Bianca No

  • November 2019
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  • Words: 41,517
  • Pages: 65
Sedução no Havaí – Kate O’Hara (Bianca 216)

SEDUÇÃO

NO

HAVAÍ

KATE O’HARA Título original: “A Precious Thorn” Publicado originalmente em 1983 pela Mills & Boon Ltd., Londres. Inglaterra

No caminho do aeroporto até a casa, Gina observava a ilha paradisíaca que seria seu mundo dali por diante. A palavra Havaí sempre lhe sugerira um recanto idílico e luxuriante. Não estava vendo, porém, nada das praias selvagens, da paisagem exótica que povoava sua imaginação. Talvez seus olhos estivessem cegos pela angústia, sua mente turvada pelo desespero. Estava chegando para morar numa terra que não era a sua, iria criar um filho que não era seu, viver com Joe, um marido que não,amava. Sentia-se como a última peça de um quebra-cabeça que não conseguia se encaixar, por mais que tivesse certeza de que aquele era o seu lugar. Quando o carro parou em frente à casa de Joe, Gina engoliu as lágrimas e desceu… A sorte estava lançada! Digitalizado por Alessandra Maciel.

CAPÍTULO I Mais um dia de trabalho estava chegando ao fim. Quando se dirigira para o escritório, na manhã daquela ensolarada quinta-feira de verão, Gina Wells com toda certeza não podia imaginar que, ainda no final da tarde, teria um encontro que mudaria sua vida. Da janela de sua sala, que dava para o primeiro andar da grande loja de departamentos em que trabalhava, seguia os movimentos da exótica figura que se agitava por entre uma pequena multidão de compradores, constituída em sua maioria por funcionários que só dispunham da última meia hora antes das seis, quando a loja fechava, para fazer suas compras. Zac Hewson era um tipo tão peculiar que não seria difícil distingui-lo mesmo em meio aos outros empregados. Tudo nele chamava a atenção, desde o modo de andar até os cabelos cuja cor mudava praticamente a cada duas semanas, combinando com a extravagância das roupas supercoloridas. Definitivamente, Gina não gostava dele. Não era uma antipatia profunda, porém. Na verdade, nos últimos cinco anos não se permitira vivenciar sentimentos extremos, fossem positivos ou negativos, e não seria aquele presunçoso que modificaria essa determinação. Era difícil entender como havia concordado com sua admissão. Seu jeito indolente e o olhar atrevido mostravam claramente, à primeira vista, que significava problema. — Ele é muitíssimo talentoso — defendera-o o gerente, quando Gina se mostrara relutante em aceitá-lo. — Tivemos sorte em entrevistá-lo primeiro. Qualquer outra loja não hesitaria em contratá-lo.

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Assim, aceitara-o como seu assistente no departamento de artes, apesar de ter percebido desde o início que ele cobiçava seu lugar. Tranqüilizava-a, entretanto, o fato de tê-lo admitido sob a condição expressa de poder dispensá-lo, a qualquer tempo, se julgasse necessário. Acabava de voltar à mesa quando o próprio Zac materializou-se à sua porta. Estava vestido de maneira menos espalhafatosa do que de costume, a não ser pelo brilhante tom limão da camiseta. Uma calça cinza um pouco curta e as inseparáveis alpargatas brancas, sempre incrivelmente limpas, completavam o traje. Sob os anéis do cabelo, hoje preto, aparecia uma argola de ouro na orelha direita. — Queria falar comigo? — perguntou, entrando e sentando-se muito à vontade diante de Gina. Cada poro daquele homem exalava insolência. Gina teve ímpetos de dar-lhe uma resposta atravessada, mas conteve-se. Embora fosse evidente que Zac Hewson queria a todo custo chamar a atenção sobre si mesmo e seu talento. Gina tinha a impressão que no íntimo ele sabia que seu verdadeiro “eu” era um mistério para todos, e ria daqueles a quem conseguia surpreender. Não faria o jogo dele, tratando-o como esperava, ou seja, como se fosse “diferente”. — Queria sim — respondeu friamente. — Pensei que houvesse deixado claro que era para você decorar a vitrine de cosméticos em cinza e rosa. Na hora do almoço vi, entretanto, que não seguiu minhas instruções. Zac deu de ombros, com um ar enfastiado. — Na minha cabeça, preto e vermelho são cinza e rosa, só que, digamos, menos frustrados. Gina procurou controlar a voz. — Essa não é a primeira vez que você ignora acintosamente uma ordem minha. — É, você tem razão. Acho que é da minha natureza rebelar-me contra a autoridade. Gosto de me expressar livremente. Além disso, estamos expondo cosméticos, não roupinhas de bebê ou artigos para solteironas. Aparentemente calma, Gina sustentou o olhar zombeteiro do rapaz. — Quando refizer aquela vitrine amanhã cedo, de acordo com minhas instruções, quero que gaste alguns minutos examinando o produto que está apresentando. Verá então que aqueles cosméticos destinam-se a um segmento bem determinado do mercado, que não é, diga-se de passagem, a juventude. A expressão de Zac não deixou dúvida de que aquela informação o pegava desprevenido. Gina baixou os olhos e assinou um papel que estava à sua frente, colocando-o em seguida num envelope marrom. — Aquela vitrine está muito boa. Está excelente, na verdade, e você sabe disso. Sugiro, Gina, que se alguma coisa tem que ser mudada deve ser o produto. — O produto fica. A decoração é que muda — respondeu secamente, sem olhar para ele, enquanto fechava o envelope. — E se me recusar? Serei despedido? A última coisa que queria, naquele momento, era encarar novamente aquele indivíduo que a desafiava tão abertamente. Há situações na vida, porém, das quais não se pode fugir. Gina sabia que o quanto antes o colocasse em seu lugar melhor seria. Olhou-o de maneira direta e impessoal. — Minha intenção não é despedi-lo, você tem muito talento. É pena que, com sua ansiedade em exibi-lo, como todos os jovens, tenda ser meio descuidado e óbvio demais em suas intenções. Levantou-se e passou a alça da bolsa pelo ombro. — Estou, pelo contrário, pedindo um aumento para você — acrescentou, colocando o envelope na caixa de saída. Em seguida pegou um saco de compras de supermercado que estava ao lado de sua mesa e encaminhou-se para a porta. Zac também se levantou e passou por ela, meio atônito. Assim que ele desapareceu, Gina teve um impulso de voltar a sentar-se, até parar a tremedeira das pernas, mas ao mesmo tempo esse sinal de fraqueza dava-lhe raiva. Escancarou a porta e saiu. Havia saído bem, afinal, daquele primeiro confronto cara a cara Livros Florzinha

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com Zac Hewson. Sua estratégia em reagir de maneira inesperada às tentativas dele de anular sua autoridade funcionara maravilhosamente. Enquanto percorria a loja vazia até a porta de saída, Gina ponderava que de qualquer forma fora uma vitória meio dúbia. Ouvira muito bem as palavras escolhidas por ele: “frustrada”, “solteirona”… Chamara-o, em contrapartida, de “jovem”. Ainda que inconscientemente, tentara minimizar sua importância, e tinha que reconhecer que com isso envelhecera a si mesma. Ele estava com vinte e quatro anos, sendo, portanto, apenas três anos mais novo do que ela. Gina estava tão entretida com os próprios pensamentos que mal reparou no calor que fazia lá fora e menos ainda nas pessoas que, apressadamente, transitavam pela rua. Acabou colidindo com um transeunte e deixou cair seu saco de compras, com estardalhaço. Meio abobada com o susto, ficou olhando o homem que se abaixava e começava a recolher as coisas espalhadas. Dando-se conta subitamente de que a culpa do acidente fora dela própria, abaixou-se também para ajudá-lo. — Receio que não vá ser possível apanharmos os amendoins. — Não tem importância — respondeu, ainda um pouco aérea, observando os amendoins que rolavam em todas as direções. — Acho que está tudo aqui — disse o estranho, levantando-se finalmente, com a sacola mais ou menos arrumada. Gina ergueu-se e olhou pela primeira vez para o rosto do homem, dando com um par de olhos azuis que a fitavam com uma expressão agradavelmente surpreendida. Ficando ainda mais confusa do que já estava, ela tentou ajeitar uma mecha de cabelo que lhe escapava do coque, severamente preso na nuca, ao mesmo tempo em que procurava pegar o pacote das mãos dele. — Por favor, me desculpe, eu… eu estava mesmo distraída e… — Posso assegurar-lhe que não me aborreceu absolutamente. — Ele interrompeu-a, com um olhar sorridente e ainda mais desconcertante. — Posso carregar as compras até seu carro? — Ora, não… — Gina estava a ponto de agradecer e dizer que não era necessário. Naquela fração de segundo, porém, avistou a figura inconfundível de Zac, que vinha andando em direção a eles. Tomada por um impulso contrário à sua natureza, concentrou toda sua atenção no estranho. — Bem… é muita gentileza de sua parte. — É um prazer. — Meu carro está estacionado aqui perto. — Começaram a caminhar juntos. — Você não é daqui, é? — ela perguntou, olhando-o com exagerado interesse, no momento em que Zac passava por eles, procurando dar a impressão de que eram velhos amigos. Congratulava-se por aquela chance de dar mais uma liçãozinha a ele, que aprenderia a não dar ouvidos ao que os fofoqueiros da loja diziam a seu respeito. Não que mentissem, ela era de fato uma solitária. Nunca tinha encontros e jamais se envolvera com qualquer funcionário da Illingworth, desde que começara a trabalhar na firma, há cinco anos. Chegou quase a rir ao pensar na surpresa que teriam quando Zac contasse que a vira na rua ao lado de um homem que carregava suas compras. Ela, a “Artista de gelo”! — Chegamos, meu carro é este. Muito obrigada pela ajuda — sorriu, friamente, enquanto procurava as chaves dentro da bolsa. — Bem, eu me sentiria mais do que recompensado se concordasse em jantar comigo amanhã à noite. Aquele convite a pegou desprevenida. Olhou-o mais uma vez, examinando-o com atenção. Devido à sua constituição forte, ele aparentava ser mais baixo do que realmente era. Se ela própria media um metro e sessenta e cinco, ele devia, no mínimo, medir um metro e oitenta. Usava uma camisa xadrez de mangas curtas, e os músculos de seus braços davam a impressão de ser um homem que fazia muitos exercícios físicos. Deteve-se nos cabelos escuros e bem aparados. Devia ter uns trinta cinco anos, concluiu, observando seu sorriso largo e desviando do olhar audacioso. Livros Florzinha

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Há muito tempo não sentia a menor atração por homem algum, diante desse estranho ainda poderia dizer, com toda a convicção: “Definitivamente, não é meu tipo!” Gina virou a chave na fechadura do carro, respondendo, sem encará-lo: — Obrigada, mas não posso. — Por que não? Não é livre? — Sou, mas… — Então, tenha um pouco de piedade de um estrangeiro solitário em visita a seu país. Ouvi tanto falar da hospitalidade e cordialidade dos neozelandeses! Gostaria muito de comprová-las. — Não será difícil — respondeu Gina, começando a ficar irritada —, mas não comigo. — Tirou o pacote das mãos dele e colocou-o dentro do carro. — Dizem que todos temos possibilidade de mudar de idéia, o que, de certa forma, acho até excitante. Gina endireitou o corpo e voltou-se para ele, em tempo de pegá-lo percorrendo com os olhos suas pernas e quadris. — Pois eu não — disse secamente. — Obrigada, mais uma vez. Entrou no carro, mas não conseguiu fechar a porta. O estranho havia se inclinado para dentro do carro, com um braço sobre a capota e o outro segurando a porta. — Com licença? Ele ignorou o pedido. — Vou buscá-la às sete e meia, amanhã à noite. — Pelo visto ele não estava acostumado a ter seus convites recusados. Que homem irritante! — Acho que devo lhe dizer que sinto uma solene antipatia por pessoas insistentes e autoritárias, qualquer que seja sua nacionalidade. — Sou americano — respondeu, com os olhos zombeteiros, piscando muito. — Até logo, senhor… — Mitchell. J. P. Mitchell. Gina cerrou os lábios, impaciente. Colocou a mão na fechadura da porta e tentou puxá-la. O intruso, porém, não parecia ter a menor intenção de permitir que o fizesse. Gina pôs as duas mãos no volante e olhou fixamente para frente. — Onde posso apanhá-la? — Sou péssima companhia. — Bem que estou desconfiado, mas tenho uma incorrigível atração por loiras de olhos verde-acinzentados. Mais do que irritada, Gina teve vontade de ligar o carro e pisar fundo no acelerador, mas controlando seus impulsos concluiu que só havia uma maneira de se livrar daquele impertinente. Dirigiu-lhe um sorriso doce, tão falso quanto os anteriores, e aceitou. — Bem, por que não? Só que, se não se importar, acho que não vai dar para jantar. Sexta-feira é o único dia que tenho para fazer compras, depois do expediente. Que tal se o encontrar às oito e meia, na porta da loja? — Sempre evita dar seu endereço às pessoas com quem sai? — Também não costumo sair com estranhos, Como vê, já contrariei meus hábitos. Devia estar contente. — Pretendo ficar ainda mais — retrucou o desconhecido, com um brilho malicioso nos olhos, fechando finalmente a porta, para alívio de Gina. — Que grosso! — exclamou para si mesma, afastando-se rapidamente do estacionamento. Felizmente, o trânsito estava bom. Ela não se conformava com tamanha insistência. Tipicamente machista, egoísta e aproveitador, concluiu. Certamente não seria tão estúpido a ponto de acreditar que ela iria mesmo encontrá-lo no dia seguinte. Imagine se iria servir de mero entretenimento para um estranho mandão e rude como ele! Aos poucos, conseguiu afastar da cabeça aquele incidente e descontraiu-se. Era uma delícia sentir a brisa tépida do final da tarde. Adorava os meses quentes. A cidade ficava com outra aparência, toda enfeitada pelo verde das árvores e das montanhas que a circundavam, formando um conjunto digno de um cartão-postal. A paisagem mais suave da primavera alcançava agora, no verão, seu esplendor. Livros Florzinha

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Entrou com o carro na garagem de sua casa, na esquina de duas ruas muito arborizadas. Era uma casa pequena, de dois quartos, e já devia ter uns cinqüenta anos. Suas janelas eram baixas e davam para um jardim tão bonito que, só de ver as árvores antigas e a variedade de plantas, tinha praticamente se decidido a comprar a casa. Depois que abrira a porta, sentindo o coração bater ainda mais forte, entusiasmara-se completamente. Era exatamente o que queria! Iria transformá-la em sua casa. Pequenas alterações, esquemas de cores, objetos de decoração sucederam-se em sua cabeça, na medida em que a examinara, peça por peça. Assim que se mudou, trocou o papel de parede de todos os cômodos e a cor das janelas, conseguindo um efeito alegre e harmonioso. Da cozinha já havia gostado muito desde o princípio, mas pretendia fazer uma reforma no banheiro . Acabara por fazer uma decoração muito criativa, em tons de verde-oliva e branco, escolhendo com cuidado cada peça da mobília, e agora estava plenamente satisfeita com o resultado. Comprara muitos móveis, quadros e objetos usados em leilões, compondo-os com pinturas, cortinas, tapetes e almofadas feitos por ela mesma. O conjunto todo era uma excelente combinação do antigo e do moderno, e Gina orgulhava-se de ter conseguido criar um ambiente acolhedor, com personalidade e atmosfera próprias. Entrou pela porta dos fundos e depositou as compras sobre a mesa da cozinha, indo diretamente para o quarto, onde tirou em primeiro lugar as sandálias altas e depois a roupa. Era tão bom ter a liberdade de poder circular pela casa despida, sem qualquer preocupação! Essa privacidade era um luxo que não tinha preço, pensou mais uma vez, ao entrar no chuveiro. Sua intenção inicial era alugar um dos quartos. A decoração, porém, levara muito mais tempo do que havia imaginado e agora duvidava que fosse capaz de abrir mão da liberdade e independência de que gozava. Nada como chegar à noite ao sossego e tranqüilidade de sua casa e poder fazer o que bem lhe aprouvesse, onde lhe aprouvesse: comer, ler, pintar, costurar e ouvir música a qualquer hora, sem perturbar ou ser perturbada por ninguém. Seria difícil mudar seus hábitos agora. Sabia que corria o risco de se tornar muito individualista, e sempre pensava que precisava fazer algo a respeito. Mas ainda não era o momento. Demorara muito para conseguir tudo aquilo. Pouco importava que as pessoas a achassem esquisita e muito introspectiva. Certamente não tinham sofrido a experiência dolorosa que ela sofrera… Era bobagem, porém, ficar remoendo o assunto, desde que há um bom tempo já havia se recuperado da pequena tragédia de sua vida. Apesar de ter sofrido muito, valera-lhe a lição. Já não era mais a garota tímida e ingênua de cinco anos atrás. Terminou o banho e voltou para o quarto, sentando-se diante do espelho da penteadeira para secar e escovar os cabelos. Enquanto observava o próprio rosto refletido, pensava que, de qualquer modo, tinha que reconhecer que aquela imagem que se obrigara a refletir dificilmente agradaria a alguém, fosse homem ou mulher. Parecia uma máscara. Pouco lhe importava, porém. Jogou os cabelos para trás, escovando-os com maior vigor. Não tinha o menor desejo de ser um tipo atraente no escritório, ou em outro lugar qualquer. Assim que terminou de secar os cabelos, Gina prendeu-os num rabo de cavalo no alto da cabeça, e vestiu um caftã verde-água, longo e, de mangas largas. No escritório, usava sempre um coque e roupas discretas, por isso seus colegas a achavam séria demais e a chamavam de solteirona. Não havia, no entanto, nada de sério em seu gosto. Seu armário estava cheio de roupas desenhadas e costuradas por ela mesma, cujos tecidos muitas vezes até tingia e estampava. Entretanto, como saía muito pouco, quase não tinha oportunidade de usá-las. Fazia pouco tempo que havia encontrado essa válvula de escape para sua imaginação criativa. Estava fazendo roupas, xales e bolsas de tecido para uma pequena butique. A proprietária adorava suas coisas e queria comprar tudo o que produzisse. O tempo era pouco, porém, e sua produção muito limitada. Esperava um dia poder dedicar mais tempo ao que hoje considerava só um passatempo, e transformá-lo num emprego fixo. Depois de jantar um bife com salada, e uma deliciosa sobremesa de morangos com sorvete, foi escrever a seus pais, que tinham uma fazenda na província de Hawkes Bay. Livros Florzinha

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Passou o resto da noite tentando colocar no papel uma idéia que há dias estava em sua cabeça: um vestido de noite muito leve e exuberante, próprio para o verão. CAPÍTULO II No dia seguinte, quando foi almoçar, Gina passou pela vitrine de cosméticos para “mulheres maduras” e confirmou que realmente soubera lidar com Zac Hewson. As embalagens estavam dispostas entre arranjos cinza e preto, contrastando com tonalidades diferentes de rosa, de maneira tão original que ela duvidava que pudesse ter feito melhor. Não havia pensado mais no assunto desde a véspera e não teve a oportunidade de pensar muito também agora, pois, assim que se sentou à mesa da lanchonete, uma mulher que trabalhava no departamento de modas veio ocupar um lugar ao seu lado: — Era um tipão o homem com que a vi ontem à noite, hein?! Gina levantou os olhos, mal entendendo ao que a mulher se referia. — Desculpe-me… — De repente, veio-lhe à cabeça a lembrança do americano que carregara o pacote de compras. Tentou sorrir com naturalidade. — Achou mesmo? — Provavelmente seria presa se lhe dissesse o que realmente achei! — exclamou Maida, soltando uma gargalhada. — Mas nunca pensei que se sentisse atraída por um tipo como aquele. Gina procurou não demonstrar o quanto o comentário a aborrecia. Olhou para a mulher, examinando-a. Devia ser uns dez anos mais velha do que Gina. Andava impecavelmente vestida e maquilada e, apesar de ser casada, estava sempre pronta para um flerte com qualquer funcionário da loja. Quase respondeu que realmente o americano não fazia seu gênero, embora não tivesse dúvidas de que fazia o dela. — Ora — perguntou, mostrando um vago interesse — o que a faz pensar assim? — Bem — disse Maida, indecisa, molhando os lábios, procurando aparentar um certo embaraço em intrometer-se num assunto que não lhe dizia respeito —, ele me pareceu do tipo muito quente para uma ingênua como você saber lidar… Sabe o que quero dizer? — Não — Gina replicou, calmamente —, não sei o que quer dizer. — Bem, minha querida — Maida deu-lhe um tapinha no braço, tragando profundamente o cigarro que havia acabado de acender — pense um pouquinho e logo vai entender. — Levantou-se em seguida, com um sorriso malicioso. — Imagino que o veja sempre. — Sempre que posso — Gina odiou-se por ter que mentir. Maida soltou outra gostosa gargalhada, cheia de insinuações. — Ora, quem diria… Também, não posso culpá-la… Se fosse você, não o deixaria um minuto longe de meus olhos. Mas, enfim, se por acaso ele se tornar… digamos… um pouco exigente demais, não o dispense sem antes nos apresentar, está bem? Gina afetou um sorriso. Mulher horrorosa, nojenta! — pensou, observando a impecável figura que se afastava em busca de uma nova presa. Um calafrio percorreu-lhe a espinha. Quem mais a teria visto, num espaço de tempo tão pequeno? Em todo caso até que era interessante saber que Maida o achara tão atraente, apesar mesmo de sua conhecida capacidade de achar todos os homens, sem exceção, atraentes. Só o fato de ter vindo falar com ela provava que realmente o americano a havia impressionado, pois jamais teria se aproximado em outras circunstâncias Os iguais se atraem, concluiu, louca da vida ao lembrar a maneira ofensiva com que Maida a havia chamado de “ingênua”. Não ignorava que o pessoal da loja a havia apelidado de “Artista de gelo”. Não sabia de quem partira o apelido, nem estava interessada em saber, mas, no mínimo, era do conhecimento de todos e era isso que Maida queria dizer com “ingênua”. O que um homeme “quente” como aquele iria querer com uma “geladeira” como ela? Bela droga! Na verdade, achava que só uma mulher em verdadeiro desespero de causa poderia desejar sair com um homem como J. P. Mitchell. Ele não passava de um brutamontes!

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Ao retornar à sua sala, Gina nem conseguia mais lembrar das feições dele. Sabia apenas que era grandão e tinha muitos dentes na boca, como a maioria dos americanos, diga-se de passagem. Tentou retomar o trabalho que estava fazendo, mas apesar de tudo o encontro que tivera com Maída Berry não lhe saía da cabeça. Ao chegar em casa, à noite, estava decidida a ir encontrar-se com o americano. Alguma coisa lhe dizia que lamentaria essa decisão, mas, de repente, tornara-se um verdadeiro desafio ir verificar o que havia naquele homem que atraía as outras e a deixava tão indiferente. Estava travando uma verdadeira batalha interior. Sabia que afinal estava tendo o que queria, então, por que se irritava? Havia lutado todos aqueles anos para conseguir essa atitude fria perante os homens, para matar a mulher dentro dela. Mas, enfim, assegurava-se de que não tinha nada a perder. Estava apenas interessada em provar que, apesar de suas determinações, ainda sabia reconhecer um homem atraente e que aquele de fato não o era, por isso não corria risco algum. Gina tirou a roupa de trabalho e vestiu um vestido branco de alça, com a cintura marcada e uma saia de tecido macio e ligeiramente rodada, que deslizava e se movimentava a cada passo. Escovou bem os cabelos e tornou a prendê-los num coque, na nuca. Não queria mostrar ao desconhecido que levara muito tempo se arrumando para ele, mas também tinha seu orgulho e gostava de se apresentar bem. Fez com cuidado a maquilagem, procurando não exagerar, e, com exceção do relógio de pulso, não colocou jóia alguma. O efeito geral era extremamente feminino e gracioso. Às oito em ponto saiu de casa. Iria a pé até a cidade. Normalmente, só pegava o carro quando precisava fazer compras. De salto baixo, levava em média vinte minutos para chegar ao escritório, mas hoje, como estava com uma sandália alta e delicada, caminhava mais devagar. Aproveitaria para usufruir da beleza do cenário ao anoitecer. O sol ainda não havia se posto totalmente, e tingia o céu de uma cor róseo-alaranjada que emoldurava o verde das árvores da avenida, num contraste que chegava a emocionar de tão bonito. Desde que se decidira a morar em Palmerston, Gina constatara que o pôr-do-sol ali era lindo, quase espetacular. Pouco lhe importava que o sol não fosse tão brilhante nem tão quente como em Hawkes Bay. O que não lhe agradava muito eram os contínuos ventos que sopravam na região, mesmo que, conforme alegavam os moradores locais, ajudassem a manter a atmosfera livre de poluição. Conforme ia se aproximando do local do encontro, Gina sentia crescer uma apreensão dentro dela. Talvez realmente não tivesse feito bem em vir. Começou a desejar que o americano não aparecesse. Mas sua sorte não foi tão grande. Do ponto em que estava, já bem próximo da loja, viu-o chegar, com passadas largas, ao lugar onde haviam colidido no dia anterior. Gina sentiu a boca seca e as palmas das mãos úmidas. Queria virar as costas e ir embora, mas seus pés pareciam plantados no chão. Também de pouco adiantaria, pois ele já a havia visto e se aproximava sorrindo, com aquela atrevida cara insinuante que tanto a desagradava. — Devo estar louca! — disse de si para si arrepiando-se ante a perspectiva de passar algumas horas na companhia arrogante e dominadora daquele homem. Por que se deixara influenciar pelo comentário leviano de uma Maida qualquer, quando sua própria experiência lhe havia ensinado a não agir impulsivamente? — Olá! — Ele a cumprimentou com verdadeiro entusiasmo, todo cheio de sorrisos, com ar de triunfo. — É muito bom vê-la! O sorriso de Gina, pelo contrário, foi pálido e desenxabido, mas ele pareceu não notar. — Devo confessar que foi quase uma surpresa. Estava ansioso por saber se viria, mas tinha as minhas dúvidas. — Não posso imaginar por quê! — Gina replicou com certo sarcasmo, mas ele não demonstrou notar a pequena nota de ironia que havia em sua voz. — Você foi embora com tanta pressa que nem fiquei sabendo o seu nome. — Gina — interrompeu-o quase secamente. — E o seu? — J. P. Mitchell. Não havia lhe dito? — Disse, mas acho que não dá para chamá-lo de J. P., dá? Livros Florzinha

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— Ora, se quiser… muita gente me chama assim, entre outras coisas… — respondeu, dando uma gostosa gargalhada. Gina finalmente descobriu algo de que gostava nesse homem, cuja carga de energia e espontaneidade até então achara excessiva. — J. P. — repetiu, fingindo grande concentração. — Juízo e Paciência… Justiça e Paz… é, não dá mesmo. — Joseph Parron é o meu nome. — Posso então chamá-lo de Joseph? Ele encolheu seus ombros musculosos. — Pode, se quiser. Ou de Joe, como a maioria de meus amigos. Bem, há algum lugar onde prefira ir? — Os olhos azuis dele brilhavam, num misto de alegria e admiração, enquanto a olhava de alto a baixo, mas Gina mal podia agüentar esse olhar. Soltou um suspiro desanimado. O único lugar para onde gostaria realmente de ir era sua casa, e sozinha! — Não, não tenho preferência alguma. — Aquela resposta apática desanimaria qualquer um, mas Joseph Parron Mitchell, decididamente, não parecia disposto a deixar nada estragar seu bom humor. — Nesse caso, tenho um amigo que vai gostar muito que lhe façamos companhia. Ele disse que iria a um hotel chamado The Coachman. Você conhece? Gina olhou-o espantada. — Já ouvi falar — respondeu, vagamente, sem saber direito qual era a intenção dele. — Não tem boa reputação? — Joe perguntou, percebendo pela primeira vez a reação dela. — Não sei dizer. Não tenho o hábito de freqüentar hotéis. — Bem, então podemos encarar o programa como uma experiência nova para nós dois. — Não vai me dizer que também não freqüenta hotéis. — De jeito nenhum. No meu trabalho, é praticamente impossível evitá-los. Estou dizendo que, como nós dois não conhecemos este, será uma experiência nova para ambos. Ela apertou os lábios com força. — Muito bem, suponho que esteja me convidando apenas para o bar, não é? — Sem dúvida alguma — ele retrucou, com voz séria, embora Gina pudesse ver claramente um certo ar malicioso em seus olhos. Enrijeceu-se e uma onda de calor subiu-lhe ao rosto. Depois que atravessaram a avenida, ele acendeu um cigarro e os dois caminharam calados por alguns minutos. Cruzavam agora a praça, muito bem ajardinada, e Gina teve de diminuir o passo para acompanhar Mitchell, que parecia estar querendo ir bem devagar, apreciando tudo. — Em que você trabalha? — procurou quebrar o silêncio que a incomodava. — Sou do Exército — foi a resposta calma. Sem saber se por mera coincidência, ou se pela surpresa que a resposta lhe causara, Gina torceu, naquele instante, o tornozelo perdendo o equilíbrio. Prontamente os braços de Mitchell a envolveram, não permitindo que ela caísse. Assim que se recompôs, afastou-se de suas mãos, mas a pressão dos dedos fortes continuou se fazendo sentir em sua cintura por mais alguns minutos. — Você está bem? — Estou… estou, obrigada. Isso sempre me acontece. Acho que nunca vou me habituar com sandálias altas. — Gina sabia que estava quase gaguejando, mas não se importava. A única coisa que tinha na cabeça era a resposta dele. “Meu Deus”, repetia para si mesma, horrorizada, “ainda por cima é militar!” Não restava dúvida de que havia feito uma asneira. Talvez até pudesse ver o lado cômico da situação algum dia, num futuro distante, mas por hora tudo estava parecendo um grande desastre. — Está aqui de visita? — perguntou hesitante. — Estou. Venho de Schofield, em Honolulu. Estamos com uma companhia aqui. Já ouviu falar de Schofield? — Devo ter ouvido, pois o nome não me é estranho, mas sei tanto do Acampamento Schofield no Havaí, quanto do de Linton em Palmerston North, ou seja, nada. Livros Florzinha

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— Isso é estranho. Pensei que as jovens daqui se encontrassem eventualmente com meus companheiros do Exército. — Talvez se encontrem, não sei. Não sou exatamente daqui. Não fui criada aqui. Mitchell permaneceu calado, pensativo. — Imagino que seja um oficial. — Ela procurou não dar à voz aquela inflexão de “última esperança”. Como ele continuasse calado, Gina virou a cabeça para olhá-lo. Ele estava soltando uma baforada de seu cigarro e parou por um minuto para olhá-la. Gina teve a nítida impressão de que sua pergunta não o surpreendera e também não o agradara. Desapontara-o, de fato. Apesar de não fazer diferença para ela, seu silêncio começava a impacientá-la. — Sou apenas um sargento. Talvez isso seja uma decepção para você. — Não poderia ser decepção, pois não tinha expectativa alguma. Foi apenas suposição minha, talvez por causa de sua idade. Não entendo nada das Forças Armadas, nem sei como operam. Ao chegarem ao The Coachman, Gina ficou mais desanimada ainda. Detestava multidões, barulho e fumaça. Olhava para todos os lados, procurando um canto mais tranqüilo, quando sentiu a mão de Joe em seu braço, conduzindo-a para o vestíbulo. — Pode me esperar aqui um instante? Vou ver se acho Lou. Depois iremos tomar um drinque num lugar mais calmo. Desapareceu em seguida, no meio da multidão, e só quando o viu voltar é que Gina se deu conta de que poderia ter aproveitado a ausência dele para fugir dali. Pena que era tarde demais. Teve vontade de dar uns tapas em si mesma quando reparou que ele dava passagem a uma jovem de cabelos escuros, quase tão alta quanto ele e um pouco mais alta do que seu amigo, que vinha logo atrás. — Gina, gostaria que conhecesse um de meus companheiros, Lou de Laney, e sua amiga, Pamela Ansell. Enquanto Lou e Pamela a cumprimentaram efusivamente, Gina saudou-os de modo frio e constrangedor. Ambos lhe causavam a mesma impressão que Joe. Que noite horrível iria ter! — Lou e Pam sugerem que a gente vá para o bar do terraço. Provavelmente também deve estar cheio, mas é mais calmo porque não tem conjunto, só piano. O que você acha? Gina forçou um sorriso. — Para mim, tudo bem — disse, apressando o passo para evitar a mão dele em seu cotovelo, enquanto subiam as escadas. Lá em cima, havia um pequeno salão com uma pista de dança, na extremidade da qual um pianista tocava uma seleção de música popular. Os dois homens esperaram que Pamela e Gina se sentassem, e quando o fizeram Gina sentiu imediatamente a coxa volumosa de Joe encostar-se na sua e encolheu-se para evitar o contato. Ele também logo procurou acomodar-se melhor, como para lhe dar mais espaço. Deixou-se ficar quieta, rígida, gelada e incapaz de sentir-se à vontade enquanto ouvia os três conversarem e rirem descontraidamente. Lou também era americano, um pouco mais baixo do que Joe e de uma beleza convencional. Parecia ainda mais rude e egoísta do que já considerava Joe, mas Pamela não dava o menor sinal de se preocupar com isso. Pelo contrário, aparentemente estava achando muita graça nas “estórias” do Exército que os dois contavam. Era uma moça atraente. Devia ter por volta de vinte e cinco anos e sua figura não tinha nada de discreta ou inocente. Era completamente desinibida e estava realmente a fim de se divertir, com quem quer que fosse. Lou devia tê-la conhecido no bar lá embaixo, antes de ela e Joe chegarem… A esse pensamento, Gina teve um sobressalto. Não queria de forma alguma igualar-se a uma moça vulgar. O pior é que na verdade estava se sentindo exatamente igual à outra. Também havia concordado em se encontrar com Joe mal acabara de conhecê-lo. Um estranho, servindo no Exército, e nem oficial era! Estava vivendo um verdadeiro pesadelo. Nunca mais se afastaria do caminho que havia se proposto cinco anos atrás. Perdida em seus próprios pensamentos, permaneceu a maior parte do tempo quieta, com as mãos cruzadas sobre as pernas, olhando para o quase intocado copo de gim à sua frente.

