Brincando De Deus Na Horta

  • December 2019
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  • Words: 9,115
  • Pages: 18
"Brincando de Deus na Horta" por Michael Pollan Plantando Hoje eu plantei algo de novo na minha horta - na verdade, algo muito novo. Trata-se de uma batata chamada 'New Leaf Superior', geneticamente engenheirada - pela Monsanto, o gigante da química que recentemente se tornou o gigante das "ciências da vida" - para produzir seu próprio inseticida. Ela pode fazer Isso em cada célula de cada folha, caule, flor, raiz e (aqui está a parte assustadora) do tubérculo. O tormento das batatas tem sido sempre o besouro do Colorado, um inseto bonito e voraz que pode fazer desaparecer as folhas de uma planta da noite para o dia. Qualquer besouro do Colorado que comer um só pedacinho das minhas New Leafs, irá capotar e morrer, com seu trato digestivo empanturrado pela toxina bacteriológica fabricada nas folhas dessascomuns 'Superior', a não ser por este detalhe. ('Superiors' são as batatas brancas de casca fina, vendidas frescas no supermercado.) Você deve estar pensando se eu tenho planos de comer essas batatas, ou servi-las à minha família. Isso ainda está no ar, é apenas a primeira semana de maio, a colheita ainda vai levar uns meses. Certamente, as minhas 'New Leafs' têm o nome certo. Elas fazem parte de uma nova classe de plantas agrícolas que estão mudando rapidamente a cadeia alimentar dos Estados Unidos. Este ano, o quarto ano em que essa semente geneticamente alterada está no mercado, cerca de 45 milhões de acres de terras aráveis americanas foram plantadas com transgênicos, na maioria milho, soja, algodão e batatas que foram engenheiradas, ou para produzir seus próprios agrotóxicos, ou para tolerar os herbicidas. Embora os americanos já tenham começado a comer batatas, milho e soja geneticamente engenheirados, as pesquisas industriais confirmam o que os meus próprios levantamentos informais sugerem: quase nenhum de nós sabe disso. O motivo não é difícil de encontrar. A indústria biotecnológica, com a concordância do FDA, decidiu que nós não precisamos saber disso e, então, os alimentos 'biotec' não trazem rótulos de identificação. Em um deslumbrante posicionamento, a indústria conseguiu descrever essas plantas como os pilares de uma revolução biológica - parte de um "novo paradigma agrícola" que vai tornar a agricultura mais sustentável, alimentar o mundo e melhorar a saúde e a nutrição - e, bastante curioso, como o mesmo velho discurso. Pelo menos no que poderia interessar àqueles de nós que estamos no fim dacadeia alimentar. Essa conveniente versão da realidade tem sido totalmente rejeitada tanto pelos consumidores quanto pelos agricultores do outro lado do Atlântico. No verão passado, os alimentos biotec apareceram como o assunto ambiental mais explosivo da Europa. Os contestadores destruíram dezenas de experimentos de campo das mesmíssimas "frankenplantas" (como são chamadas às vezes), que nós, americanos, já estamos servindo para o jantar, e, em toda a Europa, o público exigiu que os alimentos biotec fossem rotulados no mercado. Produzindo meu próprio cultivo transgênico - e conversando com cientistas e agricultores envolvidos com a biotecnologia - eu

esperava descobrir qual de nós estava maluco. Estarão os europeus reagindo exageradamente, ou é possível que nós estejamos reagindo de maneira morna aos alimentos geneticamente engenheirados? Depois de cavar duas valas rasas na minha horta e de ali colocar composto, desamarrei o saco roxo de malha com as sementes de batata que a Monsanto enviou, e abri o Guia do Produtor que estava amarrado no saco. (As batatas, você se lembrará das experiências do jardim de infância, não são cultivadas por sementes, mas por olhos de outras batatas). Mais do que como plantar batatas, o guia me passou a sensação de como lidar com um novo 'software' disponível. Ao "abrir e usar este produto", dizia o folheto, eu estava agora "licenciado" a cultivar essas batatas, mas somente por uma única geração; a cultura que eu regaria e cuidaria e colheria era minha mas, ao mesmo tempo, não era. Isto é, as batatas que eu colherei em agosto são minhas para comer ou vender, mas seus genes permanecem como propriedade intelectual da Monsanto, protegidas por numerosas patentes norte americanas, incluindo as de n° 5196525, 5164316, 5322938 e 5352605. Fosse eu guardar apenas uma delas para plantar no próximo ano - algo que fiz rotineiramente com as batatas no passado - eu estaria infringindo a legislação federal. O pequeno impresso no Guia do Produtor também trouxe a informação de que minhas plantas de batatas eram elas próprias um agrotóxico, registrado na Agência de Proteção Ambiental. Se fosse preciso provar que a intricada cadeia alimentar industrial, que começa com sementes e termina em nossos pratos de jantar, está em vias de uma profunda mudança, o pequeno impresso que acompanhava minhas 'New Leaf' daria tal prova. Essa cadeia alimentar não tem tido rival em sua produtividade - em média, um único produtor americano produz, hoje, comida suficiente para alimentar 100 pessoas por ano. Mas esse sucesso tem o seu preço. O moderno produtor industrial não pode alcançar tais rendimentos sem enormes quantidades de fertilizantes químicos, agrotóxicos, maquinaria e combustível, um conjunto de insumos de capital intensivo, como são chamados, que sobrecarregam o produtor com dívidas, ameaçam sua saúde, provocam a erosão e destroem a fertilidade do seu solo, poluem a água subterrânea e comprometem a segurança dos alimentos que comemos. Já ouvimos tudo isso antes, é claro, mas quase sempre dito por ambientalistas e produtores orgânicos; a novidade é ouvir a mesma crítica de produtores convencionais, funcionários governamentais e, até mesmo, de muitas corporações do 'agrobusiness', todos eles reconhecendo agora que nossa cadeia alimentar está precisando de reforma. Parecendo mais Wendell Berry do que a gigante do 'agrobusiness' que é, a Monsanto declarou em seu mais recente relatório anual que "a tecnologia agrícola atual não ésustentável". O que se imagina para salvar a cadeia alimentar americana é a biotecnologia - a substituição de insumos químicos caros e tóxicos, por informações genéticas caras, mas aparentemente benignas: cultivos que, como as minhas New Leafs, podem se proteger contra insetos e doenças sem serem pulverizados com agrotóxicos. Com o advento da biotecnologia, a agricultura está entrando na era da informação e, mais do que qualquer outra companhia, a Monsanto está se posicionando para se tornar a Microsoft deste setor, fornecendo os "sistemas operacionais" próprios - a metáfora é dela - para administrar essa

