TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE SÃO PAULO FORO REGIONAL I - SANTANA 5ª VARA CÍVEL Av. Engenheiro Caetano Álvares, 594, 2º andar, salas 241 e 243, Casa Verde - CEP 02546-000, Fone: 113951-2525, São Paulo-SP - E-mail:
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SENTENÇA Processo nº: Requerente: Requerido:
001.08.628850-5 - Procedimento Ordinário (em Geral) Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo - Bancoop Miriam Jane Lucinaro Butti
Juiz(ª) de Direito Dr.(ª): Enéas Costa Garcia Vistos. 1. COOPERATIVA HABITACIONAL DOS BANCÁRIOS DE SÃO PAULO - BANCOOP, qualificada nos autos, ingressou com ação de cobrança contra MIRIAM JANE LUCINARO BUTTI, alegando, em síntese, que a requerida aderiu à cooperativa autora visando construção e aquisição de um imóvel, assumindo obrigação de pagamento das parcelas do preço estimado e de arcar com eventuais valores suplementares que fossem necessários no curso do empreendimento (custo adicional). Relata que requerida deixou de cumprir obrigação de pagamento das parcelas relativas ao custo adicional da obra, montante que seria devido conforme o ato de associação. Pretende o acolhimento do pedido para condenação da parte ao pagamento da quantia de R$ 27.600,81.
2. O requerido apresentou contestação (fls. 126/138). Alega em defesa: a) que foram quitadas as prestações originalmente previstas no contrato, buscando a autora cobrança de saldo residual não comprovado; b) que está em curso ação coletiva na qual se discute a inexigibilidade da referida cobrança; c) conexão com a ação coletiva; d) necessidade de suspensão do processo em razão da prejudicialidade; e) que o real negócio existente entre as partes é de compra e venda de imóvel e não cooperativa; f) que não houve aprovação da assembléia sobre o rateio, nem qualquer outra comprovação da sua origem; g) que há nulidade no contrato pela variação unilateral do preço.
Processo nº 001.08.628850-5 - p. 1
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3. Veio aos autos a réplica (fls. 186/205). É o relatório.
DECIDO.
4. O feito comporta julgamento antecipado, sendo dispensável produção de prova oral, nos termos do art. 330, I do Código de Processo Civil.
5. Há ação coletiva cujo objeto é a discussão da admissibilidade da cobrança do resíduo, o que em tese determina prejudicialidade, a qual poderia levar a reunião dos processos por conexão. Porém, há que se considerar que a reunião de processos não é cogente (RT 493/137, 499/222, 600/194
Theotônio Negrão & José Roberto F. Gouvêa, Código de
Processo Civil e legislação processual em vigor, 37ª ed., p. 228) e os elementos colhidos no caso sub judice já permitem julgamento desde logo da controvérsia, não sendo conveniente a reunião dos processos. Assim, reconsiderando a orientação adotada nos casos pretéritos, entendo que é possível o julgamento do mérito desde logo.
6. No mérito, a ação é IMPROCEDENTE. Não se discute a legitimidade da cobrança de eventuais resíduos oriundos da construção dos imóveis no sistema de cooperativa. A cobrança de resíduos é admitida pela Lei nº 5.764/71, que rege as cooperativas. Assim, o art. 21, IV da Lei nº 5.764/71 determina que os Estatutos das Cooperativas devem indicar: “a forma de devolução das sobras registradas aos associados, ou do rateio das perdas apuradas por insuficiência de contribuição para cobertura das despesas da sociedade.” Normas específicas sobre rateio encontram-se nos art. 80 e 89 da Lei nº 5.764/71.