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— Quer dançar? — Joe perguntou, de repente. Há algum tempo ele também estava quieto e a olhava em silêncio. — Não… obrigada. — Esboçou um rápido sorriso e, como não conseguisse sustentar seu olhar, virou o rosto, dizendo: — Gosto de observar. Lou levantara-se nesse momento para dançar com Pam, mas antes de se dirigirem para a pista parou, com os olhos fixos em Gina. Como que magnetizada por esse olhar, ela ergueu a cabeça e constatou imediatamente que Lou não gostava dela. Sentiu-se tão constrangida que não teve sequer palavras para responder, quando ele lhe deu um ultimato: — Se não estiver dançando quando voltar, vai dançar comigo e já vou avisando: não aceito recusa! — É de homens assim que gosto — vibrou Pamela, passando a mão pelo braço dele —, dos que sabem se impor! — Ele a abraçou, e foram dançar, misturando-se aos outros pares. Antes que se desse conta, Gina estava de pé. Joe a olhou com ar interrogativo. — Você ouviu o que seu amigo disse — justificou-se ela. — Acho que prefiro dançar um foxtrote com você, agora, do que mais tarde um tango com ele! — Sem dúvida, ele tem mais psicologia do que eu — comentou Joe levantando-se. Gina não podia estar mais enrijecida quando ele a enlaçou. Há cinco anos não sentia o braço de um homem em sua cintura. E nunca antes fora envolvida por braços tão fortes. Sentiu-se tremer, Longe de agradá-la, sua força a fazia sentir uma enorme repulsa. Precisava se controlar para não sair correndo dali. Achava que Joe e Lou eram como dois animais poderosos e saudáveis, cheios de energia e vitalidade e sempre prontos a atacar. Sentia uma enorme vontade de ver-se fora de seu alcance. Pouco depois, como que consciente da aversão que causava, Joe a conduziu de volta à mesa. Felizmente, chegou a hora de irem embora. Pamela convidou Gina para acompanhá-la ao toalete, e ela não teve jeito de recusar. Levantou-se e acompanhou a exuberante moça pelo corredor acarpetado. Lavou as mãos rapidamente e deixou Pam escovando os cabelos, descendo primeiro para o vestíbulo onde os dois deviam esperá-las. Logo estaria livre da atmosfera desagradável daquele hotel, principalmente, de J. P. Mitchell. Já estava quase chegando ao fim da escada quando ouviu o som de vozes masculinas. — Desse mato não sai coelho, hein velhão? — dizia Lou. — O que quer dizer? — Sabe muito bem. Aquela dama, a Gina. — Tem uma boca muito sexy — foi a resposta de Joe. — O quê? Está brincando! O que tinha na cabeça quando marcou um encontro com ela? — Ela tem classe. Lou soltou uma exclamação de baixo calão e acrescentou: — Não é bem classe que vai aquecê-lo à noite. — Quando quero ser esquentado, sei muito bem onde ir. Às vezes, acredite ou não, gosto simplesmente de conversar com uma mulher. A gargalhada de Lou foi sonora. — Nem isso vai conseguir. Admita, meu irmão, marcou encontro com uma múmia. Ou talvez esteja perdendo sua capacidade de… — Chega, Lou! — Está perdendo seu tempo, Joe — continuou ele, ignorando o tom contrariado da voz do amigo. — Ela é do tipo que só aprecia oficiais, mas duvido que sejam tolos de querer sair com ela. Há qualquer coisa estranha com essa moça. Está na cara que tem problemas. Por que não arruma alguém bacana e sem complicações como Pam? A propósito, você pode nos deixar no apartamento dela e ficar com o carro. Amanhã de manhã tomo um táxi para voltar ao acampamento… Sem se dar conta, Gina começou a subir de costas degrau por degrau. Estava incrédula e horrorizada com o que ouvira. Então era isso o que os homens pensavam dela? Queria mais

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que nunca sair dali o quanto antes. Estava nauseada de raiva e desgosto. Nesse momento, porém, Pam descia saltitante escada abaixo, bem trás dela. — Oi, esqueceu alguma coisa? — Acho… acho que meu anel no banheiro… — disse Gina, tentando disfarçar. — Ou será que não o coloquei? É… acho que não o coloquei… — Antes assim — replicou Pam, sorrindo. — Duvido que ainda estivesse lá se o tivesse esquecido. Os homens já desceram? — Sim… sim… Acho que sim. Acabaram de descer e encontraram Mitchell e Lou, silenciosos, esperando por elas. Gina evitou até olhar para Joe. Depois de deixarem o outro casal no apartamento de Pam, continuaram modos durante todo o percurso até sua casa. Mal ele parou o carro Gina abriu a porta. — Obrigada por esta noite — disse, num fio de voz. — Parece que não foi muito agradável para você, me desculpe. Ela encolheu os ombros e saiu. — Realmente bares não fazem o meu gênero. Adeus, Joe. Joe também saíra do carro e dera a volta. Antes que ela pudesse se afastar, pegou-a pelo braço. — Gostaria de vê-la novamente, Gina. A perspectiva a apavorava, com um gesto brusco, soltou o braço. — Não, muito obrigada! — Caminhou rapidamente, alcançando o portão. Sem saber por que, voltou-se para trás e viu que ele a olhava sacudindo a cabeça, antes de dar a volta e entrar novamente no carro, sem mais uma palavra. Quem era ele para sentir pena dela? A inquietação de Gina aumentou ainda mais. Destrancou a porta com dedos trêmulos e mergulhou no silêncio reconfortante de sua casa. As lâmpadas da rua iluminavam a sala através da cortina, por isso nem acendeu as luzes, indo diretamente para o quarto. Com movimentos bruscos despiu-se. Estava exalando fumaça e sentia uma terrível necessidade de tomar um banho. Queria lavar até a alma. Foi para o banheiro, acendeu a luz e entrou no chuveiro. Depois que se acalmasse, faria de conta que aquela noite jamais havia existido. Não foi tão fácil assim. Pouco depois, na cama, virava-se de um lado para o outro, remoendo a lembrança de cada detalhe do que tinha acontecido. Queria chorar, mas nem isso conseguia. Há muito tempo havia se prometido nunca mais chorar, e estava bem treinada. Congelara suas emoções e aquela noite viera comprovar que estava certa. Depois de algumas horas de sono intranqüilo, Gina acordou sobressaltada às dez e meia. Não gostava de acordar tarde. Tinha a impressão de estar desperdiçando as poucas horas de liberdade que lhe eram tão caras, e queria fazer muitas coisas naquele sábado. Ao anoitecer, fazendo um balanço de seu dia concluiu que realizara apenas urna pequena parte das tarefas que se havia proposto a executar. Pegara-se muitas vezes com a cabeça longe e um trabalho parado nas mãos. Não saberia dizer no que estivera pensando. Passara o dia estranhamente distraída. O mesmo aconteceu no domingo. Perambulou pela casa, fazendo quase nada, sem concentração alguma. Quando, porém, se deu conta de que estava com os instrumentos de jardinagem na mão há mais de cinco minutos, sem saber o que fazer com eles, desistiu de tentar trabalhar, pôs seu maiô, pegou unia toalha e as chaves do carro e foi à praia. CAPÍTULO III Gina acompanhava os movimentos precisos do cabeleireiro com apreensão. Pedira que ele aparasse cinco centímetros de seu cabelo e o repicasse um pouco em cima, deixando uma franja repartida ao meio. Só relaxou ao ver que ainda estava comprido, depois de seco e escovado. Finalmente, ficou satisfeita com a nova imagem que viu refletida no espelho. Como estava diferente! Mas a diferença não se devia apenas ao corte do cabelo.

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— Tem uma boca muito sexy. — Durante toda a semana, as palavras de Joe vinham-lhe constantemente à cabeça. Queria esquecê-las, assim como cada detalhe daquela noite horrorosa, mas não conseguia. Examinou detidamente cada detalhe de seu rosto. Realmente, seus lábios eram grossos e bem delineados, o que raramente dava para se perceber nos últimos anos, pois estavam apertados num ricto de contrariedade. Seus olhos não tinham nada de excepcional em formato ou tamanho, mas a espessura dos cílios realçava-lhes a cor. O nariz era reto e bem-feito. Enfim, não era nada feia, mas não pensava nisso há cinco anos. Agora, com os cabelos soltos nos ombros e a franja, suas feições pareciam mais suaves e toda a expressão menos austera. Sentindo-se extremamente feminina, Gina perguntava-se se fizera bem em cortar os cabelos. Fora uma decisão de momento, uma tentativa de levantar um pouco o moral que estava muito baixo desde o último fim de semana. Olhou-se mais uma vez ao espelho e fez votos de que, com a nova imagem, pudesse finalmente apagar da memória aquelas horas desagradáveis. Mas não conseguiu. Continuava a trabalhar automaticamente, o seu tempo livre, que quase nunca era suficiente para as coisas que pretendia fazer, arrastava-se agora como um pesadelo. Passada mais uma semana, a perspectiva de voltar para casa todos os dias começava a atormentá-la. Deixara de sentir a casa como seu paraíso. Vagava de um cômodo para outro desanimada, não via mais motivo para trabalhar no jardim, ou redecorar o banheiro Não era mais capaz de passar nem quinze minutos entretida numa atividade, achando tudo inútil. Perguntava-se, então, o que poderia lhe dar prazer. Tentava tudo: ler, pintar, ouvir música… Logo se cansava e voltava à letargia anterior. Tinha perdido o sono, sua forma segura de fugir da realidade, Depois de passar algumas noites olhando para o teto, decidira dar sempre uma caminhada após o jantar para ver se se cansava e conseguia dormir. Mas não adiantou. No final da primeira tentativa, estava em lágrimas. Foi para a cama chorando copiosamente. Como um homem como J. P. Mitchell tivera a capacidade de se intrometer numa área de sua vida há tanto tempo adormecida, fazendo-a reviver lembranças que sofrera tanto para apagar de sua cabeça e de seu coração? No fim de janeiro, Gina começou a perceber que sua disposição estava gradualmente voltando ao normal, e sentiu um grande alívio. Temera estar à beira de um colapso nervoso. Tinha vestido para sair uma calça bege e uma camiseta vermelha, prendendo o cabelo para cima. Aos poucos, habituara-se às caminhadas noturnas. Entretanto, agora que estava se sentindo melhor, achava que era um luxo ao qual não se podia permitir. Aquela seria a última, pelo menos por um bom tempo. Distraída com seus pensamentos, Gina acabou fazendo um trajeto a que não estava acostumada. Quando deu por si, estava virando a rua principal, em direção aos hotéis, bares e restaurantes que caracterizavam aquela parte da cidade. Não pensou muito se passaria ou não por eles. Devia ser hora de fecharem. Sentia-se tão bem consigo mesma, retomando a paz que tanto lutara para conquistar que se julgava apta a enfrentar qualquer coisa. Não podia estar mais errada. Parou subitamente de andar e sentiu as forças lhe fugirem. Parados na calçada a poucos metros dela, aparentemente recém-saídos de um hotel, estavam Lou com Pam e Joe com uma jovem bonita e atraente, cujas feições irradiavam alegria e vivacidade. Gina desviou os olhos dela, com grande esforço, e encontrou os de Joe. Seu coração quase parou. Sabia que estava lívida. Precisava a qualquer custo evitar aquele encontro. Virou-se, instintivamente, e começou a atravessar a rua. Mal se deu conta do barulho ensurdecedor de uma buzina estridente e dos faróis muito fortes sobre ela. Ouviu ao longe um violento ranger de pneus e só sentiu a dor de uma batida forte contra seu corpo. No próximo segundo já caía entontecida, ao chão.

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Ficou imóvel, muito quieta e apavorada para se mexer. O primeiro rosto que viu foi o de J. P. Mitchell. O rosto que tanto queria evitar estava debruçado, tentando esboçar um sorriso pálido, sobre ela. Tentou, desesperadamente, se levantar, mas sentiu uma força contrária sobre seus ombros. Não queria as mãos dele em cima dela. Será que não percebia que o odiava? Tentou se livrar e se levantar para mostrar a todos que estava perfeitamente bem. A dor que sentia do lado, porém, fez com que soltasse um grito e se deixasse ficar no chão, novamente. — Fique quietinha — ordenou-lhe Joe, com um misto de severidade e doçura na voz. Tirou seu paletó e a cobriu. — Lou foi chamar uma ambulância. — Não quero ambulância alguma! — exclamou, jogando o paletó dele para o lado. — Apenas ajude-me a levantar. — Não deve se mexer — recomendou ele, colocando a mão sobre a cabeça de Gina, que ela, agitada, empurrou até tirar. — Pois bem, então me levanto sozinha! — Embora zonza, estava determinada a erguer-se. Sentou-se primeiro e depois, com grande esforço, pôs-se de pé. Voltou os olhos para a amiga de Joe e a visão do rosto preocupado da moça logo se turvou. O mundo todo parecia girar rapidamente. Joe a segurou com mãos firmes e a deitou novamente. Ao ver a expressão do rosto dele, assim como a das pessoas que começavam a se aglomerar em torno dela, Gina sentiu um medo súbito. Joe deve ter notado, pois colocou a mão em seu rosto. — Não há nada para se preocupar, Gina. Não foi nada sério, logo estará boa. É só o choque. Ela virou o rosto, forçando-o a tirar a mão. Estava sentindo uma dor latejante, mas não lhe agradava o som da ambulância que se aproximava. Pouco depois, foi levada numa maca e colocada lá dentro. Pelo menos se livraria do olhar ansioso de Joe. Percebeu que as portas se fechavam e, involuntariamente, deixou escapar um gemido de dor. Felizmente, logo lhe aplicariam um sedativo e não sentiria mais nada. Voltou a cabeça e abriu os olhos. A única pessoa dentro do veículo com ela era Joe. — O que está fazendo aqui? — Pode precisar de alguém. — Não preciso de ninguém. — O tom dela agora era quase beligerante. — Muito menos de você. Por favor, saia. Ele deu um meio sorriso. — Creio que não é hora de discutir. Acho que seria bom avisar seus pais. — Quem deve decidir se meus pais devem ou não ser avisados sou eu. Faça o favor de não interferir. — Algum amigo ou amiga íntima? — Quer cuidar de sua vida? — Olhou-o por alguns segundos com um olhar glacial, voltando depois, deliberadamente, a cabeça para evitar vê-lo, e só descansou quando, já no hospital, pensou que ele havia ido embora. Os dias se passaram. Gina dormia a maior parte do tempo, alheia ao lugar onde se encontrava. A partir do terceiro dia, começou a recobrar rapidamente a consciência. Em determinado momento, abriu os olhos e deu com Joe, sentado próximo a sua cama, com os olhos fixos em seu rosto. Não agüentava aquele olhar sempre a observá-la, como se conseguisse ler seus pensamentos e tivesse pena do que via. Queria voltar as costas para ele mas seu corpo, pesado e dolorido, não a obedecia. Na vez seguinte em que o viu, ele estava de costas, olhando pela janela. — Por que não vai, embora? — choramingou, quase num sussurro. Ele se voltou para ela, mas não saberia dizer se havia respondido ou não. A verdade é que, apesar de seus pedidos para ser deixada sozinha, toda vez que acordava encontrava Joe sentado ao lado de sua cama, eu por perto. — Não tem nada melhor para fazer? — perguntou-lhe uma tarde. Como sempre, ele estava pensativo com os olhos fixos nela. Endireitou o corpo e esboçou um sorriso.

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— Sinceramente não. Gosto de observar seu rosto em repouso. — Automaticamente, ele estendeu a mão e fez-lhe uma pequena carícia na face. Gina virou a cabeça, fulminando-o com o olhar. — Bem, você pode gostar de observar as pessoas quando dormem, mas eu não gosto nada de ser observada. E também não gosto que me toquem o tempo todo. Ele fez um gesto desconsolado. — E eu a toco o tempo todo? Então desculpe. Você parece às vezes tão desprotegida e vulnerável que fico tentado a mimá-la um pouco. Sentindo-se momentaneamente desconcertada, Gina hesitou. Depois disse: — Posso lhe assegurar que não sou nem uma coisa nem outra, e gostaria que você parasse de me amolar. Por favor, vá embora e não apareça mais! — Por que é tão hostil? — Joe recolheu as mãos sobre os joelhos. — Gostaria de saber se tem alguma coisa contra mim em particular, ou contra os homens em geral. — É claro — disse Gina, dando uma risada nervosa —, estava mesmo esperando por essa pergunta. Isso acontece invariavelmente. Quando um homem é repudiado, a maneira de salvaguardar sua vaidade é acusar a mulher de ter alguma coisa contra os homens em geral. Bem típico! Por que não coloca na sua cabeça a verdade, ou seja, que simplesmente não gosto de você? — Por quê? — perguntou ele, esfregando o queixo com os dedos, as sobrancelhas grossas arqueando-se interrogativamente. Gina ficou olhando para aquele rosto sério. Joe tinha o nariz reto, mas agressivo como o de um pugilista. Seu queixo também era agressivo. A linha do pescoço, exposta sob a camisa, era forte como o resto de seu corpo. Seus cabelos eram lisos e bem aparados, quase pretos e muito lustrosos. Saúde, vitalidade e masculinidade exalavam de cada poro daquele homem, pelo qual sentia verdadeira repulsa. Estremeceu, não conseguindo esconder seus sentimentos ao dizer-lhe, sem se importar em magoá-lo: — Não gosto de nada em você. Você é muito descarado. Não gosto de homens precipitados, insistentes e… e que têm dentes demais. — acrescentou para enfatizar bem sua aversão. Esperou por uma resposta, sem se importar com o que poderia ouvir. Não imaginou, porém, que ele fosse jogar a cabeça para trás, numa gostosa gargalhada. Olhou-o espantada. Até que tinha uma risada atraente, contagiante. Mas de fato tinha dentes demais! — Acho que você e eu temos de chegar a um entendimento — ele disse, recobrando a sobriedade. Seus olhos, porém, ainda brilhavam muito. — Você tem alguns traços muito pouco felizes. Por exemplo, tem um péssimo senso de humor, uma expressão continuamente irritada e uma disposição que só me faz pensar que deve tomar vinagre todos os dias, ao amanhecer. Apesar de tudo, ainda gosto de você. Gina permaneceu calada, enfrentando o olhar dele por alguns minutos. De repente, sentiu a visão se turvar e escurecer. Virou a cabeça para o lado, tentando conter as lágrimas que insistiam em escorrer pelo seu rosto. — Pouco me importa a opinião que tenha de mim — disse em tom seguro. — Gostaria de dormir, se não se importar. E quando se for desta vez, por favor, não volte mais. Ele se levantou. — Muito bem… durma. Vou sair agora, mas voltarei. Acho que precisa de um amigo, apesar de não querer. Gina voltou a cabeça. — Tenho amigos! — exclamou, esquentada. — Dois, de acordo com o pessoal do hospital com quem falei. Teve apenas mais dois visitantes, segundo o que me disseram, e era um casal. Aquilo também era demais. Gina estava possessa de raiva. — Como se atreve a espionar minha vida? É bom que saiba que quando quiser mais amigos eu mesma irei procura-los. No momento, estou muito contente com os que tenho e você não se inclui entre eles!

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— Se estivesse “muito contente”, minha querida, já estaria em pé e fora deste hospital há dias. O carro que a atropelou estava apenas manobrando na rua, não era nenhum concorrente ao Grande Prêmio. Seus ferimentos foram mínimos mas, por causa de suas condições mentais e emocionais, levou todo esse tempo, cinco dias, para sair do estado de choque. — Ele fez uma pausa brusca. — Talvez não devesse ter lhe dito isso, mas acho que precisava tomar consciência dos fatos para questionar o tipo de vida que vem levando. Nenhum homem é uma ilha, sabia? Depois de acariciar com mão firme a cabeça de Gina, ele se foi, deixando-a sozinha para remoer aquelas palavras. Cumprindo sua palavra. Joe foi visitá-la nas duas noites seguintes. Gina tolerou a companhia dele. Respondia laconicamente às suas perguntas e ouvia apática o que lhe contava. No oitavo dia Gina teve alta. Ainda estava um pouco fraca e dolorida, mas isso não a incomodava. O que realmente a preocupava era a idéia de voltar para sua linda, mas solitária, casa, e para a vida sem amigos nem perspectivas que Joe havia descrito. Na verdade, lhe apavorava a rotina que cuidadosamente construíra para si, e com a qual estava muito satisfeita até aquele homem aparecer em cena. Por que permitira isso? Mas não permitira, justificava-se imediatamente. Acontecera independentemente de sua vontade. Não era possível impedir uma personalidade dominadora como a de Joe de agir segundo sua própria vontade. Gina temia não mais poder reconstruir a vida que sonhara para si próprias pois já não sabia se era aquilo o que queria. À medida que arrumava suas roupas, sentia um suor frio banhar-lhe o corpo. Estava com o coração e a mente cheios de incertezas, por isso resolveu, em vez de ficar mais alguns dias de repouso, voltar imediatamente ao trabalho. Teria menos tempo para pensar na fragilidade de seu mundo. O sábado seguinte era dois de fevereiro. O dia amanhecera claro e brilhante e, com o passar da manhã, o calor aumentara, fazendo com que as flores murchassem, a terra secasse e os galhos das árvores pendessem ressequidos. Outras zonas do país também estavam sofrendo condições climáticas semelhantes, com ameaças de seca e queimadas espontâneas em várias áreas. Gina começou o dia limpando os azulejos da cozinha. No meio da manhã estava banhada em suor, e uma dorzinha enjoada do lado onde havia levado a batida começou a incomodála. Resolveu desistir do serviço e tomar um banho frio. Mal havia saído do chuveiro, quando ouviu uma série de pancadinhas na porta dos fundos. “Quem poderia ser?” Endireitou a toalha que enrolara na cabeça para não molhar os cabelos e parou à porta do banheiro, para ouvir melhor. Desta vez, seguindo-se às pancadinhas, ouviu o barulho da porta se abrindo. Sentiu o coração gelar e imediatamente prendeu melhor a toalha em volta do corpo. — Alguém em casa? Era Joe! Do medo Gina passou à incredulidade. Que atrevimento! — Gina! Voou para seu quarto. Se tivera a ousadia de entrar na cozinha sem ser convidado, não seria de espantar se resolvesse percorrer a casa toda à sua procura. Contendo sua indignação, vestiu rapidamente as roupas que havia deixado sobre a cama, gritando: — Um momento, estou saindo do banho! A única coisa que esperava era que Joe não julgasse normal subir para conversar enquanto ela se vestia. Finalmente desceu para a cozinha, passando os dedos pelos cabelos que não tivera a oportunidade de pentear. — Bom dia — ele cumprimentou-a, levantando-se da cadeira onde havia se sentado. Apesar das liberdades que tomava, não havia o que criticar em suas maneiras, mesmo que o achasse grosseiro e deselegante. Livros Florzinha

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Os olhos de Joe percorreram imediatamente suas pernas expostas pelo short, cor de areia, subindo para a camiseta verde que não só modelava o contorno bem-feito de seu busto como também, por ser muito cavada, deixava perceber que ela não havia se enxugado direito. A expressão dele não podia ser mais divertida e surpreendida. Gina sentiu que corava violentamente e ficou louca da vida por ter tido a ingenuidade de se vestir daquele jeito, sem se preocupar, diante das circunstâncias, em pegar uma outra roupa. Parou atrás de uma cadeira, como que para se proteger, e olhou-o com firmeza. — Normalmente acorda tão tarde? — perguntou-lhe Joe, consultando o relógio. — Levantei às sete horas se quer saber. E você, normalmente invade a casa alheia sem ser convidado? — Não, normalmente não. — Ele levantou uma sobrancelha, forçando um ar grave. — Mas sabia que, se dependesse de seu convite, passaria o resto de minha vida plantado à porta. Você tem uma bonita casa — concluiu, olhando ao redor. — Estou tão contente que tenha aprovado! — Gina replicou em tom irônico, ouvindo naquele instante o apito da cafeteira elétrica sobre a pia. Voltou-se intrigada. — Estranho, não liguei isso! — Não ligou mesmo. Fui eu que liguei. Achei que gostaria de tomar uma xícara de café antes de irmos ao jogo de beisebol. Gina ficou de queixo caído. — Escute, que direito tem você, um verdadeiro estranho, de ir entrando em minha casa e se portando como se fosse o dono? Joe esboçou uma careta. — Um verdadeiro estranho? Quanto tempo as pessoas precisam se conhecer neste país para se considerarem amigas? — Nunca ouviu dizer que a amizade tem de ser recíproca? Sabe muito bem que não é o nosso caso. Quantas vezes vou ter de lhe dizer que não quero amizade com você? — Sou do tipo persistente e não aceito nãos como resposta. Que tal tomarmos o café? Gina atravessou a cozinha e desligou a tomada do interruptor. Cruzou os braços e encostou-se à pia. — Não bebo café e não gosto de beisebol, não gosto de amizades. De fato, creio que não há muito o que me agrade no modo de vida americano. Por isso, sugiro que dê meia-volta e vá para o lugar de onde veio. Ou melhor, que pare de perder tempo comigo e vá procurar sua amiga morena, muito mais atraente. Tenho certeza de que vai apreciar suas atenções melhor do que eu. Havia qualquer coisa no sorriso de Joe, ou no brilho de seus olhos, que fez Gina se sentir pouco à vontade. Apesar de não ter saído do lugar, teve um ímpeto de dar dois passos para trás. Não o fez, porém, sustentando, com grande esforço, aquele olhar. — Em primeiro lugar, você está certa. Jennie é uma mulher muito atraente, feminina e carinhosa. Acontece, porém, que prefiro as loiras insociáveis, de olhos verdes glaciais. Em segundo lugar, creio que não exista um tipo de vida, americano ou qualquer outro, do qual você goste ou, pelo menos, saiba apreciar. Por último, pretendo lhe dar algumas lições. Agora, vá colocar uma roupa que não distraia a atenção dos rapazes no campo e vamos começar a primeira aula. Gina não se mexeu do lugar. Um sorriso brincou nos lábios de Joe. — Tem certeza de que está preparada para um combate drástico? — perguntou, levantando a sobrancelha, com ar de desafio. Gina endireitou o corpo, procurando entender aquela insinuação. Será que ele seria capaz de ir mais longe? Rangendo os dentes, dirigiu-se para a porta, trancando-a acintosamente. — Daqui por diante, minhas portas estarão bem fechadas! — Eu saberei dar um jeito — ele respondeu, rindo gostosamente. Não adiantou tentar conter aquele riso com um olhar gelado. O jeito era fazer o que aquele monstro queria. Como iria conseguir mandá-lo embora? Trocou o short por uma saia verde-oliva e vestiu uma camiseta de decote canoa, listrada de verde-oliva e branco. Calçou umas sandálias altas de couro cru e pegou sua bolsa, óculos Livros Florzinha

