Parra. O líder cubano acena com a mão em ângulo reto duas vezes, na terceira temos a saudação nazista. Até 43 min e 12 seg. 2.11.10.Uribe se movimenta. Até 43 min e 23 seg. 2.11.11.Uribe pega a mala e sai para o corredor. Até 44 min. 2.11.12.. De volta ao quarto, Dubois pergunta o que deve colocar como legenda das fotos. Parra diz: “Embora sejamos um país pequeno, breve não teremos medo de nin-

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guém”. Dubois comenta: “Então, algo vai acontecer.” Parra replica: “Eu não disse isso. Publique só o que eu disse.” Até 44 min e 36 seg. 2.11.13.Dubois se despede e dirige-se a outro quarto, no corredor, passa uma outra mulher. Até 45min e 16 seg. 2.11.14. Parra volta a trabalhar e o ambiente caótico e sujo do quarto é enfatizado. Procura um documento nas pastas e vai encontrá-lo debaixo de um pedaço de sanduíche, engordurado e sujo. Ao voltar-se para sua mesa, cospe no chão. Tira da gaveta uma garrafa, assopra num copo empoeirado e bebe. Até 47 min e 13 seg. 2.11.15. Parra dá pela falta da pasta e dirige-se ao quarto de Uribe, no corredor circulam mulheres, uma sozinha e outra de braços dados com um revolucionário. Até 48min19seg. 2.11.16. Parra chega ao quarto de Uribe e vê os dois fotografando os documentos. Dubois pula pela janela e Parra toma o revólver de Hernandez e atira em direção ao fugitivo, que escapa deixando a câmera com Devereaux. Até 49 min e 18 seg. 3. Segunda parte: Cuba, um ponto fora do triângulo 3.1.Espionagem em Cuba: 3.1.1.O casal Devereaux discute. Nicole procura demovê-lo da viagem, alegando o risco que pode correr e mais: “os americanos devem ser deixados com as suas sujeiras”. Nicole também tem ciúmes, pois sabe que há uma mulher em Cuba ... Devereaux mais uma vez, diz que não há outra alternativa: “... desde a Baía dos Porcos os Estados Unidos não têm mais agentes em Cuba. Todos estão mortos ou presos.” E a mulher de Cuba é apenas a líder da resistência cubana, chefe de uma rede de espionagem. Até 52 min e 21 seg. 3.1.2 No avião, Devereaux lê o New York Times de 22 de outubro de 1962, com a manchete: “Kennedy fala na TV sobre a crise em Cuba”. Até 53 min e 30 seg. 3.1.3. Devereaux chega à casa de Juanita de Córdoba, encontra Rico Parra e quando este se vai, beija-a apaixonadamente. Entre um beijo e outro, comentam a situação em Cuba e Devereaux fala dos objetivos de sua viagem. Segundo Juanita, nada há que fazer, todos da sua organização estão escondidos: “você só tem um recurso: passar uns dias comigo e ir embora”. A música romântica sublinha esta última frase, fazendo a transição para a tomada seguinte, onde os dois aparecem no quarto, ela de camisola e ele sem camisa. Até 57 min e 59 seg. 3.1.4. Devereaux começa a abrir os presentes que trouxera: um contador geiger (para verificar se os russos mexem com projéteis nucleares) e uma câmera fotográfica com controle remoto. Até l h 1 min e 8 seg. 3.1.5. Juanita verifica os preparativos para o trabalho de fotografia dos mísseis, a cargo do casal Mendoza. Até 1 h, 2 min e 44 seg. 3.1.6. Enquanto Pablo Mendoza fotografa o Porto de Viriel, pombos sobrevoam um posto militar próximo, os soldados percebem num certo momento que os pombos levam no bico pedaços de pão. Ao perceber o problema, a Sra. Mendoza procura espantá-los e chama a atenção dos soldados. Ambos fogem, mas são pegos na estrada. Até 1 h, 06 min e 44 seg. 3.1.7. Antes de serem presos, os Mendoza deixaram o material fotográfico escondido em um tubo da ponte. Após a prisão dos Mendoza, o material é recuperado e levado ao laboratório da casa de Juanita. Até 1 h, 7 min e 50 seg. 3.2. O comício: No comício, estruturado com cenas de documentário, onde aparecem Fidel Castro, Che Guevara e Raul Castro, entre outros, e inserções de cenas envolvendo os personagens

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Parra, Juanita, Devereaux e Hernandez, este último reconhece Devereaux com o homem com que esbarrou no dia do incidente no Harlem. Até 1 h, 9 min e 53 seg. 3.3. Devereaux é desmascarado: 3.3.1. Parra visita Juanita e dá um ultimatum a Devereaux: deve deixar Cuba até a manhã do dia seguinte, pois sua condição de espião fora descoberta. Juanita reage e impede que Devereaux seja imediatamente conduzido por Parra. Até 1 h, 15 min e 9 seg. 3.3.2. Devereaux prepara sua bagagem, acompanhado de Juanita, sensivelmente triste com a partida. Tomás, empregado e militante da resistência, entra com o material que prova a presença de mísseis ofensivos em Cuba. Juanita também entrega uma caderneta que só deve ser lida no avião. E pede que antes de tomar o vôo, ligue para ela. Muito emocionada, se despede. Até 1 h, 19 min e 48 seg. 3.4. A tortura: O casal Mendoza aparece em plano médio no interior de uma prisão. A Sra. Mendoza ampara o marido no colo, em nítida analogia com a Pietá de Micheangelo. Ambos têm sinais de tortura, o homem está sem sentidos e a mulher mal balbucia algumas palavras que revelam para quem trabalhavam: “ Ju-a-ni-ta de Cor-do-ba”. 3.5. A morte de Juanita: Acompanhado de Munoz e de outros soldados, Parra chega à casa de Juanita e lá descobrem a câmara escura e o material de miniaturização de filmes. Juanita e Parra discutem, ele a acusa de traição e ela justifica dizendo que eles fizeram de seu país uma prisão. Parra diz que ela “será torturada como os Mendoza foram”. Munoz liga para o aeroporto e avisa que os filmes estão nas lâminas de barbear. Prosseguindo sua conversa com Juanita, Parra fala o quanto sofrerá para revelar os outros nomes. Movimenta a mão para baixo e ouve-se um tiro: Juanita cai num movimento em que o vestido (roxo) se abre lembrando uma flor a desabrochar (Hitchcock em entrevista fala desta intenção e dos artifícios que usou para obter este efeito). O telefone toca uma vez e alguém diz que Devereaux fora liberado pois não havia nada com ele. Na segunda vez, Deveriaux é avisado que Juanita está morta. Até 1 h, 26 min e 42 seg. 3.6. Onde estão os filmes? No avião, que tem protetor de encostos amarelos (cor de topázio), Devereaux tem expressão desolada. Resolver abrir a caderneta e nota algo estranho na parte inferior da capa: era o filme. A habilidade da rede de espionagem cubana o colocara onde nem ele mesmo sabia. Até 1 h, 28 min e 47 seg. 4. Terceira parte: Desvendando Topázio 4.1. Devereaux tem problemas com o governo francês: Acompanhado de Nordstrom, Devereaux chega em casa. Nicole voltara para Paris, aparentemente em represália à viagem de André a Cuba. Devereaux recebe a visita de René D’arcy e este o avisa que deve se apresentar ao Diretor Geral em Paris, pois o governo cubano protestara contra sua atuação no país. Nordstrom diz a Devereaux que ele deve ouvir Kusenov antes de partir, já que possui informações sobre traidores em Paris. Até 1 h, 32 min e 32 seg. 4.2. Um outro Boris Kusenov: Com ares de novo rico, Kusenov serve café e oferece cigarros a Nordstrom, Devereaux e McKittrick. Revela que Topázio é o nome código de uma organização de funcionários franceses que trabalham para a União Soviética. O chefe tem como codinome Colombine e o subchefe é Henri Jarré, economista na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Kusenov agora age como dono da casa. Sugere-se que recebeu mais alguma compensação para continuar “vendendo sua alma ao diabo”. De forma jocosa, Kusenov