Processo nº 001.08.628850-5 - p. 2
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Em que pese a existência desta obrigação, no caso sub judice a autora não observou os requisitos legais para a cobrança. A cobrança deste rateio de despesas adicionais na construção deve ser objeto de aprovação pela Assembléia dos cooperados. Neste sentido o art. 44 da Lei nº 5.764/71: “Art. 44. A Assembléia Geral Ordinária, que se realizará anualmente nos 3 (três) primeiros meses após o término do exercício social, deliberará sobre os seguintes assuntos que deverão constar da ordem do dia: I - prestação de contas dos órgãos de administração acompanhada de parecer do Conselho Fiscal, compreendendo: a) relatório da gestão; b) balanço; c) demonstrativo das sobras apuradas ou das perdas decorrentes da insuficiência das contribuições para cobertura das despesas da sociedade e o parecer do Conselho Fiscal. II - destinação das sobras apuradas ou rateio das perdas decorrentes da insuficiência das contribuições para cobertura das despesas da sociedade, deduzindo-se, no primeiro caso as parcelas para os Fundos Obrigatórios; No mesmo sentido dispõe o Estatuto da Cooperativa embargada, cujo art. 39, II reproduz a Lei nº 5.764/71, determinando que compete à Assembléia Geral Ordinária deliberar sobre as sobras ou rateio das perdas decorrentes da insuficiência das contribuições para cobertura de despesas da sociedade. O art. 79, §2º do Estatuto prevê a necessidade de aprovação em assembléia do rateio: “As perdas verificadas, que não tenham cobertura no Fundo de Reserva, serão rateadas entre os associados após a aprovação do Balanço pela Assembléia Geral Ordinária na proporção das operações que houver realizado com a Cooperativa.” Por fim, o “termo de adesão”, na cláusula 16ª também faz menção à assembléia para definição da apuração final das obrigações dos cooperados. Assim, ainda que a cooperativa esteja legalmente autorizada a cobrar eventuais resíduos, tal cobrança somente é possível com observância dos requisitos formais que constam da Lei nº 5.764/71 e dos Estatutos da Cooperativa, especialmente a necessidade de
Processo nº 001.08.628850-5 - p. 3
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aprovação de contas e deliberação da Assembléia. Estes requisitos não foram observados no caso sub judice. Não há demonstração da aprovação de contas, da apuração do resíduo e da aprovação da Assembléia quanto à forma de rateio, à época e na forma da Lei e do Estatuto. Somente em fevereiro/2009, em Assembléia única, objeto inclusive de questionamento judicial, foram aprovadas de uma só vez as contas relativas ao período de 2005 a 2008 dos vários empreendimentos da requerente (fls. 178/181). Esta aprovação não é válida, considerando que não respeitados os prazos previsto na Lei e nos Estatutos (3 meses após o término do exercício social). As contas foram aprovadas anos após a realização das despesas, em descompasso com as normas que regem a cooperativa. Também contraria a mens legis a forma de aprovação das contas, em bloco, quanto a todos os empreendimentos, sem maior debate. Não se trata de mera providência formal de submeter o assunto a uma assembléia única, com necessidade de três convocações
pois não alcançado o quorum
exigido -, aprovando em bloco os empreendimentos. A Lei exige efetiva demonstração e discussão entre os cooperados a respeito da necessidade de algum rateio e das demais providências necessárias para conclusão do empreendimento. Evidentemente
estas
deliberações
deveriam
ser
contemporâneas
ao
empreendimento realizado, permitindo que os cooperados efetivamente participassem da tomada de decisões. Os cooperados, à época, poderiam, em tese, optar por encerrar a cooperativa, deliberar nova forma de rateio, mudar o projeto, etc. Enfim, poderiam ter deliberado não realizar uma despesa que praticamente significa o dobro dos valores originalmente previstos. Não pode a requerente, que se olvidou da adoção destas providências, pretender agora sanar os vícios pretéritos do processo, realizando formal assembléia com o fim de regularizar sua conduta pretérita, subtraindo dos cooperados o legítimo direito de questionar e deliberar sobre o rateio.