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escuros e um chapéu de palha. Estava pronta, mas ainda sem a menor idéia de como faria mais tarde para livrar-se de Joe de uma vez por todas. Sentou-se ao lado dele, no carro que ele havia alugado, mantendo-se em total silêncio durante todo o trajeto. Queria ver quanto tempo ele agüentaria aquela atitude. Ao chegarem ao Colquhoun Park, ele saiu trancando a porta do seu lado e deu a volta para ajudá-la a descer, pegando-a pela mão antes que ela se desse conta. No mesmo instante, Gina tentou soltar a mão mas, como que prevendo aquela reação, Joe manteve-a firme entre seus dedos. — Por favor, solte minha mão! Só porque me obrigou a acompanhá-lo até aqui, não vá pensando que pode conseguir tudo o que quiser. — Lição número um — ele replicou atravessando o enorme gramado sem soltá-la, quase a arrastando atrás de si. — E se procurar relaxar vai ver que vai gostar. Chegaram até a quadra onde estavam espalhados mais de trinta homens, todos de uniformes brancos com números nas sobre-peças coloridas. O barulho da torcida e dos próprios jogadores era bem alto, Gina sentia-se aturdida e não parava de remoer sua raiva, quando ouviu gritarem: — Ei, Joe, aqui! — Verdadeiros Cosme e Damião, não? — Sua disposição tornara-se pior ainda ao ver Lou. — Não por muito tempo — Joe replicou. — Lou também não gosta de você. — Estou de coração partido. — Gina deu um suspiro irritado. Joe prensara a mão dela entre a sua própria e o lado de sua coxa. — Ah, é você…. — foi a exclamação voluntária ou involuntária que Lou soltou ao vê-la, uma vez que seu rosto estava meio escondido sob o chapéu. Ela, por seu lado, contemplou-o com um sorriso gelado. — Posso lhe garantir que o desapontamento é recíproco. Mas deixe para lá, quem sabe vamos acabar convencendo Joe de que está insistindo em vão com a pessoa errada. Lou ignorou-a e voltou sua atenção para Joe. — Pam e eu estamos sentados lá na grama. — Fez um gesto com a mão, indicando o lugar. — Junte-se a nós, se quiser. — E afastou-se, sem esperar pela resposta. — Fico contente em saber que mais alguém não aprova nosso relacionamento, mesmo que por razões diferentes. — O que significa que você terá a exclusividade da minha companhia, e eu a terei inteirinha para mim. — Devo ter nascido com muita sorte mesmo — ela murmurou. — Será que pode soltar minha mão agora? Não há nada pior do que o contato prolongado com uma pele quente e suada. Joe se voltou lentamente para ela. A maneira como a olhou fez com que sentisse uma onda de calor invadir cada milímetro de seu rosto, pescoço e descer pelo corpo todo. Apesar de conseguir evitar aquele olhar penetrante virando o rosto, não pôde evitar de ouvir a pergunta que ele lhe fez num tom grave e sério: — Pelo contrário, esse contato pode ser até muito agradável. Nunca sentiu isso com ele? Voltou a cabeça imediatamente, quase perguntando, se a bola de couro não viesse cair próxima a eles. — Quem? — ela conseguiu dizer. — Ei, amigo — gritou um jogador —, joga para cá? Assim que Joe se abaixou para pegar a bola, Gina levantou com as pernas trêmulas e foi procurar um lugar na grama, um pouco afastado da multidão de espectadores. Sentou-se e procurou na bolsa os óculos escuros, deixando-se ficar olhando às cegas para o jogo. Sua visão estava turva e a garganta seca. Sentiu que Joe se aproximava. Mesmo sem olhar para ele, sabia que a observava, estirado na grama ao seu lado, com o corpo apoiado no cotovelo e a cabeça nas mãos. — Você cheira gostoso — ele lhe disse de repente. Ela não moveu um músculo. Simplesmente endireitou os óculos sobre o nariz. — A maioria das pessoas cheira gostoso quando acaba de sair do banho — disse num tom casual, cobrindo a boca com a mão para fingir esconder um bocejo deliberado. Livros Florzinha

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— Cansada? — Não. Enfastiada. — Hum… Acho que o beisebol, como qualquer outro jogo, se torna maçante se a pessoa não entende. Vou explicando as regras para você, enquanto eles jogam. Gina levantou os olhos por um momento, como quem suplica aos céus força e paciência. Só com ela mesmo podia acontecer uma coisa dessas! Subitamente, entretanto, toda sua irritação foi substituída por uma vontade que não sentia há anos: a de morrer de rir. Se o fizesse, abertamente, porém, estaria completamente desmoralizada. Joe concluiria que havia ganho a parada e nunca mais se livraria dele. Abaixou a cabeça sobre os joelhos e, apesar de seus esforços, não conseguiu evitar se sacudir inteira de tanto rir. — Gina? — A enorme mão dele pousou sobre seu ombro e curiosamente, pela primeira vez, não sentiu urgência em tirá-la de lá. Levantou a cabeça, tentando abafar o riso, e teve que tirar os óculos para limpar as lágrimas que lhe saíam abundantemente dos olhos. — Muito bem — capitulou — fale-me sobre o jogo. Os jogadores são todos americanos? — Não… não, nem todos. Só um ou dois, que jogam no time do Exército. O outro é um time local. — Com toda paciência, começou a explicar-lhe o que estava acontecendo no campo. Depois de algumas jogadas, no entanto, Gina chegou à conclusão de que definitivamente o beisebol não a interessava a mínima! — Ainda estou enfastiada! — comentou, bocejando novamente. Deitou-se no gramado e cobriu o rosto com o chapéu. — Tenho uma idéia, então! — Antes que pudesse tirar o chapéu do rosto, Joe havia segurado sua mão, e sem maiores preâmbulos puxava-a para cima. A surpresa de Gina foi tamanha que não teve sequer chance de protestar, atrapalhada em recolher suas coisas rapidamente. Precisou correr para acompanhar o passo dele, pois tinha a impressão de que se não o fizesse seu braço seria arrancado. — Para que tanta pressa afinal? — perguntou, ao chegarem ao carro. — Vamos voltar para sua casa e você me mostra tudo por lá. Gosto dela. Depois, enquanto prepara o almoço para nós, pode me contar tudo a seu respeito. Gina olhou-o, cada vez mais espantada. Depois, recuperando-se, livrou seu braço da mão de Joe, que o mantinha preso com delicadeza agora. Tinha até a impressão de que ele acariciava seu pulso. — Sabe que nunca vi um rosto tão grande quanto o seu?! — exclamou. Joe sorriu. — E, se eu não tivesse vindo para a Nova Zelândia, jamais teria a oportunidade de ver. Com um suspiro, Gina entrou no carro e colocou o cinto de segurança. — Quer dizer que está de acordo? — perguntou, antes de dar a partida. — Com o almoço? Dando um sorriso, Joe ligou o motor. — Acho que está bom para começar. Gina não disse mais nada. Recostou-se no banco e ficou quieta enquanto ele dirigia. Estava se sentindo muito estranha. Tinha a toda hora vontade de rir sem motivo. A ansiedade que vinha nutrindo por aquele homem de repente parecia ter se acabado, deixando em seu lugar uma sensação de paz que há muito não conhecia. As gargalhadas que dera no gramado pareciam ter lhe lavado a alma. Foi uma Gina muito submissa que mostrou a Joe todos os recantos da casa, contente por assumir a posição de uma anfitriã perfeita. — Linda casa. É sua mesmo? — Joe perguntou na cozinha, enquanto ela preparava a salada. — Minha e do banco, por enquanto. — Há quanto tempo mora aqui? — Uns três anos. Joe foi recostar-se na borda da pia, onde ela estava trabalhando. — Você não era muito jovem para conseguir um empréstimo bancário? — Meus pais me ajudaram, depositando a metade do dinheiro. Sempre tive muita sorte.

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— Estou vendo, mas, diga-me, é comum aqui jovens em idade casadoira comprarem casa própria? Gina encolheu os ombros, colocando um pouco de pimenta no tempero que preparava para a salada. — Acho que não. Via de regra, as mulheres com intenção de casar se instalam em pequenos apartamentos. — Por que não fez isso? Ela o olhou rapidamente, antes de espalhar o tempero pela salada. — Porque não tenho desejo algum de me casar. Gosto demais do meu trabalho. — E não poderia conciliar as duas coisas? — Não. Não gostaria de ter que abrir mão de uma parte do tempo em que estou trabalhando para me dedicar a marido e filhos. O almoço está pronto.— fez um gesto em direção à sala de jantar —, vamos a ele! — Em que trabalha? — Joe perguntou assim que se sentou, enquanto fazia seu prato. — Dirijo o departamento de arte da loja onde nos encontramos pela primeira vez. — Não diga! Então é artista? — Sou. — Faz decoração de vitrines? — Entre outras coisas. — Foi você quem decorou esta casa? — Sim, a maior parte dela. — Admiro seu bom gosto. — Obrigada. — Vejo que há muito trabalho artesanal. É todo seu? — Todo. De vez em quando me bate a inspiração e faço essas coisas. — Quem diria. Você é um poço de talento, menina! — Como sempre, ele era efusivo e sincero. Seus olhos exprimiam surpresa e admiração. Não estando habituada a tanto entusiasmo e a receber elogios, Gina ficou sem saber o que dizer. Intimamente, porém, exultava, e chegou a olhá-lo com olhos brilhantes. Dando-se conta de sua reação, abaixou os olhos para o prato e se concentrou na refeição. — É, vejo que seu tempo disponível é gasto de maneira valiosa. O que mais você faz que ainda não me contou? Gina contou-lhe então, com a maior simplicidade, seu trabalho extra desenhando roupas e tingindo tecidos. — Um dia gostaria de fazer um pequeno galpão no fundo do jardim, para instalar o equipamento necessário e me dedicar exclusivamente ao desenho de moda e padrões para tecidos. Naturalmente, é um sonho e não dos mais viáveis. Qualquer hobby deixa de ser hobby quando se depende dele para ganhar a vida. Ainda assim, continuo sonhando em ter uma chance nesse sentido! Bastava uma palavra de encorajamento para que continuasse falando e contando sobre suas coisas e sua arte. O tempo voava e Gina nem se dava conta dos olhos azuis que observavam seus mínimos movimentos, desde seu modo de andar ao ir pegar o café até as mais variadas expressões de rosto, normalmente tão circunspecto. A pedido de Joe, ela o levou até o fundo do jardim, onde já existia um pequeno galpão que pretendia ampliar ou talvez derrubar para construir outro. Depois, foi lhe mostrar a horta, com verduras e legumes de várias espécies, muito viçosos. Joe olhava tudo com sincero interesse. — Incrível — não se cansava de dizer, na medida em que percorria os diversos canteiros de beterraba, tomate e alface, abaixando-se para examiná-los de perto. Ao levantar-se, numa dessas vezes, não percebeu que ela estava logo atrás dele e deram um encontrão. Gina imediatamente recuou. — É melhor entrarmos. — Falou num tom glacial, estranho até aos seus próprios ouvidos. Virava-se em direção à casa quando ele fez, calmamente, uma pergunta que a deixou paralisada. Livros Florzinha

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— Quem é ele? — Ele quem? — A pergunta escapou de seus lábios antes que pudesse evitar. — O homem que a fez tornar-se uma reclusa, alienada e introvertida, apresentando para o mundo uma fachada que não é real, que não tem nada a ver com seu verdadeiro eu. Gina tentou disfarçar sua confusão, jogando a cabeça para trás e rindo. — Que imaginação pródiga! Não há homem algum, nunca houve nem haverá. Não tenho tempo. Você já conheceu meu verdadeiro eu há quatro semanas. Sinto muito desapontá-lo, mas nunca fui diferente. — Não estou nem um pouco desapontado — Joe assegurou-lhe, olhando-a de maneira penetrante. — Tive uma visão de seu verdadeiro eu esta tarde. Não vou permitir que se feche para mim novamente. Gina endireitou o corpo. Seus olhos estavam frios e duros. — Você se superestima. Não vá pensando que me conhece assim. Não sabe nada de mim… nem vai saber, pois não pretendo lhe dar essa oportunidade! — Com passadas largas, caminhou até a casa e entrou. — Está querendo dizer que não vai querer me ver mais? — Joe perguntou, entrando atrás dela. — Por que não? — É o tipo da pergunta irrelevante, mas, se quer saber, não temos nada em comum. — Como não? Nos demos tão bem esta tarde! — Me dou bem com quem quer que queira conversar sobre meu trabalho. — E eu adoro a mulher que fica tão animada quando discute seu trabalho. Vamos chamá-la de volta. — Não seja ridículo! — Tenho certeza de que se ela fosse beijada como merece não hesitaria em voltar. — Ele achou graça de ver a cor fugir-lhe do rosto. Gina deu vários passos para trás. — Não… não se atreva a tocar em mim! — Não. Fique sossegada. Uma vitória desse jeito não me satisfaria. — Depois de um pequeno e tenso silêncio, ele deu um suspiro, quase um lamento. — Acho que está na hora de eu ir. Obrigado pelo delicioso almoço e pela tarde encantadora. Estou na Nova Zelândia por apenas mais seis semanas, por isso não se preocupe, não vai ter de me aturar por muito tempo. — Não quero vê-lo novamente, Joe. Será que entende? — Tomei nota de seu telefone — disse, batendo a mão no bolso. — Vou telefonar da próxima vez, antes de vir. — Com um ligeiro sorriso e apenas um aceno de mão, ele atravessou a porta e desapareceu jardim afora. Fora-se. Gina desmoronou na primeira cadeira que encontrou na cozinha, Que homem! Era incorrigível, um arrogante. Entretanto, o alívio de sua partida e toda indignação que havia suscitado desapareceram quase que imediatamente, quando sentiu o vazio que sua partida deixara. Enquanto estava lá, a casa parecia ter ganhado vida, energia calor. O silêncio tornou-se insuportável e Gina sentiu-se estranhamente oprimidas quase desejando sair dali também. Lutou, porém, contra essa sensação. Ligou o rádio bem alto e foi lavar a louça do almoço para se ocupar, fazendo o maior barulho possível. CAPÍTULO IV Passaram-se três dias e três noites sem que o telefone desse qualquer sinal de vida. Apesar de sentir-se exausta à noite, Gina não conseguia dormir e se recusava a admitir a causa de sua insônia. Desde que conhecera aquele homem execrável perdera o sono, mas preferia acreditar que fosse mera coincidência. Eram quase nove horas quando o telefone tocou, na quarta noite. Estava lendo no sofá e seu coração disparou ao som da campainha estridente. Levantou-se e foi atender, vencendo a tentação de não fazê-lo, tal era o pânico que lhe causava a certeza de ouvir a voz de Joe de novo. Livros Florzinha

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Mas, ao ouvir a voz do outro lado do fio, a tensão se dissipou e ela sentou-se na poltrona próxima ao telefone: — Mamãe, que bom ouvir sua voz! Como vai! — Nunca me senti melhor. E você? Achei suas últimas cartas meio desanimadas. — Tudo bem. Na verdade, sofri um pequeno acidente e andei com o moral meio baixo, mas já está tudo em ordem. — Acidente? Que acidente? No trabalho? — Não. — Gina hesitou por um momento. — Fui atropelada por um carro. — Gina! — A voz da mãe estava assustada — Por que não me chamou? — Não foi nada sério, mãe. Não havia razão para preocupá-los — Dada a insistência materna, Gina acabou por lhe contar os detalhes do que acontecera, omitindo, porém, a observação do médico de que a recuperação havia sido lenta por causa de seu estado emocional. — Está tudo bem agora, por isso não se preocupe. Logo estarei aí com vocês. O aniversário de papai é daqui a duas semanas, não é? — É sim, querida, por isso estou telefonando. Para lembrá-la. Gina riu. — Não preciso de lembretes, mamãe. Não vejo a hora de estar com vocês. Aliás, quero ver se começo a fazer isso com mais freqüência. — Que bom! Sabe, Gina, estamos planejando uma festa e eu gostaria que trouxesse algum amigo com você. Tem saído com alguém? — Você não perde as esperanças, hein? — comentou Gina, rindo. — A resposta, porém, ainda é a mesma. Não tenho ninguém. Não dá tempo para essas coisas. Vai muita gente? — Umas setenta pessoas. Wiremu e os irmãos estão organizando um hangi, por isso não vamos ter problemas com o cozimento da carne e das batatas. O resto é fácil. — Gostaria que eu chegasse um ou dois dias antes para lhe dar uma mãozinha? — Não… acho que não é necessário. Na verdade, parece que vou ter ajuda de quem não esperava. — A mãe fez uma pausa e Gina perguntou, curiosa: — De quem? — Bem, recebi um telefonema de Sidnei ontem à noite. Bastaram aquelas poucas palavras para que seu sangue quase gelasse nas veias. Ficou de pé no mesmo minuto. — Da Colette? — Sim. Ela disse que gostaria de voltar a viver na Nova Zelândia, mas só pode decidir estando aqui. Acha que chegará a tempo para o aniversário de Howard. Com tato e diplomacias sua mãe havia evitado tocar no assunto que sempre seria o pomo da discórdia entre sua irmã e ela, sabendo o quão profundamente a afetava. Deixava a Gina a iniciativa de tocar no assunto, se quisesse. Naturalmente, sabia que não desligaria sem formular a pergunta crucial: — E o Norrie? A mãe deu um suspiro. — Ele também vem, querida. Sinto muito. — Tudo bem, mãe — Gina tentou falar com naturalidade. Não havia nada que pudesse fazer. Coisas como aquela simplesmente aconteciam. — Você vem mesmo assim, não vem? — Claro — concordou, não se permitindo hesitar. — Que bom… agora estou mais tranqüila. Tente trazer um amigo, Gina. — Vou fazer o possível. Depois de desligar o telefone, Gina caminhou devagar até a cozinha para tomar um copo de leite quente. Precisava de toda e qualquer ajuda para tentar dormir aquela noite. Olhou, porém, para o leite no copo e sentiu que ficaria nauseada se o tomasse. Sentou-se e apoiou a cabeça no braço. Colette e Norrie. Então ainda estavam juntos. Juntos sem terem se casado depois de tanto tempo! Caso tivessem casado, sua mãe certamente lhe teria dito. Como conseguiria enfrentá-los? Livros Florzinha

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Como num filme, vieram-lhe à mente todos os acontecimentos daquele dia, há cinco anos. Mais dez ou cem poderiam se passar, que jamais se esqueceria. O dia de seu casamento, quando sua irmã fugira com seu noivo. Para a pequena comunidade de Kaimoana, era o casamento do ano. Norrie Freeman era filho de um dos mais prósperos fazendeiros da região e ia se casar com ela, uma jovem muito popular, filha também de um fazendeiro, se bem que não tão rico. Era um acontecimento para marcar época. E acabou mesmo marcando, embora por uma razão bem diferente. O cortejo nupcial já se dirigia para a igreja mais antiga e tradicional da cidade. Ela estava radiante, num original vestido de noiva de sua própria criação. Eis que o carro que a levava à igreja foi interceptado por um primo de Norrie, a quem havia sido delegada a desagradável missão de avisar à noiva e seus acompanhantes de que o noivo havia fugido para a Austrália, e com a irmã de Gina. Foi quase impossível suportar aquela traição. Sabia que sua irmã estava um pouco interessada em Norrie. Ela mesma nunca tinha feito questão de esconder isso. Flertava abertamente com ele sempre que podia. O ciúme que sentia da irmã mais velha acabara criando um abismo entre elas. Recusara-se a ser a principal dama de honra e tornara-se desde então mais petulante e difícil do que nunca. Gina não se deixara perturbar pelo fato, por considerar a irmã uma criança. Achava que atravessava uma crise da adolescência. Tê-la subestimado foi seu maior erro. Colette estava com dezoito anos e talvez nunca tivesse sido criança. Norrie ficara enfeitiçado por aquele rosto de menina num corpo bem-feito de mulher, e não se importara em relegar para segundo plano os sentimentos que nutria por Gina, pouco ligando também para sua reputação, o bom nome da família e seu futuro. Não levara em conta sequer a imensa propriedade que um dia herdaria, com seus dois irmãos. Aos vinte e dois anos, Gina fora forçada a descobrir que certas mulheres possuíam um carisma, quase que um magnetismo animal, que as tornava capazes de manipularem os homens a seu bel-prazer. Colette possuía esse dom. Ela não. Não podia perdoar a irmã pelo que tinha provocados pelos anos de frustração e sofrimento que a fizera passar. Sempre soubera, porém, que mais dia menos dia teria de reencontrar os dois, e agora chegara o momento. Não seria capaz de enfrentar esse encontro sozinha, precisaria de apoio. Mas de quem? O nome de Joe veio-lhe imediatamente à cabeça, mas rejeitou-o no mesmo instante. Não queria arranjar mais um problema. O tempo passava no entanto. À medida que a data se aproximava, como não tivesse feito novos amigos, Gina admitiu que não teria outra alternativa senão convidá-lo, e principiou a lamentar não ter aceito sair com ele, uns dias antes. Por sorte, o homem era persistente e, quando telefonou novamente, Gina até gostou dessa faceta da personalidade dele. Aceitou prontamente seu convite para jantar. Quando mais tarde, procurando aparentar a maior naturalidade, disse que gostaria que fosse com ela a Tiraumea, para o aniversário de seu pai, Joe fez apenas uma breve e significativa pergunta: — Por quê? — Ora, porque achei que gostaria de ir a um hangi. A comida é preparada de maneira muito típica e interessante. — Deve haver outra razão… Essa é muito fraca. Hangis não são novidade para quem vive no Havaí. Gima teve que concordar, lamentando ter esquecido esse detalhe. — Bem, cultura polinésia realmente não varia muito de ilha para ilha, mas imaginei que você gostaria de conhecer um pouco do resto do país — Também essa não me convence. — Muito bem, então esqueçamos a idéia — replicou Gina, sentindo-se frustrada. Procurou disfarçar seu aborrecimento, colocando um pouco mais de molho num camarão frito. — Nada disso. Quero ir com você. Estou certo de que vou descobrir depois, por mim mesmo, a razão desse seu súbito ataque de hospitalidade. Livros Florzinha

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Gina percebeu que nunca se sentiria segura ao lado daquele homem tão intuitivo e anticonvencional. Tomada de desespero, fulminou-o com o olhar. — Acha que é muito esperto, não é? Não tenho dúvidas de que vai especular com todo mundo para procurar saber o que quer. — Pousou com força os talheres no prato, e levantou-se. — Vou voltar para casa agora. Não precisa interromper sua refeição. — Virando as costas, caminhou até a porta e saiu do restaurante. Começou a andar às cegas pela rua, até sentir a mão de Joe em seu cotovelo. Estava indo na direção errada. Ele a fez entrar no carro e, em silêncio, percorreram o trajeto até sua casa. Ele a acompanhou até a porta. Uma colocou a chave na fechadura e se voltou para ele. — Desculpe a péssima noite. E, por favor, esqueça o fim de semana. Vou sozinha. Joe a pegou pelos ombros, fazendo-a gelar. — Sabe, Gima, nenhum homem gosta de sentir que está sendo usado, mesmo um grosseirão como eu… Então precisa contestar. Sei muito bem a maneira como me vê. Se está precisando de apoio para este fim de semana, por que não é sincera e me diz claramente? — Não quero absolutamente nada de você! — Sei muito bem que não quer nada de mim, mas está na cara que precisa de ajuda de alguém e sou a única pessoa à mão. Pois ficarei muito satisfeito de ajudá-la, Gima. Só lhe peço que seja honesta e não tente me usar. Ela estava furiosa. Quase engasgou de tanta raiva. — Você… você… isso mesmo, você é um grosseirão, um idiota e muitas outras coisas piores. Não suporto nem olhar para você, detesto sua companhia. Como se atreve a pensar que poderia precisar de sua ajuda? Deus me livre. Não quero nenhuma ajuda sua. Nunca. Em nada. Será que entende? Gina podia contar com todas as reações de Joe, menos com aquele seu riso sonoro, contagiante. Esquecera subitamente toda sua indignação ao sentir a mão dele em sua nuca, sob seus cabelos. Instintivamente, enrijeceu o corpo. — Posso assegurar-lhe, querida, que sou homem suficiente para satisfazer todas as suas necessidades. — Dizendo isso, voltou as costas e caminhou em direção ao carro. Gina sentiu-se ao mesmo tempo desgostosa e ultrajada. Sem conseguir conter a raiva, gritou: — Você é grosseiro, vulgar e desprezível! Se se atrever a voltar aqui, vou chamar a polícia, entendeu bem? — E entrou, batendo a porta. Imediatamente ouviu o barulho do motor sendo ligado e viu o carro partindo. Deixou-se ficar à janela, com as unhas cravadas nas palmas das mãos, até que ele desapareceu, virando a esquina Na sexta-feira à tarde, chegou mais cedo para arrumar a mala. Adiara esse momento durante toda a semana. Sua ida a Tiraumea seria uma verdadeira provação, especialmente depois da briga que tivera com Joe. Terminou de arrumar as coisas e deixou tudo na sala, perto da porta. Depois foi tomar banho e vestiu uma roupa bem leve e confortável para viajar. Antes de sair, preparou um lanche rápido e tomou um copo de leite. Estava pronta. Qual não foi sua surpresa ao fechar o portão e ver Joe encostado ao carro, com o ar mais displicente desse mundo. Assim que a viu, veio em sua direção, sorrindo como sempre, enquanto pegava sua mala. — O que está fazendo aqui? — Esperando por você. Vamos ter de viajar em seu carro — acrescentou, com a maior naturalidade. — Lou não aprovou muito a idéia de ficar três dias seguidos sem o nosso. — Pensei que tivesse deixado bem claro que não queria vê-lo nunca mais! — Ora, por favor, não vamos começar tudo de novo. É claro que você precisa, pelo menos durante este fim de semana, parecer ter um apaixonado, um amante, ou qualquer coisa assim. E eu vou gostar muito de conhecer uma fazenda daqui, pois também nasci em uma, nos Estados Unidos. Ao ouvir aquela conversa de “apaixonado” e “amante”, a primeira reação de Gina foi abrir a boca para contestar. Pensando melhor, entretanto, achou que poderia ignorá-lo. Com toda certeza ninguém que a conhecesse bem acreditaria nem por um minuto que um tipo como Livros Florzinha

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ele pudesse ser seu amante. Abriu o porta-malas e olhou com desdém para a camisa de estampa havaiana que ele usava. — Quer que eu guie? — perguntou ele, colocando sua mochila ao lado da mala dela. — Ouça, Joe, vou levá-lo de volta ao acampamento. Ele não se mexeu, mas Gina sentiu-se ameaçada pela simples presença daquele homem a seu lado e pela maneira com que a olhava. Afastou-se dele, dirigindo-se para a porta do carro. — Vou com você, Gina, não me importa que aceite o fato aqui ou no acampamento. Isso é com você. E entrou tranqüilamente no carro. — Você não consegue me ver no papel de seu amante, não é? — perguntou, assim que a cidade ficou para trás. Até ali não havia tirado os olhos dela. Gina guiava em silêncio e muito perturbada por aquele olhar insistente. Diante dessa observação, suas mãos tiveram um ligeiro tremor, e, para disfarçar, ela riu, perguntando: — Por que você pode me ver como sua? — Bem… com um pequeno esforço de imaginação… A resposta não agradou Gina. — Não importa. De qualquer jeito não poderíamos enganar a quem quer que fosse. Quem me conhece sabe muito bem que um tipo como você seria para mim o proverbial “último homem na Terra”. — Pois acho que posso provar a eles, e a você que estão muito enganados. Gina ficou louca da vida ao ver de relance um brilho de satisfação nos olhos azuis de Joe. Antes que pudesse refletir melhor, a pergunta que não deveria fazer escapou-lhe dos lábios: — Como provaria isso? Por um ou dois minutos, ela teve a sensação de que ele não responderia entretido que estava ajeitando o encosto de seu banco. Depois, disse tranqüi1am1t —Poderei seduzi-la. — Quer dizer, poderia tentar — retrucou Gina, sentindo uma enorme vontade de esmurrá-lo. — Talvez fosse até bom. Eu adoraria ter a oportunidade de acabar com a sua pretensão! Fora uma risada abafada, não teve resposta alguma da parte de Joe, o que a irritou mais ainda. Dirigiu por duas horas em total silêncio. A paisagem tornava-se cada vez mais seca, à medida que se aproximava da província de Hawkes Bay. Faltavam ainda uns quarenta de viagem e ela começou a sentir-se cansada. Procurou mudar um pouco de posição, para ficar mais confortável. Deu uma olhada para o homem esparramado ao seu lado e topou com um par de olhos azuis, muito abertos, que ainda a olhavam fixamente. Ficou instantaneamente tensa. — Há quanto tempo está me observando feito um bobo, hein? Pensei que já tinha lhe dito que não gosto que fiquem me olhando. Um sorriso maroto brotou dos lábios dele. — Você tem uma boquinha deliciosa. Gosto de olhar para ela, especialmente quando está descontraída. — Nem todos a acham tão sexy — retrucou ela, sentindo prazer em jogar-lhe na cara a expressão uma vez usada por ele. Em vez de surpreendê-lo como esperava, Joe riu. — Então ouviu a minha conversa com o velho Lou, hein? Escute, pare o carro e troque de lugar comigo. Você parece exausta. Sem discutir, Gina fez o que ele dizia. Era bom esticar as pernas por um minuto, nem que fosse apenas para dar a volta no carro. — Espero que não tenha levado as palavras de Lou a sério — comentou, pondo o carro em movimento. — Ele não é do tipo que topa desafios. Gosta de mulheres simples e fáceis de lidar. — Vire a esquerda aqui, estrada Kakahi — ela interrompeu-o deliberadamente. Ele não disse mais nada durante o resto do percurso.