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recomenda que Devereaux faça como ele: decida entre sua consciência e o seu governo e escolha ficar com os americanos, que lhe darão trabalho e vida nova. McKittrick adverte que seu governo prepara medidas contra Cuba ou contra a Rússia, por isso tal organização não pode saber que os americanos estão informados. Até 1 h, 35 mim e 50 seg. 4.3. Devereaux em Paris: Devereaux encontra-se com seus colegas em Paris, antes de falar com o diretorgeral. Procura sondar a reação dos seus pares à revelação de que há espiões no governo. Tudo parece sem surpresas até que Henri Jarré, o economista da OTAN, diz não acreditar em tais denúncias pois Kusenov teria morrido há cerca de um ano. Até 1 h, 40 min e 44 seg. 4.4. Topázio tem problemas: Henri Jarré procura Jacques Granville, agente francês, que sabemos agora ser o chefe da organização. Jarré quer eliminar Devereaux, pois este já sabe de seu envolvimento na rede de contra-espionagem. Granville argumenta que isto não é oportuno e pede que Jarré mostre naturalidade e aguarde seu contato. Apressa a saída do colega, pois espera uma visita; ao sair Jarré olha para trás e a visita de Granville (Nicole) o vê. Até 1 h, 45 min e 58 seg. 4.5. Um triângulo amoroso: Nicole encontra-se com Granville que a agradece por ter vindo, o que ela responde: “Por que não viria? Sou uma mulher livre.” Até 1 h, 46 min e 29 seg. 4.6. O cerco sobre Topázio: François Picard, o genro de Devereaux, visita Jarré e no decorrer da entrevista, deixa claro que sabe das atividades do economista e sugere que ele faça um acordo com Devereaux. Jarré, aparentando muito nervosismo e insegurança, aceita e Picard liga para o sogro. Enquanto falam, chegam pessoas conhecidas de Jarré ao apartamento. A ligação cai, preocupado, Devereaux e Michele se dirigem ao local. Até 1 h, 54 min e 55 seg. 4.7. Jarré é assassinado: Ao chegarem à casa de Jarré, encontram o corpo sobre um automóvel e a janela aberta; o que parece indicar um suicídio forjado. Até 1 h, 56 min e 35 seg. 4.8. A revelação: De volta à casa, Devereaux e Michele dizem a Nicole que François desaparecera. Logo François reaparece . Fora nocauteado pelos homens que visitaram Jarré e seqüestrado, no momento em que a vigilância é relaxada, foge, sendo atingido de raspão. Após ser medicado, fornece um endereço que ouvira dos agressores: Babilônia 8583. François lembra do álbum de desenhos que pensa ter deixado na casa de Jarré. Na verdade, Devereaux o trouxera e François pode mostrar “o retrato de um traidor morto”. Nicole observa e reconhece o homem que vira saindo da casa do amante, concluindo que Jacques Granville é o chefe da organização. A revelação deixa André estarrecido, volta-se para uma mesa, ao fundo vê-se flores amarelas, em cima da mesa uma foto dos três, ele, a mulher e Granville, estão armados, indicando que pertenceram à resistência francesa ao nazismo. Até 2 h, 1 min e 7 seg. 4.9. Os americanos em Paris: No Aeroporto de Paris, num estande de jornais, lê-se no Herald Tribune a manchete: “Talvez bases em Cuba sejam bombardeadas pelos EUA”. Nordstrom desce do avião para a reunião onde os americanos apresentarão o problema dos mísseis ao governo francês. Devereaux espera por Nordstrom e revela o nome do chefe da organização e passa-lhe uma foto (provavelmente a foto da resistência) para que o americano possa identificá-lo na reunião. Até 2 h, 2 min e 19 seg. 4.10. Granville é desmascarado:

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Americanos e franceses entram na sala de reunião. Formam-se três grupos, no canto esquerdo do plano, encontra-se Granville. Há dois grupos à direita e Nordstrom transita entre eles, até que um funcionário francês se dirige a Granville dizendo que os americanos vetam sua presença na reunião. Constrangido, Granville sai. Trata-se de um longo plano-seqüência (2 min e 10 seg.), onde a câmera parte do enquadramento inicial da chegada do grupo à sala, afasta-se para o fundo em plano geral, visualizando a movimentação na sala, acompanha o deslocamento de Nordstrom em direção ao grupo da direita e até novamente à esquerda até Granville, parando em primeiro plano na sua figura. Até 2 h, 2 min e 19 seg. 4.11. O suicídio: Granville entra em casa e ouve-se um tiro. Até 2 h, 4 min e 18 seg. 5. Epílogo: A partir da manchete do Herald Tribune, que alguém segura (parece ser Devereaux, pois estamos em Paris) “Solucionada a crise em Cuba: Rússia remove mísseis”, aparecem tomadas da tortura, morte de Jarré e Juanita, fechando com a imagem de Devereaux no avião, voltando de Cuba. O jornal é jogado num banco de praça e aparece ao fundo o Arco do Triunfo e os créditos finais. A música é a mesma marcha que abriu o filme. Até 2 h, 5 min e 30 seg. 5.Universo diegético: A história de Topázio transcorre em cinco países: Dinamarca, Cuba, Estados Unidos, União Soviética e França, envolvendo particularmente os três últimos num efetivo triângulo de espionagem. Dinamarca é apenas o ponto de partida (Cortina rasgada, outro suspense de espionagem de Hitchcock também começa na Dinamarca) e Cuba, conforme a visão do diretor é um satélite, um ponto a gravitar em torno do vértice soviético. A União Soviética aparece no prólogo (1), onde é apresentado um documentário enfocando uma parada militar. As imagens de Copenhague aparecem num longo conjunto de seqüências (2.1.), quando a família Kusenov procura desvencilhar-se da segurança soviética. Ao chegar aos Estados Unidos, a família é conduzida pelas ruas de Washington, passando pelo Capitólio e pela Casa Branca (2.3. e 2.4.). A viagem dos Devereaux a Nova Iorque desloca a ação para lá (8). 281 Em outro momento (2.11.2), o agente Dubois vai ao Hotel Theresa, no Harlem, onde realmente Fidel Castro se hospedou em 1959. Segundo Hitchcock não foi possível rodar as cenas na locação pois a construção já estava bastante descaracterizada na época das filmagens, sendo necessário construí-lo em estúdio. Cuba aparece em tomadas externas, enfatizando o caráter rural, na tomada que apresenta a casa de Juanita (3.1.3.), situada no alto de uma colina e parecendo ser a sede de uma fazenda. Cuba aparece também na seqüência do comício, onde podemos ver os principais líderes da revolução (3.2.). O comício é estruturado com cenas dramatizadas e documentais de um filme de 16 mm não citado nos créditos. Nas tomadas internas, Cuba é representada pela arquitetura colonial da casa de Juanita. Paris é apresentada com uma tomada sobre os letreiros do avião que traz Devereaux : “Air France”, pela fachada do Hotel Pierre, onde conversam os agentes franceses ( 4.3.) e a imagem do Arco do Triunfo da seqüência final (5). Na seqüência onde Nicole e Granville se encontram aparece uma típica rua da Paris antiga (4.5.). 281

Hitchcock aparece nesta seqüência, levantando-se de uma cadeira de rodas para cumprimentar um amigo.