nova geração de plantas. Existe, é claro, uma segunda cadeia alimentar na América: a agricultura orgânica. E, apesar de ser ainda uma fração do tamanho da cadeia alimentar convencional, ela tem crescido aos saltos - em grande parte por causa das preocupações com a segurança da agricultura convencional. Os agricultores orgânicos estão entre o mais fortes críticos da biotecnologia, considerando culturas como as minhas New Leafs inimigas dos seus princípios e, potencialmente, uma ameaça à sua sobrevivência. É porque o Bt, a toxina bacteriana produzida nas minhas New Leafs (e em muitas outras plantas biotec) é o mesmo inseticida em que os produtores orgânicos vêm confiando há décadas. Ao invés de ficarem lisonjeados pela imitação, no entanto, os produtores orgânicos estão em pé de guerra: o uso indiscriminado de Bt em culturas biotec provavelmente levará à resistência dos insetos, roubando, dessa forma, dos produtores orgânicos, uma de suas mais básicas ferramentas; isto é, a versão da Monsanto de agricultura sustentável poderá ameaçar exatamente os produtores que foram os pioneiros da agricultura sustentável. Brotação Após alguns dias de chuvas pesadas, o sol surgiu em 15 de maio, assim como as minhas New Leafs. Uma dúzia de brotos verde-escuro perfuraram a terra e começaram a crescer - mais rápido e com maior robustez que qualquer uma das outras batatas em minha horta. Afora o seu vigor, contudo, minhas New Leafs pareciam perfeitamente normais. E, embora eu as visse multiplicar suas belas folhas verde-escuro nesses primeiros dias, ansiosamente esperando a chegada do primeiro inseto condenado, eu não podia deixar de considerá-las existencialmente diferentes do resto de minhas plantas. Todas as plantas domesticadas são de certo modo artificiais arquivos vivos de informações culturais e naturais que nós, de certo modo, "projetamos". Um determinado tipo de batata reflete os valores que colocamos dentro dela - um tipo que foi selecionado para produzir batatas fritas longas e belas ou 'chips' de batata imaculados, é a expressão de uma cadeia alimentar nacional que gosta de suas batatas altamente processadas. Ao mesmo tempo, algumas das mais delicadas variedades pequenas européias que estou cultivando ao lado das New Leafs implicam em uma economia de mercado de pequenos produtores e um gosto por comer batatas frescas. Ainda assim, todas essas qualidades já existiam na batata, dentro da gama de possibilidades genéticas apresentadas pela Solanum tuberosum. Uma vez que espécies distantes na natureza não podem ser cruzadas, a arte do melhorista tem sempre ido contra um limite natural do que a batata está determinada, ou é capaz de fazer. A natureza, portanto, tem exercido uma espécie de veto sobre quais valores culturais podem combinar com uma batata. Minhas New Leafs são diferentes. Embora a Monsanto goste de mostrar a biotecnologia apenas como mais uma na antiga linha de modificações humanas da natureza, desde a fermentação, a engenharia genética, na verdade, subverte as antigas regras que regem a relação entre natureza e valores culturais em uma planta. Pela primeira vez, os melhoristas podem trazer qualidades de qualquer lugar da natureza para o genoma de uma planta - de linguados (resistência ao congelamento), de vírus (resistência a doenças) e, no caso das minhas

batatas, do Bacillus thuringiensis, a bactéria do solo que produz o inseticida orgânico conhecido como Bt. A introdução de genes em uma planta, transportados não apenas através da espécie, mas de filos completos, significa que o muro da identidade essencial daquela planta - sua irredutível rusticidade, pode-se dizer - foi rompido. Mas, o que é, talvez, mais espantoso sobre o aparecimento das New Leafs na minha horta é o entendimento humano daquilo que a inclusão do gene Bt representa. No passado, esse entendimento estava fora da planta, na mente dos produtores orgânicos que utilizavam o Bt (na forma de pulverização) para manipular o relacionamento ecológico de certos insetos e uma determinada bactéria, como forma de controlar tais insetos. A ironia sobre as New Leafs é que a informação cultural que elas codificam é um conhecimento que reside nas cabeças do tipo de pessoas - isto é, os produtores orgânicos - que menos confia na alta tecnologia. Um modo de ver a biotecnologia é que ela permite que uma parcela maior de inteligência humana seja incorporada na própria planta. Nesse sentido, minhas New Leafs são apenas mais espertas do que o resto das minhas batatas. As outras dependerão do meu conhecimento e experiência quando os besouros do Colorado atacarem; as New Leafs, sabendo aquilo que eu sei sobre os besouros e o Bt, cuidarão de si mesmas. Assim, embora as minhas plantas biotec possam parecer seres extraterrestres, isso não é bem verdade. Elas são mais parecidas conosco do que com outras plantas, porque há mais de nós nelas. Crescimento Para descobrir como as minhas batatas ficaram desse jeito, eu viajei para o subúrbio de Saint Louis no início de junho. Minhas New Leafs são clones de clones de plantas que foram inicialmente engenheiradas há sete anos atrás, nas instalações de pesquisa de US$ 150 milhões, da Monsanto, um longo edifício de tijolos à vista, nas margens do Missouri, que pareceriam com qualquer outro complexo empresarial, não fosse pelas 26 estufas que coroam seu teto como brilhantes arestas de vidro. Dave Stark, um biólogo molecular e co-diretor da Naturemark, a subsidiária da Monsanto para batatas, acompanhou-me através das salas limpas onde as batatas são geneticamente engenheiradas. Técnicos estavam sentados em bancadas de laboratório, diante de placas de Petri nas quais haviam sido colocados cortes de caule de batata do tamanho de uma unha, em uma mistura de nutrientes. A essa mistura, os técnicos adicionaram uma solução de agrobactéria, uma bactéria de enfermidade, cujo modo de agir é entrar no núcleo das células da planta e inserir parte de seu próprio DNA. De modo prático, os cientistas contrabandeiam o gene do Bt para dentro da agrobactéria e esta, então, cola-o ao DNA da batata. Os técnicos também adicionam um gene "marcador", um tipo de código universal de produto, que permite que a Monsanto identifique suas plantas depois que elas saem do laboratório. Alguns dias mais tarde, quando os pedaços do caule da batata emitem raízes, elas são removidas para a estufa das batatas, no teto. Aqui, Glenda DeBrecht, uma horticulturista, convidou-me a colocar luvas de látex e a ajudá-la a transplantar as plantinhas minúsculas, das suas