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Tiraumea era uma enorme casa térrea, em puro estilo colonial, circundada por uma aprazível varanda. Os quartos vazios das filhas que haviam partido estavam sempre ocupados por visitas, parentes ou amigos. Ao fazerem a última curva, sob as árvores que ladeavam o caminho até a casa, o latido familiar dos cachorros anunciou sua chegada. — É uma linda casa — disse Joe, desligando o motor. Gina permaneceu muito calada, sentindo uma enorme vontade de chorar, como sempre acontecia quando chegava lá. Ela lhe lembrava seu destino ingrato. Podia muito bem ainda estar morando naquela região, entre as montanhas e perto da praia, sob aquele céu maravilhoso. No entanto, ali estava ela fazendo mais uma visita esporádica, na companhia daquele “atentado social”, pensou, batendo mais uma vez os olhos na camisa espalhafatosa de Joe. Sem dizer uma palavra, desceu do carro para ir ao encontro da mãe, que descia os degraus da varanda com seu sorriso afável como sempre. — Que bom ver você, mamãe! Phoebe Wells examinou rapidamente a fisionomia da filha antes de abraçá-la calorosamente. Depois a soltou e olhou para Joe. — Estou tão contente de que tenha mudado de idéia e trazido um amigo! — Digamos que fui eu quem mudei por ela. — Cheio de si e extravasando o que deveria considerar charme, Joe se aproximou, com a mão estendida: — E um prazer conhecê-la, Sra. Wells. Meu nome é J. P. Mitchell, Disfarçadamente, Gina procurou ver qual seria a reação que essa personalidade forte e brilhante causaria em sua mãe. Para surpresa dela, a mãe retribuíra imediatamente o cumprimento, visivelmente satisfeita e agradavelmente surpreendida. — O prazer é todo meu, Sr. Mitchell. De onde é o senhor? Há quanto tempo conhece Gina? — Estou na Nova Zelândia como membro de uma companhia do Exército de Schofield, no Havaí. Acho que posso dizer que Gina e eu somos amigos há alguns meses, não é, Gina? Gina ignorou o comentário e explicou à mãe. — Joe estava presente quando sofri aquele acidente de que lhe falei. Ele foi… muito bom para mim enquanto estava no hospital. Achei que gostaria de ter a oportunidade de conhecer um pouco do campo, por isso o convidei para passar o fim de semana conosco. — Também cresci numa fazenda, Sra. Wells — disse ele, num largo sorriso. — Como vê, Gina e eu temos muito em comum. Gina quase o fulminou com o olhar. — Que maravilha! — exultou Phoebe. — Meu marido vai gostar muito de conversar com você, não só sobre as fazendas americanas, como também sobre a vida no Exército. Ele serviu durante a Segunda Guerra. Vai gostar muito de ter alguém como você para conversar, não vai, Gina? — Vai sim — disse sem entusiasmo. — Pode me ajudar com a bagagem, Joe? Ao abrirem o porta-malas, Gina se curvou ao lado dele e falou num tom veemente: — Não se atreva a continuar com essa farsa nojenta. Não tente adular meus pais e cativálos. Você é um falso, um aproveitador. Eles são gente de verdade. Não quero que acreditem em suas histórias. Está claro? Sem esperar pela resposta, virou as costas e foi ao encontro de sua mãe. Entraram na casa. Joe seguiu-as com a bagagem. — Colette já chegou, mãe? — Chegou sim. Está com Norrie e seu pai na sala, tomando um aperitivo. Estávamos à espera de vocês para o jantar. — A mãe a abraçou pela cintura. — Não se preocupe, querida, tem bastante apoio. Diria até que tem mais apoio em seu americano grande e gentil do que em mim e seu pai juntos. É compreensível que nossa lealdade precise ser dividida, mas a dele… Bem, estou muito contente que o tenha trazido. — Ele é apenas um amigo, mãe. E nem muito chegado. Na verdade não nos damos muito bem. Não fazemos outra coisa senão brigar. — Está soando cada vez melhor! — Abraçou mais uma vez a filha e falou num tom alto, para que Joe também a pudesse ouvir: — Joe, seu quarto é aqui no corredor, ao lado do de Livros Florzinha

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Gina. Ela lhe mostrará onde é o banheiro. Vou deixá-los à vontade para se refrescarem um pouco. Juntem-se a nós assim que estiverem prontos, está bem? Joe pousou sua mochila no chão do quarto assim que abriu a porta. Em seguida, pegou Gina pelo pulso e, sem dizer uma palavra, forçou-a a acompanhá-lo. Uma vez dentro do quarto dela, livrou-se da mala que ainda carregava e, com o pé, bateu a porta. — O que está fazendo? — Gina perguntou apavorada, tentando soltar seus braços. — Quer sair do meu quarto! De nada adiantou o seu apelo. Sem soltar seu braço, ele a puxou, num só movimento, até a cama, fazendo-a deitar. Estupefata com o choque, ela não conseguia articular uma única palavra. Teve medo do olhar de férrea determinação que viu nos olhos dele. Fez um movimento para sentar ou levantar mas Joe, muito mais rápido, agarrou-lhe ambas as mãos e a empurrou novamente, mantendo seus braços sobre a cabeça e deitando-se sobre ela. Ele a olhou um tempo interminável, como se fosse uma presa, mas em vez de demonstrar prazer em dominá-la Gina só lia em seus olhos um enorme desprezo por ela. Furiosa e ofendida, por além de tudo achar que não merecia aquele olhar, Gina tentou desesperadamente se libertar, mas a única coisa que conseguiu foi fazê-lo pressionar ainda mais seu corpo. — Ora essa. Você não passa de uma vagabundazinha de primeira classe — disse, enfim, sem disfarçar seu desdém. — Não há dúvida sobre isso. É verdade que a deixei ir um pouco longe demais, se bem que é tão egoísta que nem percebeu. Mas se há uma coisa que não tolero de ninguém, ouviu, de ninguém, é ser chamado de falso e aproveitador. Se há um mentiroso, aqui, minha frustradazinha, é você. Não há nenhum pensamento honesto em sua cabecinha sábia, e nem nenhuma atitude honesta e sincera em todo o seu procedimento.É você que quer se aproveitar de mim, me usar! Muito pálida, Gina o olhava com ódio. — Saia de cima de mim — sussurrou entre dentes. — Só depois que me disser o que eu tenho de tão repugnante. Gina soltou uma gargalhada quase histérica. — Acho que não vamos poder ficar toda a noite assim, não é? Pois levaria a noite toda para enumerar… — Me diga apenas uma coisa. — Bem, olhe só sua camisa — atirou-lhe na cara —, é ridícula! Joe não hesitou. Levantando ligeiramente o corpo, puxou a camisa, tirou-a pelo pescoço, jogando-a no chão. Gina começou a sentir dificuldade em respirar. Seus olhos encontraram os de Joe, e ela sentiu a cabeça num turbilhão. Apesar de já estar com as mãos livres, não tinha forças para empurrá-lo e deixou os braços caírem ao lado do corpo. — Que donzela melindrosa você é! — Joe debochou. — Acho que preciso lhe dar um motivo para se melindrar de verdade. Dizendo isso, levantou ligeiramente o tronco e começou a fazer movimentos sensuais sobre o corpo dela, como se a estivesse possuindo. Gina tentou, desesperadamente, se desvencilhar daquela situação, mas todos os seus esforços eram inúteis. Acabou parando rígida e quieta como um animal assustado, sentindo a respiração quente e úmida dele próxima à sua orelha e a pele barbeada roçando em seu rosto… Subitamente, viu que ele levantava a cabeça. — Ora, ora… Me desculpem! — A voz de Colette soou surpresa e divertida. — Vim ver o que os estava detendo aqui. Sem dúvida, uma atividade bem mais interessante do que o jantar. Podemos começar sem vocês? — Já estamos indo — respondeu Joe calmamente, levantando-se e ajudando Gina a se levantar. Naquela fração de segundo, Joe não pôde deixar de notar o brilho de aprovação que apareceu nos olhos de Colette, que o medira da cabeça aos pés. — Até já, então — disse ela, calmamente, voltando meio incrédula os olhos para Gina e saindo em seguida.

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— Sua irmã sempre devora com os olhos todos os seus amigos? — perguntou com uma expressão novamente divertida, parecendo relutante em desviar os olhos da porta, onde Colette aparecera muito provocante, num ousado short branco. — Não sei. Faz cinco anos que ela vive na Austrália — retrucou Gina, contrariada. — Mas, no momento, há uma outra coisa que me preocupa mais. — Com os olhos pegando fogo, levantou a mão e deu-lhe um tapa na cara. — Nunca mais se valha de sua força física para me dominar desse jeito, entendeu? Como se eu fosse uma qualquer, do tipo a que deve estar acostumado! E ainda por cima sob o teto de meus pais. Você é desprezível! Todo o sinal de bom humor desapareceu do rosto de Joe. Sua respiração tornou-se ofegante e seus olhos ameaçadores. — Não vou retribuir este tapa por estar na casa de seus pais. Mas estou lhe avisando, Gina, não faça jamais isso novamente. — Atravessou o quarto e pegou a camisa caída no chão. — Bata na minha porta quando estiver pronta para jantar. — E saiu, fechando silenciosamente a porta. Gina deixou-se cair sentada numa cadeira de vime que ela mesma havia comprado alguns anos antes. Cobriu o rosto com as mãos, sentindo todo seu corpo trêmulo. Nunca havia sofrido um ato bárbaro como aquele. Durante os dois anos que namorara Norrie, ele sempre a havia tratado com o maior respeito e delicadeza. Joe, ao contrário, era como um animal, movido por instintos primários. Esforçando-se para se levantar, Gina lavou rapidamente o rosto, escovou os cabelos, alisou o vestido no corpo e decidiu que estava na hora de enfrentar a provação de descer. Durante muito tempo tentara imaginar qual seria sua reação ao rever Norrie. Sabia que o encontraria novamente um dia, mas nunca conseguira pressentir o que faria nessa hora. Ao entrarem na sala, teve uma vaga consciência da mão de Joe em seu braço. Curiosamente não tentou repeli-lo, sentindo-se, pelo contrário, agradecida por contar com seu apoio. Tanto seu pai quanto Norrie levantaram-se assim que eles entraram na sala. Apresentou Joe aos demais, cumprimentou a irmã, estendeu a mão para Norrie, que não havia mudado quase nada, e só abraçou mais desinibidamente o pai, que imediatamente sugeriu que fossem jantar, enlaçando a filha mais velha pelo ombro. A sala de jantar era o cômodo mais bonito da casa, com seu tapete persa sob a grande mesa redonda ao centro, uma acolhedora lareira a um canto e as portas que se abriam para a varanda. Era usada somente à noite. O almoço costumava ser servido mais informalmente na copa. Como sua mãe havia previsto, Joe e seu pai imediatamente se entrosaram, conversando e rindo animadamente. Olhou-o com ressentimento e notou que havia trocado de camisa, vestindo outra de mangas curtas, mas de cor discreta. Ao desviar os olhos dele, encontrou os de Colette, que a observava com um certo cinismo. — Onde o conheceu? — perguntou, num tom que demonstrava aprovar inteiramente a escolha. O olhar de Gina passou rapidamente por Norrie. Era difícil dizer se ele estava aborrecido pelo visível interesse com que Colette olhava para Joe. O rosto de Norrie estava impassível agora, como no primeiro momento em que o havia visto na sala. Era incrível não haver o menor sinal de vergonha, culpa ou remorso na expressão dele ou na de Colette. — Joe é apenas um amigo — disse, sem pensar. — Nada mais que isso. — Apenas um amigo? Então você deve ter mudado muito nestes últimos anos. Aliás, se não os tivesse visto agora há pouco no quarto, poderia jurar que é o tipo do homem quente demais para você. Chocada com as observações grosseiras da irmã, Gina corou muito ao perceber o silêncio que se abatera sobre todos à mesa, — Quando vier a esta casa, Colette — falou com firmeza sua mãe ——, exijo que se lembre das boas maneiras que aprendeu aqui. Espero que tenha entendido. — Levantou-se muito séria e começou a recolher os pratos vazios. Colette não pareceu ligar nem um pouco para a repreensão.

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Gina continuou a olhá-la. Pela primeira vez teve uma visão clara do verdadeiro caráter da irmã e sentiu um súbito mal-estar. Não tinha sido a principal vítima daquelas palavras. Enquanto falava, Colette olhava o tempo todo para Norrie, procurando observar a reação que teria seu comentário indiscreto. Norrie havia mudado muito, pensou, com uma dorzinha no coração. Apesar de sua aparência ser a mesma, tornara-se apático e indiferente. Sua pele ainda era queimada de sol e os cabelos loiros estavam mais mechados. Continuava, sem dúvida, a ser o mesmo belo Norrie com quem estivera a ponto de se casar. Atraente, atlético e aristocrático, sua aparência jovial era o oposto da agressividade máscula e do ar de pugilista de Joe. Voltou a olhar para Joe, com um olhar sombrio e ressentido. Recostado na cadeira, ele a observava com uma expressão curiosa. Tentou encará-lo e ficou embaraçada quando ele meneou a cabeça, com um sorriso nos lábios e uma expressão interrogativa. Parecia perguntar silenciosamente: — O que é que eu vou fazer com você? Levantou-se, pegando uma travessa pesada, e se encaminhou para a cozinha, ouvindo atrás de si o riso abafado dele. Certamente, havia compreendido seu desejo de atirar-lhe a travessa na cabeça. CAPÍTULO V Ao se levantar às oito e meia do outro dia, Gina encontrou os preparativos para a festa já em pleno andamento. Sua mãe foi logo dizendo que o pai havia saído com Joe para mostrarlhe a propriedade. Gina simplesmente deu de ombros. Estava mais interessada no paradeiro de Colette e Norrie. Não demorou a saber que tinham ido passar o dia fora, deixando todo o trabalho para o resto da família e os amigos que, por sorte, eram muitos. A comida, que era o mais importante, estava a cargo da perfeita eficiência de Wiremu Ikaka. À tarde já estavam prontas as saladas, a carne fria e as sobremesas. Várias mesas foram montadas no jardim e fios com lanternas cruzavam o gramado em todas as direções. Antes do anoitecer tudo estava arrumado, inclusive um palanque num canto para servir de pista aos que quisessem dançar. Os ajudantes começavam a ir embora. — Bem, acho que não há mais nada a fazer por enquanto — disse Phoebe Wells passando o braço pelos ombros de Gina. — Acha que esquecemos de alguma coisa? — Não. Acho que está tudo ótimo. E, se faltar alguma coisa, não será difícil de arranjar mais tarde. Vai dar tudo certo. — É, acho que sim. Mas nem sinal de seu pai e Joe, hein? — O que será que encontraram para fazer esse tempo todo, não? Phoebe riu. — Conhecendo seu pai, imagino que tenha levado Joe para bater um papo com amigos no bar. — E, conhecendo Joe, acho que não foi preciso muita insistência para convencê-lo a ir. — Ele é um homem de verdade, filha. Gina olhou para a mãe com curiosidade. — Acha mesmo, ou está dizendo só por dizer? — Acho mesmo, mas você parece que não acha… — Não é meu tipo. — De fato, ele não se parece nada com o Norrie — sentindo a filha enrijecer o corpo sob seu braço, indagou: — Ainda sente alguma por ele, Gina? Mesmo depois de todo esse tempo? — Não sei — respondeu com sinceridade. — Ele mudou tanto. — Mudou sim — concordou Phoebe. — Mas também teria mudado se tivesse se casado com você. Talvez não da mesma maneira. Eu diria que é do tipo que muda de acordo com as circunstâncias. Acho que você teria sido uma dose muito forte para ele, Gina. Seu nível de exigência é muito alto. Norrie provavelmente sabia, mesmo inconscientemente, que nunca estaria à sua altura. Gina desviou os olhos começando a soluçar alto. Uma enxurrada de lágrimas banhou-lhe as faces. Há muito tempo não chorava assim, livremente. Livros Florzinha

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— Colette é uma pessoa caprichosa e inescrupulosa. Também tenho chorado muito por causa dela, filha. Não sei onde tudo isso vai levá-la. — Acha que não vão continuar juntos? Phoebe suspirou angustiada. — Sinceramente não sei. De certa forma, espero que continuem, parecem merecer um ao outro. Um casal estranho… Colette é minha filha e eu a amo muito, mas sinto que nunca a conheci direito… — sorriu para Gina e puxou-a, gentilmente, pela mão. — Vamos entrar. Preciso de um banho frio, um drinque e um bom repouso antes da avalanche! Gina também tomou um banho, vestiu seu roupão verde e se deixou ficar na cama, pensando em tudo o que a mãe havia dito. Adormeceu. Acordou sobressaltada, quase às sete horas. Levantou-se, colocou um vestido de tecido leve, estampado por ela em tons pastéis, se maquilou cuidadosamente e escovou os cabelos até ficarem bem brilhantes. Ao entrar na sala, três pares de olhos se voltaram para ela. Enrijeceu-se e imediatamente tomou sua habitual atitude de defesa. — Não me diga que passou o dia todo na cama! — brincou Joe, levantando-se — Ainda estava deitada quando saí e continuava deitada quando cheguei, à tarde. — Ora, a última vez que o vi foi ontem à noite, com um drinque na mão. Como está com outro drinque na mão agora, espero que não tenha passado o tempo todo bebendo. Seus olhares se cruzaram e travaram uma batalha silenciosa. — Venha sentar-se perto de mim — respondeu-lhe com doçura. Ignorando o convite, Gina sentou-se graciosamente no braço da poltrona mais próxima a ela. — Do jeito que vocês dois falam — intrometeu-se Colette, aconchegada no sofá ao lado de Norrie — mal dá para acreditar que estejam tendo um caso de amor. Antes que Gina pudesse corrigir a irmã, Joe perguntou: — Ah, é? Por quê? Também não vi vocês dois trocarem uma palavra doce. — Mas o Norrie e eu estamos juntos há cinco anos — ela virou-se para o companheiro, acariciou o braço dele e olhou-o bem nos olhos. — Além disso, preferimos ser doces em outros momentos… Para surpresa de Gina, Norrie levantou-se abruptamente e perguntou-lhe se desejava um drinque. — Ah… sim, obrigada. Aceito um martíni. — E eu bem, outro uísque com gelo — disse Colette, estendendo o copo para ele e voltando sua atenção para Joe. — Você e Gina também têm seus momentos doces, não? — Chega, Col! — Norrie surpreendeu Gina ainda mais. Colette parou de falar e olhou-o despudorada. — Ora, querido, mais tarde vou lhe contar como os encontrei ontem. Quem sabe depois você consiga ser tão ardente comigo quanto Joe estava sendo com Gina… Gina levantou-se. Estava nauseada. — Com licença — desculpando-se, foi com seu drinque para a varanda, instalando-se em um dos degraus da escada. Apesar de aparentemente calma, estava um trapo por dentro. Como era possível duas irmãs serem tão diferentes? Tinha a impressão de que Colette jamais mudaria e que nunca seria possível qualquer tipo de comunicação entre elas. Estava perdida em seus pensamentos quando, sem ouvir o rumor de passos se aproximando, percebeu alguém ao seu lado. Olhou rapidamente para cima e continuou voltada para o gramado à sua frente, cercado de árvores imensas. Joe abaixou-se, e sentou-se um degrau abaixo dela. — Vim para cá para ficar sozinha. — Pensei que talvez quisesse saber o que fiz e onde estive durante o dia todo — respondeu ele, ajeitando-se melhor. — Enganou-se. Ele soltou uma gargalhada.

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— Talvez devesse ter dito que “esperava” que você quisesse saber. Sei muito bem que nada do que me diz respeito lhe interessa. — Só uma coisa me interessa — disse, virando-se subitamente para ele, com os olhos ardendo de raiva. — Por sua culpa Colette acredita que somos amantes, e você não faz nada para convencê-la do contrário. O brilho que se acendeu nos olhos de Joe morreu no mesmo instante. — Sua irmã está pouco interessada em saber se somos ou não amantes. Está, isso sim, fazendo um joguinho que ainda não entendi direito. O que falta nela em conteúdo sobra em maquinações. — E você se julga tão bom entendedor da natureza feminina que acha que vai descobrir? — Se você não fosse tão preconceituosa, veria que sou tão aberto e fácil de lidar como você. Ainda que não queira admitir, somos muito semelhantes. Você não quer enxergar isso, e eu enxergo… Não vá embora! Pegando-a pelo pulso, Joe a impediu de sair dali quando ela se levantou alarmada, sem conseguir entender direito a intensidade do olhar daquele homem, e menos ainda o calor que invadia seu corpo ao ouvir as palavras dele. — Por que você está sempre fugindo? Não vai conseguir fugir para sempre, nem de si mesma nem do destino sobre o qual não tem controle. — Ele soltou o pulso de Gina, sentando-se novamente numa atitude confiante. — Não tenho nada do que fugir. — Fugiu quando sua irmã tirou seu homem debaixo de seu nariz, não fugiu? — Onde descobriu tantos detalhes sobre minha vida particular? Mesmo que seja muito sedutor, não posso acreditar que meu pai tenha me traído… — Ele não disse uma única palavra — interrompeu-a. — Mas se você acha cômodo e conveniente andar de viseiras, eu não acho. Não foi preciso ser nenhum gênio para perceber isso. Gina, você não é uma pessoa superficial como sua irmã. Seja positiva. Pelo amor de Deus, procure saber não o que não quer, mas o que quer! — Certamente você possui todos esses atributos maravilhosos. Quanta perfeição! — O sarcasmo era sua única defesa no momento. Fumando seu cigarro, numa posição descontraída, Joe a olhou com um sorriso estranho que a fez sentir novamente uma onda de calor percorrendo-lhe o corpo. Uma parte de seu ser parecia querer permanecer dormente, enquanto outra lutava para retornar à vida. — Sempre soube o que quis — disse Joe — e sei o que quero agora. Não me governo por sentimentos e emoções passadas. Em minha vida só há lugar para a realidade presente. Não desperdice a sua, Gina, anulando-se por causa do que aconteceu. Você considera o que houve como se fosse um prejuízo, quando, de fato, foi um ganho. Deveria agradecer a sua boa estrela. Ele não devia ser homem suficiente para você já naquela época, e não o é agora. Colette lhe fez um favor, se quer saber, e conseguiu uma vitória duvidosa. — Como pode dizer isso? Você não o conhece… Ele mudou muito. — Por Deus, menina! Não o conheci, e não o conheço agora? Basta dar uma olhada nele para saber o que é preciso. Quando vai abrir os olhos? Se tivesse se casado com você, seria digno de pena, pois não conseguiria sobreviver! — Muito obrigada! — E você estaria num estado pior do que está. Você é muito mulher, Gina. Se tem que se dar a alguém, dê-se a um homem de verdade, não à lembrança de uma pálida imitação de homem. Aquela provocação era demais. Chegara ao limite do que podia agüentar. Estava de pé e desta vez nada a deteria. — Essa afronta é inacreditável! Você me deixa atônita! Sem palavras! — E exausta — concluiu ele, levantando-se também. — Sim, poderia deixá-la. Talvez numa outra circunstância aquela insinuação lhe passasse despercebida, mas não agora que sua mente se achava aguçada em todos os sentidos. — Se é isso que tem na cabeça — disse entre dentes, mas com muita ênfase — devo dizerlhe aqui e agora que está perdendo seu tempo. Pior para você se seu ego insiste em não aceitar ser contrariado! Livros Florzinha

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Joe, como sempre, explodiu numa gostosa gargalhada, espontânea e contagiante. Gina não podia ficar mais furiosa. Virou as costas e entrou. Durante a festa, sua raiva em relação a ele não esmoreceu nem um pouco. Enquanto todos conversavam animadamente e a música e a alegria invadiam cada recanto da casa, Gina sentia-se deslocada e alheia à animação geral. — Espero que tenha aprovado a camisa que escolhi para esta noite — disse-lhe Joe na hora do jantar, quando ela fazia seu prato. Percebendo nele a clara intenção de dobrá-la, Gina levou um pedaço de carne à boca, desviando o olhar que foi encontrar-se em cheio com o de Norrie. Forçou um sorriso e engoliu com sacrifício aquele bocado. Com Joe perturbando-a de um lado e Norrie observando-a do outro, que esperança podia ter de vir a gostar da festa? A noite transcorria de maneira muito agradável, e vários casais dançavam. Joe havia se afastado por um bom tempo, para conversar com Phoebe, e depois voltara para junto de Gina. Numa voz macia, convidou-a para dançar, o que ela recusou. Ele olhou-a fixamente por um momento e depois disse: — Não aceito “não” como resposta. Gina apertou as unhas nas palmas das mãos e ia recusar novamente quando ouviu a voz da irmã: — Eu vou adorar dançar com você, Joe. Não era a primeira vez aquela noite que via os olhares provocantes que Colette lançava para Joe. Procurou virar-se para o outro lado. Intuiu que ele olhava para Norrie, que deve ter feito um sinal de consentimento, pois pegou a mão de Colette, parada à sua frente, e ambos foram para a pista armada no jardim. Gina sentiu um estranho aperto no peito ao ver os dois juntos, especialmente ao notar que dançavam tão colados que nem um fio de cabelo passaria entre eles. Estava contrariada não com a atitude da irmã, mas com a de Joe que nada fizera para desencorajá-la. Encontrou, de repente, o olhar doce de Norrie que lhe fazia um apelo e, como sempre, sentiu-se incapaz de resistir a ele. Estremeceu ante a perspectiva de estar novamente em seus braços. Iria derreter. Ele aproximou-se em silêncio, tomou-a pela mão, e foram dançar. Teve quase que instantaneamente a revelação. Surpresa, sentiu uma enorme vontade de chorar. Será que tudo o que sentira por Norrie não passara de fruto de sua imaginação? Guiado meramente pelo instinto, ele imediatamente a apertara contra seu corpo. Sua respiração acelerada a fazia compreender que ainda reagia à sua proximidade. Faltava, entretanto, àquele homem alto e magro, energia e vitalidade. O contato a desagradou extremamente, e empurrou-o. — Por favor, Norrie! Muito relutante, ele se afastou um pouco, olhando-a com uma expressão de desejo não dissimulada. — O que houve? — perguntou baixinho, ainda tentando comprimi-la contra si. — Se bem me recordo, você não costumava me repelir assim. Diante daquelas palavras todas as lembranças de seu antigo amor, que por tanto tempo havia cultivado, ruíram por terra. Lutou com as próprias emoções para não dar a perceber a ele o quanto estava desapontada. — Provavelmente não. Mas cresci, coisa que parece não ter acontecido com você, e não gosto de pessoas superficiais. Um sorriso debochado aflorou aos lábios bem delineados de Norrie. — Não me diga que encontrou profundidade naquele americano vaidoso? — Joe é, em primeiro lugar, e acima de tudo, um homem! — Gina retrucou, espantandose consigo mesma por aquela defesa empolgada e afastando, decidida, seu corpo do dele. — Por isso sempre mantém o próprio controle, em qualquer situação. Gostaria de voltar à mesa agora. — Sem opor maior resistência. Norrie a levou de volta ao seu lugar. Foi um alívio enorme poder descansar as pernas trêmulas. Sentou-se à mesa feliz em se ver livre daquele abraço sem o qual chegara a pensar, um dia, que seria incapaz de

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sobreviver. Observou impassível Joe e Colette que voltavam de mãos dadas, rindo e falando em voz muito alta. Joe parou ao seu lado, levantou seu queixo com a mão e deu-lhe um leve beijo na ponta do nariz. — Anime-se. Lágrimas brotaram-lhe dos olhos e ela abaixou a cabeça para que ele não as visse. — Joe! — ele soltou seu queixo e endireitou o corpo. Wiremu Ikaka, com um sorriso largo em seu rosto moreno, estava parado ao seu lado. — Que tal nos ensinar como se dança a hula no Havaí? Joe levantou as grossas sobrancelhas espantado. — O quê! Não me diga que não sabe dançar a hula?! E se diz um polinésio… Essa não, nunca vi um polinésio que não soubesse dançar a hula! Todos os presentes caíram na risada. — Muito bem, vamos lá — Wiremu desafiou-o. — Quero ver a sua demonstração. Joe riu e, sem olhar para Gina, puxou-a pela mão, tentando levantá-la. — O que pensa que está fazendo? — Vamos dar uma demonstração, minha querida, de como se dança a hula. — Mas não posso… — ela protestou. — Pode sim. Não existe a expressão “não posso” em havaiano! — Sem o mínimo esforço ele a pegou pela cintura e a fez ficar de pé, conduzindo-a para a pista. Num segundo, já havia levantado a barra da calça e amarrado as pontas da camisa na barriga, enquanto Gina o observava, cada vez mais preocupada com o que faria em seguida. Dando-se finalmente conta de que ele a soltara, deu meia-volta para refugiar-se na mesa dos pais, mas era tarde demais. Com um movimento rápido, ele a agarrou de novo pelo pulso e a fez voltar-se, exatamente no momento em que começava a se ouvir as primeiras batidas ritmadas da música. Ensinou-a a levantar os braços acima da cabeça, fazendo uma rápida demonstração de como devia movimentá-los, chamando depois sua atenção para como devia balançar os quadris e marcar o compasso com as pernas. Para seu espanto, Gina percebeu que poderia dançar a hula e até que muito bem, mas nada nesse mundo a faria menear os quadris daquele jeito. Naquele exato momento, colocou, para deleite dos presentes as mãos sobre seus quadris forçando-os a imitar os movimentos ondulantes dos dele. Ela hesitou, sentindo a forte pressão de seus dedos, e seus olhos se encontraram. Os dela em pânico; os dele cheios de riso e malícia. Compreendeu então que ele não só pretendia fazer com que requebrasse sensualmente, como também que se colasse a ele. Abaixando os braços, Gina empurrou-o. Surpreendentemente ele não opôs qualquer resistência e, no momento seguinte, ela saía voando da pista em direção ao seu lugar, trêmula e muito corada. Assim que recobrou um pouco a calma, deu-se conta de que não demorara muito para que Colette assumisse seu lugar, fazendo movimentos cada vez mais sensuais com seus quadris e levantando os olhos para Joe de maneira oferecida e insinuante. Gina não agüentava o nó na garganta. Percebeu que esfregava as mãos, num gesto nervoso. Aqueles dois se mereciam. Ao mesmo tempo, parecia-lhe que só ela percebia a excitação da irmã, pois todos os demais riam e batiam palmas entusiasmados, muitos inclusive estavam se juntando a eles na plataforma. Convencida de que ninguém a observava, Gina aproveitou a oportunidade para escapar dali. Foi dar um longo passeio, à luz do luar, até a estrada. Era bom sentir o aroma perfumado do campo e ouvir o canto das cigarras pelo caminho. Ao retornar, um bom tempo depois avistou Norrie recostado no portão. A luz de um poste iluminava sua figura criando um estranho jogo de sombras. — Estava esperando por mim? — perguntou-lhe, secamente. Ele deu mais uma tragada em seu cigarro, depois endireitou o corpo. — Creio que sim. Se soubesse que ia dar uma volta, teria ido com você.