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A história se passa no período da chamada crise dos mísseis (de 21 a 28 de outubro de 1962). Na seqüência do interrogatório, há uma tomada em que aparece um jornal com a manchete “Congresso investiga atividades russas em Cuba”(2.9.), que pode ser de 22 de outubro, já que no dia anterior Kennedy falara na televisão, no célebre discurso anunciando a crise. A operação de resgate do funcionário soviético seria uma das medidas voltadas para cercar o governo americano de informações sobre o problema. A obtenção das provas é um recurso pouco verossímil, pois trata-se de ação de alto risco e o seu fracasso inviabilizaria os objetivos americanos de apresentar uma sólida prova da ofensiva soviética. Na verdade, as fotografias foram obtidas por inúmeros vôos dos aviões U-2 sobre o território cubano desde o início de setembro (as bases começaram a ser instaladas em agosto).282 No avião, em direção a Cuba, Devereaux lê o New York Times, de 22 de outubro de 1962 (3.1.2.). Na seqüência final, Devereaux lê um jornal que tem como manchete “Solucionada a crise de Cuba”, embora a data não seja legível na cópia que tive acesso, deve tratar-se de 29 de outubro, dia seguinte ao acordo. Elementos históricos propriamente ditos estão presentes em diversas seqüências. No escritório de Nordstrom em Copenhague há uma foto do presidente Kennedy ao fundo (2.2). O genro de Devereaux é jornalista e desenha retratos nas suas reportagens. Como esteve na ONU, Devereaux pede que mostre o álbum de retratos, pois precisa saber quem é Uribe, no álbum vemos vários desenhos e um de Che Guevara ao lado de Uribe (3.1). A foto de Nicole, Devereaux e Granville como membros da resistência francesa é um dado revelador: todos têm a mesma tradição de engajamento no passado, agora trilham caminhos distintos e Granville trilha um caminho desviante, desonroso, tanto que desmascarado não vê outra saída que o suicídio. Acrescente-se a esta carga histórica, os dois trechos de documentários: a parada militar soviética e o comício em Cuba (1 e 3.5., respectivamente). Deve-se mencionar também a construção do personagem Rico Parra, uma espécie de alterego de Fidel Castro, que desenvolve ações realizadas de fato pelo líder cubano, como a viagem a Nova Iorque na primavera de 1959. 5. Leitura isotópica: Topázio possui uma rede temática que se insere no conjunto do trabalho, que é indivíduo/modo de vida capitalista e indivíduo/socialismo (2.4, 2.7 e 2.11.14). O complô capitalista diz respeito à rede de cubanos direitistas (2.1, 2.9, 2.11.2, 3.1.3, 3.1.4, 3.1.5, 3.16, 3.1.7 e 3.5) e o complô comunista é a rede de espionagem franco-soviética chamada Topázio (4.1, 4.2, 4.4, 4.8 e 4.10). No tratamento diretamente ligado à crise dos mísseis identificamos as seguintes redes temáticas: Estado e violência (1, 2.1, 2.5) e posição das diferentes nações na Guerra Fria (2.1, 2.6, 3.2 e 3.1.1).

282

Anatoli GROMIKO, op. cit., p. 220.

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Rede temática Estado e violência

Elementos Axiologia Elementos figurativos significantes A semioseO esforço 1.Apresentação de aparato bélico, espe- militar soviético é guia é a palavra. cialmente mísseis; visto como exibição Texto referindo-se a de força. um funcionário russo que não aprova tais exibições de poderio militar. 2.1. O agente Os soviéticos soviético tenta atirar A imagem é em direção aos Ku- podem atirar em a semiose-guia. senov com muitas direção a multidões. pessoas em torno do alvo. 2.5.Máquinas fotográficas e gravadores aparecem na sala onde os Kusenov serão fotografados e ouvidos isoladamente.

Os repreEquilíbrio sentantes do go- entre imagens e texverno americano to. procuram enfatizar o aspecto coercitivo da operação.

2.11.16. O líder cubano Parra atira em direção ao O líder cubafugitivo da sacada Imagem codo hotel; o alvo está no atira indiscrimi- mo semiose-guia. no meio da multidão nadamente em direção ao seu alvo. que o aplaude. 3.4. O casal Mendoza aparece em plano médio interior de uma prisão. A Sra. Mendoza apoia o marido no colo; ambos têm sinais de violência, o homem está desacordado e ela balbucia. Mais adiante Parra dirá que Juani-

A

violência contra prisioneiros do Estado cubano é ricamente caracterizada.

A

semioseguia é a imagem, nítida analogia com a Pietá de Micheangelo.

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Rede temática

Elementos figurativos ta “será torturada como os Mendoza foram” 3.5. Chamada de traidora por Parra, Juanita replica que “eles transformaram seu país numa prisão”; para livrar Juanita da tortura, Parra a mata.

Estado símbolo nacional

Axiologia

Elementos significantes

A desforizaO texto é a ção do processo revolucionário justifi- semiose-guia. ca a ação do grupo contrarevolucionário.

4. Devereaux e a filha encontram o corpo de Jarré A morte de morto, após visita de A semioseum grupo da organi- um agente que começava a dar sinais guia é a imagem. zação Topázio. de medo é apresentada como medida natural tomada pelos funcionários soviéticos. e 2.1. A banA bandeira A semiosedeira soviética ( re- enfatiza os centros guia é a imagem. tângulo vermelho de decisão na trama. com foice, martelo e estrela vermelha no canto superior esquerdo) assinala a saída dos Kusenov e dos agentes. 2.1. A bandeira americana (retângulo de listas vermelhas e brancas com retângulo menor em azul com estrelas brancas) antecede a imagem do agente americano. 2.6. A bandeira francesa (um retângulo com três faixas verticais nas

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Rede temática

Elementos figurativos cores azul, branco e vermelho) assinala a chega do agente Deveriaux ao escritório de espionagem do seu pais. 3.2. A bandeira de Cuba (retângulo com faixas horizontais azul e branco com um triângulo vermelho com uma estrela branca no interior localizado no lado esquerdo) aparece entre a multidão e no palanque.

Indiví2.4. A casa duo/modo de vida onde os agentes acapitalista e indiví- mericanos e Kuseduo/socialismo nov vão trabalhar tem uma arquitetura sofisticada, um empregado à porta, que o Sr. Nordstrom cumprimenta ao chegar; 2.7. A seqüência do interrogatório é precedida de uma tomada em plano geral onde Tâmara aparece tocando piano ao fundo, no aposento há

Axiologia

Elementos significantes

A semioseA bandeira cubana é desforizada guia é a imagem. como símbolo nacional, assinala uma articulação menor da trama, na medida em que está associada a uma ação reativa.

A ordem é A semioseeuforizada nos tra- guia é a imagem. ços arquitetônicos, nos hábitos e na arrumação dos aposentos.