Processo nº 001.08.628850-5 - p. 4
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Logo, a assembléia realizada não supre a exigência legal, equivalendo à falta de observância deste requisito. Assim, inviável a cobrança. Nesse sentido já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em caso envolvendo a mesma cooperativa: “A autora celebrou com os réus "Termo de Adesão e Compromisso de Participação", consistente na aquisição de unidade habitacional, mediante sistema de autofinanciamento, a preço de custo. Pois bem Construído o empreendimento pelo sistema coorperativo, foi a obra entregue, com saldo a finalizar. E, no caso, ao que tudo indica, nada mais fez a cooperativa do que efetuar o rateio dos custos entre os proprietários das unidades habitacionais, conforme claramente prevê a cláusula 16ª do contrato firmado entre as partes (fls. 115). Lembre-se que, como os imóveis foram construídos a preço de custo, cada cooperado, ao final da obra, deve ter contribuído com a quantia necessária à construção da unidade residencial que lhe foi atribuída. Ocorre, porém, que para sua exigibilidade se faz necessário que os valores sejam apurados pela cooperativa e aprovados em assembléia, de modo a prevalecer a vontade da maioria. Atente-se que, na hipótese, a autora não comprovou a extensão dos custos. Aliás, e como bem observou o juízo, '...atribuiu de forma unilateral valores que seriam de responsabilidade dos adquirentes-cooperados, mas em momento algum trouxe aos autos qualquer relação com o custo das obras, materiais utilizados, mão-de-obra empregada e respectivos comprovantes de desembolso dos valores', (fl. 327/328). E não se pode olvidar que tal demonstração se mostrava indispensável à exigência do saldo residual, além da autorização da assembléia autorizando o rateio das despesas, pois, respeitada a autonomia da vontade assemblear, representativa da maioria, somente assim poderia a autora exigir dos réus o cumprimento da obrigação ali estabelecida. (...) ” (TJSP 6ª Câm. - Ap. nº 602.217-4/4-00 - Rel. Vito Guglielmi j. 11/12/2008).
No mesmo sentido: “Cooperativa habitacional - Contrato de compromisso de compra e venda - Declaratória de inexigibilidade de débito - Omissão na realização das assembléias pertinentes e obrigatórias - Cobrança de saldo residual sem respaldo legal - Cálculo produzido unilateralmente sem a
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necessária prestação de contas documentada - Consumidor em desvantagem excessiva - Obrigatoriedade da outorga de escritura definitiva Recurso improvido.” (TJSP 8ª Câm. - Ap. nº 582.881.4/000 - Rel. Joaquim Garcia j. 5/11/2008). “Declaratória - Cobrança indevida de resíduo - Agravo retido prejudicado - O Termo de Adesão, na sua cláusula 16ª e do Estatuto, artigos 22 e 39, são claros ao dispor que é possível o rateio de despesas, mas desde que concluída a obra, além do cumprimento de todas as obrigações pelos cooperados e autorização de Assembléia Geral - Prova dos autos que demonstra que a obra não foi concluída e que não houve Assembléia Geral autorizando o rateio de despesas - Prejudicado o agravo retido, nega-se provimento à apelação.” (TJSP 3ª Câm - Ap. nº 527.602.450-0 - Rel. Artur Cesar Beretta da Silveira j. 04/12/2007). “Cooperativa que cobra, seguidamente, resíduos dos compradores - O fato de a cooperativa habitacional invocar o regime da Lei 5764/71, para proteger seus interesses, não significa que o cooperado esteja desamparado, pois as normas gerais do contrato, os dispositivos que tutelam o consumidor e a lei de incorporação imobiliária, atuam como referências de que, nos negócios onerosos, os saldos residuais somente são exigíveis quando devidamente demonstrados, calculados e provados Inocorrência - Não provimento.” (TJSP 4ª Câm - Ap. nº 478.060.4/0 Rel. Enio Santarelli Zuliani j. 06/03/2008).
Prejudicadas as demais alegações, considerando que não preenchidos os requisitos formais para cobrança do valor residual. Não caracterizada a hipótese legal de litigância de má-fé, que não se caracteriza pela simples propositura da ação de cobrança.
7. Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido. Condeno a autora ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% do valor da causa. Nos termos do art. 475-J do CPC, fica a autora advertida de que o não cumprimento da condenação no prazo de 15 dias, contado da sua exigibilidade, implicará a incidência de multa no percentual de 10% do valor do débito.
P. R. I São Paulo, 26 de outubro de 2009. Processo nº 001.08.628850-5 - p. 6