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— Queria estar sozinha. Justamente por isso esperei até ter certeza de que você havia parado de me olhar. — Não sou o único que a olha fixamente, por isso não precisa se preocupar não vai perder seu amigo americano para Colette. — Não estou nada preocupada com o que Joe faz. Muito menos com Colette. Imaginei, entretanto, que vê-la provocar deliberadamente outro homem o aborreceria. Ou não? — perguntou, ao perceber que ele não iria confirmar, nem negar o que dissera. — Então você continua a mesma puritana que eu pedi em casamento! — disse ele, dando uma risada que lhe soou muito desagradável. Fez um movimento para ultrapassá-lo, mas, com um gesto de que Gina nunca o julgara capaz, ele interceptou sua passagem, segurando seu braço com dedos de aço. Não tentou resistir. Ficou a olhá-lo petrificada. — Por quê? — indagou ele, baixinho. — Podia jurar que nenhum homem havia conseguido o que eu havia abandonado. Nem mesmo o machão do Joe. — Pensei que Colette já o tivesse posto completamente a par dos acontecimentos a esta altura. — Col é uma verdadeira artista. Não confiaria nela mesmo que minha vida dependesse disto. Diante da enormidade daquela confissão, o queixo de Gina caiu e ela ficou emudecida. — Mas não estamos falando da inimitável Colette e sim de você… — continuou Norrie. — Não entendo você! — a voz de Gina traía toda sua perplexidade. — Por que continuam juntos se tudo o que têm a oferecer um ao outro é desprezo e desconfiança? — Ora, entendemo-nos muito bem. Acho que poderia dizer que somos da mesma espécie. — Vai me dizer que largou tudo, virou as costas à sua família e desprezou o amor que eu tinha por você por algo tão… tão sórdido, tão mesquinho? — Acabaria fazendo isso de qualquer jeito, mais cedo ou mais tarde. Querida Gina… — Norrie riu. — Vejo que ainda não entendeu. Nesse caso posso dizer que nunca me amou, não o que realmente sou. Nunca me viu como sou de verdade. Mas Col sim. E foi a única, porque somos almas gêmeas, os dois da mesma espécie, viciados um no outro. É como uma doença da qual nenhum dos dois pode se curar. Gina mal podia acreditar em seus ouvidos. Sentia-se tão ultrajada que não teria capacidade de externar tudo o que crescia dentro dela naquele momento. Norrie prosseguiu friamente. — Mas nunca deixei de desejá-la, Gina. A antítese perfeita de Col… Fria, compenetrada, cheia de dignidade. Tenho certeza de que preservou seu amor puro por mim e aposto que ainda me deseja tanto quanto a desejo. Como amantes seríamos perfeitos. Como marido e mulher, um desastre. A indignação de Gina explodiu num sonoro tapa no rosto de Norrie. — Eu desejar você! — estava com a voz trêmula de raiva e desprezo. — Sinceramente acha que eu poderia desejar um verme traiçoeiro e inescrupuloso como você, que não sabe o que é honestidade, decência e honra? Você está louco! A respiração de Norrie estava agitada. Agarrou-a pelos ombros e puxou-a até encostar o corpo dela no seu. — Eu lhe fiz um favor ao abandoná-la, sua petulantezinha! O mínimo que pode demonstrar é um pouco de gratidão! — Gratidão! — gritou Gina. Seu ódio e incredulidade aumentavam, dando-lhe forças para tentar se desvencilhar dos braços dele. — Tudo o que sinto por você é nojo e desprezo. Solteme! Ele riu amargo. — Mais tarde. Depois que tiver parado de lutar e eu tiver sentido todo seu corpo tremer em meus braços. Como senti quando dançamos ainda há pouco, e como o sentia há cinco anos, quando a fazia chegar ao ponto de quase ceder. Num repente, Gina parou de tentar escapar. Alguma coisa lhe dizia que precisava tentar pensar com clareza. Quando os braços dele tentaram envolvê-la com mais força, num gesto

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drástico que jamais imaginou que conseguiria executar, levantou a mão e esbofeteou-o com toda violência. Norrie gritou de dor e no mesmo instante ela estava livre. — Vai pagar por isso! — ameaçou-a em tom selvagem. — E da próxima vez, juro que não vai me escapar! — Não haverá próxima vez — assegurou-lhe Gina, parando para olhá-lo com desdém. — Você é uma figura ridícula e patética. Acho que tenho até pena de você. Ao se aproximar da casa, Gina percebeu que não estava tão calma e dona da situação como imaginava. As lágrimas escorriam pelo seu rosto e suas mãos tremiam, tentando enxugá-las. Estava com o sistema nervoso completamente abalado. Entrou pela porta principal, fechou-a e encostou-se nela. Não sabia se devia ir dizer boanoite aos pais ou voar para seu quarto. De repente, ouviu um murmúrio de vozes. Endireitou o corpo e tentou detectar de onde vinham. Ao chegar perto da sala de jantar, as vozes ficaram mais nítidas. Colette e Joe conversavam! Instintivamente, parou. Pela porta ligeiramente entreaberta podia ver os dois. — Afinal de contas o que está fazendo aqui? — perguntou Colette, aproximando-se dele um pouco mais. — Estou procurando por Gina — Joe respondeu. — Mas pelo visto também não está nesta sala. — Bem, se é que não está com o Norrie, deve ter ido para a cama. Ela é assim, quieta e instável. Nunca se sabe o que se passa com ela, nem o que está pensando, enquanto eu… — Enquanto você é um livro aberto. Gina viu a irmã chegar-se mais perto dele ainda, olhando-o com seus langorosos olhos azuis. — Por que se preocupar com o que Gina está fazendo? Ela é tão sem graça! Sempre foi meio tonta. Nunca saberia apreciar um homem como você. Enquanto eu… — Colette passou a língua pelos lábios e suas mãos começaram a desabotoar os botões da camisa de Joe. — Sei tudo o que é preciso saber para agradar um homem como você. — Aposto que sim — Joe tirou as mãos dela de seu peito. — Só que você é uma criança e eu não aceito propostas de crianças, principalmente de pirralhas inescrupulosas e estragadas. A expressão provocante desapareceu do rosto da irmã e Gina teve uma súbita revelação. Não havia rancor na atitude de Colette, apenas um certo ar de excitação. — Tenho vinte e três anos — replicou ela. — Mas é uma criança. — Segundo dizem, sou como aguardente no sangue de um homem. Ela encostou-se nele, passou os braços por sua cintura e acariciou- lhe as costas. — O termo melhor seria veneno, eu diria — Gina corou de puro constrangimento. Colette, porém, parecia completamente indiferente ao humor mordaz, quase insultuoso, de Joe. — Deixe-me tentar provar a você. Depois de experimentar, garanto que nunca mais vai se contentar com uma água morna qualquer. Gina deu um passo para trás e levou a mão à boca ao ver Joe pegar os braços de Colette que o enlaçavam e prendê-los com toda força atrás das costas dela. — Não se paga muito por “damas” como você nas ruas da cidade de onde venho. Tenho grande experiência para lhe dizer que, desde meus encontros juvenis, aprendi a fugir de mulheres assim. No que me diz respeito, doçura, acho que sua irmã tem muito mais sensualidade no seu dedo mínimo do que você em seu corpo inteiro — ele a fez virar-se e deu-lhe um tapa brincalhão no traseiro. — Agora vá procurar o querido de seu coração enquanto eu procuro a minha… Com a respiração suspensa, Gina fugiu apressadamente para seu quarto. Sentou-se na borda da cama e se deixou ficar olhando, por entre as cortinas, para a lua que brilhava majestosa no céu escuro. Os olhos ardiam-lhe. Estava a ponto de chorar, mas não tinha mais lágrimas.

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Fora um fim de semana realmente estranho. Depois do que havia passado naquelas quarenta e oito horas nunca mais seria a mesma. Perdera a segurança conquistada a duras penas e o futuro lhe parecia incerto. Levantou-se vagarosamente, e começou a se preparar para deitar. Ao sair do banheiro, viu que a mãe estava à sua espera. — Tudo bem, filha? Fiquei preocupada com seu sumiço. Gina esboçou um sorriso. — Está tudo bem, mãe, não se preocupe. Foi bom você vir até aqui. Queria lhe dizer boanoite, mas estava sem coragem de enfrentar as feras. Dê um beijo em papai por mim, tá? E diga boa-noite ao Joe também. Phoebe riu e abraçou carinhosamente a filha. — Digo, sim, querida, mas acho que Joe vai ficar desapontado. Faz tempo que está à sua procura. — Pode deixar, Colette vai gostar de consolá-lo. — Gina! — Phoebe sacudiu a cabeça, com ar reprovador. — Não sei o que vê quando olha para Joe, mas gostaria que fosse o mesmo que eu — deu um suspiro e acariciou-lhe os ombros. — A que horas vocês vão embora amanhã? — Acho que antes do almoço. É horrível ter de ir, mãe. Essa é a única desvantagem de vir: ter de partir outra vez — Gina beijou a mãe. — Durma bem, mamãe. A festa foi ótima. Revirando-se na cama sem poder dormir, Gina perguntava-se o que a mãe via em Joe. Não conseguia tirá-lo da cabeça. Ficara impressionada ao descobrir que Colette e Norrie eram da mesma espécie e mais ainda ao perceber que isso pouco a importava. Os dois já não tinham mais o poder de magoá-la. Joe, entretanto, fora-lhe uma verdadeira revelação e não sabia como lidar com ele. Acordou, de repente, de seu sono agitado, com o coração acelerado, sem saber se o som que ouvia era sonho ou realidade. Sentou-se na cama e ficou atenta. Estava trêmula e nervosa. Escutou novamente. Vinha do quarto de Joe. Era como um soluço, ou um choro convulsivo. Hesitou por um momento, depois jogou o lençol para o lado e levantou-se. Vestiu o roupão e, silenciosamente, foi até o quarto dele. Pronunciou seu nome baixinho ao se aproximar da cama, onde ele se debatia. — Não… Não… Há mulheres e crianças… Oh, Deus… — Joe? — Gina ficou plantada no chão, surpresa com a angústia com que dissera aquelas palavras. Mal dava para reconhecer a voz dele. — Suba, seu idiota… Suba! — ordenou, zangado. Gina nunca havia enfrentado uma situação como aquela e nem sabia como proceder. Estava suando e morta de medo. Queria tapar os ouvidos com as mãos e fugir dali, mas sabia, porém, que não podia fazer isso. Aproximou-se ainda mais da cama e acendeu o abajur sobre o criado-mudo. Olhou para Joe apreensiva. Ele virava a cabeça de um lado para o outro, aflito. Os lençóis da cama estavam completamente encharcados de suor. — Joe! — chamou-o com firmeza. — Joe! — Colocou as mãos nos ombros dele e sacudiuo com delicadeza. Quando ele abriu de súbito os olhos, ela deu um passo para trás. Ele a olhava, a princípio, com um ar vago e incompreensível. Depois, sentou-se inesperadamente na cama. — O que está fazendo aqui? — perguntou. — O quartel não é lugar para mulheres. — Joe, sou eu, Gina. Você não está no quartel, está em Tiraumea. Finalmente, ele pareceu recobrar a consciência do que se passava. — O que está fazendo aqui? — perguntou novamente. — Você estava lendo um pesadelo — explicou-lhe Gina. — Não se lembra? Ouvi um choro e vim ver… vim ver se estava tudo bem. Joe esfregou o rosto com as mãos. Pela expressão dele era óbvio que lembrava do sonho. Tornou a olhá-la, com uma expressão suave agora. — Desculpe tê-la acordado, Gina. Pode voltar para a cama agora. Estou bem. — Está bem nada — contradisse ela. — Seus lençóis estão ensopados. Levante-se que vou trocá-los. Livros Florzinha

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— Não precisa se incomodar.. — Faço isso num minuto — interrompeu-o, saindo do quarto para apanhar uma muda de lençóis limpos. Como imaginava, ele não devia estar usando pijama, pois ao voltar ao quarto encontrou-o amarrando o cordão da calça. — Não vá se resfriar — disse-lhe, esticando o olho para seu peito musculoso, antes de começar a arrumar a cama. — Pois não, madame. Percebeu o bom humor da resposta. Não dava para tentar entender aquele homem! Há poucos minutos estava com a voz completamente agoniada e agora agia novamente como se a vida fosse uma piada! Ao terminar de arrumar a cama, voltou-se para ele. Não ficou surpresa ao ver que a observava fixamente. — Por que desapareceu esta noite? — perguntou. — Fui dar uma volta e aí… — Com Norrie? — interrompeu-a. — Não, sozinha. Mas acredite se quiser. Depois fui me deitar. — Sem nem falar boa-noite? — Pedi a minha mãe para fazê-lo. — Pensei que fosse, antes de qualquer coisa, convidado seu. Gina quase abriu a boca para retrucar que Colette tinha feito melhor do que ela as honras da casa. Lembrando-se, porém, da cena na sala de jantar, e de como ele a havia prontamente defendido, disse em voz baixa: — Desculpe-me. Esse fim de semana foi muito penoso para mim. Mas — acrescentou, levantando os olhos para ele —, apesar de talvez não demonstrar, gostei muito que tivesse vindo comigo. Joe não disse nada. Nem era preciso. Seus olhos diziam mais do que qualquer palavra. Um calor imenso apoderou-se de seu corpo e o ar pareceu faltar-lhe. Achava ridículo sentirse daquela maneira, curvada diante da força da personalidade daquele homem, quando, em mais de uma ocasião, o julgara detestável. — Espero que durma bem o resto da noite — desejou, num tom de voz mais formal, procurando recobrar o equilíbrio. Joe continuou em silêncio. Ela pegou os lençóis úmidos de suor e reuniu toda sua coragem para olhá-lo de novo. Sentiu um enorme desejo de perguntar se precisava de mais alguma coisa, um copo de leite quente, trocar mais algumas palavras, de oferecer-lhe um pouco de conforto, enfim. Mas resistiu. Sem dizer nada, saiu do quarto. Deixou-se ficar por um longo tempo, ao lado da máquina de lavar. Deu-se conta depois que estivera o tempo todo com os lábios colados aos lençóis em seus braços. Com um murmúrio contrariado, abriu a tampa da máquina e jogou-os lá dentro, indo refugiar-se em seu quarto. Não queria pensar naquele gesto. CAPÍTULO VI Gina não disse nada quando Joe se prontificou a dirigir durante a primeira etapa da viagem de volta. Apesar da noite agitada, ele estava de muito bom humor e com ótima aparência. Ao entrar na cozinha um pouco mais cedo, encontrara a mãe preparando o café, enquanto ele e seu pai conversavam animadamente. Observara então, com um certo rancor, que se desgastara mais do que ele por causa do pesadelo que tivera. Não conseguiu evitar comentar o fato quando, depois das despedidas, puseram-se a caminho. — Seu aspecto não está nada mau, apesar da noite de ontem. — Ao contrário de você, gosto de festas. — Eu percebi, Mas estava me referindo ao seu pesadelo. — Devo ter comido alguma coisa que não me fez bem — respondeu com uma careta.

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Apesar de ficar calada, Gina não acreditou naquela explicação banal. Joe era um homem muito incomum, pensou, olhando-o com surpreendente candura. Um verdadeiro enigma. Achava estranho que tivesse podido, a princípio, julgá-lo grosso, tolo e enfadonho. Apesar de não ser mais essa sua opinião sobre ele, não sabia o que pensar. — Juro que não vou ficar mais bonito do que isso, infelizmente. — Não entendi — Gina piscou, confusa. — Faz tempo que você está me olhando como se eu fosse um sapo e devesse, a qualquer momento, me transformar num lindo príncipe! Gina riu com tamanha espontaneidade que surpreendeu, não somente a ele, como a si mesma. — Isso é o que se chama de um som agradável. Acho que nunca tinha ouvido você rir assim antes. Voltando os olhos para a paisagem à sua frente, Gina concordou que, realmente, há muito não ouvia o som de sua própria risada e amargurou-se ao pensar no tempo que havia perdido sofrendo por causa de Norrie e Colette. Na verdade, Joe tinha toda razão. O destino lhe havia feito um favor. — Tinha certeza de que sua risada era bonita, pois você tem uma voz linda quando não está irritada ou reclamando de mim. É meio rouquinha e muito sensual. Ela continuou olhando fixo em frente, sentindo um rubor subir-lhe às faces. — Bem, agora que lhe disse isso, espero que não vá ficar o trajeto todo em silêncio. Se não conversar comigo, sou capaz de dormir na direção. — Pensei que não estivesse cansado. Amanheceu com tão boa disposição! — Aprendi durante longos anos a sobreviver com umas poucas horas de sono, porém quando uma linda jovem me faz urna breve mas sedutora visita, no meio da madrugada, acabo perdendo o sono a noite inteira. Depois de alguns segundos, ele deu uma olhada para ela e caiu na risada. Procurou pela mão dela e ficou segurando-a em seu colo, incapaz de pronunciar uma palavra, Gina procurou resistir. A mão de Joe, porém, era muito maior e mais forte do que a sua e acabou cedendo. Ele levou-a então até sua perna e esticou-a sobre a coxa, pressionando-a com a própria mão. Depois lhe deu alguns tapinhas, como se tentasse persuadi-la a não sair dali, e voltou a segurar o volante. Desnecessário mencionar que Gina recolheu imediatamente a mão, sentindo-se vermelha e embaraçada. — Quando foi mesmo que você disse que ia voltar para os Estados Unidos? — perguntou, tentando dar à voz um tom natural. — Logo, logo, doçura. Dentro de uns dez dias. — Você é casado? — perguntou-lhe num repente. — Por que essa pergunta agora? — Não sei. Acho que nunca me ocorreu perguntar-lhe isso antes. É — insistiu diante do silêncio dele. — Tenho cara de ser? — pelo olhar que lhe dirigiu, Gina compreendeu que não havia gostado da pergunta. — Quem vê cara não vê coração. — Como Norrie. — Não estava pensando nele, mas é um bom exemplo. — Estava noivo para se casar com você e tendo um caso com sua irmã às suas costas… — Não dava para se notar… — Será que não? Gina olhou por um minuto para ele e desviou os olhos. Estremeceu ao lembrar da figura de Norrie encostado à coluna da varanda e a maneira como a olhava quando Joe e ela se despediram dos pais no portão. — Sua ingenuidade me assusta e eu temo por seu futuro — a expressão dele tornou-se sombria. — Não confio nada naquele rato imundo. Gina ficou quieta, esperando intimamente que ele mudasse de assunto. Ele olhou-a de relance, surpreso. Livros Florzinha

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— Ora, viva. Não vai se apressar em defendê-lo? Será que finalmente conseguiu enxergálo como realmente é? Suspirando impaciente, Gina retrucou: — Se está querendo saber se descobri que ele não me atrai mais, a resposta é sim. Agora falemos de outra coisa. Viu Colette hoje cedo? — Não. Segundo sua mãe, ainda estava dormindo. — Ainda bem que ela se saiu bem onde fracassei a noite passada. — O que quer dizer? — Apenas que, como ela se parece com você em alguns sentidos, foi mais capaz de entretê-lo do que eu. Ela também gosta de flertes e de festas. Gina perguntou a si mesma onde aquele papo os levaria e não teve dúvidas de que a problemas. Por alguma estranha razão, sentia-se compelida a provocar Joe e a menosprezálo. — Aliás, depois de si mesma, deve ser apenas isso o que ela gosta. — Gostou de você. Onde será que aprendeu a dançar a hula tão bem? — Se quer mesmo ouvir, sua irmã tem a capacidade de fazer bem o que quer que seja. — Esquisito, você fala como se não tivesse gostado dela e ontem parecia estar se divertindo muito em sua companhia. Mas tem razão — admitiu, dando um suspiro. — Ela é mesmo uma lindeza e tem todos os atributos Para atrair os homens. — Na minha opinião ela é tão atraente quanto uma boneca Barbie, e, corno a boneca, tem a cabeça oca. Apesar do que ouvira na noite anterior, não esperava uma confissão daquelas. — Você me surpreende — disse com sinceridade. — Você acha que as pessoas são aquilo que imagina e espera que se comportem de acordo com os rótulos que lhes dá. Pensa que não sei como me rotulou? Só, coração, que não há rótulo algum que me contenha. Com o olhar perdido na paisagem do campo, Gina reconheceu a veracidade do que Joe lhe dissera. Pela primeira vez dava-se conta dessa sua característica e tinha de aceitar, embora não fosse agradável. — Não me chame de “coração” — disse, irritada, fazendo-o achar graça. — Ainda não me disse se é ou não casado. Soube fugir bem da questão. — Se quer mesmo saber, a resposta é: não sou casado. — Nunca foi? — Não. — Por que não? As sobrancelhas de Joe se ergueram numa expressão marota. — Devo concluir por essa pergunta que não me considera totalmente inelegível? — Bem, acho que muitas mulheres podem se sentir atraídas por seu tipo… Desculpe a expressão — acrescentou irônica. — Espero que não vá imediatamente concluir que o estou rotulando novamente. — Muitas nulheres, mas não você, não é? — É, eu não. — Por que não? — Simplesmente porque você não é meu tipo. Você é demais… demais o quê? Deixe-me ver… — procurou em vão uma palavra que pudesse englobar tudo o que pensava dele. — Demais tudo… demais mandão, demais esquentado demais ativo, demais dominador. — Talvez precise de uma mulher para abrandar esse meu temperamento. Urna mulher como você. Gina não saberia explicar o calafrio ridículo que lhe percorreu a espinha ao ouvir essas palavras ditas num tom insinuante. Sacudiu a cabeça, com determinação. — Não agüentaria o esforço que uma tarefa dessa natureza exigiria de mim. Me consumiria na metade do caminho. Quero uma vida serena.. — E um homem com água nas veias, com quem possa, com muita calma, desperdiçar o resto de sua vida — desviou-se, num repente, para fora da estrada, parando à sombra de

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uma árvore. — Não sei se você está, mas eu estou morrendo de fome. Que tal procurarmos um bom lugar para descansar e comer o lanche que sua mãe preparou? Gina olhou em volta. — Acho que este aqui é o único lugar que não é propriedade particular em toda a estrada. — Escute, doçura — disse Joe, inclinando-se para ela e guardando as chaves do carro no bolso —, só tenho dez dias para tentar reacender em você o amor pela aventura que pressinto que esteja adormecido em algum lugar dessa sua cabecinha — dizendo isso, desceu do carro e foi abrir o porta-malas. Gina continuou sentada, enquanto ele esticava uma esteira no chão. — Você vem ou devo me banquetear sozinho? Ela hesitou por um momento e em seguida, sem dizer uma palavra foi juntar-se a ele. — Não podia haver lugar melhor — comentou ele, olhando para o sol. De fato, o cenário não podia ser mais idílico, rodeado de árvores e completamente deserto. Um riozinho corria ali perto e, ao longe, avistavam-se as montanhas. — Se ficar muito quente, podemos ir mais para baixo das árvores. — Deve estar acostumado ao calor forte. — Não seco como este. Mas prefiro assim. — Como é sua vida lá? — Gina perguntou curiosa. — Mora no quartel? — Morava, mas comprei um pequeno bangalô faz pouco tempo. Os dois começaram então a desembrulhar as coisas que Phoebe havia mandado, colocando-as em pratos descartáveis. — Deve ser cansativo viver com tantos homens e ter de compartilhar a sua privacidade. — Às vezes. — Espera casar-se algum dia? — O soldado é um homem sem mulher, e assim deve ser. Gina ficou intrigada com aquela frieza súbita e estranhou que ele, sempre tão conversador, deixasse o assunto morrer. Comeram em silêncio durante algum tempo e depois, inesperadamente, Joe voltou ao assunto. — Estou cansado de ver homens e mulheres jurando amor e enaltecendo-se um ao outro num momento, para depois se agredirem e se menosprezarem. Veja o caso de sua irmã e de Norrie. Estão se destruindo e sentem prazer em se humilharem, se espezinharem. Depois refazem pedaço por pedaço do que restou, numa tentativa mórbida de se reconstruírem, para logo se aniquilarem outra vez. Deus sabe o quanto tentei escapar de situação semelhante, embora nem todo o mundo o consiga. Não concorda? — perguntou-lhe abruptamente. — Sim… sim… em alguns casos… — começou a dizer, ainda confusa com essa faceta da personalidade de Joe que não conhecia. — Você não deixa de ter razão, de certa maneira, mas tenho amigos com casamentos muito bem-sucedidos. Joe a fitou por alguns minutos que lhe pareceram intermináveis. Depois balançou a cabeça com ar desanimado. — De que adianta lhe fazer essa pergunta? Protegida e amparada a vida toda, o que poderia saber? Gina chegou a abrir a boca para contestar, mas desistiu. Joe tinha um pouco de razão. — O que o fez resolver seguir a carreira militar? — perguntou, achando melhor mudar de assunto. — Na ocasião me pareceu uma boa idéia. Além disso, talvez fosse a única opção viável para mim. — Gosta dela? — Nunca parei para pensar. O Exército é minha vida. — Vai ser então, eventualmente, promovido a oficial? Joe ergueu as sobrancelhas. Havia um brilho estranho em seus olhos. — Por que esse súbito interesse pelas minhas atividades? Gina acomodou-se melhor, observando-o pensativa enquanto ele se inclinava para pegar um tomate e se deitava novamente, apoiado sobre um cotovelo. Vieram-lhe à cabeça as

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palavras que ele havia dito na noite anterior: “Sei muito bem que nada do que me diz respeito lhe interessa”. — Não sei, talvez por me dar conta de que sei muito pouco sobre você. Há possibilidade de ser promovido a oficial? — perguntou novamente. Ele continuou com as sobrancelhas arqueadas interrogativamente. — Seu pai se tornou oficial? — Não, mas também nunca pretendeu fazer do Exército a vida dele. — Por isso conclui automaticamente que, se considero o Exército minha vida, devo querer me tornar oficial? Tanto o tom como a atitude de Joe deixaram Gina atrapalhada. — Não sei. Você está me confundindo. Será que só estou fazendo perguntas erradas? Ele deu uma risada seca. — Muitas mulheres se queixam da mesma coisa, mas é estranho como todas sabem fazer essa pergunta, em particular. Quem você acha que faz toda a engrenagem funcionar? Os capitães e os generais? Acho que tem visto muitos filmes de segunda categoria, doçura. Sem os primeiros sargentos, as companhias parariam. Os olhos de Joe brilhavam e ela os enfrentava magnetizada. — Quem você acha que realmente sabe das coisas? Quem tem idéias e deixa o capitão pensar que são suas? Quem toma as decisões que precisam ser tomadas, escreve a correspondência que precisa ser escrita e rabisca a assinatura do capitão? Quem despista a esposa dele para que não descubra que o filho-da-mãe a está traindo? Joe inflamava-se, e Gina percebeu o quanto tinha tocado num ponto sensível para ele, — Gosto do que faço, gosto de saber o que se passa em primeira mão, gosto de estar no controle embora o capitão pense que é ele quem está. E além de tudo, gosto da minha companhia. Talvez o ar não seja tão anti-séptico no meu escalão, mas para mim cheira muito melhor do que o que circula nos escalões superiores. Seguiu-se um silêncio prolongado. Gina tentava captar o significado do que Joe lhe dissera, e tentava lutar contra o resto de preconceito que ainda existia nela. — Entendo disse, finalmente. — Será que entende? — Joe deu um sorriso forçado. — Pergunte ao seu pai se não achou minha explicação esclarecedora. — Você parece mesmo ter se dado muito bem com meu pai, não? — Me dei, sim. Ele é um homem de fibra — Joe limpou a boca e as mãos num guardanapo e deitou-se no gramado, fora da esteira. Não havia comido muito. Gina imaginou que talvez a conversa lhe tivesse tirado o apetite. — O que tanto encontraram para fazer durante todo o sábado? — perguntou, continuando sua refeição. — Seu pai me mostrou Tiraumea e a vizinhança. Aparentemente, ele gostaria de se concentrar mais no plantio de frutas do que na criação de gado. — Realmente ele sempre foi apaixonado por isso. Garanto que foi lhe mostrar as videiras. Tem um enorme orgulho delas. — E com razão. É por isso que gostaria de expandir mais essa área e desistir da atividade leiteira. — Diz isso há anos. — Todos temos um sonho que gostaríamos de transformar em realidade. Sabia que ele me perguntou se eu não gostaria de comprar essa parte da fazenda? Gina engasgou com um gole de suco de maçã. O ataque de tosse logo passou e ela perguntou: — Por que cargas d’água foi oferecer logo a você? O que você entende disso? — Pensei que tivesse lhe dito que fui criado numa fazenda. — Sim… sim, você falou. Mas apenas ter sido criado numa fazenda não faz de alguém um fazendeiro. — Certo. Só que trabalhei duro e por muito tempo naquela fazenda, como se fosse minha, até que tive que cair fora aos vinte e um anos. Além disso, sou excelente aluno, o que entra na minha cabeça, fica. Livros Florzinha