A ordem é A imagem euforizada na músicomo ca tranqüilizadora e prossegue a na arrumação dos semiose-guia, tomada de Tâmara objetos. ao piano funciona como prelúdio da tomada seguinte do ambiente de traba-

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Rede temática

Elementos figurativos mesas com objetos bem alinhados em cima, flores nos jarros e cama arrumada; a mesa de trabalho onde Kusenov se submete ao interrogatório tem papéis e microfones arrumados. 2.11.4, 2.11.14 e 2.11.15. O andar onde está hospedado o líder cubano é caótico, um revolucionário uniformizado joga cascas de fruta no chão; Hernandez, o segurança de Parra, impede de forma truculenta a entrada de amigos no quarto; no interior do quarto há uma grande quantidade de garrafas de bebida; na mesa de trabalho, Parra não encontra o documento que procura, ele está debaixo de um pedaço de sanduíche, engordurado e sujo; Parra cospe no chão, pega um copo, assopra para tirar a poeira e toma de uma bebida que tira da gaveta; em nova tomada do corredor, aparecem mulheres em trajes vistosos, uma sozinha, outra acompanhada de um revolucionário;

Axiologia

A desordem é euforizada, associando-a aos hábitos dos revolucionários; o diretor também sugere que os revolucionários trazem prostitutas para encontros nos quartos.

Elementos significantes lho.

A construção da imagem com semiose-guia é feita com ênfase na cenografia e nos movimentos de figurantes.

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Rede temática Posição dos diferentes países frente à Guerra Fria

Coesão ideológica/vínculo afetivo

Elementos figurativos 3.1.1. André e Nicole conversam sobre o envolvimento dele com os americanos. Nicole afirma: “André, você é francês. Não devia meter-se nessa guerra fria entre russos e americanos. Você é neutro”. Ao que André responde: “Ninguém é neutro.” 3.3. Nicole procura demover André da idéia de viajar à Cuba, pelo risco de vida e “os americanos devem ser deixados com suas sujeiras”; em seguida Nicole pergunta sobre Juanita de Cordoba e mostra estar com ciúmes.

Axiologia

Elementos significantes O alinhaA semiosemento com os Esta- guia é a palavra dos Unidos é euforizado por meio da frase final de André.

A crítica de Nicole aos americanos é contundente, mas é desforizada pelas manifestações de ciúme.

Aqui ocorre a passagem da semiose-guia do texto para a imagem; nas tomadas finais: depois argumentar, Nicole tem os olhos chorosos e quando André se vira para pegar uma mala, ela não está mais na sala, é a sua sombra que sobe as escadas.

A espionagem dos mísseis soviéticos é apresentada como atividade inquestionável.

A semioseguia é o texto, aliás pouco texto, não são apresentados argumentos, mas sim a parafernália para as fotografias e localização das armas nucleares.

3.1.5. QuanA operação é do Juanita verifica euforizada com a os preparativos para benção e o vínculo a espionagem, exor- afetivo. ta que Deus os abençoe e recomenda que a Sra. Mendoza tome conta do marido.

O texto é a semiose-guia e as imagens trazem um misto de descontração e gravidade: o riso de Tomás com a brincadeira da Sra. Mendoza e a benção e o apelo de Juanita.

3.1.3. e 3.1.4. Já André e Juanita têm grandes possibilidades de entendimento, mesmo cética quanto a ações subversivas, logo é convencida da importância da operação.

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Rede temática

Elementos figurativos

Axiologia

Elementos significantes

A semiose3.5. Parra O fato de Juacusa Juanita de anita ter sido mulher guia é a palavra. traição. de um líder revolucionário é euforizado como elemento assegurador de pureza e integração à causa revolucionária.

4.8. Nicole revela que Granville é o chefe da organização. Devereaux, tendo ao fundo flores amarelas, olha para a foto dos três como membros da resistência.

Granville era um membro da resistência que é euforizada como um movimento patriótico, e agora é um agente a serviço de uma nação inimiga..

Transição da semiose-guia na palavra para a imagem (flores amarelas, que em algumas sociedades estão associadas à traição, e a fotografia dos três membros da resistência).

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Redes temáticas por filmes: Depois de apresentarmos as redes temáticas de cada filme, integradas na análise dos problemas contidos nos capítulos, reunimos as redes temáticas de cada filme nesta seção. Com este recorte, o leitor pode observar a contribuição de cada obra para os diversos enfoques que o conjunto do trabalho construiu. 1.As duas principais redes temáticas em Cortina de ferro são “conspiração/conspiradores” (3.1, 3.3, 3.4, 3.5, 5.3, 5.4, 5.5, 6.2) e sua inversão “contracomplô/membros do contra-complô” (7.1, 7.9, 7.12) e “indivíduo/modo de vida capitalista” (4.2, 4.3, 6.7, 7.12 e epílogo) e sua inversão “indivíduo/socialismo” (4.1, 4.4, 5.6, 6.4). O filme tem pretensões de fidelidade, pretendendo criar um contraponto entre as duas alternativas, tornando a opção pelo mundo capitalista como natural. A conspiração comunista não se confunde com gangsterismo, documenta com alguma fidelidade o cotidiano das organizações comunistas. A ênfase nos aspectos positivos (capitalismo) e negativos (socialismo) inaugura uma visão maniqueísta que vai se desdobrar mais adiante. 2. “Viena ocupada e a decadência da zona russa” e “homem comunista/tráfico de penicilina falsificada” são as seqüências analisadas em O terceiro homem. 3.As duas redes temáticas centrais em Anjo do mal são “complô comunista” e “contra-complô patriótico” (2.3,3.7,4.1,4.4,5.1 e 5.5) e o “indivíduo/coletividade/patriotismo” (2.7, 5.2, 5.4 e 5.7). Enquanto o batedor de carteira, Skip McCoy (Richard Widmark) está interessado em ganhar dinheiro negociando o microfilme, sem nenhuma preocupação com qualquer interesse coletivo, sua amante Candy, motivada pelo desejo de preservar a vida do namorado, se engaja ao lado do contra-complô patriótico. 4. A rede temática em Matar ou morrer

“indivíduo e coletividade” exigem uma

definição de seus componentes (2.2, 3.24, 3.26, 4.5, 4.6 e 4.7), onde liberalis-

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mo/federalismo, que se traduz na oposição interesses de Hadleyville versus interesses do Norte, representa o pólo coletividade. O pólo indivíduo se traduz na idéia da propriedade como fator de estabilidade da cidadania. “Indivíduo e ética” (3.2, 4.10 e 4.13) é a rede temática que apresenta os dilemas de Kane e Amy sobre conduta e visão de mundo. Preferimos não incorporar à leitura do filme a alegoria da política externa americana por não encontrarmos elementos muito consistentes para justificá-la.283 5. Em Viva Zapata! identificamos as seguintes redes temáticas: “indivíduo/propriedade/cidadania estável” (2.3, 2.7, 4.1, 4.5), retomando a idéia da propriedade como fator de estabilidade da cidadania e da liberdade, “violência/não-violência” (2.6, 3.1 e 3.7), e “corrupção e poder” (2.3, 2.7, 3.10, 3.11, 4.1, 4.4, 4.5 e 4.7). Uma rede temática particularmente importante é a do “comunista como ser desprovido de humanidade” (3.1, 3.11 e 4.2), muito recorrente na filmografia sobre a Guerra Fria e aqui largamente desenvolvida. Em Viva Zapata! todo poder leva à corrupção, portanto toda revolução está fadada ao desvio de suas metas originais. 6. Em Sindicato de ladrões, a tese é a salvação está na expiação pelo sofrimento e no culto ao herói. Em torno deste núcleo estão as seguintes redes temáticas: “indivíduo martírio/heroísmo” (2.9,2.12,3.3, 3.2, 3.8, 3.9 e 4.6), “indivíduo/fatalidade/ violência/nãoviolência” (4.1, 4.5, 4.6 ) e “a defesa da delação” (2.7, 2.8, 3.7 e 4.3). 7. A crítica à vida moderna em Vampiros de alma (o diretor diz que identifica esse problema tanto no capitalismo, como no socialismo) na sua expressão de vegetatismo se traduz

numa

rede

temática

particularmente

expressiva:

“indiví-

duo/coletividade/emoção/racionalidade” (1.1, 1.5, 4.1, 4.2, 5.1 e 6.2). É interessante notar que esta racionalidade extrema, da qual são dotados os “vampiros”, tem origem externa,

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não sendo fruto de desenvolvimento reflexivo. A própria mente é vista como limitada na compreensão de si própria (1.5). A outra rede temática analisada é “conspiração/paranóia” (1.3, 1.4, 1.5, 4.2, 4.3, 5.1, 7 e 8). 8. Há duas redes temáticas fundamentais em Sob o domínio do mal: a conspiração comunista e a abordagem do indivíduo numa dupla caracterização, como suscetível de profunda manipulação e capaz de superar situações adversas. Na rede temática “conspiração” (4.2, 6.1, 6.2, 6.3 e 10.3), é importante registrar que um dos conspiradores, a sra. Eleanor Iselin, se distingue dos demais ao se dizer não-comunista, e revela ter

interesse,

simplesmente, em chegar ao poder a qualquer preço. Nesta situação, livrar-se-á dos próprios comunistas, que a fizeram sacrificar seu filho (10.3). A rede temática “indivíduo/manipulação/sacrifício” (3.1, 6.2, 8.3, 8.4 e 10.7) e o seu oposto “indivíduo/independência/heroísmo” (4.3, 7.2, 7.9 e 10.8) apresenta dois personagens com personalidades bem distintas: Raymond Shaw com sua frustrada tentativa de se livrar da manipulação, desde aquela que se origina na relação com a mãe, até a resultante da hipnose e lavagem cerebral. Shaw só supera completamente tal situação com o sacrifício, enquanto Ben Marco se afirma pela independência e heroísmo. 9. As duas redes temáticas centrais em Dr. Fantástico são “conspiração/conspiradores” (3.5, 3.12 e 5.1) e “indivíduo/modo de vida capitalista”(3.7, 3.11 e 5.1). Na primeira, além do recorrente clichê do comunista inescrupuloso (disposto a apoiar até planos nazi-fascistas como os do Dr. Fantástico), temos um tipo inusitado de conspiração, materializado na disseminação do flúor pelos comunistas. A ingestão de flúor estaria drenando a essência vital dos seres humanos (habitantes do mundo capitalista). É ainda mais estranho a forma final da perda da essência (pelo menos no que diz respeito aos homens), ela aconteceria no ato de fazer amor. Na rede temática indivíduo/modo de vida capitalista, 283

Harry Shein, em The Olympian Cowboy, desenvolve esta abordagem. Cf. Phillip Drummond, op. cit., pp.

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é importante notar a ampliação de sua abrangência para o mundo socialista, mostrando as ansiedades provocadas pelo consumismo na União Soviética. 10. Em Cortina rasgada, a rede temática “indivíduo/modo de vida capitalista e indivíduo/socialismo” (3.2, 3.4, 3.5, 5.7, 5.8) apresenta pessoas que, em diferentes níveis estão insatisfeitas com o socialismo. Gromek tem profunda nostalgia do tempo em que viveu em Nova York, enquanto a condessa Kuchinska deseja desesperadamente emigrar para os Estados Unidos. Para discutir o papel representado pela Alemanha na Guerra Fria, as redes temáticas escolhidas foram o caráter ostensivamente repressor do Estado alemão oriental e a organização de fuga no âmbito da espionagem. A primeira rede temática se apresenta desde o pronunciamento de Armstrong aos jornalistas (3.3). Os policiais acompanham o desenrolar da entrevista e depois protegem o americano na saída. O aparelho repressivo conta com a colaboração do cidadão comum. Na universidade, rapidamente, os estudantes são mobilizados para caçar o professor e sua assistente (5.1). Como também, no correio, logo um guarda suspeita dos três e avisa a polícia (5.8). No teatro, o casal é descoberto pela bailarina no momento que termina sua pirueta (5.10). Para combater este Estado onipresente, uma poderosa organização com agentes no campo (3.9), nas cidades (2.6, 2.8, 4.1, 5.2, 5.3, 5.9), na administração publica (5.8), no meio artístico (5.11). As fissuras no aparelho repressivo aparecem na seqüência dos desertores do exército soviético (5.4). Há outras redes temáticas como, “A espionagem como atividade desprezível”, importante no processo de identificação/distanciamento em torno da personagem Armstrong (3.1, 3.5, 3.11, 4.5 e 4.12), incorpora o conflito entre ele e Sarah, apenas desfeito no final da terceira parte do filme (4.6). 11. Topázio possui uma rede temática que se insere no conjunto do trabalho, que é “indivíduo/modo de vida capitalista e indivíduo/socialismo”(2.4, 2.7, 2.11.4 e 2.11.14). No 94-95

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tratamento diretamente ligado à crise dos mísseis identificamos as seguintes redes temáticas: “Estado e violência” (1, 2.1, 2.5) e posição das diferentes nações na Guerra Fria (2.1, 2.6, 3.2 e 3.1.1). O “contra-complô capitalista” (2.1, 2.9, 2.11.2, 3.1.3, 3.14, 3.1.5, 3.1.6, 3.1.7 e 3.5); “o complô comunista” (4.1, 4.24.4, 4.7, 4.8 e 4.10) são parte de uma grande ação de espionagem.

Conclusão A conclusão deste capítulo, da mesma forma que o capítulo 4 “A Guerra Fria em Hollywood”, remete-nos novamente para a história do cinema. De que forma problemas próprios da produção cinematográfica afetaram os filmes sobre a Guerra Fria? Os filmes anticomunistas ou de crítica tanto ao capitalismo como ao comunismo foram marcados necessariamente pelas grandes transformações que sofreu o cinema do pósguerra. Ao lado da crise do sistema de estúdio, da influência da televisão, acrescente-se o aparecimento de uma onda de renovação, originada na periferia do sistema, chamada genericamente de cinema moderno ou cinemas novos. Os cinemas novos representam um universo com algumas marcas aproximativas, mas outras tantas peculiaridades, ligadas a contextos nacionais e concepções estéticofilosóficas. Os dois pontos em comum seriam uma certa ideologia progressista e algum nível de afastamento do modo de fazer filmes no estilo hegemônico americano, tanto nos aspectos diretamente estéticos, quanto na relação do filme, enquanto produto cultural, com a indústria cinematográfica. A presença de obras mais próximas aos cinemas novos pode ser notada na crítica ao capitalismo e ao comunismo, especialmente, em Vampiros de almas e Dr. Fantástico. Deve-se dizer o mesmo da crítica a um patriotismo tolo em Anjo do mal e Matar ou morrer. No plano da estética, deve-se observar a fotografia neo-realista de boa parte de Vampiros