placas de Petri para pequenos potes. A operação toda é realizada milhares de vezes, principalmente porque há muita incerteza sobre os resultados. Não há maneira de dizer onde o DNA aterrisará no genoma, e se ele for parar no lugar errado, o novo gene não aparecerá (ou terá uma fraca expressão), ou a planta poderá ser um monstrinho. Eu fiquei impressionado de ver como a tecnologia podia ser, ao mesmo tempo, assustadoramente sofisticada e, ainda, um tiro no escuro genético. "Ainda há muito que entender sobre a expressão genética", reconheceu Stark. Muitíssimos fatores influenciam se, ou quanto, um novo gene vai fazer o que se espera que faça, incluindo o meio ambiente. Em um antigo experimento alemão, os cientistas conseguiram colar um gene para deixar as petúnias mais vermelhas. Tudo ia conforme o planejado, até que o tempo se tornou mais quente, e um plantio inteiro de petúnias vermelhas, repentina e inexplicavelmente perdeu o seu pigmento. O processo não parecia tão simples, como a acalentada metáfora da Monsanto sobre software poderia sugerir. Quando voltei de St. Louis, telefonei para Richard Lewontin, o geneticista de Harvard, para perguntar-lhe o que ele pensava da metáfora do software. "De um ponto de vista de propriedade intelectual, está totalmente correto", ele disse. "Mas é ruim em termos de biologia. Implica em você colocar um programa em uma máquina e obter os resultados esperados. Mas o genoma é muito ruidoso. Se o meu computador fizesse tantos erros como um organismo faz" - ao interpretar seu DNA, ele quis dizer - "eu o atiraria fora." Pedi-lhe uma metáfora melhor. "Um ecossistema", ele disse. "Você pode sempre interferir e mudar algo nele, mas não há maneira de saber quais serão todos os efeitos posteriores, ou como isso poderia afetar o meio ambiente. Temos um entendimento tão pobre de como o organismo se desenvolve a partir do seu DNA, que eu irei me surpreender se não tivermos um choque assustador após outro." Florescimento Meu próprio cultivo estava crescendo quando voltei de St. Louis; as New Leafs estavam do tamanho de arbustos, coroadas de finas hastes com flores. As flores da batata são, na realidade, bem bonitas, ao menos para os padrões de hortaliças - estrelas cor-de-rosa de cinco pétalas com centros amarelos que exalam um suave perfume de rosas. Numa tarde quente, eu observava as mamangavas fazendo suas curvas preguiçosas nas flores das minhas batatas, distraidamente polvilhando suas pernas com grãos amarelos de pólen, antes de partir para outras flores, outras espécies. A incerteza é o tema que une a maioria da crítica feita contra a agricultura biotec, por cientistas e ambientalistas. Plantando-se milhões de acres de plantas geneticamente modificadas, nós introduzimos algo de novo no meio ambiente e na cadeia alimentar, cujas conseqüências não são - e, a essa altura, não têm como ser totalmente conhecidas. Uma das incertezas tem a ver com aqueles grãos de pólen que as mamangavas carregam das minhas batatas. Aquele pólen contém genes de Bt que poderão chegar a uma outra planta aparentada, possivelmente conferindo uma nova vantagem evolucionária àquela espécie. "Fluxo de genes", o termo científico para esse fenômeno,

ocorre somente entre espécies intimamente aparentadas e, uma vez que a batata desenvolveu-se na América do Sul, são poucas as chances de que os meus genes Bt da batata escaparão para os agrestes de Connecticut. (É interessante notar-se que, enquanto a força da biotecnologia depende da capacidade de mover genes livremente entre as espécies e mesmo filos, sua segurança ambiental depende exatamente do fenômeno oposto: da integridade da espécie na natureza e sua rejeição a material genético estranho.) Agora, o que acontece se e quando os agricultores peruanos plantarem batatas Bt? Ou quando eu plantar uma cultura biotec que possua parentes locais? Um estudo publicado na "Nature", no mês passado, descobriu que os traços das plantas introduzidos pela engenharia genética têm mais probabilidades de escapulir para o meio silvestre do que alguns traços introduzidos pela forma convencional. Andrew Kimbrell, diretor do Center for Technology Assessment em Washington, disse-me acreditar que tais fugas sejam inevitáveis. "A poluição biológica será o pesadelo ambiental do século 21," ele disse quando eu lhe telefonei. "Isso não é como uma poluição química - um vazamento de óleo - que finalmente se dispersa. A poluição biológica é um modelo totalmente diferente, mais parecido com uma doença. A Monsanto será legalmente responsabilizada quando um dos seus transgenes criar uma super erva invasora ou um inseto resistente?" Kimbrell afirma que, pelo fato de nossas leis sobre poluição terem sido feitas antes do aparecimento da biotecnologia, a nova indústria está sendo regulamentada por um regime inadequado, projetado para a era química. Até agora, o Congresso não aprovou nenhuma lei ambiental especificamente a respeito da biotecnologia. A Monsanto, por sua vez, afirma que examinou completamente todos os potenciais riscos de suas plantas biotec para o ambiente e a saúde, e mostra que três agências reguladoras - o USDA, o EPA e o FDA - aprovaram os seus produtos. Falando da New Leaf, Dave Stark disse-me, "Essa é a batata mais exaustivamente estudada da história." Incertezas significativas permanecem, no entanto. Considere o caso da resistência de insetos ao Bt, uma forma potencial de "poluição biológica" que poderia terminar com a eficácia de um dos mais seguros inseticidas que temos - e prejudicar os agricultores orgânicos que dele dependem. A teoria, que agora é aceita pela maioria dos entomologistas, é que as plantas Bt adicionarão tanta dessa toxina ao meio ambiente, que os insetos vão desenvolver uma resistência a ele. Até agora, a resistência não tem sido uma preocupação porque as pulverizações com Bt se degradam rapidamente à luz do sol e os agricultores orgânicos usam-no com parcimônia. A resistência é essencialmente uma forma de co-evolução que parece ocorrer apenas quando uma determinada população de praga fica ameaçada de extinção; sob tal pressão, a seleção natural favorece qualquer oportunidade de mutação que permita que a espécie mude e sobreviva. Trabalhando com o EPA, a Monsanto desenvolveu um "plano de gerenciamento da resistência", para adiar aquela eventualidade. Segundo o plano, os produtores que plantarem cultivos Bt devem deixar uma certa área de suas terras para as não-Bt, para criar "refúgios" para os insetos alvo. O objetivo é evitar que o primeiro besouro do Colorado resistente ao Bt cruze com um segundo besouro resistente,