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— Por que precisou deixar a fazenda? Não era de seus pais? — Não tenho nenhum de meus pais. Minha mãe morreu e a vida de meu pai era o mar. Aos onze anos, depois de fugir várias vezes de lares adotivos, saí de Nova York para o centrooeste. Sabia que lá era o meu lugar. — Tinha algum alguém, algum parente lá? — Sim, um tio, que me criou como filho dele. Só que eu não era. Embora nunca me tivesse dito, sabia que gostaria de deixar a fazenda para mim. Tinha três filhos, todos cursando universidades e encaminhados para outras carreiras. Minha tia morreu quando eu estava com quinze anos, e ele seis anos depois. Meus primos herdaram tudo e venderam a fazenda, o que quase arrebentou meu coração. Gina estava sentada, com os braços em volta dos joelhos, muito quieta, observando o rosto de Joe, voltado para o céu enquanto falava. Nunca sentira tanta dificuldade em achar alguma coisa para dizer. Ele riu de súbito, sem o bom humor que caracterizava suas risadas. — Todas estas lembranças já estavam há muito tempo enterradas. Pensei que já nem existissem mais. — Por quê? As lembranças quer sejam alegres ou tristes têm sempre que ser esquecidas? — Deveriam. Quase não há espaço para o presente em nossas vidas, quanto mais para o passado… Ao ouvir isso. Gina lembrou-se de que ele havia dito quase aquilo na noite anterior, mas então ela não estava com o espírito aberto para apreciar qualquer tipo de teoria ou julgamento que ele tivesse sobre as coisas. Compreendeu de onde Joe tirara toda sua energia e força. Sua vida tinha sido dura, mas ele soubera aproveitar suas experiências. Aprendera a caminhar sempre para frente, não se importando com o que tivesse deixado para trás, por mais doloroso que pudesse ter sido. Fez-se um longo silêncio entre os dois. Gina sentiu-se aliviada. Já tinha muito que reformular das conclusões precipitadas que tirara sobre ele. Um pouco mais, e sua cabeça fundiria. Deu uma rápida olhada para Joe e viu que se acomodara melhor e eslava cochilando. Deitou-se de bruços sobre os cotovelos e, segurando o rosto com as mãos, ficou a observá-lo. Num repente, como que assustada com o rumo dos próprios pensamentos, levantou-se e foi guardar as coisas no carro. Deitou-se depois na esteira e ficou contemplando o céu, até adormecer. Acordou num sobressalto e deu com os olhos azuis de Joe bem perto dela, o que lhe causou uma sensação de prazer e surpresa. Ele havia mudado de posição e estava deitado a seu lado. Apesar de seus corpos não se tocarem, parecia que nunca haviam estado tão próximos. — Estou com fome — murmurou ele. — Não é para menos — respondeu, sem conseguir tirar os olhos dos dele, enquanto ele chegava ainda mais perto. — Você não comeu quase nada! De início, não entendeu aquele sorriso, mas também não se preocupou em entender. Se era difícil compreender aquele homem, muito mais seria suas próprias reações. Uma sensação estranha, mágica, se apossava dela. Quando os lábios dele, quentes e firmes, se apoderaram dos dela, sentiu-se maravilhada, com uma vontade louca de soltar uma exclamação de prazer. Ficou muito quieta, sua respiração, porém, foi se acelerando, à medida que Joe afastava sua boca e, suavemente, beijava-a no rosto, nos olhos, na testa, no nariz e no queixo Em nenhum momento, tentou tocá-la ou diminuir a pequena distância que os separava. Gina experimentava uma deliciosa sensação de bem-estar. Virou sensualmente o rosto, e os lábios de Joe subiram pela linha de seu pescoço até a orelha. Podia sentir-lhe a respiração quente e ofegante. Virou a cabeça num movimento brusco, como se impelida a examinar a expressão dele. O olhar dele era ardente e a fez sentir um frio na boca do estômago. — Já lhe disse que tem uma boca encantadora? — sussurrou, com os lábios quase tocando os seus, — Gosto de vê-la assim descontraída, macia, convidativa, feita para beijar Livros Florzinha

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— Não! — Sem grande convicção, Gina esboçou um protesto, fazendo menção de se levantar. Joe, porém, foi mais rápido e chegou bem junto dela. Abaixando a cabeça, começou a beijá-la de maneira mais sensual e Gina foi envolvida pelo ardor daqueles lábios. Segundos depois, porém, Joe ergueu a cabaça e se levantou, puxando-a consigo. — Acho que está na hora de pegarmos a estrada — disse, inesperadamente, enrolando a esteira e colocando-a sob o braço. Trêmula e zonza, Gina tentou se recompor, não entendendo a atitude fria de Joe. Durante o resto do percurso, ele não procurou mais assuntos para conversar e a viagem foi feita em silêncio quase total. De vez em quando se pegava olhando para o perfil dele, e precisava fazer uma grande esforço para se controlar. Chegaram à periferia da cidade ao pôr-do-sol. Apesar da insistência de Gina em irem diretamente para o acampamento, Joe quis ir para a casa dela. Gostaria de convidá-lo para entrar e tomar um chá, mas não estava mais agüentando nem um minuto de tensão, quanto mais umas duas horas! — Preciso ir até a cidade — ele disse, desligando o motor. — Vou ajudá-la a levar suas coisas e ver se está tudo em ordem lá dentro. Gina agradeceu com um fio de voz e foi, à frente dele, destrancar porta. A casa exalava seu perfume. Foi até a cozinha deixar algumas coisas e compreendeu que, em dois dias, tudo havia mudado. Nada era igual e nunca mais seria. Ficou sem saber o que fazer. Voltou para a sala. Joe havia pousado sua mala no chão. Em dois meses aquele sargento grande e barulhento virara sua vida de cabeça rara baixo. — O que houve? — perguntou a ela, — Parece que viu um fantasma! — Acho… acho que estou cansada — esboçou um sorriso. — Gostaria de comer alguma coisa antes de ir? — Estava fazendo a pergunta quando, para sua aflição, lágrimas começaram a escorrer-lhe pelo rosto, turvando-lhe a visão. No mesmo instante Joe estava a seu lado, envolvendo-a como se fosse uma criança. Deitando a cabeça no ombro dele, Gina chorou rodas as suas dúvidas e angústias, até que as lágrimas secaram. — Esse fim de semana foi um inferno para você — ele disse, num tom carinhoso, sem saber que ele, muito mais do que Norrie, havia sido responsável por isso. Ele havia quebrado a redoma que ela havia construído para si mesma e que lhe dava segurança, deixando-a exposta e desprotegida, sem saber que direção tomar. — Mas valeu a pena — prosseguiu ele. — Finalmente libertou-se. Agora tem muita coisa para refazer — falava, afagando-lhe os cabelos. Tomou seu rosto entre as mãos, e ficou a olhá-la fixamente nos olhos, com uma expressão até então desconhecida para ela. Depois passou os dedos pelos seus cabelos, puxando a cabeça dela para trás com uma suave exclamação, quase um gemido. Subitamente soltou-a e, antes que ela tivesse tempo de se equilibrar direito, já estava à porta, dizendo apressadamente: — Não vou ficar. Como qualquer coisa na cidade. — Você vem… você vem jantar uma noite dessas antes de ir, não vem? — Claro, venho me despedir. Vou trazer champanhe para você comemorar. — Comemorar o quê? — Que finalmente vou parar de aborrecê-la e você vai poder retornar à sua vida agradável, previsível e segura de sempre, sem um sargento grosso e deselegante para perturbá-la. Não é ocasião para comemorar? Gina permaneceu parada por um bom tempo, depois que ele partiu. Estava numa tremenda confusão e nem tentava mais entender o que se passava dentro dela. Resolveu fazer coisas simples, tomar um banho, lavar a cabeça e preparar alguma coisa para comer. Talvez depois conseguisse pensar melhor. Quatro dias e vários banhos depois, ainda não compreendia aquela metamorfose em seu interior e a reviravolta de seus sentimentos por um homem que, até a tarde de domingo, não possuía nenhum atrativo para ela. Quando Joe telefonou quinta-feira à noite, no final do dia mais quente do ano, e sugeriu que fossem nadar, Gina hesitou diante de uma súbita sensação de medo e excitação. Livros Florzinha

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— Esta é a última noite em que vou ter o carro — explicou — por isso é bom aproveitarmos. — E, decidido a não receber uma recusa, foi logo dizendo: — Passo às sete para apanhá-la. — E desligou. Durante todo o trajeto até a praia de Himatangi, nenhum dos dois disse uma palavra. De vez em quando Gina dava uma olhada para o perfil dele, percebendo que estava pensativo. Mil pensamentos também cruzavam sua cabeça, por isso não dava força para qualquer conversação banal. Estava tão cônscia da presença dele que não conseguia tirar os olhos das pernas musculosas ao lado das suas, dos braços fortes e das mãos firmes que seguravam o volante. A praia estava tranqüila e amena. Perdia-se de vista sua extensão de ambos os lados. O pôr-do-sol prometia ser um espetáculo. Em outras circunstâncias, Gina teria perguntado a Joe se no Havaí havia um pôr-do-sol tão esplendoroso como aquele, mas nesse momento a atmosfera entre eles estava carregada demais, tensa demais para qualquer frase assim. O mar não estava tão sereno e morno como havia imaginado. Após umas braçadas revigorantes, Gina ainda estava com frio e resolveu parar bem antes de Joe. Sentou-se na areia para secar o corpo aos últimos raios de sol. Ficou observando alguns banhistas à distância e, mais distantes ainda, solitários pescadores. Algum tempo depois, enquanto Joe trocava de roupa, Gina ficou do outro lado do carro. Tirou as peças do biquíni, por baixo da larga túnica de algodão estampado que vestia e procurou na sacola seu sutiã e a calcinha. Não estavam lá. Esquecera-os em casa, provavelmente sobre a cama. Fechou a sacola e ficou indecisa por alguns minutos. Seu biquíni, além de muito úmido, estava cheio de areia. — Está pronta? — perguntou Joe. — Si… sim… — Não tinha alternativa senão a de ir despida por baixo da roupa. Sua esperança era que Joe não lhe prestasse mais atenção agora do que quando viera. Quase não olhara para ela. Além disso já estaria completamente escuro quando chegassem, e de qualquer forma o tecido da túnica não era assim tão transparente. Realmente, a noite havia caído, quando pararam o carro em frente de casa, depois de permanecerem praticamente calados durante o trajeto de volta. — Teve alguma notícia de Norrie desde que voltou? — Joe quis saber, enquanto a acompanhava até a porta e entrava, como se tivesse certeza de que ela o convidaria. Gina olhou-o surpresa, mas não pôde ver a expressão de seu rosto no escuro. — Claro que não! Que razão teria para me procurar? — Talvez você não consiga pensar em nenhuma, mas eu peno em várias. — O que… o que está fazendo? — Gina perguntou embora pudesse muito bem ver, mesmo no escuro, que ele estava tirando a camisa. Esquecendo o jeito como estava vestida, foi acender a luz, tuas a mão firme de Joe a impediu. — Só tirei a camisa, não tenho intenção alguma de ofendê-la. — Por que fez isso? — perguntou sentindo uma desesperada falta de ar. O riso dele soou rouco e abafado. — Por que ir dar um mergulho em água gelada se tudo o que quero é fazer um amor apaixonado e violento com você? Ele a pegou pelo pulso e a levou até a sala de visitas. Não havia a menor resistência nela. Gina logo teve consciência de que estava sendo deitada no tapete e não no sofá. A situação e a sensualidade dele a deixavam ao mesmo tempo excitada e apavorada. Um débil protesto morreu em seus lábios assim que sentiu o corpo de Joe, inteiramente em contato com o seu, e os lábios dele que começavam a explorar devagar sua boca. Suas mãos, que até tão pouco tempo repeliam aquele homem, deslizaram agora pelas costas musculosas de Joe, e toda ela vibrava de prazer ao sentir que a boca que acariciava seus lábios agora descia-lhe pelo pescoço e mordiscava sua orelha. Num movimento lento, Joe virou-se de lado, colocando a perna de Gina sobre a sua, sem desgrudar seu corpo do dela. Acariciou-lhe com mãos firmes e gentis as costas, a cintura e finalmente o contorno de seus seios. Ambos perderam a respiração. — Meu Deus! — exclamou. — Você não está usando nada sob isto? Livros Florzinha

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Gina sacudiu a cabeça, incapaz de falar, como se o contato eletrizante daquela mão em seu seio paralisasse todos os seus sentidos. Joe ficou muito quieto por um minuto. Parecia ter parado de respirar. Depois balbuciou baixinho: — Droga! Droga! — num tom entre raiva e dor. Desvencilhou-se dela e se levantou. — Joe! — Gina sentou-se. Ele permaneceu de costas para ela por vários minutos e depois se voltou furioso. — Ouça, doçura — disse, em tom áspero —, em menos de uma semana estarei de volta ao solo americano e não quero partir com a lembrança de uma noite passada com você, para depois me atormentar por não tê-la mais. Descobri que o álcool é um mal paliativo e já fiquei muito bêbado por causa de uma mulher. Não quero que isso aconteça de novo. Andou até a porta, murmurando um “depois telefono”, e se foi, deixando Gina num verdadeiro turbilhão de emoções, exposta e rejeitada, como se fosse a única responsável por aquela explosão que havia acontecido entre eles. Depois que seu sangue começou a esfriar e todos os seus sentidos a fizeram sentir que seu desejo fora frustrado, uma sensação estranha a invadiu. Era como se tivesse morrido e precisasse nascer novamente. Deitou-se no chão e deixou que as lágrimas corressem soltas, extravasando toda a agonia que ia em seu íntimo. CAPÍTULO VII Depois de passar cinco dias sem notícias de Joe, Gina começou a acreditar que ele partira sem se despedir. De certa forma, sentia-se até mais tranqüila, pois não precisaria mais ficar enclausurada, numa ansiosa expectativa de que ele telefonasse ou aparecesse. Podia recolher os cacos de sua vida e tentar reconstruí-la. Demorara muito para se recuperar do golpe que Norrie lhe dera, mas levaria menos tempo para esquecer a atração forte, momentânea, que sentia por Joe, Sempre considerara aquele tipo de sentimento como “paixão animal”. Logo estaria curada dela. Encolhida no sofá, perguntava-se o porquê de se pegar inúmeras vezes repetindo o nome dele. A todo momento levantava os olhos do jornal, que folheava desatenta. Seu coração deu um pulo ao ouvir baterem na porta da frente. Sentiu o rosto afogueado por uma estranha expectativa. Depois se lembrou que Joe sempre entrava pela porta dos fundos. Enquanto caminhava pelo hall, descalça, Gina enfiou melhor a camisa para dentro da calça. Sentiu um enorme e inacreditável desprazer ao abrir a porta. Olhou em silêncio para o indesejado visitante. Depois teve um impulso de bater a porta na cara dele, mas Norrie forçou a porta com o pé, obrigando-a a dar uns passos para trás. Muito tensa, ela procurou se controlar: — O que está fazendo aqui? — perguntou, sentindo a boca amarga e seca. Norrie tinha um sorriso zombeteiro nos lábios. Os olhos dele a mediram por inteiro de maneira atrevida. Entrou, fechando a porta atrás de si, fazendo-a estremecer. — São essas as boas-vindas que dá a seu antigo amor? O instinto de Gina lhe avisou que precisava ter calma para lidar com aquela situação. — Não conhece o ditado que diz “rei morto, rei posto”? — perguntou Gina com ar de troça, tentando não levá-lo muito a sério, e dirigindo-se para a sala de estar. — Então, viva o novo rei! Por um acaso o americano é um exemplo do “novo”? — Norrie a seguia devagar, com as mãos enfiadas nos bolsos da jaqueta, examinando a casa. Gina não respondeu. Ele olhou ao seu redor, ostensivamente: — Pelo visto, a não ser pelo americano, você se saiu muito bem para uma mulher. — Desde aqueles dias decadentes com você, só almejava uma direção: para cima! E consegui! — Se ir para a cama com um soldado é sua idéia de ascensão, posso dizer que ainda temos todo um futuro diante de nós. Os olhos de Gina brilharam de raiva. — Saia daqui! Livros Florzinha

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Norrie deu uma gargalhada desagradável. — Não me diga que ainda é puritana. Deus, que chatice! Muito pior uma puritana hipócrita do que uma virgem hipócrita. Afinal o que foi que a encantou no americano? Ele parece um selvagem. — Já lhe disse: ele é um homem de verdade! O que é muito mais do que se pode dizer de você! — Impressão que estou para retificar. Gina sentiu o sangue gelar-lhe nas veias. — Antes que a noite acabe, vai ver que ele e eu temos em comum muito mais do que pensa. Lutando para não se deixar dominar pelo pânico, ela o desafiou: — Pois bem, se quiser. Só não espere que Joe o trate com simpatia quando chegar. Norrie ergueu as sobrancelhas. — Quando, hoje? — perguntou, demonstrando não estar nem um pouco preocupado. — Claro que hoje — Gina retrucou, sem hesitar. Inesperadamente, ele deu uma risada, breve e sinistra. — Gostei, mas não mais cometa o erro de me subestimar. Acontece que estou sabendo da volta do seu herói para o Havaí ontem. Fiz minhas investigações. Por que acha que demorei tanto para vir lhe fazer esta visita? Por alguns terríveis segundos, Gina teve a nítida sensação de que ia desfalecer. Ficou completamente chocada com a informação que Norrie lhe dera, não podendo sequer disfarçar a angústia que sentia diante do impacto da notícia. — Não sabia que ele havia partido? — Norrie perguntou, visivelmente espantado. Depois jogou a cabeça para trás e riu tão alto que Gina teve vontade de tapar os ouvidos com as mãos, para não ouvir aquele som desagradável. — Ora, ora — disse, diminuindo a risada. — Parece que ele e eu temos mais em comum do que havia pensado. — Saia! — Gina sussurrou entre dentes, apontando a porta. — Saia já, ou vou chamar a polícia! Sem desviar os olhos dela, ele simplesmente tirou a jaqueta e sentou-se numa cadeira. — Bem, nada de cenas teatrais. Já chega as de Colette. Aliás, apesar de vocês serem irmãs, são tão diferentes como o dia e a noite. Resolvi que quero experimentar um pouco do que deixei de lado. Além disso, temos umas contazinhas para ajustar, você e eu, como deve se lembrar. Não gosto de ser agredido. Você vai ter de pagar por isso… À medida que o escutava, Gina ia se convencendo de que não havia estratagema, por mais brilhante que fosse, que a pudesse salvar daquela situação. Tinha vontade de sumir dali. Aquele não era mais nem de longe o homem que havia conhecido ou julgado conhecer. Fez menção de se dirigir para a porta, mas foi agarrada por Norrie com toda força, soltando um gemido de dor. Para seu horror, ele puxou sua cabeça para trás e começou a dar-lhe beijos repugnantes. Gina cerrou os lábios o mais que pôde numa tentativa de resistir, enquanto lágrimas lhe escorriam pelo rosto. Desesperada, lutou com todas as suas forças e deve ter chamado por Joe, pois Norrie soltou um risinho mordaz, dizendo-lhe: — Joe não virá em seu socorro, minha flor. Lembre-se que está a quilômetros de distância. Com a mão livre, Gina tentou afastar o rosto dele, sentindo seu ódio crescer a cada minuto. Ele, porém, agarrou-a pelo pulso, e atirou-a no sofá. — Prefiro não usar de violência com você — ameaçou, com voz baixa e controlada, enquanto se deitava sobre ela — por isso colabore, caso contrário terei que fazê-lo. A escolha é sua. Era um tormento não poder evitar aqueles beijos, beijos que não só a enojavam como a apavoravam. Quando ele começou a tirar-lhe a roupa já rasgada, sentiu que ia desmaiar. Os soluços morriam-lhe na garganta e não tinha forças sequer para enfiar-lhe as unhas no rosto como gostaria.

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Teve apenas a vaga consciência do que se passou a seguir. Ouviu um barulho de uma pancada que não poderia dizer exatamente de onde vinha, e milagrosamente sentiu-se livre. O peso daquele corpo odioso não fazia mais pressão sobre o seu. À sensação de alívio, seguiu-se um pranto convulsivo até a exaustão. Algum tempo depois, acuada num canto do sofá, sentiu uma mão tocar seu ombro. Pôsse de pé no mesmo instante e começou a protestar furiosamente. — Gina! Acalme-Se, Gina! Sou eu… Joe. Dois braços vigorosos a enlaçaram num abraço forte e protetor. Reconheceu a voz amiga que a fez voltar à razão e, a princípio ficou muito quieta. Depois, como que avaliando o risco que havia corrido, começou a chorar de novo, agarrando-se a ele. Joe levantou-lhe o rosto e a olhou de uma maneira que nunca tinha olhado antes. — O que foi que ele lhe fez? Gina estremeceu convulsivamente. Nunca o ouvira falar num tom tão grave, nem o vira tão pálido e com o olhar tão perigoso. Por ironia, lembrou-se de ter tantas vezes odiado o eterno bom humor dele e agora daria tudo para vê-lo menos sério. — Nada… As mãos de Joe pressionaram-lhe o rosto. — Como nada? Sua roupa está um trapo e seu rosto lívido e assustado. O que foi que ele lhe fez? — Ele… ele estava tentando me violentar — gaguejou. — Ameaçou me bater se eu resistisse, mas então você chegou… Onde você estava? Ele disse que você tinha partido — exclamou chorosa, procurando por vontade própria se aninhar nos braços dele, enquanto ele murmurava uma imprecação. Passados alguns minutos, ele a afastou de si e, com um súbito brilho iluminando-lhe o olhar, disse: — Cheguei à conclusão fatal de que só há uma solução para o nosso caso. Nós dois precisamos de alguém que nos poupe dessa solidão doentia e neurótica… Acho que deveríamos nos casar! Ao ouvir isso, Gina sentiu uma sensação curiosa, como se outra pessoa estivesse ouvindo a proposta e concordasse com ela. No momento seguinte, ela já se viu dando uma resposta afirmativa para Joe. Ele a olhou profundamente. Depois, ajudou-a a se recompor e abraçou-a: — Acho que está precisando de cama e de um chocolate quentinho. Docilmente, Gina deixou-se levar até o banheiro. Ele abriu a torneira de água quente, molhou uma toalha e foi limpando as várias partes de seu rosto, usando de toda delicadeza em volta dos olhos e dos lábios. Ela o olhou comovida e, sentindo um aperto no coração, abaixou os olhos para que ele não visse seu inesperado e inacreditável desejo de se submeter a ele ainda mais completamente do que estava fazendo. — O que houve com sua mão? — Surpreendeu-se ao ver a mão dele toda cheia de arranhões. Joe olhou para a mão sem fazer grande caso. — Dei uma lição naquele sujeito que tão cedo não vai esquecer. — Em Norrie? Onde? — Lá no jardim. — Seus olhos estavam sombrios. — Isso não é nada. Estou mais do que habituado. Agora tome um banho que eu vou preparar uma coisa que a fará dormir como um anjo. Ela o agarrou pelo braço ansiosa. — Você… você não vai me deixar aqui sozinha… — Fique tranqüila — assegurou, dando-lhe um tapinha no rosto. — Não tenho a menor intenção. — Juro que pensei que você tivesse ido sem se despedir — disse Gina, ao sentar-se na cama, depois do banho, cobrindo-se de leve com o lençol e bebericando o leite que Joe havia

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preparado, com uma generosa quantidade de conhaque. Ainda estava com um nó na garganta e tinha dificuldade em falar. Joe acomodou-se na outra extremidade da cama e não tirava os olhos dela. — Devia ter voltado com o resto da companhia ontem, mas tive ordens de última hora para ficar mais três semanas aqui na Nova Zelândia, num lugar chamado Waioruru, conhece? Gina sorriu ao ouvi-lo pronunciar tão bem o nome. — O que foi muito bom — prosseguiu ele — porque não tinha a menor intenção de ir embora antes de me certificar de que Freeman viajasse primeiro. Ela arregalou os olhos. — O que quer dizer? Como poderia saber quando ele iria embora, se é que tinha a intenção de ir? Colette estava pensando em ficar na Nova Zelândia! — Tenho estado em contato com seu pessoal. Disseram-me que Freeman e sua irmã tinham feito reservas para viajar para Auckland há dois dias. Sua irmã foi, mas Freeman não. Eu estava em Waioruru ontem e não podia sair de lá. Telefonei-lhe à noite, mas você tinha saído. Pensei em continuar tentando, mesmo que fosse até bem tarde, mas depois achei que estava ficando paranóico por causa daquele cara. Não gostava nem confiava nele, mas também não tinha motivo para achar que fosse capaz de praticar um crime. Estava errado, porém. Ele é um elemento perigoso. Devia ter seguido meus instintos e vindo para cá assim que cheguei de Waioruru… — Não se martirize — Gina procurou confortá-lo, já sentindo a visão meio turva pelo sono. — O importante é que tenha vindo e tudo acabou bem. Engraçado, você dois estavam se espionando… Não sabe o que senti quando ele disse que você havia partido! Joe esboçou um sorriso tímido. — E dizer que todo o tempo pensei que estivesse querendo me ver pelas costas! Gina procurou tirar a mão que ele havia segurado. — Não queria vê-lo pelas costas antes de ter a oportunidade de me despedir, só isso. O aperto de mão de Joe tornou-se mais forte. — Termine o seu leite — disse-lhe, indicando o copo com a cabeça. Ela, obediente, sorveu o restante do leite, de um só gole. Joe pegou o copo vazio e pousouo sobre o criado-mudo. Depois se deitou ao lado dela, puxando-a para si. Gina não opôs a menor resistência, aninhando-se no calor, daqueles braços fortes como se tivessem sido feitos para ela. No momento seguinte, ela adormecia. Às cinco horas da manhã acordou, sentindo uma sensação de perda ao encontrar-se sozinha. Levantou-se imediatamente, não agüentando mais ficar na cama. Depois de lavar o rosto e trocar de roupa, vieram-lhe à mente, muito vagamente, alguns detalhes da noite anterior, e se perguntou se Joe a tinha mesmo pedido em casamento ou fora um sonho. Chegando à cozinha, sentiu o coração saltar dentro do peito ao ver Joe sentado à mesa, com uma xícara de café, lendo o jornal da véspera. Ele olhou-a, com naturalidade. — Levantou cedo, doçura. Sempre acorda a essa hora? — Acordei de repente e não consegui mais ficar na cama. — Sentiu a minha falta? — Não… não me lembro direito se tudo o que aconteceu ontem à noite foi verdade ou sonho… Mas, deve ser verdade, já que você está aqui. — Como se sente? — Bem. O leite que você fez me derrubou. Espero que não tenha gasto muito do meu conhaque! — Se não fosse por ele, duvido que nós dois tivéssemos condições de dormir. Por isso, console-se. Decidindo, num repente, que já estava na hora de falarem abertamente, antes que a situação se complicasse mais, Gina ligou a cafeteira elétrica e voltou-se para ele: — Você me pediu em casamento ontem à noite? — Pedi sim, não se lembra?

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— Lembro-me, mas estou meio confusa, podia ter sido um sonho. Por que fez isso? Não temos nada em comum! — Pelo contrário, acho que temos muito em comum e você também deve pensar assim, senão não teria aceito tão prontamente. — Não foi justo você se valer do meu estado emocional… Joe encolheu os ombros. — Bem, se é assim que vê a coisa, acho aceitável que retire o seu “sim”. De qualquer forma, minha proposta está de pé e gostaria que você pensasse seriamente nela. — Tudo bem. — Em todo caso, acho que devemos entrar com a papelada no cartório e, no caso de aceitar, podemos nos casar antes da minha ida, daqui a três semanas. — Em três semanas? Não está querendo muito? Eu não só teria que decidir rápido como também que arrumar tudo num tempo mínimo! O olhar de Joe foi persuasivo. — Você vai fazer vinte e oito anos. Eu estou com trinta e cinco. Não acha que já somos suficientemente adultos e maduros para saber o que queremos? Para que esperar? Gina escutava levando a xícara à boca e devolvendo-a ao pires sem tocá-la, mexendo-se o tempo todo na cadeira. — Por que está tão agitada? — Se não sabe, não sou eu que vou dizer! — exclamou, levantando-se para colocar uma fatia de pão na torradeira. — Quer uma torrada? Ou já comeu alguma coisa? — Não comi nada, ainda. E há muito que estou de pé. Não preciso de muitas horas de sono. Cinco ou seis são o suficiente para mim. — E parece que também não dorme muito bem, não é? — Lembrou-se da noite agitada em Tiraumea. — Espero que você consiga corrigir tudo isso depois que estivermos casados — comentou, rindo ao vê-la corar. — Você tem sempre as mesmas reações, não? Sei exatamente o que dizer para fazê-la ficar coradinha! — Que monótono para você — ironizou, aliviada de conseguir se dominar. — Deve considerar-se muito afortunado por eu ter desistido de aceitar sua proposta! — Tenho outra razão para querer que você se case comigo — disse Joe de sopetão. — Estou em vias de adotar uma criança, uma garotinha. — Fez uma pausa, como se esperasse por uma reação dela. Como não veio, continuou: — Tem três anos e meio. É vietnamita. Gina, que estava recolhendo os pratos, voltou a sentar-se, fazendo o possível para não demonstrar o choque que levara. Mil pensamentos lhe passavam pela cabeça, mas achou melhor não fazer perguntas. Queria que ele contasse, espontaneamente o que quisesse. — Não está interessada em saber nada a respeito? — Claro que sim, como qualquer mulher estaria. A falta de uma esposa o impede de adotar a criança? — O nome dela é Kim-Lan. Não, meu estado civil não é problema algum nesse caso. Ela está em Saigon e eu vou mover céus e terra para trazê-la. Gina nunca o havia ouvido falar com tamanha eloqüência. Observou-o, pensativa. — Bem, mas espero não ter maiores dificuldades. Até aqui o processo está correndo normalmente — ele prosseguiu. — E a mãe dela? — Morreu. — E… e… o pai? É americano, suponho. — É. — A voz de Joe soou áspera e sua expressão estava vazia. Gina estava a ponto de perguntar se era ele o pai, mas não o fez. Sentiu uma sensação estranha no coração. Talvez tivesse amado a mulher que morrera e lhe dera uma filha. Desconfiou disso por causa da expressão de seus olhos. Não podia ser mais distante e angustiada. — Foi no Vietnam que aprendeu a se agüentar com poucas horas de sono? Ele a olhou aéreo por um ou dois segundos, depois seus olhos se iluminaram num sorriso. Inclinou o corpo e tocou o dedo no nariz Livros Florzinha