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de almas e em Matar ou morrer. A admiração pelo cinema-emoção de Samuel Fuller por vários expoentes da nouvelle vague, em particular Jean-Luc Godard, é outro elemento de aproximação entre os cineastas que fizeram filmes sobre a Guerra Fria com os cinemas novos, tanto no aspecto estético, como ideológico. Sabemos como as definições ideológicas estavam longe de serem tratadas com precisão entre as duas áreas. No campo da estética cinematográfica, os filmes transitam entre o que se poderia chamar de cinema de gênero, bem situado no modo de produzir dos grandes estúdios, daí a presença de diretores como William Welman e Alfred Hitchcock, e também,em algum nível, passíveis de serem aproximados da chamada política dos autores, como denominaram André Bazin e outros críticos franceses. Don Siegel, Samuel Fuller e Hitchcock seriam destacados pela revista Cahiers du cinèma como mais do que profissionais a serviço dos estúdios. O cinema britânico presente nos filmes analisados tem uma posição de relativa independência e consegue, às vezes, atingir níveis de elaboração não alcançados pelos cinema americano. A fusão do thriller com elementos da ficção científica será realizada pelo diretor Terence Young, nos primeiros filmes da série James Bond, Stanley Kubrick faz, em Dr. Fantástico, a mais bem sucedida crítica ambivalente aos dois pólos do conflito.

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Considerações finais “É tempo já de o cinema começar a operar com o pensamento abstrato, reduzível a um conceito concreto”. Serguei M. Eisenstein

É inevitável que a obra de arte expresse concepções de mundo. A consciência desse fato e de suas implicações é que nem sempre existe naqueles que fazem arte. Quando este nível de preocupação está presente, como é o caso dos filmes que analisamos, um paradoxo acompanha a sua realização. Se o produto enfatiza demasiadamente os elementos ideológicos, em detrimento do rigor estético, estamos frente a obras fadadas a resultados pífios e ao esquecimento. No entanto, se as preocupações estéticas são efetivas, a obra aumenta sua eficácia, gerando interpretações às vezes opostas, e tem sua permanência relativamente assegurada. As concepções filosófico-políticas expressas nos filmes analisados, cristalizadas no amálgama anticomunismo, compõem um conjunto bastante amplo: liberalismo, conservadorismo, messianismo, nazi-fascismo, nacionalismo e até elementos de socialismo. As acentuadas contradições do anticomunismo no cinema ficam visíveis a partir da observação da construção fílmica de indivíduo, do modo de vida capitalista e da política. O modo de vida capitalista é apresentado de forma tão paradisíaca que lembra, ironicamente, a promessa de um mundo novo do ideário socialista. Por sua vez, o homem comunista é tão robotizado, no sentido de ausência de emoções, que apontaria para um homem destituído de parte essencial de humanidade. O uso da ideologia não é impune, esta caricatura do homem comunista vai lembrar o homem do modo capitalista real: há vários momentos, onde personagens de desenho bem realista, como Terry Malloy (Marlon Brando), de Sindicato de ladrões, dizem, tal como os fantásticos extraterrestres de Vampiros de almas: “os sentimentos atrapalham, prefiro a filosofia do bateu levou”.

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É precipitado considerar que tais filmes abstraiam completamente a sociedade, algum nível de coletividade precisa ser estabelecido, da mesma forma que um homem fragmentado é apresentado (homem emocional ou homem racional). O problema central é que estas formas de coletividade são despossuídas de historicidade e de capacidade de transformação coletiva. O cinema sobre a Guerra Fria apresenta as classes sociais como impossibilitadas de conquistar autoconsciência. Da mesma forma, até aspectos isolados do socialismo se fazem presentes na propaganda anticomunista. Eddie (Eva Marie Saint), em Sindicato de ladrões, pensa que “as pessoas são parte uma das outras”, uma visão que parece isolada num mundo onde impera a força arbitrária de um grupo de gângsters/sindicalistas. Como a ideologia, a política também é desqualificada. Para isso, se faz fundamental a fragmentação do indivíduo, já estabelecida como um princípio na construção fílmica. A ação política é fortemente localizada ao nível da guerra subterrânea, tratando-se da atuação dos comunistas; e dos espaços institucionais, no que diz respeito à ação anticomunista. Constatamos três formas de atuação dos comunistas: a conspiração política, a conspiração criminosa e a conspiração contraditória. A primeira, representada por Cortina de ferro é logo descartada, não chegando a ser influente no conjunto dos filmes anticomunistas. A conspiração política implica dar aos comunistas o status de sujeitos políticos. Nesta abordagem, os comunistas não são tratados necessariamente como criminosos. A conspiração criminosa desqualifica essencialmente os comunistas como um partido político. O caso típico dessa abordagem é Anjo do mal, com o seu nivelamento absoluto, a ponto da dublagem francesa trocar comunistas por gângsters. O terceiro caso abrange aqueles filmes que abordam o problema da conspiração de forma ambígua ou contraditória, como Sob o domínio do mal, onde a aliança insólita de comunistas e anticomunistas produz um segundo tipo de nivelamento – trata-se do fim das ideologias.

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A fragmentação do indivíduo constituir-se-á no terreno que fundamenta a ilegitimidade da ação política, à medida que esta ação emerge dos subterrâneos, sendo manifestação de seres humanos inescrupulosos, venais, despossuídos de sentimentos, enfim, resultado do homem não-humano. Da mesma forma, a fragmentação permite o surgimento do herói no modo capitalista de vida. Descendo dos céus montanhosos do México, como em Viva Zapata!, ou correndo alucinado pela auto-estrada, como o Dr. Miles, de Vampiros de almas, surge o herói capaz de libertar as massas ignorantes ou indiferentes. Mas mesmo esta saída não é muito segura. Há heróis e não há heróis, é preciso semear ainda um pouco de confusão, como faz Zapata (Marlon Brando): “todos os homens erram como vocês, não dependam deles. Vocês não precisam de líderes”. Os estereótipos no anticomunismo sobre a Guerra Fria são marcados pelas oscilações nas relações entre Estados Unidos e União Soviética. A partir da política de aproximação, iniciada na segunda metade da década de 50, comunistas chineses e cubanos passam a ser os novos alvos, como Sob o domínio do mal e Topázio apontam. Os russos passam a ser vistos como burocratas tolos e não mais tão perigosos. Pierre Sorlin afirma que este tratamento simpático aos comunistas russos teria contribuído para impedir uma avaliação mais atenta aos problemas que a União Soviética atravessava284. Elaborar sobre o pensamento abstrato permanece um grande desafio para o cinema.. O cinema sobre a Guerra Fria, em particular, filmes de abordagem notadamente realista, estão presos ainda à relação fundamental da imagem analógica com a emoção. O cinema que analisamos é herdeiro da tradição vitoriosa de D. W. Griffith de cinema narrativo, onde imagem analógica e emoção se conjugam. A imagem analógica (reprodução mecânica) colocou em segundo lugar a imagem alegórica (construída pela mão humana). No primeiro caso, a carga emocional produzida certamente tem a ver com o processo de identificação 284

Pierre SORLIN, The cinema: American weapon for the Cold War, p. 381.