desencadeando uma nova raça de super-besouros. A teoria é que, quando aparecer um besouro resistente ao Bt, ele possa ser induzido a cruzar com um besouro do refúgio, diluindo, assim, o novo gene da resistência. Mas muita coisa tem de estar adequada para que o Sr. Errado conheça a Srta. Certa. Ninguém tem certeza do tamanho dos refúgios, onde eles deveriam estar situados, ou se os produtores vão cooperar (criar paraísos para uma praga detestada é anti-intuitivo, afinal), isso para não falar dos besouros. No caso das batatas, o EPA tornou o plano voluntário e as companhias que o implementem sozinhas; não há mecanismos no EPA que exijam tal cumprimento. Por isso é que a maioria dos agricultores orgânicos com os quais eu falei considerou o esquema regulador como mero engodo. Os executivos da Monsanto oferecem duas respostas básicas às críticas às suas plantas Bt. A primeira é que seus planos de gerenciamento de resistência vão funcionar, apesar de que a definição de sucesso da companhia chega como pequeno consolo para um agricultor orgânico: cientistas da Monsanto me disseram que, se tudo der certo, a resistência pode ser adiada por 30 anos. (Alguns cientistas acreditam que ela chegará em 3 a 5 anos.) A segunda resposta é mais problemática. Em St. Louis, eu encontrei Jerry Hjelle, vicepresidente da Monsanto para assuntos de regulamentação. Hjelle disseme que a resistência não nos deveria preocupar sem motivo, uma vez que "há milhares de outros Bts por aí" - outras proteínas inseticidas. "Podemos resolver este problema com novos produtos," disse ele. "Os críticos não sabem o que mais nós estamos desenvolvendo." E, então, Hjelle disse duas palavras que eu pensei que estivessem fora do vocabulário empresarial há longo tempo: "Confiem em nós". "Confiança" é a chave para o sucesso da biotecnologia no mercado e, enquanto eu estava em St. Louis, perguntei a Hjelle e a diversos colegas seus, por que eles achavam que os europeus estavam resistindo à comida biotec. Áustria, Luxemburgo e Noruega, arriscando uma guerra comercial com os EUA, recusaram aceitar importações de produtos agrícolas geneticamente alterados. Ativistas na Inglaterra estavam apresentando protestos e "descontaminações" em campos de testes biotec. Um grupo de produtores franceses entrou num armazém e destruiu um carregamento de sementes de milho biotec, urinando sobre ele. O Príncipe de Gales, que é um ardoroso horticultor orgânico, entrou no debate sobre os biotec em junho último, afiançando numa coluna do The Daily Telegraph que ele jamais comeria, nem serviria a seus hóspedes, os frutos de uma tecnologia que "conduz a humanidade aos domínios que pertencem a Deus e somente a Deus". Os executivos da Monsanto são rápidos ao apontar que a doença da vaca louca tornou os europeus extremamente sensíveis à segurança da sua cadeia alimentar, e que tal doença minou a confiança nos seus legisladores. "Eles não possuem uma agência de confiança como o FDA, cuidando da segurança do fornecimento de seus alimentos", disse Phil Angell, diretor de comunicações da Monsanto. No verão, Angell foi mandado várias vezes à Europa para apagar incêndios de relações públicas; algumas pessoas na Monsanto preocupam-se de que isso poderia se espalhar pelos EUA.

Eu verifiquei com o FDA, para descobrir exatamente o que tinha sido feito para garantir a segurança dessa batata. Fiquei confuso pelo fato de que a toxina Bt não estava sendo tratada como "aditivo de alimento", sujeito a rotulagem, ainda que a nova proteína esteja expressa na batata propriamente dita. O rótulo num saco de batatas biotec no supermercado dirá ao consumidor tudo sobre os nutrientes que elas contêm, mesmo as menores quantidades de cobre. Ainda assim, nada diz sobre o fato de tais batata serem o produto da engenharia genética, nem sobre conterem um inseticida. No FDA, fui indicado para ser atendido por James Maryanski, o supervisor de alimentos biotec na Agência. Comecei perguntando-lhe por que o FDA não considerava o Bt como aditivo a alimentos. Pelas normas do FDA, qualquer substância nova adicionada a alimentos deve a não ser que seja "geralmente considerada como segura" ("GRAS", na linguagem do FDA) - ser testada cuidadosamente e, se alterar o produto de qualquer maneira, deve ser rotulada. "Isso é fácil", disse Maryanski. "Bt é um agrotóxico e, assim, fica isento" das normas do FDA. Quer dizer: ainda que uma batata Bt seja inegavelmente um alimento, para os fins de regulamentação federal ela não o é, mas sim um agrotóxico e, portanto, cai na jurisdição do EPA. Mas, mesmo no caso desses cultivos biotec sobre os quais o FDA não tem jurisdição, fiquei sabendo que as suas normas sobre alimentos biotec têm sido basicamente voluntárias desde 1992, quando o VicePresidente Dan Quayle emitiu normas para a indústria, como parte da campanha do Governo Bush para o "amparo regulador". Segundo as diretivas, novas proteínas engenheiradas nos alimentos são consideradas como aditivos, a não ser que sejam agrotóxicos mas, como explicou Maryanski, "a companhia pode determinar se uma nova proteína é 'GRAS'". Companhias com um novo alimento biotec decidem por si próprias se precisam ou não consultar o FDA, seguindo uma série de "roteiros de decisão" que colocam perguntas do tipo sim ou não, como está:"... A proteína introduzida levanta qualquer preocupação com a segurança?". Uma vez que as minhas batatas Bt estavam sendo regulamentadas como um agrotóxico pelo EPA, ao invés de alimento pelo FDA, eu perguntei se os padrões de segurança são os mesmos. "Não exatamente", explicou Maryanski. O FDA exige "uma certeza razoável de não nocividade" em um aditivo a alimentos, um padrão que a maioria dos agrotóxicos não podia alcançar. Afinal, "os agrotóxicos são tóxicos para alguma coisa", disse Maryanski, assim o EPA ao invés disso, estabelece "tolerâncias" humanas para cada produto químico e depois o faz passar por uma análise de risco-benefício. Quando telefonei para o EPA e perguntei se a agência havia testado minhas batatas Bt quanto à segurança como alimento humano, a resposta foi ... não exatamente. Parece que o EPA trabalha com a suposição de que, se a batata original é segura e a proteína Bt a ela adicionada é segura, então o pacote inteiro de New Leaf é presumidamente seguro. Alguns geneticistas acreditam que este raciocínio é falho, afirmando que o próprio processo de engenharia genética pode causar alterações sutis e ainda não conhecidas nos alimentos.

A batata "Superior" original é segura, por demais óbvio, de modo que sobrou a toxina Bt, que foi dada a camundongos, e eles "passaram bem, não apresentando efeitos colaterais", disseram-me. Eu sempre me sinto melhor sabendo que minha comida foi testada por camundongos quanto a venenos, apesar de que, nesse caso, havia uma pequena armadilha: os ratos não comeram realmente as batatas, nem mesmo um extrato delas, mas sim o Bt produzido em uma cultura bacteriana. E então, as minhas New Leafs são seguras para se comer? Provavelmente, presumindo-se que uma New Leaf é nada mais do que uma soma de batata segura e um agrotóxico seguro e, presumindo-se ainda, que a idéia do EPA quanto a um agrotóxico ser seguro é equivalente à de um alimento ser seguro. Mas eu ainda tinha uma pergunta. Vamos partir do princípio que as minhas batatas sejam um agrotóxico - um agrotóxico muito seguro. Todos os agrotóxicos no galpão da minha horta - inclusive os de Bt para pulverizar - portam um rótulo cheio de advertências. Esse rótulo na minha embalagem de Bt diz, entre outras coisas, que eu devo evitar a inalação do conteúdo ou o contato com uma ferida aberta. Assim, se as minhas batatas New Leaf contêm um agrotóxico registrado pelo EPA, por que não têm um rótulo desses? Maryanski tinha a resposta. Ao menos para fins de rotulagem, minhas New Leafs tinham se metamorfoseado novamente em alimento: a Lei de Alimentos, Drogas e Cosméticos concede ao FDA jurisdição exclusiva para a rotulagem de alimentos vegetais, e o FDA determinou que alimentos biotec só precisam ser rotulados se contiverem alergênicos conhecidos, ou se tiverem sido alterados "materialmente". Mas, transformar uma batata num agrotóxico não é uma alteração material? Não importa. A Lei de Alimentos, Drogas e Cosméticos proíbe o FDA de incluir qualquer informação sobre agrotóxicos em seus rótulos de alimentos. Eu pensei sobre as explicações honestas e impressionantes de Maryanski na vez seguinte que encontrei com Phil Angell, o qual novamente citou o papel crítico do FDA em garantir aos americanos que os alimentos biotec são seguros. Mas desta vez ele foi ainda mais longe. "A Monsanto não deveria ter que garantir a segurança dos alimentos biotec", disse ele. "Nosso interesse é vender tanto quanto possível. Garantir sua segurança é tarefa do FDA." Encontrando com os Besouros Minha vigília com o besouro do Colorado terminou na primeira semana de julho, pouco antes de eu ter ido a Idaho visitar produtores de batata. Vi um único besouro adulto pousar numa folha de New Leaf; quando fui pegá-lo, ele caiu atordoado no solo. Ele havia sido envenenado pela planta e logo estaria morto. As minhas New Leaf estavam funcionando. Do ponto de vista de um típico produtor de batatas americano, a New Leaf se parece muito com um presente de Deus. E isso porque onde o típico produtor de batatas está é no meio de um brilhante campo verde, banhado com tanto agrotóxico que as folhas de suas plantas carregam um lustro químico esbranquiçado, o que o incomoda tanto