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— Entre outras coisas — respondeu, insinuante, divertindo-se com a confusão dela. — Será que nunca consegue ficar sério por mais de dois minutos seguidos? — Se conseguisse, meu doce, já estaria numa camisa-de-força. — Empurrou a cadeira e levantou, olhando para o relógio. — Está na hora de voltar à base. Gina o acompanhou até a porta. — Obrigada pelo que fez por mim ontem à noite… — Um pensamento sobressaltou-a nesse momento e ela o pegou pelo braço. — Será que ele não vai voltar? Joe achou graça. — Duvido. Vai ficar fora de circulação por um mês, no mínimo, depois da lição que lhe dei. Mas vou pedir a um de meus colegas para lhe telefonar sempre. Em todo caso, conserve as portas trancadas e não abra para ninguém, isto é, com apenas uma exceção, — Sorriu, envolvendo-a num abraço. — Vou então… vê-lo novamente? — ela perguntou meio sem ar, com a pressão dos braços dele. — Provavelmente não, até o dia do nosso casamento — falou roçando os lábios em seu rosto. — Não, Joe, já disse que… Seu protesto foi interrompido pelos lábios dele, que começou a beija-la com delicadeza, como que respeitando os maus momentos que ela vivera na noite anterior. Ela abraçou-o, cotando seu corpo ao dele. — Pense bem no assunto e estou certo de que sua resposta será afirmativa. Porque, minha feiticeirazinha loira, não tenho dúvidas de que você me deseja tanto quanto eu a você. Gina enrijeceu o corpo, excitada e contrariada com o tom de voz Joe. Tentou afastar-se, em vão, do seu abraço. — Não sou feiticeirazinha coisíssima nenhuma e não estou tão louca por você quanto pensa. Agora solte-me! — Que mentirozinha! Mas tão apetitosa! — Você não tem jeito! Solte-me! — Ok, por enquanto. — Joe despediu-se com um leve beijo. — Aloha oe. — E se foi. CAPÍTULO VIII Gina ajeitou-se melhor na poltrona do avião tentando dormir. Parecia-lhe impossível relaxar enquanto refletisse sobre o turbilhão em que havia entrado e que a conduzira até aquele jato, voando sobre o Pacífico. Estava a bordo daquele Boeing 747 há oito horas, e ainda tinha outras oito horas pela frente, para meditar sobre a loucura que fizera. Olhou para a reluzente aliança de ouro em sua mão esquerda. Era-lhe ainda estranho. Joe estava com a razão, tinha acabado por aceitá-lo como marido. A cerimônia de casamento fora realizada nos jardins da casa de seus pais, pelo pastor da região. Sua noite de núpcias, a única que tiveram antes de Joe retornar a Honolulu, havia sido passada lá mesmo, no quarto de hóspedes, apesar de os pais de Gina terem sugerido que fossem dormir numa praia próxima. Joe rejeitara a idéia, para aflição da jovem esposa. — Não posso dormir com você aqui, sob o teto de meus pais — dissera-lhe zangada, ao ficarem a sós no quarto. — Simplesmente não posso! — Sei disso — fora a surpreendente resposta dele. — Então por que não quis aceitar a sugestão de meus pais? — Porque amanhã terei de deixá-la, e não quero chegar a Oahu sozinho, depois de ter dormido com você. A lembrança dessa noite só serviria para me atormentar noite após noite até que você pudesse se juntar a mim. Ele falara abraçando-a ternamente, beijando-lhe de quando em quando o pescoço. — Quando fizermos amor pela primeira vez — acrescentou, olhando-a fixamente — não quero que tenha outra coisa na cabeça, senão eu. Nenhum pensamento sobre seus pais, nossa próxima separação, ou preocupações sobre o aluguel da casa, ou seu pedido de demissão. Quero que esteja habituada a mim, que confie em mim e que me deseje, excluindo todo o resto. Livros Florzinha

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Afastara-se de Gina e começara a se trocar, enquanto ela permanecia muito calada, com os olhos sombrios no rosto pálido. — E se eu não for? Se, depois da sua partida, eu mudar de idéia? — perguntara num murmúrio. — Essa possibilidade já me passou pela cabeça, mas vou ter que correr esse risco. Alguma coisa me diz, entretanto, que você não vai lazer isso. Isso fora no começo de abril, agora já estavam em fins de junho. Durante esse período, Joe escrevera com freqüência, mas sem falar em seus sentimentos, ou expressar o desejo de que estivesse lá, ao lado dele. Parecia óbvio que estava lhe dando a oportunidade de mudar de idéia, se quisesse. Afinal não seria difícil anular um casamento não consumado. Apesar de várias vezes ter estado a ponto de fazer isso, na última hora Gina sempre mudava de idéia. Tivera no entanto o cuidado de não deixar ninguém do escritório saber de seu casamento, para o caso de resolver ficar. Entretanto, a perspectiva de retomar sua vida exatamente como era antes, tampouco a atraía. Decidira-se, finalmente, a aceitar a proposta de Joe porque, embora nunca tivesse lhe dito, sabia instintivamente que ele precisava dela. Tinha a impressão de que nunca, em lugar algum, alguém precisaria realmente dela. Ser necessária a Joe e, possivelmente, a uma pequena garota sem mãe era um projeto no qual valia a pena investir sua vida, tendo um homem íntegro e sincero como companheiro. Se se recusasse agora, talvez nunca mais tivesse outra oportunidade. Ao chegar pela manhã ao aeroporto de Honolulu, Gina estava exausta e com os olhos pesados. Olhou-se no espelho antes de desembarcar e ficou com pena da triste impressão que causaria a Joe, com seus cabelos escorridos, olhos inflamados e o rosto pálido. Depois de passar pela alfândega, percebeu que sua preocupação fora em vão. — Onde está Joe? — perguntou a Lou de Laney, colocando-se de imediato na defensiva, sem sequer se dar ao trabalho de responder ao cumprimento dele, até bem cordial! — Joe ficou detido por um contratempo no quartel. É o tipo de ocorrência à qual a mulher de um soldado deve se acostumar. Vamos pegar sua bagagem? De repente, Gina teve a sensação de ter tomado a decisão mais errada de sua vida. Foi invadida por uma saudade tão grande de sua casa que quase lhe vieram lágrimas aos olhos. Seguiu Lou, esforçando-se para manter uma atitude a mais digna possível. — Isso é tudo? — perguntou surpreendido, ao ver as duas malas de tamanho médio que trouxera. — É, e já ultrapassaram o peso permitido. — Parece que não encara esse casamento como muito duradouro. Gina fulminou-o com o olhar. Pegando as malas, ele se afastou rapidamente obrigando-a a quase correr para segui-lo através da multidão de estranhos do aeroporto. Fizeram o trajeto até a casa em silêncio. Gina observava a ilha paradisíaca que seria seu mundo dali por diante. Até chegar, não fazia idéia de como fosse realmente Honolulu, mas a imagem que o nome Havaí despertava em sua mente era idílica e luxuriante. Não estava vendo, porém, nada da vegetação exuberante que povoava sua imaginação. Depois de uns vinte e cinco minutos, saíram da estrada. Lou diminuiu a marcha e parou em frente a um bangalô, numa esquina. Era pintado de um verde insípido e estava rodeado de plantas tropicais, das quais Gina só conhecia os hibiscos e as bananeiras. Esperou que Lou não visse a decepção estampada em seu rosto. Pegou uma de suas malas e, com certa dificuldade, desceu do Mustang. Caminhou na frente dele pelo pequeno gramado até a porta e alegrou-se ao verificar que o interior da casa era muito agradável. Desde a pintura até os móveis, estava tudo em muito boas condições. — É uma graça — comentou, indo de um cômodo ao outro. Apesar de não ser exatamente de seu gosto, não havia o que criticar. — Para mim estava muito bom como estava antes, mas Joe não descansou enquanto não redecorou tudo para a chegada da noivinha.

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— Então não posso esquecer de dizer a ele que gostei muito de tudo. Parece fresquinho aqui, não? — Ele deixou o ar condicionado ligado ao sair pela manhã. Queria assegurar-lhe todo o conforto. Gina manteve a cabeça erguida e a expressão indefinível, com grande esforço. — Sabe quando ele chega em casa? — Não, mas, considerando-se que a tem aqui à sua espera, não deve haver nada que o detenha por muito tempo, não acha? — E você ressente-se disso, não é? — Os olhos de Lou estreitaram-se e ele deu um passo em direção a ela, com a expressão carregada. Gina quase deu uns passos para trás. — Sim — falou entre dentes. — Acho uma pena que tenha sido fisgado por alguém como você. Extremamente cansada, Gina passou a mão pelo rosto e disse: — Ouça, sei que não gosta de mim, o que aliás é recíproco, mas precisamos continuar nos agredindo dessa maneira? Parece inútil. — Você não gosta de ninguém, não é só de mim. Nem mesmo do Joe. Ou vai me dizer, honestamente, que se casou com ele por amor? Gina olhava para o rosto zangado de Lou, sem forças para responder. Fez um gesto com as mãos e, finalmente, tentou explicar: — Você não entende, Lou. De fato não nos casamos porque estivéssemos loucamente apaixonados um pelo outro. Nenhum dos dois… Lou praguejou, entre a surpresa e a raiva. — Acredita nisso? Que outra razão Joe teria para abrir mão de sua liberdade há tanto tempo cultivada? Um impulso? Acha que se casaria simplesmente para dar uma mãe para a garotinha que vai chegar? Pálida e abalada, emocionalmente, Gina apontou para a porta. — Saia. Por favor, saia! Apesar de não ter alterado a voz, Lou deve ter percebido que ela estava no limite de suas forças, pois se dirigiu à porta. — Vou com muito prazer, garota, mas quero avisá-la que se trair o amor de Joe juro que a esgano! — Bateu a porta atrás de si. — Bem-vinda ao paraíso! — Gina falou alto e foi para o quarto. Colocou sua bolsa sobre a enorme cama de casal e olhou pela janela. Podia avistar inúmeros bangalôs daquele tipo, a perder de vista subindo a colina, mas de nenhuma janela, conforme verificou, dava para se ver o mar. Depois de tomar um bom banho, vestiu uma camisola de algodão leve, fechou as cortinas e foi se deitar. Mesmo contra sua vontade, não conseguia deixar de pensar na atitude de Lou. Nunca seriam amigos. Mas, também, já que julgava que Joe a amava e não era correspondido, era de se esperar que se preocupasse. Precisaria pedir a Joe que conversasse com ele e o tranqüilizasse, caso contrário a situação entre ambos ficaria cada vez pior. A tarde chegava ao fim quando acordou de um sono tão pesado e reparador que não conseguiu, de imediato, saber onde estava. Depois que tudo se clareou em sua mente, escovou os dentes e lavou o rosto com água fria, descendo para a sala com os cabelos bem escovados e brilhantes. A casa estava em silêncio e a sala meio escura. De repente, seu olhar recaiu sobre Joe, esticado no sofá. Era a primeira vez que o via de uniforme. Ajoelhou-se ao lado dele no tapete, ficando a observá-lo. Poucos minutos depois, ele acordou, já de olhos bem abertos e com um leve sorriso nos lábios. Estendeu o braço e acariciou-lhe os cabelos. — Há quanto tempo está aí? Gina sorriu, inclinando a cabeça contra a mão dele. — Só um pouco. Queria ver se não tinha mudado, antes de acordá-lo.

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— E como esperava me acordar? — ele murmurou, analisando com olhos sorridentes a expressão do rosto dela, descendo pela linha de seu pescoço, de seus ombros nus e detendose no contorno provocante de seus seios. Escorregando sofá abaixo, foi se juntar a ela no tapete, puxando-a para si e deitando-se sobre ela. Apesar de ser uma delícia sentir o peso do corpo dele sobre o seu, Gina foi forçada a reclamar: — Você está me esmagando! A contragosto, Joe parou de beijar-lhe o pescoço e deitou-se ao lado dela. — Será que estamos fadados a fazer amor no chão? — Gina perguntou com um sorriso. Joe não tirava os olhos do rosto dela. — Senti sua falta. — Ela estremeceu diante da intensidade do desejo que sentia por aquele homem. Quando ele abaixou a cabeça para beijá-la, Gina passou os dedos por seus cabelos, sentindo um prazer enorme quando a mão dele tocou-lhe primeiro o rosto e depois desceu para os seios, que começou a beijar. Num repente, ele se afastou dela. — Desculpe — disse em voz rouca, estendendo ambas as mãos para ajudá-la a levantarse. — Estou me comportando como um egoísta. — Abraçando-a, beijou-a de leve na testa: — Se dormiu durante o dia todo, deve estar morrendo de fome. Vou levá-la a um pequeno restaurante na praia de Waikiki, íntimo e aconchegante, e tem uma atmosfera deliciosa. Vou telefonar e fazer a reserva para as oito, está bem? Gina o olhava estupefata. Felizmente estava escuro e ele não podia ver o desapontamento em seu rosto. — Gostou da casa? — perguntou, indo acender a luz do abajur na mesinha. — Lou mostrou-lhe tudo? Ela assentiu com a cabeça, tentando desesperadamente pôr os pensamentos em ordem. — Adorei o segundo quarto. Está lindamente decorado para uma menina pequena. — E o primeiro quarto? — Joe riu. Aparentemente não estava a fim de deixar Kirn-Lan já se intrometer na conversa. — Espero que também esteja lindamente decorado para uma menina grande. — Está lindo. Lindo mesmo — replicou, forçando-se a mostrar entusiasmo, quando estava achando toda aquela conversa totalmente fora de hora. Depois de cantarolar no chuveiro, para indignação de Gina, Joe apareceu no quarto, com uma toalha enrolada na cintura. — Ainda nem começou a se vestir? O que há, algo errado? Ela sacudiu a cabeça. — Não estou… Não estou com fome. Ele foi se postar atrás dela, que estava sentada em frente ao espelho da penteadeira e colocou as mãos em seus ombros. — O que há? Já está com saudade de casa? — ela abaixou os olhos. — Olhe para mim, Gina — pediu com suavidade. — Está tentando me seduzir? — Foi você que começou a cena da sedução — ela retrucou —, não eu. Os dois se olharam por algum tempo, em desafio. — Sinto muito — ele desculpou-se. — Pensei que estivesse lhe fazendo um bem, que precisasse de algum tempo para se habituar a mim, novamente. Preparei-me durante esses meses para isso. — Tudo bem — Gina murmurou, embaraçada, desejando fugir dali. — Vamos jantar. Mas ele resistiu à sua tentativa de se desvencilhar dele. Olhou-o indignada, o que o fez sorrir. Sem pressa, ele afastou seus cabelos, abaixou a cabeça e a beijou no pescoço, enquanto suas mãos desciam- lhe pelos braços. — Quanto tempo demora para chegarmos a Waikiki? — ela perguntou, decidida a salvar o resto de seu orgulho. — Para o inferno com Waikiki! E não me venha com esse tom, gatinha! Esperei por você muito mais do que você por mim, garanto-lhe. — E, num gesto que não permitia qualquer discussão ou recusa, abaixou as alças da camisola dela, ficando encantado ao ver a nudez de seus seios. Livros Florzinha

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Prendendo a respiração, a fez levantar-se e voltar-se para ele, fazendo a camisola escorregar-lhe pelos quadris abaixo, gentilmente. Quando os lábios de Joe tocaram ávidos a sua boca, e seus seios encostaram-se ao peito dele, sua vontade de protestar morreu na garganta. A boca dele explorava sensualmente a sua, enquanto a abraçava com tamanha força que Gina foi tomada de paixão, sentindo vibrar cada milímetro de seu corpo. Cheia de desejo, ela acariciou as costas e o peito de Joe, aproximando-se dele retirou vagarosamente a toalha de banho, com uma inexplicável desenvoltura. Ergueu o rosto para beijar-lhe o pescoço e o peito, enquanto suas mãos desciam-lhe pelas costas, em movimentos cada vez mais ousados. Como era bom o perfume que exalava aquele corpo masculino! — Minha grande surpresa! — Joe levantou-lhe o rosto e ficou a estudar-lhe as feições muito coradas por alguns instantes. Depois, respirando profundamente, levou-a para a cama. Gina se entregou maravilhada àquela primeira experiência de sentir o corpo de um homem, quente e vibrante, inteiramente junto ao seu. Estava perdida de prazer quando ele, com uma exclamação abafada, comprimiu-a com mais força, como se quisesse fundir seus corpos num só. Com os olhos muito brilhantes, ela o encarou, passando os dedos entre os seus cabelos, e obrigando-o a beijá-la, com cada vez maior ardor e urgência, até quase perder a consciência. Quando acordou, ainda estava escuro. Estremeceu ao ver Joe dormindo a seu lado. Com um suspiro, aconchegou-se a ele, e dormiu outra vez. Já amanhecia quando ela tornou a acordar. Deitou-se de bruços e ficou observando o homem que era seu marido. Num certo sentido, despertar e encontrá-lo ao seu lado sugeria ainda maior intimidade do que os momentos de erotismo que haviam compartilhado na noite anterior. Pensando nisso, à luz fria da manhã, sentiu um certo constrangimento pelo que então lhe parecera tão natural e inevitável. Pela primeira vez lhe ocorreu o aspecto moral de fazer amor com um homem a quem não amava, fosse ou não casada com ele. Uma pontinha de culpa e vergonha a incomodava agora. Compreendia que, como não se amavam, não havia possibilidade de se magoarem. E fora mais fácil se dar sem inibições a ele, do que teria sido há tanto tempo com Norrie, quando estaria muito preocupada com o que pudesse pensar ou em como deveria agir. Só não podia contar com aqueles sentimentos de culpa ou vergonha… Joe acordou e encontrou-a observando-o, novamente. Sorriu, ainda sonolento. — Gina, Gina — murmurou, estendendo a mão para acariciá-la no rosto. — Finalmente minha. E havia se guardado para mim… quem diria?! Durante os dias seguintes, ele sempre mexia com Gina sobre a surpresa de sua virgindade, e achava graça de ver o embaraço dela. Uma semana depois, foram de avião até a ilha de Maui e ela ficou sabendo que Joe possuía uma propriedade localizada a vinte minutos de carro da antiga vila de Lahaina. O local era realmente privilegiado, a apenas cinco minutos a pé da praia. Joe havia investido ali a pequena herança que recebera do tio, a conselho de um amigo. Apesar de ser uma propriedade simples, a região prosperara tanto que era inacreditável o que estavam oferecendo por ela agora. Do terraço do andar superior, tinham uma belíssima vista de um campo de golfe, rodeado de palmeiras que se balançavam à brisa do vento, contra o azul do Pacífico perdendo-se no horizonte e, do outro lado, as montanhas cobertas de verde. Gina, entretanto, não conseguia usufruir da beleza do cenário por causa do relato que Joe lhe fazia sobre a situação social da ilha. Passearam ainda, numa pequena excursão até a cratera do vulcão Heleakala e viram nos dias seguintes as plantações de cana e a adorável vila de Lahaina. A ambição e exploração do homem pelo homem começaram a ficar visíveis, principalmente depois que Joe lhe contou sobre a corrupção da indústria do turismo local que, segundo ele, havia por trás de toda aquela beleza e tranqüilidade. Assim, Gina não precisou de muitas semanas para concluir que não estava morando em paraíso nenhum.

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Joe havia lhe mostrado quase tudo o que tinha para ser visto na ilha de Oahu e, ao fim de cada excursão, sentava-se e ficava esperando, quieto e observador, por suas reações. Gina logo se dera conta dessa tática e assumira uma atitude distanciada. Sabia que devia estar preparada, a cada dia, para um programa imprevisível. Um dia ele poderia levá-la para conhecer os bairros de elite, com suas avenidas arborizadas e lindas mansões, semi-escondidas pelos exuberantes jardins tropicais. Depois, como se para apagar completamente essa visão de sua lembrança, ele a levava, em seu Chevrolet conversível, para ver favelas medonhas. Waikiki, situada de um dos lados da ilha, era um verdadeiro centro da indústria turística. Bancos, hotéis e escritórios povoavam a Avenida Kalkaua, tão famosa quanto a praia. Do lado oposto da ilha, no entanto, o cenário era completamente diferente e dava a sensação de pertencer a outra época, há várias décadas atrás. Gina podia agora ver que o crescimento da ilha obedecera a uma exploração gananciosa e desgovernada, que não se preocupara nem um pouco com a preservação da natureza e da qualidade da vida dos habitantes nativos. Os contrastes pareciam não ter fim. Os próximos pontos do itinerário de Joe foram o centro de Honolulu e a temível Chinatown. Quando Joe desligou o carro na Beach Strech Succi e espreguiçou-se no banco, passando o braço por trás do encosto de sua poltrona, Gina olhou de soslaio para ele e, de repente, teve um ataque de riso que pensou não fosse mais acabar. — O que há? — ele lhe perguntou, endireitando o corpo. Ela procurou conter o riso e sacudiu a cabeça. — Nada… Ou melhor, é essa exatamente a minha pergunta. Por que essa loucura de voar para o Paraíso num dia e mergulhar no Inferno no outro? — Só queria que tivesse uma visão realista do lugar em que vai morar. Gina o olhou por um momento e, num repente, por uma razão que desconhecia, teve um acesso de ternura. Sorrindo, estendeu as mãos, puxou o rosto dele e beijou-o com muito mais doçura do que já havia feito até então. Ao endireitar o corpo, percebeu que ele não havia se mexido. Estava com os olhos fixos nela, de maneira perturbadora. Desviou os olhos e ficou intrigada consigo mesma. Nunca havia lhe dado, espontaneamente nenhuma demonstração de afeto e, quando ele o fazia, achava que era por causa de seu caráter expansivo, um modo de ser comum dos americanos. Talvez estivesse contagiada pelas próprias atitudes dele. Era melhor não pensar em outras razões. Olhando a rua calma e deserta, aparentemente tão inofensiva, comentou: — Não parece nem um pouco perigosa… — Deu um grito de susto quando Joe pegou seu rosto e a fez voltar-se, de olhos muito arregalados, para ele. — Pouco importa que pareça uma ruazinha interiorana — disse com ar sombrio. — É melhor que não venha, nunca, até aqui sozinha, quer seja dia ou noite. Você não tem idéia da gravidade dos crimes registrados aqui. — Joe ligou o carro, suspirando impaciente. Na verdade, diariamente o rádio noticiava os relatórios dos crimes com o que, aliás, Gina demorou a se acostumar. Alguns dos casos eram tão tenebrosos que preferia desligar o rádio e tentar se convencer de que devia haver algum exagero, como em tudo o mais na ilha, — Joe! Joe! — ao ouvir o seu nome, numa voz alta e com sotaque, ele brecou o carro e se voltou para ver quem era. Uma jovem chinesa de cabelos longos corria pela calçada em direção a eles, com a rapidez que lhe permitiam as sandálias altas e a saia muito justa. Aproximou-se da janela do lado de Joe, com um encantador sorriso nos lábios. Colocou a mão sedosa, de unhas longas e vermelhas, no rosto dele e, abaixando-se mais um pouco, deu-lhe um beijo na face. — Que bom ver você, Joe. Muito tempo, não o vejo. Onde tem andado? — Oi, Mi-Ling. — Diante dos olhos espantados de Gina, ele pegou a mão da chinesa e beijou, conservando-a na sua enquanto conversavam sobre coisas e pessoas, cujos nomes não conhecia. Mi-Ling lançou um tímido olhar para Gina. — Por que não o vejo há tanto tempo? — Eu me casei, Mi-Ling — disse, voltando-se para Gina. Para seu maior espanto ainda, o rosto dele tornou-se rubro quando a moça soltou uma gostosa gargalhada. Livros Florzinha

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— Não! — exclamou, com a voz cheia de riso. — Você não, Joe! — Não vejo graça nenhuma — Joe protestou. — Finalmente fisgado! E quem pescou o maior peixe do Havaí? Joe apresentou as duas. — Estou contente de conhecê-la, Gina — o sorriso de Mi-Ling parecia sincero. — Que homem você conseguiu! Eu a invejo. Ah, Joe — ela afastou uma mecha de cabelos que lhe caía na testa e cochichou qualquer coisa no ouvido dele. Gina ficou atônita ao ver o rosto dele corar novamente sob o bronzeado, antes de ele jogar a cabeça para trás e soltar uma gargalhada. — Tchau — ela despediu-se dos dois e afastou-se com um anda gracioso. No trajeto para casa, Joe não falou nada sobre a moça, nem sobre o que lhe dissera. Gina precisou fazer um grande esforço para também não perguntar nada. Assim que chegaram, desceu do carro sem esperar por ele, resistindo à tentação de bater a porta com toda força. — Que pressa é essa? — ele perguntou, alcançando-a. — Fomos convidados por Carol e Larry para jantar, não se lembra? — ela retrucou, procurando não dar o braço a torcer. — Nesse passo vamos chegar atrasados! CAPÍTULO IX Carol e Larry Hutchins eram grandes amigos de Joe e, prontamente, estenderam sua amizade a Gina também. Tinham dois filhos, Ben, com dez anos, e Amanda, com oito. De um modo geral, sempre que se despediam Gina tinha a sensação de que ainda poderia ficar, com imenso prazer, várias horas a mais na companhia deles. Eram espontâneos e formavam uma família feliz. Essa noite, porém, fora diferente. Voltara para casa nervosa e irritada e ficara aliviada quando Joe lhe dera um beijo de boa-noite, sem insistir para que ela fosse se deitar também. Queria beber alguma coisa e ler um pouco, para ver se relaxava. Era estranho que o dia tivesse começado como sempre se iniciavam os dias de folga de Joe e terminado daquela maneira. Primeiro fora aquele encontro misterioso com Mi-Ling. Depois, antes de saírem para a casa de Carol e Larry, a notícia de que Kim-Lan chegaria pelo vôo de Bangcok no sábado de manhã. O telegrama informava apenas isso. Joe teria de entrar em contato com as autoridades da Imigração para maiores detalhes. Gina levou sua xícara de chocolate quente para a sala de jantar. Sentou-se à mesa, pousou a xícara e rememorou, palavra por palavra, a conversa que tivera com Carol quando estavam sozinhas na cozinha. — Você está muito quieta, Gina. Nada errado, espero… — Não… — não se dera conta de estar tão calada e queria fazer o possível para mudar a impressão da amiga. — É que vimos muita coisa hoje e acho que não fiz a Joe todas as perguntas que estavam em minha cabeça. Fico pensando no que os nativos devem achar de ver sua terra tomada desse jeito. Carol Suspirou. — Infelizmente, isso é urna coisa que está acontecendo em toda parte. Pelo menos, é o que parece, inclusive em seu país, eu acho. Gina teve de admitir que sim e novamente caiu no silêncio. — Querida, você não está lamentando que Joe adote essa pequena vietnamita está? — Carol insistiu, visivelmente preocupada. — Não, claro que não! — retrucou Gina, surpresa. Depois fez um gesto desanimado. Como poderia explicar para Carol, que amava e era amada por Larry, que estava casada com um homem sobre o qual não sabia nada, ou quase nada. Por acaso, num raro momento de abandono, contara-lhe um dia um pouco sobre sua adolescência e dissera que considerava o passado, passado. Mas não tinha dúvidas de que, se os acontecimentos anteriores não afetavam sua vida durante o dia, afetavam muito suas horas de sono. Se ao menos pudesse ajudá-lo.

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— Desculpe-me, Gina, mas por que então está tão quieta? Em que está pensando? Sabe que me preocupo com você… — Em Kim-Lan, creio. Espero estar à altura do que esperam de mim. Se pelo menos soubesse o que esperam de mim! Não tenho a menor idéia do tipo de vida que essa menina vinha levando. — Não perguntou a Joe? — Ele não fala sobre o Vietnam. — Não… — Carol deu um suspiro. — Espero que não fale mesmo. E nisso não está sozinho. Larry também não fala. A maioria não fala. Gina quase confessou que tudo que sabia era o que Joe murmurava ou gritava enquanto dormia, mas conteve-se. — Viveram num verdadeiro inferno, essa é que é a verdade. Viram muitas atrocidades e perderam seus melhores amigos. Mas nenhum viveu o drama que Joe viveu, e nenhum perdeu seu melhor amigo da maneira que ele perdeu. — Ele… ele está enterrado lá? — Gina imaginou, numa fração de segundos, que, se conseguisse fazer as perguntas certas, talvez descobrisse mais alguma coisa. — Por Deus, não deve ter sido enterrado de jeito nenhum. Ninguém certamente ia parar para enterrá-lo. — Será que ele morreu na queda? — Espero e acredito que sim. — É que o Joe fala muito sobre isso durante o sono. Carol foi até o lado de Gina e passou a mão pelo ombro dela. — Posso imaginar o que deva ser viver com um homem que tem de conviver com a lembrança de ter causado a morte de seu melhor amigo. Lembre-se que Larry e eu sabemos da situação e estamos aqui a qualquer tempo, se quiser falar no assunto. — Ele fica… fica falando para ele subir. A mão de Carol pressionou o seu ombro. — Eu sei… eu sei… Mas ele não subiria… não poderia. Estava paralisado, petrificado. Era ou o Eddie, ou todos aqueles homens no helicóptero e os outros embaixo, que esperavam para subir. Joe fez o que tinha a fazer. — Parece que não é assim que vê… Não entendo, é tudo tão confuso… — Um dia, se Deus quiser, e com você ao lado dele, conseguirá enxergar dessa maneira. Larry era um dos que estavam no helicóptero. Viu Joe empurrar o melhor amigo para fora da escada e sabe que, se não o tivesse feito, possivelmente nenhum deles teria voltado com vida. É um homem de verdade — Carol a abraçou carinhosamente e sorriu, tentando aliviar a tensão. — O que devo fazer? — A voz de Gina saiu num sussurro e ela enxugou, furtivamente, a lágrima que lhe escorria pelo rosto. — Simplesmente o ame — aconselhou-a Carol, com doçura, — Ame-o tanto quanto ele a ama. Não duvido que o ame, mas naturalmente é mais retraída em suas atitudes do que nós. Da maneira que Joe segue cada um de seus movimentos com os olhos, acaba sendo um contraste. Será que Carol, sensível como era, não havia percebido a situação entre eles? Por que então Lou insistia em dizer que Joe a amava? Gina mexeu o chocolate com a colher. Será que não conseguiam perceber a diferença? Eram simplesmente como dois amantes unidos somente pelo desejo físico, vivendo, se relacionando e usufruindo o sol juntos. E, pelo que sabia, nenhum dos dois queria mudar ou acrescentar nada à força motivadora daquela união! Levantando-se com um suspiro, Gina esvaziou a xícara e foi deixá-la cozinha. A fim de não incomodar Joe, lavou o rosto e escovou os dentes no outro banheiro. Ao chegar no quarto, parou diante do que viu, pois ele deixara acesa a luz do abajur ao lado da cama. Parecia que esta não era feita há semanas. Sobre os lençóis desarranjados, Joe se debatia e se contorcia, exatamente como naquele fim de semana cm Tiraumea, e seus braços se movimentavam rapidamente, como naquela noite, há cerca de um mês. Livros Florzinha