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que esse tipo de imagem acentua. O processo de identificação não ocorre, na mesma proporção, quando se trata da imagem alegórica.285 A presença de cenários não-realistas – verdadeiras pinturas, como os de O gabinete do dr. Caligari e os textos nos filmes de Godard, alertam-nos que estamos vendo um filme. Mas estas experiências estão à margem, a razão e o pensamento abstrato permanecem como terrenos quase interditos à produção cinematográfica hegemônica. O cinema anticomunista experimentou linguagens e gêneros diversos. Desde o thriller, passando pela ficção científica, até a fusão de ambos na série James Bond, a partir de 1963. O novo contexto internacional, inaugurado naquele ano, impõe mudanças, mas fortes permanências as acompanham, como o uso de estereótipos, fusão de elementos de gêneros diversos e o culto do herói individualista. É importante notar que a produção diretamente ligada ao mccarthismo difere em aspectos importantes de filmes que serão produzidos depois de 1956, início do declínio da caça às bruxas. A série James Bond reúne os elementos da ficção científica, tão extensamente usados, com os aspectos do gênero suspense que deram início ao ciclo. Estereótipos longamente construídos são reaquecidos, levando em conta a nova imagem do inimigo, a ficar claro logo no primeiro filme. Em O satânico Dr. No, a ameaça vem do oriente e de uma imprecisa ilha do Caribe, como, em parte, Sob o domínio do mal já antecipava. A crise do cinema americano desloca para a periferia as manifestações mais criativas. A partir de 1962, o cinema britânico dá início a uma nova fase com a série 007. A série sintetiza as experiências anteriores em múltiplos aspectos: funde aspectos do thriller com elementos da ficção científica, apresenta um anticomunismo de baixa intensidade e inverte o processo de desumanização, instaurando-o no próprio herói – James Bond é um autômato com emoções medidas ou controladas. O modelo para toda a sociedade, criticado em Vampiros de 285

Pierre SORLIN, Indispensáveis e enganosas, as imagens testemunhas da história, p. 89.

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almas, está agora restrito ao personagem do herói. A retomada do ciclo por um setor nãohegemônico – o cinema britânico, sinalizaria que a exaustão e a crise americana estariam impedindo a renovação, só possível agora nas bordas do sistema. Discute-se sobre a eficácia do cinema na mudança de comportamento e estabelecimento de visões de mundo. Com a devida reserva sobre o alcance de tais possibilidades, acreditamos que alguma influência é exercida. O cinema, marcado por fortes componentes ideológicos, cumpre o papel, entre outros meios, de reforçar opiniões já definidas ou provocar novas. Para tanto, precisa acercar-se de valores estéticos que o aproximem da obra de arte. A outra perspectiva é o seu amesquinhamento na forma mercadoria, inevitável no modo de produção capitalista e predominante nas dezenas de filmes com abordagem anticomunista. A caça às bruxas acirrou esta tensão e colaborou para a produção de filmes que dessem respostas aos desafios da indústria e a necessidade do convencimento das massas, e que, mesmo, de forma secundária, em desvãos, apresentassem elementos contraditórios no seu discurso. Elia Kazan construiu seu discurso, fundamentando uma ética individualista. De forma contra-hegemônica, os realizadores independentes elaboraram formas coletivas de pensar o problema ético, vistas na realização do documentário Os dez de Hollywood e de Sal da terra. O mundo construído pelo anticomunismo no cinema, talvez, seja tão monstruoso quanto aqueles que os seres humanos repudiam, em filmes, como Vampiros de almas. Antonio Gramsci afirma que, se alguém pusesse em prática todos os pressupostos filosóficos do catolicismo, seria um monstro.286 O anticomunismo nos coloca frente a piores situações: profunda cisão entre emoção e razão, deslegitimação e desideologização da ação co-

286

Antonio GRAMSCI, Concepção dialética da história, pp. 38-39.

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letiva, substituindo-a pelo culto ao herói individual, pela ausência de padrões coletivos de comportamento ético e pela manipulação grosseira do conhecimento histórico. As concepções de mundo do cinema anticomunista só podem construir conceitos de homem e sociedade essencialmente abstratos. Reafirma-se aqui a incapacidade da ideologia burguesa elaborar propostas e concepções de mundo para o conjunto da sociedade, adquirindo aquele caráter de ideologias arbitrárias, de que fala Antonio Gramsci. Ao se desvincularem da estrutura, vão se constituindo, cada vez mais, como fenômenos “desejados”.287 Fantasias individuais, como a melancólica defesa do modo de vida “democrático”, na seqüência do casal de russos protegidos pela polícia canadense, o histérico dr. Miles na auto-estrada, a via-crucis de Terry Malloy em direção à submissão ao capital, ou o suicídio do sgt. Raymond, em defesa da pátria. O anticomunismo no cinema é anterior à primeira Guerra Fria e prossegue mesmo depois que ela se encerra. No intervalo entre uma e outra, considerando que a segunda teria se iniciado em 1980, com a ascensão de Ronald Reagan, uma presença foi notável – a série James Bond (desde o primeiro até 1977 foram produzidos 11 episódios). A partir de 1980, tem início um novo ciclo, assinalado pelo lançamento de Rambo, programado para matar (First blood, 1982). Mas o estudo das séries James Bond e Rambo já foge dos limites deste tema.

287

Ibid., p. 62.

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Anexos 1. Fichas técnicas de filmes comentados: 1. Fui comunista para o FBI Gênero: thriller de espionagem 1.Ficha técnica: Título: I was a comunist for the FBI, Estados Unidos (em português Fui comunista para o FBI) Ano: 1951 Estúdio: Warner Brothers Distribuição: Duração: 83 min Direção: Gordon Douglas Produção: Bryan Foy Roteiro: Crane Wilbur, baseado nas experiências de Matt Cvetic, contadas a Pete Martin e publicadas em The Saturday evening post Direção de fotografia: Edwin DuPar Edição: Folmar Blangsted Som: Leslie G. Hewit Decoração: Bryan Foy Maquiagem: Gordon Bau Cópia analisada: fita em VHS gravada a partir de exibição na televisão Personagens e intérpretes principais: Matt Cvetic (Frank Lovejoy), Eve Merrick (Dorothy Hart), Philip Carey, James Millican, Richard Webb, Konstantin Shayne, Paul Picerni, Roy Roberts, Eddie Morris, Ron Hagerthy, Hugh Sanders e Hope Kramer.

Sinopse: Agente do FBI se infiltra no movimento comunista de Pittsburg para colher provas de que atividades políticas são fachada para a subversão. O principal líder comunista apresentado é Gerard Eisler, alemão que viveu nos Estados Unidos durante a II Guerra. Com pretensões documentais, o filme encena as experiências de Matt Cvetic como espião.

2. Sal da terra Ficha técnica: Título: Salt of the earth, Estados Unidos( em português Sal da terra) Ano: 1954 Estúdio: Independent Productions Corp. Duração: 92 min Direção: Herbert J. Biberman Produção: Paul Jarrico Roteiro: Michael Wilson Direção de fotografia: Frank Truff Edição: Música: Sol Kaplan Direção de arte: Sonja Dhal Personagens principais e intérpretes: Rosaura Revueltas (Esperanza Quintero), Juan Chacon (Ramon Quintero), Will Geer (xerife), Mervin Williams, David Servas.

Sinopse: Trabalhadores de uma mina de zinco, no Novo México, iniciam uma greve após sucessivos acidentes. Os trabalhadores são expulsos do local, mas as mulheres tomam a

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dianteira do movimento. No fim, a solidariedade entre os operários está fortalecida e Esperanza (Rosaura Revueltas) vê com otimismo o horizonte que ela e sua classe têm à frente.