quanto a nós. Ali, pelo menos, o cálculo não é complexo: um produto que promete eliminar a necessidade de uma única pulverização de agrotóxico é, simplesmente, uma dádiva econômica e ambiental. Ninguém consegue ser um caso melhor para um cultivo biotec do que um produtor de batatas, e é por isso que a Monsanto estava ansiosa para apresentar-me a diversos grandes produtores. Como muitos agricultores hoje em dia, os que eu conheci sentiam-se prisioneiros dos insumos químicos necessários para extrair os altos rendimentos que devem alcançar, para poder pagar pelos insumos químicos que eles precisam. O balanço econômico é desalentador: um produtor de batatas no centrosul de Idaho gastará cerca de US$ 1 965,00 por acre (especialmente em produtos químicos, eletricidade, água e sementes) para cultivar uma planta que, em um ano bom, poderá lhe render talvez US$ 1 980,00. Isso é o quanto um processador de batatas fritas pagará pelas 20 toneladas de batatas que um único acre do Idaho pode render. (O dinheiro real na agricultura - 90 por cento do valor agregado aos alimentos que comemos - está em vender os insumos para os produtores e depois processar suas colheitas.) Danny Forsyth, numa quente manhã, num café no centro de Jerome, Idaho, colocou-me o desalento econômico para produzir batatas. Forsyth, 60 anos de idade, é um homenzinho de olhos azuis com um rabo de cavalo grisalho; ele cultiva 3 000 acres de batatas, milho e trigo, e falou dos produtos químicos agrícolas como um homem desesperado para se livrar de um mau hábito. "Nenhum de nós usaria se tivéssemos qualquer escolha," disse ele com tristeza. Pedi a ele que me relatasse a seqüência de uma safra. Tipicamente, ela começa no início da primavera, com uma fumigação do solo; para controlar os nematóides, muitos produtores de batatas pulverizam seus campos com um produto químico, tóxico o suficiente para matar qualquer traço de vida microbiana no solo. Depois, no plantio, é aplicado no solo um inseticida sistêmico (como o Thimet); ele será absorvido pelas mudinhas e, por várias semanas, matará qualquer inseto que coma suas folhas. Após o plantio, Forsyth menciona um herbicida - Sencor ou Eptam - para "limpar" todas as ervas invasoras da sua lavoura. Quando as mudas de batatas atingem 13 centímetros, um herbicida poderá ser pulverizado uma segunda vez, para controlar as ervas. Os produtores de Idaho, como Forsyth, cultivam em grandes círculos definidos pela rotação de um sistema de irrigação por pivô, tipicamente com 135 acres cada círculo. Eu os vi quando voava a 10 mil metros de altura, numa rede de verdes moedas, comprimidas num deserto marrom. Os agrotóxicos e os fertilizantes são simplesmente adicionados ao sistema de irrigação que, na propriedade de Forsyth, retira a maior parte da água do vizinho rio Snake. Junto com a água, as batatas recebem 10 aplicações de fertilizantes químico durante a fase de crescimento. Um pouco antes das linhas se fecharem - quando as folhas de uma linha de plantas alcançam a próxima - ele começa com uma aplicação de Bravo, um fungicida, para controlar a requeima da batata, um dos maiores inimigos da batata. (A requeima da batata, que causou a fome da batata na Irlanda, é um fungo transportado pelo ar que transforma as batatas armazenadas num mingau apodrecido.) Essa doença é um problema tão sério que o EPA atualmente permite aos agricultores pulverizarem fungicidas poderosos, que não passaram pelo

processo normal de aprovação. As batatas de Forsyth receberão oito aplicações de fungicida. Duas vezes a cada verão, Forsyth contrata um operador para pulverizar contra os pulgões. Os pulgões são inócuos por si só, mas transmitem um vírus enrolador da folha, que nas batatas Russet Burbank causa a necrose reticular, uma mancha marrom que fará com que um processador rejeite toda uma colheita. Aconteceu a Forsyth no ano passado. "Perdi 80 000 sacas" - 50 kg cada - "para a necrose reticular," disse. "Ao invés de conseguir US$ 4,95 por saca, precisei aceitar US$ 2,00 por saca do desidratador, e tive sorte em conseguir isso." Essa necrose é um defeito meramente cosmético; mas pelo fato dos grandes compradores como McDonald´s acreditarem (com boa razão) que nós não gostamos de ver manchas marrons nas nossas fritas, agricultores como Danny Forsyth precisam pulverizar suas lavouras com alguns dos mais tóxicos produtos químicos em uso, inclusive um organofosforado chamado Monitor. "Monitor é um produto químico mortífero" , disse Forsyth. " Eu não entro numa lavoura por quatro a cinco dias após ter sido pulverizada nem mesmo para consertar um pivô quebrado." Quer dizer, ele preferiria perder todo um círculo pela seca, do que expor-se a si mesmo ou um empregado ao Monitor, que descobriu-se causar danos neurológicos. Não é difícil ver por que um agricultor como Forsyth, lutando contra estreitas margens de lucro e preocupado com produtos químicos, mudaria para a New Leaf - ou nesse caso, uma New Leaf Plus, que é protegida contra o vírus da folha enrolada e dos besouros. "A New Leaf significa que eu posso evitar algumas pulverizações, inclusive com o Monitor. Economizo dinheiro e durmo melhor. E, por acaso, também é um tubérculo bonito." No entanto, as New Leaf não saem baratas. Elas custam entre US$ 20,00 e US$ 30,00 a mais por acre, em "taxas tecnológicas" para a Monsanto. Forsyth e eu discutimos sobre agricultura orgânica, sobre a qual ele tinha as coisas costumeiras para dizer ("Fica muito bem em pequena escala, mas eles não precisam alimentar o mundo"), bem como algumas coisas que eu nunca ouvi de um agricultor convencional: "Eu gosto de comer alimentos orgânicos e, na verdade, eu os cultivo muito em casa. As verduras que compramos no supermercado, nós ficamos lavando e lavando. Não sei se deveria ficar dizendo isto, mas eu sempre planto um pequena área de batatas sem nenhum produto químico. Ao final da safra, minhas batatas da lavoura são boas para se comer, mas quaisquer das batatas que eu arranquei hoje ainda estão cheias de sistêmicos. Eu não as como." As palavras de Forsyth voltaram à minha mente umas poucas horas depois, durante o almoço na casa de um outro bataticultor. Steven Young é um progressista e próspero produtor de batatas - ele chama-se a si próprio de um homem do 'agribusiness'. Além dos seus 10 000 acres - da janela da sua sala de estar vê-se 85 círculos, todos controlados por computador - Young tem participação numa bem sucedida distribuidora de fertilizantes. Sua esposa preparou-nos uma grande festa e depois que Dave, seu filho de 18 anos deu graças, com uma oração especial para mim (eles são mórmons), ela passou uma grande terrina com salada de batatas feita em casa. Quando me servia, minha