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Essa noite, porém, parecia mais angustiado do que nunca, soluçava muito, e, em vez de transpiração, seu rosto estava lavado em lágrimas. Com o coração apertado, Gina foi se ajoelhar ao lado da cama. Ficou um momento sem saber o que fazer. Finalmente, vestida mesmo, resolveu ir se deitar ao lado dele e começou a tentar acalmá-lo, acariciando-o e dizendo-lhe palavras de conforto, até que ele foi se aquietando e ficou tranqüilo com a cabeça contra seu peito. Ao acordar na manhã seguinte, Joe já havia se levantado, tomado banho e vestido seu uniforme bege. Estava amarrando os sapatos na outra extremidade da cama. — Bom dia — cumprimentou-o, esticando braços e pernas, que nem ousara mexer durante a noite para não perturbá-lo. Ele voltou a cabeça e perguntou em resposta: — É nova essa moda de ir para a cama de roupas? — Você estava tendo outro pesadelo — disse Gina, decidida a não medir as palavras. Apoiou-se num cotovelo. — Depois que consegui acalmá-lo, não quis correr o risco de perturbá-lo outra vez. O olhar dele ficou ainda mais vago. — Bem — disse, levantando-se —, não há dúvidas de que vai ficar feliz quando Kim-Lan chegar e puder extravasar seus frustrados instintos maternos com ela. E com isso ele se foi. Gina ficou olhando incrédula para o lugar onde Joe havia estado. Então era assim que reagia? Deitou-se novamente e ficou contemplando o teto. Perguntava-se, assustada, se, ao casar com Joe, não havia se proposto uma tarefa mais difícil do que poderia cumprir. No momento em que pousou os olhos na diminuta figura, frágil e pálida, com os cabelos repartidos ao meio e duas longas “marias-chiquinhas” emoldurando-lhe o rosto, todas as reservas e apreensões de Gina se dissiparam. O amor por aquela criaturinha nasceu espontaneamente em seu coração, naquele exato momento. Foi agachar-se do lado dela, sem tocá-la, para não causar susto, sentindo-se verdadeiramente feliz. Em pouco tempo, Gina esqueceu-se de tudo o mais, inclusive de Joe. Se tivesse parado para prestar atenção na maneira como a observava, teria ficado aterrorizada diante da expressão de seu olhar. Mas apesar de ter sido examinada pelas devidas autoridades médicas de Bangcok, KimLan precisou deixá-los para se submeter a novas consultas e exames, ficando hospitalizada por mais três dias antes de ir definitivamente para casa. Gina aguardou-a com impaciência, sabendo que só agora verdadeiramente começaria seu difícil trabalho de ganhar-lhe a confiança. Conforme os dias se passavam, entretanto, ela começou a agradecer a Deus pela facilidade com que as crianças têm em se adaptar. Com toda paciência, foi se aproximando da menina, conversando, falando devagar e claramente, embora soubesse que ela não entendia uma palavra. Sabendo que não podia exprimir seu amor por demonstrações físicas, Gina o canalizava através de pequenos carinhos, olhares meigos e sorrisos quentes, dando tempo ao tempo para conquistar o amor e a confiança da menina. Embora tivesse toda compreensão das dificuldades que a criança teria para se ajustar, ela falhou em reconhecer que a vida de Joe havia mudado muito desde sua chegada. Sentia-se perplexa diante de suas variações de humor, suas explosões de raiva e seus mutismos. Parecia não ter a menor afeição por Kim-Lan e, quanto mais se dedicava a ela, fazendo-lhe roupinhas, lendo histórias e saindo com ela, ensinando-a a não ter medo do mar e a brincar na areia, menos interesse ele demonstrava pelas duas. Gina simplesmente não entendia e se perguntava se o agradaria mais se negligenciasse a responsabilidade que havia assumido ao casar com ele. Quem seria o pai daquela criança? Gina suspirou. Era bom perambular sem destino pelas ruas centrais de Honolulu. Dois meses depois da chegada de Kim-Lan, era a primeira vez que tinha algumas horas para si. Deixara a menina na casa de Carol e estava tranqüila, pois com os dois filhos da amiga para mimá-la não sentiria sua falta. Livros Florzinha

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Caminhando sem pressa, Gina foi aos poucos relaxando. Seu pensamento também vagava a esmo. De repente, foi dar numa esquina onde havia uma quitanda, cujo estado de conservação era péssimo mas que tinha, empilhadas à sua porta, várias caixas em cujos rótulos se lia: “Maçãs da Nova Zelândia”. Maçãs! Há quanto tempo não comia maçãs! Excitada, comprou várias, aliás sua única aquisição do dia. Começou a caminhar novamente, mordendo uma delas, quando lhe ocorreu verificar o nome da rua para poder voltar e comprar mais. Seu sangue gelou. Estava na Beach Street. Já devia estar em Chinatown há mais de meia hora! A rua estava banhada de sol. Para os olhos inocentes de Gina, aquela se assemelhava a urna rua antiga de qualquer subúrbio das cidades de seu país. Honestamente, não entendia a razão para o exagero de Joe. Se Mi-Ling podia andar por ali, por que ela não poderia? Ao chegar, entretanto, a uma outra esquina, parou e, hesitante, entrou à direita, numa viela mais estreita e deserta. Teve um ligeiro estremecimento, mas procurou não se atemorizar. Estava quase no fim da rua quando percebeu, de repente, que não caminhava mais sozinha pela calçada imunda. Ia virar-se quando seus passos foram interceptados. Foi empurrada violentamente e perdeu o equilíbrio. As maçãs caíram e rolaram pelo chão. Com o coração na boca, começou a correr, assim que recuperou o equilíbrio. Não dava para ter idéia da distância que percorrera quando foi apanhada. Gritou e soltou um soluço ao ser atirada ao chão, batendo com força numa lata. Sentiu o cheiro do lixo por alguns segundos, mas um golpe em sua cabeça a fez perder os sentidos… Era estranho sonhar que Joe estivera sentado à sua cabeceira enquanto dormia, observando-a com os olhos ainda mais azuis e brilhantes por causa das lágrimas. Tentava desesperadamente manter os olhos abertos para perguntar a ele por que estava chorando, mas não conseguia. Agora, ao acordar, viu que ele andava de um lado para o outro do quarto. — Joe? — estava com a voz grossa de sono. — Por que não vem se deitar? No mesmo instante ele estava a seu lado, com a fisionomia muito séria. Seus olhos, a princípio preocupados, tornaram-se zangados. Gina tentou sentar-se, mas foi impedida pelo peso que sentia na cabeça. — O que há, Joe? — O que há? — ele repetiu, falando baixo. — Vou dizer-lhe o que há. Não lhe disse para nunca ir a Chinatown sozinha? Não a avisei dos perigos? Não a fiz ler e ouvir os boletins das ocorrências? Deus, acho que poderia torcer-lhe o pescoço! Reconhece isso? — perguntou, mostrando-lhe a tira de sua bolsa. — Sabe o que significa? Que seu agressor estava com um canivete. Acho que devemos ser gratos de ele ter se contentado em lhe dar uma coronhada na cabeça. Podia ter-lhe furado as costelas. — Sr. Mitchell! Gina havia recobrado suficientemente os sentidos para saber a razão da zanga do marido e perceber que estava num hospital. A mulher que entrava indignada era uma enfermeira. — Onde vai? — perguntou ao ver Joe se voltar e sair. — A um lugar onde possa esquecer de tudo isso — ele retrucou, voltando-se para ela e saindo. A enfermeira veio ajeitar o travesseiro e tentou reconfortá-la. — Apesar de não parecer, acho que deve ser a maneira de ele extravasar todo o alívio que está sentindo por vê-la bem. Estava completamente desesperado com o que aconteceu. — Há quanto tempo estou aqui? — Gina perguntou. — Há três dias. Gina entrou em pânico. Agarrou o braço da enfermeira. — E Kim-Lan, minha filhinha? — Ora, ora. Se quiser sair logo daqui, pare de se preocupar. Sua filha está muito bem cuidada, se é o que quer saber. Gina, porém, sabia que não ficaria sossegada enquanto não soubesse onde Kim-Lan estava e quem cuidava dela. Assim, tão logo Joe apareceu na tarde seguinte, depois de Livros Florzinha

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trocarem um cumprimento seco, perguntou, imediatamente, pela menina, com lágrimas nos olhos. Joe aproximou-se de sua cabeceira, sentou-se na cadeira ao lado dela, e olhou-a, sombrio. — Ela está muito bem. — Estava começando a conseguir que se sentisse segura — comentou Guia chorosa. — Isso vai fazer sua adaptação retroceder. — As crianças são muito resistentes, como ela mesma provou. Vai se recuperar logo. Gina sacudiu a cabeça, impressionada com a frieza daquela resposta. — Não se importa com ela, Joe? — Claro que me importo! — explodiu. — Por que acha que haveria de querer adotá-la? Louca de raiva e exasperação com aquela resposta, Gina replicou com voz tensa, mas controlada: — Bem, não tenho certeza se se importa tão profundamente como diz. Mas tenho certeza de que eu me importo e não sei o que farei se qualquer coisa acontecer a ela. É tudo que tenho no mundo para amar e vou amá-la também por você e apesar de você! Joe deu um suspiro desanimado. Apoiou o cotovelo numa das pernas e abaixou os olhos para as mãos. — É… sei disso. — Vai trazê-la para que a veja? — Carol vai vir mais tarde e disse que ia trazer Kim-Lan. Gina sentiu-se reanimar depois dessa informação. — Você não parece tão abatido, como imaginei que fosse ficar, depois da cena de ontem à noite. Um leve sorriso brincou nos lábios de Joe e, quando ele levantou a cabeça e a fitou, Gina se deu conta de que há muito não via aquele olhar vivo, maroto e risonho, que era constante na Nova Zelândia e mesmo em Maui… — Onde esteve? — Em Chínatown. Os olhares dos dois se encontraram. — Com Mi-Ling? — Sim, com Mi-Ling. Gina não entendia a razão dessa informação causar-lhe um nó na garganta. — Quem é ela, Joe? — conseguiu perguntar, com dificuldade. — É uma prostituta? — É uma dama — replicou ele, com voz emocionada. — Uma das mulheres mais especiais que já conheci. Foi ela quem a encontrou e chamou uma ambulância. — Como? — Gina estava surpresa. — Viu-a andando como uma turista despreocupada e, por minha causa, decidiu ficar de olho em você até sair daquela área. Talvez o bandido não tenha lhe ferido seriamente porque ela se aproximou. Provavelmente nunca vamos ficar sabendo disso, mas esse não é o primeiro favor que ela me faz, ou aos rapazes da minha Companhia… Gina o olhou agoniada. — Não entendo a vida aqui, Joe, nem as pessoas. Na maior parte do tempo, não entendo sequer a língua. É como se tivesse vindo para um outro mundo, mas juro a você que não ignorei deliberadamente suas recomendações. Creio que fui descuidada. Fiquei andando durante horas, sem prestar atenção para onde estava indo. Não acredita em mim? — perguntou ao vê-lo impassível. Dando um leve suspiro, Joe se levantou e foi recolocar a cadeira no lugar. — Certamente acredito — disse, olhando-a com uma expressão tristonha. — Como também acredito que sua indiferença em relação a mim não permita que retenha grande coisa do que lhe digo ou peço para fazer. — Não é verdade… — Gina protestou. Mas não obteve resposta, pois Joe havia saído antes que terminasse a frase. CAPÍTULO X Livros Florzinha

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Carol foi buscá-la no dia de sua alta no hospital. Apesar de sua conversa animada durante o trajeto para casa, Gina pressentia que a amiga tentava distrai-la para encobrir problemas mais sérios. Nada ousou perguntar-lhe, entretanto, por estar preocupada demais com a mudança e o esfriamento de Joe em relação a ela. Ao chegarem, Carol insistiu cm ajudá-la a levar suas coisas para dentro. Gina ficou ao mesmo tempo agradecida, pois estava precisando mais do que nunca de apoio, e apreensiva, porque não desejava que a amiga testemunhasse o reencontro tenso que provavelmente teria com Joe. Felizmente, Kim-Lan, sem saber, salvou a situação. Gina se encheu de alegria ao ver a menina, que estava sentada com ele à mesa, levantar-se e voar ao seu encontro com o rosto iluminado, gritando: — Gi-na, Gi-na! Gina teve a sensação de, no mesmo instante, lhe terem tirado um peso de cima da cabeça. Não agüentava pensar que os dias de separação pudessem ter posto a perder todo o trabalho e dedicação que empregara em ganhar-lhe a afeição. Eufórica, agachou-se e, rindo, tomou-a nos braços. Quando se virou, seus olhos, quase por acaso, encontraram os de Joe. Quase deixou a criança cair, tão chocada ficou ao ver a agonia estampada naquele olhar. Foi apenas uma fração de segundo e ele logo se recompôs. Despediu-se de Carol à porta, sem notar os modos formais dela. Em sua cabeça só havia lugar para pensamentos caóticos. Lou e a amiga bem que a haviam dito que Joe estava apaixonado por ela. Realmente ele a amava! Sabia disso agora e sentia-se alarmada. Nos dias seguintes, Joe deu-lhe várias oportunidades para duvidar de sua descoberta. Em alguns momentos, porém, o surpreendia olhando-a de uma maneira que não deixava dúvidas. O tempo foi passando e ela começou a compreender que sua paz de espírito estava definitivamente ameaçada. Enquanto ela própria agia como um autômato, Joe parecia cada vez mais distante. Além de um rápido beijo de despedida, evitava todo tipo de contato com ela. Não tinham feito amor desde que saíra do hospital, e no começo Gina até achou bom. Precisava de tempo para examinar sob uma outra ótica o relacionamento deles, e avaliar seus próprios sentimentos. Sabia que uma honesta autocrítica não ia favorecê-la em nada. Afinal, havia permitido que um homem indigno e sem nenhum valor como Norrie a impedisse de amar alguém novamente e isso era quase monstruoso. Na verdade, não havia grande mérito em amar uma criaturazinha inocente e indefesa como Kim-Lan, que não a ameaçava em nada. Era a coisa mais natural, isso sim, que a amasse. Enquanto amar Joe… Amar Joe parecera-lhe impossível. Joe, que a princípio achara grande, deselegante, cheio de energia e paixão animal por tudo que fazia, cheia de uma enorme alegria e prazer de viver que a assustavam e agrediam. Apesar dos pesares, viera a sentir uma inexplicável atração física por ele. Se não visse nos olhos dele o mesmo desejo, ficaria envergonhada de estar compartilhando com ele apenas os prazeres físicos daquele relacionamento. Mas acreditava, então, que ele não a amava. Nem ela a ele. E assim era mais fácil. Não haveria cobranças. Muito cômodo para ela. Quisera ignorar a ternura dele, o bom humor, as várias pequenas atenções e a preocupação com seu bem-estar. Tinha tido várias oportunidades de compreender os sentimentos dele por ela, mas preferira se recusar a reconhecê-los, provavelmente por achar, sem maiores reflexões, que nunca seria capaz de retribuí-los. Joe tinha um grande conhecimento do mundo, dos homens, da vida, do sofrimento, de tudo. Ela, em compensação, não conhecia nada. Era como se tivesse vindo, não de um outro país ou cultura, mas de um outro mundo e de uma outra época. As palavras não podiam descrever o que havia sofrido, visto e vivido. As lembranças de seu passado não podiam ser guardadas com saudade, ou mesmo com rancor. Precisavam, isso sim, ser esquecidas. E com tudo isso, aquele homem a amara, a ela, a orgulhosa e tola Gina Wells, criatura fria e ressentida que o vira apenas como um espinho a incomodá-la, do qual queria livrar-se a

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qualquer custo. Por isso o ridicularizara e o desprezara, porque nele sobravam vida e valores que ela não tinha. Pegava-se então, como agora, a olhá-lo fixamente enquanto comia. De repente, Joe se levantou e, como fazia à noite, com cada vez maior freqüência, disse-lhe que ia sair. Nessas noites, com Kim-Lan dormindo e a casa muito quieta, Gina encolhia-se no sofá e tentava costurar ou desenhar os vestidos que gostaria de fazer para a filha. Entretanto, à medida que Joe passava mais tempo fora de casa, tornava-se impossível conseguir concentrar-se até nos mais leves programas de televisão. Sabia que precisava fazer alguma coisa. Mas o quê? Talvez bebesse um pouco quando saía, mas nunca chegara bêbado em casa, O que faria na rua? Quando sua imaginação começou a torturá-la com visões do marido em companhia da sensual Mi-Ling, Gina teve a súbita e dolorosa revelação de que faria tudo para conservá-lo, embora não tivesse mais certeza se o conseguiria. Ao chegar a essa conclusão, pelo menos, sentiu-se armada de força e determinação. Nessa noite, encorajando-se a lutar pelo que era seu, acompanhou-o quando foi até o quatro para trocar de roupa encostando-se ao batente da porta a observá-lo. Tremia da cabeça aos pés, indecisa e apreensiva. Há quatro semanas rompera-se completamente a comunicação entre eles. Ocorria-lhe agora que demorara demais para tomar essa atitude. Não sabia nem por onde começar, nem o que dizer. Como sempre acontecia, não foi preciso tomar a iniciativa, pois Joe voltou-se para ela com os olhos brilhantes de raiva. — Droga! Quer parar de tentar entrar dentro da minha cabeça! — explodiu, levantando a voz como nunca havia feito antes. — Pare de me observar e tentar ler cada um de meus pensamentos. Pelo amor de Deus, não tente acabar com meu amor-próprio e a minha privacidade. — Eu… Joe… — Gina estava angustiada. Umedeceu os lábios secos com a língua e tentou encontrar coragem para ir em frente. — Você não acha que precisamos conversar? Realmente não gostaria que você saísse hoje. Por favor, fique em casa e vamos conversar. — Conversar? — perguntou ele, olhando-a insinuantemente. Gina corou. Se ele pretendera humilhá-la, conseguira. Ainda assim, engolindo sua humilhação, perguntou: — Você… Você preferia não ter se casado comigo? Depois de um breve silêncio, Joe deu uma risada seca. — Daria tudo para nunca ter posto os olhos em você, mas não me arrependo de termos nos casado. É claro que a recíproca não é verdadeira, não? — Não! Como pode pensar isso? Que motivos lhe dei? — Desculpe — ele remexia em suas gavetas, com movimentos bruscos. — Estava esquecendo que se não tivesse se casado comigo, não teria a oportunidade de se apaixonar de novo, não é? Por Kim-Lan. Um pequeno caso muito agradável. Sem exigências, nem ameaças — fechou a gaveta. — Onde diabos estão minhas camisetas? — Joe! — Foi até ele de mãos estendidas, desejando aplacar aquela fúria que chegava a assustá-la. — Não podemos, por favor, conversar? — Sobre o quê? Como a negligenciei neste último mês? Está se queixando? Pensei que fosse um alívio escapar de minhas atenções agora que, finalmente, encontrou alguém a quem dedicar sua atrofia- da capacidade de amar. Gina sentia-se arrasada. Ignorou a dor que aquela verdade lhe causava e insistiu:. — Sei que tenho posto Lan em primeiro lugar e quero que me perdoe — fez um gesto frustrado ao vê-lo colocar a camisa limpa, enquanto não tirava os olhos dela com uma expressão cínica. — O que posso fazer para que acredite em mim? — Se não fosse apenas meia mulher, daria um jeito de provar — desafiou-a, usando de mais crueldade do que ela o julgava capaz. Gina deu um passo para trás, chocada. — Não entendo você — disse com voz trêmula. — Sei disso— ele retrucou, abotoando a camisa. Livros Florzinha

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— Mas quero entender… juro que quero. Quero consertar tudo o que há de errado entre nós. Será que foi minha ida a Chinatown a causa de tudo? — persistiu, decidida. — Não fui lá de propósito. Já lhe disse isso e é verdade. Não faria nada às suas costas. Joe continuava impassível. — Se é por causa de Lan, também já lhe disse que acho que fui insensata e vou pô-lo em primeiro lugar no futuro. Prometo. Sem dizer uma palavra, ele passou por ela e foi para o hall. — Bem, pelo menos me diga onde prefere estar, se não gosta de ficar aqui comigo! — disse-lhe melancólica, sentindo-se derrotada. — Isso não tem nada a ver com preferência. Tudo o que sei é que se ficasse por aqui acabaria fazendo algo que lamentaria. — Me estrangularia? — de repente, a raiva tomou conta dela. — È à casa de Mi-Ling que você vai? — perguntou assim que ele lhe deu as costas novamente. Joe se voltou, com uma expressão irritada. — Tenho trabalho para pôr em dia. Trabalho que agora posso fazer porque seu rosto não está mais impresso em cada folha de papel que pego. Depois vou beber alguma coisa com os rapazes, antes de vir para casa. As noites são mais suportáveis quando consigo dormir. Mas quando você me vir tomar um banho antes de sair — acrescentou, caçoando — então terá razão de desconfiar de que vou me encontrar com outra mulher. Nesse momento, os ouvidos de Gina pareceram tilintar e sua vista ficou meio turva. — Se alguma vez você me trair — ouviu-se ameaçar, com voz trêmula — vou fazê-lo arrepender-se mais do que do dia em que me conheceu! — Mais do que agora? — ele lhe perguntou calmo, dando um passo ameaçador em direção a ela. A raiva, porém, a imbuiu de uma estranha valentia. Encarando-o com os olhos brilhantes, como os de um gato diante de uma provocação. — Nunca vou deixá-lo ir, Joe… juro-lhe. Nunca lutei com minha irmã por ter me tirado Norrie, mas vou lutar com unhas e dentes para não perdê-lo. Alguma coisa havia mudado na chama do olhar de Joe. Gina estava voltada muito para dentro de si mesma para perceber. — Por quê, Gina? Por favor, diga-me por quê? A valentia de Gina estava se esgotando. Abaixou a cabeça, mas logo Joe levantou seu queixo, fazendo-a encará-lo. — Não… não quero perdê-lo — gaguejou. — De que outra maneira posso lhe dizer o quanto preciso de você? Como aprendi a admirá-lo e respeitá-lo, por sua honestidade, por seu calor, sua ternura? Joe tirou a mão de seu queixo e, antes que lhe desse as costas, Gina observou o brilho do olhar dele morrer. — Joe, por favor, não se vá! Não poderia suportar mais quatro semanas como as últimas, nem mais seis meses como os últimos. Se me amou uma vez, não deixe que seja tarde demais. Por favor, procure me amar novamente e me deixe mostrar o quanto te amo. Ele enrijeceu o corpo, como se tivesse levado um choque. — Joe, te amo tanto — ela abraçou-o, pressionando o rosto contra o peito dele, implorando baixinho: — Por favor, vamos começar outra vez. Soltando uma imprecação, ele se soltou, pegou-a nos braços e a sacudiu. — Por Deus, se estiver brincando comigo… — Não estou! — Gina chorava, lívida. — Joe, você está me machucando. — Gostaria de lhe quebrar o pescoço pelo que me fez sofrer! — vociferou. Depois, abraçou-a com firmeza e puxou-lhe a cabeça, pelos cabelos, para trás. Olhou-a pelo que lhe pareceu uma eternidade até inclinar-se para começar a beijá-la. Não foram beijos doces, de início, mas beijos violentos. Gina se submeteu passiva por entender que queria castigá-la por tudo o que sofrera. Sentia dor e êxtase com aqueles beijos. Finalmente, eles se tornaram beijos de um homem apaixonado e ela pôde conhecer sensações até então desconhecidas. — Joe… Joe… — sussurrava sem parar.

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— Não! — a resposta negativa não combinava com o sorriso doce. — Não agora, querida. Tem toda minha permissão para me seduzir depois do jantar, mas definitivamente agora vamos jantar fora — concluiu, afastando-a de si. — Mas, e Kim-Lan? — Vou pedir a Carol para vir ficar aqui por algumas horas. Tenho certeza de que ficará muito contente de nos fazer esse favor. Agora, enquanto telefono, vá se aprontar. Sentados à mesa do restaurante Royal Hawaiian, que dava para a praia de Waikiki, Gina não conseguia desprender os olhos da figura de Joe. Não o achava mais “feio”, pois durante aqueles meses havia aprendido a valorizar suas qualidades de caráter que lhe davam até beleza às feições. Seu rosto largo, seu nariz e queixo agressivos pareciam-lhe agora muito atraentes. — Se continuar a me olhar desse jeito — Joe avisou-a com voz macia — não posso me responsabilizar pelas minhas ações! — Não sei o que estamos fazendo aqui — Gina brincou. — A última coisa de que precisamos é de público. — Prometo que logo mais vamos procurar um lugar solitário para nós dois, uma baía iluminada pela lua… Ora, ora, você está corando! Mais do que corou em nossa lua-de-mel. Não vá me dizer que esqueceu de todas as praias desertas em que estivemos, à luz do sol e da lua! — Não, claro que não! — ela evitou aquele olhar quente. — Mas então eu não estava apaixonada por você… — E você tem medo de me amar? Olhe para mim, Gina. — Acho que só um pouquinho — Gina admitiu. — Diria que mais do que um pouquinho! — Pode ser, mas não mudaria o que sinto por você, mesmo se pudesse. Nem trocaria esta noite por qualquer outra de nosso casamento. Só gostaria de ter descoberto antes o que sinto e o que você sentia. Se me amava, por que nunca me disse? — Quando deveria ter dito? — Talvez quando descobriu. Joe esboçou um sorriso. — Nunca descobri. Gina o olhou aflita. Para seu horror, ocorreu-lhe que realmente ele nunca havia dito que a amava. Concluíra por uma simples expressão do rosto dele… — Quer dizer… que você… você não me ama? — sussurrou, com medo do que dizia. — O que quero dizer é que nunca houve um momento em que não a tivesse amado. Simplesmente sempre soube que a amava, desde o momento em que recolhi suas coisas na calçada e pus os olhos em um certo par de olhos verde-acinzentados. Fiquei enfeitiçado. Naquele momento entendi que faltava uma parte de mim mesmo, que de nada valia a liberdade que há tanto cultivava. Pensei comigo mesmo: nasci para ela e morreria por ela. Por mais bonitas e queridas que fossem aquelas palavras, soaram-lhe como golpes, deixando-a cega, surda e muda. Gina apalpou a ponta da mesa e, com grande esforço, levantou-se e saiu daquele restaurante, que lhe parecia uma arena. Na areia, tirou as sandálias e correu até a beira da água. Pouco depois, foi agarrada pelo braço. — Gina! Pelo amor de Deus, o que falei de errado? — Joe a fez voltar-se, ao alcançá-la, fazendo-a chocar-se contra seu peito quando a virou. Olhou espantado para seu rosto lavado de lágrimas. — Como pôde? — ela batia com os punhos cerrados no peito de Joe e soluçava. — Fui… fui tão horrível! Não é possível… fui muito injusta com você. Diga que não é verdade, que inventou. — Gina, por favor, quer se acalmar, pelo amor de Deus! — trêmula, ela se acalmou e encostou seu corpo ao dele. — Assim está melhor — ele disse baixinho, beijando-lhe os cabelos, falando palavras doces e acariciando-lhe as costas.

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— Estou tão envergonhada… — ela se afastou dele. — Fui tão estúpida com você! Desprezei-o e maltratei-o. Como pôde ter-me amado quando meu comportamento era tão abominável. — Conseguia enxergar através de tudo isso e imaginar como você realmente era, tolinha. Sei agora como se sente um lapidador de diamante ao ver emergir uma gema da mais fina qualidade de uma pedra bruta. Sempre tive determinação e, às vezes, a gente consegue ser paciente. Só podia dar certo. Gina olhava-o maravilhada. — Você nunca me disse nada, não me deu nem uma deixa… — O que lucraria se tivesse lhe dito? Absolutamente nada. Dicas, porém, dei muitas, de várias maneiras, em todas as minhas ações. Foi duro esperar que percebesse. Achei que nunca ia acontecer. Joe aninhou Gina em seus braços. Ela levantou os lábios para ele. O tempo e o espaço deixaram de existir. Pouco depois, pressionando sua boca contra a dele, ela murmurou: — Vamos para casa. — Hum-hum… — ele a afastou um pouco, beijando-a no nariz. Abaixou-se depois para pegar as sandálias dela. — Os corpos têm a tendência de se atrair, mas não é todos os dias que minha mulher me diz, pela primeira vez, que me ama. Quero por isso comemorar, passeando de braços dados pela praia de Waikiki. Vamos fazer um amor bem gostoso mais tarde, está bem? — Acho que sim — conformou-se Gina, rindo e saboreando a felicidade recémconquistada. Passou os dois braços pela cintura dele, ao começarem a andar. — Afinal, não é todo dia que você mostra essa faceta tão romântica e poética. Quem diria, hein? Ele a apertou mais contra o seu corpo. — Nunca pensei que um dia fosse dizer que gosto desta praia! — Joe jogou a cabeça para trás, rindo feliz. — Acho que nesse momento não há lugar no mundo de que eu goste mais! — Nem mesmo de Himantangi? — provocou-o Gina. — Ah, isso me lembra de um assunto que está na minha cabeça há algumas semanas. Recebi uma carta de seu pai quando você estava no hospital Gina parou, surpreendida. — E nunca me disse? — enrijeceu o corpo quando um pensamento lhe passou pela cabeça. — Algo errado? — Não, não, fique tranqüila — Joe a puxou e recomeçaram a andar. — Ofereceram-lhe uma pequena fazenda agrícola na região e ele resolveu comprá-la. — Sem nem falar comigo? — Bem, talvez simplesmente porque, na verdade, o assunto tem mais a ver comigo do que com você. Ele vai ter de vender Tiraumea e queria saber se me interessava. — O quê? Está falando sério? — Nunca falei mais sério. — Quer dizer que guarda uma notícia dessas há quatro semanas? Por que não falou antes? — Porque, droga, não sabia como tocar no assunto. As coisas entre nós estavam ficando cada dia piores. Não sabia o que devia fazer. — E o que acha agora? — Agora, quero sua opinião. Se permanecermos aqui e eu ficar no Exército, nunca vou me tornar um oficial, nem mesmo por você. — Nunca quis que se tornasse. Isso é fruto de sua imaginação. Tudo o que quero é que faça aquilo que mais lhe agrada. — Você gosta de Tiraumea, não gosta Gina? — Claro, era minha casa. Amo cada pedacinho daquela terra. — Então não se importaria de trocar o “Paraíso” por Tiraumea? — Joe! — Gina parou, quase sem respiração. Joe deu mais alguns passos, virando-se para trás, para olhá-la. — Está falando sério? — rindo eufórica, ela se atirou nos braços dele. — Obrigada, meu amor, não sabia que era possível tamanha felicidade.

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— Além de tudo, Gina, Kim-Lan vai florescer lá. Vai ser ótimo para a saúde dela e o lugar ideal para criarmos nossos filhos. Gina levantou o rosto e beijou-o. Em silêncio, retomaram a caminhada. — Kim-Lan não é minha filha — disse um pouco depois. O coração de Gina deu um salto, não tanto por causa dessa revelação, mas porque, finalmente, ele se dispunha a falar com ela sobre as coisas que o afligiam. Sabia que Kim-Lan era só o começo. — Ela é a filha de um grande amigo meu… Eddie… foi o melhor companheiro que já tive. Como Joe caminhasse a seu lado, sem tocá-la, ela envolveu um dos braços dele nos seus, amando de todo coração aquele homem que agora sabia que significava tudo o que havia de mais precioso para ela. FIM.

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