3 Um rei em Nova York Gênero: comédia Ficha técnica Título: A king in New York, Grã-Bretanha (em português Um rei em Nova York) Ano: 1957 Estúdio: Sheppterton Studies Distribuição: Attica Film Company Duração: 103 min Direção, roteiro e música: Charles Claplin Produção: Mickey Delamar Gerente de produção: Eddie Pike Direção de fotografia: Georges Perinal Edição: John Seabourne Som: John Cox Direção de arte: Allan Harris Maquiagem: Stuart Freeborn Cor: preto e branco Cópia analisada: fita em VHS distribuída por Ediciones Altaya Personagens principais e intérpretes: rei Shadov (Charles Chaplin), Ann Kay (Dawn Addams), Jaume (Oliver Johnston), Ruppert (Michael Chaplin), Maxime Audley, Joan Ingram, Harry Green, Sidney James, Phill Brown, Jerry Desmonde, John McLaren, ascensorista (Robert Arden), Alan Gifford, Shani Wallis, Joy Nichols, Lauri Lupino Lane e George Truzzi.

Sinopse: Deposto por uma revolução, o rei Shadov se refugia nos Estados Unidos. Lá, a fortuna trazida na fuga é roubada pelo primeiro-ministro. O seu envolvimento com uma atraente apresentadora de televisão o leva a tornar-se um astro, até conhecer um menino cujos pais estão sendo perseguidos pelo macarthismo. Esta aproximação o faz ser considerado “um rei comunista” e ter que depor na Comissão de Atividades Antiamericanas.

4. Intriga internacional Gênero: thriller de espionagem Ficha técnica: Título: North by northwest, Estados Unidos (em português Intriga internacional) Ano: 1959 Estúdio e distribuição: Metro Goldwyn Mayer Duração: 136 min Direção: Alfred Hitchcock Produção: Robert Boyle Produtor associado: Herbert Coleman Roteiro: Ernest Lehman Direção de fotografia: Robert Burks Edição: George Tomasini Música: Bernard Herrmann

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Direção de arte: Willian Totle Cópia analisada: fita em VHS distribuída por MGM/UA Home Video Personagens e intérpretes principais: Roger Thornhill (Cary Grant), Eve Kendall (Eva Marie-Saint), Vandamm (James Mason), professor (Leo G. Caroll) e outros.

Sinopse: O publicitário Roger Thorhill (Cary Grant) é confundido com espião inventado pelo FBI e CIA e passa a ser perseguido por rede de espionagem estrangeira. Os espiões pretendem fugir dos Estados Unidos com importantes segredos em microfilmes. Roger Thorhill é acusado de assassinato e começa uma impressionante jornada para provar sua inocência. A principal referência à Guerra Fria é o comentário indignado do publicitário apaixonado ao saber que sua amada vai acompanhar o espião. “Vocês deveriam [ele dirige-se ao professor, chefe da espionagem americana] aprender com as guerras frias a derrotar espiões sem pedir a garotas como ela [Eve Kendall] para irem para cama e viajarem com eles.”

5. O homem do Sputnik Gênero: comédia Ficha técnica: Título: O homem do Sputnik Ano: 1959 Diretor: Carlos Manga Assistente de direção: Sanin Cherques Argumento, roteiro e cenografia: Cajado Filho Diretor de fotografia: Ozen Sermet Cinegrafista: Antônio Gonçalves Som: Aloísio Viana Montagem: Waldemar Noya Música: Radamés Gnatalli Personagens e atores principais: Anastácio (Oscarito), Nélson/Jacinto Pouchard (Cill Farney), Cleci (Zezé Macedo), namorada de Nélson (Neide Aparecida), chefe dos espiões soviéticos (Hamilton Ferreira), dondoca (Heloísa Helena), Alberto (Alberto Peres), BB (Norma Benguel), espião americano (Jô Soares), Cesar Viola, Grijó Sobrinho, Abel Pêra, Fregolente, Labanca, Tutuca e outros.

Sinopse: O primeiro satélite288 artificial lançado pelos soviéticos teria caído no Brasil, no galinheiro de Anastácio (Oscarito), um habitante do subúrbio do Rio de Janeiro. Estados Unidos, União Soviética e França iniciam uma corrida para recuperá-lo. Anastácio e a mulher Cleci (Zezé Macedo) avaliam que estão ricos pois o satélite tem uma cobertura de ouro. Anastácio se antecipa à mulher na tentativa de vender o achado, mas esbarra na luta pelo poder entre Nelson (Cyl Farney) e Alberto (Alberto Perez) que trabalham num importante jornal da cidade. É levado a esconder o satélite provocando conflitos entre os espiões de cada país que chegam ao Brasil. O filme de Carlos Manga é bem realizado, destacando-se o seu gosto pelas rimas visuais, como na passagem da seqüência dos russos onde abrem um armário com cocacola, para a seqüência dos americanos que também bebem coca-cola. A estrutura circular, com o filme começando e acabando com o mesmo plano (a placa do galinheiro de Anastácio e Cleci) é outro recurso bem aplicado. 288

Em russo sputnik significa satélite.

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No entanto, o aspecto mais relevante para o nosso tema é a sua dura crítica ao imperialismo americano. Manga brinca com o símbolo da águia, colocando-a com uma cocacola entre as garras e a visão do Brasil que os americanos apresentam no filme é de uma republiqueta que poderia ser comprada com chicletes e bugigangas. 6. Sete dias de maio Gênero: thriller político Ficha técnica: Título: Seven days in may, Estados Unidos (em português Sete dias em maio) Ano: 1963 Estúdio e distribuição: Seven Arts Productions e Joel Productions Inc. Duração: 117 min Direção: John Frankenheimer Produção: John Frankenheimer e Joel Productions Diretor de produção: Edward Lewis Gerente de produção: Hal Polaire Roteiro: Rod Serling, baseado na novela de Fletcher Knebel e Charles W. Bailey Direção de fotografia: Ellsworth Fredricks Edição: Ferris Webster Música: Direção de arte: Cary Odell Som: Joe Edmondson Cópia analisada: fita em VHS gravada a partir de exibição na TV Personagens principais e intérpretes: James M. Scott (Burt Lancaster), Martin (Jiggs) Casey (Kirk Douglas), presidente Jordan Lyman (Frederic March), senador Raymond Clark (Edmond O’Brien), Paul Girard (Martin Balsam), Eleanor Holbrook (Ava Gardner), Christopher Todd (George Macready) e outros.

Sinopse: Com a assinatura de um tratado de paz entre Estados Unidos e União Soviética, grupo de militares de direita começa a articular um golpe de Estado. Os conspiradores têm à frente o gen. James M. Scott (Burt Lancaster) que defende um regime fascista como forma de enfrentamento ao perigo soviético. Um coronel próximo aos golpistas, Martin Casey (Kirk Douglas), descobre a articulação e informa ao presidente, que passa a comandar o contra-complô. Alex Viany afirma que a novela de Fletcher Knebel e Charles Bayley II está bastante fundamentada nas denúncias de Fred J. Cook, em O Estado militarista. O filme aponta como reais inimigos da democracia americana, não o gen. Scott e seus conspiradores, mas segundo o presidente Lyman (Frederick March), a era atômica. O medo nuclear estaria deixando as pessoas incapazes de “comandar o seu destino”: “Isto parece uma epidemia de doenças e frustrações: impotência, solidão, fraqueza! E por este desespero, procuramos um herói com a cor da bandeira”.

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2. Ilustrações:

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Foto 1

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Foto 2

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3. Quadro resumo dos filmes analisados

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