acompanhante da Monsanto perguntou o que é que havia na salada, com um sorriso que sugeria que ela já sabia. "É uma combinação de New Leafs e algumas Russets comuns", disse orgulhosamente nossa anfitriã. " Arrancadas esta manhã." Depois de conversar com agricultores como Steve Young e Danny Forsyth, e de caminhar por campos tornados virtualmente estéreis por uma chuva de produtos químicos, você poderia entender agora como a batata New Leaf da Monsanto realmente parece ser uma dádiva ambiental. Comparando-se com as práticas atuais, cultivar New Leafs representa um modo mais sustentável de cultivar as batatas. Esse avanço deve ser avaliado, é claro, levando-se em conta tudo o que ainda não sabemos sobre as New Leafs - e umas poucas coisas nós sabemos: como o problema da resistência do Bt que eu ouvi tanto no Leste. Enquanto estava nos estados de Idaho e Washington, eu pedi que os agricultores me mostrassem seus refúgios. Isso pareceu como uma piada. "Acho que tem um refúgio por aí", um agricultor de Washington me disse, apontando para uma lavoura de milho. O contrato de cultivo da Monsanto nunca menciona a palavra "refúgio" e apenas exige que os agricultores plantem um máximo de 80 por cento de suas lavouras com New Leaf. Basicamente, qualquer lavoura não plantada com New Leaf é considerada como refúgio, mesmo que tal lavoura tenha sido pulverizada para matar todas as pragas ali existentes. Os agricultores chamam uma área assim de campo limpo; chamar de refúgio é um exagero, na melhor das hipóteses. Provavelmente, não deveria ser uma grande surpresa que os agricultores convencionais tivessem dificuldades em conceber a idéia de refúgio de insetos. Insistir em refúgios reais e substanciais é pedir-lhes que comecem a conceber suas lavouras de uma maneira totalmente nova, menos como fábrica e mais como um ecossistema. Na fábrica, o Bt é uma de muitíssimas "balas de prata" que funcionam por um tempo e depois são substituídas; no ecossistema, todos os besouros não são necessariamente maus, e as relações entre várias espécies podem ser manejadas para se conseguir os fins desejados - como a sustentabilidade do Bt por longo prazo. Este é, naturalmente, o enfoque que os agricultores orgânicos têm tido para com os suas áreas, e depois do meu almoço com os Youngs naquela tarde, fiz uma curta visita a um bataticultor orgânico. Mike Heath é um homem ríspido e lacônico com cerca de 50 anos; como a maioria dos agricultores orgânicos que eu conheci, ele parece dispender mais tempo no campo do que um agricultor convencional, e provavelmente é o que acontece: os produtos químicos servem, entre outras coisas, para poupar trabalho. Enquanto andávamos pelos seus 500 acres em uma velha 'pick-up', eu lhe perguntei sobre biotecnologia. Ele demonstrou muitas reservas - era artificial, havia muitas coisas desconhecidas - mas sua objeção principal para plantar uma batata biotec era simplesmente que "não é o que os meus clientes querem". Essa posição foi impelida em dezembro passado quando o Ministério da Agricultura propôs novas normas de "padrões orgânicos" que, entre outras coisas, teria permitido que as culturas biotec tivessem um rótulo de orgânico. Depois de receber uma avalanche de furiosas cartas, o Ministério voltou atrás. (Como o fez a Monsanto, que pediu

ao Ministério da Agricultura dos EUA para engavetar o assunto por três anos.) Heath sugeriu que a biotec, na realidade, poderia ajudar os agricultores orgânicos, levando os preocupados consumidores a consumirem produtos com o rótulo de orgânico. Perguntei a Heath sobre a New Leaf. Ele não tinha dúvidas de que a resistência chegaria - "os besouros serão sempre mais espertos do que nós" - e disse que era injusto a Monsanto aproveitar-se da ruína do Bt, algo que ele considerava como um "bem público". Nada disso me surpreendeu em particular; o que me surpreendeu foi que o próprio Heath tenha se valido de pulverizações de Bt apenas uma ou duas vezes nos últimos 10 anos. Eu achava que os agricultores orgânicos usavam o Bt ou outras substâncias tóxicas aprovadas, de modo muito semelhante ao que os agricultores convencionais usam os seus agrotóxicos, mas como Heath me mostrou na sua propriedade, eu comecei a entender que a agricultura orgânica era muito mais complicada do que substituir-se os maus insumos pelos bons. Ao invés de comprar muitos insumos, Heath valia-se de longas e complexas rotações de culturas para evitar o acúmulo de pragas específicas ele descobriu, por exemplo, que plantar trigo depois das batatas "confunde" os besouros da batata. Ele também planta fileiras de plantas que florescem nas bordas das batatas - ervilhas ou alfafa, usualmente - para atrair os insetos benéficos que comem as larvas dos besouros e os pulgões. Se não houver benefícios suficientes com isso, ele introduz joaninhas. Heath também cultiva oito variedades de batatas, com a teoria de que a biodiversidade na lavoura, como na natureza, é a melhor defesa contra os desequilíbrios no sistema. Uma ano mau para uma variedade será provavelmente contrabalançado por um ano bom para outras. "Posso comer qualquer batata dessa lavoura neste momento", disse, arrancando Yukon Golds para eu levar para casa. "A maioria dos agricultores não pode comer suas batatas arrancadas da lavoura. Mas você não quer começar a falar de alimento sadio no Idaho." As lavouras de Heath eram a antítese dos "campos limpos" e, francamente, sua bordas cheias de ervas e paisagem de mosaico tornavam-nas menos bonitas para se olhar. No entanto, era a própria complexidade dessas lavouras - a mera diversidade das espécies, tanto no espaço como no tempo - que as tornaram produtivas ano após ano, sem muitos insumos. O sistema supria a maioria da suas necessidades. Como foi dito, os insumos anuais de Heath consistiam em fertilizantes naturais (composto e farinha de peixe), joaninhas e uma pulverização com cobre (contra a requeima da batata) - umas poucas centenas de dólares por acre. Naturalmente, antes que se possa comparar a operação da propriedade de Heath com a de uma convencional, deve-se somar mais trabalho (diversas culturas menores significa mais trabalho; nas lavouras orgânicas também se deve controlar as ervas) e tempo - a rotação orgânica típica recebe batatas a cada cinco anos, em contraposição à convencional, com batatas a cada três anos. Perguntei a Heath sobre seus rendimentos. Para minha surpresa, ele estava conseguindo entre 300 e 400 sacas por acre - tantas quanto Danny Forsyth e apenas um pouco menos do que Steve Young. Heath

estava também conseguindo quase duas vezes o preço por suas batatas: US$ 8,00 por saca, de um processador orgânico que estava mandando batatas fritas para o Japão. De volta para Boise, eu pensava por que o estabelecimento de Heath continuava sendo uma exceção, tanto em Idaho como em outros lugares. Aqui estava um paradigma genuinamente novo que parecia funcionar. Mas enquanto é verdade que a agricultura orgânica está ganhando terreno (conheci um grande plantador em Washington que havia recém adicionado diversos círculos orgânicos), poucos agricultores típicos que eu conheci consideravam a agricultura orgânica como uma alternativa "realista". Por um lado, sai caro a conversão: os certificadores de produtos orgânicos exigem que um área deixe de usar produtos químicos durante três anos, antes de poder ser chamado de orgânico. Por outro lado, o Ministério da Agricultura dos EUA, que estabelece as diretrizes para a agricultura americana, tem sido hostil aos métodos orgânicos há muito tempo. Mas, eu suspeito que os motivos reais sejam mais profundos, e têm mais a ver com o fato de que, de muitas formas, um estabelecimento como o de Heath simplesmente não se coaduna com as exigências de uma cadeia alimentar corporativa. O tipo de agricultura de Heath não tem muito espaço para as Monsanto deste mundo: os agricultores orgânicos compram realmente pouco - um pouco de sementes, poucas toneladas de composto, talvez uns poucos galões de joaninhas. Isso ocorre porque os agricultores orgânicos enfatizam um processo, em vez de produtos. Nem esse processo é prontamente sistematizado, reduzido a, digamos, um regime de pulverizações como aquele que Forsyth delineou para mim regimes que quase sempre são projetados por companhias que vendem produtos químicos. A maior parte da inteligência e o conhecimento do local necessários para administrar a granja de Mike Heath está na cabeça dele. Plantar batatas convencionalmente exige também inteligência, mas uma grande parte está nos laboratórios em lugares distantes como St. Louis, onde ela é empregada para desenvolver sofisticados insumos químicos. Não é provável que esse tipo de centralização da agricultura seja revertido, por haver tanto dinheiro envolvido nela; além disso, é muito mais fácil para o produtor comprar pacotes de soluções de grandes companhias. "O Agricultor Está usando a Cabeça de Quem? A Cabeça de Quem Está Usando o Agricultor?" é o título do ensaio de Wendell Berry. Os agricultores orgânicos como Heath rejeitaram também o que é talvez a pedra fundamental da agricultura industrial: as economias de escala que somente uma monocultura pode conseguir. A monocultura cultivando vastas lavouras com a mesma cultura, ano após ano - é provavelmente a simplificação mais poderosa da agricultura moderna. Mas a monocultura enquadra-se mal na maneira como a natureza parece funcionar. De modo muito simples, uma lavoura de plantas idênticas será intensamente vulnerável aos insetos, ervas e doenças. A monocultura está virtualmente na raiz de cada problema que inferniza o agricultor moderno e que virtualmente cada insumo foi destinado a resolver. Para colocar as coisas de modo simples, um agricultor como Heath está trabalhando muito para ajustar suas lavouras e suas culturas à

natureza da natureza, ao passo que aqueles como Forsyth estão trabalhando igualmente duro para ajustar a natureza às exigências da monocultura e, além disso, às necessidades da cadeia alimentar industrial. Lembro-me de ter perguntado a Heath o que havia feito a respeito da necrose reticular, a desgraça da vida de Forsyth. "Isso é realmente um problema com as variedades Russet Burbanks", ele disse. "Assim, eu planto outros tipos." Forsyth não pode fazer isso. Ele é parte de uma cadeia alimentar - no longínquo final da qual está uma longa, perfeitamente dourada frita McDonald's - que exige que ele plante Russet Burbanks e pouca coisa mais. E é aí que entra a biotecnologia, para salvar as Russet Burbanks de Forsyth e, se a Monsanto estiver certa, toda a cadeia alimentar das quais elas são uma parte. A monocultura está em apuros - os agrotóxicos que a tornam possível estão perdendo rapidamente, ou para a resistência, ou para as preocupações cada vez maiores sobre seu perigo. A biotecnologia é a nova bala de prata que salvará a monocultura. Mas uma nova bala de prata não é um novo paradigma - ao invés disso, é algo que permitirá ao velho paradigma sobreviver. Esse paradigma irá sempre interpretar o problema nas lavouras de Forsyth como um problema com o besouro do Colorado e não como um problema da monocultura da batata. Como as balas de prata que a precederam - os modernos híbridos, os agrotóxicos e os fertilizantes químicos - as novas culturas biotec provavelmente irão, conforme a propaganda, aumentar os rendimentos. Mas, igualmente importante, elas também acelerarão o processo pelo qual a agricultura está sendo concentrada em número cada vez menor de corporações. Se aquele processo avançou mais lentamente na agricultura do que em outros setores da economia, é somente porque a própria natureza - sua complexidade, diversidade e simples intratabilidade face aos nossos melhores esforços para controlar tem agido como uma trava sobre ela. Mas a biotecnologia promete resolver este "problema" também. Considere por exemplo, a semente, talvez o "meio de produção" definitivo em qualquer agricultura. Apenas nas últimas décadas é que os agricultores começaram a comprar suas sementes das grandes companhias, e mesmo hoje, muitos agricultores ainda guardam algumas sementes a cada outono, para replantar na primavera. Uma prática econômica é a que permite aos agricultores escolherem variedades particularmente bem adaptadas às suas necessidades; uma vez que tais sementes são freqüentemente intercambiadas, essa prática faz avançar a tecnologia de ponta da genética - na verdade, deu-nos a maioria de nossas culturas. As sementes, por sua própria natureza, não se prestam à acomodação: elas se reproduzem infinitamente (com exceção de certos híbridos modernos) e, por essa razão, a genética da maioria das culturas tem sido tradicionalmente considerada como uma herança comum. No caso da batata, a genética das variedades mais importantes - Burbanks, Superior e Atlantic - têm estado sempre no domínio público. Antes de a Monsanto lançar a New Leaf, nunca houve uma companhia de sementes multinacional no negócio de sementes de batatas - não havia dinheiro nesse negócio. A biotecnologia muda tudo isso. Ao adicionar um novo gene ou dois a uma Russet Burbank ou Superior, a Monsanto pode, agora, patentear a

variedade melhorada. Legalmente, tem sido possível patentear uma planta por muitos anos mas, biologicamente, tem sido quase que impossível fazer valer o cumprimento dessas patentes. A biotecnologia resolve parte desse problema. Um agente da Monsanto pode realizar um teste simples em minha horta e provar que as minhas plantas são propriedade intelectual da companhia. O contrato que os agricultores assinam com a Monsanto permite que os representantes da companhia realizem tais testes nas suas lavouras à vontade. De acordo com "Progressive Farmer", uma publicação comercial, a Monsanto está usando informantes e contratando detetives para fazer cumprir seus direitos de patente; já foram iniciados procedimentos legais contra centenas de agricultores por infringência a patentes. Logo a companhia poderá não precisar disso. Espera-se que ela adquira a patente de uma poderosa e nova biotecnologia chamada Terminator, que, na verdade, permitirá à companhia fazer respeitar suas patentes através da biologia. Desenvolvido pelo Ministério da Agricultura dos EUA em parceria com Delta and Pine Land, uma companhia de sementes em processo para ser adquirida pela Monsanto, o Terminator é um complexo de genes que, teoricamente, pode ser aplicado em qualquer espécie agrícola, que fará com que toda a semente produzida por tal planta seja estéril. Uma vez que o Terminator torne-se o padrão da indústria, o controle sobre a genética das plantas agrícolas completará seu deslocamento, da lavoura do agricultor para a companhia de sementes - à qual o agricultor não terá outra escolha, a não ser retornar ano após ano. O Terminator permitirá a companhias como a Monsanto privatizar uma das últimas grandes coisas comuns da natureza - a genética das plantas agrícolas que a civilização vem desenvolvendo nos últimos 10 000 anos. No almoço em sua granja em Idaho, perguntei a Steve Young o que ele pensava sobre tudo isso, especialmente sobre o contrato que a Monsanto o fez assinar. Eu pensava em como o agricultor americano, o herdeiro de uma longa tradição de independência agrária, estava se ajustando à idéia de pessoas metendo o nariz em suas propriedades, e sementes patenteadas que ele não poderia replantar. Young disse que havia feito as pazes com a agricultura corporativa e, especialmente com a biotecnologia; "Veio para ficar. É necessária, se vamos alimentar o mundo, e vai nos levar ao futuro." Então, eu perguntei se ele não via nada negativo na biotecnologia, e ele fez uma pausa que pareceu bem longa. O que ele então disse silenciou a mesa. "Há um custo," ele disse. "Ela dá à América das corporações mais um laço para por ao redor do meu pescoço." Colheita Algumas semanas depois que cheguei em casa vindo de Idaho, arranquei minhas New Leafs, colhendo um monte de batatas brancas com um visual maravilhoso, inclusive algumas enormes. As plantas se comportaram brilhantemente, assim como todas as minhas outras batatas. O problema do besouro nunca tornou-se sério, provavelmente porque a diversidade de espécies em minha horta (afora isto orgânica) atraiu insetos benéficos suficientes para manter os besouros em cheque. No momento em que eu colhi minha produção, a questão de comer as New Leafs estava lançada. O que eu pensava a respeito da pertinência do

processo que declarou estas batatas seguras não importava. Não só porque eu já tinha comido um pouco de salada de batatas New Leaf na casa dos Young, mas também porque a Monsanto, o FDA e o EPA tiraram, há muito tempo, a decisão de comer ou não uma batata biotec das minhas - das nossas - mãos. É bem provável que eu já tenha comido New Leafs, no McDonald's ou em uma embalagem de chips Frito-Lay, apesar de que, sem um rótulo, não há maneira de se saber com certeza. Então, se eu já tinha comido New Leafs, por que eu continuava evitando comer as minhas? Talvez porque fosse agosto, e havia muitas batatas frescas mais interessantes disponíveis - variedades pequenas com uma polpa densa e suculenta, Yukon Golds que pareciam já terem sido passadas na manteiga - que a idéia de cozinhar com uma variedade comercial suave como a Superior parecia fora de questão. Também havia mais uma coisa: eu telefonei para Margaret Mellon, da Union of Concerned Scientists, para pedir seu conselho. Ela é bióloga molecular e advogada, e uma liderança na crítica à agricultura biotec. Ela não podia oferecer nenhuma evidência científica consistente que as minhas New Leafs não eram seguras, embora ela enfatizasse quão pouco nós sabemos sobre os efeitos do Bt na dieta humana. "Essa pesquisa simplesmente não foi feita", disse ela. Eu pressionei. Existe alguma razão para que eu não deva comer estas batatas? "Deixe-me inverter isso. Por que você quereria comê-las?" Era uma boa questão. Então, por um tempo, eu mantive as minhas New Leafs em um saco na varanda. Levei o saco comigo nas férias, pensando que talvez eu fosse experimentá-las, mas o saco voltou para casa intocado. O saco ficou na minha varanda até o outro dia, quando fui convidado para uma janta-piquenique de final de verão na praia da cidade. Perfeito. Eu me comprometi a preparar uma salada de batatas. Eu trouxe o saco para a cozinha e coloquei uma panela de água sobre o fogão. Mas, antes que fervesse, fui assaltado por esse pensamento: Eu teria de dizer às pessoas no piquenique o que elas estavam comendo. Estou certo (bem, quase certo) que as batatas são seguras mas, se a idéia de comer alimentos biotec sem sabê-lo me incomodava, como é que eu poderia pedir que meus vizinhos o fizessem? Assim, eu iria contarlhes sobre as New Leafs - e então, sem dúvidas, levar de volta para casa uma grande saladeira com salada de batatas intocada. Certamente haveria outras saladas de batatas no piquenique, e quem, podendo escolher, iria algum dia optar pelo prato com as batatas biotec? Assim, lá estão elas, um saco de batatas biotec na minha varanda. Tenho a certeza de que elas são absolutamente boas. Passo pelo saco todos os dias, pensando que eu realmente deveria provar uma, mas estou começando a pensar que o quê eu mais gosto nessas batatas biotec em particular - o que as torna diferentes - é que eu tenho esta escolha. E até que eu conheça mais, eu escolho não provar. Domingo, 25 de outubro de 1998 Copyright 1998 The New York Times Company

Mensagem de um especialista em regulamentação governamental: Este é o começo da discussão americana sobre os alimentos geneticamente engenheirados! É o assunto da capa da revista dominical do NYTimes, de 25 de outubro, por Michael Pollan, e é aquilo que estivemos esperando. Uma cobertura profunda dos assuntos, de uma maneira tão absorvente que mesmo os preguiçosos vão ler. Os desenhos da capa são muito atraentes: em um fundo branco, uma carrancuda batata "Frankenstein", completa, com parafusos e uma grande cicatriz na testa, aparece pendurada a um capacete metálico ligado à eletricidade. E, apesar disso é engraçado, por que é um Sr. Franken Cabeça de Batata trapalhão. Abaixo dessa criatura lê-se, em letras grandes: "Frita, amassada, ou energizada com DNA? As batatas geneticamente engenheiradas e outras culturas já cobrem 45 milhões de acres de solo arável nos Estados Unidos. A biotecnologia é o segredo da agricultura mais cuidadosamente cultivado - e, talvez, a raiz da próxima crise agrícola."

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